A presença do grotesco nas notícias de rádio um estudo de caso do programa Raio-X

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A presença do grotesco nas notícias de rádio
um estudo de caso do programa Raio-X


Rodrigo Portari [1]


Resumo: O presente artigo apresenta um estudo de caso sobre a presença do
grotesco no noticiário radiofônico. Partindo de uma breve análise sobre o
programa jornalístico Raio-X, da emissora 102FM de Frutal, apresenta-se
como o jornalismo explora a figura do grotesco – entendido como o
"rebaixamento", a "dobra", em seu cotidiano, sugerindo a seus ouvintes uma
construção de mundo onde as notícias também podem ser levadas como
entretenimento, em especial no que diz respeito à editoria policial. O
estudo é baseado em análise de conteúdo e discursiva do programa e faz
parte de projeto de pesquisa ainda em desenvolvimento pelo autor.

Palavras-chave: grotesco; popular; rádio; radiojornalismo; notícia de
rádio.




1. A força do rádio

Um dos meios mais populares de comunicação massiva existente no Brasil
é o rádio. Apesar de que, nas décadas de 70 e 80 chegou-se a pregar o fim
desse meio com a expansão e propagação da televisão, o decorrer das décadas
mostrou que o rádio ainda tem seu espaço e é um dos importantes meios de
entretenimento e informação utilizados pela população. A força do rádio
está, principalmente, na possibilidade de seus receptores executarem outras
tarefas enquanto ouvem a programação.
A força do rádio no Brasil tem sido atestada por diversas pesquisas,
dentre elas, destaca-se as coordenadas pelo professor Luiz Arthur
Ferrareto, para quem, esse meio tem conseguido acompanhar as mudanças
tecnológicas e se adaptar a um novo paradigma onde o ouvinte também é
multitarefa e que, graças à Internet, é possível "fazer" programações
personalizadas até mesmo de emissoras comerciais pelo sistema de PodCast.
No entanto, o autor destaca que o rádio ainda é importante "no cotidiano e
no imaginário de milhões de ouvintes, que têm nele um companheiro
insubstituível" (FERRARETO, 2014, p.9). O autor reforça ainda a
possibilidade "multitarefa" do ouvinte e destaca que o grande desafio das
emissoras, na atualidade, é cativar os ouvintes mais jovens.


O papel do rádio é de ser um articulador constante
entre diversos tipos de informação e o público. Trata-se
de um articulador que vence a limitação humana de realizar
duas atividades ao mesmo tempo. O ouvinte pode dirigir e
escutar rádio, pode trabalhar e escutar rádio, pode,
inclusive, conversar com outra pessoa e escutar rádio. A
recepção da mensagem radiofônica não exige uma atenção
100% concentrada. De fato, os níveis de atenção exigidos
pela emissora variam ao longo da transmissão. (FERRARETO,
2014b)


O rádio tem seu espaço garantindo no dia a dia da população brasileira
e, nesse sentido, o município de Frutal – MG não foge à regra. Atualmente a
localidade conta com cinco emissoras de rádio que operam na frequência FM
(97FM, 98FM, 102.9FM, 104.9FM e 105.9FM) e uma emissora que opera em
frequência AM (Rádio Nova Frutal, que opera em 1480khz).
Dentre essas emissoras, duas delas contam com programas de jornalismo
diário, sendo eles o Jornal da 97 (pela 97FM) e o Raio-X (pela 102FM). Os
programas são veiculados de segunda a sábado entre as 11h. e 13h., com duas
horas de programação que conta basicamente com noticiário local e regional,
uma seção de esportes ao final do programa, além de intervalos comerciais e
mensagens de otimismo ao final do programa.
Os programas jornalísticos são produzidos por equipes de reportagem
que contam atualmente com jornalistas contratados para reportagem de rua e
edição, sendo a apresentação a cargo de locutores sem formação específica
em jornalismo. Como a cidade não conta com canal de televisão ou noticiário
televisivo local, o principal meio de informações para a população é o
rádio.
Assim, a batalha pela audiência é dura, com equipes de reportagem
disputando, dia após dia, reportagens exclusivas na tentativa de se manter
à dianteira da audiência. Para além da disputa comercial, chama-nos a
produção dos textos que são lidos e apresentados durante esses programas
jornalísticos. Na tentativa de buscar a audiência da população, os dois
radiojornais têm grande enfoque no noticiário policial.
Essa editoria é, por excelência, um terreno rico para criar situações
ou mesmo ridicularizar determinados fatos, além da facilidade de promover a
exacerbação de sentidos por meio do chamado "sensacionalismo". Como
normalmente o conteúdo policial carrega consigo o uso de algum tipo de
violência seja por meio de roubos, homicídios, tentativa de homicídio,
entre outros, torna-se fácil para repórteres e editores repetirem fórmulas
consagradas ainda na década de 80 com apresentadores como Gil Gomes e
Afanásio Jazadji. Esses dois locutores ficaram famosos em São Paulo e,
posteriormente, no Brasil, por frases de efeito como "Bandido bom é bandido
morto" (Afanásio) ou pela dramatização das ocorrências policiais (Gil
Gomes).
Para além do noticiário policial, a fórmula de satirizar, exacerbar ou
provocar uma aceleração dos sentidos também tem invadido materiais de
outras editorias, como política, serviços ou social nessas emissoras. Para
fins de elaboração do atual projeto de pesquisa, estabeleceu-se o
acompanhamento de uma semana dos dois programas, Raio-X e Jornal da 97, a
fim de perceber a utilização de uma linguagem que se assemelhe a dos
jornais populares – com o uso de jargões, ditados, superlativos, entre
outras figuras de linguagem – e de que se aproximasse do grotesco . Nesse
sentido, entre os dias 26 e 31 de janeiro de 2015, a programação
jornalística das duas emissoras foi acompanhada, com gravações de seus
áudios para que se pudesse estabelecer se os programas se valiam dessa
fórmula no jornalismo. Constatou-se que o programa Raio-X se volta mais
para esse formato do que o Jornal da 97, com a utilização de expressões
como "Vai ver o Sol nascer quadrado", "bandidagem a solta" ou "Cadeia
Neles!".
A partir dessa constatação, mesmo que empírica, propõe-se um estudo
sobre a presença do grotesco nas ondas do rádio, destacando o forte apelo
ao popularesco/sensacionalista presentes no radiojornalismo local, mais
especificamente na construção das notícias que são veiculadas diariamente.
Diante deste quadro, faz-se necessário conceituarmos algumas definições
acerca do grotesco e de jornalismo popular, apontando características que
nos permitam compreender melhor o modo de fazer desses programas de
radiojornalismo.


2. Conceito de Grotesco
Partindo da proposta inicial de e estudar o grotesco, conforme já
apresentado no título do presente projeto, faz-se necessário discorrermos o
que entendemos por grotesco. Nesse quesito, importante é a colaboração de
vários autores, no entanto, adotaremos aqui os pontos de convergência entre
SODRÉ (2006) e MARTINS (2011). Ambos partem do conceito de grotesco de
Mikhail Bakhtin, apontam uma definição em comum:


...é a figura do rebaixamento (chamada de bathos, na
retórica clássica, operado por uma combinação insólita e
exasperada de elementos heterogêneo, com referência
frequente a deslocamentos escandalosos de sentido,
situações absurdas, animalidade, partes baixas do corpo,
fezes e dejetos – por isso, tida como fenômeno de
desarmonia do gosto ou disgusto, como preferem estetas
italianos – que atravessa as épocas e as diversas
conformações culturais, suscitando um mesmo padrão de
reações: riso, horror, espanto, repulsa. (SODRÉ; PAIVA,
2002, p.17, grifos dos autores)


A definição apresentada pelos autores nos dão claras mostras sobre o
viés do grotesco ao qual nos dirigiremos no decorrer da pesquisa: no
sentido daquilo que "rebaixa", que busca a "dobra" do acontecimento
jornalístico com o intuito de despertar emoções, que tanto podem ser do
riso ao horror, do espanto à repulsa.
Importante observar também a abordagem de Albertino Gonçalves (2009)
sobre a questão, para quem "O grotesco coabita e interage, de um modo
esquizoide, trágico ou barroco, com o mundo da experiência ordinária do dia-
a-dia. Incertas, cíclicas ou contínuas, as formas e vivências do imaginário
grotesco asseveram-se, de algum modo, universais". (GONÇALVES, 2009, p.21)
Estas características são identificáveis por meio da construção do
texto apresentado durante o programa de radiojornalismo: levando em
consideração o fato de todo acontecimento noticiado nas ondas sonoras
parte, a princípio, de um texto a ser lido pelo apresentador ou pelo
repórter, a forma de construção da notícia tende a mostrar o enquadramento
escolhido pelo programa jornalístico sobre determinado assunto. De certa
forma, esse viés reforça a análise empírica conduzida para confecção do
presente projeto, onde o uso exacerbado de gírias, superlativos e frases de
efeito tende a enquadrar o noticiário na "dobra" ou "rebaixamento" do
assunto, opondo-se ao que se espera do jornalismo de "referência", aquele
onde os preceitos de objetividade e neutralidade são colocados como
imperativos para seus profissionais.
Ao deixar sobressair aspectos do grotesco em suas produções
noticiosas, o jornalismo local aponta para o que MARTINS (2011) vai dizer
se tratar do imaginário de tempo de crise. Nesse cenário, o atual momento
da contemporaneidade é visto por ele como uma era onde se sobressaem três
figuras avessas à ideia de totalização da existência: o trágico, o barroco
e o grotesco.


...um imaginário que exprime a condição humana, uma vida
que não conhece sossego, porque, como assinalei, não lhe é
dado fundamento seguro, território conhecido, ou
identidade estável. O trágico é uma figura que normalmente
vem associada à literatura – é uma forma literária. O
barroco é uma figura que assinala um movimento e um
momento da história da arte ocidental. O grotesco é uma
figura que exprime uma sensibilidade estética. As três
formas são figuras avessas à ideia de totalização da
existência, o que quer dizer, que são figuras avessas à
sua ideia de perfeição e de harmonia. (MARTINS, 2011,
p.223, grifos do autor)


Na sequência da reflexão, o autor acrescenta ainda que o "grotesco é
voraz e corrosivo. Nada nele se salva, nem mesmo o absoluto. O sistema de
valores é subvertido, posto de pernas para o ar. O olhar grotesco rebaixa
tudo o que atinge e precipita-o nos abismos da existência" (Idem, Ibid., p.
224-225, grifo do autor).
Retomando a situação encontrada na análise empírica, percebe-se a
presença de figuras do grotesco nas ondas do rádio, o que nos leva à
necessidade de aprofundar ainda mais essa questão, não só no que diz
respeito da subversão dos sistemas de valores, mas também pela necessidade
de compreender qual é o imaginário apresentado pelas emissoras a seus
ouvintes. Considerando a mídia como um dispositivo capaz de sistematizar e
atuar na percepção da realidade, tal como nos indicam os professores Elton
Antunes e Paulo Vaz (2008), o noticiário radiofônico, ao ser ouvido pela
população durante duas horas por dia, passa a fazer parte da percepção da
realidade por parte desses ouvintes, apresentando-os uma realidade onde as
dobras sobressaem-se aos demais assuntos.
Essa é uma característica frequentemente presente na chamada mídia
popular ou sensacionalista. Para compreendermos como a presença do grotesco
está associada a essa forma de fazer jornalístico, abordaremos no próximo
tópico o conceito de jornalismo popular, popularesco e sensacionalismo.

2.1 – Popular, popularesco e a relação com o receptor

Não pretendemos aqui definir "jornalismo popular" e "jornalismo
popularesco", mas preferimos chamar de "jornalismo popularesco" ou
"jornalismo de estilo popular", pois o termo "jornalismo popular" reduz o
conceito complexo de "Popular" ao popularesco publicado pela mídia, contudo
a mídia não representa a totalidade dos traços de cultura presentes no
"Popular", nos traços das culturas populares na contemporaneidade.
Amaral (2006) distingue os estilos do jornalismo: popular e
referencial, ambos com fortes distinções quanto ao agendamento, aos
tipos de fontes, as estratégias à formação de públicos e a
linguagem. No jornalismo de estilo popular, diz a autora, não há tanta
preocupação com a imagem de credibilidade do Jornal, pois seus
anunciantes são as pequenas marcas populares. Há uma mistura de
gêneros ficcional, narrativo, informacional e opinativo.
Concebe-se o receptor desses periódicos dentro da perspectiva do
popularesco publicado pela mídia: como alguém mais interessado nos
fait-divers ou como um "alfabeto rudimentar" que deseja apenas ler o
mundo do leitor, saber da superexposição dos famosos, dos fatos singulares
e "invisíveis", dos serviços na comunidade, da cultura do almanaque, do
emprego, etc.
O conceito de jornalismo popular tem sido, incialmente, aplicado ao
jornalismo impresso, mas, no entanto, as mídias eletrônicas passaram também
a reproduzir em ondas sonoras ou em vídeo características dessa tipologia
de jornalismo. Se os jornais impressos tiveram como expoentes como o
Notícias Populares no que diz respeito de modelo de "sensacionalismo" ou
"popularesco", no rádio observa-se programas como o já citado Afanázio
Jazadi e, na televisão, produções como o "Programa do Ratinho", que até
hoje apelam para uma fórmula já consagrada pelos impressos na luta pela
audiência: a exploração da degradação do outro como forma de entretenimento
e diversão para seus telespectadores.
Quando propomos a discussão do grotesco no radiojornalismo local,
partindo da premissa do "jornalismo popular", observamos que esse
jornalismo de "sensações", patológico, faz parte de um certo tipo de
cultura já enraizado em grande parte desses ouvintes que busca, para além
da informação, o entretenimento com os programas de radiojornalismo. Se no
final do Século XIX e início do Século XX encontrávamos nos jornais
impressos populares um "mundo do leitor", que era recheado por "relatos
pormenorizados de crimes violentos que mostravam dualidades eram narrativas
privilegiadas. [...] Violências cotidianas de todas as ordens produzindo um
mundo que, por contraponto, era mais infeliz do que as tramas vividas
diariamente por muitos dos leitores daqueles periódicos" (BARBOSA, 2013,
p.199), os programas de radiojornalismo, enquanto dispositivos de
comunicação, também atuam na percepção do cotidiano, no universo de seus
ouvintes, enquadrando o "mundo do ouvinte" de acordo com as perspectivas
adotadas pela escolha de seus textos a serem lidos pelo apresentador. Um
mundo aonde o ladrão "vai em cana" ou que "vai ver o Sol nascer quadrado",
expressões tipicamente presentes na conversa cotidiana e que passam a
integrar o discurso do jornalismo.
Para explorarmos essa relação entre ouvinte e emissora (ou
apresentador), adotamos a perspectiva do veículo de comunicação como um
dispositivo midiático na concepção de ANTUNES e VAZ, para quem podemos
entender a mídia como "um modo de manifestação material dos discursos; um
processo de produção de significação e estruturação de sentido; uma maneira
de modelar e ordenar os processos de interação; um meio de transmitir e
difundir materiais significantes" (2006, p.48).
A partir dessas constatações, os autores propõem três dimensões de
análises para o estudo da mídia: relacional, interlocutiva e contratual.


A relacional, anel mais abrangente, diz das interações que
se dão por meio do dispositivo midiático, vistas com o
"processo de influências mútuas que os participantes
exercem uns sobre os outros na troca comunicativa" e
também o "lugar em que se exerce esse jogo de ações e
reações (CHARAUDEAU, MAINGUENEAU, 2004, p.281) [...] A
interlocução, por sua vez, é retomada aqui para evidenciar
como os parceiros se acham, sempre, mutuamente implicados
nos discursos da mídia. É um círculo contido no
relacional. A dimensão de contrato é o aro mais
específico, onde vemos uma linguagem funcionando sob um
modo específico. (ANTUNES; VAZ, 2009, p.47)


A proposta dos autores é de que seja possível articular diversas
relações que permitam entender a interação entre mídia e receptor,
considerando que a mídia atua na produção de sentido e que esta se dá de
maneira contínua, em fluxo, sem que seja possível determinar qual seria seu
ponto de começo ou de encerramento ou o "marco zero" de relações
hierárquicas ou que, de alguma maneira, se sobrepusessem. Como o processo
de interação é sempre ativo, o ouvinte interpreta o conteúdo ofertado de
modo a afetar a sua percepção de mundo e a sua relação entre ele e o
contexto onde está inserido. Temos, então, que "esse dispositivo nomeia os
aspectos materiais e imateriais que conformam um jornal, e supera, com
isso, noções tradicionais como suporte e mesmo dicotomias como forma e
conteúdo". (LEAL, 2009, p.114)


3 – Um estudo de caso do programa Raio-X
Para fins de estudo sobre a presença do grotesco no noticiário de
rádio do município de Frutal-MG, tomamos como ponto de partida o programa
Raio-X, da Rádio 102FM, no qual percebemos maior apelo ao grotesco e ao
sensacional durante o levantamento empírico que deu origem a um projeto de
pesquisa que está em andamento. O programa vai ao ar em duas edições
diárias, sendo a primeira das 7h. às 7h30 e a segunda das 11h às 13h.
Suas duas horas de exibição são divididas em blocos, sendo que não há
uma duração fixa para os blocos noticiosos, porém, nas inserções pagas são
dedicados cerca de oito minutos entre um bloco e outro. Sua estrutura
segue um padrão fixo e apresenta uma distribuição de conteúdos dessa forma:
1) vinheta de abertura; 2) inserção comercial da empresa "Empório Hazime";
3) manchetes do dia; 4) bloco de notícias policiais; 5) bloco de notícias
policiais; 6) bloco de notícias da política local; 7) bloco de notícias da
cidade ou região; 8) Utilidade Pública (classificados, anúncios,
comunicados, etc.); 9) Esporte (notícias do esporte local, regional e
nacional); 10) Mensagem do Dia (texto de autoajuda direcionado aos
ouvintes). Apesar dessa divisão ter sido notada em nossas primeiras
avaliações do programa, que compreendem o período de 1 a 10 de julho de
2015, há dias em que ela pode ser alterada em decorrência de notícias de
maior impacto de outros setores. Assim, uma medida impopular do prefeito
pode perfeitamente ser destacada no primeiro bloco, e ocorrências policiais
mais corriqueiras serem veiculadas apenas na parte final do programa.
Durante os dias de acompanhamento e gravação do programa, o apelo a
uma linguagem cada vez mais popular e intimista direcionada ao ouvinte se
sobressai, especialmente no que diz respeito à utilização de expressões de
"lugar-comum", "ditos populares" ou com a utilização da sátira e do humor
para tratar de notícias policiais. É o que verificamos, por exemplo, na
transcrição de algumas das manchetes veiculadas pelo programa: "Correndo
atrás da bandidagem/Depois de uma intensa perseguição por várias ruas da
cidade homem é preso por conduzir uma moto que estava com a placa
adulterada" (02/07/2015); "Vendendo e alugando gato por lebre/três
empresários frutalenses são presos e milhares de CDs e DVDs piratas são
apreendidos durante operação da Polícia Civil" (02/07/2015); "Mãos ao alto
isso é um assalto/ Vendedor ambulante é assaltado no cruzamento da rua
Olavo Bilac com a rua Dom Bosco. Bandidos levaram dinheiro da vítima que
não conseguiu passar nenhuma característica dos ladrões para a polícia já
que os assaltantes estavam encapuzados" (03/07/15); "Vai ter Macarena na
cadeia/ Homem é preso após ser flagrado tentando furtar um depósito de uma
empresa agropecuária. O rapaz que foi identificado como Macarena ainda
tentou se justificar para os policiais" (03/07/15); "Muito ajuda quem não
atrapalha/ Comandante da polícia militar do meio ambiente diz que a
corporação está recebendo muitas denúncias falsas sobre maus tratos de
animais" (03/07/15); "A doença do século/ De acordo com a Organização
Mundial de Saúde um terço da população teve ou vai ter dores nas costas até
o final do século" (03/07/15); "Pelos ares/ Bandidos explodem uma agência
do Banco do Brasil em Itapagipe. Apesar da explosão que atingiu boa parte
do prédio, os bandidos não conseguiram levar nenhum dinheiro da agência. A
polícia militar chegou a capturar um dos veículos usados pelos bandidos,
mas os ladrões conseguiram escapar devido a vários pregos que eles
espalharam pela rua durante a fuga" (05/07/15); "Crianças gerando crianças/
O número de adolescentes grávidas preocupa coordenadora de saúde de Frutal"
(05/07/15); "A estrada da morte faz mais uma vítima fatal" (06/07/15);
"Tentando ser malandro/ Um homem tenta passar uma nota de cem reais falsa
para um comerciante" (06/07/15); "A violência que não para em Frutal/
Bandidos invadem e arrombam mais duas casas em Frutal" (06/07/15); "A
marvada pinga que me atrapalha/ Motorista embriagado provoca um acidente na
rua Pirajuba. O rapaz ainda tentou fugir do local, mas foi contido por um
policial à paisana" (06/07/15); "Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três
tiros/ Um desentendimento entre um vereador e dono de leilão termina em
tiroteio; O bate-boca teria começado por conta de um desacordo comercial e
o vereador nervosinho teria decidido resolver o problema na bala"
(07/07/15); "Vão ficar um bom tempo atrás das grades/ Dupla acusada da
morte do comerciante Josias Custódio é condenada a 25 anos de cadeia"
(07/07/15); "Bandidos Trapalhões/ Três homens são presos minutos depois de
furtar uma casa" (07/07/15), entre várias outras. Logo após as chamadas, o
apresentador inicia o programa saudando o ouvinte e, em seguida, com a
frase: "hoje é dia de trampo, dia de branco", em mais um claro apelo ao
popularesco para buscar a empatia com seus ouvintes.
As manchetes ora apresentadas já nos dão indícios da predileção do
programa em explorar a "dobra", o "estranho" ou "excepcional", como
características de seu noticiário tal como caracterizado por Wolfgang
Kayser. Para Bakhtin:


Na realidade, a função do grotesco é liberar o homem
das formas de necessidades inumanas que se baseiam as
ideias dominantes sobre o mundo. O grotesco derruba essa
necessidade, apresenta-se num determinado momento como
algo sério, incondicional e peremptório. Mas
historicamente as ideias de necessidade são sempre
relativas e versáteis. O riso e a visão carnavalesca do
mundo, que estão na base do grotesco, destroem a seriedade
unilateral e as pretensões de significação incondicional e
intemporal e liberam a consciência, o pensamento e a
imaginação humana, que ficam assim disponíveis para o
desenvolvimento de novas possibilidades. (BAKHTIN, 1987,
p.43).


Ao propor construções em seu noticiário que exploram o lado cômico das
situações, especialmente aquelas envolvendo o noticiário policial, a
emissora pode suscitar em seus ouvintes o que PAIVA e SODRÉ (2006) chamam
de "riso cruel", ou seja, transforma em irônico um assunto que,
inicialmente, deveria trazer preocupações. O grotesco, se sobressai, invade
o dia a dia dos ouvintes e, mais que isso, passa a fazer parte de seu
cotidiano e de sua reconstrução de mundo a partir das sugestões dadas pelo
produtor e emissor do conteúdo noticioso. Enquanto dispositivo estruturador
de sentido, a emissora atua na percepção do mundo de seus ouvintes e
naturaliza a violência em seu discurso, sugerindo que, onde há a
possibilidade do riso, há uma atenuação dos fatos ocorridos, mesmo que se
trate de um roubo, furto ou uma morte.
Como foi apontado, o grotesco é a exploração da "deformidade", das
"dobras", o oposto da retidão da qual se espera correr o dia de uma pessoa.
O apelo a expressões como "pelos ares" ou "bandidos trapalhões" e ainda "a
marvada pinga que me atrapalha" (numa citação a uma música sertaneja), têm
como objetivo popularizar a emissão, aproximá-la de um ouvinte que é
projetado. Recorremos, mais uma vez, a Bakhtin, para quem o direcionamento
da fala é dado no momento em que ela ocorre. Pela seleção de palavras,
expressões ou ênfases, o emissor projeta o seu interlocutor, construindo
uma relação entre eles que permita o desenvolvimento de um contrato de
comunicação capaz de ser aceito por ambas as partes. As expressões
escolhidas no noticiário nos dão pistas sobre o ouvinte projetado do
programa jornalístico: aquele que quer ter a sensação de um contato mais
íntimo e próximo com quem está no estúdio, numa pseudo-aproximação, como se
fosse possível dialogar com seu apresentador dentro de sua casa. O uso de
ditados populares e as referências a locais físicos do município nos
sugerem que o ouvinte desse programa seria prioritariamente os moradores do
município de Frutal (mesmo que a emissora alcance outros municípios da
região), afeitos ao humor ácido (capaz de dar risada da desgraça alheia) e,
de um modo geral, voltado para manifestações mais populares e menos
eruditas.
A inferência desses ouvintes se aproxima dos leitores projetados
encontrados nos jornais populares. Em PORTARI (2013) destacamos que os
jornais impressos chamados populares (de baixo custo, larga tiragem e com
um enfoque voltado especialmente para o noticiário local/regional, ao
contrário dos jornais "de referência", que têm enfoque em economia,
política e noticiário nacional e internacional), projetam um público que
seria essencialmente masculino, trabalhador e de menor poder aquisitivo (já
que essas publicações custam em média de R$0,25 a R$0,75 nas capitais). As
estratégias discursivas utilizadas por esses impressos se aproxima da
construção textual observada no programa Raio-X, com grande exploração do
grotesco como carro-chefe de seus noticiários.
Sendo a mídia um dispositivo estruturador de sentidos, o noticiário da
emissora atua na percepção de mundo dos ouvintes que seguem o dia a dia do
Raio-X. Para aqueles que assiduamente seguem o programa, são apresentadas
diariamente várias notícias de fatos policiais – sejam eles graves como
homicídios ou acidentes fatais, sejam eles de menor monta como pequenos
furtos ou brigas em mesas de bar – que, por meio da construção textual da
notícia, explora-se outra faceta do acontecimento: ele deixa de ser um
problema social, de segurança, para se tornar uma espécie de
"entretenimento", onde é possível dar risada com "bandidos trapalhões", com
os lances de um leilão que termina em tiroteios ou ainda com a "marvada
pinga", responsável por levar um homem para a cadeia.


4. Considerações Finais
Apesar da pesquisa ainda estar em fase inicial de desenvolvimento,
percebe-se a existência de um ambiente que possa ser ricamente explorado
através da discussão da presença do grotesco no noticiário e dos traços
populares adotados pelos programas de radiojornalismo do município de
Frutal – MG. Para os próximos passos da pesquisa, além de continuar com o
acompanhamento do programa Raio-X, será feito o acompanhamento do programa
Jornal da 97 (da rádio 97FM) para que, em seguida, possa-se articular os
dois noticiários em relação a seus conteúdos e formas de apresentação de
notícias.
Espera-se traçar pontos de aproximação e de distanciamento entre as
emissoras e, ao final da pesquisa, além de entender a função do grotesco no
noticiário, apontar quais são as possíveis (re)construções de mundo
adotadas pelos programas para seus ouvintes. Como estruturadores de
sentido, os programas de radiojornalismo atuam na percepção dos ouvintes e
podem ampliar ou reduzir as percepções que estes têm em relação à cidade em
que vivem e quais os seus problemas enfrentados diariamente.
Até o momento, aponta-se que o grotesco tem sido utilizado como uma
forma de amenizar os problemas de segurança pública ou sociais enfrentados
no município. Para isso, vale-se do rebaixamento, da exploração das
sensações e de uma linguagem cada vez mais próxima de um ouvinte projetado,
naturalizando os problemas para que possam ser mais facilmente "digeríveis"
a partir do momento em que se é possível dar risadas do "Outro" e das
situações onde estão envolvidos.


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[1] Coordenador do curso de Comunicação Social da Universidade do Estado de
Minas Gerais (UEMG); Doutor em Comunicação pela UFMG; E-Mail:
[email protected]
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