A questão ambiental nos espaços públicos

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A questão ambiental nos espaços públicos Fernando M. Rocha da Cruz Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil)

A percepção da qualidade do espaço público resulta das imagens que se tem do local e de como e por quem essas imagens são apreendidas enquanto a estrutura corresponde ao sentido de organização ou arranjo das partes. Na pesquisa efetuada podemos verificar que nem todas as dimensões identificadas assumem a mesma importância, de tal forma que quando pedimos a apreciação dos espaços públicos em geral, a visão dada é a dos espaços públicos locais ou relacionados com a sua função/atividade. De qualquer modo, destacamos a preocupação com o tratamento e a limpeza dos espaços públicos, para além de que estes são muitas vezes idealizados como parques naturais. Tendo como ponto de partida as entrevistas realizadas nas cidades do Porto e Vila Nova de Gaia, em Portugal propomos analisar as representações de organizadores e patrocinadores de eventos em espaços públicos sobre a questão ambiental relacionados com a criação, manutenção e requalificação dos espaços públicos. Palavras-chave: meio ambiente; espaços públicos; espaços urbanos, Porto, Vila Nova de Gaia.

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INTRODUÇÃO A percepção da qualidade do espaço público resulta das imagens que se tem do local e de como e por quem essas imagens são apreendidas. A interação entre a forma urbana e o comportamento humano pode ser concordante ou antagónica com as exigências humanas da vida urbana, mas não pode ser delas, desvinculada. (SERDOURA; SILVA, 2006). Já a noção de estrutura corresponde ao sentido de organização ou arranjo das partes. Nas Ciências Sociais, o termo “estrutura” remete para duas construções teóricas inseparáveis uma da outra. Em sentido lato, a estrutura supõe a existência de uma pluralidade de conjuntos em que ela é a regra que declina os casos particulares enquanto num sentido estrito corresponde à construção que é feita a partir da realidade empírica servindo de mediação entre a realidade observável e a estrutura em sentido próprio. (GAZENEUVE; VICTOROFF, 1982)

Fig. 1 – Avenida dos Aliados, na cidade do Porto (30 de julho de 2007) AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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OBJETIVOS Como objetivos da pesquisa e deste artigo indicamos dois: - Conhecer as qualidades dos espaços públicos, segundo organizadores e patrocinadores de eventos públicos organizados em espaço público, nas cidades do Porto e Vila Nova de Gaia, em Portugal. - Verificar a importância do ambiente nos espaços públicos nas duas cidades mencionadas

METODOLOGIA Procedemos à realização de oito entrevistas semidiretivas e individuais tendo aplicado quatro em cada espaço em estudo. Procuramos entrevistar responsáveis ou elementos de instituições – públicas, privadas e associativas – que integrassem a organização de eventos públicos nos locais objeto de estudo (Avenida dos Aliados, na cidade do Porto; Cais de Gaia, na cidade de Vila Nova de Gaia). De qualquer forma, abrimos uma exceção por local ao entrevistar pessoas que sem terem participado na organização de eventos públicos, contribuem de alguma forma para a dinamização dos mesmos (Caves Sandeman, no Cais de Gaia e Café Guarany, na Avenida dos Aliados, por exemplo). As entrevistas tiveram em média uma duração de trinta minutos, à exceção da entrevista do responsável da Associação de Bares da Zona Histórica que teve uma duração aproximada de sessenta minutos. Após a gravação e transcrição das entrevistas, procedemos à respetiva análise de conteúdo. A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise que toma por objeto qualquer classe de “texto”. Um texto é então qualquer forma expressiva produzida com algum tipo de intenção comunicativa e que em consequência se ajusta a algum tipo de intenção intersubjetiva. A análise de conteúdo toma o texto como "pretexto" para estudar as convenções socioculturais dos sujeitos entre os que circula e suas posições sociais em relação ao espaço comunicativo. (RADA, 2005: p. 54) O pressuposto básico da análise de conteúdo consiste na objetivação do assunto ou tema a analisar. (ROMERO, 1991: p. 97) A análise de conteúdo implica uma selecção das unidades de AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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análise, tendo em conta, entre outros, o objetivo, a quantidade de material, o tempo de que se dispõe para a elaboração do trabalho e o tipo de material utilizado. (ROMERO, 1991: p. 98)

RESULTADOS As oito entrevistas realizadas (Porto e Vila Nova de Gaia, em Portugal) permitiram-nos definir um conjunto de características dos espaços públicos, de acordo com as representações dos nossos entrevistados. Desse modo, e de acordo com os seus discursos, identificamos os seguintes requisitos num espaço público: •

Tratamento e limpeza dos espaços públicos;



Localização e acessibilidade aos espaços públicos



Utilização dos espaços públicos



Passagem (caminhar, passear)



Segurança nos espaços públicos



Contexto arquitetónico (edifícios, estética do espaço)



Elementos da natureza (jardins, árvores)



Qualidades humanas (respeito, partilha, convívio)



Equipamentos (bancos)



Equipamentos de diversão



Equipamentos que permitam a adaptação ao clima



Comércio e Serviços



Oferta lúdica

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Fig. 2 – Avenida dos Aliados, na cidade do Porto (30 de julho de 2007)

Podemos verificar igualmente que nem todos assumem a mesma importância, de tal forma que quando pedimos a apreciação dos espaços públicos em geral, a visão dada é a dos espaços públicos locais ou relacionados com a sua função/atividade. De qualquer modo, assume particular destaque o tratamento e a limpeza dos espaços públicos, para mais de dois terços dos nossos entrevistados. “o espaço público numa cidade para já, estar ou não bem tratado mostra logo a civilização que existe ou não nessa cidade” (João Ribeiro de Almeida, Cônsul Geral de Portugal, em Barcelona) “havia de haver uma manutenção regular e não acontece. E eu acho que não é só no Porto, não é só em Gaia, é em qualquer AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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lado. Eu acho que o Estado aqui peca por não acautelar a segurança, sobretudo a segurança dos espaços públicos, e também a higienização” (António Fonseca, Presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto) “acho que são muito pouco cuidados, estão muito abandonados e pouco humanizados” (Jorge Oliveira, Presidente da Direção do Espaço t – Associação para o Apoio à Integração Social e Comunitária)

Fig. 3 – Cais de Gaia, em Vila Nova de Gaia (19 de agosto de 2007)

Assumem também particular destaque, outras duas qualidades que são mencionadas pelos entrevistados, designadamente a utilização dos espaços públicos e as qualidades humanas que importa ter num espaço público, como lugar de partilha, de convívio e de respeito pelos outros.

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“O espaço público é público, é popular mas temos que o utilizar, não o desaproveitando. Temos que o utilizar e partilhar.” (Maurízio Pisu, Coordenador da Subcomissão para a Reforma da Lei Eleitoral) “são quase ruas de passagem hoje os espaços públicos. E, portanto o que poderia (…) ser um espaço agradável onde as pessoas olhassem umas para as outras, acho que os espaços públicos lhes falta alguma humanização. (…) É evidente que se falarmos por exemplo num espaço público tipo Cais de Gaia embora tenha muita área comercial, mas já consegue associar talvez por ter perto o rio e o rio dá sempre um ar agradável, de sonho, de… pronto. Talvez por ter o rio, talvez tenham conseguido criar ali um ar mais humano, não sei… talvez por ser ao ar livre. (…) mas acho que devíamos encontrar mais espaços públicos, mais humanos, onde a atividade… onde houvesse mais socialização das pessoas.” (Ricardo Magalhães, Comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários dos Carvalhos) “sentem necessidade de ir, levar as crianças e até as próprias pessoas conviverem, porque o convívio entre as pessoas também é uma coisa que está a precisar (…) de alguma reestruturação e às vezes a gente vai fazendo isto sem pensar muito, mas os espaços públicos animados, onde tenha estruturas onde a gente se sinta bem, que seja agradável estar, eu acho que isso é uma forma de realmente nos, voltar a juntar as pessoas ao convívio, porque quando estamos juntos, nem que seja um olhar ou um com licença, há sempre uma relação” (Célia Queirós, Presidente da Direção da Associação Padrinhos de África)

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Fig. 4 – Cais de Gaia, em Vila Nova de Gaia (19 de agosto de 2007)

Por último, cerca de um terço dos entrevistados, destacam ainda três qualidades nos espaços públicos: o contexto arquitetónico do espaço público, bem como o aspeto estético não só do parque mas em conjugação com o parque imobiliário. Outra qualidade dos espaços públicos é a possibilidade dos seus utilizadores poderem aí passear, caminhar e não somente servir de local de passagem. E, finalmente, a terceira qualidade que relevam é a existência de elementos naturais como jardins ou árvores nesses mesmos espaços. “pela primeira vez foi criado um Gabinete de Estética no sentido de tentar harmonizar muito isso. (…) Tenta fazer que (…) nessa utilização do domínio público haja uma harmonização, no sentido de haver… não podemos dizer quase… estamos numa arquitetura programática, no sentido de ser tudo igual, mas no sentido de haver uma harmonização com as linhas da cidade. Obviamente que há cidades… (…) há zonas da cidade que têm de certa AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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maneira mais cuidado e que são arquitetonicamente a nível de espaço público são mais atraentes, mais acolhedoras e até se pode dizer que têm uma maior qualidade de vida” (Luísa Roseira, Assessora do Vereador do Turismo, Inovação e Lazer) “A cidade, neste momento, os espaços públicos têm vindo a melhorar, portanto, principalmente no que diz respeito à Baixa. (…) já se nota a diferença de melhoria e recuperação de edifícios, apesar que vai demorar muito tempo a fazer a recuperação deste historial de arquitetura que nós estamos aqui na cidade, principalmente o centro e a caminho da Ribeira” (Agostinho Barrias, proprietário do Café Guarany) “em todas as povoações, há um passeio onde se pode tranquilamente caminhar, passear, comprar, sentar numa esplanada e tomar alguma coisa.” (Xavi Masip i Pesquer, Presidente da Associação de Amigos, Vizinhos e Comerciantes da Rambla) Tem melhorado muito como o Cais de Gaia e a Avenida dos Aliados. A remodelação ficou muito bem nos dois casos. Trata-se de espaços públicos que fomentam lazer, família e os passeios. (António Graça, Diretor do Arrábida Shopping) “Penso que eles estão a melhorar (…) eu tenho o defeito de gostar muito da Praça como ela está (…) mas para este evento a Avenida tem o problema também de não ter árvores” (Avelino Soares, Diretor da Feira do Livro) “tenta-se utilizar muito a vertente economicista, ou seja, o cimento e pouco a relação do homem com o homem” (Jorge Oliveira, Presidente da Direção do Espaço t – Associação para o Apoio à Integração Social e Comunitária)

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Fig. 5 – Cais de Gaia, em Vila Nova de Gaia (20 de agosto de 2008)

Finalmente, resta-nos verificar a opinião dos entrevistados sobre a qualidade dos espaços públicos, em geral. Porém, as opiniões não são unânimes e verificamos mesmo que em muitos casos, os entrevistados interpretavam a questão em relação ao contexto local (cidade em que vivem ou trabalham).

CONCLUSÃO Em conclusão, na qualidade e estrutura dos espaços públicos em geral, assumem particular relevância a questão ambiental onde o tratamento e a limpeza, bem como a existência/presença de elementos da natureza como jardins, flores e árvores assumem grande relevância. Concorrente a estas qualidades assume igualmente relevância o usufruto do espaço social, em termos de partilha, convívio e respeito. Em menor medida, assume igualmente importância o contexto arquitetónico. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GAZENEUVE, J; VICTOROFF, D (Dir.). Dicionário de Sociologia. Lisboa: Verbo. 1982. RADA, Á. Etnografía y Técnicas de investigación antropológica. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia. 2005. ROMERO, A. Metodologia de análise de conteúdo. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 1991. SERDOURA, F; SILVA, F. Espaço Público. Lugar de Vida Urbana. In: PEREIRA, P. (Ed.), Revista de Engenharia Civil, n.º 27. Braga: Universidade do Minho. 2006. Disponível

em:

. Acessado em: 11 ago 2011

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