A Política Externa da República Popular da China para África no Século XXI

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A POLÍTICA EXTERNA DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA PARA ÁFRICA NO SÉCULO XXI

Fonte: Africa Research Institute

Fonte: Russian International Affairs Council

Sofia Dias Ramos, Nº 212430 Unidade Curricular: Política Externa das Grandes Potências Docente: Professor Catedrático Luís Amado

Lisboa 13 de Junho de 2015

Índice

1. Introdução

p. 3

2. A Política Externa Chinesa para África no Século XXI

p. 5

2.1. Enquadramento Histórico

p. 5

2.2. Instrumentos de Acção Estratégica

p. 7

2.2.1. Diplomacia Económica

p. 9

2.2.2. Diplomacia Pública

p. 10

3. A Incursão Geoestratégica em África

p. 12

3.1. Relações Bilaterais: Visitas de Estado

p. 14

3.2. Multilateralismo: O papel do FOCAC

p. 15

3.3. Língua e Cultura: O papel do Instituto Confúcio

p. 16

3.4. Dados Gerais

p. 17

4. Conclusão: O Século Chinês

p. 20

5. Referências Bibliográficas

p. 23

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1. Introdução

O mundo vive hoje um momento de crise e o sistema internacional está numa fase de reajustamento e reordenamento em face daqueles que são ainda os efeitos do fim da Guerra Fria. Este período em que vivemos é consequência do processo de globalização ocorrido na sequência do fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), da ascensão da República Popular da China (RPC) e da revolução das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) e dos transportes. É, em primeiro lugar, caracterizado por um fenómeno de redistribuição do poder mundial por vários polos, muitos deles não ocidentais. Em segundo lugar, está repleto de hotspots que condicionam a evolução da situação internacional em vários pontos do globo assim como de questões de topo na agenda mundial e que por isso exigem respostas coordenadas ao nível global: a governação securitária, a guerra híbrida, o terrorismo transnacional, a crise dos refugiados, a segurança energética, a segurança alimentar, o acesso à água, a insegurança social e políticas decorrentes de desestruturações geopolíticas sem precedentes (Munich Security Report, 2015). Em 1978, a RPC entrou numa era de viragem segundo o mote “Reforma e Abertura”, o lema promulgado por Deng Xiaoping no 3º Plenário do 11º Comité Central do Partido Comunista Chinês (PCC) em Dezembro do mesmo ano e que daí em diante caracterizou toda a política do carismático líder chinês. Deng Xiaoping subiu ao poder e implementou uma política de abertura do país ao exterior, mantendo a prioridade na estabilidade política interna baseada no regime do PCC, e um conjunto de reformas económicas inovadoras, ainda que sob uma liberalização controlada, “de modo a que a população chinesa pudesse alcançar um nível médio de desenvolvimento” (Cunha, 2012, p. 48) e para, em termos genéricos, “conferir ao Estado uma estrutura preparada para os desafios exigidos pela modernização” (Cavalera, 2010, p. 74) que adviriam. A subida ao poder de Deng Xiaoping gerou “uma alteração significativa na postura internacional da China, que abdicou desde logo do fomento da exportação revolucionária ao mesmo tempo que iniciava um processo gradual de adesão” (Cunha, 2012, p. 48) instrumental aos ditames do sistema internacional do pós-Guerra Fria. As reformas económicas, a política de abertura ao exterior e as transformações decorrentes de tudo isso “geraram sinergias que conduziram a China a uma gradual integração

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económica no sistema global, a um aumento do protagonismo no areópago internacional e à sua afirmação como um Estado director regional” (Romana, 2005, p. 298). A emergência da RPC e a sua inclusão inevitável na estrutura de governação global ainda em formação representa, neste quadro, um factor fundamental para a compreensão da realidade mundial actual e é de análise imprescindível no âmbito das transformações que o sistema de poder mundial tem vindo a sofrer. No contexto das pretensões de uma nova ordem económica e política internacional, a RPC iniciou um processo de ascensão geopolítica sem precedentes. A elite política do PCC e, como tal, do governo do país, reorientou a abordagem à arena internacional com uma política externa mais assertiva, confiante e sofisticada e muito pragmática. Até ao início da década de 1990 do século XX a RPC foi auto-suficiente, na medida em que a produção nacional era suficiente para a satisfação das necessidades internas. Resultado do sucesso da abertura ao exterior e das reformas económicas encetadas, o desenvolvimento económico e a modernização industrial aprofundaram-se e tomaram um ritmo cada vez mais acelerado e intenso. O país passou a sentir necessidade de procurar novos mercados suficientemente receptivos para escoar a sua abundante produção e emergiu “uma procura voraz por matérias-primas e a necessidade de procurar recursos muito além das suas fronteiras” (Moyo, 2013, p. 13). Tudo a fim de manter a performance económica e o desenvolvimento social nacionais. A potência asiática em emergência alargou então a sua esfera de influência para novos espaços e um desses é o continente africano, cujo envolvimento tem sido precisamente “characterized not by ideological considerations but by a singular focus on resource acquisition and comercial opportunism” (Alden, 2007, p. 8). De modo a complementar a aproximação específica a África, a China aderiu ao multilateralismo. Passou a ter uma postura mais activa em instituições multilaterais internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), à qual aderiu em 2001, e no contexto regional africano criou inclusive organismos multilaterais como o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC, sigla em inglês), um instrumento fundamental ao dispor da política externa chinesa com o objectivo de desenvolver e aprofundar as relações sino-africanas. Uma das realidades em foco aquando da análise da inserção da RPC no sistema internacional em vigor é, portanto, a estratégia de envolvimento da China no continente

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africano, fenómeno premente sobretudo desde o início do século XXI e caracterizado tanto pelas suas dimensões como pelas implicações resultantes. Assim, o objectivo principal da presente investigação é problematizar, de forma analítico-crítica, a RPC enquanto potência influente em África e, concretamente, o posicionamento geoestratégico chinês na região. Os objectivos específicos são, por sua vez, aferir os instrumentos de acção estratégica da RPC no contexto do seu renovado posicionamento geoestratégico a nível mundial, analisar as modalidades da incursão geoestratégica chinesa em África, nomeadamente o papel das visitas de Estado de líderes chineses a países africanos e ainda o papel do FOCAC e o papel do Instituto Confúcio (IC) na política externa chinesa nesta região. Posterior e finalmente, após traçado todo este cenário, concluiremos acerca das implicações resultantes da postura da China enquanto actor global com uma política externa renovada e uma estratégia de acção global aplicada ao seu posicionamento geoestratégico na realidade africana.

2. A Política Externa Chinesa para África no Século XXI 5 2.1. Enquadramento Histórico

Antes de analisar a política externa chinesa para África no presente século importa enquadrar em termos históricos as relações diplomáticas sino-africanas. O relacionamento sino-africano mais recente é originário dos anos 1950 e 1960 do século XX, quando a Conferência de Bandung, em 1955, “lançou as bases do movimento dos não-alinhados e a esperança de um desenvolvimento Sul-Sul” (Michel & Beuret, 2009, p. 31) e quando a China apoiou os movimentos de libertação dos vários países africanos em relação às potências colonizadoras europeias. O retorno destas acções foi o voto favorável de alguns desses países à admissão da China Comunista, à época em guerra com a China Nacionalista (instituída na ilha de Taiwan), na ONU, em 1971, e ao seu direito de assento no Conselho de Segurança (CdS). Após isso, só no final dos anos 1980, depois do desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria é que a China, sedenta de recursos e a necessitar de escoar a produção nacional, viria a redescobrir África.

No início dos anos 1990 o desenvolvimento económico e a modernização industrial aprofundaram-se e o seu ritmo cada vez mais acelerado e intenso começou a fazer-se sentir. Isso resultou num aumento das necessidades energéticas e alimentares em virtude de uma população em franco crescimento, de uma classe média em ascensão e da imperatividade de acomodação do regime político do PCC. Só entre o final dos anos 1990 e o início do século XXI é que a RPC concebeu realmente uma política africana que “visava a obtenção e controlo na fonte de recursos energéticos e matériasprimas, o reforço dos laços políticos com os líderes africanos, e a penetração dos interesses comerciais chineses em África” (Cunha, 2012, p. 340). Em busca da satisfação de necessidades internas para a manutenção do progresso económico e da estabilidade política, a China começou a emergir como um polo de poder mundial. Consolidou a redefinição da sua política externa, reconfigurou a sua presença na arena internacional beneficiando das vantagens do processo de globalização e tornou-se uma potência capaz de provocar “uma reestruturação dolorosa em concorrência com as potências do topo” (Andrade, 2009, p. 170). Enquanto actor internacional, a China procura ser percepcionada “as a country that works hard to give its people a better future and seeks understanding for its political system and policies” (Melissen, 2005, p. 93). Como um parceiro económico estável e de confiança, que não precisa de ser temido. Como “a trustworthy and responsible member of the international community, capable of and willing to contribute actively to world peace” (Melissen, 2005,p. 93). Nesta lógica, a China tem vindo essencialmente desde o início do século XXI a projectar o seu poder e influência em espaços fora sua tradicional e natural esfera de influência. Um desses espaços é África, “continente que assume uma importância primordial numa política externa dominada pela obtenção de recursos energéticos” (Cunha, 2012, p. 338), minerais e agrícolas e pela necessidade de obtenção de apoio político nos principais areópagos internacionais. O envolvimento chinês em África, e consequentes reforço e intensificação, levou a “uma reconfiguração da balança de poderes e a um novo ajustamento do sistema estratégico mundial” (Romana, 2005, p. 298), decorrente também de uma crucial oportunidade estratégica que a China soube aproveitar, em virtude do falhanço da política de cooperação e ajuda ao desenvolvimento da União Europeia (UE) e do impacto dos acontecimentos ocorridos a 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos da

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América (EUA), quando os norte-americanos encetaram uma guerra global contra o terrorismo e desviaram o grosso dos seus recursos e atenção para isso mesmo. A abordagem chinesa ao continente africano é distinta da das potências tradicionais na medida em que é pautada por um apelo ao passado histórico comum de subjugação ao colonialismo e imperialismo do Ocidente e pelos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, formulados por Zhou Enlai em Bandung: “respeito mútuo pela soberania e pela integridade territorial; pacto de não agressão; não ingerência nos assuntos alheios; igualdade e benefícios mútuos; coexistência pacífica” (Michel & Beuret, 2009, p. 41). Uma estratégia, em suma, marcada por uma lógica de win-win e pela inexistência de condicionalidades político-ideológicas. Isto torna-se bastante apelativo para os países africanos que enfrentam criticismo no que diz respeito às práticas ditas de boa governação e a questões de direitos humanos e que colocam de parte os rígidos e limitadores programas de reestruturação económicofinanceira e de ajuda ao desenvolvimento das instituições internacionais como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) e dos doadores tradicionais. Há muito que o continente africano tem vindo a ser negligenciado pelos centros de poder tradicionais. Deste modo, a RPC definiu esse como sendo um dos espaços nos quais é imperativo o desenvolvimento e aprofundamento de relações de cooperação, respeito e benefícios mútuos em prol dos interesses estratégicos do país. Esta busca global por recursos e apoio político para um ambiente internacional favorável à emergência da China tem como objectivos centrais “o desenvolvimento das suas vastas infraestruturas domésticas e plano de crescimento económico a longo prazo” (Moyo, 2013, p. 19) para a redução dos níveis de pobreza nacionais, para a manutenção do regime do PCC e para a consolidação da posição chinesa no sistema internacional. Face a estes imperativos, a RPC apetrechou-se com instrumentos de acção estratégica capacitadores de uma projecção geopolítica afastada ímpar na História do país, especialmente direccionada para África.

2.2. Instrumentos de Acção Estratégica

A RPC iniciou uma projecção geopolítica sem precedentes. Para tal, reorientouse para ser “um “player” num mundo globalizado” (Piteira, 2009, p. 122) e concebeu uma estratégia global, ímpar no seu pragmatismo, composta por instrumentos para a

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concretização dos objectivos delineados. Esta estratégia é aplicada ao caso africano, onde o posicionamento geoestratégico chinês é fundamental. As relações sino-africanas no século XXI são marcadas por uma troca estratégica na qual ambas as partes tentam imprimir a maior reciprocidade possível sem perder as suas vantagens estratégicas. A China fornece os meios que os países africanos necessitam para quebrar o ciclo do subdesenvolvimento crónico e emancipar-se da dependência externa – os países doadores tradicionais e as instituições financeiras internacionais. Os países africanos, por seu lado, fornecem os recursos de que o país mais populoso do mundo está sedento e os mercados receptivos aos bens de consumo e tecnologias que constituem a estrutura de exportações chinesa. Moreira (2014) afirma que a diplomacia se mantém actualmente como “o mais importante instrumento da política internacional” (p. 85) e segundo o autor pode ser definida como “uma arte da negociação ou o conjunto das técnicas e processos de conduzir as relações entre os Estados” (p. 85). Segundo Magalhães (1982) a diplomacia é um instrumento ao serviço da política externa “para estabelecer contacto pacífico entre os detentores de poder político de dois Estados” (p. 81), contacto esse que é feito pelos intermediários designados de diplomatas ou agentes diplomáticos. Num ambiente internacional em permanente mudança e evolução pautado sobretudo pela ocorrência de fenómenos de interacção estratégica que privilegiam as formas de conflitualidade não armadas, o poder diplomático é, pois, de extrema importância na estratégia de condução da política externa de um Estado. A diplomacia chinesa existe em circunstâncias particulares, a saber: o regime autoritário e de partido único do país, as mudanças económicas e políticas operadas nas últimas décadas, o pragmatismo com que a elite política aborda o mundo e as relações internacionais e a flexibilidade no emprego das iniciativas e actividade de diplomacia consoante os locais e as circunstâncias com que o governo chinês lide. Kurlantzick (2007) cunhou o termo “ofensiva de charme” aplicado à estratégia de política externa da China no século XXI, que coopera bilateralmente e investe no continente africano e com isso preconiza a sua imagem externa enquanto potência pacífica e responsável, que entende as necessidades dos países em desenvolvimento e que não interfere nos seus assuntos internos, e molda a percepção que o mundo tem acerca da emergência chinesa. No âmbito dessa ofensiva de charme, Kurlantzick (2007) afirma que a China utiliza tools of influence e divide-as em duas categorias: as tools of

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business (p. 82), através das quais “Chinese government encourages firms to invest in strategic industries and select countries” (p. 82), e as tools of culture, que reflectem que a “cultural promotion is part of a broader effort at public diplomacy” (p. 61). Nesta lógica, aliando o impressionante sucesso económico a uma tradição histórico-cultural milenar, a RPC articula uma estratégia de diplomacia económica em prol da busca, acesso e obtenção de recursos vitais ao desenvolvimento nacional e de mercados para o escoamento da sua abundante produção nacional com uma estratégia de diplomacia pública baseada na diplomacia cultural a fim de criar um ambiente favorável à concretização dos objectivos de política externa. O engajamento chinês em África corresponde, pois, à relação quase simbiótica entre estes dois instrumentos tão importantes nas relações internacionais do século XXI. Assim, consideramos que os instrumentos de acção estratégica que compõem, em articulação estreita, a estratégia de política externa da RPC para África no presente século e que constituem o renovado posicionamento geoestratégico chinês a nível mundial e por isso na dimensão do continente africano, são, portanto, a diplomacia económica e a diplomacia pública. 9 2.2.1. Diplomacia Económica

Com o fim da Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim e o desmembramento da URSS, a agenda internacional e as relações diplomáticas deixaram de se centrar apenas em questões políticas e securitárias e passaram a focar-se cada vez mais na vertente económica da diplomacia. O conceito de diplomacia económica ganhou relevância. O fenómeno da globalização transformou as relações internacionais: trouxe a desregulamentação e a liberalização do comércio e serviços e dos movimentos de capitais e fez surgir a internacionalização da actividade económica. Então, a importância crescente dos relacionamentos económicos internacionais “obrigou os embaixadores e os diplomatas em geral a compreenderem objectivos de natureza económica e comercial na acção diplomática” (Gomes, 2008, p. 2). Assim, o conceito de diplomacia económica resulta da articulação entre potencialidades diplomáticas e recursos económicos. Segundo Farto (2006) este método diplomático surge da necessidade de “uma actividade permanente de organização do

“laissez faire” económico que se vem desenvolvendo com o processo de globalização incorporando novas funções e novos agentes e países à escala global” (para. 17). Santos (2009) define a diplomacia económica como “a strategic instrument or practice in the implementation processes of foreign policy actions for the inherent fulfilment of economic and political national interests, through creative innovation potential, promoting both the linkage between the private and public sectors and corporate internationalization developments” (pp. 95-96). A economia é uma das dimensões de charneira da política externa da RPC para África no século XXI. Aliando as suas capacidades diplomáticas singulares ao impressionante progresso económico nacional, a China projecta e alarga a sua influência por meio de uma estratégia de diplomacia económica executada nos mais variados aspectos da vida dos países africanos e baseada no comércio (trocas, parcerias e acordos comerciais), no Investimento Directo Estrangeiro (IDE), na cooperação e ajuda ao desenvolvimento, no perdão de dívidas e na concessão de empréstimos e créditos. É aqui que podemos inserir as tools of business da perspectiva de Kurlantzick (2007), uma das vertentes da diplomacia económica chinesa no continente africano. Para a concretização desta estratégia económica no âmbito da projecção chinesa na dimensão do continente africano, a China investe fortemente nas relações bilaterais com países africanos estrategicamente selecionados assim como no multilateralismo regional. O FOCAC é, portanto, um instrumento de diplomacia económica na medida em que foi criado, enquanto mecanismo multilateral, precisamente para desenvolver e aprofundar as relações sino-africanas na esfera económica e comercial.

2.2.2. Diplomacia Pública

Nas relações internacionais contemporâneas, a velocidade e a facilidade de produção e difusão de informação afecta a condução da política externa ao nível dos canais de comunicação diplomáticos tradicionais e representa um desafio aos serviços diplomáticos, na medida em que “government communications are only a small fraction of the total communications among societies in an age that is awash in information” (Nye Jr., 2004, p. 113). Num ambiente internacional em permanente mudança surge a necessidade de, em articulação com o novo panorama de acesso à informação, promover uma imagem positiva do Estado e de moldar a opinião pública interna e externa.

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O resultado é, então, a emergência de uma modalidade de exercício do poder diplomático conhecida como diplomacia pública, através da qual um Estado cria um ambiente favorável à implementação das políticas pretendidas que “can improve its prospects for obtaining its desired outcomes” (Nye Jr., 2004, p. 110). Segundo Kurlantzick (2007) a diplomacia pública pode ser definida como “the cultivation by governments of public opinion in other nations; by cultivating this public opinion abroad, states can more effectively pursue their national interests” (p. 61). De acordo com Melissen (2005) a diplomacia pública é direccionada sobretudo à opinião pública externa, é “directly affected by the forces of globalization and the recente evolution in communication technology” (p. 13) e os objectivos são veicular os aspectos positivos de um Estado para o exterior, forjar o diálogo político, o comércio e o investimento externo e estabelecer relações com as sociedades civis. A diplomacia pública é outra das dimensões da política africana concebida e implementada pela China em prol do aprofundamento das relações sino-africanas. Até há relativamente pouco tempo, a RPC não dedicava muita atenção à diplomacia pública enquanto instrumento de política externa e limitava-se a encetar acções cuja natureza se aproximava da propaganda. No entanto, “has moved away from this pure propaganda toward more nuanced public relations, even changing the name of the Party’s Propaganda Department to the Publicity Department” (Kurlantzick, 2007, p. 62), e tem hoje uma postura cada vez mais activa no campo da diplomacia pública, no seio da qual tem grandes bandeiras como o Peaceful Rise e o Peaceful Development. É aqui que podemos inserir as tools of culture da perspectiva de Kurlantzick (2007), no sentido em que a liderança política chinesa encara a cultura enquanto componente central das actividades de diplomacia pública. A tradição histórico-cultural milenar da RPC e a recente reabilitação instrumental do outrora vilipendiado Confucionismo são consideradas uma potencial alternativa aos valores ocidentais a fim de forjar a coesão da população chinesa, a expansão da atractividade dos valores chineses para o resto do mundo e a compreensão das políticas encetadas pela RPC. A diplomacia chinesa apresenta particularidades. As actividades diplomáticas no seu todo são centralizadas na estrutura estatal e controladas pelo governo central do PCC e o desenvolvimento específico da diplomacia pública “seems trapped between its aim at perfection in image projection and the structural lack of openness of its society, as well as its inability to give up control” (Melissen, 2005, p. 102).

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A diplomacia pública é, pois, um instrumento fundamental da estratégia chinesa em virtude da necessidade de difundir uma imagem externa positiva sobre a ascensão do país e da necessidade de forjar a compreensão das políticas encetadas. Actualmente, a RPC beneficia de uma panóplia de instrumentos de diplomacia pública, com maior ou menor grau de controlo por parte do Estado chinês, como os media e a imprensa, a Internet, as publicações literárias e científicas, os eventos, os intercâmbios e institutos culturais como o IC. Na presente análise focar-nos-emos no papel do IC e dos IC’s associados, que se encontram estabelecidos em vários países do mundo, enquanto instrumentos de diplomacia cultural naturalmente inseridos no domínio da diplomacia pública chinesa. Neste sentido, dada a problemática em análise, abordaremos essa questão e as implicações resultantes ao nível do continente africano.

3. A Incursão Geoestratégica em África

No início do século XXI as relações sino-africanas começaram a crescer e a evoluir significativamente. Neste sentido, a estratégia de acção global da China composta por instrumentos de acção estratégica no domínio da diplomacia económica e da diplomacia pública é aplicada no âmbito da incursão geoestratégica que tem vindo a ser operada no continente africano desde então. Neste sentido, o posicionamento geoestratégico da China em África, no quadro da estratégia de diplomacia económica e diplomacia pública, assume três modalidades, a saber: a diplomacia bilateral, que diz respeito ao relacionamento que a China desenvolve com cada um dos países africanos a diplomacia multilateral, que abrange o conjunto dos países envolvidos no FOCAC, e a aproximação à sociedade civil através da promoção internacional da língua e da cultura chinesas. Alden (2007) enumera três percepções acerca do envolvimento chinês no continente africano. A China como um parceiro de desenvovimento, em que o envolvimento chinês em África “is driven by its own economic needs, a commitment to transmit its development experience to the continent and a desire to build effective cooperative partnerships across the developing world” (p. 5). Como concorrente económico, segundo a qual “China is engaged in a short-term ‘resource grab’ which, like some Western counterparts, takes little account of local needs and concerns,

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whether developmental, environmental or with respect to issues like human rights” (pp. 5-6). E como um colonizador, que diz que “China’s new engagement in Africa is part of a long-term strategy aimed at displacing the traditional Western orientation of the continent by forging partnerships with African elites under the rubric of South solidarity” (p. 6), processo que resultará numa forma de controlo politico. A cooperação sino-africana em marcha sensivelmente desde o final dos anos 1990 do século passado culminou precisamente em 2000 com a institucionalização do FOCAC, uma plataforma multilateral de intercâmbio e cooperação entre a China e os países africanos que têm relações diplomáticas com a China que abrange diversos aspectos relacionados com a política, a economia, o comércio, a sociedade e a cultura. Em 2004, a RPC criou o IC e no mesmo ano começou a estabelecer IC’s associados por todo o mundo. Estes institutos culturais existem em todos os continentes e têm o objectivo de promover a língua e a cultura chinesas e, indirectamente, contribuir para uma imagem positive e compreensão da China no plano externo. Em 2006 o governo chinês publicou o White Paper “China’s African Policy”, documento relativo à política africana que foi “the first of its kind in China’s diplomatic history with Africa” (Ashan, 2007, p. 69) e que serviu “to present to the world the objectives of China's policy towards Africa and the measures to achieve them, and its proposals for cooperation in various fields in the coming years” (FOCAC, 2006a). Neste documento ficou plasmada a estratégia chinesa para África. Em Maio do presente ano, a China tornou-se no primeiro país com uma missão permanente junto da sede da União Africana (UA), em Adis Abeba, na Etiópia. O objectivo é “criar, dentro da missão, departamentos responsáveis especificamente pelos assuntos político, económico, cultural e de segurança, de forma a facilitar os intercâmbios e a cooperação” (Portuguese People, 2015) com este organismo enquanto plataforma de unidade e progresso socioeconómico dos países africanos e a consolidar ainda mais a parceria estratégica sino-africana oficialmente em curso desde 2006. Para colocar em prática a já referida estratégia de diplomacia económica e de diplomacia pública para expandir a sua influência e aprofundar as suas relações com os países africanos, a RPC actua então, em simultâneo, no seio de arranjos bilaterais, no contexto do FOCAC e ainda por meio do estabelecimento de institutos educativos para a promoção internacional da língua e da cultura chinesas. Através destas vertentes, a China investe e coopera nas mais variadas áreas da vida nacional dos países africanos.

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3.1. Relações Bilaterais: Visitas de Estado

Como não podia deixar de ser, a política externa da RPC para África no século XXI contempla, antes de mais nada, as visitas de líderes políticos chineses a países africanos. A fim de reforçar o seu posicionamento geoestratégico na região, a RPC investe forte e primordialmente nas relações bilaterais com os governos desses mesmos países, com enfoque em áreas sectoriais estrategicamente seleccionadas. Estas visitas de Estado começaram a ser frequentes no último mandato do presidente Jiang Zemin, ainda antes do século XXI, mas tornaram-se mais visíveis no mandato do presidente Hu Jintao, conhecido como “O Africano”, e entraram numa nova era de intensificação no mandato de Xi Jinping, o actual presidente chinês. Entre o final de Janeiro e o início de Fevereiro de 2004 Hu Jintao visitou o Egipto, a Argélia e o Gabão. Em Abril de 2006 visitou Marrocos, a Nigéria e o Quénia. Ainda em Junho desse ano, Wen Jiabao, o primeiro-ministro chinês à altura, visitou o Egipto, o Gana, a República Democrática do Congo, a Tanzânia, o Uganda, Angola e a África do Sul. Já em Fevereiro de 2007, Hu Jintao fez o maior périplo alguma vez realizado pela China a África, com a visita a 8 países da região: os Camarões, a Libéria, o Sudão, a Zâmbia, a África do Sul, a Namíbia, Moçambique e as Ilhas Seicheles. Em Março de 2014, Xi Jinping visitou a Tanzânia, a África do Sul e a República Democrática do Congo. Estas visitas “started a new epoch of relations between China and Africa” (FOCAC, 2014, para. 2) e com elas “the new-type strategic partnership between China and Africa will continue to expand, bilateral all-round cooperation will gear up, and their relations will enter a new era” (FOCAC, 2014a, para. 16). Em Maio do mesmo ano, Li Keqiang, o actual primeiro-ministro da RPC, visitou a Etiópia, os headquarters da UA, a Nigéria, Angola e o Quénia. O foco destas visitas foi a assinatura de acordos de cooperação económica e comercial nos sectores do petróleo, indústria e agricultura (FOCAC, 2014b). Estas visitas demonstram uma continuidade notável por parte dos sucessivos presidentes e primeiros-ministros, pois que é transversal a afirmação permanente do reforço da parceria estratégica sino-africana, o desejo de estabelecimento de canais de comunicação preferenciais e o aprofundamento do envolvimento e investimento chinês no desenvolvimento da região nos mais variados sectores.

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3.2. Multilateralismo: O Papel do FOCAC

A aproximação da China a África culminou em Outubro de 2000 com a institucionalização do FOCAC, enquadrando a incursão geoestratégica em África nesta iniciativa diplomática multilateral mas “mantendo os detalhes da sua implementação predominantemente no âmbito dos arranjos bilaterais “ (Chichava & Alden, 2012, p. 6). O FOCAC é um mecanismo de cooperação multilateral que reúne de três em três anos e alterna a sua localização entre a China e um país africano e que surge como “a framework for collective dialogue between China and African countries on the basis of equality and mutual benefit” (FOCAC, 2000) com os objectivos de “conceptualise, strategise and project Chinese foreign policy interests toward Africa” (Davies et. al, 2008, p. 9), consolidar as relações China-África e enunciar os termos do envolvimento chinês no continente africano e aprofundá-lo. Nesta lógica, verificamos que o fórum "highlight the strategic relevance they attribute to Africa" (Möckli, 2007, p. 3) e está enquadrado nos termos da cooperação Sul-Sul e da retórica terceiro-mundista. Este fórum, do qual sai em cada conferência ministerial um Plano de Acção para os três anos seguintes, tem vindo a ganhar uma importância cada vez mais expressiva no âmbito das relações sino-africanas, na medida em que no seu seio se coordenam posições políticas, se partilham objectivos estratégicos, se estabelecem oportunidades de investimento e se firmam acordos de cooperação. Ora, em linha com os mecanismos do FOCAC, no escopo da diplomacia económica, estão incluídos o comércio, o IDE, a ajuda ao desenvolvimento, o perdão de dívidas, os empréstimos e os créditos. A 1ª Conferência Ministerial do fórum ocorreu em 2000 em Pequim, contou com a presença de mais de 80 ministros da China, 44 países africanos e representantes de 17 regiões, organizações internacionais e representantes da comunidade de negócios da China e da África e dela resultou a Declaração de Pequim, que estabelece os princípios norteadores das relações de cooperação entre ambas as partes, com especial incidência nas relações económicas, e o Programa de Cooperação China-África para o Desenvolvimento Económico e Social, para o reforço da cooperação nesses campos. A 2ª Conferência Ministerial ocorreu em 2003 em Adis Abeba, na Etiópia, com o tema da cooperação pragmática orientada para a acção e dela saiu o saiu o Plano de Acção de Adis Abeba (2004-2006). A China comprometeu-se a aumentar a assistência

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aos países africanos, fortalecer a cooperação na área dos recursos humanos, abrir o mercado e remover as tarifas de algumas commodities para os países africanos menos desenvolvidos, expandir a cooperação na área do turismo, fomentar o intercâmbio de pessoas (FOCAC, 2004a), entre outras. A China propôs ainda consolidar a amizade tradicional, promover a democratização das relações internacionais e coordenar posições para enfrentar os desafios da globalização (FOCAC, 2004b). A 3ª Conferência Ministerial ocorreu em 2006, a par do 50º aniversário do início das relações diplomáticas sino-africanas, em Pequim e dela saiu do Plano de Acção para 2007-2009, que reflecte uma estratégia de aprofundamento abrangente de cooperação na medida em que inclui cooperação política, económica, nos assuntos internacionais e no desenvolvimento social (FOCAC, 2006b). Neste contexto foi ainda criado pelo China Development Bank (CDB) o Fundo de Desenvolvimento China-África (CAD Fund, sigla em inglês) para promover o investimento chinês no continente com um fundo inicial de 1 bilião de dólares (CAD Fund, n.d., para. 1). A 4ª Conferência Ministerial ocorreu em 2009 em Sharm el-Sheikh, no Egipto, e o Plano de Acção para o 2010-2012 resultante dos trabalhos contempla a revisão do Plano de Acção para 2007-2009 e o aprofundamento dos projectos cooperativos nesse enunciados, com destaque para a área das energias renováveis, implementação de direitos aduaneiros mais baixos, saúde, educação e da ciência e tecnologia agrícola. A 5ª Conferência Ministerial ocorreu em 2012 em Pequim e no Plano de Acção (2013-2015) saído os participantes afirmam a satisfação com os resultados alcançados até então e “reiterated their commitment to continue to view China-Africa relations from a strategic and long-term perspective and deepen the new type of China-Africa strategic partnership” (FOCAC, 2012, para. 3). A 6ª Conferência Ministerial ocorrerá no presente ano na África do Sul. Em todas as cimeiras até hoje realizadas é notório o esforço transversal no desenvolvimento de um novo tipo de parceria estratégica baseada na reciprocidade em termos de confiança política, de benefício económico e de apoio nos assuntos internacionais.

3.3. Língua e Cultura: O Papel do Instituto Confúcio

Para além da estratégia de diplomacia económica operada no seio do FOCAC e complementada pelas relações bilaterais com os países africanos, a RPC executa uma

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estratégia de diplomacia cultural para forjar um ambiente favorável à emergência do país e à concretização dos seus objectivos de política externa. Neste plano surge o IC como ferramenta essencial para o exercício deste método diplomático. Em 2002 o governo chinês anunciou um plano de estabelecimento de instituições no exterior para a promoção sistemática da língua e cultura chinesas. Em 2004 o National Office for Teaching Chinese as Foreign Language (NOCFL), também conhecido como Hanban, os headquarters do IC, estabeleceu os primeiros IC’s. No escopo da diplomacia pública chinesa com incidência na diplomacia cultural, com o nome em homenagem ao maior pensador chinês de todos os tempos, simbolizando o ressurgimento da cultura tradicional chinesa, o IC é uma instituição sem fins lucrativos, com sede em Pequim, cujo objectivo é a promoção da língua e da cultura chinesas e o apoio ao ensino do mandarim no mundo através dos IC’s associados. O Hanban é tutelado pelo Ministério da Educação chinês e é responsável pela coordenação dos IC’s associados estabelecidos pelo mundo. Os alvos do IC são o público que não conhece a China e os estudantes das universidades que desejem aprender e praticar o mandarim. As actividades desenvolvidas incluem cursos de mandarim para vários níveis e diversos sectores (negócios, turismo) e eventos culturais como exposições, exibições de filmes, leituras, concertos e palestras. Para além dos IC’s, existe uma variante que corresponde a um modelo focado na aproximação às escolas secundárias dos países e que como tal conecta essas escolas à rede dos IC’s: as Confucius Classrooms (CR). Estas também têm ganho visibilidade. Dados oficiais de 2015 indicam que actualmente existem a nível mundial 443 IC’s e 648 CR’s e em África existem 38 IC’s e 10 CR’s (Hanban, 2015) e que são cerca de 50 milhões as pessoas a aprender mandarim fora da China. Embora sejam um projecto relativamente recente e ainda com muitas limitações, estes institutos são desde já importantes porque em linha com a promoção da língua e da cultura a nível mundial o governo chinês tem também objectivos no quadro de uma contribuição para a imagem da China no exterior.

3.4. Dados Gerais

Os resultados da ofensiva de charme chinesa em África são imensos, dos quais destacamos alguns dados mais relevantes no que diz respeito a trocas comerciais,

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importações e exportações, IDE e instituições estatais chinesas envolvidas, ajuda ao desenvolvimento com a construção de infraestruturas, perdão de dívidas, empréstimos e créditos. Todas estas vertentes estão integradas num posicionamento geoestratégico com a finalidade de obter influência política e económica na região. Deste modo, todas estas iniciativas contribuem para o desdobramento dos múltiplos acordos de cooperação firmados: comércio, investimento, finanças, política, militar, cultura, educação, ciência e tecnologia, recursos energéticos, minerais e agrícolas, indústria, manufactura, infraestruturas, obras públicas, saúde, recursos humanos, segurança, turismo, telecomunicações, transportes, intercâmbio de pessoas, responsabilidade social, protecção ambiental, media, entre outras. No que diz respeito ao comércio sino-africano, as trocas comerciais tiveram início nos anos 1950 do século XX mas só desde 2000 é que têm vindo a prosperar substancialmente. Em 2009 a China ultrapassou os EUA enquanto maior parceiro comercial do continente africano (Alden & Chichava, 2012; FOCAC, 2014b). Em 2000 o comércio total entre a China e a África foi de 10 biliões de dólares (Alden, 2007, p. 14). Entre 2000 e 2012 o comércio total sino-africano como parte do comércio total chinês aumentou de 2,23% para 5,13% e as exportações chinesas para a região como parte das exportações totais do país aumentaram de 2,02% para 4,16%, enquanto as importações vindas de África como parte das importações totais da China aumentaram de 2,47% para 6,23% (Xinhua, 2013). No mesmo período, o comércio total sino-africano como parte do comércio total do continente africano aumentou de 3,82% para 16,13% e as exportações dos países africanos para o gigante asiático como parte das exportações totais da região aumentaram de 3,76% para 18,07%, assim como as importações originárias da China como parte das importações totais do continente aumentaram de 3,88% para 14,11% (Xinhua, 2013). Dados mais recentes indicam que em 2013 o comércio entre a China e o continente africano aumentou 5,9% para 210,2 mil milhões de dólares (Visão, 2014, para. 1). No mesmo ano, as importações chinesas originárias de África cresceram 3,8%, para 117,4 mil milhões de dólares e as exportações subiram 8,8%, originando um total de 92,8 mil milhões de dólares (Visão, 2014, para. 2). Nas importações chinesas vindas de África estão incluídas a madeira (Camarões, Libéria, Moçambique, Congo-Brazzaville, Congo-Kinshasa, Guiné Equatorial, Nigéria, África do Sul), o cobre e o ferro (África do Sul, Zâmbia, Gabão), o petróleo (Angola,

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Sudão, Nigéria, Gabão), o gás natural (Argélia e Moçambique), o carvão (Moçambique), a platina (Zimbabué, África do Sul), a manufactura (África do Sul, Etiópia, Nigéria, Quénia, Zâmbia), o algodão (Congo-Kinshasa, Nigéria, Tanzânia), entre outros (países e recursos). Países como Angola, o Gabão e a Nigéria obtêm “pacotes de negócio” baseados na troca do acesso a recursos por projectos de construção de infraestruturas financiados pela China. Importa salientar que o comércio bilateral sino-africano “has great potential due to the complementary conditions on both sides, and is significant for the economic development of both China and Africa” (Xinhua, 2013). Ao nível do IDE, a RPC está presente no continente africano por meio das instituições financeiras estatais (bancos), das quais se destacam o CDB e o ExportImport Bank of China (Exim Bank), e do capital público e misto de empresas estatais e semi-estatais (com participações do Estado chinês), para além de que estão também presentes empresas compostas por capital inteiramente privado. No final de 2013 operavam em África mais de 2500 empresas chinesas (FOCAC, 2014c). No contexto da estratégia de Going Out declarada pelo governo o PCC em 2001 e no quadro do FOCAC foi criado em 2006 o CAD Fund para apoiar a internacionalização e entrada das empresas chinesas no mercado africano (CAD Fund, n.d., para. 1), focando-se assim em específico no investimento em África. Países como a Namíbia e o Zimbabué elaboraram uma Look East policy para atrair este investimento. Dados de 2012 mostram que os principais receptores do IDE chinês foram a África do Sul, Angola, a Argélia, a Nigéria, o Sudão e a Zâmbia e dados de 2011 indicam que os key sectors de destino do mesmo foram os minérios, as finanças, a construção e a manufactura (Leung, 2014). Neste ambiente de investimento receptivo os retornos do elevado volume e substanciais fluxos de IDE chinês canalizados para África ao longo da última década têm sido significativos e apesar de “traditional OFDI sources like the United States and Europe still compromise the majority of investment in Africa, China’s contributionis steadily and quickly increasing” (Leung, 2014, para. 3). Em termos de ajuda ao desenvolvimento, a China fornece boas oportunidades de desenvolvimento para os países africanos. Por um lado, investe no financiamento e construção de edifícios públicos, as chamadas obras de prestígio, dos quais podemos destacar a sede da UA, aeroportos (Moçambique, Angola), estádios nacionais (Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Mauritânia, Zâmbia, Togo), palácios

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presidenciais e parlamentares (Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mauritânia), os Ministérios dos Negócios Estrangeiros moçambicano e mauritano, o Palácio da Justiça da GuinéBissau, a Procuradoria-Geral da República de Moçambique, entre outros. Por outro, investe na construção de infraestruturas públicas: estradas, portos, aeroportos, ferrovias, hospitais, escolas, sistemas de telecomunicações, sistemas de abastecimento de água, entre outras. Entre 2000 e 2011 o governo chinês apoiou mais de 1700 projectos em 50 países africanos, o equivalente a 75 biliões de dólares (The Guardian, 2013). Quanto ao perdão de dívidas, a China tem demonstrado uma grande disposição para o fazer. Na 1ª cimeira do FOCAC, em 2000, o governo chinês comprometeu-se a não cobrar os mais de 150 empréstimos feitos a países africanos e na 3ª foi anunciado outro perdão equivalente (Oliveira, 2008, p. 366). Em 2007, quando Hu Jintao visitou o continente, foi acordado o perdão das dívidas de 33 países africanos menos desenvolvidos e/ou com dívidas mais pesadas (Jornal de Negócios, 2007). Quanto à concessão de empréstimos e créditos, a China tem sido também um agente bastante activo nestes domínios. No quadro das cimeiras do FOCAC, em 2006 foi anunciado o empréstimo com condições preferenciais de 5 biliões de dólares para o continente, em 2009 foi estabelecido um empréstimo de baixo custo de 10 biliões de dólares e um empréstimo especial de 1 bilião de dólares para as Pequenas e Médias Empresas (PME’s) africanas (Jornal de Negócios, 2007) e em 2012 foi prometida uma linha crédito de 20 biliões de dólares para a região (BBC News, 2012), para além daquelas que são estabelecidas bilateralmente com cada país. Em 2014, na sua viagem a África, Xi Jinping anunciou a concessão de um crédito de 12 biliões de dólares para impulsionar o desenvolvimento económico do continente (Leung, 2014).

4. Conclusão: O Século Chinês

A RPC tem vindo a afirmar-se como uma potência global desde o início do século XXI e é já um challenger ao equilíbrio do sistema internacional. Uma das vertentes dessa postura enquanto actor global com uma política externa renovada é a aplicação da estratégia de acção global ao posicionamento geoestratégico do país na região africana, na qual “vem reforçando um conjunto de relações diplomáticas, desta vez com motivações bem mais económicas do que políticas” (Feijó, 2012, p.144).

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Se as relações sino-africanas atravessaram no seu início um período sobretudo de convergência ideológica, no presente o envolvimento chinês em África constitui uma abordagem mais abrangente, incluindo a cooperação económica e cultural. E dizer se a natureza da projecção chinesa em África no século XXI é a de um parceiro de desenvolvimento, concorrente económico ou colonizador é demasiado simplista para uma relação complexa e de interacções sobrepostas, pelo que “its contemporary relations exhibit dimensions of all three characterizations” (Alden, 2007, p. 125). A política externa chinesa está subordinada aos objectivos internos do país. Por um lado manter a performance económica nacional e o nível da vida da população chinesa e obter recursos minerais, energéticos, agrícolas e alimentares, matérias-primas, know-how, tecnologia vitais a isso mesmo para, por outro, cumprir o imperativo diplomático de isolar Taiwan, garantir a estabilidade política do regime do PCC e forjar um ambiente favorável à ascensão e afirmação internacional da China. Neste âmbito, “sustentados pelas maiores reservas de divisas estrangeiras do mundo e pelo desejo de obter posições estratégicas de longo prazo nos mais relevantes mercados de recursos, os chineses estão a investir em sectores fundamentais por todo o continente” (Alden & Chichava, 2012, p. 5) bem como na promoção e divulgação da língua e cultura chinesas como plataforma facilitadora do entendimento, compreensão e aceitação entre o povo chinês e os povos africanos. Para tal, a RPC tem arquitectada uma ofensiva ao continente africano complexa e multidimensional, baseada numa relação quase simbiótica entre várias frentes. A abordagem contempla então uma estratégia internacional de diplomacia económica e de diplomacia pública com incidência na diplomacia cultural, a articulação entre a diplomacia bilateral e a diplomacia multilateral e a cooperação estratégica abrangente em vários sectores da vida nacional dos países africanos. A abordagem diplomática multilateral com o FOCAC, a abordagem bilateral com as visitas de líderes chineses e a promoção e divulgação da língua e da cultura chinesas com a disseminação de IC’s têm representado passos de aproximação a África, região cada vez mais importante para os interesses chineses. Quanto ao relacionamento bilateral, as visitas de Estado “têm criado bons canais de comunicação, facilitado o diálogo, a negociação e a cooperação bilateral” (Feijó, 2012, p. 148). O FOCAC plasma a estratégia de combinação das potencialidades diplomáticas com as potencialidades económicas no plano do multilateralismo regional. O IC, com o estabelecimento de IC’s

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associados, está a caminhar para que a oferta mundial da aprendizagem de mandarim e a realização de eventos afectos à cultura chinesa cheguem à sociedade civil e para que isso auxilie, por sua vez, à penetração dos interesses chineses no continente africano. Ora, a problematização da China potência influente em África e, concretamente, a natureza do posicionamento geoestratégico chinês na região demonstram, passados 15 anos, resultados e consequentemente implicam uma reorientação da estratégia chinesa. Em linha com a nova abordagem às relações sino-africanas afirmada por Xi Jinping na sua visita ao continente em 2014, as prioridades daqui em diante, dado o actual panorama chinês, africano e mundial, são a expansão da cooperação securitária, a diversificação da cooperação económica e a melhoria da imagem da China na região. No plano da paz e da segurança, a instabilidade e os conflitos na região aumentaram e tornaram-se um desafio à presença chinesa e à garantia dos seus interesses na região. Isso leva, por parte da RPC, a um “enhanced commitment and direct role in maintaining peace and security of Africa” (Sun, 2014, para. 2). Assim se justifica a intervenção da RPC nos conflitos do Mali e do Sudão do Sul e o apoio militar e financeiro fornecido à UA para o reforço do seu papel securitário na região. No plano da cooperação económica, a China está a financiar os sectores das infraestruturas, da agricultura e da manufactura, uma estratégia que difere do tradicional investimento massivo nas indústrias extractivas. Isto sugere “that China is trying to diversify its investment portfolio in Africa in pursuit of new growth models and defusing wide criticisms on China’s “exploitation” of African resources” (Sun, 2014, para. 8). No plano politico, a prioridade é melhorar a imagem da China através da diplomacia pública “to explain and propagate China’s positions and their benefits to Africa” (Sun, 2014, para. 9), nomeadamente aos media e às ONG’s locais, e “to diversify China’s aid models in Africa and promote the exchanges and cooperation with the civil society” (Sun, 2014, para. 9) dos países africanos. O ano de 2015 é um ano decisivo para a parceria sino-africana, com mais uma cimeira do FOCAC a ocorrer brevemente e com previsões de aumento e reforço das relações em todos os aspectos. Assim sendo, a China tem a tarefa imperativa de manter a sua posição no continente africano através do compromisso, sustentável e sustentado, com o desenvolvimento da região. Resta saber como é que o processo de consolidação e aprofundamento desse posicionamento tão fundamental continuará, nos moldes referidos, a tomar forma. O Século XXI é, sem dúvida, o Século Chinês.

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