A Proibição de Excesso como instrumento do Desenvolvimento Sustentável The Prohibition of Excess as a Tool for Sustainable Development

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II Congresso Jurídico e II Encontro Técnico-Científico em Direito no Mato Grosso do Sul

A Proibição de Excesso como Instrumento do Desenvolvimento Sustentável The Prohibition of Excess as a Tool for Sustainable Development Marcelo Farina de Medeiros** Resumo: O desenvolvimento nacional é objetivo fundamental do Brasil e, importante instumento de combate à pobreza, que é um dos principais problemas ambientais no mundo. O crescimento econômico, entretanto, não tem refletido desenvolvimento, pois, pautado no modelo liberal de produção e consumo, vem comprometendo os recursos naturais que dão susentação à vida. O mundo reclama um processo de reformulação do crescimento, de modo a compatibilizá-lo à preservação ambiental. Fundamental à promoção do desenvolvimento sustentável são as normas do direito ambiental. Sua elaboração, contudo, tem sofrido influências ideológicas e, o Brasil testemunhou discussões acaloradas entre ambientalistas e ruralistas quando da discussão e votação do Código Florestal. Parte do movimento ambientalista prega que direitos coletivso podem esvaziar direitos individuais, ainda que a Constituição Federal consagre sua coexistência, ambos como direitos fundamentais do ser humano. O princípio da proibição de excesso às normas limitadoras de direitos fundamentais surje como um instrumento de compatibilização vertical entre normas constitucionais e infraconstitucionais, visando o desenvolvimento nacional sustentável, de modo que a promoção de direitos coletivos não esvazie direitos individuais. Palavras chave: Direitos fundamentais; proibição de excesso; desenvolvimento sustentável. Abstract: Development is a Brazilian constitutional objective, and important to reduce or eliminate poverty, which is the greatest global environmental problem. Despite the need for economic growth, it has been jeopardizing the natural resources also fundamental to life. The world turned their attention for the reformulation of the productive process, so that the production and the economic growth do not compromise the environmental preservation. Considering the need to promote a sustainable development we have environmental laws to the preservation of the natural resources. In Brazil, the process to do the Forestry Code has shown hard discussions between environmentalists and farmers, when environmentalists defends that collectives rights can compromise individual rights, in spite of the systematic constitutional order to coexistence between individual and collective rights, both fundamental human rights. Is that it points out the principle of prohibition of excessive rules limiting fundamental rights, in order to guarantee that the protection of collective rights don’t compromise the individual rights Keywords: Fundamental human rights; prohibition of excess; sustainable development. 1.

Introdução O presente trabalho tem por escopo abordar o princípio constitucional da proibição

de excesso às normas limitadoras de direito fundamental no direito ambiental. Diante deste, e levando-se em consideração a visão sistemática do ordenamento jurídico, demonstra-se a coexistência entre direitos individuais e coletivos, renovando o sistema capitalista de 

Área temática: Direito e sustentabilidade Mestrando em direito pela Universidade de Marília – UNIMAR (www.unimar.br), Especialista em direito público pela Universidade Potiguar – UNP, Advogado e Consultor Jurídico na área de Direito Empresarial. **

Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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produção e consumo, em prol de um desenvolvimento nacional sustentável, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (Art. 3º, II, da Constituição Federal). Até pouco tempo economia e meio ambiente eram tratados como linhas paralelas que não se encontravam. Os fatores de produção simplesmente ignoravam a necessidade da preservação dos recursos naturais necessários à produção, tendo-os como mero recurso, daí a origem da expressão recurso natural. O modo de vida ocidental contribui para um padrão de produção e consumo não sustentáveis. O crescimento econômico, entretanto, é imprescindível ao desenvolvimento nacional, uma vez que gera inovação tecnológica e combate a pobreza. Segundo o relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento “a pobreza é uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais no mundo”1 e, o crescimento econômico “[...] é absolutamente essencial para mitigar a grande pobreza que se vem intensificando na maior parte do mundo em desenvolvimento”2. Crescimento econômico, no entanto, por si só não reflete desenvolvimento. Crescimento desacompanhado de transformação social é mera modernização e, “[...] na modernização, mantém-se o subdesenvolvimento [...]”3. Desenvolvimento então pressupõe crescimento econômico, social e ecológico, ou seja, crescimento socioeconômico. A promoção do crescimento no Brasil, contudo, tem-se restringindo a estímular o consumo e, isto traz uma preocupação relevante: o crescimento econômico deve ser capaz de manter o progresso humano. A população mundial já ultrapassou a marca dos 7 (sete) bilhões de pessoas e, até 2030 a previsão é que esta marca atinja os 8,3 bilhões4. Mais grave é que De acordo com a última versão do relatório O Estado do Mundo, publicado no ano passado pelo The Worldwatch Institute com versão brasileira confeccionada e divulgada pelo Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, nos últimos 50 anos o consumo cresceu seis vezes, ao mesmo tempo em que a população cresceu apenas 2,2 vezes. Em outras palavras: O consumo,por pessoa cresceu três vezes5.

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Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001, p. 4. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-BrundtlandNosso-Futuro-Comum-Em-Portugues. Acesso em 01 dez. 2012. 2 Op. cit. p. 1. 3 BERCOVICI. G. Constituição Econômica e Desenvolvimento: Uma leitura a partir da Constituição Federal de 1.988, São Paulo: Malheiros, 2005, p. 53. 4 MCGOURTY, C. Cientista Britânico prevê ‘catástrofe’ em 2030 com aumento da população, in: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/03/090319_catastrofe2030_ba.shtml. Acesso em 13 ago. 2012. 5 WALDMAN, M. Consumo global cresce mais que a população, in: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,consumo-global-cresce-mais-que-a-populacao--,778544,0.htm. Acesso em 31 jan. 2013. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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A conta é simples: Se a população mundial crescerá 1,3 bilhões de habitantes em dezoito anos e, o consumo cresce três vezes em relação à população, significa que nos próximos dezoito anos o consumo crescerá equivalente a quase quatro bilhões de pessoas, ou seja, em pouco tempo o consumo mundial aumentará quase 60% em relação ao atual, o que, segundo John Beddington será capaz de gerar uma catástrofe mundial em relação às demandas de água, energia e alimentos6. A China bem traduz o exposto: É o maior exemplo contemporâneo de crescimento econômico no mundo, mas, não teve desenvolvimento, pois, Um terço dos rios e 75% dos lagos do país estão contaminados. Das vinte cidades mais poluídas do mundo, dezesseis são chinesas. Mais de 750000 pessoas morrem por ano em decorrência da água e do ar pútridos no país. As fábricas movidas a carvão criaram vilarejos doentes, nos quais a taxa de 7 tumores malignos é altíssima .

Não há dúvidas sobre a necessidade de quebrar o paradigma liberal de produção e consumo, em prol de um desenvolvimento que respeite a capacidade de regeneração dos recursos naturais renováveis e, busque alternativas aos não renováveis. O direito ambiental é essencial para o desenvolvimento sustentável, impondo sanções às agressões aos recursos naturais, através de sua faceta repressiva e, instituindo compensação por serviços ambientais aos promoventes do desenvolvimento sustentável, através de sua faceta promocional. A faceta repressiva do direto ambiental, contudo, tem sido mal compreendida, pregando-se, por alguns setores, que teria esvaziado direitos individuais, como, por exemplo, a propriedade privada. Trata-se de interpretação influenciada por ONGs financiadas com capital internacional, no intuito de mitigar a expansão agrícola nacional. Não é nenhum segredo que países desenvolvidos gastam elevadas quantidades de dinheiro público com subsídios para manterem-se no mercado mundial de alimentos. José Affonso da Silva lembra que os países desenvolvidos já tentaram impor limites ao crescimento dos subdesenvolvidos, sob o pretexto de conter o avanço da poluição mundial8, sendo que isto foi oficialmente rechaçado pelo Brasil, que se manifestou que “não é válida qualquer colocação que limite o acesso dos países subdesenvolvidos ao estágio de sociedade industrializada, sob pretexto de conter o avanço da poluição mundialmente”9. Reportagem veiculada na Folha do Estado de S. Paulo destacou que as exportações agrícolas norte-americanas à China tiveram queda de 14% no ano fiscal de 2012, sendo que a 6

Apud MCGOURTY, Op. cit. CARELI, C. Desenvolvimento, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril, Dezembro de 2010. 8 SILVA, J.A. da. Direito Ambiental Constitucional, 2ª ed, rev., 2ª triagem, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 7. 9 BRASIL, II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/1979), p. 73. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/anexo/ANL6151-74.PDF. Acesso em 03 jan. 2013. 7

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principal causa desta significativa perda foi a preferência dos asiáticos pelo mercado da América do Sul, sobretudo o brasileiro10. Devemos atentar, outrossim, que “a Europa detinha 7% das florestas do planeta e hoje conta com mísero 0,1%. Nos Estados Unidos, quase não há mais terras disponíveis para produzir alimentos”11, enquanto que o Brasil ainda “[...] dispõe de 9% a 12% de terras ociosas para a expansão da agropecuária” 12 e, ainda “[...] mantém intocados 61% dos recursos naturais” 13 existentes no país. Aliás, segundo a Associação do Comércio Exterior do Brasil, as commodities são responsáveis por mais de 70% (setenta por cento) das receitas de exportação do país 14. Em suma, não há espaço questionamentos sobre a necessidade de proteção ambiental, contudo, a importância deste macrobem, por si só, não justifica a conspurcação do direito de propriedade. Cristiane Derani destaca que tanto os direitos individuais e a livre iniciativa, como a liberdade de viver num ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, traduzem preceitos constitucionais impositivos – ambos – estritamente ligados à dignidade da pessoa humana15, ou seja, não há possibilidade de se optar entre proteção ambiental ou direito individual de propriedade, posto que ambos são imprescindíveis ao desenvolvimento nacional e à existência digna. A Ordem Econômica nacional é pautada no sistema capitalista de mercado, privilegiando-se a livre iniciativa e propriedade privada dos bens de produção 16, entretanto, visando arrumar os equívocos do capitalismo selvagem liberal, aos direitos individuais foi imposta uma função social, enaltecendo a figura do desenvolvimento sustentável como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil17.

2. Noções sobre desenvolvimento sustentável

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ZAFALON, M. Agronegócio dos EUA perde espaço na China. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/maurozafalon/1052696-agronegocio-dos-eua-perde-espaco-nachina.shtml. Acesso em 16 fev. 2013. 11 CARELI, C. Desenvolvimento, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril, Dezembro de 2010. 12 SABINO. Marco Antonio. O desafio de ser grande, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril, Dezembro de 2010. 13 Globo Rural. O Brasil discute como produzir e preservar, in: Revista Globo Rural: A tecnologia que dá vida ao solo, Edição 320, de junho de 2012, Editora Globo. 14 Associação de Comércio Exterior do Brasil – AEB. Radiografia do Comércio Exterior Brasileiro: Passado, Presente e Futuro, p. 7. Disponível em: http://www.aeb.org.br/userfiles/file/AEB%20%20Radiografia%20Com%C3%A9rcio%20Exterior%20Brasil.pdf. Acesso em 14 ago. 2012. 15 DERANI, C. Direito Ambiental Econômico, 3ª ed., 2 triagem, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 221. 16 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 170, caput, e inciso II. 17 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigos 3º, inciso II c/c 170, inciso III, c/c 225, caput. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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A expressão desenvolvimento sustentável surgiu em 1980 num documento elaborado em conjunto pela International Union for Conservation of Nature – IUCN e World Wide Fund for Nature – WWF, denominado World Conservation Strategy, por solicitação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. A partir deste documento foi formada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e, desta comissão surgiram importantes estudos e propostas para o alcance do desenvolvimento sustentável, que inclusive contribuiram para o conceito deste como sendo o aquele desenvolvimento “[...] que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades” 18. O desenvolvimento sustentável pressupõe uma transformação no processo de crescimento econômico, agregando-lhe crescimento social através de uma mudança na exploração dos recursos naturais, tendo em vista a equidade intergeracional. A expressão, contudo, não fica a salvo de críticas. Barbieri lembra que há quem diga que se falar em desenvolvimento sustentável representa um anacronismo, posto que o desenvolvimento sugere crescimento econômico e alterações no padrão de vida e sistema produtivo, sobretudo a industrialização19. Este pensamento vem respaldado na idéia utilizada pela Organização das Nações Unidas na classificação dos países como desenvolvidos ou em desenvolvimento, que leva em conta aspectos econômicos como a industrialização, a economia e o Produto Nacional Bruto, quando o ideal seria que se levasse em conta também o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH. Este é medido de acordo com a longevidade da população, o nível educacional, taxas de alfabetização, paridade do poder de compra, ou seja, alia o aspecto econômico à mudança social. Para se ter noção da tamanha disparidade das medições comparadas, enquanto o Brasil figura como a sexta economia do mundo, segundo o ranking auferido pelo tamanho do Produto Interno Bruto – PIB do país20, levando-se em conta o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH o país aparece somente na 84ª posição 21, atrás de países pobres como o Equador, o Kuwait, a Malásia e Cazaquistão, dentre vários outros.

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Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001, p. 46. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-BrundtlandNosso-Futuro-Comum-Em-Portugues. Acesso em 01 dez. 2012. 19 BARBIERI, J.C. Desenvolvimento e Meio Ambiente: As estratégias de mudanças da Agenda 21, 4ª ed., rev. e atual., Petrópolis: Vozes, 2001, p.28. 20 NETTO, A. Brasil encerra 2011 como a 6ª maior economia do mundo, diz consultoria. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-encerra-2011-como-a-6-maior-economia-do-mundo-dizconsultoria--,815573,0.htm. Acesso em 02 dez. 2012.s 21 PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Ranking do IDH Global 2011. Disponível em: http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/IDH_global_2011.aspx?indiceAccordion=1&li=li_Ranking2011. Acesso em 02 dez. 2012. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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Não bastam índices de crescimento econômico para se falar em desenvolvimento, que pressupõe crescimento socioeconômico. Os incisos do parágrafo único do primeiro artigo do Código Florestal informam que o fundamento central da norma ambiental é uso produtivo dos recursos naturais em harmonia com sua preservação, ou seja, privilegia o direito de propriedade e sua função social. O desenvolvimento sustentável impõe a utilização racional dos recursos naturais renováveis e, o comedido dos recursos naturais não renováveis, ou seja, utilização dequada à sua capacidade de regeneração e, incapaz de levar ao esgotamento, respectivamente. Falar em desenvolvimento sustentável, em suma, visa a interação entre a atividade econômica e a proteção ambiental, em respeito à visão do direito como um sistema jurídico coordenado e coerente, tal qual imposto pela Constituição Federal.

3. Direito como sistema jurídico Superados o jusnaturalismo e o positivismo jurídico surge o pós-positivismo, irradiando valores supralegais às normas, visando o alcance de justiça. No pós-positivismo ocorre a normatização de valores através de princípios, que orientam toda e qualquer norma a ser elaborada, serve de vetor interpretativo na aplicação normativa e, também a declarar inconstitucionais aquelas a eles contrárias. A ordenação jurídica pós-positivista se constrói sobre a constitucionalização do direito, concentrando numa norma hipotética fundamental princípios programáticos e direitos fundamentais que orientam a elaboração ou recepção de todo ordenamento jurídico infraconstitucional. Segundo Bobbio, é pressuposto de um sistema jurídico a compatibilidade entre suas normas, não querendo assim dizer que há um encaixe perfeito entre elas, mas, sim que as antinomias devem ser afastadas22. Aliás, o princípio da unidade da constituição impossibilita a opção entre uma norma constitucional ou outra, impondo, em caso de antinomia jurídica constitucional, uma ponderação dialética entre ambas para se chegar à norma aplicável. Impõe-se conter excessos de normas restritivas de direitos fundamentais, enaltecendo a importância do princípio da proibição de excesso como garantidor da ordem constitucional. Direitos fundamentais são “[...] além de fundamentais, inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque participam de um contexto histórico,

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BOBBIO, N.; trad. Maria Celeste C. L. Santos. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 80. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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perfeitamente delimitado”23, logo, a restrição a estes deve ser realizada na estrita medida do necessário. A noção sobre desenvolvimento sustentável reside justamente na conciliação entre preservação ambiental e crescimento econômico, tal qual previsto na constitucionalização da Ordem Econômica (Art. 170, caput e, incisos II, III, IV, V e VI). Segundo Eros Grau, a interpretação da Ordem Econômica constitucional deve ser ponderativa, haja vista a coexistência princípios jurídicos explícitos e implícitos do texto constitucional24. José Affonso da Silva completa dispondo que a hermenêutica constitucional busca desvendar o sentido da constituição como um todo, ou seja, busca não só interpretar suas palavras, mas principalmente sua idéia fundante, que pode ser desvendada pela análise conjunta do preâmbulo, princípios e objetivos fundamentais 25. Nesta análise, destacam-se o objetivo de justiça social, de desenvolvimento nacional, de erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais, e os meta-princípios da dignidade da pessoa humana, soberania, democracia, cidadania, valor social do trabalho e da livre iniciativa. Confrontando os princípios e objetivos constitucionais é possível sintetizar que a idéia fundante da Constituição Federal é o desenvolvimento sustentável pautado na dignidade da pessoa humana, ou seja, um crescimento nacional que agregue mudança social erradicando a pobreza e as desigualdades, ao mesmo tempo que valoriza o trabalho humano e garante a continuidade da humanidade pela manutenção das condições ambientais necessárias às presentes e futuras gerações. Não basta, portanto, a interpretação literal de normas constitucionais isoladamente, mas antes, deve-se buscar uma hermenêutica sistemática contextual, uma vez que “[...] Jamais se interpreta um texto normativo, mas sim o direito, não se interpretam textos normativos constitucionais, isoladamente, mas sim a Constituição, no seu todo. Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços”26. Na hermenêutica constitucional sobre a Ordem Econômica, portanto, deve o intérprete buscar a conciliação entre produtividade e preservação ambiental, em prol de um desenvolvimento sustentável e, nesta tarefa se sobrepõe a importância do princípio da proibição de excesso nas normas limitadoras de direitos fundamentais.

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BULOS, U.L. Constituição Federal anotada, 8ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 106. 24 GRAU, E.R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 163/164. 25 SILVA, J.A. da. Comentário contextual à Constituição, 6ª ed. atualizada até a Emenda Constitucional 57, de 18.12.2008, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 15/19. 26 GRAU, E.R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 164. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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4. Princípio da proibição de excesso A conciliação entre tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado e manutenção do sistema produtivo na ordem econômica, sobretudo da livre iniciativa e da propriedade privada, não é tarefa das mais fáceis. O ponto de partida desta empreitada é a ciência de que o ordenamento jurídico nacional é sistemático e, como tal impõe a coexistência entre direitos individuais e coletivos. Tanto no rol dos direitos fundamentais do ser humano, como na ordenação da Ordem Econômica, a Constituição Federal se fundamenta no desenvolvimento sustentável, através da conciliação de propriedade privada dos bens de produção à preservação e proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. A propriedade privada é fruto de intensas revoluções sociais e, como toda conquista mediante suor e sangue, a sociedade impôs sua conservação como direito individual constitucional insusceptível de qualquer tendência de abolição (Art. 60, § 4º, IV, Constituição Federal). O princípio da proibição de excesso entra exatamente na conciliação entre os direitos fundamentais individuais e coletivos, fazendo com que a preservação de um não importe na conspurcação do outro, revelando-se um instrumento de justiça. O “[...] princípio da proibição do excesso constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um ‘limite do limite’ ou uma ‘proibição de excesso’ na restrição de tais direitos”27. “O Direito não é o valor mais alto, mas o que condiciona os demais; não é a vida, mas a garantia precípua da vida em sociedade” 28, ou seja, uma ferramenta de se fazer justiça. Partindo desta premissa, necessário se faz a “[...] objetivação do justo no tempo [...]”29, revelando a faceta do Direito como fato social, ao ponderá-lo diante de uma análise social e histórica. Assim, mediante o conhecimento do fato a ser tutelado pelo direito e do seu valor no contexto histórico e social é que se legitima a limitação de um direito individual do ser humano, através da normatização de um outro direito, ainda que coletivo, revelando a faceta do Direito como norma jurídica. Temos então direito sobre a concepão da Teoria Tridimensional do Direito, segundo a qual fato, valor e norma são requisitos conjuntos à normatização de qualquer conduta.

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Suspensão de Tutela Antecipada – STA 233/RS, Decisão da Presidência Ministro Gilmar Mendes, DJe de 30.04.2009. 28 REALE, M. O Direito e a problemática do seu conhecimento, in: Horizontes do Direito e da História, 3ª ed. rev. e aum., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 284. 29 Op. cit. p. 285 – grifo do autor. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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Normas jurídicas são ferramentas de organização da vida em sociedade, logo, fixados constitucionalmente os direitos individuais fundamentais do ser humano, suas limitações legais, além de ser em prol do próprio ser humano, devem ser compatíveis à manutenção daqueles direitos, ou seja, uma norma infraconstitucional que restrinja direito fundamental imotivadamente deve ter sua inconstitucionaliade declarada. A normatização tutela ambiental, muitas vezes influenciada por ideologias, acabou travando uma batalha entre setores sociais rotulados de ambientalistas e ruralistas. Em especial nos últimos anos, ao invés de aperfeiçoar o conhecimento do fato – meio ambiente – e atribuir-lhe o valor necessário à sua normatização, cada uma dos “lados” acima apontados tentou privilegiar sua ideologia, destoando-se do fato que qualquer normatização deve atender precipuamente os ditames constitucionais, sobretudo os fundamentais. Assim, a normatização ambiental deve ser analisada em conjunto aos fatores econômicos, sobretudo o direito de propriedade. “[...] Não pode o estudioso do direito quedar-se alheio aos movimentos econômicos, sob pena de uma insuficiente compreensão do conteúdo e das condições oferecidas pelas prescrições que compõem a ordem econômica [...]”30. A análise da faceta do direito como justiça reclama a ponderação da norma diante do sistema jurídico e, esta ponderação é feita mediante razoabilidade, proporcionalidade e proibição do excesso. Eros Grau destaca que o princípio da proibição do excesso revela uma adequação entre atos das três esferas do Poder Público e, tem natureza jurídica, segundo a classificação de Canotilho, de princípio jurídico fundamental, assim entendidos aqueles historicamente conquistados e progressivamente inseridos nacultura jurídica constitucional31. O princípio constitucional da proibição de excesso às normas limitadoras de direitos fundamentais está estritamente relacionado aos igualmente princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia.

4.1.

Proibição de excesso e proporcionalidade O princípio constitucional da proporcionalidade decorre do meta-princípio da

dignidade da pessoa humana (Art. 1º), pois, trata-se de um instrumento garantidor de direitos fundamentais do ser humano. “O princípio da proporcionalidade, como uma das várias idéias

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DERANI, C. Direito Ambiental Econômico, 3ª ed., 2 triagem, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 223. GRAU, E.R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 157. 31

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jurídicas fundantes da Constituição, tem assento justamente aí, nesse contexto normativo no qual estão introduzidos os direitos fundamentais e os mecanismos da respectiva proteção” 32. O Poder Legislativo, portanto, deve ponderar não só a finalidade da norma, mas, também os meios necessários ao seu alcance. Estes meios necessários devem ser elencados de forma a iterferir o mínimo possível na esfera de outros direitos constitucionalmente assegurados, em especial quando estes forem tratados como fundamentais. Este controle de limitabilidade e coexistência entre direitos fundamentais individuais e coletivos é realizado pela proporcionalidade ou proibição de excesso, que autorizam, dentro do sistema de freios e contrapesos da separação dos poderes, o controle judiciário de constitucionalidade da norma elaborada em despoporcionalidade entre seus fins almejados e os meios positivados para tanto. A proporcionalidade então precisa ser compreendida junto ao subprincípio da necessidade, dela decorrente, chamando o princípio da proibição de exceso a assumir “[...] o papel de ‘um controle de sintonia fina’ (Stimmigkeitskontrolle), indicando a justeza da solução encontrada ou a necessidade de sua revisão”33, diante do sistema constitucional. Segundo Gilmar Mendes a doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso (Verhältnismässigkeitspronzip; Übermassverbot), que se revela mediante contraditoriedade, incongruência, e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins 34. Conclui-se, portanto, que o meio elencado pela norma para atingir seu objetivo deve ser necessário, aproximandose da idéia de isonomia constitucional tratada por Celso Antônio Bandeira de Melo.

4.2.

Proibição de excesso e isonomia O princípio da isonomia reflete duas faces: Isonomia na Lei, voltada ao Poder

legislativo quando da elaboradoração de uma norma; e Isonomia perante a Lei, voltada ao magistrado quando for julgar um caso concreto.

32

BARROS, S. de T. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 93. 33 MENDES. O Princípio da Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas leituras, in: Revista Diálogo Jurídico, ano I, Vol. I, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001-GILMAR-MENDES.pdf. Acesso em 16 dez. 2012. 34 MENDES. G. Op cit. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o objetivo fundamental da qualquer norma é discriminar situações atribuindo-lhes efeitos jurídicos35 e, que [...] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição36.

Em suma, a lição supra revela serem proibidas discriminações legais gratuitas e que afrontem direitos e interesses constitucionalmente protegidos, ou seja, direitos individuais e coletivos. Discriminações gratuitas são as desnecessárias ao alcance do objetivo da norma, ou seja, todas as discriminações ou limitações legais que forem desnecessárias ou não determinantes ao seu respectivo objetivo, afrontam a isonomia e, como tal, devem ter sua inconstitucionalidade reconhecida. Sintetizando seus ensinamentos, Celso Antônio Bandeira de Mello lança uma fórmula de compatibilização vertical das normas à isonomia constitucional, segundo a qual as limitações ou discriminações legais devem ser observadas sobre três indagações: I. Qual é discriminação da lei? II. Qual é o objetivo final desta Lei? III. O fator discriminatório imposto pela Lei é essencial ao alacance so seu objetivo final? 37 Em suma, a discriminação legal, a limitação imposta pela norma, deve ser necessária ao alcande da sua finalidade e, esta estar de acordo com os princípios, objetivos e normas previstos na Constituição Federal. No

caso

do

desenvolvimento

sustentável,

não



dúvidas

quando

a

constitucionalidade da finalidade das normas ambientais, entretanto, estas devem ser elaboradas na medida do necessário ao objetivo de manutenção do equilíbrio ecológico, evitando-se, ou restingindo-se ao máximo, colisões com outros direitos fundamentais. Tal normatizaçao [...] deve ser feita de forma equilibrada e, na justa medida do necessário, sobretudo quando implicam no desequilíbrio entre os ônus que devem ser suportados pela coletividade e pelo indivíduo, fazendo com que eles recaiam majoritariamente sobre o indivíduo, em ‘benefício’ da sociedade 38.

Há, portanto, limites constitucionais à discricionariedade legislativa, de modo que a não observância destes limites implica em inconstitucionalidade da norma.

35

MELLO, C.A.B.de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed. 19ª triagem, São Paulo: Malheiros, 2010, p. 13. 36 Op. cit. p. 17 – grifo do autor. 37 Op. cit. p. 21. 38 ANTUNES, P. de B. Áreas Protegidas e Propriedade Constitucional, São Paulo: Atlas, 2011, p. 25. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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4.3.

Proibição de excesso e controle de constitucionalidade Como o princípio da proibição de excesso decorre dos princípios da isonomia e da

proporcionalidade, a previsão constitucional da isonomia e, [...] o reconhecimento da normatividade constitucional do princípio da proporcionalidade legitima-o a figurar como fundamento do recurso extraordinário, nos termos do inciso III do art. 102 da CF. Em relação à declaração de inconstitucionalidade, além de viabilizar o controle difuso das leis, sua inobservância pelo legislador pode ensejar o controle abstrato dos 39 atos legislativos, por meio da ação direta (art. 102, I, a) .

Gilmar Mendes destaca o pioneirismo do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos pelo princípio da proibição de exceso ao Bundesverfassungsgericht, a Corte Constitucional Alemã, cujo julgamento em 1971 externou a posição que Os meios utilizados pelo legislador devem ser adequados e necessários à consecução dos fins visados. O meio é adequado se, com a sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado; é necessário se o legislador não dispõe de outro meio eficaz, menos restritivo aos direitos fundamentais 40.

A corte alemã reconhece a proibição de excesso como norma constitucional implicita, ressalvando, entretanto, que “uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz o Bundesverfassungsgericht, ‘se puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas’” 41. Em Portugal, a Constituição Federal já abraçou expressamente a proibição de excesso como limite constitucional ao Poder Legislativo. Segundo o texto constitucional português: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”42. O direito comparado nos ensina que o princípio da proibição de excesso, seja ele previsto textualmente na Constituição Federal, seja ele direito constitucional implícito, serve ao controle de constitucionalidade das normas, uma vez que a sistemática constitucional impõe a coexistência de direitos individuais e coletivos e, que ambos devem limitar-se recipocamente na justa medida do necessário.

39

BARROS, S. de T. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 91/92 – grifo do autor. 40 Apud MENDES. G. O Princípio da Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas leituras, in: Revista Diálogo Jurídico, ano I, Vol. I, 2001, disponível em http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001-GILMAR-MENDES.pdf. Acesso em 16 dez. 2012. 41 MENDES. Op. cit. 42 PORTUGAL, Constituição (VII Revisão Constitucional), Artigo 18, 2, disponível em: http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx. Acesso em 17 dez. 2012. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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O Brasil também admite controle de constitucionalidade através da proibição de excesso. Ainda sob a vigência da Constituição Federal de 1967 com a emenda de 1969, o Supremo Tribunal Federal declarou parcial inconstitucionalidade da Lei 383/80, do Estado do Rio de Janeiro, sob o fundamento de que havia desproporcionalidade entre o objetivo da norma e os meios por ela elencados. Tratava-se da análise sobre a constitucionaliade de uma taxa judiciária, oportunidade na qual o Ministro Relator Moreira Alves enfatizou que Embora não se exija que o quantum da taxa corresponda exatamente ao valor dos serviços prestados, poderá ela disfarçar um verdadeiro imposto quando sua alíquota estabeleça evidente desproporção. Deve haver, pois, uma equivalência aproximada entre o valor da taxa e o custo da atividade estatal desenvolvida 43.

Este caso é considerado o primeiro caso de controle de constitucionalidade pelo princípio da proibição de excesso no Brasil. Sob a vigência da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal também declarou inconstitucionalidade de lei sob o fundamento da proinbição de excesso e, o caso abaixo trata justamente de norma ambiental, cuja discriminação elencada excedeu os limites do necessário ao fim almejado e, com isso conspurcava o direito individual de propriedade privada: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL. PROIBIÇÃO DE PLANTIO DE EUCALIPTO PARA FINS DE PRODUÇÃO DE CELULOSE. DISCRIMINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AOS POSTULADOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. DIREITO DE PROPRIEDADE. TEMA DE DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. 1. Vedação de plantio de eucalipto no Estado do Espírito Santo, exclusivamente quando destinado à produção de celulose. Ausência de intenção de controle ambiental. Discriminação entre os produtores rurais apenas em face da destinação final do produto da cultura, sem qualquer razão de ordem lógica para tanto. Afronta ao princípio da isonomia. 2. Direito de propriedade. Garantia constitucional. Restrição sem justo motivo. Desvirtuamento dos reais objetivos da função legislativa. Caracterizada a violação ao postulado da proporcionalidade44.

Trata-se, o caso supra, de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade em face da Lei 6.780/2001, do Estado do Espirito Santo, a qual vedava plantio de eucalipto para produção de celulose. Segundo a norma, tal vedação serviria a proteção do meio ambiente e, portanto, a discriminação legal teria sua constitucionalide referendada na função social da propriedade. O pleno do Supremo Tribunal Federal, contudo, entendeu a limitação legal como destoante dos

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Representação nº 1.077/RJ, Relator Ministro Moreira Alves, DJ. 28.09.1984 – grifo nosso. 44 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2623/ES, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ 14.11.2003. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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princípios da proporcionalidade e isonomia e, como limitava gratuitamente o direito fundamental da propriedade privada, a declarou inconstitucional45. É inadmissível debater a necessidade da tutela do meio ambiente, entretanto, o Brasil tem dimensão continental onde coexistem seis diferentes biomas e diversos ecossistemas, logo, a normatização da tutela ambiental deve atender a teoria tridimensional do direito e, antes de impor limites a outros direitos constitucionalmente assegurados, deve-se aprofundar o conhecimento do fato a ser tutelado, o que pode ser alcançado mediante mapeamento agroecológico dos imóveis rurais nacionais. A Lei 12.651/2012 avançou neste ponto ao impor a todo o território nacional o dever de realização de um Cadastro Ambiental Rural – CAR, que é justamente um mapeamento agroecológico dos imóveis rurais nacionais. Nas metragens de mata ciliar consideradas Áreas de Preservação Permanente, entretanto, não se vê igual avanço. Não existe comprovação ou estudo científico demonstrando ser necessário à estabilidade geológica da borda de cursos d’água de largura de 601 metros, a manutenção de mata ciliar intocada de quinhentos metros de extensão. Nem na exposição de motivos do Código Florestal atual, nem na do Código Florestal passado e, tampouco nas Leis 7.51/861 e 7.803/1989 há uma explicação sobre a necessidade das larguras de mata ciliar impostas às Áreas de Preservação Permanentes. O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n.º 1.876/99 estabelecia que as metragens limite das Áreas de Preservação Permanente seriam estabelecidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente–CONAMA e, observado o mínimo ali estipulado, os Estados Federados e Municípios estabeleceriam metragens outras visando atender peculiaridades locais (Art. 2º, §§ 2º e 3º). É importante destacar que tano o CONAMA, que seria reponsável pelas delimitações gerais, quanto o SINIMA, órgão responsável pelo registro do Cadastro Ambiental Rural–CAR nacional, são órgãos do Ministério do Meio Ambiente, logo, o Projeto de Lei 1.876/99 se mostrava mais coerente do que o código aprovado quanto as limitações de matas ciliares por Áreas de Preservação Permanente, uma vez que estas seriam estipuladas pelo órgão conhecedor do fato diante de informações detalhadas sobre todos os imóveis rurais do Brasil pelo CAR, aliando preservação ambiental ao desenvolvimento econômico, na justa medida do necessário. Não obstante a importância do macro-bem ambiental, não se pode aceitar que todo o ônus da preservação ambiental recaia sobre uma pequena parcela da população, pelo simples fato de serem proprietários rurais. Isto é constitucionalmente proibido. 45

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2623/ES, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ 14.11.2003. Campo Grande, 1º e 2 de julho de 2012. Realização: FADIR/UFMS. Apoio: FUNDECT

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O equilíbrio ambiental é interesse difuso e a todos aproveita, logo, sua preservação recai igualmente a todos. O artigo 225, da Constituição Federal dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecológicamente equilibrado e, impõe também a todos – Poder Público e sociedade – o dever de defendê-lo e preservá-lo46. Assim, o Supremo Tribunal Federal externou posicionamento de que O preceito consubstanciado no ART.225, PAR. 4, da Carta da República, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias a preservação ambiental. – A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5., XXII).47

As discriminações provenientes da função repressiva do direito ambeintal, portanto, assim como toda e qualquer norma restritiva de direito funamental, devem ser feitas na medida do necessário, ou seja, mediante prévio conhecimento do fato, para se restrinja àquele quantum imprescindível à proteção do local especialmente protegido. O restante – o plus – deve ser objeto da função promocional do direito ambiental, que já vem sendo realizado através de pagamento por serviços ambientais, incentivos fiscais e, em último caso, desapropriação por interesse público mediante justa e prévia indenização, nos termos do artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal, combinado com o artigo 5º, do Decreto-lei nº 3.365/41.

5. Conclusão A Ordem Econômica constitucional impõe às atividades produtivas respeito ao meio ambiente ecológicamente equilibrado. Os bens de produção são de propriedade privada e, a hermenêutica constitucional impõe a conciliação entre direitos individuais e coletivos. Na Ordem Econômica isto reflete a coexistência entre propriedade privada dos meios de produção e respeito às limitações ambientais. Assim, diante da sistemática constitucional, o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de desenvolvimento nacional (Art. 3º, II, CF) deve ser lido como desenvolvimento nacional sustentável. O desenvolvimento nacional é promovido pela atividade econômica privada, enquanto que a sustentabiliade impõe limitações ambientais à propriedade privada, que, por

46

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 225, caput. BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 143.297/SP, Primeira Turma, relator Ministro Celso de Mello, DJ de 22.09.1995. 47

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sua vez, é considerada cláusula pétrea (Art. 60, § 4º, IV, CF). É necessário, portanto, a existência de um instrumento conciliador das limitações ambientais aos fatores de produção, ou seja, ao mesmo tempo que é legítima a imposição de uma limitação ambiental ao processo produtivo, esta limitação ambiental também encontra limites, impostos explícita ou implícitamente pela Constituição Federal (Art. 5º, § 2º, CF). É exatamente na conciliação entre os direitos individuais e coletivos que aparece o princípio da proibição de excesso como instrumento limitador de normas limitadoras de direitos fundamentais, revelando uma ferramenta de controle de constitucionalidade das normas cujo fator discriminatório não seja elencado pelo conhecimento do fato a ser tutelado, ou seja, cuja limitação a direito fundamental se mostre mera liberalidade do legislador. Em suma, a proibição de excesso é uma espécie de isonomia substancial que visa conciliar, de forma duradoura e estável, a coexistência entre direitos individuais e coletivos, em prol de um desenvolvimento nacional sustentável.

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BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta Inconstitucionalidade nº 2623/ES, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 14.11.2003.

de

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 143.297/SP, Primeira Turma, relator Ministro Celso de Mello, DJ de 22.09.1995 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Representação nº 1.077/RJ, Relator Ministro Moreira Alves, DJ. de 28.09.1984. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada – STA n. 233/RS, Decisão da Presidência Ministro Gilmar Mendes, DJe de 30.04.2009. BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição Federal anotada, 8ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 56/2007, São Paulo: Saraiva, 2008. CARELI, C. Desenvolvimento, in: Revista VEJA, Edição Especial 2196, São Paulo: Abril, Dezembro de 2010. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Nosso Futuro Comum, 2ª ed., Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-EmPortugues. Acesso em 01 dez. 2012. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 3ª ed., 2 triagem, São Paulo: Saraiva, 2008. Globo Rural. O Brasil discute como produzir e preservar, in: Revista Globo Rural: A tecnologia que dá vida ao solo, Edição 320, de junho de 2012, Editora Globo. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 14ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2010. MCGOURTY, Christine. Cientista Britânico prevê ‘catástrofe’ em 2030 com aumento da população. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/03/090319_catastrofe2030_ba.shtml. Acesso em 13 ago. 2012. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed. 19ª triagem, São Paulo: Malheiros, 2010. MENDES, Gilmar. O Princípio da Proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas leituras, in: Revista Diálogo Jurídico, ano I, Vol. I, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001GILMAR-MENDES.pdf. Acesso em 16 dez. 2012. NETTO, Andrei. Brasil encerra 2011 como a 6ª maior economia do mundo, diz consultoria, Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,brasil-encerra-2011-como-a-6maior-economia-do-mundo-diz-consultoria--,815573,0.htm. Acesso em 02 dez. 2012

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