A produção familiar de fumo, diversificação e desenvolvimento sustentável

June 15, 2017 | Autor: S. Mercedes Ferna... | Categoria: Rural Sociology, Sustainable Development, Rural Development, Economia Ecológica, Crop Diversification
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Biol. MSc. Fitotecnia, MSc. em Desenvolvimento Rural- UFRGS. Doutoranda em Desenvolvimento Rural PGDR/UFRGS – E-mail: [email protected]

"Artigo 17 - Apoio às atividades alternativas economicamente viáveis: "As Partes, em cooperação entre si e com as organizações intergovernamentais internacionais e regionais competentes promoverão, conforme proceda, alternativas economicamente viáveis para os trabalhadores, os cultivadores e, eventualmente, os varejistas de pequeno porte".
"Artigo 18 - Proteção ao meio ambiente e à saúde das pessoas: Em cumprimento às obrigações estabelecidas na presente Convenção, as Partes concordam em prestar devida atenção, no que diz respeito ao cultivo do tabaco e à fabricação de produtos de tabaco em seus respectivos territórios, à proteção do meio ambiente e à saúde das pessoas em relação ao meio ambiente". (Instituto Nacional do Câncer, 2005, p. 14)

Ajara relata que "igualmente no final da década de 1980, identifica-se a corrente de pensamento constituída pela Economia Ecológica que se apresenta como campo transdisciplinar com foco nas interações econômico-ambientais. Trata-se de um campo de reflexão que tem privilegiado a questão dos limites naturais ao sistema econômico e a problemática da iminência do esgotamento dos recursos naturais, tendo como um dos eixos preferenciais de abordagem a compatibilização do crescimento demográfico com a disponibilidade dos recursos naturais. Enquanto a definição de desenvolvimento sustentável constante do Relatório Brundtland centra-se na sustentabilidade do desenvolvimento econômico, sua contrapartida, no campo da Economia Ecológica, reside na questão da manutenção da renda per capita e/ou do estoque de capital (natural ou produtivo) transmitido pela geração atual à futura, constituindo-se, assim, num enfoque neoclássico da concepção de corte geracional contida no relatório em questão." (Ajara, 2003, p. 7).

"O CAPA (Núcleo Santa Cruz do Sul 89 ) constitui se, hoje em dia, em uma entidade de apoio técnico produtivo e organizacional para famílias rurais de 22 municípios das regiões do VRP, Vale do Taquari e Vale do Jacuí.
Já são cinco plantas agroindustriais em operação,desde o surgimento da ECOVALE:1) unidade de beneficiamento de erva mate ecológica, do grupo Soque de Erva ate; 2) unidade de beneficiamento de mel de abelhas Casa do Mel, da UNISERAPI; 3) unidade de panifícios Casa da Saúde (bolachas e farinha multimistura), da AANE Casa da Saúde; 4) unidade familiar de beneficiamento de arroz ecológico família Schuster, do NAESC (duas famílias); e 5)unidade de derivados de cana de açúcar ecológica (melado e açúcar mascavo), do grupo Ecoflorestal Sintonizado (cinco famílias). Desses produtos agroindustrializados, os mais destacados, comercialmente são, respectivamente, o arroz, a erva mate, o mel e o açúcar mascavo (Lima, 2007, p. 127).



A produção familiar de fumo e a importância da diversificação dos meios de produção para o desenvolvimento sustentável

Sarita Mercedes Fernandez
RESUMO:
Este trabalho enfoca, a partir das abordagens de desenvolvimento rural sustentável, economia ecológica e dos princípios de prevenção e de precaução, o cultivo especializado na agricultura familiar e a degradação ambiental do Vale do Rio Pardo.
O objetivo é correlacionar os temas apresentados à produção especializada de fumo e à importância da diversificação dos meios de produção na agricultura familiar do Sul do Brasil. Com este propósito, o trabalho menciona os seguintes tópicos: desenvolvimento, desenvolvimento sustentável, economia ecológica, princípios de prevenção e de precaução, degradação ambiental e diversificação da propriedade.
Na primeira parte, apresenta-se o tema desenvolvimento até a introdução da discussão de desenvolvimento sustentável. Na segunda parte, registra-se a contribuição dos estudos sobre economia ecológica para o desenvolvimento local sustentável, ressaltando-se a situação do Vale do Rio Pardo. A terceira parte refere-se aos princípios de prevenção e de precaução e da relação desses termos com a degradação do ambiente provocada pelo cultivo de fumo. Finalmente alerta-se para a importância da diversificação da propriedade para a agricultura familiar no Vale do Rio Pardo.

PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento, economia, multidisciplinar

ABSTRACT:
This article focuses, from the perspective of sustainable rural development, ecological economy and of the precaution and prevention principles, the specialized cultivation familiar agriculture and the environment degradation of the Valley of the Rio Pardo. The objective is to correlate the subjects presented to the cultive of the tobacco and the importance of the diversification of the means of production in familiar agriculture in Southern Brazil. With this aim, the work refers the following topics: development, sustainable development, ecological economy, principles of prevention and precaution, cultive, ambient degradation and diversification of the property. In the first part will present the subject development until the introduction of the quarrel of sustainable development. In the second part, it is registered contribution of the studies on ecological economy for the sustainable local development, standing out it situation of the Valley of the Rio Pardo. The third part mentions the principles to it of prevention and precaution and the relation of these terms with the degradation of the environment provoked for the cultive of the tobacco. At the end, will focus on the relevance of the property diversification for the family agriculture in the Rio Pardo Valley.

Key words: development, economy, multidisciplinary





1. Do termo desenvolvimento ao desenvolvimento rural sustentável
O termo desenvolvimento vem sendo discutido desde 1880, quando era atrelado basicamente ao sentido de progresso e, até 1920, significava o crescimento das indústrias, com a segunda revolução industrial, onde houve a chegada do automóvel, da aviação, do telégrafo e tantas outras invenções que projetariam a humanidade para a evolução econômica.
Cabe ressaltar ainda que, no Brasil, no ano de 1888, era recém concedida a abolição da escravatura pela princesa Isabel e, assim, a mão-de-obra escrava passou a ser livre, forçando a contratação de imigrantes para o cultivo das lavouras. Assim, os estrangeiros oriundos da Alemanha para a região do Vale do Rio Pardo imigraram com a promessa de postos de trabalho.
Não, por acaso, no mesmo ano, na região Sul, chegavam os imigrantes alemães na cidade de Santa Cruz do Sul devido à escassez de mão-de-obra.
As zonas florestadas, ocupadas pelos alemães, evoluíram para uma economia baseada no cultivo do fumo mais intensamente após o surgimento, em 1918, do primeiro pólo industrial fumageiro. A agricultura de derrubada-queimada, com a introdução da tração animal leve, característica dos tratos culturais europeus, foi introduzida pelas técnicas de cultivo trazidas pelos alemães. Havia, além do cultivo do fumo, a produção de erva-mate, madeira, milho, feijão, trigo, suínos e batata.
Houve a intensificação do desmatamento para a construção das casas dos imigrantes. Esse processo, aliado à produção intensiva baseada na especialização em pequenas propriedades, desencadearia, mais tarde, a redução da fertilidade do solo com a alteração das características físico-químicas, erosão e afloramento de rochas devido às constantes lixiviações pela água das chuvas.
Embora muito discutido, o desenvolvimento é freqüentemente confundido com crescimento econômico. Amartya Sen, prêmio Nobel da Economia em 1998, em seu livro "O desenvolvimento como liberdade", define que o desenvolvimento é a ampliação da capacidade dos indivíduos terem suas próprias escolhas. Segundo o autor, é preciso ampliar o horizonte social e cultural das pessoas desligando-o do crescimento econômico. Porém, percebe-se pela evolução dos sistemas agrários da região Sul, que o desenvolvimento foi freqüentemente correlacionado ao crescimento econômico.
Segundo o site da Souza Cruz, a lavoura de hoje, a indústria e o comércio de fumo surgiram da concentração ocorrida entre 1910 e 1930, resultante dos movimentos de diversificação da produção acontecidos no século XIX. As lavouras de fumo entraram numa fase de grande expansão com o final da liberdade vigiada de Portugal e assim tornou-se possível cultivar qualquer espécie, em qualquer lugar. Além disso, a possibilidade do comércio direto com países estrangeiros representou um grande incentivo e as províncias que mais se destacaram foram as de Goiás, Minas Gerais, Bahia e, por um fenômeno especial ligado à vinda dos imigrantes alemães, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
José Graziano da Silva (1998) indica que o desenvolvimento do mercado interno no Capitalismo vai em direção à divisão social do trabalho, onde os diferentes tipos de transformação de matérias-primas e diferentes operações dessa divisão separam-se da Agricultura e formam ramos industriais com existência própria. Então, já, na década de 30, os primeiros passos eram dados para a transformação da Agricultura, com incentivo à criação das indústrias, traduzidos pelo modelo agrário exportador.
Silva (2001) ressalta que a colonização alemã, na cidade de Santa Cruz do Sul é traduzida por um "processo de economia de mercado em um espaço economicamente vazio" porque as terras utilizadas não interessavam os latifúndios. As áreas ocupadas pelos alemães eram as de floresta, desprezadas pelas fazendas de criação de gado, que se fixaram nas zonas planas de campo.
Essa dinâmica de distribuição repetiu-se em todo o território do Rio Grande do Sul, na parte Sul com a presença dos latifúndios, onde os militares instauravam suas bases já, na parte Norte estavam as pequenas propriedades formadas por imigrantes europeus familiarizados com a Agricultura.
O período, de 1945 a 1975, que compreende os chamados "30 gloriosos" (a era de ouro do capitalismo) agrega a discussão de que o desenvolvimento é vinculado diretamente ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), assim a Agricultura passa a ter um enfoque centralizado pela alta tecnologia dos equipamentos e pela farta oferta de insumos oriundos da Revolução Verde. Ao lado de políticas públicas de acesso ao crédito agrícola iniciaria o processo de integração das empresas fumageiras formando oligopólios e, assim, os pequenos produtores foram introduzidos no sistema integrado de produção.
A chegada dos anos 70 abriria as portas para o crédito rural subsidiado e introduziria novas tecnologias, porém, a mecanização da Revolução Verde não chegou às lavouras de fumo das pequenas propriedades devido à altitude e ondulação do terreno e ao afloramento de rochas que impediam o uso da motomecanização. Porém, os insumos, frutos da introdução das novas tecnologias, garantiriam o sucesso da produção.
A partir desse ano a Agricultura modificou-se e os sistemas de cultivo e criação extensiva implantaram-se por várias frentes do Rio Grande do Sul, os excedentes agrícolas eram encontrados em profusão, praticamente, em todo o Estado. É implantado, em Santa Cruz do Sul, o primeiro pólo de beneficiamento de fumo no Vale do Rio Pardo. A economia baseada na exportação passou a ser a tônica na região de Santa Cruz do Sul, além do fumo, outras culturas como a do café e a soja, também foram baseadas por essa visão de mercado.

Para Souza (2002):

"a experiência tem demonstrado que muitas dessas regiões entram em declínio se elas não forem capazes de diversificar a sua estrutura produtiva a partir dessa base econômica".

O autor se refere aqui à economia baseada em cultivos para exportação, as commodities. Ele refere também que, sem o incentivo do poder público é muito improvável que o mercado acabe por suprir as necessidades da diversificação, mas, que o governo não pode arcar sozinho, devido à escassez de recursos, com o incentivo a setores de pouca resposta em termos de encadeamento da produção e do emprego. Afirma ainda que, nem sempre a instalação de pólos exportadores é suficiente para desencadear um crescimento regional autônomo. Ainda assim, nos anos 80, pela análise do Produto Interno Bruto, a região de Santa Cruz do Sul, contrariamente ao exposto, cresceu mais do que o resto do Vale do Rio Pardo, mesmo sob o modelo de exportação.
Ainda no ano de 1980 surgiria, nas discussões da academia, a preocupação com o uso sustentável dos recursos para a futura preservação do ambiente. O desenvolvimento com a participação social surge somente em meados dos anos 90 onde passa a ser considerado um processo histórico de mudança social em que as sociedades são transformadas ao longo do tempo.
As pequenas propriedades antes voltadas para o cultivo de alimentos para autoconsumo, diversificadas, evoluíram para sistemas produtivos especializados. Somente a partir dos anos 1990 surgem as novas tentativas de diversificação, nesse momento, começam a aparecer a Olericultura e a Floricultura como possíveis alternativas.
Silva (2001) relata ainda que, em meados de 1995/96, foi introduzido o cultivo mínimo com adubação verde, tanto na cultura do fumo quanto na cultura do milho da região. Essa preocupação com o ambiente surgiu, por parte dos técnicos, devido aos problemas enfrentados com a fertilidade dos solos, já exauridos pelos constantes tratos culturais do cultivo do fumo.
O principal fator que levou o Vale do Rio Pardo a repensar o desenvolvimento das áreas rurais, com a inclusão do termo sustentável, não foi desencadeado pela preocupação com o ambiente, ou com o desenvolvimento dito "sustentável" mas sim, a chegada da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT). A Convenção Quadro apresenta, nos artigos 17 (Apoio às atividades alternativas economicamente viáveis) e 18 (Proteção ao meio ambiente e à saúde das pessoas) as exigências da Organização Mundial da Saúde para a erradicação do consumo de cigarros e produção agrícola do fumo.
A Convenção Quadro para o Controle do Tabaco teve sua elaboração negociada entre 192 países do ano de 1999 a 2003. No ano de 2003, durante a 56ª Assembléia Mundial de Saúde, foi adotada por consenso, entrando em vigor somente em fevereiro de 2005, sendo ratificada por 40 países. Somente em 2007 o Brasil ratificou o tratado, sendo o 90º a assinar, assim garantiu o apoio internacional, técnico e financeiro para o fortalecimento de uma política agrícola de alternativas ao fumo e assim está tentando beneficiar as 200 mil famílias que hoje dependem da plantação do tabaco. A política aqui descrita centraliza-se na saúde humana e preocupa-se com o ambiente que será deixado para as próximas gerações, não deixando de abordar o bem estar das gerações presentes.
Convém, ainda, um breve hiato, para exporem-se alguns conceitos apresentados no trabalho sobre o "desenvolvimento rural" e "desenvolvimento sustentável", além disso, convém ressaltar que a academia não apresenta até o momento versão consolidada dos conceitos apresentados.

José Eli da Veiga afirma que:

"não existe "o desenvolvimento rural" como fenômeno concreto e separado do desenvolvimento urbano. O desenvolvimento é um processo complexo, por isso muitas vezes se recorre ao recurso mental de simplificação, estudando separadamente o "desenvolvimento econômico", por exemplo; ou, como propõe Veiga, pode-se estudar separadamente o "lado rural do desenvolvimento". (Veiga, 2000, apud Kageyama, 2004, p.380).

Por analisar-se que a discussão sobre a definição de rural, de Ângela Kageyama, seja uma das mais completas e apropriadas para o caso do Vale do Rio Pardo foram adotadas suas considerações sobre o desenvolvimento rural citado em seu artigo "Desenvolvimento rural: conceito e medida" onde a autora escreve:

"A discussão sobre a definição de rural é praticamente inesgotável, mas parece haver um certo consenso sobre os seguintes pontos: a) rural não é sinônimo de agrícola e nem tem exclusividade sobre este; b) o rural é multissetorial (pluriatividade) e multifuncional (funções produtiva, ambiental, ecológica, social); c) as áreas rurais têm densidade populacional relativamente baixa; d) não há um isolamento absoluto entre os espaços rurais e as áreas urbanas. Redes mercantis, sociais e institucionais se estabelecem entre o rural e as cidades e vilas adjacentes." (Kageyama, 2004, p. 382).

A autora reflete aqui a amplitude da discussão travada na academia sobre o que seja a dimensão rural do desenvolvimento. O objetivo no presente artigo não é o de discutir amplamente o tema desenvolvimento rural aqui mencionado, tendo sido citado porque boa parte da produção de fumo, da região do Vale do Rio Pardo, encontra-se em zonas rurais. Por isso passamos a seguir a discorrer sobre o desenvolvimento sustentável a título somente de introduzir o tema dentro da sua relevante importância quando da análise do impacto dos cultivos especializados sobre o ambiente e sua conservação.
Segundo Moretto e Giacchini (2006) o conceito de desenvolvimento sustentável teve sua emergência na década de 1980 devido a um documento da conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento datado de 1987.
Nesse documento consta o seguinte conceito de desenvolvimento sustentável:

"é o desenvolvimento que garante o atendimento das necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de atender suas necessidades". (Moretto e Giacchini, 2006, p. 3, apud MUELLER, 1996, p.262).

O desenvolvimento dito sustentável surgiu, primeiramente, pela preocupação com o ambiente e sua conservação. Outros trabalhos surgiram enfocando, também, a dimensão social ou produtiva, ou as três dimensões em conjunto. Pode-se ressaltar que, dependendo do ponto de vista a partir do qual se faça uma análise mais aprofundada, sempre haverão autores e críticos que irão tomar partido no balanço dos assuntos abordados. Do ponto de vista dos ambientalistas, a questão ambiental é o centro, confundindo-se com uma natureza intocável. Do ponto de vista antropocêntrico será considerada a dimensão social e, também a produtiva. A essa altura vale o questionamento sobre o que é mais importante para o futuro da humanidade e do planeta. Se considerarmos Malthus nos preocuparemos com a questão dos números de habitantes que estão povoando a Terra e de que forma poderemos produzir alimentos para um número tão grande de pessoas, o chamado "baby boom", de outra parte essa discussão era central no passado e hoje parece estar na penumbra, esperando que algo possa ocorrer de forma a voltar a ficar em voga.
Spash (1995) relata que Meadows e outros voltaram a discutir a explosão demográfica a partir dos limites físicos do crescimento, incluindo as leis da termodinâmica.
Eles escrevem:
"The first law concerns the conservation of matter and energy. This states that energy, like matter can neither be created nor destroyed, and is constant between a system and its surroundings. The second, or entropic, law states that energy flows from available (free) forms to unavailable (bound) forms. Thus, a closed system becomes less organized as energy becomes bound." (Meadows et al., 1972, apud Spash, 1995, p.280).

Ou seja, a primeira lei refere-se à conservação de matéria e energia, onde nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. A segunda lei é a da entropia, onde a transformação de energia tem um limite a partir do qual o sistema poderá não ter mais condições de manutenção. O autor demonstra com isso que, com o aumento da população, o planeta poderá não ter condições, como um sistema, de manutenção por tempo ilimitado.
Pode-se dizer que uma reflexão mais aprofundada poderia apontar a necessidade de uma análise equilibrada, tentando-se considerar a maior parte das dimensões dos impactos provocados pelo desenvolvimento.
Para finalizar essa parte introdutória do trabalho utiliza-se a citação de Ajara (2003) que expõe os seguintes aspectos sobre o desenvolvimento sustentável

"Com efeito, a controvérsia quanto ao próprio significado de desenvolvimento sustentável, a emergência de questões referentes às formas de distribuição de poder em relação à apropriação e uso dos recursos naturais no âmbito dos espaços nacionais e regionais, a importância crescente de considerar a repartição desse poder no interior da sociedade e do aparato administrativo e institucional do Estado, o reforço do padrão de interdependência dos Estados nacionais, a competição das diferentes escalas espaciais quanto à questão da regulação territorial, no campo do desenvolvimento sustentável, são evidências incontestáveis tanto da complexidade inerente à abordagem ao desenvolvimento sustentável, quanto da abertura e da abrangência da reflexão sobre a sustentabilidade, em razão de suas evidentes implicações de cunho geopolítico." (Ajara, 2003, p. 9).

A geopolítica se constitui em importante ferramenta para o entendimento da situação global do desenvolvimento, traduzindo as diversas implicações ambientais que podem surgir devido a desequilíbrios em pontos distantes do globo que vem a influenciar, não por acaso, outros territórios distantes das causas das constantes catástrofes apresentadas atualmente. Vale, com isso, uma reflexão sobre o tipo de desenvolvimento que é desejada para o Brasil, em fase de expansão econômica. Urge trilharem-se caminhos diferentes daqueles implantados pelos países desenvolvidos que consumiram muitos de seus recursos naturais sem haver a preocupação com a disponibilidade futura de renovação.
A seguir inicia-se a contribuição dos estudos sobre economia ecológica para o desenvolvimento sustentável, ressaltando-se os diferentes contrastes encontrados consoantes à realidade local do Vale do Rio Pardo.


2. A economia ecológica e o desenvolvimento local sustentável
Buscando aprofundar os conhecimentos sobre a economia ecológica pode-se buscar a base das informações na Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, filiada regional da International Society for Ecological Economics que relata a construção do termo que traduz a dualidade entre crescimento econômico e preservação dos recursos ambientais.
A centralidade dos debates gira em torno do "crescimento zero" ("neo-malthusiana") e do direito ao crescimento econômico, proposto pelos países terceiro-mundistas, chegando à Conferência de Estocolmo. Nesse ponto das discussões surge o termo "ecodesenvolvimento" que se refere à possibilidade de crescimento econômico com a possível preservação dos recursos ambientais. A partir do relatório de Bruntland, em 1987, onde o desenvolvimento é traduzido pela eficiência econômica, o equilíbrio ambiental e a igualdade social surgem com a preocupação sobre desenvolvimento sustentável e com a questão ambiental que deram origem à economia ecológica.
De autores como Boulding, Georgescu-Roegen, Daly, Odum e outros nasce o processo de raciocínio crítico em relação aos conceitos biofísicos ambientais e ecológicos adentrando a natureza do processo econômico relacionando-o com os recursos ambientais. A essa análise do sistema econômico apoiada sob a égide de conceitos e ferramentas biofísico-ecológicas intitulada de bioeconomia descortinou-se o conceito conhecido por economia ecológica.
A economia ecológica considera que para a compreensão do sistema econômico é necessário o entendimento da complexidade dos fluxos e balanços materiais e energéticos, tendo como idéia central a biofísica, principalmente, quanto aos princípios termodinâmicos, já citados anteriormente, constituídos pela primeira e segunda Lei da termodinâmica, a Lei de Conservação de matéria e energia e a Lei da entropia. O objetivo principal é a busca da interação sustentável entre a economia e a ecologia.
Diante dos problemas locais enfrentados no Vale do Rio Pardo a economia ecológica pode vir a ser uma importante ferramenta para o entendimento da complexidade entre o desenvolvimento econômico e a preservação da natureza, indo mais além, pode-se incluir a teia social envolvida nesse processo atual de mudanças e rupturas paradigmáticas dos sistemas de produção adotados na região, traduzidos pelo cultivo do fumo.
Fugindo de visões catastrofistas e adotando a posição de "ceticismo prudente", quanto aos limites ambientais para a implantação de mudanças, urge que surjam novas formas para a reprodução social das famílias, aplicando-se políticas e meios de produção equilibrados de tal forma que o ambiente e a saúde sejam respeitados.
A reconversão econômica e produtiva impulsionada pela legislação ambiental, sanitária ou pelo mercado impõe a modificação dos sistemas de produção adotados para pequenas propriedades na região do Vale do Rio Pardo, bem como implicam na articulação de novos saberes, na produção de novos produtos, no acesso a novos mercados, no relacionamento com outras culturas e segmentos sociais, na utilização de novas tecnologias e na transformação das relações com a natureza considerando os novos processos e produtos agropecuários.
A principal preocupação dos agricultores familiares é a reconversão produtiva que implica mudanças e produz fragilidades verdadeiras, em que de um lado a indústria tabacaleira afirma que o tabaco é uma das culturas mais rentáveis garantindo muitos postos de trabalho e desenvolvimento local. De outro lado a relação da dependência tecnológica de um cultivo próprio para grandes propriedades que podem tomar todas as decisões de forma autônoma, sem a dependência dos sistemas integrados.
Segundo Cavalcante e Pinto, em seu artigo, em fase de publicação "Considerações sobre tabaco e pobreza no Brasil: consumo e produção de tabaco", "as fumageiras e a Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA) divulgam, amplamente, que produzir tabaco gera um rendimento elevado para os fumicultores e que nenhuma outra atividade agrícola produz a mesma rentabilidade que o tabaco. No mesmo documento, citando ETGES, FERREIRA, CAMARGO e outros (2002) escrevem ainda que

"segundo esses atores (as fumageiras e a AFUBRA), o fumo garante para o fumicultor uma renda superior a US$ 4,5 mil/ano, bem superior a outras atividades agrícolas que atingem apenas cerca de US$1,1 mil. No entanto, análises mais cuidadosas realizadas através de pesquisas locais mostram que, na Região do Vale do Rio Pardo, no RS, que responde por 25% da produção do fumo do Sul do Brasil e onde 50% da sua população vivem no meio rural dedicando-se principalmente à produção de tabaco, a renda média dessas famílias registrada foi menor que US$3.000/ano nas safras de 99/2000 e 2000/2001. Descontado os gastos com os insumos utilizados na produção, a renda líquida apontou um resultado menor que US$ 850 por família ao ano, o que equivale a uma renda mensal de US$24,00 por trabalhador, ou seja, um terço do salário mínimo nacional" (Ferreira, Camargo e outros, 2002, p. 14 e 15).

As mudanças do panorama do cultivo do fumo vêm ligadas a um clima de insegurança quanto ao futuro econômico das famílias envolvidas e para tanto é necessário que sejam gerados novos rumos tecnológicos alternativos de produção que garantam rentabilidade e colocação dos produtos no mercado, além disso, o uso e manejo sustentável do ambiente é necessário para o resgate da degradação dos solos, água e vegetação castigados pelo uso desequilibrado dos recursos naturais.
A implantação de projetos e organizações com fulcro no desenvolvimento sustentável é possível e já vem ocorrendo na região, como os exemplos do CAPA Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA), com unidade em Santa Cruz do Sul e da Cooperativa Regional de Agricultores Familiares Ecologistas Ltda. (ECOVALE).

Lima, em seu trabalho de Doutorado, relata que:
"As dificuldades da transição econômico produtiva e agroambiental parecem decorrer, fundamentalmente, da falta efetiva de políticas públicas e de desenvolvimento técnico científico que contemple as bases de aplicação da sustentabilidade na agricultura e de processos pr desenvolvimento rural sustentável." (Lima, 2007, p. 124)

Embora o autor apresente uma perspectiva desalentadora, em seguida escreve que o Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), está implantando projetos que visam a diversificação da propriedade com a introdução de novas alternativas de produção ao fumo, introduzidos através do Programa Nacional de Diversificação nas Áreas cultivadas com Tabaco.
Iniciativas do Governo, em conjunto com o MDA, no sentido de dar apoio tecnológico e orientar ações sustentáveis de desenvolvimento local estão sendo reproduzidas com o objetivo de apoiar a implementação de projetos de extensão rural, formação e pesquisa para que sejam desenvolvidas estratégias de diversificação produtiva em propriedades de agricultores familiares que produzem fumo, buscando novas oportunidades de geração de renda e qualidade de vida das famílias.
O programa também é fortalecido por ações de apoio, tais como: Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), Formação de agentes de ATER, Agroecologia, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, Seguro da Agricultura Familiar, Garantia-Safra, Seguro de Preço, Programa de Biocombustível, Apoio à Comercialização, Agregação de Valor e Geração de Renda e o Programa de Aquisição de Alimentos. São 35 projetos apoiados na região Sul, 500 municípios abrangidos e 19 mil famílias beneficiárias.


3. Princípios de prevenção e precaução
A legislação brasileira, em seu inciso I, do artigo 3º, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal nº 6.938/81), define meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".
Ao serem utilizadas as dimensões institucionais para a conceituação de saúde ambiental apresenta-se a qualidade ambiental como um eixo que se bifurca em duas vertentes, uma que utiliza o conceito antropocêntrico e a outra que considera o conceito ecocêntrico. A primeira é relativa aos limites de exposição segura para o ser humano frente aos riscos ambientais, de competência do Ministério da Saúde e a segunda refere-se aos limites de proteção para o ecossistema, de competência do Ministério do Meio Ambiente. As leis refletem a dualidade que arremessa o Homem para fora do ambiente quando, ao contrário, os humanos deveriam estar integrados à natureza, fazendo parte dela. Por isso fala-se em saúde ambiental que reflete a saúde incluindo a vertente antropocêntrica e ecocêntrica.
O artigo 3º da Lei nº 8.080/90, assinala que "a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais".
No artigo 225 da constituição do Brasil, no capítulo VI do meio ambiente, é exposto que o ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo, sendo essencial para a qualidade de vida com saúde. É imposto ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o ambiente para as gerações presentes e futuras.
Como pode ser observado há o aparelhamento e amparo das leis brasileiras para a proteção do ambiente e da saúde humana, abrangendo toda a amplitude da complexidade que o tema oferece.
Ao analisar-se a complexidade que envolve o cultivo do tabaco para o ambiente e saúde do agricultor e o consumo de fumo para a saúde da população mundial, já teriam-se muitas frentes para iniciar uma discussão. Nesse tópico do trabalho serão discutidos os princípios de prevenção e de precaução de forma a relacioná-los com a situação do cultivo do fumo.
Oliveira (2007) aponta uma análise etimológica dos termos prevenção e precaução. A prevenção, vem do latim praevenire (prae = antes , venire = vir) e significa ato de antecipar-se. A precaução é mais específica e equivale à adoção antecipada (prae) de um cuidado (cavere).
Fazendo uso da linguagem coloquial que diz "é melhor prevenir que remediar", já será introduzida a sutil diferença entre prevenção e precaução. Carlos Fernando Silva Ramos, juiz de Direito substituto do Estado do Amapá, escreve que:

"a necessidade imperiosa de evitar a consumação de danos ao meio ambiente vem sendo ressaltada em convenções, declarações e sentenças de tribunais internacionais, como na maioria das legislações internacionais, tais como a Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 1989; a Convenção da Diversidade Biológica; o Tratado de Maastricht sobre a União Européia; e o Acordo-Quadro sobre o Meio Ambiente do MERCOSUL. Essas Convenções informam ser imprescindível evitar na origem as transformações prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente". (Machado, 2006 apud Ramos, 2007, p. 4)

O princípio da prevenção segundo Antunes (2004) é muito próximo do princípio da precaução, mas não deve ser confundido com ele. O primeiro é aplicado a impactos ambientais já conhecidos com uma gama de informações existentes e, como exemplo de sua utilização, pode ser citado o licenciamento ambiental que previne, na forma da lei, possíveis danos que poderiam ser causados ao ambiente antes da instalação de, por exemplo, uma empresa com risco potencial de poluição, evitando o aparecimento de danos futuros.
Machado, em seu livro sobre Direito Ambiental Brasileiro, apresenta cinco itens para a divisão da aplicação do princípio de prevenção, são eles:

"1º identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas do mar, quanto ao controle da poluição;
2º identificação e inventário dos ecossistemas, com elaboração de um mapa ecológico;
3º planejamento ambiental e econômico integrados;
4º ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com sua aptidão;
5º estudo de Impacto Ambiental". (Machado, 2006, p. 80)

Já, o princípio da precaução vai além da prevenção, versa sobre a durabilidade do ambiente, garante a qualidade de vida, sem o exagero de ver catástrofes ou males em tudo, visa a garantia do futuro ambiental do planeta. Para Granziera e Dallari:

"o principio da precaução, por outro lado, é um estágio além da prevenção, à medida que o primeiro (precaução) tende à não realização do empreendimento, se houver risco de dano irreversível, e o segundo (prevenção) busca, ao menos em um primeiro momento, a compatibilização entre a atividade e a proteção ambiental".(GRANZIERA e DALLARI, 2005, apud PHILIPPI Jr.; ALVES, 2005, p. 627).

A precaução avisa que há desconhecimento científico sobre os riscos e possíveis danos que podem ser causados pelo uso ou aplicação de uma determinada tecnologia.
Os dois princípios apresentados permitem uma análise pertinente sobre o cultivo do fumo em que pese a atuação das empresas fumageiras quanto à preservação do ambiente e quanto às modificações impostas, ao longo dos anos, na paisagem e saúde da população do Vale do Rio Pardo.
Em 1918 a Brazilian Tobacco Corporation instalou-se em Santa Cruz do Sul, com o empreendimento patrocinado pela British American Tobacco (BAT) e , segundo Lima (2007), foram introduzidos, de forma experimental, os fumos curados em fornos (ou estufas), as técnicas e técnicos foram trazidos dos Estados Unidos e o Rio Grande do Sul, representado pela região do Vale do Rio Pardo, foi agraciado pela alternativa devido à tradição no cultivo de fumo em folha.
Os males provocados pelo tabaco são visíveis no país, sendo que o tabagismo criou cinco milhões de mortes por ano, no mundo, causadas por doenças crônicas, dependência, doenças cardiovasculares, respiratórias, câncer e outras, afetando, inclusive pessoas não-fumantes pelo mesmo tipo de doenças, como fumantes passivos. O vício é mais encontrado na população de baixa renda e de baixo nível de escolaridade, onde dos 1,3 bilhões de fumantes, 80% se encontram nos países classificados como "em desenvolvimento". Encontram-se pessoas responsáveis pelo sustento da família a trocarem alimentos por uma carteira de cigarros, segundo o Banco Mundial citado por INCa (2005), 100.000 jovens começam a fumar a cada dia e 80% deles moram em países pobres.
Além disso, os problemas ambientais causados pelo consumo desenfreado de agrotóxicos deveriam estar em uma agenda de prioridades para as instituições governamentais, ou não-governamentais, orientando e esclarecendo as técnicas mais eficientes para a utilização desses insumos e disponibilizando agentes para a realização desses serviços. A produção de fumo em pequenas propriedades, onde são utilizadas grandes quantidades de agrotóxicos, podem vir a assumir um papel gerador de vários problemas ambientais, entre eles, a poluição dos cursos de água e o desmatamento.
Etges (2001) relata que os agricultores do Vale do Rio Pardo recebem um modelo pronto de produção que não leva em conta a situação ambiental, social ou econômica. Ou seja, um modelo de dependência em que os fumicultores não decidem e nem participam do processo de planejamento de métodos que visem a proteção do ambiente e saúde contrariando o princípio de prevenção.
Boeira e Guivant (2003) escrevem que as empresas fumageiras, pelo menos as maiores, criaram institutos que defendem a conservação do meio ambiente o que contribui para a expansão de mercado e, principalmente, para a isenção de impostos. Essas empresas possuem fortes departamentos de marketing que pesquisam o mercado a fim de divulgar produtos com a propaganda em torno da preservação da natureza.
A companhia de cigarros Souza Cruz desenvolve programas considerados de preservação do meio ambiente como, por exemplo, o Programa Reflorestar, que pode ser observado pela internet, no endereço http://www.souzacruz.com.br, que postula o seguinte:

"Reflorestar: Como a lenha representa a fonte de energia mais econômica para a secagem do fumo, o objetivo deste programa é incentivar os mais de 30 mil produtores de fumo estufa plantarem florestas de uso energético e eliminar o uso da lenha de mata nativa. Para tanto, a empresa fornece materiais educativos, orientação técnica e financiamento para a aquisição de mudas oriundas de viveiristas certificados."

Uma matéria no jornal Correio do Norte, de Canoinhas em Santa Catarina, de 22 de setembro de 2008, intitulada como "Operação da Polícia Ambiental multa infratores em R$ 450 mil" podem ser observados os problemas causados pelo desmatamento provocado para utilização de lenha em estufas de fumo. Versa, em parte, a matéria:

"outra gravidade em relação às infrações ambientais cometidas foi o fato de o corte de vegetação atingir espécies florestais como a imbuia e o pinheiro-brasileiro, ambas espécies catalogadas na lista oficial das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção. Foram apreendidos um total de 1.300 estérios de lenha nativa. Segundo a Polícia Ambiental, a maior parte da lenha apreendida iria ser utilizada em estufas de fumo e outra parte na produção de carvão vegetal. Os autuados responderão a dois processos, um na esfera administrativa e outro na esfera penal. Fumo é o vilão. O setor fumageiro responde por uma parcela considerável da utilização de lenha irregular. Um acordo firmado no ano de 2000 entre as empresas fumageiras representadas pela Afubra, Sindifumo, Ministério Público de Santa Catarina, Fatma e a Policia Militar Ambiental, definiu prazo para que fumicultores se regularizassem em relação à fonte da matéria-prima utilizada para a geração de energia."

Pela matéria em questão pode-se ler que o princípio de prevenção de danos ambientais apresentou-se depois que o dano ocorreu, através da aplicação das sanções. Será que o fumo é o vilão ou temos aqui a ausência de uma educação ambiental e aconselhamento técnico pertinentes?
Pode-se prever o que o reflorestamento com eucaliptos pode causar para o futuro dos solos, mas será possível a precaução quanto ao surgimento de novas pragas e doenças de plantas causadas pela alteração do equilíbrio natural das matas nativas?
Um dos papéis da academia para a solução dessas contendas vem no sentido de formar críticos capazes de interagir com os agricultores, incluindo a educação ambiental e instaurando a evolução das discussões sobre o desenvolvimento local sustentável, saúde e preservação dos recursos naturais.

4. A importância da diversificação da propriedade para a agricultura familiar no Vale do Rio Pardo
Finaliza-se o trabalho discorrendo sobre a diversificação da propriedade e da sua importância para a agricultura familiar com o objetivo de transversalizar os assuntos abordados até o momento no presente trabalho.
Diante de todos os assuntos tratados até o momento apresenta-se a centralidade na agricultura familiar porque os fumicultores do Rio Grande do Sul são, em grande parte, agricultores com base de produção familiar.
Para Schneider (2006) a agricultura familiar foi legitimada a partir da criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e de políticas públicas criadas pelo MDA. Ao longo de 1990 houve avanços nas discussões acadêmicas sobre o tema através de estudos com o objetivo de definição do que seria o universo das propriedades que não contratavam força de trabalho para a produção de plantas e criação de animais. Ainda de acordo com o mesmo autor, citando Abramovay, a agricultura familiar seria "altamente integrada ao mercado, capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de responder às políticas governamentais" constituindo-se em um modo de vida que transformou-se em profissão, ou forma de trabalho (Schneider, 2006, p. 8 apud Abramovay, 1992, p.22 e 127).

Gazzola, no livro "A Diversidade da Agricultura Familiar" escreve que

"a agricultura familiar do Rio Grande do Sul passou por profundas transformações sociais, econômicas e produtivas desde os anos 70. Estas transformações mudaram principalmente os modos de vivência dos agricultores e as suas estratégias de reprodução social. A agricultura familiar que se assentava, antes deste período, na diversificação produtiva, na produção para autoconsumo e na sustentabilidade dos processos produtivos, hoje, se reproduz com base no mercado de fatores de produção, na especialização produtiva, nos cultivos voltados ao mercado e com uma intensa diferenciação socioprodutiva entre as suas unidades" (Gazzola, 2006, p. 100).

Diante do exposto pode-se perceber que a base de origem da agricultura familiar é a diversificação da propriedade e não a especialização com a verticalização da cadeia produtiva, de tal modo que os agricultores possam assumir a tomada de decisão sobre os negócios voltados para pequenas propriedades. No modelo atual de reprodução social os fumicultores não possuem informações suficientes para distinguirem o real custo de produção e o lucro final obtido pelo cultivo do fumo nas propriedades.
Márcio Gazzola trouxe importante contribuição que vem a traduzir a evolução e diferenciação dos sistemas agrários do Rio Grande do Sul que, em sua origem, produzia de forma diversificada. O autor escreve que a produção diversificada não deve estar diretamente associada à produção para o autoconsumo e pode ser inserida na lógica de mercado desde que aliada ao gerenciamento da propriedade.
Giddens (1997) fala das incertezas produzidas pela modernidade criadas pelo próprio conhecimento gerado pelo homem, para o autor, os riscos são fabricados, como no exemplo de catástrofes ambientais e uso de armas químicas. Ele fala também que os sistemas especialistas aparecem como elementos fundamentais das relações sociais modernas em que, cada vez mais, surge a especialização tornando a ciência do conhecimento especializado que organiza grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje.
Então a diversificação emerge novamente, agora com um novo propósito, o de trazer alternativas para os fumicultores formarem elos fortes que determinem um desenvolvimento sustentável, que respeitem o ambiente, garantindo o estoque de capital (natural ou produtivo) transmitido pela geração atual deixando esperança de futuro para as próximas gerações.
Utiliza-se a economia ecológica e os princípios de prevenção e de precaução nesse trabalho para o embasamento da discussão sobre uma proposta de desenvolvimento sustentável para o Vale do Rio Pardo. Muitas pessoas dependem diretamente da Agricultura e da multiplicidade dos mercados agrícolas e não-agrícolas para a sobrevivência de suas famílias. O desenvolvimento sustentável e a economia ecológica, baseados nos princípios de prevenção e precaução, podem indicar novos caminhos para a evolução de uma "nova" agricultura, livre da dependência de mercados únicos, baseados na especialização e na degradação do ambiente e no prejuízo da saúde humana.
A diversificação da propriedade para que, aos poucos, os agricultores do Vale do Rio Pardo se tornem os agentes da mudança do panorama econômico vigente pode ser um dos marcos para a transformação social, cultural e ambiental presente, passando eles de meros expectadores a propulsores da própria mudança.


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