A pornografia ‘bizarra’ em três variações: a escatologia, o sexo com cigarros e o ‘abuso facial’

September 12, 2017 | Autor: Jorge Leite Jr | Categoria: Pornography Studies
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A pornografia ‘bizarra’ em três variações: a escatologia, o sexo com cigarros e o ‘abuso facial’ Capítulo do livro Prazeres dissidentes, organizado por Maria Elvira Diaz Benitez e por Carlos Eduardo Figari, editado pela Garamond, Rio de Janeiro, 2009. O livro também é co-editado pelo CEPESC em parceria com a Editora Garamond, como parte da coleção Sexualidade, Gênero e Sociedade, coordenada pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos/CLAM.

A pornografia “bizarra” em três variações: a escatologia, o sexo com cigarros e o “abuso facial”. Jorge Leite Jr – [email protected] Antes de iniciar este artigo sobre pornografia, gostaria de esclarecer três pontos: primeiro, não existe no texto nenhuma distinção entre “erotismo” e “pornografia”, pois, conforme demonstrou Bourdieu (1988), tal separação reflete apenas um exercício de violência simbólica para legitimar ou não determinadas representações sobre sexo e sexualidade, visando a conquista, manutenção ou perda de capital cultural e social segundo os “gostos de classe e estilos de vida”. Desta forma, como afirmou o escritor francês Alain Robbe-Grillet: a pornografia é o erotismo dos outros (Abreu, 1996, p. 16). Segundo, como a principal questão analisada são as práticas sexuais, o material estudado foi tanto o voltado para o público heterossexual quanto homossexual ou bissexual, pois a temática do “bizarro” juntamente com as práticas específicas citadas encontram-se em produtos para todas estas ramificações de mercado e orientações sexuais. Em terceiro, esclareço que trabalhei apenas com pornografia legalizada, que pode ser encontrada em qualquer banca de revista, videolocadora ou sites legais da internet, mostrando apenas sexo entre adultos (maiores de 18 anos, segundo as fichas técnicas) e práticas “consentidas”. Desta forma, ressalto que a pedofilia, zoofilia e a necrofilia estão automaticamente fora de meu campo de trabalho. Desta forma, o objetivo deste artigo é analisar o quanto uma ramificação específica do mercado pornô, a chamada pornografia “bizarra”, é herdeira dos antigos freak shows ou shows de aberrações humanas, nos quais pessoas com os corpos mais “estranhos” e as

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capacidades físicas mais incríveis fascinavam platéias provocando espanto, medo, risadas, curiosidade e, muitas vezes, um ódio deslumbrado, sendo tais manifestações advindas da moderna cultura do entretenimento e espetacularização da vida cotidiana. Focado no nebuloso e sempre móvel campo do “bizarro”, reflito brevemente sobre três linhas/ práticas sexuais que comumente são encontradas sob este rótulo. A primeira, o sexo com excrementos humanos; algo não muito recente na pornografia, pois desde o início do século XX já existiam imagens de pessoas se deleitando com, no mínimo, urina. Já a segunda e a terceira creio serem modalidades recentes dentro desta indústria: a erotização do cigarro e/ou do ato de fumar e o chamado “abuso facial”1. Como veremos, o objetivo primeiro destes produtos é espetacularizar uma vivência sexual que choca, impressiona e muitas vezes incomoda, lidando direta e explicitamente com os limites sociais do “bom gosto”, da “tolerância” e do “ultrajante”. Neste sentido, uma pequena apresentação dos elementos históricos que moldaram estes limites faz-se necessária, para um melhor esclarecimento sobre o como nossos “gostos” modernos foram forjados de maneiras tanto estéticas quanto éticas e políticas. * Parece que o mundo inteiro gira em volta de um pênis e de uma vagina (Wedekind, sem data). Esta é a fala de Melchior, jovem personagem de O despertar da primavera, peça de 1891, escrita pelo dramaturgo alemão Frank Wedekind, um dos percussores do movimento expressionista alemão. Neste texto, um grupo de adolescentes vive os dramas, conflitos e prazeres relacionados à sexualidade e a moral dita “vitoriana” do período. Nesta época, o mundo inteiro não girava em torno de um pênis e de uma vagina, mas pode-se afirmar que a Europa ocidental de tradição humanista, sim. Na passagem do século XIX para o XX, o sexo é um tema que está em todos os lugares. Surge a “ciência sexual”, ou seja, um novo discurso que visa debater, organizar e conduzir tal assunto sob o viés científico. Crentes na neutralidade da ciência, herdeiros do racionalismo iluminista e confiantes no positivismo, educadores, pais, líderes políticos, religiosos, juízes, policiais e médicos das mais variadas áreas irão se engajar no projeto 1

As duas primeiras análises, sobre práticas sexuais com excrementos e cigarros, são versões modificadas e adaptadas do capítulo V: Maravilhas e prodígios sexuais do livro de LEITE Jr, Jorge. Das maravilhas e prodígios sexuais – a pornografia “bizarra” como entretenimento. São Paulo. Annablume/ Fapesp. 2006

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disciplinarizador de corpos, desejos, prazeres e práticas sexuais. Desta forma, identidades serão construídas, idéias e comportamentos serão patologizados, desejos serão classificados, rotulados e hierarquizados nesta nova maneira de pensar, lidar, sentir, organizar, vivenciar, definir ou mesmo discutir o sexo. Nasce assim a chamada “sexualidade”. Conforme Foucault, a “sexualidade” é o correlato dessa prática discursiva desenvolvida lentamente, que é a ‘scientia sexualis’ (Foucault, 1988, p. 67). Mas esta é apenas a coroação de um processo iniciado no século XVII e que, conforme Foucault (1988) demonstrou, focou no corpo, seja ele o corpo “social” ou individual, a base para a manutenção da política e do Estado modernos. É o que o autor chama de biopoder, a capacidade do soberano de não mais causar a morte, mas a de gerenciar a vida dos súditos e cidadãos como forma de garantir a legitimidade estatal e suas formas de governabilidade. Por isso, a “questão sexual” não encontra-se circunscrita apenas aos meios científicos ou pedagógicos. Como visto acima, a arte, a religião, a cultura considerada “popular” e, claro, a nascente indústria cultural, todas estão imersas na produção de saberes sobre a “sexualidade”, cada uma a seu modo e seguindo suas próprias regras. É desta maneira que a cultura de massas produz seu próprio discurso sobre o tema. Não se preocupando em discutir sexo como questão moral, fisiológica, psíquica, preventiva ou higienista – mas sempre esbarrando em todos estes elementos – o foco aqui é o entretenimento. Enquanto a psiquiatria cria as chamadas “perversões” ou “perversidades” sexuais, e os pedagogos iniciam os primeiros clamores por aulas de “educação” sexual, justamente para evitar tais “desvios”, a cultura do entretenimento mostra os mais variados desejos sob a ótica da folia, com corpos repletos de exuberância sensual e práticas sexuais apresentadas como diversão. Nasce assim a “pornografia”. Se para a ciência, sexo é coisa séria, para a pornografia, não; sexo para ela é negócio e entretenimento. Pode-se afirmar que uma das características estruturais da pornografia é a “obscenidade”. Segundo Havelock Ellis, “obsceno” deriva do latim scena, significando o que deveria estar “fora de cena” (Hide, 1973, p. 8). Já o termo latino obscenus em sua origem significava “mau agouro” (Moraes, 2001, p. 123). Segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 1999): obsceno – que fere o pudor, impuro, desonesto. Toda a produção pré-pornográfica que vai organizar as bases da pornografia (como Aretino e Sade) já trabalha com esta idéia: causar um certo incômodo intencional, pronunciar o inominável, apresentar o velado, explicitar o subentendido e, principalmente, testar fronteiras, ou seja, colocar “em cena” o que se espera que esteja “fora de cena”. A pornografia se organiza pelo “excesso” e o jogo com os limites.

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Diferente da produção dita erótica ou obscena de até então (literária, musical ou pictórica), que a grosso modo pode ser agrupada dos séculos XVI ao XVIII, tendo como objetivo explícito ou velado uma crítica política e social aos representantes das mais variadas instituições, como a nobreza, a Igreja, o mundo militar, os burgueses ou mesmo o chamado “povo”, nasce agora uma nova maneira de utilizar as representações sobre o campo sexual. A filosofia dá lugar ao consumo da obscenidade modernizada. O sexo como um produto e o prazer como uma mercadoria em si, não são fatores novos no fim do século XIX, pois sempre estiveram ligados intimamente à edificação do capitalismo. Nova, agora, é a ampliação da produção e do consumo, unida a um certo alheamento das questões políticas. A pornografia nasce assim do discurso obsceno sob o viés da cultura de massas e do entretenimento. Marx (1988), quando escrevia O Caráter Fetichista da Mercadoria e seu Segredo, no volume I de O Capital, não levava em conta a influência do comércio do erotismo em nossa cultura (e economia) neste texto publicado em 1867. O próprio termo “fetichismo” só será relacionado à sexualidade no fim do século, em 1889, no famoso catálogo de perversões sexuais do psiquiatra austríaco Richard Von Krafft-Ebing (1998), o livro Psychopathia Sexualis. O criminalista Cesare Lombroso emprega a palavra “fetichismo” na introdução deste texto na Itália em 1889. No mesmo ano sai a quarta edição deste livro, pela primeira vez com o termo, afirmando o autor que se baseou no texto de Lombroso para criar esta nova categoria. Agora a expressão passa a significar a adoração de caráter sexual para com objetos ou partes do corpo da pessoa desejada - embora não tenha perdido o sentido negativo do termo. Antes dele, esta expressão era usada para designar um tipo de adoração supersticiosa de objetos sagrados. O criador do “socialismo científico” ao analisar a mercadoria como fetiche (o poder “mágico” que mascara relações sociais), não previa o “fetiche” (objeto capaz de evocar volúpia e sensualidade erótica) como mercadoria. Menos de cinqüenta anos depois deste texto, a pornografia despontava como negócio. Segundo a socióloga Valerie Steele (1997, p. 59), Antes da produção comercial de artigos e das parafernálias fetichistas, os indivíduos faziam seus próprios fetiches, da mesma forma que faziam a sua própria pornografia. Na virada deste século, algumas pessoas tinham entrado no negócio de produzir e vender objetos de fetiche, especialmente aqueles como espartilhos e sapatos, que são difíceis de se produzir em casa.

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Neste mesmo período, a arqueologia descobre, entre as ruínas de Pompéia, uma série de objetos e imagens sexuais explícitas pintadas em paredes de termas e outras casas. O Museu de Nápolis resolve mantê-las em área reservada, proibindo a visitação de mulheres, crianças e homens considerados “incultos”. Para nomear o conjunto de tais obras que mostravam uma grande quantidade de desenhos de cortesãs e cenas de sexo, devendo ser vistas apenas com fins científicos, o termo escolhido foi “pornografia”, significando “escritos sobre prostitutas” (Freire, 2001, p. 66). Graças a um novo ciclo de incremento nas gráficas e editoras decorrente da revolução industrial, e um aumento substantivo de mulheres, crianças e principalmente proletários como público leitor e consumidor, aparece, finalmente, a “pornografia” como classe independente de obras literárias, pictóricas e produtos distintos, tais como os pênis artificiais (dildos). Em outras palavras, a pornografia como categoria regulamentada surgiu em resposta à ameaça de democratização da cultura (Hunt, 1999, p. 13). Desta maneira, pode-se afirmar que a pornografia como a entendemos hoje, ou seja, a representação sexual visando em especial a excitação erótica de seu público e estando intimamente relacionada com a produção padronizada para um mercado estabelecido, nasce apenas a partir do ultimo terço do século XIX. É neste mesmo período também que, dentro da cultura do entretenimento, junto aos circos, parques de diversões e feiras modernas, entre presépios mecânicos, fonógrafos, exposições fotográficas, “lanternas mágicas”, cinemas, shows de mágicas e o surgimento da coca-cola e dos sucrilhos, fazem sucesso os incríveis freak shows ou espetáculos de “aberrações” humanas, apresentando pessoas que fazem ou são “maravilhas”. A apresentação pública de ”monstros” e “anomalias” humanas já acontecia desde a Idade Média em festas religiosas e, após o Renascimento, eles passam a ser exibidos em tavernas, feiras e especialmente nas cortes para os nobres. Neste período o público era restrito e estes pequenos “espetáculos” ainda não se caracterizavam como uma forma própria de negócio. Estas apresentações de estranhezas humanas são um grande sucesso na Europa no século XIX, mas é na América do Norte que tais eventos vão alcançar o auge de sua profissionalização. Nos Estados Unidos, P. T. Barnum, um empresário do ramo do entretenimento, inaugura em 1841 o American Museum, que exibe as mais variadas curiosidades por apenas alguns centavos. A atração principal, claro, são as anomalias físicas. Este senhor pode ser considerado o pai da moderna cultura do entretenimento e é atribuída a ele a famosa frase: “existe um otário nascendo a cada minuto” (Trigo, 2003). 5

Com o sucesso causado por estes “assombrosos fenômenos”, surge toda uma cultura de espetacularização do estranho e anormal como um negócio extremamente lucrativo, que vai estar na raiz da nascente cultura de massas (Thomson, 1996). Nascem assim os freak shows, espetáculos em que são apresentados para apreciação pública todo o tipo de coisa estranha, esquisita ou bizarra, como o homem-tigre, a mulher com rosto de borracha, a criança sem ossos, o sujeito que fuma por um buraco nas costas, a senhora que come pregos e cacos de vidro ou o garoto que se equilibra de ponta cabeça com apenas uma das mãos. Ora, esta febre de espetacularização do “estranho” não é uma característica unicamente da cultura de massas. Também a ciência participou – e em grande medida ainda participa – dela. Assim, os recém inventados “perversos e pervertidos” sexuais fazem sucesso no palco das ciências da psique como o espetáculo da anormalidade. Da mesma maneira que os freak shows apresentam a mulher barbada, o homemelefante e a criança-diabo para espanto e escárnio da platéia, a psiquiatria, a psicologia e mais tarde a psicanálise também apresentam seus monstros: a mulher histérica, o perverso sexual, a família degenerada. Conforme Foucault, o anormal (...) é no fundo um monstro cotidiano, um monstro banalizado. O anormal vai continuar sendo, por muito tempo ainda, algo como um monstro pálido (Foucault, 2001, p. 71). Dentro do mundo do entretenimento, a pornografia não apenas vai espetacularizar a prática sexual como também criar seu próprio freak show cujos protagonistas serão, claro, os tais “perversos” ou “pervertidos” das ciências da psique. Desde seu início, a produção pornô apresenta imagens com penetrações de garrafas nos orifícios corporais, sexo com urina ou corpos considerados fora dos padrões de beleza da época, como mulheres muito gordas ou anões. Apenas com o gradual processo de legalização da pornografia nos países do Ocidente a partir de 1969, na Dinamarca - que este mercado vai se fragmentando e originando inúmeras subdivisões. Visando uma melhor aceitação social e conseqüente ampliação de consumidores e estruturando-se de maneira cada vez mais formal, resultado de sua consolidação como indústria legalizada de “entretenimento adulto”, o próprio mercado pornô inventa rótulos e classificações específicas para seus produtos, tais como “soft core”, “hard core”, “sexo convencional” ou “bizarro”. É este último, o “sexo bizarro”, que pode ser considerado uma versão pornô dos freak shows. Dentro deste universo de filmes, vídeos e fotos, produzidos e lançados em várias mídias, de películas 16mm aos produtos digitais da internet, as práticas sexuais são mostradas para impressionar, espantar, incomodar e mesmo chocar, além, claro, de excitar a platéia, em 6

especial o público que procura o diferente, o não-usual, o “incrível”. Esta é uma característica do material aqui estudado: ele apresenta um sexo considerado “não-convencional” e este comumente é mostrado como um show de possibilidades fantásticas pela ótica de uma já pressuposta imaginação erótica “comum” ou “convencional2”. Nesta linha, o foco principal é o corpo que escapa às convenções sociais do “sadio”, “normal” ou “natural”. A intenção deste tipo de produção analisada é justamente apresentar a experiência sexual como algo fora da ordem do “cotidiano” ou do “ordinário”, através das práticas que as ciências da psique (psicologia, psicanálise e psiquiatria) chamam de “perversões” ou “parafilias”. Também aqui, como em toda a pornografia em geral, as questões sobre doenças sexualmente transmissíveis/ Aids quase nunca são apresentadas. No máximo, de acordo com a ideologia ou capacidade financeira da produtora, preservativos masculinos “surgem” misteriosamente durante os closes de penetração, mas logo também “desaparecem” nas cenas de sexo oral e ejaculação. A simples evocação do tema das dst´s, ou uma possível cena apresentando a colocação de um preservativo, parece desestruturar toda a ideologia de “transgressão” sexual vendida por este mercado. Muitas vezes, o termo “bizarro” vem acompanhado ou é substituído por “sadomasoquismo” (ou BDSM, abreviatura de Bondage, Domination, Sadism, Masoquism, termo geral como os adeptos dos grupos organizados de sadomasoquismo referem-se a si mesmos ou a suas práticas), “fetiche” ou, mais recentemente, “weird”3, em sites de língua inglesa, sendo esta uma divisão grosso modo, pois normalmente as categorias citadas acima encontram-se misturadas tanto nas práticas quanto nas classificações. Sob estes rótulos citados, muitas variações podem ser encontradas, pois não existe uma classificação mercadológica única, dependendo do país e da distribuidora dos produtos relacionados. Por exemplo, fitas de vídeo sobre “adoração de pés” podem vir sob o rótulo de filme “fetichista”, ou “sadomasoquista”. Comumente, o rotulado sexo “bizarro” apresenta em suas imagens a penetração de objetos gigantes e/ou inusitados na vagina, ânus ou canal da uretra; fist fuck (penetração vaginal ou anal das mãos até o punho); sexo com urina (chuva dourada), fezes (banho marrom), vômito (banho romano) ou enemas; sexo com corpos esteticamente “diferentes”: mulheres grávidas, pessoas muito velhas, muito gordas, anões, travestis; enfim, tudo o que é

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O sexo convencional seria o heterossexual, monogâmico, com apenas um parceiro ao mesmo tempo, visando em especial a penetração peniana na vagina e o orgasmo genital, com ou sem fins procriativos. 3 Significando estranho, esquisito, fantástico, extraordinário, misterioso, sobrenatural.

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apresentado como “diferente” e não cabe diretamente nas categorias “sadomasoquismo” ou “fetichismo”. Segundo nosso dicionário Aurélio (Ferreira, 1999), a palavra “bizarro” significa: 1. Gentil, nobre, generoso. 2. Bem-apessoado, bem-parecido; garboso. 3. Vestido com elegância; bem vestido. 4. Fanfarrão, jactancioso. 5. Extravagante, esquisito. É com estes dois últimos significados que esta pornografia se identifica: fanfarrão, extravagante, esquisito. Desta forma, três práticas sexuais me parecem características deste rótulo, na melhor tradição dos freak shows, cujo objetivo é evocar tanto a fascinação maravilhada quanto o asco enojado, podendo provocar euforia sexual, mal-estar, ódio ou mesmo risadas. Vejamos então, “o espetaculoso sexo bizarro em três de suas mais incríveis variações: a assombrosa escatologia, o incendiário sexo com cigarros e o ultrajante e mais recente ‘abuso facial’!”

“Scat”, ou a pornografia com sujeira e excrementos Eu amo me comportar como uma porca4. Conforme Lévi-Strauss (1986), a educação do organismo e de suas reações é algo comum a todas as culturas. Já para Norbert Elias (1994), na cultura ocidental, os atuais conceitos de educação, asseio e mais tarde higiene, originaram-se em sua versão moderna do desejo de distinção entre os grupos das cortes medievais para com aqueles que não tinham acesso ao controle hierárquico da riqueza e do poder e, consequentemente, dos ideais do então recém criado conceito de “civilidade”. Segundo este autor, o chamado “processo civilizador” foi (e ainda é) um constante trabalho de autocontrole corporal e gradual intolerância social e sensitiva para com os fortes impulsos físicos - como a necessidade de expelir excrementos ou psíquicos - como a gargalhada ou o desejo de agressão física. Assim, os manuais de civilidade, que se espalham por todas as cortes européias desde o Renascimento, vão treinando a sensibilidade no sentido de aumentar o nojo e a vergonha para com tudo que lembre a “animalidade” do corpo humano e, por isso, contribua para a perda de status ou respeito ao tornar a pessoa mais próxima dos “rústicos” camponeses e outros desqualificados sociais. Erasmo de Rotterdam em seu Da Civilidade em Crianças, de 1530, já avisa que é indelicado cumprimentar alguém que esteja urinando ou defecando...a pessoa bem educada sempre deve evitar expor, sem necessidade, as partes às quais a natureza atribui pudor. 4

Fala da atriz pornô Veronika Moser, em cena do filme Inside Veronika Moser. Trailer disponível em http://www.hightide-video.com/inside_veronika/movie.html Acesso em 22/04/2008

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Ainda em 1731, um manual sobre a ética galante repete: se passar por uma pessoa que está se aliviando, você deve comportar-se como se não a visse, de maneira que é indelicado cumprimentá-la (Elias, 1994, p. 136; 139). Apenas no século XIX, com a popularização dos modos de etiqueta, tais regras de comportamento foram associadas à higiene e à saúde, encontrando assim uma justificativa médica e científica para a manutenção e incremento destes hábitos socialmente distintivos. Desta forma, em nossa cultura, pode-se afirmar que os excrementos são algo que deve ficar escondido, secreto, pois não pertencem mais à dita civilização. Por isso vão para o esgoto, lugar afastado, foco de doenças e morte, local do “impuro”. Tudo o que evoca uma condicionada idéia de animalidade, todas as funções orgânicas ditas involuntárias e imperativas são mantidas em segredo. Ingerir alimentos é algo público, uma celebração, uma comunhão; expelir excrementos é algo privado, particular, de uma intimidade inviolável. As barreiras para com nossos dejetos começam com a educação da criança e sustentam-se em um silencioso “esquecimento” da sociedade em relação ao tema. Na mídia os banheiros são lugares para se embelezar (fazer maquiagem, pentear os cabelos, lavar o rosto, passar perfume), não para se “sujar”. Os atos de excreção devem ser feitos em locais fechados, afastados de qualquer testemunha. Também o banheiro dos cargos de chefia é comumente separado dos subalternos, mostrando como até as secreções sofrem distinção de classe social. O único discurso socialmente legítimo sobre os excrementos é o da medicina e somente se a análise for para justificar seu banimento. Não se permite jamais tocar os excrementos, pois os “demônios da doença” podem apossar-se do corpo com um simples toque da pele. A manipulação deve ser feita com acessórios que impeçam este contato. Somente as pessoas “iniciadas” e qualificadas para tal podem fazê-lo: os médicos e seus assistentes (enfermeiros, técnicos de laboratório). Infelizmente, muito pouco se analisa da relação erótica consciente e intencional de adultos com seus excrementos. A quase totalidade dos estudos existentes sobre este tema gira em torno das ciências da psique; na classificação de tal prática como “perversão sexual”, “parafilia”, suas origens “infantis” e “inconscientes” e, normalmente, na justificativa do porque estes prazeres devem ser exterminados. Mas na sociedade moderna existe toda uma subcultura de atitudes e gostos sexuais que tem como foco unificador justamente os prazeres “desviantes”, sendo o deleite erótico com a urina, a saliva, as fezes ou mesmo o vômito algumas das práticas com adeptos organizados e um mercado próprio. Não podemos nos esquecer que os órgãos sexuais também o são de excreção. No momento do sexo dito “normal” ou “sadio”, isto parece ser cuidadosamente esquecido e 9

praticam-se atos que em outra situação seriam inconcebíveis. No século XIX, Krafft-Ebing, considerava o desejo por fazer sexo oral no parceiro como uma ramificação do masoquismo, pois o prazer em colocar os lábios nos órgãos de excreção só poderia ser entendido como uma tentativa de auto-humilhação. Ainda assim, o contato com a “sujeira” do organismo promete um “conhecimento secreto”, uma descoberta de segredos e mistérios sensoriais até então velados para o universo da “civilização higiênica”. Da análise química laboratorial à curiosidade jocosa sobre o corpo alheio, os excrementos são uma incessante chamada para o desconhecido e o proibido. É este tipo de transgressão que os produtos pornográficos que lidam com excrementos querem apresentar. A imagem do excremento quase não existe socialmente, a não ser como piada e motivo para riso. Eles são raramente vistos em mídias públicas como TV, revistas, vídeos; nem ouvidos em discos ou rádios, com exceção apenas de alguns pouquíssimos programas humorísticos, comumente considerados de “mau gosto”. Mais uma vez, só a literatura médica utiliza-se destas imagens. Mesmo em filmes de sexo explícito convencional, excrementos e secreções são misteriosamente inexistentes, transformando os corpos nas detalhadas relações sexuais em ilhas da mais pura limpeza. Desta maneira, existe uma série de imagens pornográficas que tratam dos prazeres sexuais envolvendo fezes, enemas, sangue menstrual, gases intestinais, secreções das narinas, esperma, saliva, urina, vômito, sujeiras nos pés e todo o tipo de secreções corporais. Tudo o que a nossa cultura associou aos perigos das doenças, graças ao intenso e constante processo civilizador e ao higienismo, é apreciado e sexualmente usufruído neste material. Produções como Shit Lovers (Suécia), mostram a prática sexual e o deleite erótico em suas mais criativas manipulações envolvendo as várias secreções e excrementos que o corpo humano produz. Nestes produtos pornôs, fezes, urina e vômito são menos uma “necessidade” da natureza do que um prazer intencionalmente buscado, uma “vontade” controlada pela cultura como a alimentação – borrando assim os frágeis conceitos que separam um pressuposto mundo “natural” de outro “cultural”. Nos grupos organizados de adeptos dos chamados “banho marrom” (fezes), “banho romano” (vômito) e “chuva dourada” ou “watersports” (urina e aplicação de enemas), os excrementos são muitas vezes apreciados, ingeridos e espalhados pelo corpo, sendo este tipo de manipulação do proibido ou do perigoso que gera o show do prazer. Literalmente, é espetacularizada a manipulação e/ ou ingestão de elementos culturalmente “perigosos”. Um detalhe curioso: ao analisar a coprolagnia (prazer erótico com excrementos), Krafft-Ebing (1998, p. 129), no século XIX, afirma: Um médico brasileiro contou-me sobre 10

vários casos que ele teve conhecimento de defecação de uma mulher na boca de um homem. Infelizmente o autor não cita quem é seu colega correspondente nem dá mais informações sobre esta prática aqui no Brasil. Mas, um século depois, uma produtora de vídeos nacionais chamada MFX Video, faz sucesso exportando filmes de escatologia para várias regiões do mundo, sendo estes produtos considerados de alta qualidade e recomendados por vários sites internacionais sobre o tema. Títulos como Kaviar’s school (caviar é uma gíria para fezes); Shit gang 2; Shemale scat house; Snow withe and the seven scatgirls; Suck my dirty feet; Diarrhea picnic; Pissing competition; Forced vomit 3; Vomit in the club; Diarrhea bukakke e Peidos Atômicos no Brás são alguns dos inúmeros filmes produzidos por esta pequena e quase desconhecida empresa. Neste meio, tais práticas e produtos são conhecidos, dentro do rótulo maior de “bizarro”, como scat. Este é um diminutivo da palavra de língua inglesa scatology, significando estudos sobre excrementos. Em português, tal palavra é traduzida, com o mesmo significado, como “escatologia”. Mas em nossa língua ocorre algo curioso: escatologia também tem o sentido de estudo teológico e religioso sobre os fins últimos do homem e do mundo5. A diferença está nos distintos termos gregos que originam ambos os sentidos. Segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 1999), [escato-] do grego éschatos, significando 'último', 'extremo', 'final'; origina escatologia: 1. Doutrina sobre a consumação do tempo e da história; 2. Tratado sobre os fins últimos do homem. Já [escat(o)-] do grego skato, significa 'excremento', e gera o termo escatologia como tratado acerca dos excrementos. Ora, talvez estes dois significados não sejam tão distantes assim. Em A Oleira Ciumenta, Lévi-Strauss analisa a relação entre o barro, a natureza bruta que é transformada pelas mãos do homem em “cultura” ao adquirir forma e função específicas - como um jarro – e as fezes, representantes novamente do mundo “natural” após a digestão de alimentos culturalmente preparados. No estudo do antropólogo sobre mitos indígenas das Américas, fica clara a importância das funções fisiológicas no universo mítico, e como a relação criada entre os povos e suas excreções vai organizar determinados tipos de separações conceituais entre “natureza” e “cultura”. Assim, ceder à natureza é mostrar-se um mau membro da sociedade (Lévi-Strauss, 1986, p. 123). Esta concepção fica clara quando percebe-se que, mesmo entre os adeptos de práticas sexuais ditas “não-convencionais”, como o BDSM em seu sentido amplo, pessoas que apreciam sexo com fezes ou vômito também são muitas vezes vistas com nojo e tratadas com

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Em inglês, eschatology.

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hostilidade. Em conversas com adeptos, ouvi de uma Mistress “dominadora e sádica”, a seguinte afirmação: me recuso a sentar à mesma mesa que [ ], nem que seja para conversar, pois ela pode ter saído de uma sessão e ter comido cocô! Já uma outra senhora, que gostava de beber urina e não escondia tal preferência no meio BDSM, certa vez me chamou de lado e comentou: eles dizem que não tem nojo para parecerem legais, mas têm sim. Eu aqui sou a aberração entre as aberrações. Só perco para aqueles que gostam de fezes. Assim, o que se espetaculariza nas imagens e produtos pornográficos “bizarros” de scat, é justamente o limite do “processo civilizador” em relação à nossa atual sensibilidade para com os excrementos e a íntima relação entre estes limites e o erotismo. Como afirmou Elias sobre o hábito de lidar com excrementos no século XVI: Os sentimentos de repugnância, desagrado ou nojo despertados por

tal

comportamento

são,

nos

termos

do

antigo

padrão,

incomparavelmente mais fracos que os nossos. Por isso mesmo, é muito menos rigoroso o interdito à manifestação desses sentimentos. Esse comportamento não é considerado como uma ‘anomalia patológica’ ou uma ‘perversão’, mas sim, como uma ofensa contra o tato, a polidez, o bom estilo (Elias, 1994, p. 146). Neste sentido, justamente pelo trato com excrementos ser atualmente algo tão privado, envolto em segredo, solidão e muitas vezes vergonha, e sua interação erótica ser um potente interdito sob quase todos os aspectos educativos, higiênicos e morais “saudáveis”, alguns praticantes afirmam encontrar nestas práticas um intenso sentimento de entrega e intimidade (Brame, Brame e Jacobs: 1993). O obsceno aqui, ou seja, “aquilo que deveria estar fora de cena”, é o mais íntimo contato com o corpo e suas funções fisiológicas, numa outra maneira de lidar com os restos de si mesmo, com os “fins últimos” do organismo. Assim, a “origem” humana do “barro” na tradição cristã parece ter uma outra chance de ser remodelada, encontrando o éschatos com o skato. Afinal, como afirmou Santo Agostinho, entre fezes e urina nascemos (Arango, 1991, p. 56).

As “Sexy smokers” ou o tabagismo como transgressão erótica Veja adolescentes e mulheres fumando cigarros! Garotas fumando charutos enquanto se masturbam!6

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Retirado da chamada do site Females Smoking Fetishes em http://np.femalesmokingfetishes.com/

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Segundo o médico e sociólogo Georges Lanteri-Laura (1994), em seu livro Leitura das perversões, os “desviantes sexuais” são, durante o século XIX e a formação da “ciência sexual”, silenciosamente divididos pela psiquiatria em duas categorias: os “perversos” e os “pervertidos”. Para este discurso do período, entre os primeiros estão as pessoas respeitadas por seus bens, capacidades intelectuais e um sobrenome socialmente reconhecido. Eles são objetos de compaixão, compreendidos como infelizes sobre os quais um destino trágico se abateu, muitas vezes de origem biológica e congênita. Para tais indivíduos, são desenvolvidos todos os esforços médicos e jurídicos visando curá-los ou livrá-los das prisões. Os centros de reabilitação, as termas e os balneários contavam com este público. Já os segundos, sem posses, considerados astuciosos, mas não inteligentes, e cuja imagem é quase sinônimo de marginalidade, são encarados com rigor, receio e desprezo. A ciência considera-os mais próximos do vício que da doença, da perversidade que da perversão, e as faltas por eles cometidas declaram de antemão a condição de culpados, pois acumulam “desvios” com uma vida dita “desregrada” ou trazem na carne os estigmas da degeneração hereditária, fruto de pais também envolvidos em “excessos” de toda ordem. Para eles, os manicômios judiciários, as prisões e a psiquiatria forense. Assim, a “perversão” delineia-se como uma doença e a “perversidade”, como um vício. Com o avanço do “processo civilizador”, e a substituição do gosto moderno das “aberrações” fisiológicas pelas psíquicas, no qual a simples visão dos indivíduos com “deformidades” físicas é considerada ofensiva à sensibilidade moderna, as pessoas que antes provocavam medo, fascínio e desprezo, sendo exemplos de monstruosidades, hoje causam “pena”. E da mesma forma como em séculos anteriores, continuam desprezadas e dificilmente são admitidas completamente no seio do grupo dos “perfeitos”. Os monstros, antigos ou recentes, saem das feiras, sendo excluídos e afastados do convívio social, retornando apenas sob o estigmatizante rótulo da “inclusão social”, dentro dos totalitários ideais antissépticos de saúde, beleza e sanidade – eufemicamente conhecidos hoje como “qualidade de vida” - através do maciço bombardeamento destas pessoas com técnicas “inclusivas”: classificações clínicas, remédios, terapias, punições legais, vigilância e, claro, tornando-os economicamente úteis como novos “funcionários” (ou “colaboradores”). Vejamos então dois exemplos de sujeitos que representam uma certa sexualidade “desviante” e sua relação com a pornografia. O primeiro é uma atualização de um dos mais antigos e famosos tipos de freaks conhecidos e o segundo uma nova modalidade destes seres, criada exclusivamente pela sensibilidade e ideologia de hoje. Refiro-me às “mulheres gordas” e às “fumantes”. Não por acaso, duas categorias que a sociedade atual usa como bodes 13

expiatórios, descarregando nelas suas frustrações, ódios e medos. Se, no fim do século XIX, os “perversos”, os “pervertidos” sexuais e os masturbadores eram alguns dos alvos preferidos pela caçada social a um inimigo, hoje os apreciadores do tabaco – “adictos” ou não – e as pessoas com perfil não completamente esguio parecem ocupar o lugar da caça. O cigarro e a gordura corporal são o novo “satã” em que toda a ciência, unida à ética e à estética, devem combater. Da mesma forma que antes, quase toda a sociedade mostra-se engajada em “salvar” as vítimas escolhidas. As autoridades, governos, pais, educadores, artistas, ong´s das mais variadas tendências e cientistas – em especial os médicos – vigiam constantemente os passos daqueles que ousam ir contra o mito redentor da “saúde”. Atualmente, parece que ideal de corpo tornou-se esguio e firme. O perfil considerado belo e “normal” até algumas décadas atrás, hoje é considerado “gordo” e motivo de preocupação e vergonha. Em oposição ao início do século XX quando ainda a gordura corporal era sinônimo de fartura econômica e prestígio social, agora a obesidade é associada às classes baixas e sem capital cultural, pois estas são vistas como não tendo tempo para cuidar de si mesmas (cuidado apresentado no corpo) e incapazes de distinguir os alimentos saudáveis ou reconhecer uma “dieta balanceada”. Desta maneira, a medicina atual justifica a concepção de que todos os gordos estão correndo um sério risco de vida. Para a ciência, ser gordo é ser doente. A estética dita a completa inadequação destes corpos em qualquer padrão de beleza. Ser gordo é também ser feio. A moral associa o excesso de peso à preguiça, à falta de vontade e, conseqüentemente, ao caráter fraco e ressentido. Ser gordo é ser doente, feio e vagabundo. Mesmo quando o “gordo” não é assumidamente visto como um problema, só é tolerado como uma possibilidade no outro, jamais em si mesmo. As pessoas “aceitam” (cheias de dó) que os outros sejam gordos, mas não perdoam tal “pecado” no próprio corpo, gastando o que for necessário em plásticas, academias e regimes, para, através da milenar prática da mortificação do corpo com jejuns (dietas) ou mutilações (lipo-aspiração), purgarem-se deste “mal”. Ser “como o outro”, no caso, o gordo, é motivo de medo e sinônimo de fracasso. O gordo atualmente encarna o antigo papel do “perverso”. É o doente que todos temem ser. Da mesma maneira, a intenção declarada de fumar e o prazer de tal ato parecem cada vez mais algo “obsceno” à nossa cultura contemporânea. No século XIX, as únicas mulheres que fumam nas fotografias são as prostitutas. Este é considerado um hábito masculino e somente as “invertidas” podem desejar tal prazer. A mulher que fuma é, por excelência, a mulher sem pudor (e é impossível ver uma mulher, mesmo que fumante, deixar-se fotografar

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naturalmente fumando) (...) Eles [os cigarros] fazem parte da encenação tanto quanto o fato de ser segurado por uma mulher nua e alongada ou por uma mulher alongada, sorridente e dubitativa (Boëtsch e Ferrié, 1998, p. 173).

Krafft-Ebing analisa o uso do fumo e do álcool como uma manifestação da degeneração feminina (caso 87): Ela era brilhante, inteligente e de bom-gênio, e sentia-se totalmente feliz em sua perversa e homossexual existência. Ela fumava e bebia cerveja (Krafft-Ebing, 1998, p. 140). A partir dos anos trinta do século XX começa a haver uma glamourização do cigarro pelo cinema americano, associando-o à sensualidade e à ousadia das mulheres. A partir dos setenta, acompanhando as mudanças sociais, o hábito de fumar foi incorporado maciçamente pelas mulheres e, na década de 90, surge uma imensa campanha de conscientização social, liderada pela medicina, relacionando o tabaco à origem das mais variadas doenças, especialmente respiratórias e pulmonares - mas não só. Como a masturbação no século XIX, que era considerada a causa da pneumonia, hoje o cigarro, segundo campanhas médicas, pode provocar inclusive impotência sexual. Assim, os fumantes parecem assumir hoje o papel dos “pervertidos”. Por mais que os governos avisem em campanhas que o cigarro pode causar de amputação de membros à corrupção de crianças7, os movimentos “espontâneos” anti-tabaco aumentem, ex-fumantes policiem seus ex-companheiros e os estabelecimentos públicos criem espaços físicos de segregação e isolamento (áreas reservadas para fumantes), estes insistem em continuar com seu “vício”. Para garantir um “ar respirável” – muito mais uma concepção moral do que física – muitas lojas proíbem os clientes de fumarem em seu ambiente, mesmo quando o produto não é vulnerável ao cheiro do cigarro, justificando inclusive a perda do lucro comercial. O fumante está se tornando para nossa sociedade um imoral. É como se ele não respeitasse nem a si nem aos outros, “destruindo” a tudo e a todos com seus malignos rolinhos de tabaco. Talvez, daqui a alguns anos, os tabagistas serão tratados como os viciados em crack ou heroína, sendo criminalizados judicialmente, considerados desagregadores do tecido social, delinqüentes e motivo de dor e vergonha para sua família. Ora, sabe-se que a indústria da desintoxicação do tabaco cresce a passos largos, talvez no mesmo ritmo com que os fumantes são vistos como criminosos conscientes que sentem prazer em se destruírem e incomodar os outros.

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“O Ministério da Saúde adverte: crianças começam a fumar ao verem adultos fumando”

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Não por acaso, neste mesmo início de século XXI, com o cerco aos fumantes a todo o vapor, surgem na internet dezenas de sites associando sexo e cigarro. A erotização explícita do tabaco alcança um estágio nunca visto antes no mesmo grau em que este é repudiado pela sociedade. Garotas nuas fumando, soltando a fumaça sobre seus genitais ou dos parceiros, brincando com o cigarro pelo corpo ou tragando enquanto fazem sexo, sempre visando excitar o espectador, são a temática predominante desta recente produção pornográfica. Diferente dos vídeos e revistas que mostram o cigarro como objeto de diversão erótica, entre garrafas, frutas e vibradores, ou da demonstração de habilidades sexuais extraordinárias como fumar pela vagina, o que estes novos produtos focam é o prazer de fumar “normalmente” como um ato obsceno em si. O importante a ressaltar é que o cigarro sempre foi associado à ousadia e a sensualidade, mas agora ele está se tornando uma transgressão erótica específica, tal como uma “perversão”. Sites como Sexy Smoking Sluts ou Sexy Smokers8 são exemplos claros desta tendência. Talvez estejamos assistindo ao nascimento de uma nova “perversidade” sexual, pois na mesma proporção em que o prazer de fumar é socialmente execrado e associado à irresponsabilidade suicida, este mesmo deleite é relacionado ao mundo da sexualidade desviante, na qual os prazeres proibidos culturalmente são liberados através da transgressão obscena. Se a sociedade atual suporta melhor os negros, homossexuais e outros antigos “perversos”, talvez seja porque aceita menos os fumantes e os gordos e já esteja gestando novas espécies de “pervertidos sexuais” como, por exemplo, aqueles que associam tabaco com sexo ou sentem desejo sexual por mulheres fora dos padrões oficiais de beleza. Que talvez sejam criminalizados por leis futuras e tratados como “doentes” e “anormais” pelas ciências.

Uma nova ânsia no ar: o “abuso facial” Chupadas tão brutais que farão o menino Jesus chorar!9 Gayle Rubin, em entrevista concedida à Judith Butler, afirma que o fist fuck, o ato de penetrar a mão inteira até o punho (daí o fist) na vagina ou ânus do parceiro, talvez seja a única prática sexual inventada no século XX (Rubin e Butler, 2003, p. 203). Provavelmente isto é correto no sentido de ato sexual consentido e com o objetivo de causar prazer na pessoa penetrada, pois a concepção (independente da prática “real”) de enfiar a mão dentro do corpo 8

Exemplos: http://www.sexysmokingsluts.com; http://www.sexysmokers.com; http://www.penispuffers.com/main.html; http://www.smokingfreaks.com 9 Retirado da chamada do site Facial abuse: http://www.facialabuse.com/ Acesso em 22/04/2008

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de alguém com a intenção de castigar e causar dor é registrada, pelo menos, desde o Renascimento. Dentro da Capela Sistina, no Vaticano, um detalhe do Julgamento Final, pintado por Michelangelo, mostra um demônio enfiando o punho no ânus de um homem que parece gemer ao mesmo tempo em que tenta bloquear este ato. Não por acaso este desenho encontrase na parte destinada aos condenados ao inferno, sendo conhecido como “punição aos sodomitas” (Néret, 1994, p. 102). Também o Marquês de Sade, em seu manuscrito Os 120 dias de Sodoma, narra situações em que as personagens libertinas divertem-se penetrando as mãos na vagina e no ânus de suas vítimas, arrancando-lhes as entranhas, causando um terrível e agonizante sofrimento e, por fim, a morte (Sade, 2006). Feita esta distinção, Rubin provavelmente esta correta na originalidade do fist fuck no século XX, pois este parte do princípio da consensualidade (e não do abuso punitivo) e visa à satisfação erótica da pessoa que é penetrada, exatamente o oposto destes dois exemplos acima. Mas talvez o fist fuck não seja a única técnica erótica criada recentemente. Desde o final da última década do século XX, uma nova modalidade de prática sexual surgiu nos sites pornográficos da internet: a chamada “abuso facial” ou “gag”. Surgida na esteira do sucesso causado pelos filmes de bukkake, originalmente importados do Japão e no qual uma pessoa é literalmente banhada no rosto pela ejaculação de vários homens, o abuso facial pretende ser uma versão mais agressiva desta linha pornô. É comum encontrarmos este tipo de produção sob alguma variação do termo em inglês abuse, no sentido de ofensa, maltrato, insulto, exemplificado pelo site especializado nestes filmes intitulado Facial abuse (cujo texto de chamada está reproduzido acima). Outra variante pode ser gag, que vem de engasgar, regurgitar, como na série Gag factor. Também pode ser encontrada com o nome mais explícito de fuck troath. O foco desta prática é penetração do pênis na boca da parceira/o não para receber sexo oral, mas visando alcançar o mais fundo possível da garganta da pessoa e, através de movimentos rápidos e violentos que interferem nas ações peristálticas do esôfago, provocar engasgos, regurgitos, ânsias, falta de ar, excesso de salivação - que é cuspida sobre o próprio rosto - e, muitas vezes, até o vômito. Creio que, dentro da pornografia, tal prática e conseqüente resultado estético é recente. Por exemplo: um dos mais famosos produtos da pornografia cinematográfica, o filme Garganta Profunda (Deep Throath), de Gerard Damiano, narra a estória de uma mulher (a atriz Linda Lovelace) que não consegue atingir o orgasmo e, por isso, não vê graça no ato sexual. Incomodada, ela resolve procurar um médico e este faz uma incrível descoberta: seu 17

clitóris não se encontra no aparelho genital, mas no fundo da garganta! O problema é resolvido graças à capacidade fantástica da atriz de fazer sexo oral “profundo”. A partir de então, Linda passa a ter uma vida sexual repleta de prazer, ação e fantasias, tais como a encenação de um estupro ou a introdução de coca-cola na vagina para o parceiro beber com canudinho. A grande diferença é que neste filme de 1972, o objetivo era sempre o sexo oral visando o prazer de quem o fazia, não a idéia de penetração com a intenção de causar as reações de regurgito e humilhação. Não por acaso, a atriz protagonista, Linda Lovelace havia trabalhado antes em circos como engolidora de espadas. Era necessária uma técnica para não engasgar ou se sujar, o que nesta nova modalidade de sexo não faz mais sentido, pois o foco é justamente conseguir a reação de ânsia e suas conseqüências. O objetivo principal desta produção parece ser a humilhação da pessoa que é penetrada, através da estimulação agressiva de uma parte do corpo que não é encarada normalmente como zona erógena - o fundo da garganta - e, principalmente, pelo resultado visual de tal prática: rostos e corpos completamente “sujos” de saliva (ou vômito), olhos vermelhos e irritados, cabelos desgrenhados e, nos filmes com mulheres, maquiagem completamente borrada. Estes produtos parecem ter consciência de que o sucesso comercial de tais imagens está diretamente ligado ao impacto que causam no espectador, transformando belos performers e lindas atrizes em faces “grotescas” e “monstruosas”. Talvez estes filmes visem causar ânsia e mal-estar não apenas em quem neles participa, mas também – ou principalmente – em quem os assiste. Uma curiosa maneira de o consumidor “participar” da experiência sexual apresentada pelo produto. Podendo ser considerada uma variação do sadomasoquismo, o foco da agressividade e humilhação do parceiro/a centra-se quase que especificamente nesta maneira específica de sufocação, espetacularizando a idéia do processo de degradação de uma pressuposta “beleza” sexual. Daí vem a idéia de abuso, pois isso causa uma alteração completa na respiração, na salivação e claro, no corpo como um todo. A pessoa que esta recebendo a penetração, pela intensidade da ação e a submissão que pressupõe tal situação, estaria sendo “abusada”. Neste sentido, o erotismo envolvido nesta prática estaria em pleno acordo com a teoria de Georges Bataille, na qual a experiência erótica é antes de tudo uma violação das normas sociais que regulam a sexualidade. A transgressão é justamente o que vai caracterizar, segundo este autor, o universo da experiência erótica. Assim, o poder desta vivência está justamente em ultrapassar os interditos culturais que existem essencialmente para darem sentido e sabor a esta infração, muito mais do que para separar as barreiras do permitido e 18

conter os impulsos ditos anti-civilizatórios. O que é notável na proibição sexual é que esta só se revela plenamente na transgressão. (...) Nunca, humanamente, a proibição surge sem a revelação do prazer e nunca o prazer surge sem o sentimento da proibição (Bataille, 1988, p. 94). No “abuso facial”, a beleza e a candura das/os atrizes/atores são sempre atropeladas por um agressivo caminhão de sufocamentos, regurgitos e vômitos. Como afirmou Contador Borges sobre a teoria de Bataille, o erotismo é uma experiência que depende de seu aspecto proibido e sagrado e nasce justamente desse sentimento de violação, de profanação de seu objeto (Borges, 2000, p. 62). Desta maneira, enquanto os movimentos anti-pornografia norte-americanos condenam tais produções pelo seu alto teor de hostilidade, gerando inclusive acaloradas discussões sobre o gosto (ou a falta de gosto) estético desta prática sexual, e as pessoas praticantes desta modalidade afirmam que a apreciam justamente porque nunca se sentiram tão violentada[s] na vida (...) totalmente submissas, humilhadas10, sendo esta a fonte do prazer, outros e importantes elementos podem ser encontrados nesta batalha. No número 15 de uma série norte-americana em DVD intitulada Gag factor, a primeira cena mostra homens encapuzados ao estilo de milícias iraquianas, enquanto um deles fala em uma língua que parecer ser “árabe” e outro o traduz para o inglês. Igual aos vídeos “reais” produzidos por tais grupos, mostrando alguém fazendo um discurso anti-Ocidente, em especial anti-americano, e terminando com a execução em imagens explícitas de algum representante ocidental seqüestrado ou com ameaças de ataques, nesta gravação, enquanto um miliciano grita nervosamente para a câmera e apresenta as famosas fotografias das torturas cometidas por soldados norte-americanos na prisão iraquiana de Abu Ghraib, outro traduz as citações como: vocês degradam nosso povo, agora vamos degradar o seu (...) faremos com suas mulheres a mesma coisa que vocês fazem com nossos homens11. Em seguida, os cinco homens que estão em cena abrem espaço e mostram uma garota (a atriz Ashley Blue) ajoelhada, vestida como soldado e afirmando desesperada: eu estava apenas seguindo ordens! Ao ver o pênis ereto de um deles vindo em direção a seu rosto, ela começa a gritar desesperada. Segue-se então a cena propriamente dita de “abuso facial”. Cabe esclarecer que este filme é estilo gonzo, ou seja, uma produção mais despojada, quase “amadora” e que não possui um enredo que perdura o tempo completo da obra ou alguma estória fictícia a ser narrada com início meio e fim. Este tipo de produto se caracteriza 10 11

Entrevista informal realizada em abril de 2008 Gag factor 15, JM Productions, EUA, 2004

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principalmente por apresentar várias seqüências de cenas de sexo, sem relação direta umas com as outras, algo como uma coletânea ou junção de seqüências distintas. Lançado em 2004, alguns meses após o vazamento das fotos com torturas em clima de lazer que originaram um escândalo político e militar envolvendo a legitimidade das tropas norte-americanas no território iraquiano, o questionamento das estratégias militares utilizadas e, principalmente, a discussão sobre o uso e conseqüente abuso do direito de tortura dentro das “leis de guerra”, Gag factor 15 toca nesta ferida política e questiona diretamente a própria definição de pornografia como um produto alheio às questões políticas. Talvez seja mais preciso afirmar que o tema político não foi completamente abandonado pela pornografia, mas que este debate, quando aparece, não é o foco principal, estando subordinado a lógica da produção e do lucro. Ainda assim, a provocação política ou religiosa12 muitas vezes não deixa de existir, como este filme demonstra de maneira clara. Dentro da maior e mais profissionalizada indústria pornográfica do planeta, a norteamericana, o embate entre movimentos anti-pornografia e os defensores desta constantemente ocorre através da discussão sobre os direitos políticos e legais de cada lado. Assim, em momentos de forte tensão político-social nos Estados Unidos, como nas décadas de cinqüenta e oitenta do século XX, o debate sobre as influências e perigos da pornografia - e da sexualidade - ressurge (Rubin, 1989). Pode-se afirmar que neste início de século XXI, em especial após os ataques em território americano ocorridos em 2001, esta cultura novamente volta a um período de forte tensão social e, com isto, a censura em todos os níveis é conclamada a agir, ocasionando não raras vezes reações contrárias violentas. Conforme demonstrou Foucault (2000), a base do discurso de que “é preciso defender a sociedade”, é sempre uma guerra silenciosa, guerra esta não apenas no sentido grandioso, institucionalizado e oficial da disputa do poder bélico entre nações ou no partidarismo burocratizado, mas, principalmente, na luta cotidiana e mesquinha por justificar, legitimar e legalizar formas de controle social que privilegiem determinados grupos em relação a outros. Originada do biopoder e da passagem da sociedade de soberania para a sociedade disciplinar do século XIX, a idéia de que é necessário “defender” a sociedade revela-se não através do discurso de um povo contra outro povo distinto, uma “raça” contra outra, mas, na modernidade, este embate se dá através da noção de um único grupo, uma única “raça” a tal “sociedade”, que deve controlar e evitar suas próprias “degenerações” manifestas em subgrupos. Para Foucault (2000, p. 73; 258),

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Como exemplifica a frase no início deste segmento.

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Aparece neste momento (...) um racismo de Estado: um racismo que uma sociedade vai exercer sobre ela mesma, sobre os seus próprios elementos, sobre seus próprios produtos; um racismo interno, o da purificação permanente, que será uma das dimensões fundamentais da normalização social. (...) Vai aparecer, neste momento, a idéia de uma guerra interna como defesa da sociedade contra os perigos que nascem em seu próprio corpo e de seu próprio corpo; é (...) a grande reviravolta do histórico para o biológico, do constituinte para o médico no pensamento da guerra social.

Assim, não por acaso Gag factor 15 foi proibido em vários estados americanos por violar as leis contra “obscenidade”, seus produtores foram processados e a cena evocando Abu Ghraib e os conflitos no Iraque foi retirada ou teve sua primeira parte cortada para que pudesse ser adquirido legalmente. Este filme pode ser compreendido como um ataque, um golpe intencional desferido na batalha cotidiana pela legitimidade de certos valores e que constantemente são compreendidos como forças que desagregam a “sociedade”. A cena específica citada mostra não apenas um “abuso” sexual espetacularizado, mas evoca explicitamente o tema do abuso militar, reflexo do abuso de poder cotidiano, legalizado e justificado em nome de “defender a sociedade”. Neste sentido, este filme possui ao menos uma cena completamente politizada, causando inclusive reações institucionais e evocando atitudes críticas legitimamente políticas. Assim, tanto a cena de abuso sexual como arma de guerra, ou a própria guerra “real” como uma forma de abuso – inclusive sexual – exemplificam a teoria de Foucault sobre a “defesa da sociedade” ao inverter a proposição do militar prussiano Carl Von Clausewitz de que a guerra é a política por outros meios. Para o autor de Vigiar e punir e História da sexualidade, e talvez não voluntariamente para os produtores de Gag factor 15, a política é a guerra continuada por outros meios (Foucault, 2000, p. 23). Desta maneira, em acordo com a personagem Melchior de Wedekind, pode-se afirmar que, a partir da modernidade e do surgimento histórico da “sexualidade”, nossa cultura realmente passou a “girar em torno de um pênis e de uma vagina”. Nestes rodeios, voltas e flexões, todo um saber foi criado, todo um poder foi desenvolvido. Dentro da cultura do entretenimento, a pornografia surgiu como mais um dos discursos sobre a “sexualidade”, apresentando tal tema sob a ótica da diversão e do espetáculo. Seguindo a tradição dos freak shows ou shows de “aberrações humanas”, um

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ramo específico do mercado pornô originado a partir da segunda metade do século XX, o chamado “sexo bizarro”, mostra o “incomum”, “estranho”, “incrível” ou mesmo “anormal” em corpos e práticas eróticas, questionando conceitos e limites culturais e historicamente estabelecidos sobre o “natural”, “saudável”, “belo” ou mesmo o “correto”. Assim, não apenas a cultura de massas na figura da produção pornográfica, mas também a arte “erudita”, a religião, a política e as ciências humanas, psíquicas e biomédicas, entre outras manifestações sociais, aprenderam a tirar lucros dos corpos, desejos, prazeres e práticas sexuais e seus limites conceituais, concretos e cotidianos nunca totalmente claros. Até mesmo a guerra e algumas formas de criticá-la, evocando, neste debate, uma já quase esquecida reflexão de Herbert Marcuse: obscena não é a foto de uma mulher nua com seus pêlos púbicos à mostra, mas a de um general fardado exibindo suas medalhas ganhas numa guerra agressora (Castro, 1991, p. 95). Bibliografia ABREU, Nuno César. O Olhar Pornô. Campinas: Mercado das Letras. 1996. 199 p. ARANGO, Ariel C. Os Palavrões – Virtudes Terapêuticas da Obscenidade. Tradução de Jasper Lopes Bastos. São Paulo: Brasiliense. 1991. 181 p. BATAILLE, Georges. O Erotismo. Tradução de João Bénard da Costa. Lisboa: Antígona. 1988. 243 p. BOËTSCH, Gilles e FERRIÉ. Jean-Noël. A Moura de Seios Nus: O Imaginário Erótico Colonial no Cartão-Postal. In SAMAIN, Etienne (org.). O Fotográfico. São Paulo: Hucitec/ CNPQ. 1998. p. 169 - 176 BORGES, Contador. A nudez trágica de Bataille. Dossiê Erotismo e Literatura da Revista Cult nº 30. São Paulo: Lemos Editorial. p. 60 – 63. Janeiro de 2000 BOURDIEU, Pierre. La Distinción. Tradução de Maria del Carmen Ruiz de Elvira. Madrid: Taurus. 1988. 597 p. BRAME, Gloria G., BRAME, William D., JACOBS, Jon. Different Loving. New York: Villard. 1993. 539 p. CASTRO, Ruy (org.). O melhor do mau humor. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 204 p. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador; Vol.1: Uma História dos Costumes. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1994. 277 p. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI. Versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira e Lexikon Informática. novembro de 1999 22

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