A precariedade dos artistas e as oportunidades de desenvolvimento local

Share Embed


Descrição do Produto

1

A precariedade dos artistas e as oportunidades de desenvolvimento local Lígia Paz Oliveira

Book chapter. Published in "The Economy of the Artist", Braço de Ferro, 2010 http://www.bfeditora.net/english/catalogue.html#bf13

1. Artistas precários (...) o trabalho representa sempre mais valor que as moedas de cobre ou de prata com que se retribui. O dinheiro corre... e o trabalho fica. 1

Em Setembro de 2008, um artigo no site da revista The Economist questionava as vantagens salariais em se ter um curso superior. Analisando o actual panorama Inglês, este texto indicava como um jovem licenciado em artes poderia perspectivar um vencimento inferior ao qual teria, se simplesmente não tivesse tirado o curso. 2

Sabemos que é hoje extremamente elevado o número de artistas que apenas consegue sobreviver com empregos desassociados dos seus estudos. Frequentemente, as habilitações que possuem são superiores às exigências da profissão que acabam por praticar. Para as mulheres, o cenário é ainda pior: esses empregos não especializados e não artísticos têm, para elas, remunerações significativamente inferiores. Estimativas recentes apontam para que apenas 5% dos artistas plásticos britânicos consigam sobreviver exclusivamente às custas da sua produção artística . Apesar destes números poderem parecer chocantes, o problema não é novo: já em 1980, reconhecendo este tipo de precariedades e incertezas, a Unesco adoptou uma “Recomendação relacionada com o estatuto do artista”. Trinta anos de um feroz capitalismo depois, o cenário global é agora ainda pior. 3

Por outro lado, nos últimos anos temos sido constantemente informados pelos media sobre o poder e benéfico crescimento das chamadas “Indústrias Culturais”. Este sector, com elevados níveis de profissionais qualificados, foi representado em 2006 por 3,1% do total de empregos da Europa, e por 3,4% do PIB francês , ultrapassando a importância de sectores como o da indústria automóvel. É óbvio que as assimetrias entre estes dois estudos – o da precariedade dos artistas e o da elevada rentabilidade das Indústrias Culturais - reflectem algo de muito peculiar neste sector. Para compreender este desajustamento, é importante sublinhar o facto de que a Arte representa uma 4

2

pequena parte do sector das Indústrias Culturais - o qual é também composto pelos media, arquitectura, design, publicidade, património, e até pelo turismo cultural. Também será importante referir que a produção artística contemporânea inserida nesta prática de mercado gere-se por um funcionamento extremamente peculiar, rígido e hierárquico, excluindo assim da mera sobrevivência toda a produção que não for subserviente com os propósitos dos que efectivamente controlam o campo artístico. Apesar de uma parte considerável da produção artística contemporânea se integrar nesta lógica orientada para o consumo, diversas práticas têm resistido ao paradigma do mercado. No entanto, estas formas de resistência nem sempre têm estado associadas a tentativas objectivas e profícuas de expansão dessa mesma prática para além dos circuitos artísticos mais tradicionais. Frequentemente, têm procurado estabelecer estas práticas em plataformas que, sem pertencerem directamente ao mercado da arte, acabam por manter um funcionamento paralelo a este. Assim, acaba por não existir um questionamento concreto, ou a procura de alternativas suficientemente fortes e sustentáveis: nem à lógica do mercado, nem aos convencionais mecanismos de legitimação do meio artístico. Apesar do descontentamento manifestado publicamente por alguns dos elementos integrantes do campo das artes, a desresponsabilização por parte de todos os envolvidos tem sido uma constante: por parte dos artistas, que não se têm organizado de forma efectiva e regular na criação de alternativas – tanto em termos do objecto da sua produção artística, como em questões de sobrevivência material. A névoa de neutralidade que a tantos afecta, divididos entre o charme financeiro e o poder simbólico com que o trabalho comercial os seduz, enquanto autores; e os velhos imperativos românticos de autonomia, da “arte pela arte”, têm conduzido a pouco mais do que à inércia e ao eterno adiamento de medidas concretas. Por outro lado, os sistemas políticos de âmbito nacional e local têm sido principalmente orientados para os princípios da rentabilidade económica. Esta opção, concretizando o desprezo votado aos que pretendem trabalhar fora da lógica do mercado, reduz as possibilidades de um trabalho artístico sério, autónomo e livre, eliminando as pretensões de todos aqueles que gostariam de contribuir com o seu trabalho artístico para o desenvolvimento local. Estas questões indicam a existência de um grave desaproveitamento do potencial do trabalho artístico para a melhoria das condições sociais contemporâneas; e que a constante precariedade enfrentada pelos artistas está associada a este facto.

2. Contextualização nacional (...) o trabalho artístico, tal como outras formas de trabalho, perde as suas qualidades de ‘actividade livre e criativa’ sob a égide do capitalismo. 5

3

Sendo verdade que as dificuldades encaradas pelos artistas são um reflexo do sistema capitalista actual, o qual afecta todos os pontos do globo, também é verdade que, em determinadas zonas geográficas, por razões históricas e sociais, este problema é mais profundo. Portugal, um país que historicamente soube acumular dinheiro sem enriquecer como um todo e com parca tradição de investimento cultural, encontra-se agora a percorrer o lento caminho da igualdade e da educação, fruto da implementação da democracia. Desde 1974, notáveis progressos foram feitos, em termos de construção e divulgação cultural (redes de bibliotecas, construção de museus, entre outros), bem como de outras medidas que permitiram alfabetizar a população e tornar-lhes a cultura acessível. O Governo nacional, e sobretudo o Ministério da Cultura, têm sido os principais agentes do desenvolvimento de políticas culturais relevantes. A incapacidade local de tomar a iniciativa para o investimento na cultura afecta todo o território: as autarquias, com excepção de algumas de tradição mais à esquerda, não têm sabido contribuir com a cultura para o desenvolvimento social das suas localidades . Perante este cenário de políticas culturais altamente centralizadas, não será de estranhar o atraso do panorama cultural nacional, dependente dos desejos e capacidades do ministro “que nos calha”. 6

Em termos de equipamentos públicos, encontramos assim um elevado défice de equipamentos culturais de âmbito local e regional. A esta incompetência das autarquias podemos acrescentar a sua incapacidade também na gestão do seu património cultural pré-existente, com políticas desajustadas em relação aos cenários sócio-económicos locais. O desfasamento dos horários, o valor dos ingressos, a falta de qualidade dos serviços educativos de muitos dos seus equipamentos, bem como o desencontro com as necessidades das regiões onde se inserem, vão contra as tão desejadas premissas de acessibilidade e de desenvolvimento . 7

A isto se acrescentam as deficiências na formação de novos públicos; a falta de uma programação cultural de qualidade, continuada; e a profunda incapacidade de se compreender o papel que as artes plásticas podem ter na requalificação do território - o qual tem sido não só um dos entraves para que este desenvolvimento local efectivamente aconteça, como também para a sobrevivência e capacidade de trabalho dos artistas que aí residem. A relação da arte com a sociedade, e com as comunidades locais, tem sido constantemente desprezada; a formação contínua e específica para as diversas faixas etárias é reduzida; e as escolhas culturais apresentadas não são representativas nem da diversidade que possuímos, nem das tensões decorrentes de uma vivência democrática livre. As sucessivas mudanças que têm decorrido na nossa sociedade, desde país de onde partiam emigrantes a agora destino de outros que nos procuram; as alterações na produção industrial; o desemprego, os 25% da população a viver no limiar da pobreza; as desigualdades sociais e de género; e diversas outras questões contemporâneas, encontram apenas um ligeiro reflexo na divulgação e na

4

produção artística nacional. Pelos tais motivos históricos ou sociais, apela-se ao queixume privado, à “rebelião de tasco”, sem se atingir qualquer tipo de organização social relevante para a construção de estruturas de discussão e de empenho na mudança. A característica ausência de movimentos cívicos e de plataforma comuns, também por parte dos artistas, juntamente com a nossa democracia tardia, poderão justificar em grande parte – mas nunca desculpar - o atraso legislativo e o papel social que as artes plásticas não encontram ainda no nosso país.

3. Especificidades locais – que arte representa (e é representada n) o Porto? A passividade dos envolvidos, o seu silêncio, a sua prudência reticente são indicadores da ausência de uma democracia urbana; ou seja, de uma democracia concreta. 8

Tem sido apanágio considerar que o desenvolvimento civilizacional anda a par e passo com o desenvolvimento cultural e com a justiça social. Esta ideia parece de um romantismo exacerbado, entrando em desacordo profundo quando se observa a realidade local. O distrito do Porto é, em termos económicos, o mais pobre do país. Aqui, notase a ausência gritante, por parte de todos os envolvidos e responsáveis da área metropolitana do Porto, de políticas culturais coordenadas e continuadas; de investimento por parte dos privados; de profissionais capazes de gerar e de gerir a produção artística local. Diversas entidades, nas quais se inclui a própria universidade pública, alienam-se das responsabilidades que deveriam cumprir. Não existem núcleos organizados de experimentação, de socialização, de confronto de ideias, de consolidação de identidades locais, para os quais a experiência artística pode ser eficaz. A construção de melhorias sociais efectivas, de uma participação consciente e responsável de e para a sociedade, atribuindo parte desse papel às artes plásticas não tem qualquer tipo de expressão local relevante. Os espaços expositivos existentes, dividindo-se entre museus dos consagrados, galerias comerciais, e espaços geridos por artistas, não apresentam grandes possibilidades neste sentido. A noção de “público cultural” encontra-se subvertida, havendo um apelo claro para o “consumo cultural”, que o substitui. Não existem estratégias de discussão organizadas que integrem as comunidades locais, que reflictam sobre os problemas desses grupos e se interessem pelas suas particularidades. A falta de ligação com os habitantes locais é enorme em qualquer uma destas estruturas. O circuito das artes plásticas do Porto enclausura-se em si próprio, alienando-se de toda a dinâmica social circundante, e reduz-se assim a um gueto, funcionando num circuito fechado, elitista e resignado.

5

Devemos sublinhar a importância de como a arte, por via de equipamentos e projectos específicos, de uma forma premeditada ou não, interage, afecta e permite leituras sobre a sua relação com a envolvente territorial e social. Partindo desta premissa, consideremos alguns dos espaços dedicados às artes de maior visibilidade da cidade, tais como a Fundação de Serralves. Localizando-se na fronteira entre uma das zonas mais caras da cidade - a Avenida da Boavista - com o bairro social da Pasteleira, toda a orientação arquitectónica do seu espaço mais recente faz-se na direcção dessa mesma Avenida e de costas voltadas para a envolvente social. Após entrarmos no espaço privado da Fundação, o próprio caminho privilegia o encontro com o consumo, através de pechisbeques e produtos exclusivos da “marca Serralves”. Rodeando a Fundação, ergue-se o grande muro, encerrado sobre si mesmo, aberto apenas à exclusividade dos que nele são convidados a entrar. Contornando-a por fora e percorrendo-a por dentro, em nenhum momento somos levados a pensar que existirá algum tipo de relação, ou de aproximação, entre este espaço de arte contemporânea e os conflitos sócio-económicos da malha urbana que o rodeiam. Pelo contrário: a Fundação parece negar categoricamente a existência de qualquer tipo de conflito. Essa negação não decorre apenas nesse grande muro branco de neutralidade impositiva que a circunda, mas também se reflecte no que se passa lá dentro: nas escolhas do serviço educativo, no programa expositivo. A selecção daquilo que é arte contemporânea, escolhida por Serralves, é tão despolitizada e desligada da realidade envolvente que deixa bem clara a submissão total de um dos mais importantes equipamentos culturais do país aos mais básicos interesses do mercado. A “arte pela arte”, que alega pretender divulgar, revela afinal uma aposta clara na “arte pelo capital”. E, na realidade, de outra forma dificilmente seria, tendo em conta o seu estatuto público-privado. Por outro lado, podemos também observar o circuito das galerias comerciais do Porto, concentrado na Rua Miguel Bombarda. Toda a dinâmica social da zona foi sendo transformada, à medida que o núcleo de galeristas ganhava peso. Reflexo disso é o aumento do valor imobiliário na área, cujo crescimento especulativo se deu pela relação directa com as mais-valias simbólicas associadas às artes plásticas. Multiplicou-se também o comércio para os consumidores culturais, com lojas de mercadorias caras para quem quer e pode comprar produtos exclusivos e identificativos do seu estatuto social. Esta concentração do mercado da arte levou à transformação e especialização do tecido urbano e social – o qual é agora menos diverso em termos sócioeconómicos, e extremamente homogéneo em termos estéticos e funcionais. Que mais tipologias dedicadas às artes plásticas existem? Ou, perguntando de outra forma: que equipamentos verdadeiramente públicos existem no Porto, dedicados à arte contemporânea? E quais têm sido as reivindicações para que estes existam – nomeadamente, por parte dos artistas locais? Outra forma de colocar a questão seria perguntar de que forma os artistas, através do seu trabalho e, por extensão, da gestão dos seus projectos e dos seus espaços na cidade, têm contribuído para apresentar alternativas ao sistema hierárquico, oportunista e consumista vigente; de que maneira têm chamado a si a

6

responsabilidade de promover o debate, confronto, abertura e questionamento – os quais, rompendo efectivamente com os preconceitos do funcionamento actual do campo, conduziriam a uma aproximação entre público e arte. Partindo desta premissa, pensemos nos espaços geridos por artistas da cidade, os quais têm surgido de forma regular ao longo da última década. Os jovens artistas responsáveis por estes projectos têm sistematicamente procurado espaços baratos, à medida das suas possibilidades financeiras. Esta limitação económica empurra-os para zonas empobrecidas, onde estes projectos têm sobrevivido por pouco tempo; e onde são quase sempre perdidas as oportunidades de estabelecer laços, projectos e interacções com a população local. O debate e questionamentos aí operados (salvo raríssimas excepções) restringem-se aos temas relacionados com o campo das artes; o confronto é inexistente; e a abertura é nula. Estes espaços geridos por artistas são também assim guetos, à semelhança das estruturas expositivas anteriormente mencionadas. Falsamente abertos ao público em geral, falham na compreensão de que uma porta aberta não é apanágio de inclusão. Perante a ausência do interesse dos governos local e nacional em investirem efectivamente na abertura da arte à sociedade, e do seu contributo para uma transformação urbana positiva, o encerramento dos espaços geridos por artistas sobre si próprios tem sido uma grande oportunidade perdida em se efectuar esta mudança no Porto. Tem sido também um forte impeditivo para os artistas ganharem algum poder e autonomia face à lógica especulativa do campo das artes. O alargamento dos projectos artísticos para fora do museu, da galeria, enfim, do convencional espaço expositivo, poderia também concertar novas possibilidades em termos de financiamentos e do estabelecimento de parcerias locais. 4. Possíveis formas de autonomia artística e de desenvolvimento local As estruturas de poder protegem a autonomia da arte: o esteticismo burocrático utiliza a cidade como galeria de arte, teatro ideológico e sistema sócio-arquitectónico, isolando assim a prática artística da crítica política. 9

É certo que as alterações no território, as infraestruturas físicas e sociais que permitem a qualidade de vida e o livre exercício da cidadania aos seus habitantes, são sobretudo da responsabilidade do governo público. É também evidente que muitas das mais recentes alterações na cidade do Porto denotam uma opção política clara, de instaurar projectos urbanos que estejam de acordo com as necessidades do capital. Situações como a do bairro social do Aleixo localizado numa zona privilegiada em termos de acessos físicos e de panorâmica visual -, onde, alegando problemas estruturais e sociais, o executivo camarário pretende demolir os prédios, erradicar toda a população e substituí-la por edifícios de luxo, comprovam esta ideologia. É importante decidirmos que tipo de responsabilidades temos. Se o exercício

7

da cidadania começa e termina no boletim de voto, pouco poderemos fazer. Por outro lado, se o exercício da liberdade nos pode conduzir para projectos de insubmissão relativamente a este tipo de valores impostos, muito pode ser feito. Não deixa de ser curioso que parte significativa dos envolvidos na produção e divulgação local das artes plásticas se afirmem como opositores a esta ideologia do capital. No entanto, ao largo dos últimos anos, perante a redução drástica do investimento municipal na cultura e sua privatização, não parecem ter exigido, de uma forma concertada, as responsabilidades camarárias. Por outro lado, destes mesmos queixosos não tem surgido uma representatividade de projectos e parcerias para que se dê o desenvolvimento de uma cultura mais integradora e acessível. Para além do financiamento municipal, existirão possibilidades para que este surja no âmbito suprarregional, por via nacional e europeia. Não poderemos também desprezar as possibilidades apresentadas não directamente pela câmara municipal, mas por outras estruturas de funcionamento a uma escala mais reduzida. Projectos de bairro, com comunidades específicas, poderão facilitar o estabelecimento de parcerias tanto com elementos específicos do governo local, por via das Juntas de Freguesia, como com entidades privadas socialmente responsáveis, para as quais é mais fácil apreender os benefícios e testemunhar os resultados de projectos concretos. A existência de agendas políticas diferenciadas nestas diversas instituições traduz-se, por parte dos artistas, na necessidade de muita perícia e engenho para avançar com projectos, salvaguardando sempre a liberdade de expressão e de opinião. Algo talvez difícil, mas nunca impossível. Direccionar os objectivos do trabalho artístico para o debate e confronto de questões integrados nas comunidades locais pode ser um contributo essencial para a democratização do acesso à cultura, e para potenciar a participação mais activa dos cidadãos na urbanidade. Exemplo disso seria a criação de projectos vocacionados para a experimentação, discussão, e questionamento dos múltiplos problemas socioeconómicos que afectam as nossas vivências. A integração das comunidades locais nestes projectos talvez não criasse um público que consumisse mais cultura – mas, mais importante ainda, teríamos um público que debateria a cultura. Estes projectos integrados na sociedade podem potenciar a criatividade, a pluralidade, o diálogo, a compreensão e construção de identidades locais, a apropriação por parte dos seus habitantes, contribuindo significativamente para a coesão social e para a melhoria da nossa urbanidade. Tais projectos devem abraçar a interdisciplinaridade, verdadeiramente abertos para o exterior, para a diversidade de linguagens, de culturas, de experimentações. Devem investigar e reflectir sobre o modelo urbanístico, social, cultural e económico vigente – partilhando e alimentando esses mesmos questionamentos por parte dos cidadãos, com práticas socialmente inclusivas. É certo que a existência de trabalho artístico inserido em projectos de regeneração urbana, por si só, não iria milagrosamente transformar as condições de precariedade de todos os artistas do Porto. A interacção e integração com as comunidades locais são temas que só interessarão a alguns; numa sociedade que gira à volta de dinheiro, poder e símbolo, existirão

8

seguramente muitas outras hipóteses para a mera sobrevivência material dos artistas. Mas a multiplicação deste tipo de projectos pode contribuir de uma forma significativa para a sobrevivência dos que neles participam, e para o desenvolvimento positivo da arte que se produz em Portugal. E, sobretudo, importantes benefícios para a sociedade como um todo, perante a qual todos temos responsabilidade. A maior precariedade dos artistas não tem sido a monetária, mas a ausência de um discurso sério e sustentado. O seu afastamento do resto da sociedade, ditado pelo funcionamento capitalista da mesma e pela centralização dos poderes do campo artístico num reduzido número de gestores (galeristas, curadores, etc.), não parece ser verdadeiramente contestado. Apesar das diversas vozes de oposição relativas ao sistema que as rege, não têm sabido, de forma organizada, aproveitar as liberdades concedidas pelo sistema democrático para efectivarem a luta e a construção de um outro sistema. A actual crise económica poderá ser uma extraordinária oportunidade para avançar com este tipo de projectos, de ligação com outros grupos sociais, e em contornar alguma resistência governamental de investir nessa direcção. Perante as crises, a medida clássica governativa tem sido cortar o financiamento às artes, por ser considerada uma actividade secundária e pouco contributiva para o bem geral da sociedade . A inflexão destas políticas pela integração dos artistas numa estratégia comum de desenvolvimento, através do financiamento de organizações e da criação de parcerias locais, tem de ser uma prioridade. Este tipo de investimento não só ficaria muitíssimo mais barato para o Estado - ou seja, para os contribuintes - do que o amargo “socialismo limão” que tem vindo a ser aplicado, como poderia ser a génese de um desenvolvimento local e nacional verdadeiramente mais justo e sustentável . 10

11

12

Notas:

1 Gorki, Maxim. O Vagabundo Filósofo, Civilização, 1956 (p. 168). 2 “Is a university degree still worth the time and money it takes?”, The Economist, 18 de Setembro de 2008. 3 Mitchell,, Ritva (Presidente da ERICarts e Directora de Investigação do Arts Council of Finland). Conditions for Creative Artists in Europe: Report from the EU Presidency Seminar in Visby, Sweden, 2001. 4 “O Sector Cultural na Economia Europeia”, Público, 16 de Novembro de 2006. 5 Wolff, Janet. The Social Production of Art, NY University Press, 1984 (p.13, trad. da autora). 6 Silva, Augusto Santos. “Como abordar as políticas culturais autárquicas?”, Sociologia, Problemas e Práticas, nº 54, 2007. 7 A existência de casos como o Museu (público) de Alberto Sampaio, em Guimarães, cujo elevado valor de ingresso é equivalente ao Museu Nacional do Prado, em Espanha, será disso exemplo; tal como o são os horários das duas Bibliotecas Municipais do Porto, que encerram aos Domingos e feriados. 8 Lefebvre, Henri. The Urban Revolution, University of Minnesota Press, 2003 (1970), p.

9

137, trad. da autora. 9 Quesada, Blanca Fernández. Nuevos Lugares de Intención: Intervenciones Artísticas en el Espacio Urbano como una de las Salidas a los Circuitos Convencionales - Estados Unidos 19651995, Universitat de Barcelona, 2004, p. 30 (trad. da autora). 10 Não sendo necessário exemplos radicais, podemos referir o caso da nova administração Americana de Obama, a qual apresentou um plano de apoio à cultura onde estão patentes não só a novidade do aumento de investimento público nas artes, como também a integração dos artistas em programas comunitários para o desenvolvimento local. 11 Ao se privatizarem os ganhos e se socializarem as perdas. 12 Consideramos aqui o desenvolvimento sustentável como a soma dos aspectos físicos com os sociais, bem como a sua interacção.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.