A publicação das obras de Marx após sua morte (1883-1935), de René Zapata

July 22, 2017 | Autor: Ricardo Castro | Categoria: Marxism, Marxist Economics, Marxismo, Marxisme, Marxismus
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A PUBLICAÇÃO DAS OBRAS DE MARX DEPOIS DE SUA MORTE (1883-1935)*

René Zapata Tradução de Ricardo Figueiredo de Castro"

ZAPATA, René. "La publication dês oeuvres de Marx après sã mort 1883-1935". In: LABICA, George (diretor). Loeuvre de Marx, un siècle après (Colloque international 17-20 mars 1983). Paris, Centre National de La Recherche Scientifique; Université de Paris-X Nanterre, 1985. Revisão da tradução do francês por Roberto Acízelo de Souza. 25 anos, licenciado e bacharel em História pela UFF e professor do Magistério Público Estadual.

Revista Arrabaldes. Ano l, ns2, set./dez. 1988

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APRESENTAÇÃO Já se vão mais de cem anos desde que Marx nos deixou. Muitos políticos, militantes e teóricos lutaram e lutam pelas suas idéias; revoluções já foram tentadas; algumas saíram vitoriosas outras fracassaram no ovo; no entanto, talvez por isso mesmo, os pensamentos conservador e reacionário berram aos quatro ventos que o pensamento marxista está morrendo, que o marxismo está numa crise da qual sairá direto para o inferno de onde nunca deveria ter saído, esquecendo-se do caráter construtivo e positivo de uma crise, cacoete típico e sintomático de um pensamento não-dialéticoa. Entretanto, não só o conjunto do pensamento de Marx não é bem conhecido como também, e principalmente, a história de sua difusão e recepção pelas diferentes culturas, como diz René Zapata - talvez com um pouco de exagero - "ainda não encontrou o seu historiador". Procurando contribuir para a superação do segundo problema, mais ao nosso alcance, ARRABALDES escolheu publicar este artigo, que nos dá uma didática introdução à importantíssima questão das edições das obras de Marx desde a sua morte até 1935, quando o espectro stalinista encobre o processo de divulgação das obras do idealizador da "filosofia da práxis". O artigo ora traduzido, através de uma caracterização e sistematização cronológica das edições das obras de Marx, no período acima citado, nos dá indicações para esboçarmos como a apreensão e a compreensão destas foram determinadas pelas vicissitudes históricas. Mais concrelamente, como a obra de Marx foi apreendida pelos intelectuais, militantes e sociedade em geral, não só pela natureza do corpus marxista então disponível, como também pela interação desse corpus com o caldo cultural então predominante e pelos embates e questões políticas hegemônicas. O Marx de hoje não é o Marx da época de Marx, nem muito menos o da época da Revolução Russa, embora ele permaneça o mesmo. Isso não só pelos motivos acima expostos, mas também, e sobretudo, pela natureza do pensamento de Marx, que se propunha não a formular uma filosofia supra-histórica - uma doutrina - mas sim um pensar que se vê a si próprio enquanto algo historicamente determinado e em constante contato com a realidade. O marxismo tem, pois, sua história. E uma boa obra que se propõe a estudá-la e compreendê-la num sentido aberto e não-dogmático é a História do Marxismob, obra coletiva de vários volumes dirigida por Eric Hobsbawnc. Outra obra, não tão exaustiva mas também importante é Considerações sobre o Marxismo Ocidental01 de P. Anderson. Um excelente guia e indispensável obra de referência e consulta é o Dicionário do Pensamento Marxista0. A obra coletiva 1'oeuvre de Marx, un siècle après, 1883-1983, da qual esse artigo foi traduzido, é uma obra que analisa não só questões do pensamento marxista como também de que maneira ele foi interpretado por diferentes culturas, como a muçulmana, italiana, etc. Quanto ao Brasil, poderíamos dizer que A derrota da dialética' é um pioneiro e imprescindível estudo sobre as condições da introdução do marxismo no Brasil. Para uma análise ensaística sobre a crise do marxismo ver: ANDERSON, Perry. A crise da crise do marxismo: introdução a um debate contemporâneo. São Paulo, Brasiliense, 1985. HOBSBAWN, Eric etalli. História do Marxismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra. Ver, especialmente, sobre a temática em questão, o artigo de Eric Hobsbawn, "A fortuna das edições de Marx e Engels", publicado no volume l, "O marxismo no tempo de Marx". ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. Porto, Edições Afronta mento, s/d. BOTTOMORE, Tom (editor). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro, Jorge ZaharEd., 1988. KONDER, Leandro. A derrota da dialética. A recepção das idéias de Marx no Brasil, até o começo dos anos trinta. Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1988.

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O objetivo desta intervenção1 é situar o histórico da publicação das obras de Marx depois de sua morte, e, em particular, as tentativas de edições das obras completas até 1935. Não se trata, portanto, de fazer revelações, mas de estabelecer um quadro cronológico geral, indicar balizas, formular certos problemas críticos, assinalar lacunas com o objetivo de abrir um amplo debate sobre uma história que ainda não encontrou o seu historiador (por razões essencialmente políticas, como veremos adiante). Pois não se deve esquecer que reatamos aqui com uma velha tradição do movimento operário: aquela que consiste em colocar e em se colocar a questão, sem dúvida embaraçosa, do estado em que se encontra a publicação das obras de Marx. Por que embaraçosa? Porque por um lado sua resolução nos obriga a um trabalho rigoroso de crítica dos textos que temos lido, traduzido ou editado, e, por outro lado, porque este trabalho crítico nos obriga, por sua vez, a abandonar certos mitos: citemos, de memória, a discussão sobre a correspondência Marx-Darwin e DarwinAveling2, o artigo de Olivier-René Bloch "Marx, Renouvier e a história do materialismo"3, assim como o debate sobre a edição dos cadernos de Marx sobre a crítica da economia política (Ed. Bangeville, Rubel et Lefèvre). E, sem dúvida, . haverá também importantes debates sobre o trabalho de edição de Engels dos livros II e III do Capital quando serão traduzidas as variantes dos textos de Marx sobre as quais ele trabalhou, e que foram publicadas nos últimos volumes da segunda edição soviética das obras de Marx e Engels4. Assim, hoje não há mais nenhuma dúvida de que a história da edição das obras de Marx se reveste de um interesse teórico fundamental: é essencial voltar atrás e determinar quais foram os percalços, as dificuldades e, sobretudo, o preço político de sua publicação. Isso nos permite, também, saber com precisão quem pôde ler o quê e quando (e em qual língua), o que não deixa de ser importante para o estudo da difusão-recepção do marxismo. Podem-se distinguir três etapas a partir de 1883: - 1883-1895: isto é, o período que vai da morte de Marx à morte de Engels, durante o qual este último é o principal responsável pelas edições das obras de Marx; - 1895-1917: etapa no curso da qual certos dirigentes importantes da social-democracia alemã (notadamente Kautsky, Bebei, Mehring e Bernstein) prosseguem o trabalho de edição de Engels, mas de maneira muito menos sistemática e crítica; - 1917-1935: etapa de preparação e publicação da primeira MEGA, sob a direção de D. B. Riazanov, personagem-chave na história da edição das obras de Marx e que, no seio do Instituto Marx-Engels de Moscou, prosseguirá, durante mais de uma década, com trabalhos críticos de um valor excepcional. I) ENGELS EDITOR DE MARX: 1883-1895 Quando da morte de Marx três tarefas recaem sobre Engels: terminar a publicação do Capital; exercer o que poderia se chamar de vigilância teórica e política no seio da social-democracia alemã e da II Internacional; e, enfim, prosseguir seus próprios trabalhos teóricos. Lembremo-nos de que, na época, a social-democracia alemã está em uma situação de semiclandestinidade, o que criará obstáculos ao trabalho de edição5.

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As principais publicações deste período são as seguintes: 1883 Terceira edição alemã do livro l do Capital, com um prefácio de Engels. 1884 Trabalho assalariado e capital (texto estabelecido e prefaciado por Engels). 1885 Primeira edição alemã de Miséria da filosofia, com um prefácio de Engels, intitulado "Marx e Rodbertus". Publicação do livro II do Capital (começo de julho). Terceira edição alemã de Revelações sobre o processo dos comunistas em Colônia, com um prefácio de Engels: "Algumas palavras sobre a história da Liga dos Comunistas". 1886 Engels publica seu "Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã" no Neue Zeit* (órgão teórico da social-democracia alemã, fundado em 1883 por Kautsky). 1887 Primeira edição inglesa do Livro l do Capital (tradução de Edward Aveling e Samuel Moore, no qual Engels, sem dúvida, muito contribuiu)6. 1888 Reedição, sob a forma de livro, de Ludwig Feuerbach, de Engels, apresentando em anexo as "Teses sobre Feuerbach", de Marx, redigidas pouco tempo depois de terem publicado A sagrada família. 1891 No número 18 de Neue Zeit são publicadas, editadas por Engels, "Glosas marginais ao programa do partido operário alemão" (texto mais conhecido sob o título Crítica ao programa de Gotha)7. Reedição da tradução alemã de A guerra civil na França, por ocasião do 209 aniversário da Comuna**, com um prefácio de Engels. 1894 Publicação do livro III do Capital, editado por Engels. II) DA MORTE DE ENGELS À REVOLUÇÃO DE OUTUBRO: 1895-1917 Quando da morte de Engels em 1895, uma parte importante da obra de Marx já se encontra editada e publicada, notadamente os três primeiros livros do Capital. Mas seu desaparecimento retardará consideravelmente as edições e publicações ulteriores: não somente não se conta mais com sua inigualável perícia na leitura e interpretação dos manuscritos de Marx, mas também problemas testamentários tornarão mais árduos os trabalhos de edição. A constituição do Marx-Engels Nachlass'" não se dará sem dificuldades: por um lado, os membros da família Marx ainda vivos só cederão progressivamente à social-democracia alemã seus direitos sobre a herança literária8; e, por outro lado, os dirigentes do Partido - engajados nas polêmicas cada vez mais acerbas e profundas sobre a natureza do marxismo e a estratégia política a seguir9 - não hesitarão em retardar a publicação de certas obras, ou, quando muito, a dar apenas versões truncadas de certas partes, sobretudo da correspondência, a fim de não estimular os conflitos pessoais em suas próprias fileiras. Dito isto, textos importantes foram publicados no curso destes vinte anos:

1897 Reedição de Zur Kritik der politischen Ókonomie, com um prefácio de Kautsky. Nesta reedição, figura pela primeira vez a famosa "Introdução" de 1857. The eastern question. A reprint of letters written between 1853 and 1856 dealing with the events ofthe Crimean War, editado por E. M. Aveling e E. Aveling. 1898 Salário, preço e lucro, editado por E. M. Aveling. 1899 The story of the life of Lord Palmerston e Secret diplomatic history of the 18th century, editados por E. Aveling. 1902 Cartas a Kugelmann, publicadas primeiro em Neue Zeit, depois sob forma de livro. É também em 1902 que F. Mehring publicará as Gesamme/te Schriften K. Marx's und F. Engels 1841 bis 1850 ~ Aus dem literarischen Nachlass von K. Marx, F. Engels und F. Lassalle, em 4 volumes, na Dietz, de Stuttgart. O volume l (março de 1841 a março de 1844) contém: Tese sobre a filosofia de Epicuro, certos artigos da Gazeta Renana, a Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel e A propósito da questão judaica. O volume II (junho de 1848 a maio de 1849) contém artigos publicados na Nova Gazeta Renana (período de Colônia). O volume III (maio de 1848 a outubro de 1850) contém igualmente artigos publicados na Nova Gazeta Renana (período de Hamburgo). No volume IV figuram as cartas de F. Lassalle a K. Marx e F. Engels, escritas entre 1849 e 186210. Com a publicação da Herança literária toda uma vertente da obra de Marx se abria à análise, que se desenvolveria principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, quando serão republicados e traduzidos os chamados Manuscritos de 1844. O segundo maior acontecimento desta etapa é a publicação por Kautsky entre 1905 e 1910 das Teorias da mais-valia, livro IV do Capital, apesar de todas as lacunas e erros que comporta esta edição11. Enfim, deve-se assinalar a publicação das coletâneas das seguintes cartas, que, à época, permitirão aprofundar o estudo da ação política de Marx: 1906 Briefe und Auszüge aus Briefen von K. Marx, Joh. Phil. Becker, Jos. Dietzgen, F. Engels an F. A. Sorge. 1908 Cartas de K. Marx e F. Engels a Nikolai-on (N. Danielson), em russo. 1913 Der Briefwechsel zwischen F. Engels und K. Marx 1844 bis 1883, editada por A. Bebei e E. Bernstein. Esta edição em 4 volumes contém 1386 cartas que cobrem o período entre 1844 e 10 de janeiro de 1883. Apesar de sua importância, a edição de Bernstein se caracteriza por lacunas notórias, por cartas truncadas e, sobretudo, por prefácios tendenciosos relacionados aos conflitos políticos e pessoais no seio da social-democracia alemã12. Assinalemos enfim a edição das Cartas inéditas de K. Marx e F. Engels sobre a Internacional, traduzidas para o francês por G. Hirtz e publicadas em O Movimento Socialista, n° 261-262, em 1914.

Novo tempo (N. do T.) O autor se refere à efêmera Comuna de Paris (N. do T.) Espólio Marx-Engels (N. do T.)

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III) D. B. RIAZANOV E A PRIMEIRA MEGA: 1917-1935 Com o desencadeamento da Primeira Guerra Mundial interrompe-se a publicação das obras de Marx. Simultaneamente - com a crise da II Internacional, e ulteriormente com o nascimento da III - abre-se um longo período de conflitos em torno da herança de Marx, porque se trata para os bolchequiques de 'arrancar' (materialmente inclusive) as obras de Marx das mãos da social-democracia, o que coloca o problema da análise das modalidades da transferência - se podemos nos exprimir assim - da legitimidade teórica e revolucionária do movimento socialista da social-democracia alemã ao partido bolchevique russo, e, indiretamente, da II à III Internacional. A respeito do plano de edição, devemos sublinhar aqui o papel fundamental exercido por David Borisovich Riazanov (Goldendakh) (1870-1938), que será o editor da primeira MEGA, e uma das principais figuras intelectuais dos anos 20 na URSS. Apesar da importância de suas múltiplas atividades, sua vida e sua obra não foram ainda objeto de nenhum trabalho de pesquisa na URSS ou alhures. Com efeito, Riazanov pertence àquela categoria de 'banidos da história' (oficial) por causa de sua postura crítica e independente para com as instâncias dirigentes do partido (antes e depois de 1917), mas principalmente por causa de sua expulsão do partido em 1931, no curso da 'bolchevização' do marxismo, que o conduzirá à morte durante a deportação com numerosos outros militantes13. Se o histórico da publicação e da recepção das obras de Marx na Rússia antes de 1917 é bem conhecido e documentado, o mesmo não ocorre em relação à época pós-revolucionária. Muito freqüentemente, imaginamos que a tomada do poder pelos bolcheviques foi acompanhada por uma 'ditadura do marxismo', quando os fatos mostram o contrário: os militantes bolcheviques dotados de uma sólida formação em matéria de marxismo se contam no máximo em centenas, e, fora deste círculo reduzido, conhecia-se mal ou pouco as obras de Marx, Engels e Lenin. Uma das primeiras tarefas dos bolcheviques será, precisamente, instituir uma rede de publicação e difusão dos 'clássicos', assim como uma rede de ensino do marxismo, o que, ao longo dos anos 20, não se dará sem dificuldades. Neste quadro, convém recordar aqui certos fatos que podem esclarecer a envergadura do projeto de Riazanov. Ao nível institucional é criado em 1920 uma comissão especial no seio das Edições de Estados (Gozizdat) - chamada "comissão Marx" - encarregada da edição e da difusão de suas obras. Além de Riazanov, seus principais dirigentes eram Mecheriakov (que, a partir de 1924, se tornará um dos principais dirigentes da Internacional camponesa) e 1.1. Skortsov-Stepanov, tradutor do Capital (com Bazarov) e um dos protagonistas das controvérsias filosóficas dos anos 2014. Com a criação do Instituto Marx-Engels15 em 1921, o projeto de uma edição crítica das obras completas de Marx e Engels em alemão começa a tornar-se realidade. Riazanov, que antes da guerra trabalhou na Alemanha e na Áustria em estreita colaboração com os social-democratas, reuniu em torno de si uma equipe de colaboradores de alto nível e estabeleceu assim, na Europa, uma rede de representantes do Instituto. Preparando a primeira MEGA, Riazanov desenvolve uma atividade incansável no seio do Instituto: reedições de traduções dos 'clássicos', publicação das obras completas de Plekhanov, Kautsky, Hegel, etc., edição das obras dos materialistas do século XVIII, dos principais populistas, etc 16 .

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Graças às suas ligações de amizade com os editores alemães das obras de Marx, Riazanov constitui em Moscou entre 1920 e 1930 um fundo importante de clichês de manuscritos de Marx, assim como de manuscritos comprados notadamente pelo representante do Instituto na Europa ocidental, Boris Nikolaevski17. Por outro lado, Riazanov redige as introduções crítico-históricas para os diferentes volumes, introduções que não são apenas um manancial de informações, mas que por seu caráter sistemático (e polêmico) marcam o início da 'marxologia'. O plano de Riazanov para a primeira MEGA é imponente18. Ela devia contar aproximadamente com 40 volumes, divididos em quatro partes: - a primeira, em 17 volumes, devia abarcar todos os escritos de Marx e Engels, com exclusão de tudo aquilo que se relaciona com o Capital e à correspondência (7 volumes para o período que vai até 1852, 7 outros para o período 1852-1862, e 3 para os anos de existência da l Internacional (1864-1876); - a segunda parte, em 13 volumes, devia conter os quatro livros do Capital assim como todos os textos e cadernos que se relacionam com a crítica da economia política, cuja importância para a gênese do Capital Riazanov já sublinhava na época; - a terceira parte devia incluir toda a correspondência, e uma quarta o índice lógico dos temas e nomes próprios. O que foi efetivamente realizado está longe de corresponder a este plano mas o resultado é, contudo, importante: ao todo, foram publicados 12'9 volumes entre 1927 e 1935, dos quais somente 6 editados (oficialmente) por Riazanov. Dos 17 volumes previstos para a primeira parte, somente 7 foram publicados: 1 2 3 4 5 6 7

Marx: escritos e trabalhos até início de 1843, com cartas e documentos anexos (em 2 partes), Frankfurt am Main, 1927, editado por Riazanov20; Engels: escritos e trabalhos até início de 1844, com cartas e documentos anexos, Berlim, 1930, editado por Riazanov; Marx e Engels: A sagrada família e escritos de Marx do início de 1844 até inícios de 1845, Berlim, 1932, editado por Adoratskii; Engels: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra e outros escritos de agosto de 1844 até junho de 1846, Berlim, 1932, editado por Adoratskii; Marx e Engels: A ideologia alemã 1845-1846, Berlim, 1932, editado por Adoratskii21; Marx e Engels: trabalhos e escritos de maio de 1846 a março de 1848, Moscou-Leningrado, 1933, editado por Adoratskii; Marx e Engels: trabalhos e escritos de março a dezembro de 1848, Moscou, 1935, editado por Adoratskii.

Da segunda parte do plano de Riazanov nenhum volume foi publicado, e da terceira, consagrada à correspondência, somente 4: 1 2 3

Correspondência Marx-Engels, 1844-1853, Berlim, 1929, editado por Riazanov; Correspondência Marx-Engels, 1854-1860, Berlim, 1930, editado por Riazonov; Correspondência Marx-Engels, 1861-1867, Berlim, 1930, editado por Riazanov;

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Correspondência Marx-Engels, 1868-1883, Berlim, 1931, editado por Adoratskii. Evidentemente, resta colocar a questão das causas da interrupção da publicação da MEGA. Três fatores, em parte, a explicam: a evicção de Riazanov em fevereiro de 1931 da direção do Instituto Marx-Engels e do partido", sua substituição por V. V. Adoratskii23 e a chegada dos nazistas ao poder na Alemanha em março de 1933. Com a evicção de Riazanov, e de muitos de seus colaboradores no Instituto, toda uma herança estava irremediavelmente perdida. Na realidade, Adoratskii não publicou, como editor, senão volumes que já haviam sido preparados por Riazanov e seus colaboradores. Em seus prefácios, que diferem radicalmente daqueles de Riazanov por seu caráter eminentemente ideológico (estamos, a partir de 1931 em plena 'bolchevização' do marxismo), ele não traz nenhum elemento novo que testemunharia um trabalho pessoal de edição. Enfim, com a chegada dos nazistas ao poder, não somente não era mais possível continuar-se a publicar os volumes em Berlim, como também toda a rede de colaboradores social-democratas ou outros estava dispersada na emigração. Podemos acrescentar que, a partir de 1935, os esforços serão concentrados na primeira edição russa das obras de Marx e Engels (28 tomos entre 1931 e 1951), sempre sob a direção de Adoratskii, que não fez senão retomar o que já tinha sido feito no plano crítico pela MEGA. É então, a partir de 1935, que se abre um longo período de mais de quinze anos durante o qual a edição das obras de Marx ficará em ponto morto24. Não é um acaso este período corresponder ao processo de consolidação do stalinismo - tanto na URSS quanto no seio dos partidos comunistas da III Internacional - e à aparição dos manuais de materialismo dialético e materialismo histórico. Estes manuais tornar-se-ão, a partir de 1934-1935, os textos de estudo obrigatório para muitas gerações de estudantes soviéticos25. O golpe final dirigido, na época, contra o estudo crítico das obras de Marx será a publicação do opúsculo de Stalin, Materialismo dialético e materialismo histórico, cujo caráter esquemático26e errôneo não começará a ser denunciado na URSS senão vinte anos depois .

Lembremo-nos de que Engels estava de posse da maior parte dos manuscritos deixados por Marx, assim como de sua biblioteca. A este respeito ver os artigos de Paul Meyer, "Die Geschichte dês sozialdemokratischen Parteiarchivs und das Schicksal dês Marx-Engels Nachlass", Archiv für Sozialgeschichte, Bd. VI/VII, 1966-1967, e de Hans-Peter Harstick, "Zum Schiksal der Marxschen Privatbibliothek", International Review of Social History, vol. XVIII, parte II, 1973, p. 202-222. 6

Recordemo-nos, também, de que a primeira tradução do livro l do Capital é aquela em língua russa, publicada em São Petersburgo em 1872. Ver o artigo de síntese de Henry Eaton, "Marx and the Russians", JournaloftheHistoryofldeas, janeiro-março 1980, vol. XLI, n9 l, p. 89-112. E em russo: L. Miskevich e A. Chepurenko, "«apitai1 K. Marksa na russkon iazike", em Kommunist, outubro de 1982, n8 15(1223), p. 26-37. A literatura soviética sobre a difusão-recepção do Capital na Rússia é muito ampla: encontraremos indicações bibliográficas interessantes no artigo de G. A. Alekseev, "Otklik na pervii tom 'Kapitala' K. Marksa y publitsistike N. K. Mikhailovskogo 1870-1873 godov", Istoria SSSR, n91, 1983, janeiro-fevereiro, p. 112-126.

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Publicadas com vistas ao Congresso de Erfurt (14 a 20 de outubro de 1891). Elas foram redigidas por Marx em 1875.

8

O testamento de Engels de 29 de julho de 1893 não será publicado senão em 1929 no Das Abend, suplemento vespertino de Vorwãrts. Eleanor Marx-Aveling morre em 1898 e Paul e Laura Lafargue suicidam-se em 1911. Sobre a formação do 'Marx-Engels Nachlass', ver os artigos de Meyer e Harstick já mencionados, assim como a correspondência Bernstein-Riazanov, IISG, Akte Marx-Nachlass.

9

Ver notadamente K. Kautsky, K. Marxs Cekonomische Lehren (1817), E. Bernstein, Die Voraussetzungen dês Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie e a resposta de Kautsky, Bernstein und das sozial-demokratische Programm: eine Antikritik, Stuttgart, 1899.

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Como observou E. Balibar durante os debates do Colóquio, é interessante notar a tentativa por parte dos social-democratas de construir uma 'troika' Marx-Engels-Lassalle ao nível da edição de sua obras. Seria importante estudar também, desde os anos 40, as modalidades da formação do 'binômio' Marx-Engels e de seu preço político e teórico. Assinalemos, enfim, que as primeiras tentativas de edições das obras 'completas' de Marx e Engels remontam aos anos 50. Ver a introdução geral de Riazanov à primeira MEGA, l, vol. l, p. IX a XXVIII.

11

'Theorien über den Mehrwert', aus dem nachgelassenen 'Manuskript Zur Krítik der politschen Ókonomie', von K. Marx, herausgegeben vor K. Kautsky. Em 3 volumes: 1) Die Anfánge der Theoríe vom Mehrwert bis A. Smith, 1905. 2) David Ricardo (em 2 partes, 1905) e 3) Von Ricardo zur Vu/gárõkonomie, 1910. É somente com a publicação das Marx-Engels Werke (MEW) na RDA que disporemos de uma edição conveniente do livro IV do Capital.

12

Para uma crítica sistemática da edição de Bernstein, ver a introdução de Riazanov ao volume l da terceira parte de Karl Marx. Friedrich Engels. Historisch-kritische Gesamtausgabe. Werke/Schriften/Briefe MEGA, Berlim-Moscou, 1927-1935, em particular páginas IX aXL.

13

A biografia política de Riazanov é objeto de um trabalho em curso. Encontram-se numerosas referências concernentes a Riazanov em diversas obras sobre a história do bolchevismo, mas não conhecemos nenhum artigo nem obra sobre seu itinerário político e intelectual.

14

Ver. R. Zapata, Luttes philosophiques en URSS, 1922-1931, Presses Universitaires de France, 1983.

15

Em 1924, o Instituto passa a égide do Comitê Central executivo da URSS. Em 1931, depois da evicção de Riazanov, ele se funde com o Instituto Lenin (criado em 1923 e dirigido por Skortsov-Stepanov até sua morte em 1928), para tornar-se o Instituto Marx-EngelsLenin, que, por sua vez, tornar-se-á em 1956o Instituto de Marxismo-Leninismo junto ao Comitê Central do PCUS.

NOTAS: 1

Esta intervenção é uma versão retocada de nossas duas comunicações no Colóquio*: "A publicação das obras de Marx na Rússia: do populismo aos 'marxismos' russos (1867-1907)" e "D.B. Riazanov e a publicação das obras de Marx na URSS (1917-1935): questões de história" (reuniões de 17e 18 de março de 1983).

2

Ver os artigos de L.S. Feuer, P.T. Carrol e R. Colp Jr., em Armais of Science, vol. 32 e 33, 1975 e 1976. '

3

Publicado emí-a Pensée, n9 191, fevereiro de 1977.

4

Em particular nos tomos 49 e 50, Moscou, 1981.

5

Em 19 de outubro de 1878 é promulgada a lei "contra os conluios perigosos da socialdemocracia". Esta lei será revogada em 30 de setembro de 1890. Kautsky se estabelecerá em Londres em 1885 e Bernstein em 1888, depois de sua expulsão da Suíça com outros dirigentes. E em Londres que Engels lhes ensinará a decifrar a escrita de Marx.

* Colóquio internacional na França entre 17 e 20 de março de 1983, no ano do aniversário da morte de Karl Marx. (N. do T.)

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16

Sobre os primeiros anos do Instituto ver D. B. Riazanov, Institui K. Marksa i F. Engelsa pri TslK SSSR, Moscou, 1924, assim como os diversos volumes da principal publicação do Instituto Archiv K. Marksa i F. Engelsa. Ver também a carta de 2 de fevereiro de 1921 de Lenin a Riazanov (Lénine, QEui/res.Paris-Moscou, t. 45, p. 52) que no dizer da Enciclopédia Soviética se constitui no "programa" no Instituto Marx-Engels.

17

Sobre Boris Nikolaievski, ver o artigo citado de Harstick, p. 212-213, e Revolution and pólitics in Rússia. Essays in memory of B. l. Nikolaevsky, editado por Alexander e Janet Rabinowitch, com a colaboração de Ladis K. D. Kristof, Indiana University Press, 1972. Além disso, recordemos que, na mesma época, S. Landshut e J. -P. Mayer publicarão uma série de inéditos de Marx e Engels na Alemanha. Sobre algumas de suas edições ver o artigo de M. Rubel: "Lês cahiers de lecture de Karl Marx (l: 1840-1853), InternationalReview of Social History, vol. II, 1957, p. 391-420, e "Lês cahiers d'étude de Karl Marx (II: 1853-1856), ibid., vol. V, parte l, 1960, p. 39-76.

18

Vero Vorwort zur Gesamtausgabe de Riazanov, MEGA 1, 1, p. XXII aXXVII.

19

13, se acrescentamos o Sonderausgabe zum vierzigsten Todestage von F. Engels. F. Engels: Herrn Dührings Umwãlzung der Wissenschaft. Dialektik der Natur, Moscou, 1935, editado por V. V. Adoratskii. Lembremo-nos de que a Dialética da Natureza foi publicada pela primeira vez em 1924, quase simultaneamente por Riazanov na URSS, e por Landshut e Mayer na Alemanha.

20

A segunda parte foi publicada em Berlim em 1929.

21

Sobre o histórico da publicação da Ideologia Alemã ver o artigo de Riazanov: "Marx und Engels über Feuerbach: Der erste Teil der'Deutschen Ideologie", Marx-Engels Archiv, vol. l (1926), p. 205-306; assim como Literaturnoe nasledstvo K. Marksa i F. Engelsa: Istoria publikatsi i izuchenia v SSSR, Moscou, 1969.

22

Ver D. Joravski, Soviet marxism and natural science, 1917-1932, New York, 1961, p. 163-264.

23

Sobre Adoratskii, ver S. Bahne, "Adoratskij an Kaustky", International Review of Social History, Vol. VIII, 1963, parte II, p. 270-281.

24

À exceção da publicação dos Grundrisse der Krit/k der politsche Ókonomie (Rohentwurf, 1857-1858), Moscou, 1939-1941, dos quais poucos exemplares circularam fora da URSS. Recordemo-nos, além disso, de que em 1936, Boukharin foi enviado em missão à Europa para comprar os manuscritos de Marx e Engels dos imigrantes social-democratas. Tentativa que fracassou. Ver Stephen E. Cohen, Boukharin and the bolchevik revolution. A political biography 1888-1938, New York, 1971, p. 365 (tradução francesa, NicolasBoukharine: La vie d'un bolchevik, Paris, 1979).

25

Podemos seguir facilmente esta evolução nas modificações sucessivas das bibliografias recomendadas aos estudantes do Instituto de Professores Vermelhos. Entre 1925 e 1930, o estudo do Capital ocupa um lugar importante nestas bibliografias, mas a partir de 1931 aí figuram quase exclusivamente textos políticos (Manifesto Comunista, Crítica ao programa de Gotha, O dezoito brumário, etc. )(ver Pod Znamenem Marksizma, n- 3, 1925, p. 268-272 e n9 1-2, 1931, p. 253-255). O manual de materialismo dialético foi redigido por M. B. Mitine e o de materialismo histórico por Razumovski. Recordemo-nos, enfim, de que este período corresponde também ao rápido desenvolvimento da economia política soviética, cujos mais importantes representantes foram Eugène Varga, principal economista do Cominterm, e de Lev A. Leontiev, autor de diversas obras sobre o imperialismo e de um manual de economia política A economia política: um curso para iniciantes (1936), que teve uma grande difusão na época.

26

Cf. G. Labica, Lemarxisme-léninisme, Paris, B. Huisman. éd., 1984.

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Arrabaldes

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