A presença de Atena como condição para o estabelecimento da paz em Ítaca 1

May 20, 2017 | Autor: Maria Silva | Categoria: War, Peace, Athena, Odissey
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A presença de Atena como condição para o estabelecimento da paz em Ítaca1 Maria Augusta da Silva2

Resumo

Na Odisseia, identificamos uma quebra de norma de conduta, com uma aplicação utilitarista, ou seja, objetivando um bem maior, constatada na intervenção de Atena, ao impedir a execução do direito a vingança dos familiares dos pretendentes mortos por Odisseu, que infringiu a norma da ​xenia ao matá-los dentro de seu palácio. E, o motivo que se nos apresenta para esta quebra de norma de conduta é o estabelecimento e manutenção da paz, justificando assim a possibilidade de se abrir mão de alguma norma vigente por um bem maior, bem como indicando a participação do divino nos assuntos de guerra e paz.

Palavras-chave: Atena; Odisseia; paz; guerra

Abstract

In the Odyssey, we identify a breach of conduct, in a utilitarian application, that is, aiming for a greater good, verified in the intervention of Athena, who prevents the execution of the right of revenge by the relatives of the suitors deceased by Odysseus, who broke conduct code of ​xenia by killing the suitors inside his palace. And the reason for this breach of conduct is

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Trabalho apresentado no III Encontro de Reflexões sobre a Paz - Paz e Tolerância na UNESP - Campus Marília realizado entre 17 e 19 de abril de 2017. 2 Bacharela em Administração, linha de formação específica pela universidade São Judas tadeu (2012); Graduanda em Licenciatura/Bacharel em Filosofia na universidade São Judas Tadeu. Atuante na área de educação como professora de inglês e gestão empresarial. E-mail: m ​ [email protected] 1

the establishment and maintenance of peace, thus justifying the possibility of giving up some existing conduct code for a greater good, as well as indicating the participation of the divine in the affairs of war and peace.

Keywords:​ Athena; Odyssey; peace; war

Introdução

A “humanização” dos deuses evidenciada nas epopéias homéricas estreita a conexão entre o divino e o humano, inspirando os homens ao heroísmo através do lado divino mas sem deixar de apresentar o vício e suas consequências. Além do objetivo modelar, as aparições e intervenção dos deuses mostram sua bondade para com os homens mas também uma cólera facilmente estimulada, e quando provocados geralmente há uma severa punição. Esta relação estreita entre deuses e homens ocasiona o surgimento de heróis, que são amados pelos deuses por suas características e atitudes. E mesmo que o destino seja inexorável inclusive para os deuses, eles fazem o que podem para ajudar os seus protegidos, inclusive através da participação direta na ação. Na Ilíada vemos deuses e homens lutando lado a lado. Ora, a ajuda de um deus em um conflito, certamente faz pender a balança para determinado lado, portanto estas interferências são significativas no resultado da ação. Ao admitir a existência do destino, ao qual deuses e homens estavam subjugados, qualquer interferência influencia o resultado da ação, sem estas interferências haveria um resultado diferente, podemos concluir portanto, que estas interferências são necessárias. Se não fosse desta forma, o destino não se cumpriria.

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Atena é figura presente e ativa em diversos acontecimentos na Odisséia (tal como na Ilíada) de maneira que não fosse por sua intervenção, o desenrolar dos fatos certamente não se daria da mesma maneira. Uma vez que Atena é a deusa da justiça, da sabedoria e da estratégia, seu patronato à Odisseu não é por acaso, pois ele era conhecido justamente pela sua capacidade como estrategista. Quando ele comete uma ofensa contra Poseidon, Atena vai então em apoio ao seu protegido e pede autorização do pai para ajudá-lo passar pelos males que a vingança de Poseidon lhe causaria. Ela não poderia impedir a vingança do tio, mas poderia interferir nas ações do herói de maneira que ele alcançasse sua pátria são e salvo. Enquanto Odisseu está sofrendo as adversidades de seu retorno à Ítaca, os pretendentes que querem desposar Penélope se comportam de tal maneira que macula uma das maiores regras de conduta social grega, a ​xenia​, ou seja, a hospitalidade. Ora, não se pode ofender um anfitrião como os pretendentes haviam feito. “Aquele que desrespeitasse as normas da ​xenia, ​de fato, desrespeitava os próprios deuses e, sobretudo, o pai de deuses e homens, Zeus, que entre outros títulos era conhecido como ​Xenios​: patrono da hospitalidade, disposto a vingar-se dos males cometidos contra os estrangeiros.” (Agostini, 2016, p.123). E assim portanto, Odisseu tinha o direito de se vingar da ofensa cometida pelos pretendentes durante sua ausência. Porém ao fazê-lo, matando os pretendentes dentro de seu palácio, Odisseu também estaria quebrando as regras da ​xenia, ​uma vez que cabe ao anfitrião proteger seu hóspede. Há então um dilema e somente com a aprovação dos deuses, que Odisseu poderia seguir com seu intuito, que vem através de diversos sinais do próprio Zeus. (Homero, Odisséia​, Canto XX, vv.100-104): Zeus pai, se for por vontade que alfim me trouxeste por terra e pelas úmidas vias, depois de sofrer tantos males, dá que aqui dentro de casa alguém diga, acordado palavras de fausto agouro, e que fora venha um sinal de sua parte. Isso disse ele, implorando; Zeus sábio acatou-lhe o pedido. Fez trovejar na mesma hora do Olimpo escampado e brilhante do alto das nuvens. Com isso alegrou-se o divino Odisseu. 3

Sem o conhecimento da aprovação de Zeus, os pais e familiares daqueles mortos por Odisseu se reuniram na ágora para lutar contra Odisseu e Telêmaco mas, Atena interfere e põe fim a questão encerrando a discórdia antes mesmo que se começasse um ciclo vicioso de vinganças, ou seja, estabelecendo a paz.

Os epítetos de Atena Atena, nascida do próprio Zeus, divide o título de deusa da guerra com o irmão Ares, como podemos ver no hino homérico dedicado à deusa (Antunes, 2016, p.16): Canto a respeito de Palas Atena, guardiã de cidades, Dama terrível, amante com Ares dos feitos de guerra, da espoliação de cidades, dos gritos de guerra e das lutas. Então podemos nos perguntar, sendo deusa da guerra, porque que Atena participa no estabelecimento da paz? Para os gregos antigos, Atena era a deusa da estratégia e da vitória na guerra, enquanto Ares, o deus que infligia o derramamento de sangue. Esta diferença é notada no verso acima pela contraposição entre ‘guardiã de cidades’ atribuído à Atena e ‘espoliação de cidades’ atribuído a Ares, além disso, enquanto Atena era acompanhada à guerra por Niké3, a deusa que personificava a vitória, Ares era acompanhado por Ênio, que personificava a discórdia. Esta dicotomia longe de ser um ponto de divisão revela as qualidades que os guerreiros precisam ter em batalha. Afinal, um bom guerreiro precisa tanto da ira (​hybris​) para enfrentar seus inimigos no corpo a corpo, bem como a estratégia e a justiça para poder vencer a guerra sem derramamento de sangue desnecessário. Na Ilíada

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Varvakeion Athena, uma representação de Atena datada de 200-250 d.C. em exibição no Museu Arqueológico de Atenas, mostra a deusa segurando Niké em sua mão direita. Na sede do Parlamento Austríaco outra representação da deusa em mármore, pelo artista Karl Kundman (1838-1919) que a deusa Niké também aparece sobre a palma direita de Atena. 4

durante o duelo de Heitor e Ajax, vemos momentos de luta intensa, e momentos de troca de honrarias (Homero, ​Ilíada​, Canto VII, vv.255-257; vv.299-302): Ambos, então, novamente arrancando a hasta longa de bronze, vão um para o outro, no jeito de leões voadores de carne, ou javalis, que dotados não são de vigor despiciendo. Mas, antes disso, façamos permuta de belos presentes, para que possam dizer os troianos e os fortes aquivos: ‘Como inimigos de morte lutaram, com sanha terrível; mas, pós haverem trocado presentes, em paz se apartaram.’ E não é diferente com o próprio Odisseu que se nos aparece ora mais irascível, ora mais pacífico. Seu comportamento era calculado, ou seja, utilizava-se da ira ou da estratégia de acordo com a conveniência e não podemos interpretar aqui uma alteração leviana em sua atitudes, que caracterizariam algum tipo de inconstância. Esta personalidade de Odisseu é fundamental para o patronato de Atena, que reconhece nele suas próprias características (Homero, ​Odisséia​, Canto XII, vv.291-299): Bem; mas deixemos de lado estas coisas, porque ambos na astúcia somos peritos. No meio dos homens salienta-tes sempre pelos discursos e planos; no círc’lo dos deuses sou célebre por minha astúcia e saber. Pode-se pensar portanto, que o patronato de Atena por Odisseu é o que a move em apoio ao herói e ao estabelecimento da paz na cidade dele, pois não haveria razão de assegurar seu retorno à pátria para morrer lá nas mãos dos pretendentes ou de seus familiares. A intervenção de Atena mostra outros objetivos que apenas a proteção de Odisseu. Além de deusa da guerra e da estratégia, Atena possui o epíteto de guardiã de cidades e é conhecida por sua justiça, epítetos que estão necessariamente relacionados. O conceito de guerra, pressupõe o conceito de cidades que por sua vez, pressupõe o conceito de estratégia e justiça e que se relacionam com a paz, uma relação que por si já poderia explicar o epíteto da deusa.

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Mas além desta relação, as atitudes da deusa mostram que a paz, é um objetivo. E que a guerra, um mal necessário. Atena nasceu da cabeça de Zeus, o que lhe confere tanto conhecimento e poder quanto o próprio pai. Um exemplo desta característica é a inspiração que dá a Odisseu da ideia do Cavalo de Tróia, que é a causa da derrota da cidade e consequentemente o fim da guerra, validando assim seus epítetos como guerreira e estrategista, Mas além disso, a sua participação crucial para o término de uma guerra. O fim da guerra independentemente do vencedor, resulta no estabelecimento da paz. Na guerra de Tróia cessou um conflito de mais de dez anos, e consequentemente o sofrimento e morte de milhares de pessoas. Sendo assim, mostra-se a participação de Atena na solução de um conflito e estabelecimento da paz bem como a justificativa da relação atribuída à deusa com a vitória na guerra. Ao tomar o conceito de justiça como defesa dos mais fracos, veremos em Atena grande senso de justiça, como quando pune os agressores de Cassandra, que mesmo agarrada à estátua da deusa é arrastada e violada por Ajax Menor, sem que nenhum grego impedisse este crime e sacrilégio. Agamenon que estava no grupo recebe como castigo a morte pelas mãos de sua própria esposa, quando retorna ao seu país. Há diversas intervenções dela protegendo mulheres de serem violentadas, ou as vingando; também impedindo profanação de templos; punindo personagens tomados pela ​hubris ​e participando com seu voto decisivo de julgamentos e decisões entre os deuses em favor da justiça4. É importante notar que a justiça de Atena não está relacionada ao perdão, mas inclui também o castigo, que pode ser deveras severo, como por exemplo o castigo de Medusa, que por ter profanado o templo de Atena, foi transformada em tal criatura ou do vate Tirésias que foi cegado pela deusa por tê-la

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Vemos a mesma situação na Oresteia, quando Orestes é salvo em julgamento por Atena, uma vez que para vingar-se do assassínio do pai tivera que matar a própria mãe. (Ésquilo. ​Orestéia: Eumênides​. Tradução: Jaa Torrano. São Paulo: Editora Iluminuras, 2005. 157 p.) 6

visto nua. E, neste caso Atena lhe confere o dom da profecia, mostrando assim que seu crime era passível de castigo, mas que era benevolente e lhe conferiu um dom em contrapartida ao sentido que perdera.

Atena na Odisséia Na Odisseia Atena aparece em apoio aos três personagens principais da epopéia. Ela auxilia Odisseu no seu retorno à Ítaca, a Telêmaco na sua busca por notícias do pai, o que inclusive é determinante para torná-lo um homem e à Penélope que não conseguia se livrar dos pretendentes. Em cada papel vemos uma faceta da deusa e em todos a estratégia se sobressai. O fato de como ela se desdobra em idas e vindas para ajudar cada um dos personagens pode nos levar a questionar o quão grande era a afeição que a deusa tinha por Odisseu e consequentemente nos dar uma conclusão errônea de sua participação na Odisséia, se entendermos que ela fez tudo isso por amor ao seu protegido apenas. Certamente que o amor pode ser um motivo para se fazer algo por alguém, mas o que estava em xeque nesta situação era a justiça. Acrescenta-se a isso que a relação entre deuses e humanos é mais política do que amorosa, trata-se de uma troca. Os deuses precisavam dos sacrifícios e do culto dos humanos e estes por sua vez da proteção e favor divinos. Os deuses escolhem seus preferidos com base na devoção destes e na semelhança entre suas características. O grande problema de Odisseu se iniciou quando ele feriu o filho de Poseidon, Polifemo. As circunstâncias contudo de tal agressão não foi um ato gratuito. Polifemo havia matado os companheiros de Odisseu e pior ainda, os comera. Ou seja, ele cometeu dois grandes atos desrespeitosos, além de uma grande atrocidade. Aqui também vemos uma grave ofensa a regra da hospitalidade e o crime da antropofagia. Odisseu havia pedido abrigo e

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proteção a Polifemo em súplica, portanto deveria ser bem tratado (HOMERO, ​Odisséia​, Canto IX, vv. 265-271): Ora, viemos a tua presença, e te abraço súplice os joelhos, pedindo que dons hospedais nos concedas, ou qualquer coisa, tal como é de costume aos estranhos fazer-se. Aos deuses todos respeita, meu caro; pois somos pedintes; o próprio Zeus é quem vinga e protege os mendigos e estranhos, Zeus protetor, que acompanha em seus passos os nobres pedintes. Uma ofensa a ​xenia ​é um ato passível de vingança e além disso, Odisseu estava lutando pela própria vida quando feriu Polifemo. E mesmo que Polifemo tenha sido ferido fora de combate, não se pode classificar como um ato covarde de Odisseu, uma vez que ele estava em desvantagem devido ao tamanho e força de Polifemo. A sua melhor arma neste caso era sua mente aguçada e estratégia. Se não fosse desta forma, ele morreria. Para salvar sua vida, Odisseu cometeu uma ofensa contra Poseidon machucando seu filho. É um crime passível de punição a ofensa a um deus. E, portanto Poseidon irá puni-lo. A própria Atena reconhece que é merecido o castigo de Odisseu (HOMERO, ​Odisséia​, Canto I vv. 44-46): A de olhos glaucos, Atena, lhe disse o seguinte; em resposta: Crônida, pai de todos, senhor poderoso e sumpremo! Mui merecida é a desgraça que sobre o insensato caiu. Mas pede ao pai que lhe deixe ajudá-lo em seu retorno, pois Odisseu era um homem piedoso e portanto caro aos deuses. E, Zeus lho concede, pois entendia que ele já havia pago pelo seu crime. É evidente portanto, neste acontecimento a intervenção de Atena por um propósito justo e não apenas em defesa de seu protegido. Bem como todas as demais ações que ela desempenha no decorrer dos acontecimentos, como por exemplo ao salvar o jovem Telêmaco

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da emboscada dos pretendentes, que de maneira desonrosa pretendiam matá-lo e por um motivo torpe. É possível mencionar diversas aparições, mas a mais importante delas, que valida definitivamente seu interesse na justiça e consequentemente na paz, é sua interferência em pessoa quando os familiares dos pretendentes pretende matar Odisseu. Aqui mais uma vez, Odisseu estava salvando a própria vida e a de sua família, estava vingando um crime e portanto suas ações eram justificadas. Mas, novamente suas ações também foram criminosas de certa maneira. Seu principal crime fora o assassinato dos pretendentes que eram hóspedes em seu palácio. Ele cometeu um crime do qual já havia sido vítima na gruta de Polifemo. E da mesma forma, era sua vida que estava em risco, pois era plano dos pretendentes matá-lo bem como ao seu filho. Portanto, Odisseu estava sem saída para resolver as coisas de maneira democrática. Atena sabia disso e inspirava as ações dos personagens para este fim, inclusive incitando a cólera dos pretendentes para que a cada ação eles merecem mais e mais o castigo que estava por vir. Odisseu sabia do crime que estava prestes a cometer, e portanto relutante. Nos diversos momentos que ele medita sobre a luta que pretendia travar, parece que ele não estava com medo por estar em menor número, e sim por matar muitas pessoas dentro do seu palácio, acrescentando ainda o fato de serem pessoas ilustres, cidadãos de Ítaca. Ele já havia passado por diversas penas por um crime cometido contra um deus, e não queria cometer outro, que poderia enfurecer ao maior de todos os deuses, Zeus. Mesmo com Atena ao seu lado, precisa da segurança que não será punido por Zeus e por isso lhe pede aprovação para seguir com seu plano (HOMERO, ​Odisséia​, Canto XX, v. 350). A aprovação lhe é dada, pois para Zeus, os próprios convidados haviam desrespeitado as regras da hospitalidade e portanto, Odisseu poderia se vingar.

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Os familiares dos pretendentes contudo, não sabiam que Odisseu tinha ao seu lado a deusa Atena e também a aprovação do pai de todos os deuses. Diferentemente, de Odisseu, eles não prestaram atenção aos sinais enviados pelos deuses nem aos vaticínios de Teoclímeno (HOMERO, ​Odisséia​, Canto XX, v.350). E portanto, se sentiam no direito de vingar a morte de seus entes queridos. Atena novamente recorre ao pai em favor e Odisseu pedindo autorização para encerrar o conflito. Neste momento é interessante notar que Zeus dá “carta branca” à Atena, ou seja, ela poderia interferir ou não se assim o quisesse. Ele a aconselha que a paz seja buscada, e portanto, inicialmente parece novamente que a intenção de Atena é a proteção de Odisseu e cabe a Zeus a manutenção da paz, porém Homero nos deixa claro que este desejo era antes um desejo de Atena (Homero, ​Odisséia​, Canto XXI, vv. 481-487): Faze o que bem te aprouver; vou dizer-te o que julgo mais certo. Já que o divino Odisseu conseguiu dos intrusos vingar-se, forme-se um pacto entre todos, e seja ele o rei para sempre. Vamos, entanto, fazer que se esqueçam da morte dos filhos e dos irmãos e que voltem de novo à amizade primeira, para, em perene concórdia e abundância, viverem reunidos. Isso disse ele, excitando ainda mais os desejos de Atena. Atena desce à Ítaca e no momento em que os embates estavam para começar ela ordena aos itacenses que terminem o conflito. Por temor e piedade os itacenses obedecem-na e depõem suas armas. A deusa ainda precisa conter o herói Odisseu que pretende seguir com a guerra e lhe adverte que desta vez ele enfureceria a Zeus, e assim também o herói, depõe suas armas e segue obediente o conselho da deusa. Uma vez que Atena tinha a autorização do pai para agir como lhe aprouvesse, ela teria a opção de permitir uma nova guerra, seja tomando partido do seu protetor ou até mudando de lado, uma vez que como deusa, ela poderia fazê-lo sem qualquer justificativa. Seu interesse contudo era findar a guerra. Desde o início buscou por justiça, quando percebeu que a punição de seu protegido estava além do

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merecido. Depois quando este teve seus bens usurpados pelos pretendentes em sua própria casa, ou quando atentaram contra a vida de Telêmaco. Fica evidente portanto que sua participação foi por objetivos além da simples proteção de Odisseu. E que não havia motivos para uma nova guerra.

Conclusão A Odisséia é um grande poema épico e para além da beleza é fonte de diversas informações diversos códigos de conduta na pólis e de como os gregos se relacionavam com a religião. A aparição de qualquer deus e a proteção que estes conferem a algum herói sempre nos apresentará algum fim ou relação necessária. Odisseu e Atena estão relacionados não somente pelas suas características, o que conferiu ao herói o patronato da deusa, mas também porque Odisseu foi vítima de algumas injustiças que precisavam ser reparadas. E cabia à deusa ajudá-lo não somente por ele ser seu protegido, mas porque ela é a deusa da justiça. Percebemos que seus epítetos estão diretamente relacionados, ou seja, que deusa da guerra, da estratégia, da sabedoria, da justiça e protetora de cidades não teriam sentido se fossem dedicados a deuses distintos, uma vez que qualquer ação voltada a qualquer um destes itens invariavelmente leva ao outro. A relação entre os epítetos da deusa com seu interesse na paz é uma conexão lógica evidente, mas ainda pode ser provado de maneira categórica. Estas provas se nos apresenta nas ações da deusa, que em todas as aparições na Odisséia, nos mostra que além do seu interesse em proteger Odisseu, ela está continuamente preocupada em lhe fazer justiça. A maneira como a deusa participa da guerra de Tróia indica seu epíteto de deusa da guerra, as ideias que inspira a Odisseu, Penélope e Telêmaco nos mostra sua capacidade estrategista, os castigos e atos benevolentes de sua história mostram sua justiça e sabedoria. E

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por fim, sua participação determinante no término da guerra de Tróia e impedindo uma guerra em Ítaca, nos apresenta seu interesse na paz e seu epíteto de guardiã de cidades. Podemos desta forma concluir, que a religião pode ter o papel no início ou no término de uma guerra. No universo mítico isso se mostra através da intervenção ativa da divindade, mas trazendo à atualidade, podemos perceber esta influência através das atitudes das pessoas piedosas, que quando se sentem amparadas por um deus ou por uma religião, seguem em frente em qualquer guerra, por menores que sejam suas chances ou deixam de iniciar algum conflito se entenderem que tal ação pode enfurecer seu deus e lhe trazer algum castigo por isso. E por fim, podemos perceber nas ações de Atena, que a guerra pode ser um mal necessário, mas que se deve sempre buscar a paz, e o mínimo derramamento de sangue, utilizando-se da estratégia para vencer a guerra. e ainda que o castigo é necessário para manter a paz e justiça, com alguma tolerância quando for possível.

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