VOLUME 1 NÚMERO 2
ISSN 2178-3071
Revista Acadêmica Milton Campos
REVISTA ACADÊM I CA M I LTON CAM POS
NOVA L IMA
V. 1
NOVA LIMA - MG - 2010
N. 2
P. 1 - 1 2 4
J UL / DE Z . 2 0 1 0
Nova Lima - MG - 2010
REVISTA ACADÊMICA MILTON CAMPOS VOLUME 1 - NÚMERO 2 Toda correspondência deverá ser endereçada à: Rua Milton Campos, 202 CEP 34000-000 Nova Lima Minas Gerais Brasil Endereço eletrônico:
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Revista Acadêmica Milton Campos/ Faculdade de Direito Milton Campos. Vol. 1 n. 2. (jul./dez. 2010) – Belo Horizonte: BIG Editora Gráfica [gráfica], 2010. Semestral ISSN 2178-3071 1 Direito – periódico. I. Faculdade de direito Milton Campos. CDU: 34(05) Ficha elaborada por: Emilce Maria Diniz Bibliotecária - CRB-6ª - 1206.
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DIRETÓRIO ACADÊMICO OROZIMBO NONATO FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS GESTÃO 2010-2011 LUCAS MOREIRA ALCICI
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Mateus Marconi Rodrigues. Graduando pela Faculdade de Direito Milton Campos Mateus Simões de Almeida. Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos Matheus de Mendonça Gonçalves Leite. Doutorando em Teoria do Dir. pela Pontifícia Univ. Católica de MG Pedro Gustavo Gomes Andrade. Graduando pela Faculdade de Direito Milton Campos Richard-Paul Martins Garrell. Mestrando em Direito Processual pela Pontíficia Univ. Católica de MG
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Os Editores-Associados são escolhidos dentre membros do corpo discente por um período não superior à formatura do graduando, conforme o regimento interno da Revista. A escolha do Editor-Presidente e do Secretário-Geral da Revista é feita mediante votação dos Editores-Associados pelo período de seis meses, ou para cada novo número da revista. A indicação do Conselho Científico-Acadêmico é feita ad hoc pelo Editor-presidente, para o período de seis meses, ou para cada novo número da Revista, para fins de avaliação dos artigos enviados. O Conselho de Alumni é integrado por ex-editores da Revista graduados pela instituição. O Conselho Editorial é constituído por indicação, pelo prazo de um ano, ou para cada novo volume da Revista, podendo este mandato ser renovado por igual período.
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A QUESTÃO DOS LIVROS E OS DIREITOS DE AUTOR: UMA LEITURA DE ROBERT DARNTON A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA JURÍDICA Mariana de Moraes Silveira1 Mateus Marconi Rodrigues2 DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Desde o início da verdadeira revolução impulsionada pela informática e, mais especificamente, pela internet, acalorados e infindáveis debates se têm desenvolvido a respeito do futuro da informação e sobre o novo estatuto da palavra impressa. Estaria o livro condenado à obsolescência pelo advento de novos substratos de armazenamento de informação, naquilo a que se convencionou chamar de economia dos bits? Como equacionar as rápidas mudanças trazidas à tona pelo surgimento das mídias digitais com as conquistas históricas nos ramos do direito do autor e do copyright? Questões como essas vêm ocupando inúmeros estudiosos, de variadas áreas do conhecimento, em discussões que, não raramente, redundam mais em polêmicas que em conclusões práticas. A recente controvérsia a respeito do Google Books Settlement3 trouxe uma dimensão concreta a essas discussões, a partir da iniciativa desse poderoso conglomerado da informação em
empreender uma massiva digitalização dos acervos de algumas das mais importantes bibliotecas do mundo. Questões que, até então, eram tratadas por um viés teórico, quais sejam, o futuro dos códices impressos e das bibliotecas, em um cenário de ascensão das mídias digitais, incorpóreas e de fácil circulação, passaram a assumir um caráter mais imediatista e pragmático. O historiador norte-americano Robert Darnton envolveu-se de maneira próxima – embora, inicialmente, quase acidental – no processo de implantação desse ambicioso projeto. Em julho de 2007, ao assumir o cargo de diretor da biblioteca de Harvard, Darnton tomou conhecimento de conversas secretas entre o Google e a prestigiosa universidade para disponibilizar na rede mundial de computadores obras de seu acervo. Esse fato veio a público pouco mais de um ano depois, quando uma longa disputa judicial envolvendo o Google e associações ligadas a autores já se desenvolvia. Um controverso acordo resultou desse processo, que
1. Graduanda em Direito pelas Faculdades Milton Campos. Mestranda da linha de pesquisa História e Culturas Políticas do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGHIS-UFMG). Editora da Revista Acadêmica Milton Campos. 2. Graduando em Direito pelas Faculdades Milton Campos. Membro do CEMEPI (Centro Mineiro de Estudos em Propriedade Intelectual). Redator-Chefe do Portal de Internet “b33p” (http://www.b33p.me), na seção de Ciência e Tecnologia. Editor da Revista Acadêmica Milton Campos. 3. Para um panorama a respeito dessa questão, ver: ALVES, Marco Antônio Sousa; RODRIGUES, Mateus Marconi. O projeto Google Books e o direito de autor: uma análise do caso Authors Guild et al. v. Google. In: Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI. 2010. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3652.pdf. Acesso em 14 de março de 2011. 118
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tramitou perante a New York Southern District Court. Em março de 2011, esse acordo foi rejeitado pela Justiça norte-americana, jogando em um “limbo jurídico” o amplo projeto do enorme conglomerado da informática (HELFT, 2011). Todos esses fatos despertaram a inquietação do acadêmico, integrando suas reflexões a respeito de múltiplas questões que circundam o mercado editorial e as bibliotecas de pesquisa. Alguns desses textos foram reunidos em A questão dos livros: passado, presente e futuro, publicado com alarde no Brasil em 2010, em momento próximo à participação do autor na Festa Literária Internacional de Paraty. Juntamente com o francês Roger Chartier, Robert Darnton talvez seja hoje a maior autoridade do campo de estudos a que se convencionou chamar de história do livro, da leitura e das edições. Algumas de suas obras, como as também coletâneas O beijo de Lamourette (recentemente relançada em edição de bolso) e Os dentes falsos de George Washington, são tidas como clássicos da historiografia contemporânea. Suas reflexões concentram-se, de maneira geral, no papel dos impressos na difusão de ideias durante o Iluminismo. Suas observações partem, portanto, de um ponto de vista privilegiado, reforçado pela articulação de diferentes temporalidades que é sugerida no subtítulo da obra. Embora tenha como matériaprima por excelência o passado, Darnton, como todo historiador preocupado com sua função social, trabalha tendo em vista as questões do presente e os projetos de futuro. É fundamental ressaltar que A questão dos livros não pretende ser uma obra propriamente acadêmica – ao contrário, a maioria dos textos que a compõe foi veiculada originalmente em meios de comunicação que visam um público mais amplo, como a New York Review of Books. A linguagem empregada por Darnton é simples e acessível, contando mesmo com alguns toques de humor, o que expressa uma busca por situar suas ideias no espaço público, e não as circunscrever aos historiadores “iniciados”. Ainda que falte à obra uma unidade, observando-se certa heterogeneidade e algumas repetições de ideias entre os textos que a compõem (o que leva a indagar se seu lançamento foi pautado mais por interesses do mercado editorial que por uma genuína intenção em contribuir para debates atuais), é inegável que se trata de uma leitura agradável e instigante. O autor, desde o início, não oculta sua admiração ou mesmo predileção pelos livros. Com o seguinte trecho, inicia a introdução da obra:
Este é um livro sobre livros, uma apologia descarada em favor da palavra impressa e seu passado, presente e futuro. É também uma discussão sobre o lugar dos livros no ambiente digital que se tornou uma realidade essencial da vida para milhões de seres humanos. Longe de deplorar os modos eletrônicos de comunicação, quero explorar as possibilidades de aliá-los ao poder desencadeado por Johannes Gutenberg há mais de cinco séculos. (DARNTON, 2010a, p. 7)
Sua paixão pelo formato do códice – folhas encadernadas, a mídia a que hoje nos referimos mais frequentemente com a simples designação “livro” – influencia a própria organização da coletânea, sem, como ele próprio destacou, acarretar um descaso do autor com as inovações operadas e, até certo ponto, impostas pela “revolução digital”. As três temporalidades sugeridas no subtítulo constituem as grandes seções da obra, embora se apresentem em ordem inversa. Logo após a introdução, em que Robert Darnton situa sua experiência como repórter, como historiador acadêmico e, mais recentemente, como diretor da biblioteca de Harvard, encontra-se a subdivisão “Futuro” – que, por motivos que logo se tornarão claros, interessa-nos mais proximamente. Nos quatro artigos que a compõem, o Google Books é uma das temáticas centrais. Destacam-se o primeiro deles, “O Google e o futuro do livro”, que traz reflexões críticas sobre os possíveis rumos do ambicioso projeto do gigante da informática, e o texto seguinte, “O panorama da informação”, em que o autor mostra como a informação, sobretudo em sua vertente jornalística, teve sempre um estatuto instável. Com isso, busca demolir a ideia do senso comum de que a internet tornou as informações menos confiáveis e alerta que, em qualquer contexto, “notícias não são o que aconteceu, mas uma história sobre o que aconteceu” (DARNTON, 2010a, p. 43). A partir disso, são feitas novas avaliações a respeito da cultura digital e das transformações que ela impõe a nossa relação com o conhecimento, ao fim das quais o autor defende firmemente a necessidade de permanência (e mesmo de renovação e fortalecimento) das bibliotecas de pesquisa, ainda que páginas e páginas venham a ser condensadas em códigos binários:
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Vida longa ao Google, mas não esperemos que ele viva o bastante para substituir aquele venerável edifício com colunas coríntias. Como cidadela do saber e plataforma para aventuras na internet, a biblioteca de pesquisa ainda merece estar no centro do campus, preservando o passado e acumulando energia para o futuro. (DARNTON, 2010a, p. 59)
A seção “Presente” congrega relatos sobre experiências de que Darnton participou ativamente e que guardam alguma relação com as transformações no universo dos livros, da leitura e da edição. “E-books e livros antigos” é iniciado com a instigante frase “O futuro de Marshall Mcluhan não aconteceu” (DARNTON, 2010a, p. 85), em referência à afirmação profética do fim da palavra escrita feita em 1962. Ao longo do artigo, Darnton se interroga sobre as potencialidades e as limitações dos livros eletrônicos, apresentando a interessante possibilidade de obras nesse formato serem compostas por diferentes níveis de leitura e material adicional, que seria inviável incluir em uma versão impressa. Em “Gutenberg-e”, o autor comenta um projeto de publicação de monografias eletrônicas, a partir de teses premiadas, que coordenou junto à American Historical Association. A seção é completada por “Acesso Livre”, texto escrito no momento em que se votava em Harvard uma moção para facilitar o acesso aos artigos científicos produzidos no âmbito da instituição. A seção “Passado”, finalmente, traz Darnton em seu território mais natural, com estudos levemente mais acadêmicos. Com ênfase no século XVIII, o autor discorre sobre a preservação de acervos de impressos, a bibliografia crítica, a leitura, o circuito que vai do autor ao leitor, passando por editores, impressores, livreiros, entre outros. Mesmo sem constituir um objeto central das reflexões do historiador norte-americano, questões ligadas aos direitos de autor perpassam toda a obra. Logo na introdução, Darnton menciona os problemas que o projeto do Google Books enfrentou, com uma ação judicial movida sob o argumento de que o projeto violaria copyrights (2010a, p. 9). Comentando pontualmente alguns aspectos que giram em torno desse mesmo projeto, o historiador afirma: “Embora se espere que editores, autores e o Google cheguem a um acordo, é difícil entender como o copyright deixará de representar um problema” (DARNTON, 2010a, pp. 54-55). Em diversos momentos da obra, critica a cada vez 120
mais longa extensão das garantias do copyright, fato que Darnton enxerga claramente como nocivo à difusão do conhecimento e, em última instância, à sociedade como um todo. Sem dúvida, há um forte componente de interesse público na consecução de um projeto nas proporções do Google Book Search. O advogado norte-americano Lawrence Lessig aponta que, nos primórdios do projeto, os 18 milhões de livros que a empresa pretendia digitalizar poderiam ser subdivididos em três grandes categorias: 16% se encontravam em domínio público, 9% estavam sob a proteção do copyright e em circulação comercial, e os 75% restantes (o equivalente a 13,5 milhões de livros) encontravam-se encampados pela proteção da lei, porém não mais em circulação comercial (LESSIG, s/d). Tal situação traduz uma lógica cruel do mercado editorial, a de que a proteção conferida pelos direitos autorais não garante a fruição econômica destes pelo autor. Um grande número de obras publicadas acabam, em algum momento, sendo relegadas a uma espécie de limbo editorial e, em muitos casos, o rastreamento da titularidade dos direitos patrimoniais deste grande volume de publicações, para fins como os de digitalização, demonstra-se de difícil consecução. O direito de autor passa a servir como empecilho à própria sobrevivência dos livros. O Google não é o primeiro a se lançar em um projeto de digitalização. Destacamos exemplos como: a Biblioteca Nacional da França (http:// gallica.bnf.fr/), o portal brasileiro Domínio Público (http://www.dominiopublico.gov.br) e o Internet Archive (http://www.archive.org), que mantém um vasto repositório de mídias em formato digital, abrangendo não só livros, mas também arquivos de áudio, vídeo, softwares e websites, em suas mais diversas encarnações. Projetos como estes, por mais bem intencionados que possam ser, não costumam avançar para além da digitalização de obras que se encontram em domínio público, pois o risco de arcar com os custos de uma ação judicial envolvendo titulares de direitos sobre milhares de obras digitalizadas é muito alto para sequer se considerar a possibilidade de um posicionamento judicial favorável. O Google, por sua vez, um poderoso agente econômico, assumiu o risco de ser acionado na Justiça, ao digitalizar obras protegidas pela lei, fazendo com que os interessados na solução desta controvérsia abandonassem o impasse e buscassem um pronunciamento da Justiça. Uma decisão favorável ao Google serviria de poderoso
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precedente, não somente a favor da empresa, mas também a outros projetos de digitalização, como os acima apontados. No entanto, o caminho tomado pelos litigantes em favor de um acordo aponta tão somente o potencial surgimento de um monopólio da parte de uma empresa capaz de arcar com os custos financeiros de sua ambição, fechando as portas para que outros projetos semelhantes sejam desenvolvidos, e lançando uma sombra de incerteza no que cabe ao futuro dos acervos digitais.4 Não foi, portanto, arbitrária ou desarrazoada a decisão da Justiça norte-americana de rejeitar esse acordo, mas uma análise mais detida a esse respeito ultrapassa os limites desta resenha. Face à complexidade de todas essas questões que envolvem o direito de autor, Robert Darnton acaba por adotar uma posição excessivamente cautelosa, evitando envolver-se nas grandes polêmicas que cercam o tema. Para citar apenas um exemplo, observa-se que uma questão essencial, que poderia muito beneficamente ter sido mobilizada em “Acesso Livre”, além de ser um ponto nodal dos debates sobre direitos autorais no âmbito acadêmico, é sumariamente ignorada por ele: o fato de que o conhecimento, especialmente aquele produzido nas universidades, é, por excelência, coletivo. Teses, dissertações e monografias são, sempre, trabalhos escritos em coautoria: para eles contribuem, ao menos, o aluno e seu orientador. Isso sem mencionar as inúmeras citações sobre as quais se assenta qualquer produção acadêmica, os diversos diálogos com colegas que afetam com frequência os rumos de um texto, os leitores de suas versões preliminares... Em resenha do livro Common as air: revolution, art and ownership, de Lewis Hyde, publicada em agosto de 2010 pelo Sunday Book Review do jornal The New York Times, Darnton comenta, um tanto timidamente, essa questão. Hyde, segundo Darnton, alerta para “um novo movimento de cercamentos” que estaria em curso, de forma a “cercar grandes setores do domínio público – na ciência, nas artes, na literatura, e em todo o mundo do conhecimento – para explorar monopólios” (DARNTON, 2010b5). Mais à frente, Darnton comenta o contraste feito por
Hyde entre as iniciativas que qualifica de “cultural commons”, como as licenças Criative Commons, a Public Library of Science, a Wikipedia e o Internet Archive, e “os esforços para fechar setores do conhecimento, de forma a os explorar para o lucro privado” (DARNTON, 2010b). Embora não esconda uma percepção de que o autor de Common as air é um pouco utópico, o historiador não pode deixar de concordar com seu posicionamento de que a atual legislação de copyright é, a um só tempo, o mais eficaz e o mais brutal ato desse “cercamento intelectual”. É uma pena que reflexões dessa natureza tenham aparecido de forma tão restrita em A questão dos livros, pois muito poderiam iluminar todos os temas discutidos na obra, em especial o polêmico Google Books. O livro de Robert Darnton tem, porém, um grande mérito: o de discutir com temperança toda uma gama de questões com grande potencial para gerar posições inflamadas e polêmicas inócuas. Em repetidas passagens da obra, o autor sustenta uma postura intermediária face a duas reações comuns quando se procura debater o futuro dos livros na era da informática. Darnton busca evitar tanto o otimismo exacerbado, que toma a digitalização como verdadeira panaceia, cujo advento viria a solucionar todos os problemas da difusão e da conservação do conhecimento, quanto as visões apocalípticas, segundo as quais os bits estariam aniquilando irremediavelmente a palavra impressa. A partir dessa “via intermediária”, ele alerta o leitor para os possíveis problemas da digitalização, ao mesmo tempo em que destaca suas potencialidades. O autor, portanto, torna-se uma voz a favor da ubiquidade da informação, em quaisquer mídias em que ela se apresente ou se possa fixar. A admiração que Darnton nutre pelo códice, no entanto, não é mero fetichismo. Tal formato, em realidade, foi (e se pode argumentar que continua sendo) o substrato mais prático e longevo para a fixação de ideias, prevalecendo sobre outros suportes ao longo dos séculos, principalmente após a introdução da prensa de tipos móveis. Darnton ressalta, com muita razão, que há um “princípio geral da história da comunicação”, segundo o qual “uma mídia não toma o lugar de
4. Acerca do Google Books Settlement, ler o texto do professor James Boyle: Google Books and the Escape from the Black Hole, disponível em http://www.thepublicdomain.org/2009/09/06/google-books-and-the-escape-from-the-black-hole/. Acesso em 15 de março de 2011. 5. Em todas as citações a esse texto, tradução nossa. 121
outra, ao menos a curto prazo” (2010a, p.14). Por outro lado, ressalta ele, “a explosão dos modos eletrônicos de comunicação é tão revolucionária quanto a invenção da impressão com tipos móveis” (DARNTON, 2010a, p. 14). Face a essas duas assertivas, conclui-se que uma “coexistência pacífica” entre a palavra impressa e a palavra digitalizada é não só necessária, como também inevitável, e é justamente por isso que devem ser rechaçadas posições extremas tanto a favor quanto contra a substituição do códice pelo bit. Além disso, qualquer mídia que pretenda desafiar a hegemonia do livro deve, primeiro, oferecer uma solução a longo prazo para o caráter volátil das tecnologias e dos formatos digitais, que são substituídos ou abandonados em um ritmo acelerado, seja pela evolução dos hardwares e discos de armazenamento, seja por uma demanda de mercado. Um exemplo contundente se encontra em “Em louvor ao papel”, ensaio publicado originalmente em 2001 como comentário ao livro Double Fold, de Nicholson Baker, em que é relatada a trajetória tragicômica da substituição de coleções de jornais por microfilmes em diversas bibliotecas dos Estados Unidos. A partir de uma verdadeira “campanha” dos bibliotecários pela necessidade de liberação de espaço em suas estantes e de denúncias do caráter perecível do papel, os originais foram descartados, mas muitos dos microfilmes que tomaram seu lugar foram consumidos pelo bolor ou, confeccionados às pressas, apresentam falhas que os tornam ilegíveis ou incompletos. O resultado foi a perda de um patrimônio histórico de valor inestimável. O lamento com que Darnton encerra esse texto é eloquente: E as maravilhosas coleções de jornais que desapareceram das estantes das bibliotecas? Algumas poucas sobreviveram, mas a maioria foi perdida, irremediavelmente perdida. Ao contrário dos bisões e das florestas, não podem ser ressuscitadas. A moral da história serve de corretivo para o folclore jornalístico: não existe nada mais morto que o jornal de ontem, exceto o jornal de ontem destruído. (DARNTON, 2010a, p. 145)
Na nota introdutória que apôs ao texto para a republicação em A questão dos livros, o autor atenta para o fato de que excessos em iniciativas como a do Google poderiam levar a resultados igualmente desastrosos:
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Hoje confiamos na digitalização, ainda que cópias digitais sejam ainda mais vulneráveis à deterioração e à obsolescência que o microfilme. [...] O papel continua sendo a melhor mídia para preservação, e as bibliotecas ainda precisam encher suas estantes com palavras impressas em papel. Além disso, uma digitalização no estilo do Google Book Search pode ter tantos defeitos quanto a microfilmagem realizada há quatro décadas. (DARNTON, 2010a, pp. 125-126)
Se o paralelo entre os microfilmes e a digitalização de livros feito por Darnton não parece o suficiente para nos convencer dos problemas desta, que retomemos outra obra em que se professa um profundo amor aos livros e à leitura, A biblioteca à noite, do argentino Alberto Manguel. Após comentar em tom semelhante ao do norteamericano as falhas dos microfilmes, Manguel relata uma ambiciosa iniciativa da BBC de criar uma versão moderna e multimídia, contendo um volume colossal de informações sobre o ano de 1986, do Domesday Book, um célebre censo da Inglaterra realizado no século XI por monges normandos. Embora tenha consumido 2,5 milhões de Libras Esterlinas, esse projeto logo se tornou inacessível, devido à obsolescência tecnológica da mídia empregada para o armazenar: Mais de 1 milhão de pessoas contribuíram para o projeto, que foi gravado em discos laser de doze polegadas, decifráveis apenas por um computador especial da BBC. Dezesseis anos mais tarde, em março de 2002, fez-se uma tentativa de ler a informação num dos poucos computadores dessa espécie que restaram. A tentativa fracassou. Testaram-se outros modos de recuperar os dados, mas nenhum foi inteiramente bem-sucedido. (MANGUEL, 2006, p. 71)
Em tom irônico, Manguel arremata: “Em contraste, o Domesday Book original, com quase mil anos de idade, escrito com tinta e papel e conservado no Public Record Office em Kew, está em boas condições e ainda é perfeitamente legível” (2006, p. 71). São situações como essas que tornam os alertas tanto de Darnton quanto de Manguel fundamentais em meio à euforia da digitalização de livros. Quem garante que os arquivos .jpeg ou .pdf de hoje terão destino mais
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feliz que os microfilmes ou os laser discs de doze polegadas de ontem? Por outro lado – e este é um argumento central em toda A questão dos livros –, é essencial ver no advento da “era digital” uma oportunidade ímpar para promover uma democratização no acesso ao conhecimento. Os preciosos livros do acervo de obras raras da biblioteca da Harvard, por exemplo, antes somente consultáveis no local (que impõe, diga-se de passagem, rígidas condições para o acesso, mesmo a pesquisadores altamente qualificados), estariam, se levado a cabo o projeto do Google Books, à distância de um clique. Há, entretanto, um lado potencialmente nefasto nesse processo: o Google é uma empresa e, como tal, visa fundamentalmente ao lucro. Seria perigoso, portanto, torná-lo “depositário” de uma parcela tão grande do conhecimento mundial. É esse o sentido da afirmativa em tom de manifesto feita por Darnton: Sim, é preciso digitalizar. Mas democratizar é ainda mais importante. Precisamos garantir livre acesso à nossa herança cultural. Como fazer isso? Reescrevendo as regras do jogo, subordinando interesses privados ao bem público e nos inspirando nos primórdios da República para criar uma República Digital do Saber. (2010a, pp. 30-31)
Não por acaso, Robert Darnton recebeu com aprovação a notícia de que o acordo fora obstado pela Justiça norte-americana. Após elogiar a expertise tecnológica e a audácia do Google, ele conclui, em texto significativamente intitulado “A digital library better than Google’s”, publicado pelo New York Times pouco após essa decisão: “Mas apenas uma biblioteca digital pública poderá prover aos leitores aquilo de que precisam para enfrentar os desafios do século XXI – uma vasta coleção de recursos que pode ser acessada, sem custos, por qualquer pessoa, em qualquer lugar, em qualquer momento”6 (DARNTON, 2011). A democratização do conhecimento por meio da digitalização passa, necessariamente, pela liberdade em empreender tais projetos. A atual sistemática do direito de autor, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil, estabelece a vigência de direitos patrimoniais sobre obras intelectuais até o limite de 70 anos após a morte do autor. Como
sugerido anteriormente, um empreendimento de digitalização massiva de acervos de bibliotecas deve, de acordo com a lei, medir esforços na identificação de titulares de direitos sobre obras que não se encontram em domínio público e, eventualmente, indenizá-los pela autorização relativa ao escaneamento. Acumulam-se, portanto, gastos com a operação de digitalização, assim como os relativos à liberação de seu uso pelos titulares dos direitos patrimoniais, o que torna toda a operação proibitivamente custosa. O acordo que o Google tentou firmar com a Author’s Guild e Association of American Publishers retiraria da Corte Americana o poder de se pronunciar sobre uma questão que é eminentemente de interesse público, o que certamente pesou no juízo contrário à sua prevalência. É no contexto da discussão desses problemas que Darnton retoma a ideia da “República das Letras” professada pelo Iluminismo. Essa “República” seria uma comunidade intelectual perfeitamente democrática e pautada pelo mérito, “um reino sem polícia, sem fronteiras e sem desigualdades, exceto aquelas determinadas pelo talento” (DARNTON, 2010a, p. 22). Em termos práticos, porém, essa “República” mostrou-se muito pouco republicana, tendo sido fortemente dominada por elites letradas. Para o autor, com a informática, estaríamos vivendo uma oportunidade de refundar essa experiência – se soubermos, evidentemente, resistir à tentação monopolista do Google (ou de qualquer outra empresa que venha a desenvolver projetos semelhantes), de forma a fazer com que os interesses públicos prevaleçam sobre os privados. Nesse sentido, merece ser ouvido atentamente o apelo com que é encerrado o artigo “O Google e o futuro do livro”: Este é também um momento crucial no desenvolvimento daquilo que chamamos de sociedade da informação. Se desequilibrarmos as coisas neste momento, interesses privados poderão sobrepujar o bem público por todo o futuro próximo, e o sonho do Iluminismo poderá se tornar tão fugidio quanto sempre foi. (DARNTON, 2010a, pp. 37-38)
Tornar esse “sonho iluminista” concreto e não mais “fugidio” pressupõe uma profunda (re)
6. Tradução nossa. 123
discussão dos direitos autorais. Na concepção individualista que acabou por os estender a durações muito além das aceitáveis, fugindo inteiramente ao propósito com que foram criados no século XVIII, eles representam, em muitos casos, verdadeiros entraves à difusão do conhecimento e ao desenvolvimento científico. Como discutido anteriormente, Robert Darnton é tímido ao tratar da propriedade intelectual e das profundas alterações que a “revolução digital” lhe vem impondo, evitando posições incisivas e comentários aprofundados sobre o tema. Seu A questão dos livros oferece, entretanto, ao tratar do futuro dos livros, do estatuto da informação no mundo atual, de suas experiências como editor de uma série de monografias eletrônicas, do circuito editorial estabelecido em torno de Voltaire – em suma, ao falar do passado, do presente e do futuro dos livros –, substratos preciosos para refletir sobre os copyrights. Seguir as trilhas do historiador (e de tantas outras áreas do conhecimento que poderiam aqui contribuir) talvez seja, enfim, uma forma de evitar o caráter tautológico que marca tantos debates sobre o direito, em que os juristas são incapazes de enxergar para além dos muros estreitos de suas academias.
DARNTON, Robert. A questão dos livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010a. DARNTON, Robert. A Republic of Letters. In: The New York Times Sunday Book Review. August 22, 2010b, p. BR15. Disponível em: http://www.nytimes. com/2010/08/22/books/review/Darnton-t.html. Acesso em 13 de março de 2011. HELFT, Miguel. Judge Rejects Google’s Deal to Digitize Books. In: The New York Times. March 23, 2011, p. B1. Disponível em: http://www.nytimes. com/2011/03/23/ technology/23google.html. Acesso em 10 de maio de 2011. LESSIG, Lawrence. Is Google Book Search fair use? Disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=TmU2i1hQiN0. Acesso em 15 de março de 2011. MANGUEL, Alberto. A biblioteca à noite. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
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Rev. Acad. Milton Campos, Nova Lima, V. 1, N. 2, P. 118-124, Jul./Dez. 2010