A Questão identitária em contextos de mudança: O caso dos macaenses

September 11, 2017 | Autor: Carlos Piteira | Categoria: Identity (Culture)
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Titulo: A Questão Identitária em contextos de mudança social: (Pressupostos
para um modelo de análise: O caso dos macaenses)

Autor: Carlos Piteira
Professor Auxiliar no ISCSP/UTL e Investigador do Instituto do
Oriente



Resumo:

Identidade, cultura, etnicidade e comunidade são conceitos que proliferam
nos discursos e nas agendas da actualidade, tomando uma abrangência e uma
multiplicidade de significados que quase fazem perder o seu sentido e o seu
conteúdo.

O presente artigo tenta recuperar os pressupostos para uma análise
contextualizada destes temas, recorrendo no essencial à sua dimensão
antropológica, sem descurar os contributos das demais ciências sociais,
focando-se nomeadamente, no modelo da manutenção e perpetuação das
«singularidades» dos grupos étnicos e sociais.

As sociedades modernas, vivem ritmos de mudança completamente
imprevisíveis, reformulando e reconfigurando as dimensões identitárias dos
grupos sociais que as inserem, a realidade asiática é talvez aquela onde
este fenómeno se torna mais visível pelo peso da «modernização» massiva a
que assistimos.

A análise através dos referenciais da adequação dos «modos de vida» é aqui
equacionada como vector analítico dessas reconfigurações, apoiando-se no
caso paradigmático da comunidade macaense como ilustração do modelo
analítico, fornecendo simultaneamente um enquadramento às linhas de
investigação que o Instituto do Oriente pretende desenvolver em matéria das
questões identitárias em contextos de mudança social na realidade asiática.



Abstract

Identity, culture, ethnicity and community are concepts that all peoples
are using now in any kind of context, giving them comprehensiveness and a
multiplicity of meanings with the risk of itself to lose in sense and in
content.

The present article as the intention to give a more accurate analysis put
into context appealing, in base essentially, to one anthropological
dimension and approach, without ignore the contributions of the others
social sciences, focus itself in a comprehensive model of the maintenance
and perpetuation of the singularities and cultural( ethnical) issues
patterns in a social groups.

The current live in societies, today more than the past, living in a
rhythms of unforeseeable change, namely in Asian reality that itself
modernizes in a growing rhythm, reformulating and reconfiguring the
identities dimensions that the social groups go assuming.

The analysis through the referential of the "ways of life" healthy here set
out like vector analytic of those reconfigurations, supporting itself in a
case of paradigmatic community of Macanese as illustration of the analytic
model, intending, in this way, give a justification to the lines of inquiry
that the Oriental Institute provide to develop in matter of the questions
of identity in contexts of social change in the Asian reality.

A Questão Identitária em contextos de mudança social
(Pressupostos para um modelo de análise: O caso dos macaenses)


A temática das identidades e da etnicidade ganha cada vez mais relevo no
contexto das mudanças sociais que se vão processando um pouco por todo o
lado, essencialmente nas conjunturas que actualmente invadem o nosso
quotidiano.

A Ásia, ou em rigor, uma parte dela, tem vindo a sofrer processos de
modernização na senda de uma globalização que vai tomando cada vez mais uma
forma estruturada e organizada, essencialmente motivada pelas dinâmicas da
industrialização/urbanização que as novas economias emergentes trazem
associadas.

É pois neste contexto que o estudo das questões identitárias, ou a
reformulação dessas mesmas, podem trazer alguns contributos para uma melhor
compreensão do fenómeno aí emergente.

Por razões de ordem semântica, todas as palavras traduzem significados aos
quais tendemos a atribuir um valor ou um significado, porém, algumas delas
transmitem também sensações e a palavra «comunidade» é por certo uma
dessas, conceito este que é por natureza sócio-antropológico.

Ela (a comunidade) sugere a possibilidade de podermos pertencer a algo que
nos identifica como um colectivo, algo que partilhamos com os outros, ou
seja, uma forma de não estarmos "sós", o sermos o "Nós" em contraponto do
ser o "Eu".

Nos tempos que correm, onde predomina a competição, as frivolidades e a
fragmentação de valores, esta sensação de estarmos em «comunidade» capacita-
nos para o retorno ao colectivo. É a "miragem" que nos legitima na procura
da segurança e do conforto num mundo em conflito[1].

Numa «comunidade» contamos com a "boa vontade" dos outros, sentimo-nos
protegidos e integrados como membros plenos mas, para que haja
«comunidade», é necessário que existam valores, valores que permitam a cada
um construir a sua identidade e simultaneamente integrar-se num colectivo,
ou seja, o de estar envolvido num fim comum em que valha a pena se empenhar
e para isso basta lá estar.

A palavra «valor», por sua vez, assume também vários significados no nosso
léxico, enquanto atributo social, qualquer que seja a interpretação dada,
serve essencialmente para interiorizar a nossa conduta, os nossos
comportamentos, a nossa forma de estar na vida. Eles (os valores) afectam
todas as nossas experiências, porque é a partir deles que formulamos os
nossos juízos sobre o que nos rodeia.

Os valores são assim algo de duradouro e de valioso que está interiorizado
em todos nós e que simultaneamente partilhamos com os outros numa busca
incessante de um colectivo a que queremos pertencer, seja ele uma nação, um
país, uma religião, uma sociedade, um local ou um grupo.

A dimensão humana, independentemente das configurações que lhe queiramos
atribuir, suporta-se sempre num quadro de valores que a condiciona e a
estimula e, uma das questões que se nos coloca hoje, é a sabermos como nos
integramos nas modernas sociedades da informação e do conhecimento.

Ao diluirmos a noção de fronteira e de território, transformamos o nosso
mundo e a nossa casa em realidades globalizáveis onde enfatizamos a nossa
possibilidade de sermos cidadãos do mundo. As sociedades seguem-lhe as
pisadas, tornam-se também elas em algo de volátil onde é difícil perceber
os seus contornos e aquilo que elas são, apesar de sabermos da sua
existência.

A reformulação dos conceitos de «comunidade» e «identidade», acompanham
também esta versatilidade, tornando-as em realidades virtuais, simbólicas e
imaginadas, suportadas numa rede que se expande pelo acesso à tecnologia. A
sua perpetuação ganha uma nova dimensão que é a de podermos escolher entre
as várias alternativas propostas.

A procura de relacionamentos neste contexto envereda predominantemente nas
redes sociais que projectamos na nossa qualidade identitária, com a
diferença de que, cada vez mais, a identidade deixa de ser, confinada e
estatutária, para ser reflexiva e imaginada.

Na verdade, a globalização tem permitido mais a criação e a afirmação de
identidades diferenciadas e distintas, do que propriamente alimentado o
mito da homogeneidade, promovendo assim o direito ao pluralismo e á
diferença,

Efectivamente, temos assistido nos últimos anos, a um despertar da
consciência identitária com base na acção efectiva nas sociedades. Podemos
assim supor que o facto mais saliente do século presente assenta nas
transformações básicas dos valores que vão emergindo nas sociedades actuais
em processos de mudança.

Esta é talvez a transformação mais significativa da aurora do Séc. XXI. Com
efeito, assistimos a uma mudança estrutural e conjuntural da própria
comunidade internacional, com novas e mais alargadas redes de relação e das
consequências daí decorrentes, ou seja, assistimos à possibilidade múltipla
de nos reencontrarmos em espaços de re-ligação permitindo-nos oscilar entre
os valores da tradição/conservadorismo e os da modernidade/liberalismo.

Vivemos num mundo de sincretismos, onde os contactos são dimensionados num
espaço planetário. É também o que se passa com as sociedades e as
comunidades que cada vez mais se transformam em transnacionais e
internacionais. A cidadania identitária é o mundo onde podemos estar e com
quem nos queremos relacionar.

Para isso é preciso compreender a força dos «Grupos» e a forma como
individualmente cada um constrói nesse colectivo as referências sociais
apoiado em valores para orientar o seu esforço, o referencial «Grupo» passa
assim a ser o cenário social da mudança que nos permita viver experiências
e relações duráveis na nossa vida quotidiana, constituindo uma espécie de
"jogo" onde podem ocorrer, deslocações, trocas e projecções identitárias,
com incidência na alteração das representações significativas para a nossa
vida em comum.

Assim sendo a questão das identidades e da etnicidade fica alargada e
volatilizada, transferimos as nossas projecções estruturadas e padronizadas
para realidades de reconstrução e reconfiguração quase que permanentes ao
sabor das dinâmicas sociais que cada um é capaz de abarcar, ou seja no
dizer de Zigmunt Bauman[2] deslocamo-nos das sociedades sólidas para as
sociedades líquidas. No entanto, qualquer que seja, a abordagem que
venhamos a optar, encaramos sempre com a necessidade de tentar minimamente
referir o seu enquadramento teórico e conceptual prévio a fim de podermos
assumir um ponto de referência.

Assim este artigo, procura-se essencialmente fornecer pontos de referência
para a possibilidade de pesquisa neste domínio com relevância para os
contextos em mudança, sem que daí ocorra um vazio conceptual, tendo como
base um estudo elaborado pelo autor sobre a reconfiguração identitária do
«grupo de macaenses» no actual contexto da inserção do território na
Republica Popular da China que atravessa um processo de modernização com os
efeitos daí consequentes[3].

Os "focos" teóricos considerados mais relevantes inserem-se no domínio da
Antropologia Social e Cultural, ou seja, elegemos o domínio da componente
cultural como principal fio condutor das pesquisas a serem elaboradas na
questão étnica e identitária, sendo os conceitos de «cultura» e
«etnicidade» revistos nesta problemática da identificação das
singularidades que vão emergindo no actual contexto.

Cultura e Identidades

O actual estudo da cultura, enquanto objecto de formulação científica é
cada vez mais aliciante e desafiador se tivermos em conta que se expande
por contextos cada vez mais diversificados como a globalização, a
regionalização, a massificação, a individualização, a internacionalização,
os conflitos inter étnicos, etc., rompendo com as barreiras da sua
aplicabilidade restritiva às sociedades tradicionais para passar também a
incluir as sociedades urbanas e modernas.

Estamos assim, talvez, perante uma nova fase da Antropologia, que a título
ilustrativo, poder-se-ía denominar de «Antropologia das Sociedades
Complexas», cada vez mais concentrada, na perspectiva da mudança e
desenvolvimento social, atribuindo ao Homem enquanto ser cultural um papel
determinante na evolução do contexto sócio-cultural, e enformando uma nova
perspectiva dimensional que a caracteriza.

A crítica é ainda a marca dominante na actualidade. A Antropologia carece
ainda de elementos integrativos que permitam considerá-la como um "todo"
capaz de abarcar o Homem na sua dimensão holística. No entanto os ramos das
suas especializações deixam de estar dissociados e penetram-se mutuamente.
As possibilidades de enriquecimento que esta atitude crítica pode vir a
trazer são ilimitadas no sentido em que explora em várias direcções as
explicações do fenómeno cultural enquanto invenção do Homem.

Deste modo podemos quase que afirmar que o conceito de «cultura» está ainda
por reinventar, no entanto, consideramos que os conhecimentos adequiridos
pela Antropologia enquanto ciência, são já o resultado de uma reflexão
bastante séria e profícua nesta matéria, pelo que, a ter em conta como
emquadramento teorico e conceptual.

Dizer que a «cultura« é parte integrante da natureza humana enquanto
pressuposto genérico pouco auxilia. Aliás foi talvez esta excessiva
generalização que levou a que o termo "cultura" acabasse por perder sentido
enquanto fenómeno social observável do ponto de vista científico.

Afirmações como "a cultura é tudo o que nos rodeia" ou "todos somos
portadores de uma cultura" em nada contribuíram também para um entendimento
da mesma, pelo contrário, deram-nos uma visão, quer dogmática, (porque
inexplicável) quer simplista (porque abarcável por qualquer um).

Se por um lado esta perspectiva peca por demasiadamente generalista, também
as há que enfocam a "cultura" num conceito demasiadamente reducionista,
isto é, os cultores da ciência fechada, que dum modo hermético assentam os
seus pressupostos num aglomerado de explicações baseadas em conceitos
cibernéticos de "caixa negra" ou de grande "engenharia humana", com
pretensões na explicação do comportamento humano.

A alternativa mais adequada para centralizar esta temática é, sem dúvida, a
que se liga à das modernas ciências comportamentais, isto é, aquelas que
têm como objecto o estudo do Homem, quer do seu ponto de vista individual,
(a Psicologia) quer social (a Sociologia), quer holístico (a Antropologia).

Por tradição tem sido esta última aquela que duma forma mais acentuada se
tem debruçado na pesquisa da "cultura", quer como conceito, quer como
fenómeno observável em termos de pesquisa e sistematização metodológica.

Óbvio é, que no contexto actual em que a(s) ciência(s) se inserem, errado
seria desprezar as capacidades da análise inter e pluri disciplinares e
todas as vantagens que daí advêm, pelo que não se deve depreciar qualquer
outro tipo de abordagem mesmo que não seja a antropológica.

Ao eleger a Antropologia, para melhor enfocar a temática da "cultura"
apenas estamos a reconhecer o mérito próprio de ter sido a ciência que pela
sua natureza tem vindo a especializar-se nesta vertente.

Assim, antes de entrarmos numa análise mais refinada, convém ter em conta
alguns enunciados que a própria Antropologia já nos demonstrou.[4]


1) É impossível determinar o começo de qualquer actividade cultural, cuja
origem não está ao nosso alcance conhecer.


As "tendências" que se encontram na base de todos os fenómenos culturais
devem ser a meta da investigação.

Essa "tendência", sendo inerente à mente, e simultaneamente do Homem
Social, existe nos indivíduos que fazem a "cultura" e são determináveis
apenas a partir de um estudo histórico dos grupos sociais.

Causas ou começos específicos de fenómenos culturais são uma ilusão.

Na grande unidade da "cultura total" reside a verdadeira essência para o
estudo do Homem. Nela, e enquanto parte dela, são compreensíveis as
culturas, os movimentos sociais e civilizacionais, as tendências e os
fenómenos individuais. Só compreendendo a sua totalidade é possível
entender realmente as suas traduções que sempre têm um predecessor, mas
nunca um começo.


2) A cultura, enquanto conceito de transmissibilidade e de
hereditariedade, não deve ser considerada apenas do ponto de vista
super orgânico.

A transmissão hereditária dos usos e costumes, apesar de visivelmente ser
considerada como super orgânica, isto é, independente da sua herança
genética, nem sempre é conclusiva, pelo que não devemos menosprezar algumas
condicionantes antropo-biológicas que até prova contrária deverão ter-se em
conta, essencialmente enquanto definidores de traços étnicos, duma forma
mais apurada ou mais mestiçada, sem deixar de ser no entanto um dos seus
elementos definidores enquanto traço genético da pretensa identidade.

Ser ou não ser de um determinado grupo étnico-cultural não é uma escolha
completamente livre, é algo que do ponto de vista da hereditariedade se
caracteriza por ser portador de um determinado "polo genético" de
ascendência com maior ou menor grau de determinação.

Afirmações deste teor poderão provocar alguma incompreensão, se forem
despidas de um contexto antropológico, isto é, se não forem entendidas no
sentido do Homem enquanto unidade complexa e multidimensional, pelo que
convém, desde já, refutar qualquer ilação de carácter racial ou xenófobo,
até porque neste domínio a Antropologia tem sido a ciência que mais
contributos tem dado para o entendimento do Homem enquanto ser universal,
sem lhe retirar a sua especificidade e a sua particularidade enquanto ser
cultural.

Daí que termos como etnicidade, etnia ou identidade cultural ganhem hoje
contornos de análise cada vez mais refinados que permitem entender, de uma
forma mais particularizada, a diversidade humana sem lhe atribuir
qualidades de superioridade ou de inferioridade mas, apenas devolvendo-lhes
as suas particularidades e entendendo as suas diferenças.

Deste modo, há que formular desde já duas reservas do ponto de vista
conceptual: em primeiro lugar a sociedade e a cultura não devem ser
simplesmente colocadas entre parêntesis, como sendo o «social» em contraste
ou diferente com o «cultural», em determinados contextos são separáveis, e
é até preferível distingui-los, porém quando o seu significado é claramente
inclusivo, então estamos perante a possibilidade do emprego do termo «sócio-
cultural». Em segundo lugar, o Homem ser "sócio-cultural" é de "per-si"
portador global dessa particularidade, quer ao nível orgânico, quer ao
nível super orgânico, isto é, não se pode dissociar o corpo da alma, a
psíco do físico, ou o orgânico do cultural.


3) As culturas, as sociedades e os indivíduos representam "tópicos"
mais ou menos generalizados e característicos da Antropologia,
Sociologia, Psicologia e História, sem reivindicar, nem
substancialidade nem auto-suficiência completa para o entendimento
da «cultura», aceitando-a, como um todo do «comportamento humano».


O antropólogo deve, todavia, de ocupar-se necessariamente e em primeiro
lugar desse aspecto do produto do comportamento humano e do que o
influencia, a que geralmente se chama de «Cultura».

Assim, nesta óptica a «cultura» apresenta de "per-si " qualidades a que
está ligada.


a) - É transmitida e continuada, não estritamente pelo mecanismo
genético da hereditariedade, (intercondicionamento de zigotos)[5] mas
também pelo mecanismo de transmissibilidade «sócio-cultural».
b) - Quaisquer que sejam as suas origens, a cultura depressa tende a
tornar-se supra-pessoal ou anónima.
c) - Obedece a regularidade de forma, estilo e significação.
d) - Personifica valores, os quais podem ser formulados (abertamente
como hábitos e costumes), ou sentidos (implicitamente como modo de
reflectir), pela sociedade portadora da cultura.

O termo «cultura» tem assumido assim diversas interpretações ao longo do
tempo, assim como variado de sentido, conforme quem o utiliza.

Numa primeira instância o termo «cultura» tem sido usado essencialmente em
dois sentidos, um deles assenta numa acepção humanística e o outro numa
antropológica.

O significado humanístico do termo é de âmbito abrangente, globalizante e
comummente utilizado, varia desde uma perspectiva individual (p.ex: uma
pessoa culta) até uma perspectiva civilizacional e histórica (p.ex: a
cultura Inca, ou a cultura da Belle Epoque francesa etc.).

O significado antropológico, por sua vez, nasce com o aparecimento da
Antropologia enquanto ciência própria, isto é, independentemente da
história da Antropologia remontar aos primórdios do séc. XVII enquanto
ciência autónoma, toma forma apenas a partir de meados do séc. XIX, se não
mesmo no início do séc. XX.[6]

A primeira formulação do conceito antropológico de cultura, pertence a
Edward B. Tylor (1871) segundo a qual a


"...cultura é "cátedras", o complexo unitário que inclui o conhecimento,
a crença, a arte, a moral, as leis, e todas as outras capacidades e
hábitos adquiridos pelo homem como membro da Sociedade..."[7].

Com o avanço dos estudos que a Antropologia tem dedicado à cultura, cada
vez mais se torna familiar (comum) associar o sentido antropológico ao
termo, no entanto, na maioria das vezes duma forma simplificada se não
mesmo deturpada.

Um outro fenómeno a que se tem assistido também nas últimas décadas é o da
"captura de termos". É bastante vulgar qualquer ciência utilizar termos
doutras ciências, alterando-lhe ou dando-lhe uma ampliação ou restrição nem
sempre útil.

No domínio da Antropologia em geral o ramo que se tem debruçado sobre o
tema «cultura», tem sido o da Antropologia Cultural (também apelidada de
Antropologia Social ou de Etnologia).

Esta começou por estudar os costumes e as tradições dos povos (numa
primeira fase apenas nas sociedades primárias), procurando assim, dar-lhes
uma identidade própria, e ao mesmo tempo retribuir-lhes a sua dignidade
social.

Esta atitude permitiu a recuperação pelo respeito e consideração pela
cultura de cada povo.

A evolução da Antropologia Cultural, assentou essencialmente na formação
das suas correntes, isto é, a criação de "escolas" que padronizam uma
tradição de pesquisa e enquadram e sistematizam o estudo da "cultura" em
domínios específicos.

Assim, em síntese, poderemos resumir o estudo da «cultura» enquanto unidade
complexa, em diferentes acepções antropológicas, o que obviamente não lhe
retira uma homogeneidade de análise ou de entendimento, dado que todas elas
se complementam no fio condutor que é a ciência antropológica.

Actualmente temas como a identidade cultural, etnicidade e sub-culturas
ganham uma nova dimensão porque se tornaram realidades cada vez mais
captáveis à luz da sua dimensão cultural, logo, perceptíveis pelos
ensinamentos já adquiridos pela ciência antropológica.

Estamos assim, perante aquilo a que poderemos designar por um "campo
tórico" onde o conceito de "cultura" pode gravitar sem dispersão e sem
perda de sentido científico porque, sendo alvo da relação epistemologica
inerente à comunidade científica que o abarca, vai ganhando uma dimensão de
autonomia enquanto objecto observável no campo das ciências sociais.


O reconhecimento da lógica racional que anima cada cultura é um dado só
recentemente adquirido pela Antropologia e pelas demais ciências sociais.

A análise científica revelou a existência de "sistemas de pensamento",
"sistemas de parentesco", "sistemas políticos" em todas as culturas.
Paralelamente introduz-se o conceito de padrão ou padrões de cultura como
"organização coerente de comportamento". Aquilo que é um valor, aquilo que
está integrado no sistema, aquilo que é um padrão, adquire força cognitiva,
que obriga cada membro singular de uma sociedade, e a sociedade em si, ao
respeito do seu cumprimento.

Por outro lado, se alguém não foi educado e criado segundo as suas formas
não pode reconhecer que as culturas diferentes são tão significativas e
racionais para quem nelas comparticipa, como a sua o é para si[8] .

A multiplicidade das culturas exprime-se assim através de dois polos: o da
uniformidade e o da diversidade.

Se estivermos de acordo com o principio antropológico de que - todos os
homens descendem de uma mesma espécie, o "Homo Sapiens" -. Então, esta
pertença comum e esta identidade natural, assumem um valor fundamental e
fornecem uma explicação suficiente da uniformidade, que se manifesta na
cultura humana.

Por outro lado a diversidade das situações, de tempo e de lugar, são uma
motivação determinante para que o homem altere os seus modos de adaptação
ao meio envolvente que o circunda. Se esta explicação por si só seria
suficiente para determinar a diversidade cultural, há que lhe juntar também
a liberdade de escolha que é inerente ao próprio Homem, isto é, a
possibilidade de preferir uma solução a outra.

Assim podemos afirmar que a envolvente do lugar e a situação do tempo são
factores fundamentais na determinação da cultura, mas não os únicos,
havendo também que contar com o homem enquanto agente activo perante esta
realidade.

O etnocentrismo é uma consequência natural da força da cultura que se
desenvolve em que cada um, uma espécie de "doença cultural" que ataca a
faculdade de discernimento para entender as outras culturas.

A Antropologia nas suas especializações Etnológica, Cultural e Social
aparece para superar essas mesmas discriminações e os preconceitos
inerentes, tentando compreender os valores e as estruturas que cada cultura
comporta.

O "relativismo cultural" é assim uma aquisição da Antropologia e do
antropólogo e o seu significado fundamental leva ao respeito por todas as
culturas. Esse mesmo respeito seria em vão se não conduzisse, segundo as
possibilidades e as circunstâncias, ao seu estudo e ao seu conhecimento.

Sendo a «cultura» uma abstração à qual os cientistas sociais tentam dar uma
significação, só ganha utilidade enquanto conceito, desde que a mesma seja
susceptível de ser interpretada e descrita.

Falamos deste modo de uma "representação", que sendo física ou mental, é
suposto substituir a "coisa" que diz representar.

Há contudo muitas maneiras segundo as quais uma representação pode ser
adequada ao objecto, isto é, questiona-se em que condições essa
representação adquire sentido, nomeadamente sentido científico. É pois aqui
que a Antropologia ganha o seu espaço ao garantir os pressupostos para que
essas abstrações (relativas ao campo cultural) sejam tomadas nas condições
propícias para serem encaradas com rigor científico.

De que modo, então, a Antropologia e o antropólogo explicam e interpretam
as representações culturais?

Cada indivíduo constrói, todos os dias, milhares de representações mentais,
mas a maior parte delas são logo esquecidas e nunca transmitidas. Algumas,
muito raras, são expressas, isto é, transformadas em representações
públicas e transmitidas a outrem, a grande maioria apenas o são uma única
vez, outras contudo são transmitidas a novos destinatários que por sua vez
as tornam a transmitir e assim sucessivamente.

Quando uma rede social mais ou menos extensa no espaço e no tempo é
percorrida por uma representação, estamos perante uma representação
tipicamente cultural.

Por extensão, todo o fenómeno determinado por estas representações
especificamente culturais pode ser chamado de "cultural", quer se trate de
um acontecimento, dum instrumento, duma técnica, duma construção, duma
prática, dum hábito, dum tipo de alimentação etc., isto é ao fim e ao cabo
o que determina e o que caracteriza, no seu conjunto, um "modo de vida" ou
"um modo de ser".

Ao contrário da evolução biológica dos genes, dos vírus ou das bactérias
para as quais a reprodução é a regra e a mutação a excepção, no domínio das
representações sociais as mutações são a constante e a reprodução significa
a excepção.

A ambição da Antropologia é, com alguma pertinência a de abranger
sistemáticamente, tanto do ponto de vista geográfico como do ponto de vista
temático, o conjunto dos grupos culturais que habitaram e habitam no
planeta.

Uma tal cobertura juntará infalivelmente muitos mais dados do que aqueles
que um antropólogo algum dia possa usar.

Assim, um antropólogo ao viver no terreno uma experiência única, certamente
que aproveita as experiências e os conhecimentos dos seus antecessores,
mas, o instrumento primordial do seu trabalho é o da sua relação pessoal
pela qual se liga a uma determinada cultura particular.

É óbvio que o melhor antropólogo não é aquele que detém as melhores
relações pessoais ou humanas, mas sim aquele que melhor compreende e que
melhor interpreta (partindo dele próprio) as representações que o
circundam. Também aqui nenhuma técnica susceptível de ser aprendida
substitui o trabalho de compreensão intuitiva.

Deste modo o vocabulário utilizado pelo antropólogo, apesar do recurso aos
seus conceitos teóricos e técnicos, torna-se também Interpretativa.

O antropólogo tem por tarefa explicar as representações culturais, isto é,
descrever os factores que determinaram a selecção de certas representações
e a sua partilha por um determinado grupo social.

Para lá chegar, deve interpretar as representações culturais que esse grupo
partilha e explicar a sua razão de ser[9].

Interpretar e explicar, duas tarefas que apesar de autónomas na sua
realização, são complementares quando aplicadas á compreensão dos fenómenos
culturais. Uma interpretação é tanto mais pertinente quanto mais profunda
(relativismo) e uma explicação é tanto mais pertinente quanto mais geral
(universalismo).

A descrição dos fenómenos culturais levanta deste modo alguns problemas
epistemológicos que estão ainda talvez por resolver. As ideias não se
observam, compreendem-se, assim como não se descrevem, interpretam-se a
partir do subjectivismo do investigador, o que coloca a Antropologia
Cultural como sendo uma ciência particular porque recorre à compreensão,
interpretação e explicação de representações abstractas.

Ao abordarmos o conceito de "cultura" num contexto antropológico o mesmo é
que, ressalvar desde já, a possibilidade de o isolar enquanto um conjunto
de significações representativas de um dado grupo/etnia que são
interpretadas por uma relação "vivencial" onde o antropólogo se esforça por
compreendê-la e explicá-la, tendo em conta o referencial dos conhecimentos
dos seus antecessores dentro de uma sequência ininterrupta de acumulação do
conhecimento sobre essa mesma cultura.

Dentro desta perspectiva é provável (e possível) que no campo da
Antropologia exista, desde já, um conjunto de "postulados" aos quais o
antropólogo se submete para abordar este conceito, retirando-lhe assim a
subjectividade de uma leitura demasiadamente vaga e atribuindo-lhe uma
significação científica na medida em que o considera como um dos objectos
do estudo da ciência em si.

Podemos, meramente a título de exemplo, referir os seguintes enunciados
como sendo os postulados considerados pela Antropologia Social e
Cultural:[10]


1- Cada cultura representa uma selecção limitada de padrões de
comportamento do total das potencialidades humanas, individuais e
colectivas.
2- Essa mesma selecção é feita de acordo com certos pressupostos tidos
como dominantes e de valor básico para a cultura em estudo.
3- Cada cultura exemplifica um padrão mais ou menos completo e coerente.

Em síntese podemos dizer que estamos perante o princípio "limitativo", (a
cultura é uma selecção limitada do total dos padrões comportamentais) do
princípio "determinante" (deve assentar em pressupostos dominantes e
básicos para essa cultura) e por fim do princípio da "configuração" (deve
ser coerente e integrado como um "todo").

A ideia de configuração e a noção de "todo" deve ser vista não na óptica da
soma das partes, mas no resultado das inter-relações capazes de constituir
uma nova entidade.

Num segundo plano de aproximação do "foco" antropológico sobre o conceito
de cultura, convém reter como ela a distingue e aceita as suas componentes.

As culturas são constituídas por normas comportamentais ou costumes, sendo
estes identificados em termos de «categorias culturais» que combinados e
interligados numa rede funcional padronizam um determinado «complexo
cultural» que, ao tomar um espaço significativo e reconhecido assume um
caracter instituído e representativo através das «instituições culturais»,
forma pré-regulamentada ou pré-instituída da aquisição dos modos de
"saber", e de "ser".

Dentro desta concepção ainda há quem considere o «traço cultural» que
apesar de não estar ligado directamente a uma norma ou costume a ele está
identificado em termos de significância. Esta ideia está essencialmente
muito ligada à colecta de dados etnográficos.

O processo de «enculturação» é talvez um dos basilares para entender a
relatividade cultural, assim como para compreender as diferentes
significações em cada contexto.

A definição elementar de «enculturação» é tida como o processo total, de
modo consciente ou inconsciente, pelo qual o indivíduo, criança ou adulto,
alcança competência numa cultura particular.[11]

Cada pessoa deve aprender que espécie de reacções deve de ter para levar os
seus impulsos à consecução de uma finalidade e à satisfação de uma
necessidade. O indivíduo deve aprender a inibir o impulso de agir de
maneira proibida para adoptar o seu comportamento a modos culturalmente
aceites.

Os modos como estas necessidades podem ser satisfeitas são sempre limitados
e padronizados por cada cultura, daí o seu relativismo cultural.

Um outro processo de grande impacto na "normalização" e entendimento da
cultura é o da «aculturação».

Se é possível e útil, para fins analíticos, isolar o processo de
«enculturação» não seria, no entanto exacto, considerá-lo alheio ao
contacto com as outras culturas. Por outras palavras a enculturação
acompanha ou sobrepõe-se à aculturação, enquanto a primeira diz respeito à
dinâmica interna duma cultura particular, a segunda refere-se a relações
existentes entre as demais culturas e aos efeitos que derivam dos seus
contactos.

As relações culturais na realidade, (hoje mais do que outrora) ocasionam
uma multiplicidade de fenómenos, apenas a título de exemplo podemos referir
a seguinte categorização, de entre muitas já avançadas no domínio da
Antropologia:[12]

A Simbiose cultural (deriva da coexistência ou da convivência de duas ou
mais culturas), a Osmose Cultural (derivada em regra por contactos de
"vizinhança", observável essencialmente em zonas de fronteira, sendo
natural o seu efeito em termos linguísticos e de adequação aos sistemas de
troca e de parentesco), a Fusão cultural (quando duas ou mais culturas
convergem de tal forma que adquirem uma nova configuração; esta vertente
deve merecer uma análise cuidada e precisa, geralmente fundamentada numa
análise histórica), a Segregação cultural (também conhecida por
«aparthaid», a recusa política da aculturação, geralmente ligada à
autarcia, esta situação impõe o distanciamento entre duas ou mais culturas
que coabitam geograficamente, em regra, é geradora de conflitualidade
étnica) e, por fim, o Sincretismo Cultural (mistura mais ou menos confusa
de doutrinas diferentes recebidas sem espírito crítico e, por conseguinte,
não constitui um sistema coerente, fórmula adaptativa da presença de vários
traços e elementos culturais distintos).

Segundo Herskovits (1936 in «Memorando para o estudo da Aculturação»), a
quem se deve a divulgação do termo, «aculturação» deve ser entendido como
sendo a "transformação cultural em curso".

Na realidade, se pensarmos que toda a cultura é dinâmica e não estática, a
aculturação representa uma constante da cultura, dado que o isolamento
cultural é um factor relativo e difícil de suceder hoje em dia.

Deste modo o processo de transformação é sempre activo, quer por impulso
interno expressos pelos membros da comunidade, quer pelos impulsos
externos. Em antítese actua paralelamente no processo de «conservação»
assim como no de «modificação».

Os contactos culturais causam as transformações no interior de uma cultura,
por vias informais e formais, ocultas e patentes, dando lugar a fenómenos
de encontros e desencontros, aceitação e rejeição.

Todavia assume particular relevo o factor tempo, porque as transferências
exigem tempo e medem-se no tempo. Assim a primeira norma metodológica para
analisar vias e consequências da aculturação exige a determinação de um
ponto base no tempo a fim de se fixar a referência.

A aculturação para além de ser um fenómeno intencional por parte dos
agentes inclinados à transformação, (ou conversão) é também selectiva por
parte da cultura receptora.

A escolha ou selecção determina aquilo que considera útil ao seu "modo de
vida" e recusa aquilo que lhe parece estranho ou contrário.

Por vezes, quando o processo se torna ineficaz e se verifica uma
predominância de absorções inúteis, estamos perante um processo de
«desculturalização» que rapidamente leva à "morte" (extinção) dessa
cultura.

Esta relação entre enculturação, aculturação e «desculturação» não
corresponde obviamente a uma correlação cronológica como se se tratasse de
três fases distintas tais como o nascimento, crescimento e morte.

Trata-se sim de um processo dinâmico e único que atinge e transforma a
cultura como um todo, muitas vezes (ou frequentemente) desenvolvendo-se por
impulsos ocasionados por causas pré-estabelecidas tais como o foram o
colonialismo, a missionarização e os movimentos independentistas, no
entanto, a "dinâmica cultural" é a causa última das mudanças culturais.

Aquilo que existe hoje já não é aquilo que existia ontem, dia para dia a
cultura evolui adquirindo algo e perdendo algo, renovando-se
constantemente.

As aspirações que os Homens duma determinada sociedade tomam consciência,
tendem a fixar-se em necessidades-obrigações. A satisfação dessas
necessidades suscita novas aspirações e o processo repete-se
indefinidamente (com possibilidade de regressão).

Se se tratam de aspirações ou manipulações melhores ou piores, apenas
poderemos julgar de forma opinativa, mas o certo é que representam
realidades diversas e multifacetadas que determinam a multiplicidade de
formas e estilos de vida que os seus membros escolheram.

É pois em síntese, neste contexto, que devemos "olhar" para o fenómeno da
cultura e procurar entendê-lo, não enquanto conceito dogmático ou
incompreensível, nem tão pouco reduzi-lo a uma mera interpretação ou
classificação teorética que permita abarcar toda esta realidade complexa e
dinâmica, mas sim, abarcá-lo do ponto de vista do entendimento da
realidade, suportada pelo conhecimento específico de cada unidade cultural
enquanto entidade capaz de exprimir uma forma (um estilo) de ser e viver
sem, por outro lado, desprezar o quadro referencial dos contributos que as
ciências sociais e mais concretamente a antropologia cultural, já forneceu
para a avaliação deste fenómeno inesgotável.


O chamado "estudo das comunidades", campo privilegiado da Antropologia,
adquire hoje também uma dimensão completamente distinta.

O conceito de comunidade outrora ligado aos chamados grupos primários,
localizados e relativamente pequenos que permitiam abarcar toda a sua rede
de relações sociais, deixou de ser funcional, as extensões que o conceito
hoje abarca remete-nos para realidades globalizáveis sem no entanto perder
a sua conceptualização de "sentimento de pertença".

Numa outra dimensão os estudos sobre «comunidades» remetem-nos para a
necessidade de conciliar a microanálise com macroanálise, não podemos ficar
alheios a este desafio, os estudos de carácter regional, nacional e mesmo
continentais padronizam formas macrocéfalas dos pressupostos culturais de
determinados contextos específicos e vice-versa.

Esta tradição, de certo modo era já visível na escola antropológica,
nomeadamente nas correntes evolucionistas e difusionistas que nos remetiam
para padrões civilizacionais de macro-referência.

No entanto a realidade de hoje consagra essencialmente o carácter nacional
e regional como o universo mais próximo da(s) realidade(s) estudada, e aqui
mais uma vez os estudos antropológicos poderão dar contributos, dentro da
malha da análise das sociedades complexas.

Em suma, seria demasiadamente extensivo enumerar todas as possibilidades
que hoje se abrem às ciências sociais, quando perspectivada no contexto das
chamadas sociedades urbanas e modernas, desde que, não seja descurada a
questão metodológica e a do referencial teórico na linha da sua
continuidade.[13]

Em termos de perspectiva, a Antropologia abarca quer o território das
ciências, como o das humanidades, transcendendo as fronteiras convencionais
de ambas quando formula interrogações sobre o passado distante e o momento
presente. Esta visão global também chamada de holística é porventura a mais
surpreendente qualidade da Antropologia.[14]


A Antropologia estimula essa mesma atitude a vários níveis:[15]


1) Procura compreender cada experiência de um modo englobante,
isto é, é Interpretativa nos seus vários domínios.


2) O que inicia classicamente a sequência da investigação é o
nível da etnografia, baseando-se no "trabalho de campo", ou
seja, remete-nos para a "observação participante" o que
implica uma forma "vivencial" de pesquisa, estimulando o
racional e o emocional.


3) A Antropologia enquanto ciência reúne com efeito num mesmo
terreno de estudo muitas especialidades que tratam de vários
aspectos da vida humana.

Ao tomar como método privilegiado o "trabalho de campo" a antropologia
adquire uma originalidade quase que intrínseca, o contacto directo no
«terreno» como seu objecto de estudo, como se de um laboratório se
tratasse, remetendo para uma possibilidade quase que exclusiva de lidar
directamente com o real, enfrentando as limitações que daí advêm.

É portanto, pela realização do «trabalho de campo» e do que ele envolve e
revela que a experiência antropológica continua a ser tão possível hoje
como outrora.[16]

Esta capacidade exige, obviamente do ponto de vista dos investigadores, uma
dupla atitude em simultâneo; a que o obriga a ser um membro directo ou
próximo dessa mesma realidade e a que o obriga a dela estar dissociado a
fim de a interpretar.

Deste modo a Antropologia solicita a todo o antropólogo algo mais do que um
saber. As suas características pessoais e qualidades afectivas são postas
em questão tanto quanto os seus conhecimentos estritamente académicos.[17]

Não será assim demasiadamente exclusivo se concluirmos que o antropólogo
quando "mergulhado" no seu contexto de investigação sofra de um "choque
cultural" que o marcará sempre. No entanto o mesmo é "treinado" para que
essa condição se efectue dentro do chamado "parêntesis cultural",
habilitando-o à dualidade "vivencial" e "interpretativa".

Esta é talvez a maior originalidade que a Antropologia oferece face às
demais ciências sociais, ou seja, o antropólogo em regra lida com o real,
transformando-o em laboratório, ao invés de partir da experiência
laboratorial para explicar o real.


Qualquer contexto social abarca "de per si" um conjunto quase infindável de
variáveis e fenómenos de análise, deste modo, precisar e limitar é também
um dos deveres do investigador dado que não poderá ter a ambição de tudo
querer abarcar.

Ao inserir nesta investigação o contexto das identidades e das relações
inter-culturais inseridos em dinâmicas de processos de mudança social,
elegemos como foco de análise, essencialmente as sociedades pluriétnicas e
pluriculturais por serem aquelas onde o fenómeno se manifesta de forma mais
acutilante.








A riqueza dos contextos pluriétnicos e pluriculturais



A grande diferença entre sociedades de contexto uniétnico e pluriétnico,
assenta basicamente, de uma forma simplificada, na homogeneidade cultural
das primeiras e na heterogeneidade cultural das segundas.

Ao tomarmos como base, a homogeneidade e a heterogeneidade cultural,
enquanto conceitos de diferenciação, estamos também a admitir, que a noção
de fronteira que materializa o seu campo cultural seja abarcada quer pela
componente da extensibilidade e do seu raio de acção enquanto cultura
predominante e exclusiva (especialmente nas sociedades uniétnicas), quer o
da coexistência permitida e partilhada (especialmente nas sociedades
pluriétnicas), isto é, a fronteira é sempre estritamente cultural podendo
ou não ser coincidente com as fronteiras naturais ou de outra natureza.

Assim, e em síntese, o que está em causa não é tanto a região, o país, ou a
nação enquanto identificação de contextos, mas sim o predomínio de um
determinado padrão de referência cultural válido dentro da malha social que
o adopta.

Como referência aos contextos uniétnicos, podemos admitir que as mesmas se
caracterizam por:


1) Homogeneidade cultural
2) Solidariedade comunitária explícita, porque aceite por todos do
mesmo modo
3) Padrões (modos) de vida estruturados em função do relativismo
condicionado pela preponderância dominante.
4) Fechadas (em regra) à permeabilidade de outras culturas, mas
tendencialmente expansionistas em relação à sua.
5) Processos de enculturação bastante institucionalizados e
enraizados de forma a preservar a solidez cultural.

Já no que se refere aos contextos pluriétnicos, a situação é mais complexa,
arriscando uma primeira aproximação com base na citação seguinte:

"...As sociedades poliétnicas são complexos de cultura em que a presença
de diversos elementos culturais ou de diferente origem constitui um
factor tanto de heterogeneidade social como de heterogeneidade étnica.
Nelas, e em virtude do desejo frequente de garantir o seu futuro social,
muitos dos que vêm de fora tendem a identificar-se com os seus modos de
viver e com o seus símbolos de identidade, e por meio da
nacionalidade,[18] por exemplo, consideram-se étnicamente membros da
dita sociedade, sem que esta definição corresponda a uma integração
profunda do seu "eu" no "ego" cultural da etnicidade eleita..."[19]


Num contexto desta natureza, o que determina básicamente a sua matriz
cultural (na sua essência), são as relações inter-étnicas, permitindo uma
forma diferenciada e heterogénea do modo de ser e estar colectivo, sem no
entanto, deixar de estar conformada pelo vector «unidade» do seu contexto
macrosocial que a aglutina numa única sociedade e num «padrão colectivo»
das diferenciações que são permitidas.

Esta relação aparentemente contraditória da coabitação da
unidade/diversidade, dá-se quase de forma aleatória desde que o padrão da
sociedade que a acolhe se mantenha estável do ponto de vista estrutural em
termos de macro-análise.

Nesta perspectiva, o conceito de étnia não se apresenta apenas como uma
consciência de uma identidade por parte dos participantes, ou de uma
tradição, ou ainda de um modo de ser específico do seu comportamento em
termos de relações sociais e dos produtos institucionais e materiais
resultantes da mesma; é também em si, uma categoria antropológica que ao
ser formulada, obriga a reconhecer um conteúdo, neste caso a constatação da
sua correspondência como forma de vida própria, ou seja de uma cultura.[20]

Por isso ao falarmos em etnicidade, estamos também a induzir uma
consciência da sua forma de identidade.

Deste modo entendido, podemos afirmar que em contextos pluriétnicos e
pluriculturais a homogeneidade cultural não é um requisito da identidade
cultural, como tão pouco o é a continuidade de antepassados etnicamente
homogéneos de modo a que possam figurar como sendo os elementos
preponderantes da sua história ou do seu "ego" "colectivo".

Ao analisar a identidade cultural, através das relações inter-étnicas que
se estabelecem num contexto pluricultural, o mais importante é, o
entendimento daquilo que é essencial nessas relações.

Assim os comportamentos étnicos, dentro destes pressupostos, referem-se a
comportamentos que nos remetem para a precepção duma relação social cuja
principal expectativa é a de constituir uma afirmação de etnicidade e de
identidade em relação a outra ou outras também já constituídas.

Sendo assim, em matéria de identificação étnica e de identidade cultural
nos contextos pluriétnicos, o mais importante é a dupla definição daquilo
que cada um recebe e dá a si próprio, isto é, a que resulta do modo como
cada um se define culturalmente perante o "outro", e a do modo como
"estes" definem cada um, num espaço que é comum a todos.

Assim e em termos meramente de síntese poderemos dizer que as sociedades
pluriétnicas são sistemas complexos de cultura em que a presença dos
diversos elementos culturais adquiridos e/ou adaptados, são em regra
oriundos de processos de coabitação e "vizinhança", ou em última instância,
por aculturação imposta e/ou reinventada, que associado a outras formas de
integração contemporâneas, de origem vária, são catalizadores quer da
heterogeneidade social, quer da heterogeneidade étnica e cultural.

São por assim dizer no fundo as sociedades que mais se enriquecem
culturalmente em virtude de, por ser maior o número das variáveis sócio-
culturais, desenvolverem e estimularem as permutas incentivas e criaram um
ambiente mais estimulante,[21] quer do ponto de vista da análise, porque
mais rica e mais complexa, quer do ponto de vista da abordagem, porque mais
abrangente e mais ilustrativa, proporcionando algumas respostas
alternativas ás questões que hoje se colocam no âmbito das ciências sociais
no todo e da ciência antropológica em particular.

Os conceitos entendidos nesta óptica correspondem a conteúdos ou
comportamentos singulares que comparados com os praticados por outros
indivíduos, grupos ou comunidades são diferenciados e singularizados.

Nesta sequência, a matriz que abarca esta qualificação deverá assentar,
numa primeira instância, na qualidade explícita da diferenciação, isto é,
existe ou não, explicitamente, um quadro referencial de afirmação perante
os "outros", procurando num segundo plano captar os traços e/ou elementos
que a categorizam em termos de singularidade para, num terceiro momento,
aferir da solidez dessa diferenciação em termos valorativos, isto é, a sua
capabilidade integrativa enquanto modelo cultural interiorizado num
conjunto de crenças, valores, hábitos, práticas, costumes e ideias
pertencentes, de modo comum, à comunidade que a exalta e que é em regra
transmissível em termos de hereditariedade e continuídade.

Em termos simplificados uma matriz de recolha de informação poderia ser
ilustrada do seguinte modo:

O Momento explícito: (o que dizem – recolha de opiniões através de
questionários, inquéritos, entrevistas estruturadas, etc.)

O Momento Etnográfico: (O que observamos – registos sobre observações
directas, descrições de textos e narrativas, material audiovisual, etc.)

O Momento cultural: (O que vivenciamos - através da experiência vivida no
contexto, observação participante e historias/narrativas de vida)




Matriz de identidade cultural e etnicidade (1º Nível)
(Momentos identitários)

O Momento explícito - Expressões materializadas e declarativas da
diferenciação perante os "outros"

O Momento Etnográfico - A existência de traços e elementos culturais
dessa mesma diferenciação e singularidade.

O Momento Cultural - A existência de um padrão cultural em termos do
inconsciente colectivo no quadro da adesão aos
valores e práticas predominantes enquanto estrutura
unificada.


Fonte: do Autor

Porém, um dos factores determinantes da pertença/diferenciação imediata
assenta ainda em grande medida em algo que não foi opção ou escolha do
indivíduo, o nascer ou o ter ascendentes antropobiológicamente
determinados, marca ainda em alguma medida a inclusão/exclusão num
determinado grupo, no entanto, podemos desde já afirmar que a mesma não se
inicia nem se esgota nesta determinante, pelo que o modelo antropológico
aqui exposto, valoriza mais as condicionantes baseadas nas relações inter-
étnicas e na relação dinâmica que a mesma imprime tendo em conta os
contextos em que as mesmas se desenvolvem.

Assim, podemos afirmar que em termos de identificação étnica,
essencialmente em contextos pluriétnicos, mais importante do que a
naturalidade ou a ascendência é a forma como se assume o "ser" ou "não
ser" de uma determinada etnia e o modo como o mesmo interioriza essa
situação declarativa em termos do seu estilo de vida (modo de agir e
sentir), sendo a sua integração no grupo variada em função da força social
predominante que o acolhe ou o rejeita em função da amplitude social que
pretende abarcar.

Do ponto de vista da compreensão e percepção de um contexto étnico-
cultural, há ainda que ressalvar a necessidade de incorporar a análise
sincrónica articulada com a análise diacrónica (pelo menos no que diz
respeito ao seu passado recente).

Em síntese devemos também equacionar os seguintes itens na matriz de
identidade cultural e etnicidade:





Matriz de identidade cultural e etnicidade (2º Nível)
(estrutura identificativa)


Perspectiva Sincrónica Permite a identificação dos núcleos étnicos
preponderantes e a sua distribuição em termos de
quadrantes ocupacionais e o respectivo quadro de
valores decisivos exteriorizados no seu modo de
vida.


Perspectiva Diacrónica Permite entender a sua história e evolução no
tempo de forma a compreender o quadro dos valores
transmissíveis e herdados e que justificam a sua
singularidade presente.


Fonte: do autor


Ao integrarmos as duas perspectivas, da matriz referenciada, será então
possível detalhar um pouco mais a perspectiva da análise agora equacionada.







Recorramos de novo a uma tentativa gráfica para a exploração desta ideia:








Modelo de análise da Identidade Cultural e Etnicidade









































Perspectiva Diacrónica Perspectiva Sincrónica















Fonte: do autor



O estudo de uma determinada etnia (ou grupo cultural) em presença do
"observador/investigador" num determinado contexto deverá assim, ter um
alcance que permita, num primeiro momento, a possibilidade de observar o
que a distingue dos outros e, num segundo momento, verificar essa
singularidade enquanto entidade única, isto é, há que analisar a assunção
do Momento Explícito ( o que nós somos, e o que eles são), o que suporta
essa mesma acção declarativa - o Momento Etnográfico - (os traços que a
caracterizam) e, o seu quadro de valores - o Momento Cultural - (os
precedentes do seu quadro normativo e comportamental).


Em síntese, devemos concentrar-nos essencialmente na sua «singularidade»
enquanto elemento analítico que nos permita verificá-la como realidade
traduzivel












- Opiniões/Atitudes
- Práticas Instituídas
- Ideias Interiorizadas
- Crenças e Valores
Face ao qual o Investigador deve fazer a:
- Recolha de opiniões e narrativas
- Observação das práticas
- Participação na vida colectiva
- Pesquisa do passado recente


A dimensão dessa «singularidade» poderá e terá por certo níveis diferentes
de adesão e acolhimento, dado que a mesma depende quer do ponto de vista
individual (em termos de adesão) quer do ponto de vista colectivo (a
estrutura social que o acolhe).

Assim, há que também ter em conta não só a classificação dessa
«singularidade» mas também o nível em que ela se efectiva em termos de
adesão/acolhimento.

De uma forma simplificada, poderemos seguir uma arrumação dentro de um eixo
ortogonal onde o modo de ser (agir) e o modo de pensar (sentir) se
distribuem:


Modelo de caracterização identitária da singularidade


























Categorizando assim 4 níveis de distribuição em termos de
adesão/acolhimento.

1º Quadrante (+) Sentir (+) Agir = (Núcleo Principal)
Regra geral exteriorizada nos 3 momentos da matriz (explicito,
etnográfico e cultural) assumida em regra pelo grupo embrionário ou
herdeiro dessa singularidade.

2º Quadrante (+) Agir (-) Sentir = (Núcleo Secundário)
Em regra próximo do núcleo principal e agindo fortemente pela adesão
ao núcleo principal (momento explicito e etnográfico) sem no entanto
deter os valores interiorizados ou enraizados (momento cultural).

3º Quadrante (+) Sentir (-) Agir = (Núcleo Terciário)
Em regra oriundos do núcleo principal, mas distantes das suas
práticas quotidianas, afastados por condicionalismos quer
geográficos, quer sociais, mantém o quadro de valores de padrão
(momento cultural) mas não o exteriorizam, ou fazem-no de forma
mitigada, (momento explícito e etnográfico).

4º Quadrante· (-) Agir (-) Sentir = (Núcleo Afastado)
Em regra os sinais de pertença são bastante diluídos e sem grande
coerência, manifesta-se essencialmente nas gerações que perderam o
quadro de referência, essencialmente no que se refere aos modelos de
enculturação.
Fortemente aberta a novas práticas e a novos referenciais em termos
de aculturação (sincretismo) não deixando no entanto de se
reconhecer como membro de "grupo" mas sem participação activa no seu
modo de ser e estar. O momento cultural é quase ausente, o momento
etnográfico é pontual e esporádico e o momento explícito é vago e
sem convicção.



Do ponto de vista metodológico o 1º nível e o 4º nível são os que mais
dificilmente permitem uma aproximação em termos de abordagem, os primeiros
pelo seu elevado "ostracismo" e os segundos pela sua permeabilidade e
dificuldade de caracterização.

Deste modo, é em regra, em torno dos níveis secundário e terciário que a
investigação decorre, pelo que sujeita sempre a uma aferição complementada
por abordagens que utilizam técnicas concentradas em "sujeitos principais"
(nomeadamente a dos informadores qualificados) e às de análise extensiva
(nomeadamente a dos chamados inquéritos e questionários sociológicos), que
permitem por essa via enriquecer a informação qualitativa e especializada
assim como abordar o universo de forma mais despersonalisada.


Contributos para a interpretação das reconfigurações e reformulações
identitárias

A emergência de modelos de relativização cultural é quase uma consequência
imediata dos contextos pluriétnicos e das relações inter-étnicas que aí se
estabelecem.

Se por um lado a mesma obriga a que se estabeleçam regras de "coabitação",
porque de diferentes etnias e identidades culturais se trata, também é
verdade que elas são simultaneamente o foco do conflito latente que vive ao
lado de cada um.

Deste modo, o incremento da necessidade de uma relativização cultural,
enquanto modelo global da sociedade em causa, permite apaziguar a
conflitualidade e incentivar a coabitação, isto é, a possibilidade que lhes
é oferecida de se distinguirem, não tanto pela sua identidade cultural de
origem ou genuína, mas sim, como pertencentes a um padrão colectivo que os
acolhe pela malha de diferenciação admitida, permite-lhes o estabelecimento
de um momento dual na sua integração.

Na sociedade macaense, a título de exemplo, observa-se a presença de várias
etnias, (portuguesa, chinesa, macaense, tailandesa, filipinas, africana,
goesa, indiana francófona etc.), contudo elas tendem a afirmar-se no padrão
colectivo que as acolhe como sendo os Portugueses de Macau, os Chineses de
Macau, os Filipinos de Macau, os Tailandeses de Macau e nomeadamente os
Macaenses de Macau que, apesar de redundante, não deixa de ser aplicável
quando comparado com os macaenses residentes fora do território.

Podemos, deste modo afirmar, que a diversidade cultural num contexto
pluriétnico tende a relativizar as próprias identidades culturais
específicas, enformando-as e unificando-as num modelo emergente inerente ao
próprio espaço onde as relações inter-étnicas se produzem.

Assim, ao analisarmos os "modos de vida" que se concretizam nos espaços
pluriétnicos, é-se também confrontado com modos específicos de ser e estar
que são simultaneamente singularidades de outras singularidades, dando
assim uma componente de relativização ainda mais alargada e mais difícil de
caracterizar, se bem que bastante peculiar e "sui generis" pela
especificidade que cada uma contém em si.



Do ponto de vista cultural, as normas de reciprocidade e de equidade são as
que favorecem a pacificação conjuntamente com as de responsabilidade e de
justiça, sendo as situações de "crise de identidade", as de assunção do
poder, (colectiva e individual) as da competição e as da defesa, que
geralmente tendem para a conflitualidade.[22]

Obviamente que para além do factor cultural outros factores há que
influenciam a pacificação/conflitualidade social, nomeadamente os de
personalidade, cognitivos, ambientais, educacionais e sociais no sentido
lato.

Na óptica, de W.H. Durham[23], considera-se que no processo de selecção das
tradições culturais, as tendências selectivas apresentam desde logo uma
clara vantagem bio-cultural, a saber:

1) - A capacidade para ensinar às crianças a só se adaptarem às
normas e tradições sociais para o seu bem-estar
2) - A tendência para desenvolver práticas que reforcem e tenham por
objectivo a «satisfação»
3) - A tendência para a aprendizagem ligada ao desenvolvimento
físico e emocional da criança
4) - A tendência para a transmissão das normas culturais pelos pais
às crianças.

Deste modo o bem-estar do indivíduo depende em larga medida do bem-estar do
grupo e da sociedade que o (os) insere, encorajando-o a estar em
conformidade com a sua cultura, essencialmente tipificadas pelas normas de
reciprocidade[24], responsabilidade (que incentiva o indivíduo a ajudar
aqueles que dependem do seu auxílio), justiça (que englobam as da
equidade[25]), e as da igualdade e humanitárias.

Por outro lado, e essencialmente nas sociedades contemporâneas, os
contextos sociais catalisam a disseminação dos valores, logo, uma crise de
identidade que favorece as atitudes agressivas em torno de uma certa anomia
social, sendo os factores de distinção e de diferenciação, aqueles que
reforçam esta mesma atitude.

No mesmo domínio, a necessidade de assunção do poder remete em regra à via
conflitual, dado que, existindo espaço para se exerça, o mesmo tende a ser
elevado à categoria de diferenciação assumida por relações de interesse
convergentes e em regra grupais, alterando e recompondo a matriz cultural
dominante, sendo o seu estádio mais avançado o da aculturação por
imposição.

Numa outra amplitude as normas de competição e as de defesa fomentam
estratos adaptativos que configuram a preservação quer pela via defensiva
quer pela via competitiva, categorizando desta forma "modos de ser e de
pensar" que subalternizam outros valores e orientam a conflitualidade quer
pela via directa e assumida, quer pela via planeada e disfarçada.

Quer os factores de interpretações sejam individuais ou culturais,
constatamos que as "prestações" geradas por estas situações tanto podem ser
imaginárias como reais.

Podem emanar de condições objectivas assim como de subjectivas e difusas,
ou seja, num quadro de "vida" que provoca sentimentos de humilhação,
rejeição e solidão, como é hoje bastante peculiar nas sociedades
industrializadas, onde é constante verificar desagregamentos de urbanização
que fizeram nascer populações amontoadas, segregadas e anónimas, a condição
de violência (conflito) torna-se substituto do diálogo e num "grito de
mudos" ou num "grito de perdidos"[26]

Esta dualidade (pacificação/conflitualidade) está quase sempre presente no
domínio das relações inter-étnicas e é também o "motor" da própria dinâmica
social e cultural que lhe está adstrita.

No dizer de Rodolf Stavenhagem[27], a questão étnica é hoje simultaneamente
de conflito e desenvolvimento. A comunidade internacional está "salpicada"
por milhares de grupos étnicos, podendo afirmar-se que cada Nação-Estado é
ao fim e ao cabo uma nação pluriétnica.

Assim os sucessos e o desenvolvimento que hoje se constatam são em última
instância também o próprio sucesso dessa "miscigenação" da permuta étnica e
da consequente reconfiguração e reformulação identitária que lhe está
associada.
Segundo a análise de Rodolfo Stavenhagem[28] as teorias sobre etnicidade e
identidades podem ser agrupadas em cinco contextos diferenciáveis:


1- Contexto psico-social
Essencialmente baseada em factores individuais que assumem contextos
grupais de carácter subjectivo e psicológico, enfatizando as relações de
afinidade[29] dentro do grupo e de rejeição face aos outros.


2- O Contexto sócio-cultural
A identidade étnica do grupo não ressalta das relações individuais que
se estabelecem, mas sim do modo como o mesmo se organiza socialmente,
enfatizando especialmente as relações entre os grupos (ou comunidades) e o
modo como se distinguem social e culturalmente
O contexto é baseado numa estrutura grupal pré definido (obviamente
mutável no tempo) que padroniza os modelos comportamentais e que em última
instância se afirmam em termos de comunidade.


3- O Contexto sócio-político
A base das relações assenta particularmente em alianças de poder que
assumem uma estratificação em regra piramidal.
O contexto étnico enfatiza as relações de subjugação e de desigualdade
concentrando o exercício do poder numa ou várias etnias/grupos concertadas
utilizando-as em conformidade com a execução desse mesmo poder


4- O Contexto das classes sociais
Esta concepção é de inspiração marxista onde se mistura a noção de
"classe" com a de etnia, dado que a afirmação étnica da diferenciação se
submete à diferenciação da estratificação por classes sociais.
Enfatiza principalmente as relações de cooperação e de revolta
(revolução) em torno da diferença de classes subjacentes à macro sociedade
que as envolve.


5- O Contexto religioso
Nesta matriz predomina essencialmente o contexto dos valores e crenças,
que em última instância, são de carácter transcendental.
Valoriza basicamente as relações de adesão e de interiorização em torno
do quadrante das crenças e dogmas que padronizam o modelo comportamental e
o das ideias.

Qualquer que seja o contexto em que se coloque a questão das identidades e
das relações inter-étnicas em processo de dinâmica social, a dimensão da
conflitualidade e as formas de pacificação continuam a ser a tónica
dominante para a sua configuração, permitindo-nos a partir delas perceber
qual a solução «hibrida» de contextualização que cada unidade social
preconiza.






A possibilidade da emergência de «culturas hibridas» na questão identitária

As sociedades (contextos) pluriétnicas são em regra sistemas complexos de
cultura cuja presença de diversos elementos culturais de origem distinta
constitui um factor de permeabilidade da heterogeneidade social.

Esta heterogeneidade social, regra geral, é identificada através da
coabitação de várias étnias e/ou de étnias apelidadas de híbridas, sendo
estas últimas as que integram elementos distintivos de duas ou mais
culturas como modo de diferenciação e de afirmação.

Neste ponto, há desde já que distinguir estas duas realidades ambas
visíveis ou perceptíveis em contextos pluriétnicos.




CONTEXTO PLURIÉTNICO






Várias Étnias cuja
étnias singularidade
distintas é marcada pela
no mesmo absorção de traços
espaço social culturais distintivos


(o mesmo lugar) (origens diferenciadas)


Fonte: do Autor

Em regra a coabitação de várias étnias diferentes num mesmo espaço leva a
que surjam estratégias de relações em vários domínios (económico; político;
religioso etc.) e que em última instância tendem a consolidar-se por
estratégias matrimoniais.

A consolidação destes mesmos cruzamentos poderá provocar o surgimento de
pólos genéticos que estão na origem de novas configurações
antropobiológicas sendo em regra acompanhadas por novas configurações sócio-
culturais.

Este será talvez o primeiro sintoma da permissibilidade da emancipação das
"culturas híbridas", dado que o seu requisito biogenético encontra as
condições para a sua perpetuação e eventual alargamento.

Daí a importância da análise histórica na identificação destes grupos
étnicos dado que, partindo de cruzamentos em regra aleatórios, eles tendem
num determinado momento a consolidar estratégias de "casamento dentro do
grupo" permitindo deste modo atingir vários objectivos.


1 - A afirmação perante os outros,
2 - O afunilamento do seu pólo genético,
3 - E a criação de estruturas de enculturação que permitem
consolidar a sua emancipação enquanto grupo autónomo.

As situações de adesão, participação e acolhimento vêm posteriormente
relativizar estas condições permitindo uma maleabilidade na sua afirmação,
assim como o alargamento da malha social que a evoca.

Admite-se então, nesta fase, que a identidade étnica não seja estritamente
dependente da caracterização antropobiológica, (em que o peso dos seus
ascendentes determina a inserção ou não no grupo), mas sim do acolhimento
que o núcleo originário (ou embrião) admite em função dos níveis de adesão
e participação.

Na perspectiva, nos contextos pluriétnicos, como já referenciámos, o mais
importante não é a determinação da sua ascendência e/ou hereditariedade,
mas sim o modo declarativo e manifestativo que o indivíduo assume e o
acolhimento dessa mesma afirmação no núcleo cultural que o acolhe.

Carmel Camilleri, no seu artigo, "La gestation de L`indentité en situation
d`hétérogénéité culturelle",[30] refere a coerência dos estudos nesta
matéria que o leva a considerar duas referências de base, «o polo
ontológico» e o «pólo pragmático», para o seu entendimento.


Pólo ontológico - Quando os valores são intrínsecos à própria
natureza da sua significação e o "Eu" se identifica
em termos reflexivos nessa mesma identidade.
Pólo pragmático - Quando os valores são facilmente adaptáveis ao
meio ambiente em que se desenvolvem, mas reveladores
de um modelo coerente na sua prática.

A regra é que a identidade cultural assuma estas duas referências de forma
equilibrada. Nos dias de hoje e nas sociedades modernas, o fenómeno que se
nos coloca com frequência é o surgimento de desequilíbrios em que o pólo
pragmático tende a sobrepor-se cada vez mais ao pólo ontológico em nome do
chamado paradigma da "modernidade".

Esta situação coloca-nos um novo problema quanto aos modelos de
emancipação. Será que o "pólo pragmático" é também susceptível de (re)criar
modelos culturais que se autonomizam apenas nas vertentes de adesão e
participação?

Numa primeira aproximação somos levados a crer que não, no entanto a
possibilidade de confundir estas situações com modelos culturais autónomos
é uma realidade tendencial, talvez porque torna mais fácil a categorização
dos grupos culturais, daí que sejamos também levados a não ignorá-la.

Na perspectiva apresentada por Carmel Camilleri,[31] existem dois grandes
tipos de indicadores da edificação identitária.


1) A forma como essa identidade se situa em termos de um sistema
sócio-cultural heterogéneo, "A identidade é uma reacção que nos
faz sentir que somos diferentes", [32] e que se manifestam
através de uma identidade de "princípio" que traduz de uma
dissociação face às demais.
O exemplo paradigmático deste tipo de indicador é o caso das
comunidades migrantes.


2) Reacções às características intrínsecas da estrutura sócio-
cultural à qual o(s) sujeito(s) pertencem, provocados
essencialmente pela "distância" que separa o conteúdo do sistema
de origem e as novas necessidades impostas pela realidade ,ou
seja a diferença entre cultura ideal e cultura real.

Esta situação só poderá ser entendida enquanto modelo de "coerência
complexa" dado que as contradições são admitidas como formas coerentes.

Os exemplos deste tipo de edificação identitária englobam os dois contextos
mencionados, a ruptura com o pólo ontológico e a relevância do pólo
pragmático, assumido através de uma "coerência complexa".

Na óptica de Camilleri admite-se que o paradigma da "modernidade" poderá
provocar a autonomização de contextos culturais, ou seja, é uma via
possível para a emancipação das chamadas "culturas híbridas",[33] não
porque sejam originadas através de cruzamentos genéticos, mas porque os
seus traços culturais admitem esferas diferenciadas de variadas origens.

Numa outra óptica, pressupõe-se que os grupos diferenciados, estritamente
pelas frequentes adaptações do seu "pólo pragmático", possam assumir uma
estrutura étnica e identitária própria.

Na nossa perspectiva não me parece que C. Camilleri queira induzir desta
lógica uma identificação étnica, mas sim, que através da dissociação
identitária e da relação de distância entre o sistema de origem e o pólo
pragmático, estejamos a assistir a uma constante readaptação dos modelos
culturais que em casos extremos se autonomizam e se emancipam.


(MODELO DAS READPTAÇÕES CULTURAIS)
Produzem:




















Fonte: (Adaptação do autor sobre o artigo de C. Camilleri "La
gestation de l´indentité en situation d´hétèrogéneité culturelle"
inserido na colectânea "La Recherche Interculturelle" 1º Vol. -
Edição L`Harmattan -1989
Uma síntese possível sobre a reformulação identitária do Macaense


A Comunidade Macaense, desenvolveu-se a partir de um contexto intercultural
(Chinesa/Asiática e Luso/Europeia), que se estabeleceu no território de
Macau, facto este, que associado à exiguidade territorial, os levou também,
a procurar na emigração outras formas de expansão/integração, sem no
entanto esquecer a sua identidade cultural e territorial.

A recente aglutinação do território de Macau pela R.P.China foi seguramente
uma medida com efeitos e repercussões em vários contextos e com impactos de
natureza diversa.

Daí que questões como "Quem é a Comunidade Macaense?" ou "De que modo a
transição política do território afectou a perpetuação dessa Cultura?" nos
levem a reflectir sobre o seu possível impacto na sociedade em mudança,
nomeadamente no papel que as instituições, podem vir a assumir na
reformulação e perpetuação dessa cultura.

- A "Comunidade Macaense" num contexto inter- étnico

Numa forma simplificada há quem admita o MACAENSE é: todo o natural
(nascido em) de Macau e/ou todo aquele que por via de parentesco descenda
de Macaenses etnicamente definidos, isto é, que um dos ascendentes fosse
Euro/Asiático (Macaense).

A Comunidade Macaense deste modo definida seria pois toda a população
nascida em Macau, assim como os descendentes de Macaenses nascidos fora do
território.

Se o primeiro conceito peca pela generalização excessiva, isto é, um casal
estrangeiro a residir em Macau na altura de uma natalidade, seria o
suficiente para incluir o filho como Macaense, quer continuasse a residir
ou não no território, não lhe acrescentando qualquer significado cultural,
o segundo, por sua vez, é demasiadamente restrito, ou seja apenas e só os
descendentes de Macaenses originários (numa acepção antropobiológica)
seriam portadores dessa classificação, atribuindo-lhe um significado
cultural com raiz genética.

Os pressupostos antropológicos hoje utilizados para a acepção do conceito
de etnia e da identidade cultural talvez auxiliem a restringir um pouco o
conceito da naturalidade, sem no entanto cair no extremo do ponto de vista
antropobiológico.

A identidade cultural deve ser entendida como uma particularização de uma
determinada comunidade cultural localizada (p.ex: a Comunidade Macaense) e
convicta da sua identidade por meio da consciência da sua singularidade (o
EU, o NÓS, os NOSSOS) e portanto de diferenciação enquanto estrato cultural
em relação a outra ou outras comunidades (o ELE, o ELES, os OUTROS),
tornando-se assim numa categoria antropológica que ao ser formulada obriga
a reconhecer um conteúdo, neste caso a constatação da sua correspondência a
uma forma de vida (estilo de vida , modo de vida) própria, ou seja, de uma
cultura.

Portanto, ao se falar de etnicidade, estamos também a admitir a
possibilidade da existência de uma consciência e de uma forma de identidade
cultural, em regra assumida colectivamente por aqueles que a compõem e a
integram, seja pela via determinista (factores hereditários) seja pela via
da adesão (factores vivenciais).

Esta ideia de etnicidade permite determinar conteúdos, práticas e
comportamentos singulares da dita identidade cultural, quando comparados
com os praticados por indivíduos de outras comunidades.

Assim, a etnia pode ser, um modo de ser, estar e sentir de um determinado
grupo sócio-cultural o qual, por ser específico, se revela diferente do
apresentado por indivíduos de outras sociedades, ou inclusivamente de uma
mesma sociedade quando esta tem um carácter plural (multiétnico), caso
específico de Macau.

A identidade étnica tende a corresponder a uma culturalidade homogénea
(essencialmente em sociedades uniétnicas), não obstante, o certo é, que as
sociedades multiétnicas (caso de Macau) se distinguem pelo facto de que
nelas a homogeneidade cultural não ter que ser um requisito necessário,
como tão pouco o é a continuidade de antepassados etnicamente homogéneos,
(se bem que num determinado momento e contexto não deixem de ter um pólo
originário), dando assim origem a unidades culturais diversificadas, mistas
e híbridas, que são assumidas de forma autónoma em matéria de identificação
étnica. O importante é a dupla definição que cada um recebe (por herança /
determinismo) e dá a si próprio (por vivencia / adesão).

Sendo assim, a aceitação social subsequente dessa etnicidade depende da
relativa amplitude do sistema cultural que a suporta e da estrutura social
que a acolhe.

A comunidade Macaense assume, nesta perspectiva, uma dimensão "poli-
hibrida" que historicamente foi assumida através de um núcleo homogéneo,
num determinado contexto e, lhe permitiu afirmar-se perante os "Outros"
como tendo uma forma de vida (modo de vida) diferenciada das demais,
dependendo hoje mais do substrato que culturalmente a definiu, do que das
condições de perpetuação no tempo, isto é, a amplitude do seu sistema
cultural tem vindo a reduzir-se no tempo, não deixando no entanto de ser
acolhida através duma estrutura social que etnicamente continua a teimar em
considerar-se Macaense.

Assim, mais importante do que a naturalidade ou a descendência, é a forma
como se assume o ser ou não ser Macaense (declarativo) e o seu modo de
agir/sentir (manifestativo), variando em função da etnia social que o
acolhe e que determina a sua amplitude cultural.






Em Síntese:




O Ser Uma Atitude
Macaense implica Declarativa
Hoje






O modo Identificando
Reforçando




EXIGINDO:











P.ex: P.ex: P.ex:























































Fonte: do Autor



Nas ciências sociais, e essencialmente nas ciências antropo-psico-
sociológicas, a questões do tipo, Quem é a Comunidade Macaense? não se nos
permite uma resposta directa, se não e apenas enquanto classificação ou
definição operatória

O modelo de análise que se segue tenta assim resumir, as vertentes mais
importantes quando nos referimos ao grupo étnico dos macaenses.






MODELO DE ANÁLISE
(Multidimensional)


A COMUNIDADE MACAENSE






















(Fonte: do Autor)



SUB-SISTEMAS IDENTIFICATIVOS:

A comunidade Macense no mundo: Núcleo heterogéneo e diversificado, grande
dificuldade na sua caracterização, influências múltiplas com determinantes
sociais e culturais em função da sociedade em que se insere.

A comunidade macaense residente em Portugal: Núcleo tendencialmente em
crescimento por motivo do fluxo migratório prevísivel. Grande necessidade
em a caracterizar pela sua importância no contexto multidimencional,
importância na futura representatividade da herança multicultural (luso-
chinesa) e multisecular de Macau

A comunidade macaense em Macau: Núcleo mais homogéneo e ainda
identificável, maior facilidade na sua caracterização, tendencialmente a
desagregar-se por via da extinção do seu pólo unificador no contexto
territorial

Quando se levanta a questão das mudanças sociais provocadas pela transição
do território para a R.P.China e apesar do seu âmbito político, acabamos
por excluir a via da naturalidade enquanto elemento intrínseco à
identificação étnica, isto porque o natural de Macau acaba por ser um
natural da China, restando pois a via da descendência para a perpetuação do
Macaense, situação essa que poderá suceder no território da R.A.E.M. ou
fora deste.

Sendo assim, será de toda a pertinência enquadrar a Comunidade Macaense num
contexto multidimensional no espaço e no tempo, logo, com tendência a
sobreviver sem território e fronteiras definidas.


- A Identidade do macaense fora do território de Macau

No que respeita à identidade do Macaense radicado fora do território de
Macau, nomeadamente em Portugal Continental, uma vez que não me foi dado a
observar outras comunidades, julgo não pecar por reducionismo se disser
que, apesar da sua capacidade de integração e adaptação neste caso à
sociedade portuguesa, chegando mesmo a diluir-se sem qualquer forma
segregária visível, o mesmo nunca deixou de se identificar como fazendo
parte do grupo de Macaenses sem esquecer a sua história, as suas tradições
e as suas raízes.

Em que termos se manifesta então a sua identificação?

Sendo um grupo diluído e disperso de que modo ele se manifesta?

Se tomarmos como referência a análise dessa identificação sob os aspectos
do SENTIR (o que está implícito/o modo de pensar) e do AGIR (o que está
explícito/o modo de se comportar) diria que ela se manifesta mais no SENTIR
do que no AGIR.

De uma forma geral, o Macaense tende a integrar o modo de vida da sociedade
em que está inserido, sem no entanto deixar de cultivar os seus aspectos
culturais. (essencialmente no âmbito das suas Festividades, Crenças e
Superstições, Linguagem, Culinária, Jogos e Diversões, Mézinhas e Práticas
diversas).

Esta interiorização é reforçada essencialmente pelo processo de
enculturação no seio da família, sendo esta instituição talvez aquela que
melhor nos transmite e permite entender o modo de ser e de estar do
Macaense justificando simultâneamente a extensibilidade da sua cultura fora
da terra Natal.

Nesse pressuposto, para se conhecer melhor o grupo de Macaenses, será
necessário começar por conhecer as famílias Macaenses (não no sentido
restrito a que habitualmente se atribui às familias tradicionais), assim
como, verificar a teia de relações que as mesmas estabelecem e o modo como
internamente cada uma preserva os seus valores.

Obviamente que a constelação dos Macaenses não se esgota apenas no seio da
família de que são oriundos, é importante mas não única forma de abordar
este tema.



- Uma possibilidade de identificação dos "núcleos" de Macaenses

Com base nos contactos e informações que temos vindo a recolher arriscaria
tentar formular aqui uma pequena síntese operatória de um modelo de
identificação da comunidade e dos núcleos de Macaenses.

Como já referido, a comunidade Macaense, no sentido amplo, desenvolveu-se a
partir de uma herança biocultural polihíbrida e que se consolidou no
território de Macau.

A exiguidade do território alicerçado por condicionantes sócio-políticas
levou também a que o Macaense procurasse fora do seu território
alternativas de modo de vida. Óbvio seria que os então territórios de
expressão portuguesa (África e Brasil) e nomeadamente o Continente
(Portugal), fossem os locais privilegiados para estabelecer a sua nova
residência, só mais tarde viriam a procurar os destinos de emigração para
Estados Unidos, Canadá e Austrália.

Deste modo e em termos multi-dimensionais o Macaense reparte-se por 3
grandes esferas de influência.


A comunidade embrionária - aquela que produz, preserva e realimenta o modo
de ser e de estar do Macaense e que se encontra originariamente no
território de Macau.


A comunidade anglo - saxónica - inserida e influenciada por um tipo de
sociedade moderna e competitiva e que assume, em regra, uma configuração
cultural de abertura face ao meio envolvente, essencialmente consolidada
por factores dominantemente económicos.


A comunidade lusófona - Onde é notória a grande influência da cultura
lusófona, chegando mesmo a diluir-se nela, tem como referência cultural
macaense, essencialmete, a sua ligação à terra Natal, as suas vivências e
as suas memórias, ou, nalguns casos de gerações mais recentes, apenas a
transmissão via familiar e de encontros informais com elementos mais
antigos do grupo. É neste vector que se insere o grupo de Macaenses
residente no Continente Português (e o dos países de expressão portuguesa).

A Comunidade Macaense em qualquer um destes vectores, é uma parte
integrante de um todo que é a Comunidade Macaense no Mundo, facto que é
conveniente não esquecer quando se pretende caracterizar qualquer uma
delas.

Como forma de simplificar as possibilidades de identificação do grupo
étnico dos Macaenses recorremos à sua caracterização através do modelo de
análise dos "Grupos Singulares" já anteriormente referido.[34]


Modelo de caracterização identitária da singularidade
(O Grupo dos macaenses)


(Distribuição por níveis/graus de adesão)










"2º NÚCLEO "1º NÚCLEO "
"(-) (+) "(+) (+) "
"3º NÚCLEO "4º NÚCLEO "
"(-) (-) "(-) (+) "












SENTIR: Valores e sentimentos implícitos e não visíveis
(Interiorização das Ideias)
(Modo de Pensar)
AGIR: Comportamentos e actos visíveis e explícitos
(Materialização das práticas)
(Modo de ser)
(Fonte: do Autor)


Formulas identitárias identificadas nos núcleos de macenses


1º núcleo - Assenta essencialmente nas famílias mais antigas,
ramificando-se em teias de relações bastante sólidas e coesas (casamentos
endogâmicos ou de exogamia restrita, sistema preferencial de casamentos
dentro do grupo), regra geral com base em antepassados comuns que tiveram
papel de relevo na constituição da comunidade embrionária.
(+SENTIR + AGIR ) - (formas de sentir e agir bastante acentuadas).


Este núcleo padroniza a estrutura mais tradicionalista e mais apegada
aos valores puros da cultura Macaense, (empenhada na perpetuação da cultura
Macaense).




2º Núcleo - População mais nova e que em regra passou a infância e
adolescência em Macau e cujo motivo essencial da sua emigração para o
Continente ou outro destino, se baseou na continuação dos estudos. Em regra
são companheiros de escola.
(- AGIR + SENTIR) - (forma de "sentir" mais acentuada do que a do
"agir")


Este núcleo porque se situa na zona de "meia carreira" encontra-se mais
concentrado na sua ascensão em termos profissionais, sendo os contactos com
os demais numa base muito informal. As suas ligações à cultura Macaense
tendem a reflectir-se mais no SENTIR, identificam-se com o passado mas não
o cultivam (tendencialmente poderão vir a recuperar valores interiorizados
numa fase posterior).




3º Núcleo - Grupo disperso, regra geral já nascidos em Portugal ou
fora do território de Macau e, que aprenderam a ser Macaenses
essencialmente no seio da família.
(- SENTIR - AGIR) - (formas de sentir e agir e já bastante diluídas)


As práticas resumem-se aos gostos culinários, algumas festividades e
adesão espontânea tudo o que se liga a Macau.
Este núcleo tenderá eventualmente a procurar uma maior identificação á
cultura macaense face à desintegração cultural e social actualmente em
curso.




4º Núcleo - Assenta essencialmente, quer na previsão do fluxo
migratório dos Macaenses e Macaenses/Chineses para os novos destinos, quer
na assunção de um novo modelo de configuração cultural em Macau "Os Novos
Macaenses".
(- SENTIR + AGIR) - (forma de agir mais acentuada do que o sentir).


São os que menos sentem identificação com a cultura macaense, mas que na
forma de agir apresentam traços distintivos próprios da comunidade
macaense, exibindo, no entanto, já uma forte influência chinesa.


No contexto a que se refere este estudo[35] (a sociedade macaense) os
elementos difusão e inovação são sem dúvida aqueles que mais se visualizam
em todo o processo de mudança que operou na sociedade macaense, isto é, um
processo constante e permanente de trocas, intercâmbios, readaptações,
recriações e reinvenções, que marcam o seu "modo cultural".

Se lhe adicionarmos os conceitos de «desenvolvimento» e de «mudança
social», de que têm sido alvo, essencialmente após a década de 50 e que na
opinião de Nell Smelser[36] se identificam em quatro processos inter-
relacionados a saber:

a) Passagem de técnicas tradicionais simples para técnicas baseadas em
conhecimentos científicos;
b) Passagem de sistemas de subsistência para a produção e
comercialização de produtos e especialização;
c) Passagem do uso da força animal e humana para a utilização intensiva
da energia das máquinas;
d) Passagem da estrutura própria das aldeias para estruturas do tipo
urbano.

Então estaremos face a profundas alterações/mudanças na esfera política,
educacional, religiosa, familiar e social, se bem que em circunstancias
especificas, das enunciadas por Nell Smelser

Mudanças políticas - O sistema local, tribal ou rural da autoridade dão
lugar à burocracia, a novos papéis e funções políticas, à criação de grupos
políticos organizados.
Mudanças Educativas -Verifica-se a diminuição do analfabetismo e o
surgimento de "elites" letradas.
Mudanças Religiosas - As crenças tradicionais vão dando lugar a crenças
secularizadas e sacralizadas (sincretismo).
Mudança Familiar - A família extensa perde a sua influência, sendo
substituída pela família nuclear.
Mudança Social - A estratificação baseada na hierarquia tradicional dá
lugar a uma estratificação assente na mobilidade geográfica que vai
proporcionando diferentes "status" sociais.

Dando à noção de «mudança social», conforme a definição de Guy Rocher
(1971), um sentido mais abrangente nesta abordagem, isto é, estamos mais
uma vez perante um fenómeno que se manifesta em:

"...toda a transformação observável no tempo que afecta, de maneira que
não seja efémera ou provisória, a estrutura ou o funcionamento da
organização social de uma dada colectividade e que modifica o curso da sua
história..."[37] .

A sociedade macaense é assim alvo de um processo natural de mudança social
que assenta numa dinâmica antroposociológica em que os elementos inovação e
difusão são os seus catalisadores, associado a um processo de
desenvolvimento económico que provoca alterações significativas na sua
estrutura identificativa, alterando-lhe a malha sociocultural e vendo-se
confrontada com uma imposição limitativa ou orientativa desse mesmo
processo, ou seja o factor "transição política" do território que modifica
o curso natural da sua própria história enquanto "enclave" português em
território chinês, condição esta que proporcionou o contexto multicultural
e pluriétnico que hoje a caracteriza.

Assim, o dado novo que se nos coloca no processo de mudança em curso, não é
tanto a sua própria condição evolutiva, mas sim a condicionante limitativa,
no sentido em que esta última é protagonizada por um poder real, quer na
sua dimensão política, quer na sua dimensão social, logo exigindo
modificações no curso natural da história de Macau. Nesta perspectiva a
"problemática da transição" surge com o elemento catalisador e modificador
do processo de mudança social que se vive em Macau.

No que respeita ao seu impacto na sociedade macaense, obviamente que a
"transição" produzirá efeitos controversos e contraditórios, até porque as
perspectivas de análise serão sempre, por certo, distintas, dependendo do
ponto de vista em que se coloca o analista.

Do ponto de vista do impacto sobre a "comunidade macaense" os autores que a
abordam são raros, talvez as referências avançadas por Jorge Morbey[38],
João Pina Cabral[39] e Ana Maria Amaro[40] sejam os mais significativos no
contexto antropológico.

Se a raridade no contexto definido é uma limitação a ter em conta, por
outro lado constatamos com a proliferação de análises sobre o tema. A
"transição do território" tornou-se foco central em qualquer referência
sobre Macau, demonstrando, o impacto que exerce na actualidade.

Assim, a aproximação ao tema que procurámos dar neste trabalho, é por certo
também opinitiva, sendo no entanto, no nosso ponto de vista, necessária,
porque abarca o corolário natural do processo evolutivo do grupo étnico de
referência (os Macaenses), do mesmo modo que revela o factor primordial da
actual mudança social em curso nos termos das alterações que imprime à
dinâmica do processo.

Assim, a comunidade macaense perante a problemática da transição do
território, vê-se confrontada com dois tipos de situações que certamente
irão alterar a sua reformulação identitária: uma de ordem genérica e
generalizada, outra de ordem específica e particularizada.

Quanto à primeira, a questão assenta nas alterações do quadro legal e
normativo que passam a enquadrar o futuro território da RAEMacau,
legitimando o poder político da R. P. China na sua tutela administrativa,
económica e social sobre os cidadãos de Macau, com o respectivo impacto nas
questões da naturalidade e da nacionalidade.

Se o Macaense, outrora, nascia em solo português e sob administração
política portuguesa, com a mudança verificada constitucionalmente após 25
de Abril de 1974, passou a nascer em solo chinês sob administração
portuguesa e a partir de 1999 nascerá em solo chinês sob administração
chinesa, restando-lhe apenas o referencial da ascendência como factor de
opção da nacionalidade.

Por outro lado, a aplicação dos princípios genéricos da R.P.C. ao cidadão
estrangeiro estender-se-à ao Macaense/Português como a qualquer outro
cidadão que não tenha nacionalidade chinesa e o exercício dessa mesma
soberania passará a ser plena pela R.P.C. ao invés do modelo de "soberania
partilhada" que caracterizou a situação até 1999.

Por via dessa integração política, a língua oficial passará a ser o
mandarim, excluindo a vertente do cantonês, única que o Macaense domina (e
em regra apenas falado), criando-lhes as dificuldades inerentes ao
exercício de cargos oficiais, problema que se estende naturalmente a todos
os chineses que também não dominem o mandarim e que não são poucos em
Macau.

Assim, do ponto de vista genérico, o factor "transição" estabelece logo à
partida condicionalismos da manutenção de um determinado legado histórico
que a própria comunidade macaense vem reclamando, a saber:

1) Ausência de configuração territorial que lhe era peculiar em termos
de legitimidade;
2) Aplicação do estatuto de "estrangeiro" em terra própria;
3) Ausência da relação preferencial com o poder enquanto interlocutor
privilegiado assente no bilinguismo.

No que respeita à segunda consideração, a de ordem específica e
particularizada, podemos desde já constatar algumas estratégias de
adaptação, que são já alvo de novas hipóteses de formulação do seu
enquadramento social.

Assim, surgem as novas alianças que procuram reforçar o papel dos macaenses
no pós/99, sendo as mais visíveis as que se ligam às matrimoniais e às de
conveniência.

Por outro lado, a malha de acolhimento tende, obviamente, a alargar as suas
fronteiras de inclusão no grupo, tornando-se menos ostracista e mais
tolerante.

Num outro vector assiste-se ao reforço das "Casas de Macau" fora do
território como sendo o pilar da sua representação e que é acompanhado por
um fluxo migratório que vai engrossando esse vector, dando mais
representação a uma nova diáspora de macaenses.

Assiste-se, deste modo, a uma dupla estratégia por parte da comunidade
macaense em termos da sua perpetuação, que mais não são do que respostas
efectivas aos efeitos do processo de transição sobre o qual nunca foram
ouvidos:

1º - Permanência no território, o que os obrigará a procurar novas fórmulas
de adaptação social e cultural em face da integração plena e total na
R.P.China.

2º - Recriação do espaço multidimensional do macaense no mundo enquanto
diáspora condenada a perpetuar a sua cultura (sempre estrangeira) onde
exista uma comunidade macaense.

A cultura quinhentista e secular que foi a presença mestiçada e hibridada
do macaense euroasiano na história de Macau e aquilo que ela representa da
presença portuguesa no Oriente, que do ponto de vista cultural soube dar
vida a um espaço de convergência multiétnico, através de padrões hibridados
ou mesmo originais que vão desde a culinária tradicional ao falar
"macaísta", passando pela sua singularidade nas crenças e superstições e ao
modo como interioriza ambiguidades linguísticas e religiosas num processo
quase que único de "mutilações" e "readaptações", conferindo--lhe a
particularidade da sua autonomia enquanto grupo distinto, dificilmente se
manterá no quadro actual.

A cultura macaense, no seu actual estádio, vai perdendo os seus
referenciais básicos e, como tal, no seu processo evolutivo tenderá a ser
aglutinado por outras culturas mais dominantes que tratarão de apagar os
seus traços e os seus modos específicos de viver.

Mas como de futuro se trata nada é conclusivo, daí que esta opinião seja
apenas uma reflexão que assenta essencialmente no percurso que foi este
trabalho, quer de análise, quer de interpretação sobre a actual sociedade
macaense em mudança no contexto das suas relações interculturais e no seu
processo de dinâmica interétnica e pluriétnica.

É de referir no entanto, que existem autores e opiniões, que defendem uma
perspectiva da renovação na culturalidade macaense, essencialmente os que
se apoiam na primeira estratégia atrás referida, de entre eles saliento o
ponto de vista de Pina Cabral, que na sua obra «Em terra de tufões -
Dinâmicas da etnicidade macacense»(1993) refere, no seu resumo conclusivo,
a seguinte leitura:

"... Uma leitura do material que apresentámos esclarecerá bem que,
contrariamente ao que se vem afirmando há já anos, a comunidade macaense
não está a desaparecer. Ela está sim, mais uma vez, a dar mostras da enorme
plasticidade que sempre caracterizou e que permitiu a sua sobrevivência
enquanto comunidade desde tempos já remotos até aos nossos dias...".[41]

"...Em conclusão, nos últimos três anos do nosso século ocorrerá uma
renegociação dos papéis étnicos em Macau. Caso as condições políticas
existam para que os macaenses (tanto quanto os chineses de classe média que
possuem passaporte estrangeiro) não vejam ameaçadas a sua liberdade e
segurança pessoais, é muito provável que continuem a existir macaenses na
cidade depois de 1999...". 185

Contrastando com a opinião de Ana Maria Amaro que por sua vez nos sugere o
seguinte cenário:

"... É convicção nossa que, na sua terra ou emigrados, os macaenses
manterão vivo o sentimento de comunidade, manterão a saudade talvez de um
equilíbrio nem sempre feliz mas pacífico, duma vivência da posse de uma
terra que era sua, do sorriso das suas velhas à-más[42] do colorido das
festas locais vestidas de vermelho auspicioso e alegre como as acácias
rubras que decoravam algumas avenidas e lhes falavam do sangue e da
esperança que levou a Macau os seus antepassados.
Contudo, dos traços "sui generis" da cultura tipicamente macaense,
para além, da culinária, que a existência de certos produtos condicionará
noutros países de abrigo, para além do uso de um min-hap[43], ou de cabaias
de festividade, e do prazer de tomar chá (iâm-tchá)[44], e jogar uma boa
partida de má-cheok[45], não cremos que nada mais vá perdurar a médio
prazo. Com profunda mágoa o sentimos.
Em 1999, os macaenses serão estrangeiros na sua própria terra. Que
restará dos indicadores da sua etnicidade dentro de 50 anos?"[46]

Esta visão é nitidamente a consequência da adopção da segunda estratégia,
atrás referida, o futuro da comunidade macaense estará ao fim e ao cabo no
"coração" de cada macaense e em "terra de ninguém".

Para além destas duas projecções poderíamos talvez acrescentar ou tecer
algumas considerações com base nas observações agora recolhidas, que não
deixam também de ser aproximativas ao problema, mas que poderão fornecer
alguns indicadores complementares às tendências evolutivas.

No estudo centralizado sobre a comunidade macaense radicada no Continente
Português (mais precisamente na zona da Grande Lisboa)[47] os estudos
preliminares registaram ainda a presença de alguns traços identificativos
da cultura macaense, nomeadamente na culinária, passatempos e léxico, como
os mais vincados, a par de pequenas readaptações ainda visíveis tais como o
modo de trajar, decoração de interiores e recurso a um ou outro medicamento
tradicional chinês ou mesmo ainda de receita caseira.

Contudo, ao nível da 3ª geração, estes usos surgem já bastante esbatidos e
em vias de se perderem por força do processo de enculturação social, que
cada vez mais se substitui ao processo de enculturação familiar por força
da estrutura social urbana, sendo cada vez mais difícil a
transmissibilidade desta herança singular, até porque estão ausentes de
espaços institucionais representativos deste legado etnológico.

Nesta perspectiva os futuros macaenses acabarão certamente por ser
aglutinados pela cultura portuguesa, porque se por um lado a sua
naturalidade e nacionalidade assim exigem, por outro o seu referencial
territorial, linguístico (bilingue) e cultural vai-se perdendo no tempo
obrigando-os a adoptar um outro referencial que lhe esteja mais próximo.

Contráriamente, os macaenses que continuarem no território de Macau
tenderão ainda a manter durante muito mais tempo os seus usos locais,
adoptando, no entanto, e cada vez mais, os valores próprios da comunidade
chinesa.

Se atendermos que a diminuição numérica deste grupo, enquanto residentes no
território, tem sido uma constante e que poderá atingir um ponto
exponencial à medida que nos afastamos de 1999, estaremos perante um
esvaziamento desse núcleo representativo.

Associado a esta tendência, verificámos e constátamos a tendência contrária
que assenta no aumento cada vez mais significativo da população chinesa. Só
no último decénio representou, nada mais, nada menos, cerca de 70% da
população actual, contribuindo para o total domínio populacional da etnia
chinesa no território de Macau, neutralizando assim os outros referenciais
numa perspectiva de proporcionalidade. O fim da administração portuguesa é
um dado adquirido, e era sobre esta que assentava em grande medida a
"funcionalidade colectiva" da comunidade macaense[48].

Perante este cenário e sabendo nós que do ponto de vista cultural e
civilizacional a cultura oriental (chinesa) assenta numa herança milenar
fortificada em padrões "quase que imutáveis", pergunto qual a possibilidade
da cultura macaense subsistir num contexto desta natureza?

Se por um lado encaro com algum "fatalismo" este "findar" da comunidade e
da cultura macaense no tempo, como consequência não imediata mas efectiva
do processo de transição política que hoje se opera em Macau, por outro não
quero deixar de registar algumas reflexões que manifestam uma atitude pró-
activa no sentido da sua preservação e manutenção no quadro referencial da
história dos macaenses em Macau, enquanto legado patrimonial da presença
portuguesa no Oriente.

Recuando um pouco na sua história, poderemos situar a diáspora macaense
aquando da queda do império comercial de Macau com o surgimento da cidade
de Hong-Kong.[49] Logo aí os macaenses procuraram novos destinos, entre
eles o êxodo para Hong-Kong e Shangai[50] (autores há que o situam por
volta do séc. XVII no sentido de Goa, quando se sentiram os primeiros
indícios do empobrecimento da cidade), chegando mesmo a marcar o
desenvolvimento destas duas novas potências comerciais, razão porque ainda
é vulgar encontrar nomes de macaenses ligados à actividade económica em
Hong-Kong e Shangai.

A ocupação pelos japoneses e a crise dos anos 40-50 foi outra das razões
para uma forte emigração dos macaenses, essencialmente dos mais
"favorecidos".

Os incidentes de 1962 que ficaram conhecidos como "1.2.3.", mais uma vez
reactivaram a componente migratória dos macaenses, conhecendo agora os
destinos de Portugal, Austrália, Brasil e Estados Unidos, assumindo a sua
dimensão multiespacial e internacional.

Estes surtos migratórios são uma constante na vida dos macaenses, em regra
sempre ligados ou próximos da quebra ou declínio da soberania portuguesa no
território. O processo de transição mais uma vez irá reatar o movimento de
emigração, com a diferença de que desta vez Macau nunca mais voltará a ser
portuguesa.

O macaense encara hoje um novo fenómeno em que se cruzam dois factores, um
de longo termo, expresso pela longevidade de pertencer a uma comunidade que
individualiza as minorias enraízadas num novo território, e um outro de
curto termo que o coloca em grupos de refugiados ainda incertos do seu
futuro próximo numa situação de insegurança devido a eventuais choques
políticos e/ou sociais.

Na sequência do exposto admito que no actual contexto da mudança social em
Macau, o foco central está na problemática da transição do território para
a esfera plena da Republica Popular da China, isto é um foco essencialmente
sociopolítico, com as devidas repercussões na questão identitária que se
vai reformulando e adaptando.

A compreensão do "relativismo cultural" e o conhecimento dos principais
padrões dominantes são um dos principais factores a ter em conta para
podermos ultrapassar as primeiras barreiras à mudança, inevitável em
qualquer processo que se instale.

Assim, o cientista social terá que orientar os seus estudos, tendo em conta
a possibilidade de determinar a relação das instituições, ou dos elementos
em causa, com os padrões de cultura no todo, assim como, determinar as
relações interpessoais de todos os que participam num programa colectivo ao
qual chamam de identidade.[51]

Na óptica de Nell J. Smelser[52] esta abordagem concretiza-se em sete
pontos fundamentais:

1) Análise do que muda no conjunto da sociedade (estrutura, valores,
cultura, papéis etc.);
2) Avaliação da causa da mudança (interna/externa,
acidental/deliberada) e quais os factos dominantes;
3) O ritmo da mudança (projecção temporal);
4) A forma da mudança (contínua/esporádica, regular/irregular);
5) As condições que regulam e orientam a mudança;
6) Os objectivos e o alcance da mudança;
7) Os agentes activos promotores ou indutores da mudança e os agentes
reactivos que a ela se opõem ou resistem.

A metodologia proposta neste artigo, exige essencialmente uma forte
componente de coordenação e integração das variáveis, com preponderância
para a capacidade de posicionamento face à realidade a ser
observada/investigada, levando-nos a ter em conta os seguintes
postulados:[53]


1) Necessidade de abarcar abordagens complementares
- Ligação entre a "micro" e a "macro" sociologia (ou antropologia)
ao nível local e da sociedade, complementaridade entre a análise
quantitativa e qualitativa, entre a reflexão teórica e a
investigação empírica.


2) Uma posição pluri e inter disciplinar a dois níveis
- Por um lado situar os estudos locais através de ligações ao
contexto nacional através da história geográfica, demográfica e
económica, (pelo menos estes são indispensáveis) e por outro (no
campo da observação no "terreno") privilegiar a análise
psicossociológica e sócio-antropológica, podendo também adicionar
as ciências ligadas à tecnologia tais como urbanização,
arquitectura, medicina.


3) A exigência de uma análise centrada numa matriz de dupla entrada
- De um lado há que registar os domínios socialmente instituídos
(sistema económico, organização espacial, estruturas sociais,
canais de comunicação etc.), e do outro os traços culturais do
modo de vida quotidiano (práticas, representações, aspirações,
necessidades etc.).


4) Seleccionar as hipóteses em função das comparações possíveis da
investigação de "terreno" (campo)
- Possibilidade de enquadrar as comparações com um campo teórico
já consolidado e verificar essas hipóteses com outros estudos
similares em termos mais operacionais.


5) Observar as condições de controlo das intervenções experimentais
- A observação deve respeitar condições bem definidas à priori, de
modo que ao obter um resultado possibilite uma sistematização
rigorosa das variáveis observadas


6) Considerar a possibilidade de modificar as hipóteses à medida
que se avança na investigação.
- O método hipotético- dedutivo ou indutivo não é rígido na sua
elaboração, devendo considerar-se os desvios e a formulação de
novas hipóteses ou mesmo o abandono de algumas.


7) Ligação entre investigação e acção
- A motivação última de uma investigação deve assentar na sua
capacidade de alterar ou transformar o próprio objecto de análise.
Há que distinguir a noção de "Estudos" e de "Investigação" , a
primeira não requer acção a segunda solicita-a.

Esta metodologia é também a aconselhada como modelo pela ARIC (Association
pour la Recherche Interculturelle), sendo paralelamente um guião base para
quem queira enveredar pela problemática das questões identitárias, relações
interculturais e inter-étnicas.











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[1] Ver Bauman; Zigmunt, Comunidade: A busca por segurança no mundo actual,
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[2] Ver Bauman; Zigmunt, Modernidade e Ambivalência, Lisboa, Editora
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[3] Ver Piteira; Carlos, Mudanças Sócioculturais em Macau – A questão
étnica do Macaense, Lisboa, I.S.C.S.P./U.T.L., 1999

[4] A. L. Kroeber - in "A Natureza da Cultura" Edições 70 (1993)
[5] Células que resultam da fecundação dos gâmetas (gâmetas = células
sexuais que se conjugam na reprodução sexuada, originando o germen
denominado por ovo ou zigoto)
[6] "... As condições necessárias ao aparecimento de uma antropologia
científica são reunidas um pouco antes da metade do Séc XIX; um princípio
director é então colocado para a interpretação dos factos sócio-culturais:
o conceito de evolução..." Paul Mercier - (pag.37)
[7] Bernardo Bernardi - in "Introdução aos Estudos Etno-Antropológicos"
Edições 70 (1992: pág. 24)
[8] Ver Dan Sperber, O saber dos Antropólogos, Lisboa, Edições 70, Colecção
Perspectivas do Homem Nº 43, (1992)

[9] Ver, Clifford Gertz, O saber local – Novos ensaios em Antropologia
Interpretativa, Petropólis, Vozes, 1999 (Original: 1983)

[10]Hoebel e Frost - in "Antropologia Cultural e Social" Edições Cultrix
(1976: pág. 20 e 24)
[11] Hoebel e Frost - op. citada (pág. 59)
[12] Bernardo Bernardi - op. citada (pág. 99 a 100)
[13] Ver (por exemplo) a teoria de grelha e grupo (M. Douglas); a teoria da
"Communitas" (V. Turner) e a teoria das relações multiplexas (M.Gluckman) -
(citado da obra de: C. Diogo Moreira "Antropologia - Perspectiva e Método"
- Revista Estudos Políticos e Sociais - Vol. XV- Nº 3-4) Edição I.S.C.S.P.
(1987: pag.57 e 58)
[14] C.Diogo Moreira - in "Antropologia - Perspectiva e Método" - Revista
Estudos Políticos e Sociais - Vol. XV- Nº 3-4) Edição I.S.C.S.P. (1987:
pag.52)
[15] C.Diogo Moreira - in "Antropologia - Perspectiva e Método" - Revista
Estudos Políticos e Sociais - Vol. XV- Nº 3-4) Edição I.S.C.S.P. (1987:
pag.55)
[16] C.Diogo Moreira - in "Antropologia - Perspectiva e Método" - Revista
Estudos Políticos e Sociais - Vol. XV- Nº 3-4) Edição I.S.C.S.P. (1987:
pag.62)
[17] C.Diogo Moreira - in "Antropologia - Perspectiva e Método" - Revista
Estudos Políticos e Sociais - Vol. XV- Nº 3-4) Edição I.S.C.S.P. (1987:
pag.62)
[18] Na sociedade macaense esta particularização assume-se mais na obtenção
do chamado BIR, (Bilhete de Identidade Residente)
[19] C. Diogo Moreira - in "O Fenómeno Étnico e as Relações Interculturais"
Boletim Nº 19 da Revista da Academia Internacional da Cultura Portuguesa
(1992: pag.171)
[20] C. Diogo Moreira - in "Cultura, Étnia e Identidade Étnica" (Catálogo
Macaenses em Lisboa, Memórias do Oriente) Edição da Missão de Macau (1992:
pag.8)
[21] C. Diogo Moreira - in "Cultura, Étnia e Identidade Étnica" (Catálogo
Macaenses em Lisboa, Memórias do Oriente) Edição da Missão de Macau (1992:
pag.9)
[22] Gustave-Nicolas Fischer - in "A Dinâmica Social - Violência, Poder,
Mudança" Editora Planeta - I.S.P.A. (1994: pag.41 a 46)
[23] W.H. Durhan - in "Toward a Coevolutionary Theory of Biology and
Culture" (1979), citado da obra de Gustave-Nicolas Fischer "A Dinâmica
Social - Violência, Poder, Mudança" Editora Planeta - I.S.P.A. (1994: pag
43)
[24] Segundo A.W. Gouldner - in "The Norme of Reciprocity: a preliminary
statement" (1960) - as mesmas retém quatro factores a considerar: as
necessidades de cada um; os recursos possíveis; as motivações e a intenção
mais ou menos pacífica dos interlocutores, (citado da obra de Gustave-
Nicolas Fischer "A Dinâmica Social - Violência, Poder, Mudança" Editora
Planeta - I.S.P.A) (1994: pag 44)
[25] Segundo D. L. Krebs - in "Psychological Approacher to Altruism"
(1982) - a teoria da equidade assenta em dois domínios: a concessão de
meios e o comportamento compensatório, (citado da obra de Gustave-Nicolas
Fischer "A Dinâmica Social - Violência, Poder, Mudança" Editora Planeta -
I.S.P.A) (1994: pag.45)
[26] P.Karli - in "L`homme Agressif" (1897) (citado da obra de Gustave-
Nicolas Fischer "A Dinâmica Social - Violência, Poder, Mudança" Editora
Planeta - I.S.P.A) (1994: pag 50)
[27] R. Stavenhagem - in "The Ethnic Question - Conflits, Development and
Human Rights" Edição United Nations University Press (1990: pag. VII)
[28] R. Stavenhagem - op. citada (pag.9 e 10)
[29] Literalmente o autor define-os como sendo o "in-group feeling" (R.
Stavenhagem - op. citada - pag.9)
[30] C. Camilleri "La gestation de l´indentité en situation
d´hétèrogéneité culturelle" inserido na colectânea "La Recherche
Interculturelle" 1º Vol. - Edição L`Harmattan (1989)
[31] C. Camilleri - op. citada (pág.15 a 17)
[32] C. Camilleri - op. citada (pág. 15)
[33] C. Camilleri não utiliza o termo de "cultura híbrida" na sua
referência, a mesma insere-se numa extrapolação por parte do autor.

[34] Modelo de análise adaptado da fórmula seguida por, BERRY; J.W.,
«Acculturation et Adaptation Psychologique», in: La Recherche
Interculturelle, (tomo 1), Paris, Edition L`Harmattan, Espaces
Interculturels, (1989)

[35] Ver Piteira; Carlos, Mudanças Socioculturais em Macau – A questão
étnica do Macaense, Lisboa, I.S.C.S.P./U.T.L., 1999
[36] N. Smelser - in " A sociologia da vida económica" (1968) citado do
artigo "Apontamentos sobre Cooperação Desenvolvimento e Mudança" de Heitor
Romana - Revista Estudos Politícos e Sociais Vol. XVII - Nº 1-2, Edição
ISCSP (1989: pág.211)
[37] G. Rocher - in "Sociologia Geral" , Editora Presença (1971) citado do
artigo "Apontamentos sobre Cooperação Desenvolvimento e Mudança" de Heitor
Romana - Revista Estudos Politícos e Sociais Vol. XVII - Nº 1-2, Edição
ISCSP (1989: pág.210)
[38] Ver "Macau 1999 - O desafio da transição" Edição do Autor (1990)
[39] Ver "Em terra de tufões - Dinâmicas da Etnicidade Macaense" Edição ICM
(1993)
[40] Em vários artigos dispersos (p. ex.: " Macaenses: Uma sociedade em
mudança - resultados preliminares de um inquérito") Revista de Cultura Nº
20 (II seríe) Edição do I.C.M. (1994)
[41] J. Pina Cabral - in "Em terra de tufões - Dinâmicas da Etnicidade
Macaense" Edição ICM (1993: pág. 240 a 241 - Epílogo)
[42] Modo de tratamento afectuoso referente às mães e amas, em regra
chinesas;
[43] Casaco acolchoado tipicamente chinês de uso vulgarizado na zona de
Cantão;
[44] Refeição muito vulgarizada em Macau, composta essencialmente de "tin-
sans" (variedade de pequenos pratos chineses que se comungam na escolha e
na refeição);
[45] Jogo de dominó chinês popular em toda a China;
[46] A. Maria Amaro - in " Macaenses: Uma sociedade em mudança - resultados
preliminares de um inquérito") Revista de Cultura Nº 20 (II seríe) Edição
do I.C.M. (1994: pág.223)
[47] Ver Piteira; Carlos, Mudanças Sócio culturais em Macau – A questão
étnica do Macaense, Lisboa, I.S.C.S.P./U.T.L., 1999r
[48] Veja-se o exemplo da "localização dos funcionários públicos" onde se
depositavam grandes esperanças na criação de condições para a manutenção
dos macaenses em Macau;
[49] Essencialmente motivada pelas questões comerciais levantadas em torno
da "Guerra do Ópio";
[50] Montalto de Jesus – Macau Histórico, Macau, Editora Livros do Oriente,
1990 (Original 1926) (Ver capítulo XXII)
[51] Segundo George Foster - citado da obra de A. Maria Amaro " Macau e os
Países do Sueste Asiático" Policópia da autora (pág. 239)
[52] Citado da obra A. Maria Amaro " Macau e os Países do Sueste Asiático"
Policópia da autora (pág. 239)
[53] P.H.Chombart de Lauwe - op. citada ( pág. 290 a 300)

-----------------------
Identidade Cultural

Etnia

Corresponde à
Diferenciação/Integração

Afirmação perante os outros
e Coesão interna do núcleo

Uma "Singularidade"

Social

Histórica

- O Passado
- Os Antepassados
(os que foram referência)
- A Evolução (historica)
- O Pólo genético
(Sistemas de casamentos)

- O Presente
- Os Pertencentes
(os que são considerados)
- A Caracterização (sociocultural)
- O Pólo social
(as relações privilegiadas)


Um Modo de Ser (Agir)
Um Modo de Pensar (Sentir)


Singularidade

Que se manifesta em:

(+) Sentir

4º Quadrante

(-)
A
G
I
R

(+)
A
G
I
R

2º Quadrante



1º Quadrante

3º Quadrante

(-) Sentir

- De quem é
amigo
- Onde e com
quem estudou?
- O que faz?
- Os locais que frequenta

UM REFERENCIAL COLECTIVO

UM REFERENCIAL
SOCIAL

UM REFERENCIAL
FAMILIAR

Que se traduz num modo de participação na vida colectiva
(Manifestativo)





















SENTIR

(-)

(-)

(+)


A
G
I
R




A
G
I
R

(+)

SENTIR

A comunidade
Macaense
residente em Portugal Continental

A comunidade
Macaense
em
Macau

A comunidade
Macaense
no
Mundo

"Ostracista"

- Culto da tradição familiar patriarcal e extensiva
- Manutenção dos traços em extinção
(Festividades, crenças, patuá)
- Culto do Prestígio social
- Sentimentos de pertença com base
na raíz familiar
- Identificação dos traços
(fénotipo) do luso-asiático
- Forte atitude selectiva na inclusão
dos novos membros


"Abertura"

- Família tipo nuclear
- Ausência de traços genuinamente
macaenses (perdidos no tempo)
- Admite a ausência de prestígio social
- Sentimento de pertença enraízado
nas relações de amizade
- Aberta à influência chinesa e
anglo-saxónica
- Tolerância na inclusão dos
novos membros


Pólo Genético

Novos cruzamentos

Através de
Modificações
nos

Culturas
Híbridas
e
sub-culturas

Novos valores/padrões

Pólo Ontológico

Readaptações
Culturais

Novos
Modelos Culturais

Funcionalidade
cultural

Pólo Pragmático















- De quem é filho?
- A que família
pertence?
- Quais os ascendentes
étnicos

- Modo de falar
(Comunicar)
- Traços psicosomaticos
- Presença de
Elementos e
Traços culturais

Traduzido
num Maior / Menor
Grau de Acolhimento
e
cujo espaço
é ambivalente
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