A PROPRIEDADE PRIVADA COMUM COMO MEIO DE MÁXIMA UTILIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

October 12, 2017 | Autor: Rodrigo Marinho | Categoria: Direito
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A PROPRIEDADE PRIVADA COMUM COMO MEIO DE MÁXIMA UTILIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE Private Property Common as a Means of Maximum Use and Preservation of The Environment Rodrigo Saraiva Marinho1 Resumo O presente ensaio vai tratar o meio ambiente como um recurso econômico e demonstrar que o meio ambiente é bem mais protegido quando proprietários privados comuns de recursos ambientais fazem trocas voluntárias permitindo que aquela terra tenha um maior cuidado e proteção, preservando assim o recurso escasso que é divivido entre eles. Tal abordagem será feita por meio da visão da ganhadora do prêmio Nobel de 2009, Elinor Ostrom, bem como da visão da Escola Austríaca de Economia sobre direito de Propriedade. O método encontrado para efetuar a pesquisa em apreço foi a análise bibliográfica. Palavras-chave: Propriedade privada; Meio Ambiente; Recursos Escassos.

Abstract This essay will treat the environment as an economic resource and demonstrate that the environment is much more protected when private owners of common environmental resources make voluntary exchanges allowing the land have a greater care and protection, thus preserving the scarce resource is divivido between them. Such an approach will be made through the vision of Nobel laureate 2009 Elinor Ostrom, and the vision of the Austrian School of Economics on the right to property. The method found to perform the search in question was a literature review. Keywords: Private Property, Environment, Scarce Resources.

1 Introdução O presente ensaio tem por objetivo analisar o meio ambiente como um recurso econômico e demonstrar como o direito de propriedade protege de forma mais eficiente os nossos recursos naturais.

                                                                                                                        1

Advogado. Mestrando pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Especialista pela FESAC/UECE em Direito Processual Civil. Professor das disciplinas de Processo Civil e Direito Empresarial da graduação e pós-graduação da Faculdade Christus, da Pós Graduação da Faculdade Ateneu, Professor convidado da Fundação Escola Superior de Advocacia do Estado do Ceará – FESAC.    

No presente ensaio foi analisada a visão da Prêmio Nobel de Economia, Elinor Ostrom, a qual defende como como as pessoas se organizam e colaboram para gerir recursos comuns, como florestas ou a pesca. Para demonstrar esse relação entre as pessoas e os recursos naturais foi necessário demonstrar as características da propriedade privada e a sua relação com o meio ambiente, já que essa é a forma de interação entre as pessoas e os recursos escassos que tem acesso. No presente trabalho sera demonstrado também como foi derrubada a tese da armadilha social conhecida por “tragédia dos comuns”, na qual interesses individuais se sobrepõem a um objetivo coletivo, resultando em destruição dos bens públicos e dos recursos escassos. Será destacado ainda que interesses isolados de certos grupos podem ser mais benéficos à economia e ao meio ambiente do que uma intervenção do Estado, demonstrado o interesse comum entre os proprietarios. O presente trabalho é dividido em cinco partes, sendo a próxima parte numerada, que é a segunda, sobre os aspectos gerais da direito de propriedade. A terceira irá tratar sobre o direito de propriedade no brasil. A quarta parte irá tratar sobre a relação entre o direito de propriedade e a proteção meio ambiente. A quinta parte é destinada a conclusão. O método encontrado para a análise doutrinária em livros, artigos e ensaios científicos sobre o tema direito de propriedade e meio ambiente. 2 O DIREITO DE PROPRIEDADE

Conforme explanado, os direitos fundamentais surgiram originalmente para resguardar o povo da arbitrariedade do Estado, e hoje podem ser compreendidos como princípios norteadores das ações do Estado moderno, que visam garantir a dignidade de seu povo. Dentre os diversos direitos fundamentais consagrados nos textos constitucionais atuais, sem demérito dos demais, é indiscutível a importância do direito à propriedade privada. Com efeito, tamanha é sua importância que desde as civilizações antigas, antes mesmo dos sistemas econômicos se basearem preponderantemente no acumulo de capital, já se desenvolvia a noção de propriedade privada. Mais recentemente, com o processo de constitucionalização dos direitos e a valorização dos direitos fundamentais, o direito de propriedade passou a adquirir uma nova roupagem,    

tendo sua justificativa como direito fundamental não mais exclusivamente na proteção do particular contra os abusos do Estado, mas também como forma de garantir a subsistência digna dos cidadãos e, principalmente garantir a liberdade aos mesmos. Nesse sentido, impera ressaltar as caraterísticas que seguem inerentes ao direito de propriedade observado pelo prisma dos direitos fundamentais. Observada nas civilizações antigas por meio da propriedade sobre bens móveis, no que dizia respeito às ferramentas e indumentárias utilizadas por cada indivíduo ou mesmo dos alimentos, a noção de propriedade remonta há tempos incontáveis. É valido lembrar que os seres humanos se organizavam em pequenos grupos a fim de subsistir. Tais grupos viviam preponderantemente daquilo que conseguiam extrair do ambiente em que viviam, ou seja, da coleta de frutos ou da caça. Para tanto, precisavam cobrir grandes faixas territoriais a fim de prover seu sustento, de modo que quanto maior o agrupamento de seres humanos, maior a extensão territorial necessária para manutenção desse estilo de vida2. Todavia, é notório que toda espécie viva tende a procriar transmitindo sua carga genética a seus descendentes, sendo, do ponto de vista evolucionista, mais bem sucedido nesse processo de propagação aqueles que conseguem difundir seus genes de forma mais ampla, de modo que a tendência natural das espécies é a geração da maior prole possível que, quando bem sucedida resulta em uma instintiva explosão populacional. Não obstante, há de se considerar que a oferta de terras, salvo raras exceções, mantem-se a mesma independente da população desta ou daquela espécie que a ocupe. Dessa forma, vale invocar o pensamento de Hans-Hermann Hoppe acerca do problema enfrentado pelo crescimento populacional e a limitação das terras:

Independentemente de todos os detalhes complicados, o fato é que, a partir de um determinado momento, a massa de terra disponível para ajudar a satisfazer as necessidades humanas não mais podia ser aumentada. Para utilizar um jargão econômico, a oferta do fator de produção "terra" se tornou fixa, o que significa que todo e qualquer                                                                                                                         2

HOPPE, Hans-Hermann. A origem da propriedade privada e da família. Instituto Ludwig Von Mises Brasil. Disponível em: . Acesso em, 04 mar. 2013.    

aumento no tamanho da população humana tinha de ser sustentado pela mesma e imutável quantidade de terra. Baseando-se na lei econômica dos retornos, sabemos que esta situação tem de resultar em um problema malthusiano. A lei dos retornos declara que, para qualquer combinação dos fatores de produção — no caso específico: terra e trabalho —, existe uma combinação ótima. Se esta combinação ótima não for seguida, isto é, se apenas um fator de produção for aumentado — no caso, o trabalho — enquanto o outro — a terra — for mantido constante, então a quantidade de bens físicos produzida não aumentará absolutamente nada ou, na melhor das hipóteses, aumentará em uma proporção muito menor do que o aumento do fator trabalho3.

Nesse sentido, para Hoppe, não haveria alternativas que não fossem a migração, a guerra ou a remodelagem da organização social desses grupos. A primeira, por mais longe que se fosse inevitavelmente estaria fadada ao esgotamento por força da limitação de espaços não inundados no planeta. A segunda seria demasiadamente arriscada, uma vez que inevitavelmente levaria à morte – e o que se pretendia era exatamente o oposto -, restando, tão somete a reorganização social como meio viável ao desenvolvimento4. É nesse momento da história da humanidade que os humanos se valem de duas estratégias até então inusitadas: a reorganização dos grupos familiares e uma nova forma de compreender a terra. Na primeira, passou-se a formar núcleos familiares nos quais a modificação central se deu na forma monogâmica ou poligâmica adotada por determinado grupo e cuja responsabilidade pela subsistência da prole passou a ser somente de seus genitores, fator que exigia então maior controle na geração de descendentes em face da limitada oferta de recursos e dificuldade em obtê-las. Na segunda o ser humano passou a se apropriar da terra, entendendo que era possível controla-la e deixando de se valer somente daquilo que estava à mão, tornando a terra produtiva5. Essas adaptações comportamentais levaram à possibilidade do melhor aproveitamento das porções de terras disponíveis, instigando a fixação das famílias ao solo cultivado, possibilitando ainda maior controle sobre a geração de descendentes, que passava a ser condicionado a quanto determinada terra poderia prover de sustento, fato que possibilitava o                                                                                                                         3

Ibid. Ibid. 5 Ibid. 4

   

crescimento populacional cujo reflexo em longo prazo foi nada menos que as organizações de cidades mais complexas cuja noção de propriedade já se mostrava aflorada. Com efeito, na Grécia e Itália antigas, a noção de propriedade do solo seguiu umbilicalmente ligada à família propriamente dita e à religião familiar. Esses povos cultuavam a crença de que ao se fixar em determinado território o homem e seus descendentes jamais poderiam deixa-lo, uma vez que seu lar, bem como seus antepassados mortos, que no próprio lar deveriam ser enterrados, se tratavam de divindades que se fixavam ao solo daquela área, pertencentes somente àquela família e cuja proteção e culto cabiam tão somente elas6. Nesse sentido, era inimaginável para essas civilizações que um túmulo fosse movido de lugar ou destruído ante seu caráter sagrado, fato que garantia por si só o direito perpétuo de propriedade daquela área à família que ali se fixasse, ficando assim evidente as origens do direito de propriedade, conforme explica Coulanges:

Como em tudo isto se manifesta o caráter da propriedade! Os mortos são deuses pertencendo propriamente a uma família, e que só a família tem o direito de invocar. Esses mortos tomaram posse do solo, vivem sob esse pequeno outeiro, e ninguém, a não ser a família, pode pensar em introduzir-se no seu grêmio. Ninguém igualmente tem o direito de desapossa-los da terra que ocupam; um túmulo, entre os antigos, não pode ser destruído nem deslocado; proíbem-no as mais severas leis. Aqui está, assim, uma parcela de terra em nome da religião tornada objeto de propriedade perpétua em cada família. A família apropriouse desta terra, colocando nela os seus mortos, fixando-se lá para sempre. O descendente vivo desta família pode fizer legitimamente: esta terra é minha. De tal modo lhe pertence e está inseparável da sua pessoa que nem ele próprio tem o direito de renunciar à respectiva posse7.

Posteriormente, o que se viu na Europa foi a gradual substituição dessa noção de propriedade individualizada pertencente a cada família em favor de um modelo coletivo de propriedade, onde um indivíduo era legitimamente dono do território, historicamente                                                                                                                         6

COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Fernando de Aguiar. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 58. 7 Ibid., p. 62.    

conhecido como feudo, e este senhor loteava seu território e os distribuía entre outros homens, vassalos, para que o cultivassem. Na idade média, conferia-se, pois, uma finalidade à propriedade não mais pautada na religião, mas no poder. Tempos depois, com o advento de novas tecnologias que possibilitaram a revolução industrial e vicejaram as revoluções burguesas e os ideais iluministas, passou-se a questionar o direito do proprietário de usar e dispor de sua propriedade de forma absoluta e individual, passando-se, dentro dos chamados “Estados Sociais” a se cogitar uma suposta função que a propriedade deveria exerce perante a coletividade, passava-se então a vislumbrar a função social da propriedade8. 3 PROPRIEDADE PRIVADA NO BRASIL

No Brasil, o direito a propriedade foi instituído em constituições anteriores e consolidado como direito fundamental na Constituição Federal de 1988 em diversos artigos, sendo incialmente assegurada pelo caput, do artigo 5º, da Magna Carta, alçando o instituto a principio norteador da ordem econômica no artigo 170, inciso II, sendo regulamentado pela Legislação Ordinária, principalmente pelo Código Civil de 2002, de modo que são perceptíveis as mudanças ocorridas ao longo dos anos no entendimento do direito à propriedade. Tais mudanças se deveram, principalmente, a recente tendência de socialização do direito privado um instituto característico e caracterizador da individualidade. Sobre o tema explica Adelaide Uchôa:

A tendência da publicização do Direito Privado, especialmente do Direito Civil, provocou alterações na essência do direito de propriedade, instituto tipicamente privatístico havido, pois, como direito absoluto. Com isso, o direito de propriedade passou por diversas etapas de amadurecimento e remodelação, retratando a partir das disposições constitucionais concernentes ao instituto, os avanços políticos vivenciados pelo Estado. Os textos das cartas políticas refletem cada momento histórico que marcou a transmutação da propriedade voltada exclusivamente para o atendimento de interesses                                                                                                                         8

Ibid., p. 167.

   

individuais, numa espécie de propriedade que passou a exigir do titular o cumprimento da função social e onde o interesse genuinamente público deve se sobrepor9.

Com efeito, o Legislador Civilista de 2002, percebendo a importância do direito à propriedade, emprega tratamento especial ao instituto dedicando título específico para discorrer acerca do tema, qual seja o Título III, do Livro III, do aludido Diploma. Conforme já dito, o direito de propriedade está inserto no rol de direitos fundamentais e de acordo com o que explica Gilmar Mendes, pode ser compreendido como direito de defesa no sentido limitar a intervenção do Estado nas liberdades individuais:

Na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa (Abwehrrechte), destinados a proteger determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público, seja pelo (a) nãoimpedimento da pratica de determinado ato, seja pela (b) nãointervenção em situações subjetivas ou pela não-eliminação de posições jurídicas. Nessa dimensão, os direitos fundamentais contêm disposições definidoras de uma competência negativa do Poder Público (negative Kompetenzbestimmung), que fica obrigado, assim, a respeitar o núcleo de liberdade constitucionalmente assegurado10.

Contudo, ao se analisar o tratamento dado pela Lei Maior à propriedade no Brasil é impossível não se deparar com a figura da função social, cuja implantação no ordenamento jurídico reflete sobremaneira o pensamento social característico do Legislador Constituinte de 1988. Debutando no artigo 5º, inciso XXIII da Carta Política de 1988, a função social se liga pela primeira vez à propriedade como forma de restrição ao seu uso e cujo objetivo se alcança                                                                                                                         9

UCHÔA, Adelaide Maria Rodrigues Lopes. A política urbana no ordenamento jurídico constitucional: a desapropriação-sanção como instrumento de desenvolvimento das cidades. 2007. 46 f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007. 10 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 2.    

de formas distintas para a propriedade imóvel urbana e rural, sendo a primeira alcançada nos moldes de artigo 182, §2º, quando atende às determinações expressas no plano diretor da cidade e a segunda, quando cumpridas as exigências elencadas nos incisos do artigo 186, do Diploma Constituinte, sendo omissa no tocante à função social da propriedade móvel. O tratamento destinado à propriedade privada está intimamente relacionado ao sistema politico e econômico adotado pelos Estados. Fica claro que nas nações cujas politicas e economia se pautam preponderantemente no livre mercado não há que se falar em função social da propriedade privada, uma vez que os pilares de tal regime estão assentados na livre iniciativa e na propriedade privada. A Constituição Federal de 1988 por diversas vezes se preocupa com a função social da propriedade, por exemplo, no artigo 5º, XXIII, onde determina que a propriedade dever atender a sua função social, e nos artigos 182, § 2º, e 186, sendo o primeiro responsável pela delegação de competência à legislação infraconstitucional dos parâmetros definidores da função social da propriedade urbana, ao passo que o ultimo se ocupa de definir os mesmos parâmetros para as propriedades rurais. Todavia, a função social da propriedade tem um conceito bem subjetivo, o que prejudica a proteção dos proprietários. Conforme teoriza Murray Rothbard, uma alternativa a essa subjetividade seria a visualização dos direitos fundamentais sobre o viés do direito de propriedade, uma vez que, para ele, os direitos fundamentais estão necessariamente ligados à propriedade11. Para Rothbard, o conflito de direito sugerido anteriormente seria facilmente solucionado se o ponto da contenda deixasse de ser qual dos direitos fundamentais é mais importante e passasse a se cogitar o “onde” essa valoração será feita, uma vez que toda a violação da liberdade de expressão pressupõe o tolhimento de um discurso e toda privacidade pressupõe um local para que seja exercida, dependendo do proprietário do lugar decidir se assiste razão à liberdade de expressão ou à privacidade. Assim ele explica:

Em resumo uma pessoa não possui um “direito à liberdade de expressão”; o que ela possui é o direito de alugar um salão e de                                                                                                                         11

ROTHBARD, Murray Newton. A ética da liberdade. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010, p.178.    

discursar para as pessoas que entrarem no espaço. Ela não possui um “direito à liberdade de imprensa”; o que ela possui é o direito de descrever ou publicar um panfleto, e de vender este panfleto para aqueles que desejarem comprar (ou de distribuí-lo para aqueles que desejarem aceitá-lo). Deste modo, o que ela possui em cada um destes casos são direitos de propriedade, incluindo o direito de livre contrato e transferência que constitui uma parte destes direitos de posse. Não existe nenhum direito estra de “liberdade de expressão” ou de liberdade de imprensa além dos direitos de propriedade que uma pessoa pode possuir em qualquer caso concebível12.

A teoria apresentada, no entanto não se isenta de crítica. Embora seja perfeitamente aceitável que se utilize como método de resolução de conflitos entre direitos fundamentais um critério menos subjetivo que a ponderação judicial, o critério adotado por Rothbard não tem aplicabilidade quando se considera a existência de propriedade coletiva, como as ruas por exemplo. O próprio Rothbard admite que, nos casos da propriedade pública não há como se valer de sua teoria, uma vez que o bem publico pertence, por natureza a todos, não havendo como, ao menos em tese, a vontade de um cidadão se sobrepor a dos demais sem que se operasse aí uma injustiça13. O direito à propriedade privada é um direito fundamental tão importante como qualquer outro, devendo, pois ser preservado, já que a partir dessa proteção o meio ambiente poderia ser ainda mais preservado, visto que o proprietário, conforme será demonstrando, tende a preservar ainda mais sua propriedade, beneficiando assim toda a coletividade.

3 Meio Ambiente Dois proprietários ou mais podem dividir uma propriedade comum, como lagos, florestas, pastos e em geral recursos ambientais de difícil subdivisão, por razões técnicas, jurídicas, ecológicas e/ou economicas e para quais existe rivalidade de aceso. A ciência econômica que domina hoje, de inspiração neoclássica, fundada na Escola de                                                                                                                         12 13

Ibid. p. 178 Ibid., p. 185.

   

Chicago, aborda o tema com base em três modelos paradigmáticos fundamentais e complementares: a tragedy of the commons, ou “tragédia dos (bens) comuns”, formulado em 1965 por Garrett Hardin; o dilema do prisioneiro na teoria dos jo- gos; e a abordagem de Ronald Coase sobre os direitos de propriedade. Hardin demonstra como, frente a uma “pastagem aberta a todos”, cada pastor segue racionalmente uma lógica do benefício individual de externalização dos custos e internalização dos benefícios que, agregada coletivamente, conduz tragicamente ao esgotamento do recurso comum. O dilema do prisioneiro reforça as premissas de racionalidade individual dos comportamentos não cooperativos: frente à escolha entre trair e cooperar, em ausência de comunicação, o prisioneiro racional só pode trair, mesmo que a melhor escolha coletiva seria a de cooperar. As possíveis soluções prospectadas por Hardin para evitar a tragédia, e promover uma gestão racional (hoje se diria sustentável) do pasto, são duas: “socialismo”, mediante intervenção direta do Estado; ou privatização, mediante gestão descentralizada pelo mercado. Nesta altura o modelo de Coase, demonstrando a eficiência da solução de mercado fundada na definição de direitos de propriedade privada e em ausência de custos de transação, faz balançar a escolha de vez em prol da privatização.14 A tragédia de Hardin é uma tragédia do livre acesso: se na ausência de regras as previsões trágicas do modelo são corretas, a “propriedade comum” representa na realidade uma das possíveis respostas à tragédia, cujas possíveis formas não se esgotam na dicotomia público-privado, Estado ou mercado. Em outras palavras, existe uma terceira via, representada justamente pela “propriedade comum”.15 O modelo do dilema do prisioneiro é seriamente criticado pelas hipóteses de jogo de rodada única e ausência de comunicação, simplistas e irreais, sobre as quais funda suas previsões. A realidade não é avulsa da história, dos processos de aprendizagem fundados nos erros, os atores podem comunicar entre si, e geralmente eles utilizam a comunicação para definir regras, mecanismos de fiscalização e controle de seu cumprimento e sanções para os infratores. Introduzindo no dilema do prisioneiro aplicado à gestão de recursos comuns, rodadas repetidas e comunicação, as soluções se afastam das previsões trágicas iniciais, e a comunicação joga um papel chave em possibilitar procedimentos de aprendizagem,                                                                                                                         14

LAURIOLA, Vincenzo. Um Nobel Heterodoxo e Rosa-Verde. Sinal de Esperança. Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. No. 21, 2009. Brasília/DF, p. 5 15

 Ibid,  p.  6  

   

inerentemente coletivos, que permitem alcançar resultados próximos do ótimo teórico.16 Para que exista essa proteção faz-se necessária a propriedade privada, o qual vai compartilhar bens comuns, conforme a definição de Elinor Ostrom e Margaret Mckean: “Propriedade comum” ou “regime de propriedade comum” referem-se aos arranjos de direitos de propriedade nos quais grupos de usuá- rios dividem direitos e responsabilidades sobre os recursos. O termo “propriedade” está relacionado a instituições sociais e não a qualida- des naturais ou físicas inerentes aos recursos.17 Com a finalidade de fazer com que a exploração do recurso ocorra de forma sustentável buscando o melhor retorno possível, é necessário que os proprietários comuns tenham sintônia no uso do bem: Se a humanidade depende da máxima explo- ração sustentável oferecida por um sistema de recursos, torna-se essencial um mútuo, cui- dadoso e bem sintonizado uso dos mesmos. Regimes de propriedade comum são, essencialmente, maneiras de institucionalizar e or- questrar esse tipo de sintonia fina no uso de sistemas de recursos, quando estes são pres- sionados em direção a seus limites.18 Demonstrando que a propriedade é a melhor solução para convivência de bens comuns, Ostrom destacou que “onde os usuários tinham direitos para formular regras, no entanto, foram demonstrados melhores condições florestais.”19                                                                                                                         16

Ibid, p. 6 OSTROM, Elinor; McKEAN, Margaret. Regimes de propriedade comum em florestas: somente uma relíquia do passado? In: DIEGUES, Antonio Carlos; MOREIRA, André de Castro (Org.). Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: Nupaub - USP, 2001. p. 80. 17

18

Ibid, p. 86 OSTROM, Elinor; TUCKER, Catherine. Pesquisa multidisciplinar relacionando instituições e transformações florestais. In: MORAN, Emi- lio; OSTROM, Elinor (Org.). Ecossistemas florestais: interações homem-ambiente. São Paulo: Editora Senac; Edusp, 2009. p. 86. 19

 

   

Diante disso, demonstra-se claramente a possibilidade do homem ser responsável pelo seu próprio meio, estabelecendo regras e formas de convivência, sem a intervenção estatal que vai prejudicar muito mais do que auxiliar no funcionamento e preservação dos recursos ambientais comuns.

5 Considerações Finais No presente ensaio foi apresentado o direito de propriedade e como ele é recepcionado na Constituição da República de 1988, previsto como um direito fundamental, positivado no artigo 5o do referido diploma legal. Foi destacada também a visão da escola austríaca de economia sobre o direito de propriedade, a qual defende que todos os demais direitos deveriam partir dessa concepção, bem como efetuou uma análise da função social da propriedade no país. Foi abordada a relação entre o direito de propriedade e o meio ambiente na perspectiva da Prêmio Nobel de Economia de 2009, Elionor Ostrom, e a sua relação com a propriedade comum, como por exemplo, rios, lagoas e outros, bem como o convívio entre os proprietários desses bens. Por fim, restou claro que quando os usuários estabelecem regras de convivência para o uso dos bens comuns, o resultado para o meio ambiente é bem melhor do que o da regulação estatal, permitindo que as pessoas possam exercer a propriedade de forma plena, por meio de trocas voluntárias.

   

REFERÊNCIAS

COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Fernando de Aguiar. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. HOPPE, Hans-Hermann. A origem da propriedade privada e da família. Instituto Ludwig Von Mises Brasil. Disponível em: . Acesso em, 04 mar. 2013. LAURIOLA, Vincenzo. Um Nobel Heterodoxo e Rosa-Verde. Sinal de Esperança. Boletim da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. No. 21, 2009. Brasília/DF. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. ROTHBARD, Murray Newton. A ética da liberdade. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. OSTROM, Elinor; McKEAN, Margaret. Regimes de propriedade comum em florestas: somente uma relíquia do passado? In: DIEGUES, Antonio Carlos; MOREIRA, André de Castro (Org.). Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: Nupaub - USP, 2001. p. 79-95. OSTROM,

Elinor;

TUCKER,

Catherine.

Pesquisa

multidisciplinar

relacionando

instituições e transformações florestais. In: MORAN, Emilio; OSTROM, Elinor (Org.). Ecossistemas florestais: interações homem-ambiente. São Paulo: Editora Senac; Edusp, 2009. p. 86. UCHÔA, Adelaide Maria Rodrigues Lopes. A política urbana no ordenamento jurídico constitucional: a desapropriação-sanção como instrumento de desenvolvimento das cidades. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2007.

   

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