A recepção de uma narrativa em dois suportes: um estudo de caso do blog e do livro Depois dos Quinze.

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III JORNADA GAÚCHA

DE PESQUISADORES DA RECEPÇÃO Transformações Epistemológicas na Recepção 28 E 29 DE JULHO DE 2016

III Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção Transformações Epistemológicas na Recepção

Apresentação

O

s Anais da III Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção foram pro-

duzidos a partir de artigos e resumos expandidos enviados por pesquisadores, alunos de iniciação científica e de programas de Pós-graduação (Mestrado e Doutorado) que apresentaram seus trabalhos nos GTs do evento.

O evento científico aconteceu nos dias 28 e 29 de julho de 2016 na UNISINOS e teve

como tema Transformações Epistemológicas na Recepção. Foi organizado, nesta edição, pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da UNISINOS e pelo grupo de pesquisa PROCESSOCOM (Processos comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção), dando continuidade à iniciativa pioneira realizada no ano de 2012, na UFRGS, através de uma parceria entre grupos de pesquisa das quatro universidades gaúchas com Programas de Pós-Graduação em Comunicação: UFRGS, UFSM, UNISINOS e PUCRS. O evento teve apoio financeiro da UNISINOS através do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação.

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APRESENTAÇÃO RESUMOS

EXPEDIENTE Organização dos Anais

Jiani Adriana Bonin (UNISINOS)

Arte

Agência Experimental de Comunicação da UNISINOS (Agexcom) Atendimento: Marrih Laidens

CAPA Orientação pedagógica: Canessa Cardoso Orientação técnica: Robert Thieme Direção de arte e arte-finalização: Lucas Andrades

DIAGRAMAÇÃO Orientação técnica: Marcelo Garcia Diagramação: Marcelo Garcia e Mariana Matté

Comissão Técnico-Científica

Carmen Rejane Antunes Pereira (UFSC) Dafne Reis Pedroso (UNOCHAPECÓ) Daniela Schmitz (UFRGS) Denise Silva (UNIPAMPA – campus São Borja) Fábio Souza da Cruz (UFPel) Graziela Bianchi (UEPG) Jiani Bonin (UNISINOS) Joel Felipe Guindani (UNIPAMPA) Juciano de Sousa Lacerda (UFRN) Liliane Dutra Brignol (UFSM) Lírian Sifuentes dos Santos (PUCRS) Marco Bonito (Unipampa – campus São Borja) Monica Pieniz (UFRGS) Nilda Jacks (UFRGS) Nívea Canalli Bona (UNITER/PR) Rafael Foletto (UFSM - campus Frederico Westphalen) Sandra Depexe (UFSM) Valquiria Michela John(UNIVALI) Vilso Júnior Chierentin Santi (UFR) Viviane Borelli (UFSM)

Organização do evento Comissão Organizadora Alberto Pereira (UNISINOS) Jiani Adriana Bonin (UNISINOS) – Coordenação geral Livia Freo Saggin (UNISINOS) Marina Zoppas de Albuquerque (UNISINOS) Paulo Junior Melo da Luz (UNISINOS)

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EXPEDIENTE RESUMOS



Tabita Strassburger (UFRGS) Taís Flores da Motta (UNISINOS)

Comissão logística Kairo Vinícius Queiroz de Souza (UNISINOS) Maytê Ramos Pires (UNISINOS) Paulo Junior Melo da Luz (UNISINOS) Vitória Brito Santos (FEEVALE) Coordenação dos GTs Alexandre Augusti (UNIPAMPA – Campus São Borja) Daniela Schmitz (UFRGS) Fábio Cruz (UFPel) Graziela Bianchi (UEPG) Mônica Pieniz (UFRGS) Rafael Foletto (UFSM-Campus Frederico Westphalen) Taís Motta (UNISINOS) Valquiria Michela John (UNIVALI) Apoio aos GTs Julherme Pires (UNISINOS) Lívia Saggin (UNISINOS) Marina Albuquerque (UNISINOS) Maytê Ramos Pires (UNISINOS) Paulo Júnior Melo da Luz (UNISINOS) Tabita Strassburger (UFRGS) Tainan Pauli (UFRGS) Vitória Santos (FEEVALE)

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EXPEDIENTE RESUMOS

sumário 01 – Convergência, Usos e Apropriações na Web O Papel dos coletivos na transformação de uma expert em celebridade...........................................Resumo: 24 Aline Weschenfelder Trajetórias de recepção multiplataforma entre estudantes................................. Resumo: 26 | Artigo completo: 226 André Moraes “Little Monsters da Lady Gaga” e as práticas de consumo em comunidade de fãs............................................................................................................ Resumo: 29 | Artigo completo: 239 Luiza Betat Corrêa Filipe Bordinhão dos Santos A recepção de uma narrativa em dois suportes: um estudo de caso do blog e do livro Depois dos Quinze............................................................. Resumo: 31 | Artigo completo: 255 Maura da Costa e Silva Marília de Araujo Barcellos Recepção em contextos de circulação digital: a emergência da reconexão................................................................................................................................ Resumo: 33 | Artigo completo: 266 Moisés Sbardelotto Polêmica gera polêmica: uma análise da recepção do vídeo “Biel” do “Não Faz Sentido”.................................................................................................. Resumo: 35 | Artigo completo: 282 Paula Fernandes Joana d’Arc de Nantes Audiências em trânsito na internet: desafios e possibilidades dos estudos de recepção na contemporaneidade..................................................... Resumo: 38 | Artigo completo: 295 Ronei Teodoro da Silva Mônica Pieniz Ludimila Santos Matos

02 – FICÇÃO AUDIOVISUAL E LITERÁRIA Das telas aos cabides: circulação e consumo da “Moda da Novela”..................................................................................................................................... Resumo: 42 | Artigo completo: 311 Camila Marques Sandra Depexe Olhar além das telas: o adolescente como receptor audiovisual............................................................Resumo: 45 Daniel Moreira Ilka Goldschmidtd Panorama dos estudos de recepção sobre LGBTs em telenovelas............................................................................................................................ Resumo: 48 | Artigo completo: 326 Fernanda Nascimento Joana Maria Pedro

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SUMÁRIO RESUMOS

Telenovela e cultura participativa: análise da circulação da novela das nove no Facebook............................................................................................................................Resumo: 50 Guilherme Felipe Busnardo Pricilla Tiane Vargas Fernanda Vieira de Maria Valquiria Michela John Para além da televisão: o WhatsApp como extensão de diálogos de telenovelas mexicanas no Brasil.................................................................................. Resumo: 51 | Artigo completo: 339 Joana d’Arc de Nantes Paula Fernandes Reflexões sobre identidade na obra de Mia Couto: uma análise do conto “O Adiado Avô”............................................................................. Resumo: 55 | Artigo completo: 350 Lourdes Ana Pereira SILVA Maria Auxiliadora Fontana Baseio O velho e o novo: as apropriações de fãs de telenovela em tempos de convergência das mídias......................................................................... Resumo: 57 | Artigo completo: 366 Otávio Chagas Rosa Gustavo Dhein Camila Marques Recepção e cidadania comunicativa: visibilidade das mulheres latinas na série Devious Maids....................................................................... Resumo: 59 | Artigo completo: 379 Paulo Júnior Melo da Luz Recepção audiovisual: percepções de famílias acerca da violência contra a mulher a partir do filme Sonhos Roubados........................... Resumo: 62 | Artigo completo: 397 Priscila da Silveira Rejane Beatriz Fiepke Once upon a time: estratégias de formação narrativa e fidelização de público...............................Resumo: 64 Priscila Mana Vaz Atravessamentos de gênero na recepção de telenovela: um estudo com mulheres detentas........................................................................................................................Resumo: 66 Valquiria Michela John As fanfictions nas pesquisas brasileiras: uma meta-análise................................. Resumo: 68 | Artigo completo: 415 Wesley Pereira Grijó Gabriel Araújo Taluana Panizza

03 – Juventude, AdolescÊncia, InfÂncia e Mídias Recepção de documentário pelos alunos do Projeto Vídeo Entre-Linhas: o representar e o reconhecer.................................................... Resumo: 72 | Artigo completo: 432 Cláudia Herte de Moraes Eduarda Wilhelm Jovem e consumo midiático: um comparativo entre as práticas juvenis da região sul e sudeste......................................................................... Resumo: 74 | Artigo completo: 447 Daniela Schmitz Alexia Oliveira Barbieri

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SUMÁRIO RESUMOS

A interação dos leitores com a obra de literatura infantil na sociedade midiatizada: apontamentos teóricos.................................................. Resumo: 76 | Artigo completo: 462 Evelin de Oliveira Haslinger Considerações preliminares sobre o consumo de notícias por jovens estudantes........................Resumo: 78 Glaíse Palma Adolescentes e o livro: dados preliminares de um estudo exploratório com adolescentes de Santa Maria...............................................................................................Resumo: 80 Marina Machiavelli Liliane Dutra Brignol “Ops! Cliquei... e desapareceu”: notas sobre os usos e as apropriações do Snapchat por jovens gaúchos...........................................................................Resumo: 82 Romulo Tondo Apropriações de conteúdos midiáticos pelo público infantil: da construção de identidade ao caso MasterChef Júnior.................... Resumo: 84 | Artigo completo: 473 Vitória Santos

04 – Mídias E CIDADANIA Pessoas com deficiência: recepção e identidade cidadã diante a pré-cobertura webjornalística dos Jogos #Paralímpicos do Rio 2016...............................Resumo: 88 Janine da Mota Rosa Dinâmicas nos grupos do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia e a mediação da tecnicidade................................................... Resumo: 90 | Artigo completo: 490 Laura Roratto Foletto Cidadania comunicativa e educomunicação: imbricações e tensionamento teóricos..................................................................................................... Resumo: 92 | Artigo completo: 500 Lívia Saggin Entre as redes sociais e as ruas: usos e apropriações das redes sociais digitais por movimentos sociocomunicacionais de Porto Alegre.................... Resumo: 95 | Artigo completo: 517 Marina Zoppas de Albuquerque Severinas: significações do bolsa família por meio do relato de usuárias do programa em Palmeira das Missões-RS........................... Resumo: 98 | Artigo completo: 533 Naiumy Roani As jovens e o Movimento de Ocupação Escolar............................................................................................Resumo: 100 Richard Romancini Fernanda Castilho

05 – PUBLICIDADE A pesquisa de recepção da publicidade com o público idoso: uma introdução......................................................................................................... Resumo: 103 | Artigo completo: 550 Ana Luiza Ávila Reflexões acerca da construção metodológica da dissertação “As relações de gênero presentes nos anúncios publicitários do sabão em pó Omo”, a partir da perspectiva transmetodológica...................................................Resumo: 105 Ana Paula C. Dorneles

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SUMÁRIO RESUMOS

Recepção da publicidade pela criança: produção acadêmica brasileira entre 2010 e 2015.............................................................................................. Resumo: 107 | Artigo completo: 565 Kandice Van Gról Quintian Anúncios de lingeries sob o olhar das mulheres de São Borja......................... Resumo: 109 | Artigo completo: 579 Marta Elaine Vercelhesi Mendes Denise Teresinha da Silva Práticas de recepção da publicidade X práticas de consumo: a produção científica brasileira entre 2010 e 2015................................................ Resumo: 111 | Artigo completo: 594 Renata do Amaral Barcellos “Amor, seja como for”: estudo de recepção de campanha publicitária............................................Resumo: 113 Sendy Carneiro Mordhost Wesley Pereira Grijó O início do percurso de uma pesquisa: entrando pela Porta do Fundos...................................................................................................................... Resumo: 116 | Artigo completo: 609 Taís Flores da Motta

06 – RECEPÇÃO DE CINEMA E DOCUMENTÁRIO Recepção cinematográfica: a trajetória dos cinemas de rua em Frederico Westphalen por meio das memórias de espectadores.................... Resumo: 119 | Artigo completo: 622 Eduarda Wilhelm Rafael Foletto Pensar o cinema: uma reflexão sobre os estudos de recepção e o espectador cinematográfico...........................................................................................................................Resumo: 121 Elisa Fonseca Marilice Daronco “Lá e de volta outra vez”: repercussão entre os fãs brasileiros da trilogia cinematográfica The Hobbit............................................................................................................Resumo: 123 Fernanda Vieira de Maria Valquíria Michela John Recepção em radiodocumentário: percepções de gestantes e profissionais da saúde acerca de divergentes opiniões sobre parto......... Resumo: 126 | Artigo completo: 636 Jéssica Rigon Rejane Beatriz Fiepke Tamires Regina Zortéa Concepções acerca da recepção cinematográfica e dos sujeitos comunicantes............................................................................................. Resumo: 128 | Artigo completo: 646 Maytê Ramos Pires

07 – RECEPÇÃO E GÊNERO Estudos de recepção, gênero e sexualidade: os usos sociais da internet por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros em Santa Maria-RS......................................................Resumo: 133 Carolina Bonoto

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SUMÁRIO RESUMOS

Articulações entre o Queer e o Pop: a recepção de notícias do Papel Pop por pessoas LGBTs..................................................................................... Resumo: 135 | Artigo completo: 662 Christian Gonzatti Dos Sentidos Queers em Sense8: a ressignificação da narrativa através dos processos de recepção, remixabilidade e espalhamento em sites de redes sociais..................................................................................................... Resumo: 137 | Artigo completo: 675 Kélliana Braghini Christian Gonzatti Consumo midiático de mulheres da “ralé”: gênero e classe social em foco........................................................................................................................... Resumo: 139 | Artigo completo: 690 Lírian Sifuentes Sofrimento e resistência enunciados no Facebook: a circulação da experiência da dor em “Eu Não Mereço Ser Estuprada”................................ Resumo: 141 | Artigo completo: 705 Marlon Santa Maria Dias #primeiroassedio: quando a tela da TV é só o começo......................................... Resumo: 144 | Artigo completo: 720 Sandra Depexe Gabriela Gelain Luiza Betat Corrêa Estudos de gênero: proposições e análises das pesquisas em recepção de 2010 a 2015..................................................................................................................................Resumo: 147 Tainan Pauli Tomazetii Paula Coruja Valquíria Michela John

08 – RECEPÇÃO EM JORNALISMO A interação com a notícia: uma análise do comportamento do público no site e fanpage da Rádio Cidade AM de Brusque/SC............................................................Resumo: 151 André Felipe Schlindwein Valquiria Michela John Crítica da mídia em circulação.......................................................................................... Resumo: 154 | Artigo completo: 736 Antonio Candido O leitor no jornalismo digital: o caso El Comercio e suas publicações no Facebook sobre os vendedores informais de sucos de laranja de Quito............................................................................................. Resumo: 156 | Artigo completo: 748 Bruno Santos N Dias Das marginálias discursivas à construção do leitor coprodutor: um estudo dos comentários nas fanpages de Folha de S.Paulo e Estadão.....................................Resumo: 158 Carlos Sanchotene A donzela estereotipada: um estudo de recepção do grupo Iron Maiden nos portais G1 e R7..................................................................................... Resumo: 160 | Artigo completo: 764 Fábio Cruz Estevan Garcia Desafios e potencialidades dos (e nos) processos de recepção jornalística...................................Resumo: 162 Graziela Bianchi

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SUMÁRIO RESUMOS

Implicações da estigmatização e da invisibilidade social de personagens em noticiários policiais: um estudo de recepção......................................................Resumo: 164 Hendryo André Aproximações teóricas entre jornalismo online, modos de endereçamento e recepção................................................................................................ Resumo: 166 | Artigo completo: 778 Kérley Winques A recepção das informações jornalísticas nos distritos rurais de Ponta Grossa-PR - movimentos iniciais da pesquisa exploratória.................................................................................................... Resumo: 168 | Artigo completo: 790 Luana Souza O leitor invisível: análise da presença do leitor no material publicado sobre a implantação da fábrica Suzano papel e celulose, no jornal ‘O Progresso’ e em blogs informativos de Imperatriz-MA....................................................................................... Resumo: 170 | Artigo completo: 804 Marcos Fábio Belo Matos Letícia Holanda de Sousa Efeitos de reconhecimento: leitura dos comentários da matéria da FSP sobre o processo de impeachment............................................... Resumo: 173 | Artigo completo: 818 Marcos Reche Ávila Victor Thiesen A produção de sentidos do/sobre o brasiguayo: uma análise da matéria e dos comentários no jornal Última Hora do Paraguai..................................................................................................... Resumo: 176 | Artigo completo: 829 Maria Liz Benitez Almeida Estratégias midiáticas: o fenômeno BuzzFeed e a mudança no processo de consumo da informação..................................................................... Resumo: 178 | Artigo completo: 843 Mariana Bastian Tramontini A coenunciação nos comentários das fanpages de jornais gaúchos..................................................Resumo: 180 Mariana Flores Luan Romero Sabrina Cáceres Viviane Borelli A tragédia da Linha Salto: uma análise da memória midiatizada.................. Resumo: 183 | Artigo completo: 860 Michélli Bokorni da Rosa O Caso Bernardo no Jornal Nacional: a percepção de jornalistas sobre a apresentação do fato no telejornal....................................... Resumo: 185 | Artigo completo: 875 Natália Sheikha Redü Michele Negrini Midiatização amazônica: a nova liturgia da noticiabilidade no InfoAmazonia..................................................................................................................... Resumo: 187 | Artigo completo: 889 Vinícius Flôres Viviane Borelli

09 – TEORIAS E METODOLOGIAS O método texto em ação na pesquisa de recepção midiática: possíveis contribuições................................................................................. Resumo: 191 | Artigo completo: 905 Hellen P. Barbiero

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SUMÁRIO RESUMOS

Sujeitos comunicantes: proposições teóricas a partir de pesquisa sobre Jogos Vorazes.................................................................................... Resumo: 193 | Artigo completo: 920 Julherme José Pires Os “supertemas” nos estudos de recepção: algumas lacunas e possibilidades teórico-metodológicas..................................................................... Resumo: 195 | Artigo completo: 934 Nathália dos Santos Silva Estudos metodológicos de recepção: uma análise da produção científica de graduandos............................................................................... Resumo: 198 | Artigo completo: 949 Rafael Foletto Amanda Santos Epistemologia da comunicação: a exterioridade subjetiva............................... Resumo: 201 | Artigo completo: 963 Stefan Toio Walter Lippold Aproximação com a realidade investigada: reflexões metodológicas e planejamento de entrada no campo........................................ Resumo: 204 | Artigo completo: 975 Tabita Strassburger

10 – Usos, Apropriações e Consumo Midiático A relação entre agricultores e tecnologias da comunicação: um estudo dos usos e apropriações da mídia................................................................................................Resumo: 208 Aline Bianchini Lírian Sifuentes Ana Carolina Escosteguy Informação e entretenimento: o consumo midiático de jovens evangélicos e de jovens em conflito com lei em contexto de convergência e de mediações......................................................... Resumo: 210 | Artigo completo: 989 Chirlei Kohls Claudia Irene de Quadros Análise do perfil dos participantes do programa Bem-Estar, da Rede Globo............................................................................................... Resumo: 213 | Artigo completo: 1000 Grayce Delai Estratégias discursivas e contrato de leitura em uma página de humor religioso no Facebook..........................................................................................................Resumo: 216 Herivelton Regiani Viviane Borelli Receptores da comunicação organizacional e gestão de conteúdos nas mídias sociais: reconfigurações a partir da mediação estrutural da tecnicidade................Resumo: 219 Mônica Pieniz Renovação Carismática Católica do Brasil e a atualização de suas estratégias midiáticas...............................................................................................................................Resumo: 222 Viviane Borelli Virgínia Diniz Ferreira

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SUMÁRIO RESUMOS

PROGRAMAÇÃO 28 DE JULHO DE 2016- MANHÃ 8h30min – Credenciamento 9h30min – Abertura

09h45min – Mesa de abertura: Transformações epistemológicas na recepção

Painelistas: Antônio Fausto Neto – UNISINOS Efendy Maldonado – UNISINOS Mediação: Jiani Bonin - UNISINOS Local: Auditório Bruno Hames

28 DE JULHO DE 2016- TARDE 14h às 18h - Grupos de Trabalho (GTs) GT RECEPÇÃO RECEPÇÃOEM EMJORNALISMO JORNALISMO SESSÃO 1 – SALA D01 418 Coordenador: Prof. Dr. Fábio Cruz (UFPel) Apoio: Lívia Saggin (Unisinos) Midiatização Amazônica: a nova liturgia da noticiabilidade no InfoAmazonia A donzela desconstruída: um estudo de recepção do grupo Iron Maiden nos portais G1 e R7 O caso Bernardo no Jornal Nacional: a percepção de jornalistas sobre a apresentação do fato no telejornal A produção de sentidos do/sobre o brasiguayo: uma análise da matéria e dos comentários no jornal Última Hora Do Paraguai Cobertura da FSP sobre o impeachment: articulação midiática entre produtor e receptor Implicações da estigmatização e da invisibilidade social de personagens em noticiários policiais: um estudo de recepção

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Vinícius Flôres Viviane Borelli Fábio Cruz Estevan Garcia Natália Sheikha Redü Michele Negrini Maria Liz Benitez Almeida

Marcos Reche Ávila Victor Thiesen André Hendryo

UFSM, RS

UFPel, RS UFPel, RS UFSM, RS

UNISINOS, RS UFSC, SC

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

GT RECEPÇÃO RECEPÇÃOEM EMJORNALISMO JORNALISMO SESSÃO 2 – SALA D01 317 Coordenador: Profa. Dra. Graziela Bianchi (UEPG) Apoio: Vitória Brito Santos (Feevale)

Aproximações teóricas entre jornalismo online, modos de endereçamento e recepção A Interação com a notícia: uma análise do comportamento do público no site e fanpage da Rádio Cidade AM de Brusque/SC

A coenunciação nos comentários das fanpages de jornais gaúchos

Das marginálias discursivas à construção do leitor coprodutor: um estudo dos comentários nas Fanpages de Folha de S.Paulo e Estadão Bela, recatada e muito crítica da mídia em circulação

além

do

lar:

Desafios e potencialidades dos (e nos) processos de recepção jornalística

Kérley Winques

André Felipe Schlindwein Valquiria Michela John Mariana Flores Luan Romero Sabrina Cáceres Viviane Borelli

UFSC, SC

UNIVALI, SC UFSM, RS

Carlos Sanchotene

UFSM, RS

Antonio Candido

UNISINOS, RS

Graziela Bianchi

UEPG, PR

gt FICÇÃO FICÇÃOAUDIOVISUAL AUDIOVISUAL E LITERÁRIA GT E LITERÁRIA SESSÃO 1 – SALA D01 316 Coordenador: Valquiria Michela John (UNIVALI) Apoio: Paulo Júnior Melo da Luz (Unisinos)

Leituras do outro: panorama dos estudos de recepção sobre LGBTs em telenovelas O Velho e o novo: as apropriações de fãs de telenovela em tempos de convergência das mídias

Telenovela e cultura participativa: análise da circulação da novela das nove no Facebook

Para além da televisão: o WhatsApp como extensão de diálogos de telenovelas mexicanas no Brasil Das telas aos cabides: circulação e consumo da “moda da novela”

Atravessamentos de gênero na recepção de telenovela: um estudo com mulheres detentas

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Fernanda Nascimento Joana Maria Pedro Otávio Chagas Rosa Gustavo Dhein Camila Marques

Guilherme Felipe Busnardo Pricilla Tiane Vargas Fernanda Vieira De Maria Valquiria Michela John Joana D’arc De Nantes Paula Fernandes Camila Marques Sandra Depexe

Valquiria Michela John

UFSC, SC UFSM, RS UNIVALI, SC UFF, RJ UFSM, RS

UNIVALI, SC UFP, PR

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

gt CONVERGÊNCIA, Convergência, Usos e Apropriações na Web GT USOS E APROPRIAÇÕES NA WEB SESSÃO 1 – SALA D01 301 Coordenador: Profa. Dra. Mônica Pienitz (UFRGS) Apoio: Marina Albuquerque (Unisinos)

Audiências em trânsito na internet: desafios e possibilidades dos estudos de recepção na contemporaneidade

A recepção de uma mesma narrativa em dois suportes: um estudo de caso do blog e do livro Depois dos Quinze Trajetórias de recepção multiplataforma entre estudantes “Little Monsters da Lady Gaga” e as Práticas de Consumo em Comunidade de Fãs.

O Papel dos coletivos na transformação de uma expert em celebridade Polêmica gera polêmica: uma análise da recepção do vídeo “Biel” do “Não Faz Sentido” Recepção em contextos de circulação digital: a emergência da reconexão

Ronei Teodoro da Silva Mônica Pieniz Ludimila Matos Thiago Caminada Maura da Costa e Silva Marília de Araujo Barcellos

UFRGS, RS UFRGS, RS UFRGS, RS UNIVALI, SC

Luiza Betat Corrêa Filipe Bordinhão dos Santos

UFSM, RS UP, PR

André Moraes

Aline Weschenfelder

Paula Fernandes Joana D’arc de Nantes Moisés Sbardelotto

UFSM, RS

UFRGS, RS

UNISINOS, RS UFF, RJ

UNISINOS, RS

GT gt RECEPÇÃO RECEPÇÃOEEGÊNERO GÊNERO SESSÃO 1 – SALA D03 103 Coordenador: Profa. Dra. Daniela Schmitz (UFRGS) Apoio: Tainan Pauli (UFRGS)

Estudos de gênero: proposições e análises das pesquisas em recepção de 2010 a 2015 Consumo midiático de mulheres da “ralé”: gênero e classe social em foco

Estudos de recepção, gênero e sexualidade: os usos sociais da internet por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros em Santa Maria-RS Articulações entre o Queer e o Pop: a recepção de notícias do Papel Pop por pessoas LGBTs #PrimeiroAssedio: quando a tela da tv é só o começo

Sofrimento e resistência enunciados no facebook: a circulação da experiência da dor em “Eu não mereço ser estuprada” Dos Sentidos Queers em Sense8: a ressignificação da narrativa através dos processos de recepção, remixabilidade e espalhamento em sites de redes sociais

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Tainan Pauli Tomazetii Paula Coruja Valquíria Michela John

UFRGS, RS

Carolina Bonoto

UFSM, RS

Sandra Depexe Gabriela Gelain Luiza Betat Corrêa

UFSM, RS UNISINOS, RS

Lírian Sifuentes

Christian Gonzatti

Marlon Santa Maria Dias Kélliana Braghini Christian Gonzatti

PUCRS, RS

UNISINOS, RS

UFSM, RS

UNISINOS, RS

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

GT RECEPÇÃO E DOCUMENTÁRIO RECEPÇÃODE DECINEMA CINEMA E DOCUMENTÁRIO

SESSÃO 1 – SALA D01 302 Coordenador: Prof. Dr. Alexandre Augusti (UNIPAMPA – Campus São Borja) Apoio: Maytê Ramos Pires (UNISINOS) “Lá e de volta outra Vez”: repercussão entre os fãs brasileiros da trilogia cinematográfica The Hobbit Pensar o cinema: uma reflexão sobre os estudos de recepção e o espectador cinematográfico Recepção cinematográfica: a trajetória dos cinemas de rua em Frederico Westphalen por meio das memórias de espectadores Concepções acerca da recepção cinematográfica e dos sujeitos comunicantes

Recepção em radiodocumentário: percepções de gestantes e profissionais da saúde acerca de divergentes opiniões sobre parto

Fernanda Vieira De Mari Valquíria Michela John Elisa Fonseca Marilice Daronco Eduarda Wilhelm Rafael Foletto

Maytê Ramos Pires

Jéssica Rigon Rejane Beatriz Fiepke Tamires Regina Zortéa

UNIVALI, SC UFSM, RS

UFSM- Frederico Westphalen, RS UNISINOS, RS

UFSM- Frederico Westphalen, RS

TEORIASEEMETODOLOGIAS METODOLOGIAS GT TEORIAS

SESSÃO 1 – SALA D03 102 Coordenador: Prof. Dr. Rafael Foletto (UFSM-Campus Frederico Westphalen) Apoio: Tabita Strassburger (UFRGS) e Julherme Pires (Unisinos) Epistemologia subjetiva

da

Comunicação:

a

exterioridade

Aproximação com a Realidade Investigada: reflexões metodológicas e planejamento de entrada no campo O método texto em ação na pesquisa de recepção midiática: possíveis contribuições Estudos metodológicos de recepção: uma análise da produção científica de graduandos Os “supertemas” nos estudos de recepção: algumas lacunas e possibilidades De receptor a produtor: proposições teóricas e experimentais a partir de pesquisa sobre Jogos Vorazes

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Stefan Toio Walter Lippold

UNIRITTER, Porto Alegre, RS

Hellen Panitz Barbiero

UFSM, RS

Tabita Strassburger Rafael Foletto Amanda Santos

Nathália dos Santos Silva Julherme José Pires

UFRGS, RS

UFSM- Frederico Westphalen, RS UFRGS, RS

UNISINOS, RS

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

29 DE JULHO DE 2016- MANHÃ 9h - Mesa 1: Formulações teóricas na pesquisa contemporânea de recepção Painelistas: Nilda Jacks – UFRGS Veneza Ronsini - UFSM Elisa Piedras – UFRGS Mediação: Liliane Brignol - UFSM 10h15min - Coffe Break

10h30min - Mesa 2: Desafios metodológicos na construção de investigações em recepção Painelistas: Jiani Bonin - UNISINOS Liliane Brignol - UFSM Viviane Borelli – UFSM Mediação: Nilda Jacks – UFRGS Local: Auditório Bruno Hames

29 DE JULHO DE 2016- TARDE 14h às 18h - Grupos de Trabalho (GTs) GT RECEPÇÃO RECEPÇÃOEM EMJORNALISMO JORNALISMO

SESSÃO 3 – SALA D01 418 Coordenador: Prof. Dr. Fábio Cruz (UFPEL) Apoio: Julherme Pires (Unisinos) Estratégias midiáticas: o fenômeno BuzzFeed e a mudança no processo de consumo da informação A recepção das informações jornalísticas nos distritos rurais de Ponta Grossa-PR- movimentos iniciais da pesquisa exploratória O leitor invisível: análise da presença do leitor no material publicado sobre a implantação da fábrica Suzano papel e celulose, no jornal ‘o progresso’ e em blogs informativos de imperatriz-MA A tragédia da Linha Salto: uma análise da memória midiatizada O leitor no jornalismo digital: o caso El Comercio e suas publicações no Facebook sobre os vendedores informais de sucos de laranja de Quito

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Mariana Bastian Tramontini

UNISINOS, RS

Marcos Fábio Belo Matos Letícia Holanda de Sousa

UFM, MA UNISINOS, RS

Bruno Santos N DIAS

UASB- sede Equador

Luana Souza

Michélli Bokorni da Rosa

UEPG, PR

UFSM- Frederico Westphalen, RS

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

GT FICÇÃO E LITERÁRIA FICÇÃOAUDIOVISUAL AUDIOVISUAL E LITERÁRIA SESSÃO 2 – SALA D01 316 Coordenador: Profa. Dra. Valquíria Michelon (UNIVALI) Apoio: Paulo Júnior Melo da Luz (Unisinos) Recepção e cidadania comunicativa: visibilidade das mulheres latinas na série Devious Maids Once upon a time: estratégias de formação narrativa e fidelização de público

A ficção literária de Mia Couto na perspectiva da identidade

As fanfictions nas pesquisas brasileiras: uma metaanálise Recepção audiovisual: percepções de famílias acerca da violência contra a mulher a partir do filme Sonhos Roubados Olhar além das telas: o adolescente como receptor audiovisual

Paulo Júnior Melo da Luz Priscila Mana Vaz

Lourdes Ana Pereira Silva Maria Auxiliadora Fontana Baseio Wesley Pereira Grijó Gabriel Araújo Taluana Panizza Priscila da Silveira Rejane Beatriz Fiepke Daniel Moreira Ilka Goldschmidtd

UNISINOS, RS UFF, RJ

UNISA, SP

UFSM- Frederico Westphalen, RS UFSM- Frederico Westphalen, RS UNOCHAPECÓ, SC

PUBLICIDADE GT PUBLICIDADE SESSÃO 1 – SALA D01 317 Coordenador: Prof. Ms. Taís Motta (Unisinos) Apoio: Maytê Ramos Pires (Unisinos) “Amor, seja como for”: estudo de recepção de campanha publicitária

O estado da arte da pesquisa de recepção da publicidade pelo público idoso: uma introdução O início de um percurso de pesquisa: entrando pela Porta do Fundos Reflexões acerca da construção metodológica da dissertação “As relações de gênero presentes nos anúncios publicitários do sabão em pó Omo”, a partir da perspectiva transmetodológica Recepção da publicidade pela criança: produção acadêmica brasileira entre 2010 e 2015 Práticas de Recepção da Publicidade X Práticas de Consumo: A Produção Científica Brasileira entre 2010 e 2015. Anúncios de Lingeries sob o Olhar das Mulheres de São Borja

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Sendy Carneiro Mordhost Wesley Pereira Grijó

UNIPAMPA, RS UFSM- Frederico Westphalen, RS

Taís Flores Da Motta

UNISINOS, RS

Ana Luiza Ávila

UFRGS, RS

Ana Paula C. Dorneles

UNISINOS, RS

Kandice Van Grol Quintian

UFRGS, RS

Marta Elaine Vercelhesi Mendes Denise Teresinha da Silva

UNIPAMPA, RS

Renata Do Amaral. Barcellos

UFRGS, RS

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

GT USOS, E CONSUMO MIDIÁTICOS Usos,APROPRIAÇÕES Apropriações e Consumo Midiático SESSÃO 1 – SALA D01 301 Coordenador: Prof. Dra. Mônica Pieniz (UFRGS) Apoio: Tabita Strassburger (UFRGS) Renovação Carismática Católica do Brasil e a atualização de suas estratégias midiáticas Estratégias discursivas e contrato de leitura em uma página de humor religioso no Facebook

Informação e entretenimento: o consumo midiático de jovens evangélicos e de jovens em conflito com lei em contexto de convergência e de mediações Receptores da comunicação organizacional e gestão de conteúdos nas mídias sociais: reconfigurações a partir da mediação estrutural da tecnicidade A relação entre agricultores e tecnologias da comunicação: um estudo dos usos e apropriações da mídia Mulheres são maioria entre os participantes do programa Bem Estar da Rede Globo

Viviane Borelli Virgínia Diniz Ferreira Herivelton Regiani Viviane Borelli

Chirlei Kohls Claudia Irene De Quadros Mônica Pieniz

Aline Bianchini Lírian Sifuentes Ana Carolina Escosteguy Grayce Delai

UFSM, RS UFSM, RS UFPR, PR UFRGS, RS PUCRS, RS PUCRS, RS

MídiasEECIDADANIA CIDADANIA GT MÍDIAS SESSÃO 1 – SALA D03 103 Coordenador: Prof. Dr. Rafael Foletto (UFSM Campus Frederico Westphalen) Apoio: Lívia Saggin (Unisinos) e Marina Albuquerque (Unisinos)

Entre as redes sociais e as ruas: usos e apropriações das redes sociais digitais por movimentos sociocomunicacionais de Porto Alegre

Marina Zoppas de Albuquerque

UNISINOS, RS

Educomunicação e comunicantes: uma comunicativa

Lívia Saggin

UNISINOS, RS

Laura Roratto Foletto

UFSM, RS

As jovens e o movimento de ocupação escolar

apropriações de sujeitos via produtiva à cidadania

Dinâmicas nos grupos do facebook de migrantes brasileiros na Suécia e a mediação da tecnicidade

Severinas: significações do bolsa família por meio do relato de usuárias do programa em Palmeira das Missões-RS Pessoas com deficiência: recepção e identidade cidadã diante a pré-cobertura webjornalística dos jogos #paralímpicos do rio 2016.

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Richard Romancini Fernanda Castilho

USP, SP

Naiumy Roani

UFSM- Frederico Westphalen, RS

Janine da Mota Rosa

UNIPAMPA, RS

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

GT JUVENTUDE, INFÂNCIA E MÍDIAS Juventude,ADOLESCÈNCIA, AdolescÊncia, InfÂncia e Mídias SESSÃO 1 – SALA D01 302 Coordenador: Prof. Dra. Graziela Bianchi (UEPG) Apoio: Vitória Santos (Feevale) “Ops! Cliquei... e desapareceu”: notas sobre os usos e as apropriações do Snapchat por jovens gaúchos

Romulo Tondo

UFSM, RS

A interação dos leitores com a obra de literatura infantojuvenil na sociedade midiatizada: apontamentos teóricos

Evelin de Oliveira Haslinger

UNISINOS, RS

Jovem e consumo midiático: um comparativo entre as práticas juvenis da região sul e sudeste

Adolescentes e o livro: dados preliminares de um estudo exploratório com adolescentes de Santa Maria

Considerações preliminares sobre o consumo de notícias por jovens estudantes Reflexões sobre a produção e recepção de conteúdos midiáticos pelo público infantil no Brasil Recepção de documentário pelos alunos do Projeto Vídeo Entre-Linhas: o representar e o reconhecer

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Daniela Schmitz Alexia Oliveira Barbieri Marina Machiavelli Liliane Dutra Brignol Glaíse Palma

Vitória Santos

Cláudia Herte de Moraes Eduarda Wilhelm

UFRGS, RS

UFSM, RS UFSM, RS

FEEVALE, RS

UFSM- Frederico Westphalen, RS

PROGRAMAÇÃO RESUMOS

RESUMOS #1 Convergências, Usos e Apropriações na Web

O Papel dos Coletivos na Transformação de uma Expert em Celebridade Aline WESCHENFELDER1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS

O acesso através de comentários em redes sociais, blogs e canais interacionais disponibilizados na internet dinamizam a participação dos seus públicos nos processos midiáticos, característica inerente ao fenômeno da midiatização. Tais condições evidenciam a circulação, que produz novas formas de acesso, circunstância complexa do referido ambiente, provocando mutações e originando novos produtos (FAUSTO NETO, 2010). Entendemos como novos produtos aqueles derivados de circuitos indeterminados, que se desdobram no percurso da circulação, “novas interações entre produção e recepção. Estas resultam diretamente, de diferentes formas de organização de circulação de discursos” (FAUSTO NETO, 2010, p.6), cujo ponto de partida não procede do produto, mas “de uma série de processos, de expectativas, de interesses e de ações que resultam em sua composição como ‘um objeto para circular’ – e que, por sua vez, realimenta o fluxo da circulação” (BRAGA, 2012, p.41). Neste sentido, propomos examinar como se dá o engendramento, a participação e as ingerências do público que se insere nestas atividades midiáticas. Para isso, tomaremos como referência o caso da blogueira Camila Coelho que, a partir destes circuitos, tem sua condição de expert em beleza e maquiagem transformada em celebridade na esfera que atua. Através de observação preliminar, ficou nítido que as operações que remodelaram o status de Camila Coelho para figura popular contaram expressivamente com a atuação de seus seguidores (do Youtube e redes sociais digitais), inclusive para criação de seu blog. Como fundamentação teórica nos apoiaremos, principalmente, nos conceitos de midiatização, ambiência e circulação. Visto que as mutações dos atores sociais inseridos neste contexto são evidenciadas por um novo modo de ser e estar no mundo (GOMES, 2015). Isto implica em novas formas de produção, bem como em diferentes práticas de usos e apropriações por parte dos receptores. Trata-se de objeto em processualidade, portanto, levaremos em conta as transformações decorrentes da midiatização, ambiente onde nosso objeto de estudo

Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. 1

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RESUMOS RESUMOS

se encontra e se (re)organiza. Também é importante considerar a digitalização e as convergências que proporcionam os novos formatos de interagir e produzir, inclusive no âmbito da recepção. Sendo assim, para melhor compreendermos os processos que em análise, optamos por buscar “elementos concretos do polo da empiria que vão participar no processo de fabricação da proposta investigativa” (BONIN, 2013, p.29). O objeto eleito para análise encontra-se em constante dinamismo, algo que remete às variações e rupturas que são próprias do campo da comunicação (BRAGA, 2008). Dentre as observações realizadas até o presente momento, constatamos que a circulação de produtos midiáticos, que também podemos entender como um fluxo contínuo e/ou disruptivo, tem sua dinâmica propulsora na instância receptiva. Como consequência de tais atividades originam-se novos produtos que passam e/ou continuam a transitar em diferentes espaços midiáticos. Referências BONIN, Jiani A. A pesquisa exploratória na construção de investigações comunicacionais com foco na recepção. In: BONIN, Jiani A.; ROSÁRIO, Nísia M. do. Processualidades metodológicas – configurações transformadoras em comunicação. Florianópolis: Insular, 2013. BRAGA, José Luiz. Comunicação, disciplina indiciária. In: Matrizes, v.1, n.2, abril de 2008.

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: JANOTTI JR, Jeder; MATTOS, Maria Ângela; JACKS, Nilda (orgs). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA; Brasília: COMPÓS, 2012. FAUSTO NETO, Antônio: A Circulação Além das Bordas. In: FAUSTO NETO, Antônio; VALDETTARO, Sandra (orgs). Mediatización, Sociedad y Sentido. Coloquio del Proyeto “Mediatizacón, Sociedad y Sentido: aproximaciones comparativas de modelos brasileños y argentinos”. Rosario: Universiad Nacional de Rosario, 2010.

GOMES, Pedro Gilberto. Midiatização: um conceito múltiplas vozes. In: FAUSTO NETO, Antonio; ANSELMINO, Natalia Raimondo, GINDIN, Irene (orgs). CIM. Relatos de Investigaciones sobre Mediatizaciones. Rosário: UNR, 2015.

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RESUMOS RESUMOS

Trajetórias de recepção multiplataforma entre estudantes (resumo) André MORAES1

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM UFRGS), Porto Alegre, RS Este trabalho apresenta resultados iniciais e a concepção teórica de uma pesquisa empírica realizada com estudantes de primeiro ano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Embora não se trate de uma investigação estritamente alinhada com os estudos de recepção, foram encontradas várias questões epistemológicas e metodológicas que são compartilhadas com esta área de estudos comunicacionais. A participação na III Jogper, inclusive, busca dialogar com pares atuando neste domínio investigatório, para fins de enriquecimento da tese resultante. O problema de pesquisa investigado diz respeito ao percurso de leitura multiplataforma adotado por jovens leitores. Foi observado, em uma pesquisa anterior, que estudantes confrontados com a tarefa de tomar contato com uma lista de leituras obrigatórias apresentaram, como uma das estratégias de resposta de estudo, alternância de suportes de conteúdo, mesclando leitura em livro com texto eletrônico, filmes ou documentários em vídeo e, acessoriamente, resumos obtidos pela Internet e material de apoio on-line. A atual pesquisa parte da observação inicial apresentada na dissertação do autor (MORAES, 2012) e emprega o conceito de multiplataforma conforme proposto por Ana Gruszynski (2015). Metodologicamente, a pesquisa mescla levantamento quantitativo com entrevistas qualitativas semiestruturadas, para fins de triangulação e verificação dos dados. Foram aplicados formulários autopreenchidos a estudantes de primeiro ano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, inquirindo sobre as formas pelas quais tomaram contato com a lista de leituras obrigatórias do vestibular. Foram três rodadas, uma em 2011, com 263 respondentes, outra em 2014, com 270, e a atual, ainda em curso, em 2016, com uma previsão de 100 participantes. Paralelamente, foram realizadas entrevistas telefônicas com alguns dos estudantes, com uma estimativa total de 30 sessões de até 15 minutos. A pesquisa foi balizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS, e registrada na Plataforma Brasil, uma vez que envolve a participação de seres humanos.

André Moraes é mestre e doutorando em Comunicação e Informação pelo PPGCOM UFRGS. Membro (estudante) do Laboratório de Edição, Cultura & Design (LEAD) registrado no CNPq. 1

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RESUMOS

Teoricamente, o trabalho emprega conceitos sobre o livro, a história cultural e as novas tecnologias, lançando mão de contribuições de autores como Roger Chartier (1998), Robert Darnton (2009), John B. Thompson (2008; 2012), Ted Striphas (2011), Thomas Bredehoft (2014), Karin Littau (2006), Matthew Fuller (2007) e Naomi S. Baron (2015), além do conceito condutor de multiplataforma de Gruszynski (2015). Um dos pontos investigados, e que aproxima a pesquisa do domínio dos estudos de recepção, é como os estudantes lançam mão de estratégias pessoais de navegação através dos suportes e plataformas disponíveis para cumprir sua tarefa de estudo, às vezes com superposição de categorias (caso, por exemplo, de alunos que tenham feito uma leitura em livro, mas possuem a versão eletrônica do texto para facilitar buscas por trechos específicos, e que, às vezes, revisitam a história ou a temática daquele título assistindo a uma adaptação audiovisual ou a uma peça de teatro). Esta estratégia foi inicialmente observada no universo limitado de alunos aprovados no vestibular da UFRGS, mas foram encontrados indícios de que, para parte deste público estudado, se trata de uma forma de consumo cultural mais ampla, que se estende para hábitos de lazer, como a leitura lúdica. A observação, confirmação e documentação desta ocorrência faz parte dos objetivos da pesquisa e apontaria, como reflexão, para a necessidade de compreender em maior profundidade a complexa configuração do ecossistema de suportes e plataformas no qual se encontra mergulhada a atual geração de leitores e estudantes, algo com repercussões não só para a área de Comunicação, mas também para disciplinas como a Educação e a Teoria da Literatura. Referências BARON, Naomi S. Words onscreen: the fate of reading in a digital world. Oxford: Oxford University Press, 2015. BREDEHOFT, Thomas A. The visible text: textual production and reproduction from Beowulf to Maus. Oxford: Oxford University Press, 2014.

CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2.ed, 1998.

DARNTON, Robert. The case for the books: past, present, and future. New York: Public Affairs, 2009. FULLER, Matthew. Media ecologies: materialist energies in art and technoculture. Cambridge: The MIT Press, 2007. GRUSZYNSKI, Ana Cláudia. Design editorial e publicação multiplataforma. Intexto, Porto Alegre, n. 34, p.571-288, set./dez. 2015. Disponível em: . Acesso em 15 jan. 2016. LITTAU, Karin. Theories of reading: books, bodies and bibliomania. Cambridge: Polity, 2006.

MORAES, André Carlos. Entre livros e e-books: a apropriação de textos eletrônicos por estudantes ingressados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2011. Porto Alegre,

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RESUMOS

2012. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação) – Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

STRIPHAS, Ted. The late age of print: everyday book culture from consumerism to control. New York: Columbia University Press, 2011. THOMPSON, John B. Books in the digital age. Cambridge: Polity, 2008.

THOMPSON, John B. Merchants of culture: the publishing business in the twenty-first century. New York: Plume, 2012.

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RESUMOS

 

         

    “Little Monsters da Lady Gaga” e as Práticas de  Consumo em Comunidade de Fãs.1     Luiza Betat CORRÊA2  Filipe Bordinhão dos SANTOS3    Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS  Universidade Positivo, Curitiba, PR      Filiados  à  perspectiva  dos  Estudos  Culturais,  a  partir  da  apropriação  do  conceito  de  consumo  cultural  (CANCLINI,  2010)  como  processo  sociocultural,  o  qual  prevê  os  usos  e  apropriações  de  artefatos  culturais  e  midiáticos,  o  nosso  trabalho  versa  sobre  a  relação  entre  consumo  e  a  participação  em  comunidade  online  de  fãs  (JENKINS,  2009  e  MONTEIRO,  2005)  da  cantora  norte­americana  Stefani  Joanne  Angelina  Germanotta, conhecida  mundialmente pelo nome artístico  de  Lady  Gaga.  Com  respaldo  de  quatro  das  seis  perspectivas4  sobre  consumo  desenvolvidas  por  Canclini  (2010),  articuladas  com  o  conceito  de  “endosso  por  celebridades”  (McCRACKEN,  2012),  discutimos  os  usos e  apropriações  da cantora  Lady  Gaga  e  de  produtos  vinculados  ao  seu  nome,  procurando  entender,  para  os  sujeitos  ali  inseridos,  o  que  é  ser  fã  e  participar  de  um  ​fandom  em um ambiente  online.   Para  tanto,  metodologicamente,  utilizamos  o  aporte  da  netnografia  (KOZINETS,  2007), observando e  coletando, pelo  período de dois meses, postagens  na  comunidade  da  rede  social  ​Facebook​,  denominada  “Little  Monsters  da  Lady  Gaga”.  As  observações  diárias  resultaram  na  captura  de  2.895  postagens5  pela   O resumo submetido é um recorte do trabalho de conclusão de curso denominado “Porque essa mulher  mudou a minha vida: consumo e identidade de gênero em comunidade de fãs de Lady Gaga no  Facebook​” (Corrêa, 2014).   2  Luiza Betat Corrêa ­ Bacharel em Comunicação  Social ­ Produção Editorial,  pela Universidade Federal  de Santa Maria ­ UFSM.  3  Filipe  Bordinhão dos Santos ­ Mestre em Comunicação,  Univeridade Federal de  Santa Maria  – UFSM.  Coordenador  da  Pós   em  Comportamentos  de  Consumo  e  Professor   do  Curso  de   Publicidade  e  Propaganda, Universidade Positivo ­ UP.  4  As perspectivas articuladas são: a) consumo como lugar de diferenciação e distinção entre grupos; b)  consumo como sistema de integração e comunicação; c) consumo como local de manifestação de desejos;  e d) consumo como sucessão ritual.  5  Os critérios de captura das postagens compreenderam as categorias de:​mais curtida, mais comentada,  identidade de gênero, consumo e comportamento de fã.   1



 

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RESUMOS

 

extensão  ​Capture  Webpage  Screenshot  –  FireShot  do  navegador  ​Chrome​,  sendo  que  54  postagens  foram  selecionadas  para  análise6 .  Acompanhando  a  coleta,  utilizamos  as técnicas  de  diário de  campo e questionário7, obtendo um retorno  de  120 respondentes, com 106 questionários analisados.   No  tocante  do  consumo,  notamos  que  o  público  preponderante  na  comunidade  são  sujeitos  do  sexo  masculino,  entre  12  e  16  anos,  autodeclarados  homossexuais,  estudantes  de  ensino  médio,  os  quais,  em  sua  grande  maioria,  acessam  a  comunidade  diariamente.  Ainda  nesta  lógica,  identificamos  padrões  para  se  consumir  Lady  Gaga,  como  a  existência  de  produtos  que  ajudam  na  construção  do  sentimento  de  fã  e  do  pertencimento  a  comunidade.  Outro  ponto  importante  é  o  fato  da  apropriação  da  artisa  mostrar­se  como  ritual,   em   alguns  aspectos,  similar  ao religioso.  Isto  levou­nos  a  observar  que a cantora, para os fãs,  está acima das instituições tradicionais, como família, escola e religião, propiciando  valores e sentimentos, os quais tais instituições não conseguem contemplar.  A  respeito  de  comportamento  de fã, constatamos  que para os  membros  do  grupo “Little Monsters da  Lady Gaga”, ser fã envolve compartilhar valores comuns,  amar, se identificar  e  compreender  o trabalho do artista, apoiando­o em suas mais  diversas  decisões,  estando  no   auge  ou  não, mas sem perder  o olhar crítico, o  que  nos  revelou  um  posicionamento  analítico  dos  fãs,  desmistificando  em  alguns  aspectos  o  quesito  “fã  alienado”.  No  caso  específico  de  Lady  Gaga,  as  músicas  demonstram  ser importantes para compreender  o que é ser fã da artista, visto que  nela  eles  encontram  uma  mensagem  social,  a  qual  consideram  importante  para  suas  vidas.  Já  ser  membro  de  uma  comunidade  de  fãs  prepondera  a  noção  de  interação  social  a  partir  do  gosto,  além  de  um  meio  de  saber  mais  sobre  a  celebridade  e  partilha  do  sentimento  de  união,  como uma família,  ao  ponto de  se  sentirem confortáveis em externarem assuntos extremamente íntimos.   

   

Referências    CANCLINI,  N. G.  ​Consumidores e cidadãos​: conflitos multiculturais da globalização. Rio  de Janeiro: UFRJ, 2010.    JENKINS, H. ​Cultura da Convergência​. São Paulo: Aleph, 2009.    KOZINETS, R. ​Netnography​: doing ethnographic research online. Londres: Sage, 2010.    MCCRAKEN,  G.  ​Cultura  e  consumo  II​:  mercados,  significados  e  gerenciamento  de  marcas. . Rio de Janeiro: MAUAD X, 2012.    MONTEIRO,  T.  Autenticidade  juvenil:  consumo  midiático,  investimento  e  disputa  simbólica  no  interior  de  uma  comunidade  de  fãs.  ​ECO­PÓS​,  Rio  de  Janeiro,  v.8,  n°  1,  janeiro­julho 2005. p. 42­56.   Para este texto, como trata­se de um recorte, analisamos apenas as postagens relativas as categorias de  consumo e comunidade de fãs.  7  Construído através do recurso Google Formulários. Composto por 44 questões, distribuídas nos  formatos aberta e fechada.   6



 

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RESUMOS

A recepção de uma mesma narrativa em dois suportes: um estudo de caso do blog e do livro Depois dos Quinze Maura DA COSTA E SILVA1 Marília DE ARAUJO BARCELLOS2

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

Esta pesquisa disserta sobre a apresentação de resultados do trabalho de conclusão de curso em Comunicação Social – Produção Editorial da acadêmica Maura da Costa e Silva, intitulado “Práticas de Leitura de uma narrativa em dois suportes diferentes: um estudo de caso do blog e do livro impresso Depois dos Quinze”. O trabalho científico em questão teve como objetivo compreender a forma de recepção de leitura por parte dos leitores do blog e do livro impresso Depois dos Quinze, de Bruna Vieira. Investigou-se concomitante a isso, o motivo pelo qual os leitores compram um livro tradicional, enquanto o conteúdo deste está disponível gratuitamente na web. Em relação ao conteúdo do livro e do blog, pode-se afirmar que os textos da autora tratam de temáticas características da adolescência: relacionamentos amorosos, cotidiano escolar e problemas familiares. Mas os assuntos que se destacam entre os leitores são as temáticas de mudança de cidade, pois muitos se identificam com a questão abordada. Ao lerem os escritos de Bruna Vieira relativos à sua mudança do interior de Minas Gerais para a metrópole paulistana em busca de seus sonhos, muitos jovens se identificam e relatam terem passado por situações semelhantes ou que desejam passar num futuro, quando deslocarem-se do interior para uma cidade maior em decorrência dos estudos. Assim, as crônicas, tanto no blog de 130 milhões de acessos3 quanto no livro de 200.000 exemplares vendidos, discorrem a respeito de inquietações cotidianas que cercam a juventude. Para construção do mosaico da investigação empírica, foram reunidas no trabalho as práticas de leitura dos pesquisados, relatadas por eles em um questionário online, que serviu de triagem para encontrar leitores de ambos os Maura da Costa e Silva – Graduada em Comunicação Social – Produção Editorial, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Marília de Araujo Barcellos – Doutora em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Professora Adjunta do curso de Comunicação Social – Produção Editorial da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 3 Conforme dados levantados no ano de 2015 no próprio blog Depois dos Quinze. 1

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RESUMOS

suportes para realização de entrevistas por meio do programa Skype. Durante as entrevistas, os leitores mostravam seus livros frente a webcam e contaram seus modos de leitura, bem como relatavam para a pesquisadora as histórias de como foi adquirido o livro, fosse comprado, ganhado de presente e etc. O recorte teórico foi composto por obras de pesquisadores da área do livro e da leitura, tais como Roger Chartier (2009, 2014), Michèle Petit (2008) e Goldin (2012) que auxiliaram a compreensão do leitor enquanto ser social. Perpassou-se outros prismas teóricos para o entendimento do leitor em algumas vertentes, que se complementam: para a análise do leitor enquanto ser biológico utilizou-se os estudos de Stanislas Dehaene (2012), e para a reflexão do leitor enquanto consumidor utilizou-se as obras de Nestor Garcia Canclini (2008), Zygmunt Bauman (2008) e Mary Douglas e Baron Isherwood (2004) Com base na análise dos dados e pilares para a análise desenvolvida quando se conclui que os leitores têm formas semelhantes de ler as crônicas de Bruna Vieira tanto no blog, quanto no livro. Eles afirmaram que, embora o conteúdo esteja disponível online gratuitamente, preferem comprar e ler o livro impresso, porque podem encontrar todos os textos reunidos nele. Assim, verificou-se que a materialidade do suporte e a edição do livro são importantes para a diferenciação de processos de leitura, uma vez que os leitores, que têm o livro impresso, constroem com ele uma relação afetiva. Referências BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008. CANCLINI, Nestor Garcia. Leitores, espectadores e internautas. Tradução de Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras, 2008.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do autor ao navegador. São Paulo: Editora Unesp, 2009. __________. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. DEHAENE, Stanislas. Neurônios da Leitura. Porto Alegre: Penso, 2012.

DEPOIS dos quinze. Blog. Disponível em . Acesso em: 20 nov. 2014. DOUGLAS, Mary. ISHERWOOD, Baron. O Mundo dos Bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.

GOLDIN, Daniel. Os dias e os livros: divagações sobre a hospitalidade da leitura. São Paulo: Pulo do gato, 2012. PETIT, Michèle Petit. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Ed.34, 2008. VIEIRA, Bruna. Depois dos quinze: quando tudo começou a mudar. São Paulo: Editora Gutenberg, 2012.

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RESUMOS

Recepção em Contextos de Circulação Digital: A Emergência da Reconexão Moisés SBARDELOTTO1

Unisinos, São Leopoldo, RS Com o avanço da midiatização digital, a Igreja Católica e a sociedade em geral desenvolvem novas modalidades de comunicação na internet, em que se constitui uma diversificada e difusa rede de relações entre símbolos, crenças e práticas vinculados ao catolicismo, aqui chamada de “católico”. Nesse processo, a sociedade em geral (indivíduos, grupos e instituições) toma a palavra publicamente e diz o “católico” midiaticamente, para além da oferta da instituição Igreja ou da mídia industrial, apontando para uma reconstrução social e pública de sentidos católicos. A partir desse contexto, este artigo – recorte de nossa tese de doutoramento – analisa como se organizam os processos midiáticos de circulação do “católico” em redes comunicacionais online, que emergem, neste caso, na plataforma sociodigital Facebook. A análise se dá por meio de um estudo de casos múltiplos, articulado com entrevistas focais semiestruturadas realizadas com responsáveis pela comunicação católica no Brasil, em dois níveis: um nível socioinstitucionalizado (a página Jovens Conectados, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB); e um nível minoritário periférico (a página Diversidade Católica, de uma rede católica gay). O texto parte de uma articulação teórica em torno do conceito de circulação, entendida como uma das principais processualidades comunicacionais em sociedades em midiatização. É na circulação que se travam as disputas simbólicas pela construção de sentido social. Tal construção pressupõe um reconhecimento prévio de outros sentidos, o que pode levar a novas produções de sentido, pois “os efeitos de uma produção de sentido são sempre uma produção de sentido” (VERÓN, 2004, p. 60). Resgatando um breve histórico de estudos sobre circulação, reflete-se sobre tal processo, portanto, não apenas como algo “depois da produção” ou “depois da recepção”, mas como uma “zona de articulação” (FAUSTO NETO, 2010) entre lógicas de produção e de reconhecimento, que se inter-retro-relacionam. No caso da circulação do “católico” em rede, são as ações tanto da instituição Igreja, quanto dos fiéis comuns conectados que constroem o “católico” conjuntamente, em rede, de modo complexo. Na circulação, a própria comunicação se constitui e se organiza. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, com estágio doutoral na Università di Roma “La Sapienza”. E-mail: [email protected]. 1

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RESUMOS

A partir dessa reflexão, os dois casos empíricos em torno da circulação do “católico” em rede são analisados a partir da emergência daquilo que chamamos de “reconexões”, isto é, um complexo de inter-relações entre processos sociossimbólicos, que, inter-retroativamente, relacionam lógicas e dinâmicas sociais e simbólicas. Mediante a análise dos casos, tais processos são subdivididos em reconexões intraplatafórmicas; interplatafórmicas; intermidiáticas; e transmidiáticas. Como conclusão, aponta-se que, entendidas como redes de conexões, as reconexões condensam as práticas religiosas em rede, mediante uma ação comunicacional sobre as interfaces e os protocolos das plataformas sociodigitais e para além deles, alimentando a circulação comunicacional. Constata-se, assim, a reconstrução do “católico” em rede, por meio da experimentação/transformação de algo já existente e da invenção/produção de algo novo em torno do catolicismo contemporâneo. Referências

FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, A.; VALDETTARO, S. Mediatización, sociedad y sentido: diálogos entre Brasil y Argentina. Rosario: UNR, 2010. Disponível em . Acesso em: 23 jun. 2016. VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.

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RESUMOS

Polêmica gera polêmica: uma análise da recepção do vídeo “Biel” do “Não Faz Sentido” Paula FERNANDES1 Joana d’Arc de NANTES2 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ A liberação da palavra e, assim, da opinião toma proporções que fogem ao controle quando ambientadas na internet (LEMOS; LÉVY, 2010). A construção e emissão de pontos de vista em rede virtual ultrapassa os limites de compartilhamento de informações, chegando à movimentação de massas em torno de um argumento que pode ser fundamentado ou não (KEEN, 2009). A emersão de plataformas de comunicação multimídia e interativas, na perspectiva de possibilidade de troca de conteúdos e avaliações dos mesmos, revela aspectos cada vez mais evidentes da ciberdemocracia (LEMOS; LÉVY, 2010) na sociedade midiatizada (DE MORAES, 2006; SODRÉ, 2006; GÓMEZ, 2006; KELLNER, 2006, CASTELLS, 2006) e celebritizada (BOYKOFF; GOODMAN, 2009; LEWIS, 2010). O processo de produção midiática de “um para todos” modifica-se para “todos para todos” (LEMOS, 2003) possibilitando a entrada dos receptores no modo de criação e a replicação do lhe é passado. Dessa maneira, o consumidor de conteúdos no meio virtual tem a possibilidade não só de receber e absorver uma ampla gama de variedades de informações mas também de expor seu posicionamento, valores e significados produzidos a partir do produto consumido. Segundo Denise Cogo e Liliane Brignol (2010), é impossível não incluir o ciberespaço nas discussões sobre recepção, uma vez que o meio virtual altera substancialmente as relações entre emissor e receptor. Assim, há uma ampliação da interação e, desta forma, do estudo da absorção e reação do público (COGO; BRIGNOL, 2010). Partindo da articulação entre estudo de recepção na Web 2.0 e a emissão e a valorização de opiniões virtualmente, a presente pesquisa busca refletir sobre o processo de construção de significados e valores do público sob a ótica do posicionamento de uma web celebridade a respeito de um acontecimento. Assim, para este estudo, utiliza-se como corpus os comentários do vídeo intitulado “Biel” do canal do youtuber Felipe Neto, dentro do quadro “Não Faz Sentido” 3. A partir do recorte das principais discussões no YouTube, foi feita uma análise a fim de 1

Bacharela em Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Viçosa – UFV. Mestranda em Comunicação Social – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 2 Bacharela em Produção Cultural e Bacharela em Estudos de Mídia, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestranda em Comunicação – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 1

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RESUMOS

compreender a recepção deste conteúdo pelos usuários da plataforma, destacando as principais atribuições ao conteúdo proferido pelo youtuber. A construção desse vídeo deu-se pela repercussão da fala do cantor MC Biel durante uma entrevista a alguns repórteres, onde ele emite um comentário a uma das entrevistadoras que sentiu-se violentada e registrou queixa contra o jovem artista sob acusação de assédio sexual. Felipe Neto resolveu posicionar-se sobre através do “Não Faz Sentido” seguindo a tradição do quadro, gerando grande repercussão na internet em várias instâncias e sites de redes sociais. Sob olhares dos estudos de recepção, atravessamentos sociais e das discussões geradas sobre o assunto em outras mídias, pode-se afirmar que há uma negociação de valores e a formulação de opiniões a partir da fala do youtuber. Felipe Neto não é, de fato, especialista em nenhum dos pontos apresentados no vídeo ou em nenhuma das discussões por ele geradas. Porém, por se propor a comentar e construir opiniões e ter se estabelecido na sociedade midiatizada como emissor de discursos polêmicos e severamente críticas4, acaba por se inserir nos embates midiáticos acerca de assuntos que recebem destaque na sociedade. Felipe Neto, a valorização da opinião de celebridades, o destaque e a espera pelo seu ponto de vista é uma das representações da equiparação de posicionamentos de web celebridades a especialistas acerca das discussões em destaque.

Referências BOYKOFF, M. T.; GOODMAN, M. K. Conspicuous redemption?: Reflections on the promises and perils of the ‘celebritization’ of climate change. Geoforum, v. 40, 2009, p. 395-406 CASTELLS, M. Inovação, liberdade e poder na era da informação. In: DE MORAES, D (org). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006. COGO, D; BRIGNOL,L. D. Redes sociais e os estudos de recepção na intenet. Compós. Rio de Janeiro, 2010. DE MORAES, D. A tirania do fugaz: mercantilização cultural e saturação midiática. In: DE MORAES, D (org). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006. GÓMEZ, G.O. Comunicação social e mudança tecnológica: um cenário de múltiplos desordenamentos. In: DE MORAES, D (org). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006. KEEN, A. O culto do amador: como blogs, MySpace, YouTube e a pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. KELLNER, D. Cultura da mídia e triunfo do espetáculo. In: DE MORAES, D (org). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006. 3

É importante destacar que este quadro tem características já consolidadas, como ofensas, críticas severas, vocabulário chulo e exaltado e apontamento de fatos que supostamente justificam a forma como expõe a discussão. 4 A sentença “crítica” dá-se aqui no sentido pejorativo, no qual solidifica-se a fala com base em ofensas tendendo para a comicidade; diferente de uma proposta de análise crítica de uma situação, por exemplo. 2

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RESUMOS

LEMOS, A; LÉVY, P. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010. ______. Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, A; CUNHA, P (org.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003. LEWIS, T. Branding, celebritization and the lifestyle expert. Cultural Studies, v. 24, n. 4, 2010, p. 580-598. SODRÉ, M. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. In: DE MORAES, D (org). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Manuad, 2006.

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RESUMOS

Audiências em trânsito na internet: desafios e possibilidades dos estudos de recepção na contemporaneidade Ronei Teodoro da SILVA1 Mônica PIENIZ2 Ludimila MATOS3 Thiago CAMINADA4

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Este artigo traz uma reflexão inicial sobre as dissertações e teses que envolvem receptores na internet, realizadas entre os anos 2010 e 2015, nos programas de pós-graduação em comunicação do Brasil. O objetivo é analisar os aspectos teóricos, metodológicos e empíricos (públicos, espaços, gêneros, temas, etc.) envolvidos nestes trabalhos, de modo a fazer um mapeamento e identificar tendências de pesquisas na área. O conjunto de trabalhos encontrados foi classificado, inicialmente, em dois grandes grupos: um abrangendo os estudos realizados somente na internet e outro com os estudos que envolvem a convergência midiática, ou seja, a relação entre internet e outros meios de comunicação. A pesquisa dá continuidade à reflexão trazida por duas publicações anteriores (JACKS, PIEDRAS e MENEZES, 2008; JACKS et al., 2014), as quais se preocupam com a análise dos meios e audiências contemplados nos estudos de recepção da década de noventa e início dos anos 2000. As pesquisas envolvendo internet começaram a surgir na última década, tendo em vista a popularização de sites institucionais e de redes sociais digitais e já apontaram para o cenário de trânsito das audiências Ronei Teodoro da Silva – Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS. Professor da Universidade de Caxias do Sul – UCS. 2 Mônica Pieniz - Doutora pelo PPGCOM/UFRGS. Professora Adjunta da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação – Fabico/UFRGS. 3 Ludimila Matos - Mestre em Comunicação – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUCRio. Doutoranda no PPGCOM/UFRGS. 4 Thiago Caminada - Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Pesquisador no Observatório de Ética Jornalística (objETHOS/UFSC) e Monitor de Mídia (Univali). 1

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RESUMOS

(OROZCO-GOMEZ, 2011). Este trânsito, que define o atual patamar da mediação estrutural da tecnicidade (MARTIN-BARBERO, 2010), constitui-se como um grande desafio a ser apreendido cientificamente pelos estudos de recepção. Outro importante desafio é o volume de dados gerados nos espaços digitais, o qual demanda procedimentos metodológicos que valorizem o quantitativo, sem perder de vista a reflexão e densidade teórica exigida das pesquisas acadêmicas. Os receptores, conforme analisado por Wottrich e Pieniz (2014), antes observados a partir de uma dinâmica de recepção massiva, adquirem a possibilidade de estreitar contatos, ampliando a percepção sobre o recebido. Estas transformações, quando vistas historicamente, mostram que o que antes era circunscrito a um ambiente de interação presencial, está ampliado para o círculo de contatos no âmbito digital – em meio a centenas e até milhares de manifestações dos públicos, materializadas na forma de postagens em blogs e redes sociais digitais. Diante desse cenário, os resultados parciais desta pesquisa apontam que as dissertações e teses que relacionam recepção e internet revelam mudanças no estatuto do receptor. Isso traz o desafio da análise das diferentes camadas do processo de comunicação, e, consequentemente, as diferentes possibilidades de recepção. Diferentes meios podem estar em relação no cenário da convergência, o que demanda diversas formas de análise da recepção. Junto disso, confundem-se as fronteiras de delimitação entre espaços midiáticos institucionalizados e espaços midiáticos emergentes. Tal realidade traz à tona as seguintes questões: as pessoas que interagem nas redes sociais digitais em torno de pautas jornalísticas, por exemplo, ao mesmo tempo que são emissoras, são receptores de quê? São receptoras do conteúdo de outros receptores que emitiram opiniões nas redes sociais digitais e/ou receptoras de conteúdos jornalísticos vinculados a grandes empresas de comunicação? Quais os limites da mídia alternativa no contexto da internet? Pode-se considerar como mídia os espaços com emissão de conteúdos não vinculados a meios de comunicação institucionalizados? Estas e outras perguntas motivam e direcionam a análise envolvida nesta pesquisa e, sobretudo, instigam a reflexão quanto aos limites e desafios dos estudos de recepção na contemporaneidade. Referências

JACKS, N. (coord.); PIEDRAS, E.; MENEZES, D. Meios e audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2008.

JACKS, N. et al. Meios e Audiências II. A consolidação dos estudos de recepção no Brasil. 1. ed. Porto Alegre: Sulina, 2014.

MARTÍN-BARBERO, J. Convergencia digital y diversidade cultural. In: MORAES, D. de. Mutaciones de lo visible: communicación y processos culturales em la era digital. Buenos Aires: Paidós, 2010.

OROZCO GÓMEZ, G. La condición comunicacional contemporânea. Desafios latino-americanos de la investigación de las interaciones em la sociedade red. In: JACKS, N. (coord./ed.). Analisis de recepción en América Latina: um recuento histórico com perspectivas al futuro. Quito: CIESPAL, 2011.

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RESUMOS

WOTTRICH, L. H. ; PIENIZ, M. Receptores na Internet: desafios para o contexto de trânsito das audiências. In: Nilda Jacks. (Org.). Meios e Audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. 1ed.Porto Alegre: Sulina, 2014

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RESUMOS

RESUMOS #2 Ficção Audiovisual e Literária

Das telas aos cabides: circulação e consumo da “moda da novela” Camila MARQUES 1 Sandra DEPEXE2

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS A temática que guia esse texto é a das relações existentes entre os figurinos das telenovelas da Rede Globo e o mercado da moda, com o objetivo de refletir como as caracterizações construídas para alguns personagens tornam-se tendências e ganham as ruas através do consumo material e simbólico (GARCÍA CANCLINI, 1995) de produtos de moda, pelos receptores. Para observarmos essas relações partimos da circulação da telenovela, “que começa na produção/emissão e se espraia ao consumo” (JACKS et al, 2011, p.299), para captar em notícias veiculadas na internet e postagens de blogs e redes sociais digitais indicadores empíricos que associem os figurinos das tramas ao consumo de moda. Como recorte, optamos por investigar duas personagens da atriz Giovanna Antonelli – Helô (Salve Jorge, 2012/2013) e Atena (A Regra do Jogo, 2015/2016) –, que nos permitiu mapear o caminho percorrido pelos “modismos” lançados por essas duas personagens, desde a saída das telas até a chegada às vitrines e guarda-roupas de receptoras/consumidoras. Por investigarmos telenovelas/figurinos/lançamento de tendências, objetivando a reflexão sobre as práticas de consumo estabelecidas nessa tríade, abordamos teoricamente as relações existentes entre moda e produtos audiovisuais que não são inéditas, porém, demasiado complexas. Partimos da premissa de que “moda e mídia se retroalimentam, se sustentam e se identificam. Novelas (...) criam e se inspiram em estilos, divulgando-os” (CASTILHO; MARTINS, 2007, p. 3). Assim, a telenovela, ao lado de outras mídias, acaba apresentando forte potencial de divulgação, disseminação (e massificação?) de alguns estilos, gostos e tendências de moda para um público vasto e heterogêneo, funcionando como um meio de comunicação que dá suporte à moda (ALMEIDA; WAJNMAN, 2002). Metodologicamente, buscamos aporte através de estudos dedicados às relações entre mídia televisiva e consumo (VELHO, 2000; ALMEIDA 2001; NAVARRO, Camila Marques - Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Sandra Depexe - Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Docente do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 1 2

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RESUMOS RESUMOS

2007; PIMENTEL, 2008; DEPEXE, 2015; MARQUES; ROSA, 2015) e tomamos a circulação acerca das personagens Helô e Atena como pesquisa documental, em que recorremos a técnicas de coleta de dados na internet (FLICK, 2009). Através da análise aqui empreendida, ratificamos que as caracterizações de muitos personagens das telenovelas nacionais se transformam em modismos desejados e consumidos cotidianamente pelos receptores. Em nosso entendimento, as postagens em blogs e redes sociais digitais, e as notícias sobre moda veiculadas em sites são uma esfera de circulação da telenovela vinculada ao consumo. Nesses lugares, o apelo estético desfragmenta as personagens em partes - cabelo, pele, unhas, silueta – e desvenda os “segredos” de tratamento, coloração, maquiagem, esmaltação e manutenção da forma física, ao passo que despe esses fragmentos em marcas de roupas, acessórios e cosméticos. Logo, não apenas a produção ficcional, mas também os conteúdos midiáticos a ela associados, expõem constantemente vários estilos de vida e oferecem serviços e produtos - materiais e simbólicos - a serem apropriados pelos receptores. No caso das personagens de Giovanna Antonelli, analisadas neste texto, evidencia-se que a persona (ALMEIDA, 2012) da atriz faz de suas personagens modelos ao consumo, não importando se ela é a delegada ou a bandida da trama. Referências

ALMEIDA, H. B. de. Muitas mais coisas: telenovelas, consumo e gênero. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, Campinas, 2001.

ALMEIDA, A. J. de; WAJNMAN, S. Moda, comunicação e cultura. São Paulo: Arte & Ciência: Nidem/Unip/Fapesp, 2002.

ALMEIDA, H. B. Trocando em miúdos: gênero e sexualidade na TV a partir de Malu Mulher. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 79, p. 125–137, 2012.

CASTILHO, K.; MARTINS, M. M. Discursos da moda: semiótica, design e corpo. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2005. DEPEXE, S. Distinção em 140 caracteres: classe social, telenovela e Twitter. Tese (Doutorado em Comunicação Social). Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, 2015. FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

GARCÍA CANCLINI, N. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995.

JACKS, N.; et al. Telenovela em múltiplas telas: da circulação ao consumo. In: LOPES, M. I. V. (Org.). Ficção televisiva transmidiática no Brasil: plataformas, convergência, comunidades virtuais. Porto Alegre: Sulina, 2011. p. 297-338.

MARQUES, C; ROSA, O. Vitrine Global: Relações entre a Telenovela e o Guarda-roupa. In: CONGRESO INTERNACIONAL COMUNICAÇÃO E CONSUMO, 5, 2015, São Paulo. Anais eletrônicos...São Paulo: COMUNICON, 2015. Disponível em: . Acesso em: 15 de maio de 2016. NAVARRO, E. F. Configurações Estéticas e Figurino da Telenovela O Clone. Dissertação

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RESUMOS RESUMOS

(Mestrado em Comunicação). Universidade Paulista - UNIP, São Paulo, 2007.

PIMENTEL, K. D. G. O merchandising da moda na telenovela: o espetáculo como publicidade em “Belíssima”. 2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Universidade Paulista – UNIP, São Paulo, 2008.

VELHO, B. A. A moda brasileira e a telenovela: um estudo exploratório. Dissertação. (Mestrado em Administração), Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, Rio de Janeiro, 2000.

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RESUMOS RESUMOS

Olhar além das telas: O adolescente como receptor audiovisual Daniel MOREIRA1 Ilka GOLDSCHMIDTD2 Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó, Chapecó, Santa Catarina No cenário brasileiro, mesmo com os muitos avanços realizados no campo dos

estudos de comunicação, a temática que relaciona o adolescente com a mídia continua

a ser um campo ainda não valorizado. A pesquisa investiga o processo de recepção dos filmes da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis por adolescentes de Chapecó. O estudo também faz uma reflexão dessa geração, enquanto consumidores de produtos audiovisuais.

O estudo busca avançar, sobretudo, na linha de investigação que compreende o

adolescente como sujeito da pesquisa. Os dados apresentados aqui focam nas relações dos adolescentes com o cinema, cultura e sociedade, tomando como lugar da

observação o ponto de vista do próprio sujeito de pesquisa. A pesquisa tem como

perspectivas teóricas os estudos de recepção. Esse tipo de estudo é uma abordagem da teoria da comunicação que indaga sobre o lugar do espectador, nesse caso

espectador de audiovisual, em suas práticas culturais e também na vida cotidiana.

1 Daniel Mendes Moreira – Pós graduando em Televisão e Convergência Digital pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS e Jornalista pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó– UNOCHAPECÓ.

Ilka Margot Goldschmidt Vitorino– Mestre pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Professora da Àrea de Ciências Sociais Aplicadas na Unochapecó e pesquisadora vinculada ao Grupo de Pesquisa em Comunicação e Processos Socioculturais e aos Núcleos de Pesquisa em Jornalismo e Desenvolvimento Regional e em Mídia Cidadã. 2

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1

RESUMOS RESUMOS

Os filmes exibidos nas salas de cinema e na televisão não seguem a lógica da

diversidade produzida e sim da concentração de investimentos (SILVA, 2010, p. 17). Dessa forma, os mesmos filmes chegam aos espaços formais de exibição em todo o

mundo. No Afeganistão e no Brasil, na Itália e no Japão os cartazes são os mesmos e

correspondem aos blockbusters americanos, situação que contribui para a

padronização do comportamento, para um olhar pouco criterioso e pensamentos domesticados.

O desenvolvimento desta pesquisa aconteceu em uma escola de ensino

fundamental de Chapecó, com estudantes de 12 a 13 anos de idade. A primeira etapa da pesquisa aconteceu com a pesquisa exploratória, em 2014. Durante esta etapa se

entendeu que o ambiente adolescente estava inserido, e também como era o seu

consumo cultural, principalmente de cinema e audiovisual como um todo. Foi durante

a pesquisa de exploração que se chegou à escolha de uma turma que tivesse a faixa etária correspondente à idade em que a criança está passando de fase, iniciando a

adolescência.

Para exibição, os próprios receptores selecionaram, por meio de votação

baseada nos trailers de cada produção, quatro filmes da Mostra. A pesquisa também busca entender as particularidades, os consumo e as mediações dos receptores. Para

foram mapeados dois meninos e duas meninas, três que possuem 12 anos e um com 13.

O

olhar

desses

receptores



está

condicionado

para

situações

e acontecimentos que são debatidos no âmbito escolar ou da sociedade em que vivem

e uma narrativa que foge da “hollywoodiana” gera certo estranhamento em relação

aos filmes exibidos. Os adolescentes utilizam seus próprios critérios para selecionar

as mensagens que estão sendo transmitidas pelos filmes. Os critérios para essa seleção podem estar ligados a seus sentimentos e também suas emoções momentâneas.

Assim como afirma Monteiro (1990), que o cinema não coloca nada alheio à

criança, mas dá lugar à possibilidade de ação ao que já existe nela, é possível dizer

que cada adolescente receptor que participou desta pesquisa absorve o filme de um

jeito próprio e singular. Durante o estudo foram provocadas reflexões referentes à interpretação das situações vivenciadas nos filmes pelos principais personagens. 46

2

RESUMOS RESUMOS

Atividades como essa, de acordo com Queiroz (2011), são importantes para, a partir de uma abordagem informal, criar espaço para a discussão sobre temas que estão

presentes em seus contextos sociais, mas não são efetivamente contemplados pelo ensino formal

Foi possível compreender que o filme é uma ferramenta que conduz o

espectador a uma análise de como está a sua vida. É um meio que pode contribuir não

só para a distração e reflexão rápida, mas também para a construção do

conhecimento crítico e até de um autoconhecimento, olhando-se como protagonista de sua própria história. Torna possível, depois de refletir o que se passou na tela, a

consciência frente a opiniões que foram repassadas aos adolescentes, e também, de preconceitos e estereótipos.

Referências

MONTEIRO, Marialva. A recepção da mensagem audiovisual pela criança: a busca de um olhar antropológico diante do espectador cinematográfico infantil. 1990. 157p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Fundação Getúlio Vargas – Instituto deEstudos Avançados em Educação,Rio de Janeiro, 1990. SILVA, Hadija Chalupe da Silva. O filme nas telas: a distribuição do cinema nacional. São Paulo: Ecofalante, 2010.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Educação musical e cultura: singularidade e pluralidade cultural no ensino e aprendizagem da música. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 10, 99-107, mar. 2004.

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RESUMOS RESUMOS

Leituras do Outro: Panorama dos Estudos de Recepção sobre LGBTs em Telenovelas Fernanda NASCIMENTO1 Joana Maria PEDRO2

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina Os estudos de recepção produzidos em nível scricto sensu no Brasil sobre Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBTs) são recentes no Brasil e datam do início dos anos 2000. Em uma busca pelos portais de dissertações e teses da Capes, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Núcleo de Pesquisas em Informação, Tecnologias e Práticas Sociais (Infotec) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) verifica-se que quatro dissertações e uma tese versaram sobre a temática (PERET, 2005; TONON, 2005; GOMIDE, 2006; TRINDADE, 2010; DESIDÉRIO, 2013). No presente artigo, analisa-se as características destes estudos, destacando as escolas teóricas do campo da Comunicação Social, as vertentes de pesquisas adotadas no que se refere aos Estudos de Gênero, as metodologias de estudos e as considerações apresentadas. Ao analisar as pesquisas, destaca-se que a maioria se enquadra dentro de uma perspectiva teórica dos Estudos Culturais, em relação a área da Comunicação Social e dos estudos de recepção. O método de pesquisa qualitativa é uma constante, ainda que haja a exceção da pesquisa de Trindade (2010) – que também se vale de premissas qualitativas para interpretar os dados coletados a partir de sua pesquisa quantitativa Em relação aos estudos de Gênero, as pesquisas estão, majoritariamente, enquadradas dentro de uma perspectiva dos Estudos de Gays e Lésbicas. Via de regra, não refletem sobre qual posicionamento político e teórico adotam com relação ao gênero e sexualidade, mas é possível constatar a perspectiva adotada a partir das conclusões dos autores – que celebram a maior visibilidade de LGBTs, mesmo que altamente regulada, como analisa Stuart Hall (2013) a respeito do deslocamento da invisibilidade de minorias para uma visibilidade que segue as normas. 1

Fernanda Nascimento – Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina – PPGICH UFSC. 2 Joana Maria Pedro – Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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RESUMOS RESUMOS

Considera-se que uma das grandes lacunas do conjunto de pesquisas é a centralização da sexualidade como objetos de estudos. Ao não relacionar a sexualidade com outros marcadores identitários como gênero, classe social, raça e geração, as pesquisas invisibilizam diversas nuances nas pesquisas de recepção. Além disso, os estudos centralizam-se na discussão de homossexualidade, sem refletir sobre sujeitos bissexuais, travestis e transexuais. A principal lacuna observada nos estudos é a de leituras de LGBTs sobre as representações desta parcela da população nas telenovelas – a exceção é o trabalho de Gomide (2006), o mais falho no que se refere à pesquisa de recepção (NASCIMENTO, 2015). Os estudos sobre a recepção de personagens LGBTs nas telenovelas apresentaram, hegemonicamente, resultados das leituras de heterossexuais sobre representações da homossexualidade. São leituras do outro, que desconsideram as múltiplas variáveis das identidades, isolando-a como caráter único da personalidade. Estudos importantes para o campo ainda em expansão, mas que deixam lacunas para que pesquisas futuras aprofundem aspectos ainda não discutidos. Referências

BDTD, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações. Disponível em http://bdtd.ibict.br/. Acesso em 2 mai. 2014.

CAPES, Banco de Teses e Dissertações. Disponível http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso em 2 mai. 2014.

em:

DESIDÉRIO, Plábio Marcos Martins. O discurso sobre a homossexualidade em Insensato Coração: ressonância nos comentários - fragmentos discursivos - de internautas em websites. 2013. 237 f., il. Tese (Doutorado em Comunicação)—Universidade de Brasília, Brasília, 2013

GOMIDE, Silvia del Valle. Representações das identidades lésbicas em Senhora do Destino. 2006. 210f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Comunicação Social) – Programa de Pós-graduação em Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. 2ª ed. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2013, 480p.

NASCIMENTO, Fernanda. Bicha (nem tão) má – LGBTs em telenovelas. Rio de Janeiro: Multifoco, 2015.

PERET, Luiz Eduardo Neves. Do armário à tela global: a representação social da homossexualidade na telenovela brasileira. 2005. 246f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Comunicação Social) – Programa de Pós-graduação em Comunicação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. TONON, Joseana Burguez. Recepção de telenovelas: identidade e representação da homossexualidade. Um estudo de caso da telenovela “Mulheres Apaixonadas”. 2005. 179f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Comunicação Midiática) – Programa de Pósgraduação em Comunicação Midiática, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2005.

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RESUMOS RESUMOS

arti

Telenovela E Cultura Participativa: Análise Da Circulação Da Novela Das Nove No Facebook Guilherme Felipe BUSNARDO1 Pricilla Tiane VARGAS2 Fernanda Vieira DE MARIA3 Valquiria Michela JOHN4

Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, Santa Catarina As telenovelas estão presentes na vida de todos os brasileiros, até mesmo daqueles que não acompanham seus capítulos. Seus conteúdos permeiam as discussões a partir não apenas da própria trama, mas do quanto ela é capaz de estender sua narrativa para outras plataformas. Mesmo com audiência em declínio, as telenovelas seguem como o mais importante produto midiático nacional e são consumidas em “múltiplas telas”, apropriadas e reelaboradas pelos sujeitos. Inserida no processo da convergência midiática, a participação do público, que sempre se fez presente na história desse gênero televisivo, se faz muito mais visível na multiplicidade de possibilidades de circulação do conteúdo por meio da internet, sobretudo nos espaços de produção dos próprios consumidores como blogs e sites de redes sociais. Diante disso, esta pesquisa tem como objeto de estudo a novela das nove da Rede Globo, especificamente a telenovela Império, e como esta circulou, como foi apropriada a partir da internet com foco na produção de conteúdo no Facebook, principal site de rede social no Brasil. O objetivo foi o de analisar quais os conteúdos, temáticas e personagens, quais os aspectos da trama e extra trama que mais atravessam a fronteira da telenovela e vão parar na web, como são ressignificados a partir dessa outra plataforma de circulação. Para tanto, foram analisadas a fanpage do GShow, do blog de paródias

1 Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali. Pesquisador do grupo Monitor de Mídia – Univali. Email: [email protected] 2 Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí - Univali. Pesquisadora do grupo Monitor de Mídia – Univali. Email: [email protected] 3 Acadêmica do 6o. período do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí - Univali. Pesquisadora do grupo Monitor de Mídia – Univali. Email: [email protected] 4 Orientadora da pesquisa. Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Professora do curso de Jornalismo da Univali e do Decom – Universidade Federal do Paraná - UFPR. Email: [email protected]

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RESUMOS RESUMOS

Morri de Sunga Branca e a fanpage produzida pelos próprios receptores durante o período de exibição da novela Império da Rede Globo. Foi realizada a análise das postagens bem como dos comentários e como esses “usos” a inserem no processo da chamada cultura participativa e da “cultura de fãs”. Como objeto de estudo dessa pesquisa, foram selecionadas as postagens com o maior número de interatividade5 de três fanpages ligadas à novela Império. A primeira, a página “Gshow”, é o portal oficial de entretenimento da Rede Globo no Facebook, onde também são publicadas postagens referentes às novelas, produzidas pela própria equipe da emissora. A segunda, a página “Morri de Sunga Branca”, é a página no Facebook de um blog humorístico sobre celebridades que aborda, também, temas referentes a novelas e outros produtos midiáticos. Já a terceira, “Império – Rede Globo”, é uma página criada pelos próprios fãs da novela no Facebook. Como o volume de dados coletado foi bastante significativo, neste artigo optamos por destacar apenas a postagem de maior interação em cada uma das fanpages em cada um dos períodos analisados. Os números levantados durante a pesquisa demonstram um alto índice de interação entre os usuários do Facebook em relação ao conteúdo produzido sobre a telenovela, de forma a evidenciar os sites de redes sociais como um meio propício para o consumo e circulação das telenovelas e de produtos derivados de suas narrativas. Em nenhuma momento observou-se a criação de um novo conteúdo nessas postagens que complementasse aquele que era veiculado na televisão. Os posts criados se limitavam a repercutir o que era veiculado, mostrando que, em relação à telenovela Império, houve a convergência midiática, mas não a narrativa e/ou recepção transmidiática (JENKINS, 2009; LOPES, 2011). Referências BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. FAUSTO NETO, Antonio. Olhares sobre a recepção através das bordas da circulação. XVIII Encontro Compós. Belo Horizonte, Junho de 2009. JACKS, Nilda et all. Circulação e consumo de telenovela: Passione num cenário multiplataforma. Comunicação, mídia e consumo. São Paulo, ano 9, vol. 9, n. 26, p. 191-210. Nov. 2012. ___. Telenovela em múltiplas telas: da circulação ao consumo. In: Maria Immacolata Vassalo de Lopes. (Org.). Ficção televisiva transmidiática no Brasil: plataformas, convergência, comunidades virtuais, v. 2, p. 297-337. Porto Alegre: Sulina, 2011. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. A Recepção Transmidiática da Ficção Televisiva: novas questões de pesquisa. In: FILHO, João Freire e BORGES, Gabriela (org). Estudos de televisão. Diálogos Brasil- Portugal. Porto Alegre Sulina, 2011.

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Entende-se por interatividade as curtidas, comentários e compartilhamentos de uma postagem.

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RESUMOS RESUMOS

Para além da televisão: o WhatsApp como extensão de diálogos de telenovelas mexicanas no Brasil Joana d’Arc de NANTES1 Paula FERNANDES2

Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro

O presente artigo se propõe a analisar a recepção de telenovelas mexicanas por admiradores brasileiros através do WhatsApp. A pesquisa tem como corpus o grupo “Drama Mexicano - DM”, que é composto, atualmente, por vinte e um jovens e adultos entre 18 e 31 anos, homens e mulheres, residentes em diferentes estados do Brasil. Para o desenvolvimento do artigo será apresentada a dinâmica do grupo, bem como os debates presentes no cerne da comunidade. Busca-se, assim, demonstrar que o WhatsApp tem se consolidado como um ambiente comunicacional para interação de grupos que compartilham interesses em comum, como, por exemplo, produtos midiáticos tal qual telenovelas mexicanas. Na década de 1980, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) importou e exibiu a primeira telenovela mexicana, Os Ricos Também Choram (1979), no Brasil. Desde então, esses produtos ficcionais estrangeiros foram ganhando espaço na TV aberta brasileira e conquistando o público. Nos anos 2000, por exemplo, 65% das telenovelas transmitidas pelo SBT eram mexicanas. Para além da transmissão de produtos ficcionais através do meio televisivo, a evolução tecnológica possibilitou a difusão das telenovelas pela internet, via streaming, Netflix, sites como YouTube, Dailymotion e outros. Assim, os próprios telespectadores passaram a compartilhar tramas on-line e algumas emissoras fizeram o mesmo. No decênio de 2010, o SBT começou a distribuir no meio digital[1] a íntegra dos conteúdos que compõem sua grade (dentre eles as telenovelas brasileiras e estrangeiras). De mesmo modo, a rede de TV mexicana Televisa também chegou a disponibilizar seus materiais, mas os retirou após criar a sua plataforma on-demand paga, intitulada Blim. Para o desenvolvimento desta pesquisa, parte-se do entendimento da recepção como um processo que antecede e prossegue o ato de assistir televisão (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002). Compreende-se que “o sentido primeiro apropriado pelo Nome do autor – Bacharel em Produção Cultural e Bacharel em Estudos de Mídia, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestranda em Comunicação, Universidade Federal Fluminense – UFF. 2 Nome do autor - Maior titulação, nome da instituição que cursou por extenso – SIGLA. Vínculo institucional, Extenso – SIGLA. 1

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RESUMOS RESUMOS

receptor é por este levado a outros cenários em que costumeiramente atua” (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002, p. 40). Tratando-se dos dias atuais, frente aos avanços tecnológicos e o constante surgimento de novas mídias, destaca-se a afirmação de Orozco de que a mudança nos processos de recepção está na localização das audiências, presentes em diferentes telas (OROZCO GÓMEZ, 2011, p. 381). Assim como se propagaram os dispositivos nos quais é possível ver esses produtos ficcionais, os debates sobre as telenovelas também passaram a circular por diferentes meios. Se antes as discussões se concentravam majoritariamente no cotidiano familiar, atualmente observa-se que ele tem se deslocado muito para o ambiente digital. Como pontua Campanella (2010), novas tecnologias como blogs, fóruns on-line e o Twitter são adotados pela audiência para debater conteúdos que lhe pareçam pertinentes. Neste contexto, destaca-se o aplicativo WhatsApp, o qual permite a criação de grupos que podem ser compostos por pessoas de diferentes lugares do mundo, sendo necessário apenas o número de celular. A construção de comunidades virtuais possibilita àqueles que compartilham de gostos em comum discutir em espaços delimitados e interativos sobre assuntos que os transformam em indivíduos unidos por associação (RECUERO, 2014). De acordo com Lévy (1999), a união virtual dá-se sob afinidades de interesses e conhecimentos numa construção em cooperação e troca de informações a respeito, eliminando distâncias por conta do contato virtual. Nesta conjuntura, enquadra-se o grupo “Drama Mexicano - DM”, que compõe o corpus de análise deste trabalho. O grupo DM apresenta-se como ponto de concentração de consumidores de um produto cultural com características especificas e permiti aos membros compartilhar sua admiração e construção de valores e significados a partir das telenovelas mexicanas. Salienta-se que o “Drama Mexicano” se constitui como comunidade por associação devido ao alto grau de intermediação e de interação. Como metodologia deste estudo realizou-se uma etnografia virtual (HINE, 2000) no grupo do WhatsApp, bem como a aplicação de um questionário e entrevistas. A análise dos dados aponta que embora o grupo tenha sido criado inicialmente com o intuito de comentar sobre as telenovelas mexicanas, os assuntos discutidos e os conteúdos compartilhados congregam diferentes temáticas, dentre elas: personalidades e produtos latinos de forma geral, assuntos e interesses pessoais e, às vezes, tramas nacionais. Os resultados indicam que, na perspectiva dos integrantes, o DM é um espaço de troca entre pessoas que compartilham dos mesmos gostos. Destaca-se também a grande relevância atribuída às telenovelas mexicanas na vida dos participantes do grupo, o que faz com que as discussões que circundam estes produtos culturais ganhem igual pertinência. Dentre os conteúdos compartilhados, ressaltam-se memes e demais imagens sobre atores e personagens das tramas. Vale pontuar que discussões de cunho pessoal não são tão valorizadas nas conversas diárias quanto às relacionadas aos produtos midiáticos. Mesmo não havendo relevante exposição da vida privada, os membros se veem como amigos e o espaço do WhatsApp é tido como um ambiente que permite uma maior proximidade do que sites de redes sociais como, por exemplo, o Facebook. Referências

CAMPANELLA, Bruno. Novos desafios teóricos para os estudos do consumo televisivo. Revista Eco-Pós (Online), v. 13, p. 5-13, 2010.

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RESUMOS RESUMOS

HINE, Christine. Virtual Ethnography. London: Sage, 2000.

LOPES, M.I.V.; BORELLI, S.H.S. e RESENDE, V.R. Vivendo com a telenovela. Mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus Editorial, 2002. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La condición comunicacional contemporânea. Desafíos latinoamericanos de la investigación de las interacciones en la sociedad red. In: JACKS, Nilda (Coord.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito: CIESPAL, 2011. p. 377-408. RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2014.

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RESUMOS RESUMOS

A Ficção Literária De Mia Couto Na Perspectiva Da Identidade Lourdes Ana Pereira SILVA1 Maria Auxiliadora Fontana BASEIO2 UNISA, São Paulo, São Paulo Este artigo tem por objetivo analisar o conceito de identidade no conto “O adiado avô”, de Mia Couto (2009), publicado na obra O Fio das Missangas. A narrativa do escritor demonstra a identidade em constante construção, influenciada por diversos aspectos, entre eles o tempo e o espaço a partir de experiências que possibilitam essa (re)construção. No conto, tal reconstrução se revela por meio de diferentes gerações e a partir de identidades individuais que se somam a uma identidade coletiva e fragmentada. A perspectiva teórica deste artigo se dá em torno do conceito de identidade (BAUMAN, 2005; HALL, 1997; SILVA, 2000), enfatizando sua relevância analítica nos estudos das Ciências Humanas e Sociais, e os estudos da Teoria da Recepção (ISER, 1996; JAUSS, 1979), que, a partir da década de 1960, abrem canais para a compreensão de textos artísticos, no caso o literário, levando em conta não apenas os processos produtivos do texto, mas, sobretudo, os receptivos. De algum modo, a polissemia dessa análise suscita uma dinâmica interdisciplinar, visto que se desdobra e faz comunicar áreas do conhecimento. Para o estudo em questão, assinala-se o profícuo diálogo entre os Estudos Culturais e a Literatura. Do ponto de vista metodológico, este trabalho é de natureza bibliográfica, assim, busca-se evidenciar, pela revisão de literatura, as ressignificações constantes do conceito de identidade. O conceito em si não é novidade, mas a complexidade e a flexibilidade atribuídos a ele o colocam num lugar instigante que, certamente, tem reacendido o debate acadêmico, inclusive no que concerne à literatura do autor moçambicano Mia Couto. No que tange a análise literária, entende-se que a experiência estética compõese como uma práxis que envolve a compreensão fruidora, bem como a fruição Lourdes Ana Pereira Silva – Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Docente do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e do Curso de Comunicação da Universidade de Santo Amaro - UNISA. 2 Maria Auxiliadora Fontana Baseio – Doutora pela Universidade de São Paulo – USP. Docente do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e do Curso de Comunicação da Universidade de Santo Amaro - UNISA. 1

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RESUMOS RESUMOS

compreensiva, reafirmando a literatura como um fenômeno interativo que engendra autor, texto e leitor. Na perspectiva de Jauss (1979), pela teoria do efeito estético, encerra-se o leitor implícito na própria construção discursiva. Mia Couto extrai do contexto social, histórico e cultural moçambicano a matéria prima para sua produção artística e o faz com consciência de linguagem, inserindo, em seu texto, recursos estéticos que dão forma à sua cosmovisão, tanto no plano do conteúdo, quanto no plano da expressão. A questão que se coloca é como compreender o conceito de identidade no contexto de produção moçambicano e como ele pode ser trazido e lido em outros contextos? No conto em análise, é possível verificar diversos demarcadores identitários, tanto simbólicos, quanto sociais, a exemplo dos ditados populares, classe, raça, geração, gênero e linguagem, corroborando, desse modo, que a identidade é uma das temáticas importantes abordadas por Mia Couto e capaz de ser compreendida e fruída em outros espaços culturais. Referências

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. CANCLINI, Nestor García. Consumidores e cidadãos: globalização. 4. ed., Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1999.

conflitos

multiculturais

da

CANDIDO,
 Antônio.
 Literatura
 e
 Sociedade:
 estudos
 de
 teoria
 e
 história
 literária. 8. edição.
São
Paulo:
T.
A.
Queiroz,
2000.
 COUTO, Mia. O fio das missangas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 1997.

ISER,
 W.
 O
 Ato
 da
 Leitura:
 uma
 teoria
 do
 efeito
 estético.
 Tradução
 de
 Johannes
 Kreschmer
São
Paulo:
Ed.
34,
1996. JAUSS,
Hans
Robert.
A
história
da
literatura
como
provocação
à
teoria
literária. Tradução
Sérgio
Tellaroli.
São
Paulo:
Ática,
1979.


JOUVE,
Vincent.

A
Leitura.
Tradução
de
Brigitte
Hervor.
São
Paulo:
Edunesp, 2002.


SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

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RESUMOS RESUMOS

O Velho e o novo: as apropriações de fãs de telenovela em tempos de convergência das mídias Otávio Chagas ROSA1 Gustavo DHEIN2 Camila MARQUES3

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Este artigo resulta de uma pesquisa de caráter exploratório cuja finalidade foi analisar as apropriações da trama por parte dos fãs da telenovela Velho Chico no que diz respeito a questões referentes a gênero. Valemo-nos, para tanto, das publicações e comentários produzidos pelos televidentes do referido produto ficcional em um grupo dedicado especificamente a ele no Facebook. A escolha por problematizar gênero a partir da telenovela está alicerçada nos pressupostos de que: a) esse produto midiático ocupa papel de protagonista no cotidiano dos brasileiros; b) é na trajetória dos personagens, assim como nas representações do amor e da sexualidade, que se expressa de maneira mais bem acabada a capacidade das telenovelas em congregar experiências públicas e privadas (LOPES, 2009, p. 28); c) no contexto atual, a produção de identidades e de cidadanias passa por diferentes telas (OROZCO GÓMEZ, 2011, p. 392). A partir dessas afirmativas, apresentaremos um breve tensionamento a respeito das implicações das mudanças tecnológicas nos estudos de recepção, em diálogo com a perspectiva dos Estudos Culturais. Compreendemos, portanto, o receptor como um sujeito ativo, dotado da capacidade criativa de reelaboração, ressignificação e ressemantização dos conteúdos massivos. Atentamos, também, para os avanços tecnológicos – em particular a internet – e dialogamos com novas perspectivas sobre a “circulação”, que deixa de ser um elemento “invisível ou insondável” no processo de comunicação para ser concebida como um dispositivo com claros níveis de evidência, organizando novas possibilidades de interação entre a mídia e a recepção (FAUSTO NETO, 2010, p. 55). Para explorarmos as dinâmicas entre a ficção televisiva, sua repercussão na ambiência digital e a construção de sentidos por parte dos receptores, observamos o que circulou sobre as relações de gênero presentes na trama da Rede Globo por meio do grupo VELHO CHICO - Novela da Globo, no Facebook. Nos aproximamos, em consequência, da perspectiva da Análise de Redes Sociais (ARS) (FRAGOSO, RECUERO E AMARAL, 2011), e classificamos as publicações e comentários coletados por meio do

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Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 3 Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2

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1 RESUMOS RESUMOS

processo de codificação aberta, que possibilita o reconhecimento “de padrões e elementos relevantes para a análise e para o problema” (Ibid, p. 92). A análise empreendida foi organizada a partir de dois eixos centrais: 1) comportamento e interações de fãs através das potencialidades que as tecnologias permitem; e 2) análise dos sentidos construídos pelos receptores sobre as relações de gênero e sexualidade presentes na trama. No que se refere aos processos de recepção em um contexto transmídia, se percebe que um maior controle ou personalização do consumo midiático não se traduz necessariamente em um ato produtivo, inovador e transcendente, nem carrega uma mudança de consumidor receptor a produtor emissor. Os comentários analisados permitem inferir que os receptores reconhecem – e fazem a leitura da telenovela a partir de – “padrões” de gênero masculino e feminino legitimados socialmente, posto que as suas manifestações no Facebook – juízos de valor moral sobre as condutas de diferentes personagens – são elaboradas tendo em conta o discurso hegemônico relativo a gênero. Quando desejam desabonar figuras específicas da trama em razão de comportamentos “desviantes”, os fãs recorrem a adjetivos como “puta, frouxo, covarde, e louca”. Paralelamente, percebemos que a telenovela reforça a perspectiva dominante sobre gênero ao atribuir as características mais liberais/transgressoras aos vilões. Referências

FAUSTO NETO, Antonio. As bordas da circulação. Alceu (PUCRJ), v. 10, p. 55-69, 2010.

FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011.

LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Telenovela como recurso comunicativo. Matrizes, v. 3, n.1, p. 21-47, 2009. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La condición comunicacional contemporánea. Desafíos latinoamericanos de la investigación de las interacciones en la sociedad red. In: FERRANTE, Natália; MARROQUIN, Amparo; VILARROEL, Mónica (orgs.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito - Ecuador: Ciespal, 2011.

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Recepção e cidadania comunicativa: visibilidade das mulheres latinas na série Devious Maids Paulo Júnior Melo da LUZ1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul Em Devious Maids, série exibida pelo canal estadunidense Lifetime, cinco mulheres latinas trabalham como empregadas domésticas em Beverly Hills, Los Angeles. Estreada em junho de 2013 e renovada para uma quarta temporada em 2016, a história trata, entre outras temáticas, das aspirações de vida e da rotina das personagens. No entanto, diferente de outras séries, essa se destaca por dar visibilidade e protagonismo às latinas. Apesar desse destaque à figura feminina latino-americana, nem sempre as personagens são construídas longe do estereótipo e de clichês. Por isso, emerge a necessidade de compreender de que forma são apropriadas as construções identitárias das empregadas latinas propostas em Devious Maids por sujeitos que assistem a série e como se relacionam com a cidadania comunicativa. Essa problemática deu início à investigação realizada em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no qual busquei pensar que potencialidades oferece a construção identitária das mulheres latinas de Devious Maids ao se vincular com as marcas e vivências midiáticas e comunicacionais dos sujeitos que assistem a série. Para trabalhar com sujeitos comunicantes e entender como significam as personagens latinas da série, é preciso levar em conta que estão inseridos em um contexto de midiatização que complexifica a cultura e as competências dos sujeitos, assim como suas produções de sentido (BONIN, 2015). Enquanto estratégia teórico-metodológica, a recepção exige um tratamento reflexivo desde os aspectos mais técnicos e operativos da pesquisa. Os movimentos que se realizam em contato com os sujeitos exigem constantes problematizações a fim de entender os contextos nos quais se inserem, a realidade comunicacional de cada um e, principalmente, suas vivências e experiências culturais e midiáticas. Seus repertórios culturais e sociais que desempenham papel fundamental na construção que fazem das identidades das personagens que observam na ficção. Paulo Júnior Melo da Luz – bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), e mestrando no Programa de pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCC) da mesma instituição. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 1

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RESUMOS RESUMOS

Os sujeitos/cidadãos em processos de receptividade comunicativa contemporâneos experimentam modos e formas de inter-relação sociocultural simbólica que combinam mídias, culturas, realidades, sensibilidades e subjetividades de maneira intensa e desestabilizadora para gerar comunicações múltiplas. Noções, conceitos, ideias, categorias, estratégias e projetos de pesquisa precisam considerar essas mudanças para dar conta da diversidade e da complexidade comunicativa atual. (MALDONADO, 2014). As descobertas a partir da recepção podem levar a pistas para pensar como seria narrada uma série que trouxesse elementos para captar a atenção do telespectador, auxiliando a ver cidadania nesse processo comunicativo. O intuito de entender o processo que aí se estabelece transcende uma única disciplina, um único método ou uma única teoria, ela avança para um campo transdisciplinar, na qual se inscreve uma pesquisa comprometida a compreender sujeitos complexos com características históricas, sociais, culturais, políticas e psicológicas. Na proposta de apresentação para a III Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção, procuro trazer alguns resultados obtidos no TCC para refletir conceitualmente como vem se reconfigurando o cenário da pesquisa em recepção. No entanto, não limito o olhar para a perspectiva já formalizada e instituída desse campo, mas busco avançar na abordagem dos sujeitos comunicantes, levando em conta suas constituições identitárias, históricas, sensíveis e de relação com a série. Assim, penso na recepção como um lugar (MARTÍN-BARBERO, 1995) no qual os tensionamentos entre os sujeitos se estabelecem de maneira frutífera e em constante movimento, reconfigurando suas lógicas que precisam levar em conta o contexto histórico e as particularidades de cada pessoa envolvida no processo comunicativo. Referências

BONIN, Jiani Adriana. Desafios na construção de pesquisas de recepção em mídias digitais em perspectiva transmetodológicas. In: BRIGNOL, L. D.; BORELLI, V. (Orgs). Pesquisa em recepção: relatos da Segunda Jornada Gaúcha. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2015.

______. Revisitando os bastidores da pesquisa: práticas metodológicas na construção de um projeto de investigação. In: MALDONADO, Alberto Efendy. et al.. Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.

CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo. Para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005. DANTAS, Sílvia. As séries no contexto das produções teleficcionais nacionais: uma aproximação. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 37., 2014, Foz do Iguaçu. Anais eletrônicos... Paraná: Intercom, 2014. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2014/resumos/R9-1699-1.pdf. Acesso em 06 jun. 2016. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas. Estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

JOST, François. Do que as séries americanas são sintoma?. Porto Alegre: Editora Sulina, 2012.

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RESUMOS RESUMOS

LOPES, Maria Immacolata Vassallo et al.. Vivendo com a telenovela. Mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002.

MALDONADO, Alberto Efendy. Pesquisa em comunicação: trilhas históricas, contextualização, pesquisa empírica e pesquisa teórica. In: MALDONADO, Alberto Efendy et. al.. Metodologias de pesquisa em comunicação. Olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2011. ______. Perspectivas transmetodológicas na pesquisa de sujeitos comunicantes em processos de receptividade comunicativa. In: MALDONADO, Alberto Efendy et al. Panorâmica da investigação em comunicação no Brasil. Processos receptivos, cidadania e dimensão digital. Salamanca: Comunicación Social Ediciones y Publicaciones, 2014. MARTÍN-BARBERO, Jesus. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUSA, Mauro Wilton de. [et. al]. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 39-68.

MATA, Maria Cristina. Comunicación y ciudadanía: problemas teóricos: políticos de su articulación. Fronteiras – Estudos Midiáticos, São Leopoldo, v.8, n.1, p. 5-15, jan./abr, 2006.

PIÑON, Juan. Estados Unidos: as mudanças demográficas na população latina e as estratégias da indústria da televisão hispânica. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo; GÓMEZ, Guillermo Orozco (Orgs). Obitel 2012: transnacionalização da ficção televisiva nos países iberoamericanos. Porto Alegre: Sulina, 2012.

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RESUMOS RESUMOS

Recepção audiovisual: percepções de famílias acerca da violência contra a mulher a partir do filme Sonhos Roubados Priscila da SILVEIRA1 Rejane Beatriz FIEPKE2

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul Resumo Este artigo consiste em um estudo de recepção a partir das percepções e significações obtidas por meio do filme nacional Sonhos Roubados, dirigido por Sandra Werneck, gravado em 2009, que traz o retrato da vida nas periferias sob a ótica feminina. Como interlocutores da pesquisa, optamos por selecionar três famílias oriundas de distintas classes sociais, no intuito de analisar como a realidade do contexto sócio-cultural interfere na constituição da opinião dos sujeitos, e quais as suas leituras sobre o tema violência contra a mulher. A escolha da temática tem sua relevância fundamentada também em dados estatísticos, pois conforme a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Frederico Westphalen-RS está classificado em 25º lugar no ranking da violência contra a mulher no Estado, o que ressalta a urgência de levar essa discussão para todos os âmbitos da esfera social. A escolha das famílias participantes do estudo foi realizada por meio da classe social, com base na tabela de renda familiar do IBGE, e da localidade onde elas residem, dividindo a cidade em três zonas. Assim, as famílias selecionadas foram: uma da classe D, residente em bairro periférico da cidade; da classe C, residente na zona rural; e uma família de classe B, residente no centro da cidade; assim, acreditamos que contemplamos as principais realidades das famílias do município. O processo de constituição do corpus para a posterior análise ocorre por meio da aplicação de uma entrevista com perguntas referentes à violência contra a mulher, antes da exibição do filme, e posterior à exibição do mesmo, tendo em vista constatar como o produto audiovisual implica na opinião, reação e argumentação dos sujeitos sobre a temática, com destaque especial a o que entendem por violência e suas situações. Gómez (2005, p.31) afirma que a recepção implica em diversos graus de envolvimento e processamento de conteúdo, “Essa sequência começa com a atenção, passa pela compreensão, seleção, valoração do que foi percebido, seu armazenamento e integração com informações anteriores, e 1

Priscila da Silveira – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Graduada em Comunicação Social, Hab. Jornalismo, e Pós-Graduada em Comunicação Organizacional pela Universidade de Passo Fundo. 2Rejane Beatriz Fiepke – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Graduanda de Comunicação Social, Hab. Jornalismo.

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RESUMOS RESUMOS

finalmente se realiza uma apropriação e produção de sentido”. A perspectiva teórica deste estudo de recepção está fundamentada nas ideias de Gómez (2005), sendo o caminho metodológico desenvolvido por meio de duas fontes de mediação: situacional e individual. Mesmo a classificação indicativa do filme sendo para maiores de 16 anos, o estudo de recepção foi realizado apenas com os membros maiores de 18 anos, por entender que o sujeito já é totalmente responsável pelas suas ações na sociedade. A mediação situacional buscou relatar os elementos do ambiente de recepção doméstica e das reações dos sujeitos nas cenas do filme. Por meio de entrevistas, a mediação individual teve o intuito de questionar e analisar a interpretação do conteúdo da obra cinematográfica pelos participantes. O trabalho também busca realizar o estudo sob o ponto de vista do cotidiano familiar, definido por Martín-Barbero (1997, p. 293) “... com uma filosofia que atribui à televisão uma função puramente reflexa, começa a se estabelecer uma concepção que vê na família um dos espaços fundamentais de leitura e codificação da televisão”. Assim, analisamos que no contexto situacional, as reações das famílias durante exibição reprovação, tristeza, aflição, alegria- correspondem a leitura apresentada durante os questionamentos da segunda entrevista. A mediação individual fixou categorias como: idade, classe social, nível escolar, gênero e violência. Este tipo de mediação permitiu analisar os posicionamentos das famílias em relação ao assunto apresentado no filme, com respostas individuais de cada membro, o que permitiu realizar um cruzamento de dados completo e ampla análise do assunto. Referências MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Editora UFRJ, Rio de Janeiro, 1997.

OROZCO GÓMEZ, Guilhermo. O telespectador à frente da televisão: Uma exploração do processo de recepção televisiva. Universidade de Guadalajara, México, 2005. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2016.

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Once upon a time: estratégias de formação narrativa e fidelização de público Priscila Mana VAZ 1 Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro

Na formação dos universos narrativos na ficção seriada televisiva, as estratégias para a composição da narrativa envolvem o uso de critérios e artifícios que ajudam ao público a se aproximarem desses universos. Além de funcionarem como um guia para o desenvolvimento das histórias, essas estratégias também são elementos-chave no processo de fidelização de público. Através de uma pesquisa quantitativa e qualitativa com os espectadores da série Once upon a time, buscamos identificar se o uso de critérios como alteração temporal, verossimilhança e quebra de expectativa, na construção do universo diegético da série, é bem recebido pelo público. Também investigamos se a união desses critérios com alguns artifícios narrativos como a re-apropriação de histórias já conhecidas e a fusão de personagens, traz mais possibilidades interpretativas para a série. Segundo Mittel (2006), os produtos ficcionais seriados televisivos, podem ser identificados como narrativas complexas quando oferecem ao público diferentes maneiras de se aproximar da história apresentada. Mittel também enfatiza que o engajamento do público com as séries está relacionado a oportunidade que as narrativas dão aos espectadores de se aprofundarem nas histórias a partir de brechas de interpretação que são deixadas na narrativa (MITTEL, 2006). Com essa pesquisa, buscamos identificar se o universo diegético da série foi composto a partir dessas premissas. Para guiar o trabalho com os espectadores e fãs, foi realizada uma análise de conteúdo dos episódios da primeira temporada da série Once upon a time, visando traçar as estratégias que foram utilizadas para compor o universo narrativo da série. Foram observadas como principais estratégias para apresentar o espaço-tempo da narrativa, os critérios, acima listados, de alteração temporal, verossimilhança e quebra de expectativa e a partir deles, foi possível fazer o questionário para verificar como o público recebeu tais estratégias. Além disso, também foram traçadas as estratégias de apresentação de personagens. Tendo em vista que, a série utiliza as histórias de contos de fadas como referência e em tese, esses personagens já são conhecidos pelo público. Foram encontrados 1

Priscila Mana Vaz - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense - UFF. Bolsista - CAPES. !1

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dois padrões para apresentação dos personagens ao público, a saber, fusão de personagens e apresentação da história prévia do personagem (como ele era antes da história já conhecida nos contos clássicos). O questionário da pesquisa, composto por perguntas quantitativas e qualitativas, foi aplicado em um grupo de fãs da série no Facebook - Once Upon a Time Brasil - com perguntas que corresponderam apenas aos episódios da primeira temporada da série. Os resultados preliminares indicam que o público recebeu bem o uso dessas estratégias e conseguiu se apropriar das brechas narrativas para se aproximar ainda mais da história. Além disso, também verificamos que a estratégia utilizada na primeira temporada da série foi suficiente para fidelizar o público, que permanece assistindo a série após 5 temporadas, nas quais as estratégias de junção de personagens e alteração temporal, por exemplo, continuaram sendo utilizadas e bem recebidas pelo público. A partir disso, concluímos que as estratégias aplicadas na primeira temporada de um produto de ficção seriada televisiva podem definir o futuro de uma série, isto é, sua continuidade na grade televisiva. Ao utilizar estratégias narrativas que engajam o público, a série é capaz de manter a fidelização no produto e assim garantir a formação de um público fã. Referências ALLRATH, Gaby, Marion GYMNICH & Carlota SURKAMP. Introduction: Towards a Narratology of TV Series. In Gaby ALLRATH & Marion GYMNICH. Narrative Strategies in Television Series. Palgrave Macmillan. London, 2005. CHATMAN, Seymour. What novels can do that films can’t. (and Vice Versa) in MITCHELL. W.J.T. (Edited by) On Narrative. The University of Chicago Press. USA, 1981. FOSTER, E. M. Aspects of the Novel (1927); Philippe Hamon, “Para um Estatuto Semiológico da Personagem”, in F. Van Rossum Guyon et Alii: Categorias da Narrativa (1977). MITTELL, Jason. Narrative Complexity in Contemporary American Television. IN: The Velvet Light Trap, Number 58, 29-40. Fall 2006 by the University of Texas Press. NEWMAN, Michael Z. From Beats to Arcs: Toward a Poetics of Television Narrative. IN: The Velvet Light Trap, Number 58, 16-28. Fall 2006 by the University of Texas Press.

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Atravessamentos de gênero na recepção de telenovela: um estudo com mulheres detentas Valquiria Michela JOHN1

Universidade do Vale do Itajaí / Universidade Federal do Paraná, Itajaí, Santa Catarina Este artigo apresenta um recorte da tese de doutorado intitulada “Mundos possível e telenovela: memórias e narrativas melodramáticas de mulheres encarceradas”. A tese teve como objetivo principal conhecer como o cotidiano de mulheres em situação de confinamento se (re)configura a partir da mediação da telenovela nesse novo ambiente de socialização. Busca compreender como as memórias da telenovela se articulam às memórias pessoais e qual a importância dessa narrativa em seu dia a dia. A pesquisa segue a proposição da “Metodologia dos mundos possíveis” de Luis Jesus Galindo Cáceres (1997). O estudo foi realizado no Presídio Regional de Itajaí, Santa Catarina, para o qual foram entrevistadas oito mulheres de diferentes faixas etárias, regimes e tempo de cumprimento de pena. A principal técnica adotada foi a história de vida em consonância com a proposição da metodologia dos mundos possíveis. Esses relatos foram tensionados na correlação entre memória, tempo presente e futuros contingentes e de que modo a telenovela participa do processo de construção e reconstrução do cotidiano e de mundos possíveis. Os resultados apontam para uma “memória do melodrama” e um processo de construção de mundos possíveis a partir da identificação e projeção de suas trajetórias nas trajetórias das personagens da telenovela, sobretudo no que se refere às memórias e práticas relacionadas à família. Neste artigo, porém, a discussão centra-se nos “atravessamentos” das questões de gênero na relação que se estabelece entre essas mulheres e a narrativa da telenovela, notadamente, a “novela das nove”. O principal atravessamento é a identificação com as protagonistas das tramas, sobretudo num aspecto – a maternidade, central na relação que praticamente todas elas estabeleceram com a telenovela, tanto em termos de memória , ao deixarem claro que o gosto pela novela vem de suas mães e da própria conexão que estabelecem com a figura materna, como Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS. Professora do curso de Jornalismo da Univali e do Decom – Universidade Federal do Paraná - UFPR. Email: [email protected] 1

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também a projeção para suas próprias famílias, sua própria maternidade na assistência da telenovela hoje no ambiente prisional. Ao se adotar o termo gênero na discussão da relação das mulheres detentas com a telenovela o que se buscou problematizar foram eventuais “modelos”, papeis ou atributos de gênero que aparecessem em suas narrativas. Em suas memórias e na relação atual com o conteúdo, a partir, como já dito, dos temas e personagens com os quais se identificassem e eventuais críticas a esses modelos e possíveis estereótipos que “contestassem” na narrativa da telenovela. O principal aspecto de gênero constatado nas narrativas das entrevistadas em sua relação com a telenovela foi a questão da maternidade. Foi recorrente entre elas a identificação com as protagonistas de Salve Jorge (Morena) e Amor à Vida (Paloma), não tanto as personagens em si, mas sua “devoção” pelos filhos, o fato de “fazerem tudo por eles”. Na identificação com as heroínas “guerreiras”, enfatizando e ressaltando sua maternidade como condição fundamental de identificação, se percebe a necessária problematização mais contundente das questões de gênero no âmbito do privado, do doméstico. Nenhuma delas destacou, por exemplo, a vida profissional das personages preferidas, a conquista de “outras posições”, a dificuldade de conciliar a “dupla jornada”, entre outros aspectos, destacados nas novelas apontadas. Isso evidencia para a importância das análises de gênero adentrarem cada vez mais o espaço das relações domésticas, particularmente as relações familiares, tão enfatizadas pelas próprias entrevistadas na sua conexão com a telenovela e principal âmbito dos “mundos possíveis” alternativos ao cotidiano da prisão. Esta deve ser, como afirma Okin (2008), uma necessária atitude “política” dos estudos de gênero, entendendo-se aqui como também um aspecto importante a ser cada vez mais enfatizado nos estudos de recepção. Referências BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

GALINDO CÁCERES, Luis Jesus. Sabor a ti: metodologia cualitativa en investigación social. Xalapa: Universidad Veracruzana, 1997.

HAWTHORN, Geoffrey. Plausible worlds. UK, Cambridge University Press, 1991.

OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p.305-332, 2008.

PISCITELLI, Adriana. Nas fronteiras do natural: gênero e parentesco. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 305-321, 1998. PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, 1995.

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As fanfictions nas pesquisas brasileiras: uma metaanálise Wesley Pereira GRIJÓ1 Gabriel ARAÚJO2 Taluana PANIZZA3

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, RS A partir da crescente presença da comunicação digital no cotidiano da sociedade contemporânea, emerge também o maior número de pesquisas que tentam compreender o novo cenário de produção, circulação e recepção dos produtos midiáticos. No contexto comunicacional de convergência dos meios, dos mercados e das inteligências coletivas (JENKINS, 2009) e, mais recentemente, das conexões entre instituições midiáticas e sujeitos (JENKINS; FORD; GREEN, 2015), a audiência, que outrora apenas consumia o conteúdo dos meios, passou a resignificá-lo das mais diferentes formas como é caso da experiência da produção de fanfictions. Segundo Sá (2002), as fanfictions são histórias de ficção escritas por fãs a partir de narrativas e personagens já existentes na literatura, no cinema ou na televisão. Johnson (2001) considera-as como um novo gênero literário típico da cultura das interfaces, em que os usuários não estão mais preocupados, exclusivamente, em narrar novas histórias, mas também contá-las a partir de suas perspectivas. Dentro dessa perspectiva, este trabalho tem como objetivo mapear como as pesquisas brasileiras abordam o fenômeno das fanfictions, tendo como objeto de análise dissertações e teses produzidas em Programas de Pós-Graduação brasileiros. Para efetivar tal objetivo, o estudo é de abordagem qualitativa (FLICK, 2004), com a coleta de dados direcionada pelas pesquisas exploratória (ISER, 2006) e bibliográfica (LIMA; MIOTO, 2007). Posteriormente, foi realizada a meta-análise das informações no sentido de entender como as narrativas dos fãs foram problematizadas nas pesquisas brasileiras. Bicudo (2014) considera a meta-análise como uma retomada da pesquisa

1 Wesley Pereira Grijó – Doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor da Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Coordenador do Núcleo de Audiovisual, Imagens técnicas e Práticas socioculturais (CNPq/UFSM). 2 Gabriel Araújo – Graduando do curso de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Bolsista Fipe/UFSM/2016. 3 Taluana Panizza - Graduanda do curso de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM.

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realizada, mediante um pensar sistemático e comprometido de buscar dar-se conta da investigação efetuada. Para acesso às pesquisas brasileiras, o Banco de Dissertações e Teses da Capes foi utilizado para a coleta dos dados. Ao todo foram encontrados 19 estudos, entre dissertações e teses, defendidas entre os anos de 2013 e 2015. O maior número de trabalhos concentra-se nos programas de pós-graduação em Letras, totalizando sete pesquisas; nos programas em Linguística, foram encontrados quatro trabalhos; nos programas em Estudos da Linguagem, dois trabalhos; e um trabalho em programa em Informática na Educação. Já os outros quatro estudos foram defendidos em programas da área da Comunicação; e um na área da Informação. Os estudos da das áreas da Letras, Linguística, Estudos da Linguagem e Informática na Educação abordam o advento das fanfictions a partir da concepção de letramento digital, prática no ambiente escolar e da escrita colaborativa. Para isso, tomam como objeto de análise a experiência de jovens com produtos da literatura contemporânea ou da mídia tradicional comercial e massiva. Em todas as pesquisas foi privilegiada a abordagem qualitativa, pesquisa do tipo experimental, com entrevista e observação. Nos estudos das áreas da Comunicação e da Informação, as fanfictions são analisadas a partir de suas relações com produtos midiáticos como telenovela, seriados e história em quadrinhos, a partir de conceitos como cultura da convergência e cultura participativa. Além disso, estes estudos abordam as narrativas dos fãs como atualização das pesquisas que articulam as relação entre emissão e recepção do processo comunicativo, tendo como sujeito protagonista dessa relação o fã. Metodologicamente, tais pesquisas predominantemente alicerçam-se na perspectiva qualitativa, com técnicas de observação e entrevistas, além de abordagens de etnografia virtual. No geral, percebe-se que os estudos das áreas da Letras, Linguística, Estudos da Linguagem e Informática na Educação identificam as produções dos leitores com um novo gênero literário; sendo que na Comunicação e na Informação, essas narrativas ainda são vistas apenas como uma produção de fãs especializados do conteúdo midiático. Referências

BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. Meta-análise: seu significado para a pesquisa qualitativa. REVEMAT. Florianópolis (SC), v. 9, Ed. Temática (junho), p. 07-20, 2014. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/revemat/article/download/19811322.2014v9nespp7/27377>. Acesso em: 19 jun. 2016. FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004.

LIMA, Telma CS; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katálysis, v. 10, n. 1, p. 37-45, 2007. . Acesso em: 19 jun. 2016. ISER, Fabiana. Pesquisa exploratória: a relevância da aproximação empírica para as definições da pesquisa. In.: MALDONADO et. al. Metodologias da pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, p. 193-216, 2006.

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JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2015. JENKINS, Henry. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e novos meios de comunicação. São Paulo: Aleph, 2009.

MANOVICH, Lev. What comes after remix. Remix Theory, v. 10, p. 2013, 2007. . Acesso em: 19 jun. 2016.

SÁ, Simone P. Fanfictions, comunidades virtuais e cultura das interfaces. XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Anais... Salvador/BA, 2002. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2016. JOHNSON, Steven. A Cultura das Interfaces. Como o computador transforma a nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2001.

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RESUMOS #3 Juventude, Adolescência, Infância e Mídias

Recepção de documentário pelos alunos do Projeto Vídeo Entre-Linhas: o representar e o reconhecer Cláudia Herte de MORAES1 Eduarda WILHELM2

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul

Este trabalho é resultado de uma pesquisa de recepção junto aos jovens participantes das oficinas do Projeto Entre-Linhas, em relação a exibição dos vídeos produzidos na localidade em que vivem. O Vídeo Entre-Linhas é um projeto de extensão da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen, que busca a capacitação audiovisual de jovens do interior e periferia de Frederico Westphalen e região, por meio de oficinas e produção de vídeos pelos alunos das escolas. Duas das escolas em que as oficinas de 2016 estão sendo realizadas já foram contempladas com o projeto em 2008. Sendo assim, surgiu a ideia de apresentarmos os vídeos feitos na oficina anterior para esse novo grupo de jovens e realizar uma pesquisa a partir disso. As instituições de ensino têm em comum o fato de serem localizadas em comunidades afastadas do centro de maior concentração urbana da cidade e seus estudantes moram, na grande maioria, nas denominadas “linhas” do interior. Eles estudam entre o 7º e 9º ano e possuem entre 11 e 15 anos. Os vídeos apresentados têm características de documentário e contam a história da comunidade em que foram realizados, trazendo entrevistas de moradores e muitas vezes retratando a escola em que os alunos estudam. Como objetivo geral, buscamos compreender a experiência fílmica de documentário dos alunos das oficinas em curso do Projeto Vídeo Entre-Linhas, que vivem a realidade apresentada nos vídeos feitos na oficina anterior. A partir disso, elencamos objetivos específicos como: identificar o perfil dos alunos; observar a forma que reagem à exposição em vídeo de situações e pessoas que fazem parte do seu cotidiano; refletir sobre a identificação com os personagens do documentário; e a compreensão do significado e papel do documentário para esses jovens. Como perspectivas teóricas, buscamos trabalhar o conceito do gênero documentário e seu papel na organização da percepção do mundo e da identidade de grupos, na interpretação e representação da realidade social. Para isso, utilizaremos

1 Cláudia Herte de Moraes - Doutora em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio

Grande do Sul – UFRGS. Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Eduarda Wilhelm – Graduanda de Comunicação Social – Hab. Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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as reflexões de Penafria (1999), entre outros autores. Apoiando-se em MartínBarbero (2009), abordaremos o processo de mediação para falar sobre recepção. Entendemos a recepção como um processo mediado por mais do que a relação do meio com o receptor, mas também outros elementos de identificação, tais como o cotidiano, familiar, social ou cultural. Em função da realização do projeto estar voltado aos jovens de “linhas”, propõe-se a observar especialmente o local como lugar de reconhecimento e mediação cultural (MARTÍN-BARBERO, 2009). Durante a exibição dos vídeos, foi realizada uma observação não-participativa, utilizando-se de anotações sobre as interações das pessoas, reações, comentários e outros fenômenos que chamaram a atenção. Após, realizamos uma conversa com o grupo de alunos sobre documentário e a temática dos vídeos, a fim de compreender melhor os seus conhecimentos, percepções e opiniões. Além disso, utilizamos as informações preenchidas pelos jovens na ficha de inscrição e questionário, para identificar seus perfis e opiniões sobre determinados assuntos. Como resultado da pesquisa, constatamos que a maioria dos alunos não conheciam o gênero documentário ou não souberam identificá-lo. Todos demostraram empolgação ao ver sua comunidade retratada, dizendo que nunca tinham visto um vídeo nesses moldes, com conhecidos seus. A atenção durante a exibição dos vídeos oscilou entre concentração e entre momentos de agitação e comentários sobre o que acontecia na tela. Destaque para momentos em que identificavam os personagens e quando apareceu a escola em que estudam. Este estudo contribuiu para compreender a importância do documentário e também na identificação e reconhecimento local, com sentido de pertencimento à região. Para os jovens, ver a sua comunidade do interior retratada e conhecer melhor sua história, se mostrou um incentivo para a permanência na oficina visando também representar suas ideias com o audiovisual. Referências

MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 6a ed. UFRJ: Rio de Janeiro, 2009.

PENAFRIA, M. O filme documentário: história, identidade, tecnologia. Lisboa: Cosmos, 1999.

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Jovem e Consumo Midiático: um comparativo entre as práticas juvenis da região sul e sudeste Daniela SCHMITZ1 Alexia Oliveira BARBIERI2 UFRGS, Porto Alegre, RS

Este artigo apresenta e discute dados produzidos na pesquisa nacional “Jovem e consumo midiático em tempos de convergência”, da Rede Brasil Conectado3. O foco recai especificamente no último instrumento utilizado na investigação: um questionário online composto de 25 perguntas fechadas e seis abertas que foi aplicado nacionalmente com mais de nove mil jovens entre 18 e 24 anos. Dentre as questões exploradas, destacamos algumas relativas ao uso e posse de dispositivos e ao consumo de meios de comunicação para realizar um comparativo entre as práticas de jovens da região sul e sudeste do país, economicamente as mais desenvolvidas. A proposta é discutir o perfil dos respondentes destas regiões, sendo que foram analisadas respostas de 1.527 sulistas e 1593 jovens do sudeste, além de focalizar as semelhanças e distinções de suas práticas e rituais de consumo midiático. O entendimento que se tem do consumo midiático toma por base a argumentação de García Canclini (2006) e sua proposta de análise sociocultural do consumo. O autor não caracteriza o consumo midiático como uma modalidade específica, pois integra-o ao consumo cultural. Contudo, destaca algumas especificidades do consumo de meios, pois os produtos midiáticos possuem uma determinada autonomia que diz respeito à dinâmica própria de produção, estilo, circulação e consumo, além de uma maior implicação econômica, o que permite pensar sobre o consumo midiático como uma vertente do consumo cultural. E é esta a perspectiva aqui adotada. Em relação à metodologia empregada nas análises, as perguntas fechadas foram tratadas no software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) que

1 Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS, bolsista PDJ - CNPq. 2 Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestranda em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. 3 A rede é coordenada pela Dr.ª Nilda Jacks e conta com pesquisadores nos 26 Estados brasileiros mais o Distrito Federal. Mais informações sobre a rede disponível em redebrasilconectado.wordpress.com

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facilitou a organização, sistematização e análise do material de cunho quantitativo. As abertas foram trabalhadas no NVivo, software CAQDAS (Computer Assisted Qualitative Data Analysis Software) que permitiu organizar, explorar e interpretar a extensa base de dados qualitativa construída com o discurso juvenil sobre suas práticas de consumo midiático, além de relacioná-lo com as questões precedentes, de caráter fechado. Para a análise destes dados qualitativos, utilizou-se um recurso de codificação automática, com uso de Inteligência Artificial, ofertado pelo NVivo. Além disso, para a interpretação dos dados, foram geradas nuvens de palavras e árvores de significados (que serão apresentadas no artigo final) que possibilitaram a análise das questões abertas sem que fosse necessário ler a totalidade das respostas. Esta exploração foi inovadora para o grupo de investigadores e a experiência foi bastante positiva, pois potencializou-se o uso do software na compreensão das práticas de consumo midiático juvenil. Acerca dos resultados, as práticas entre os dois grupos são bastante similares, embora os jovens da região sudeste tenham sido mais sucintos em suas respostas. Destaca-se ainda as distinções na posse e uso do tablet e o fato do rádio ser o meio de menor consumo entre os sulistas, enquanto os jovens do sudeste apontam que o jornal impresso é o meio de menor participação em seu cotidiano. Referências

GARCÍA CANCLINI, Néstor. El Consumo Cultural: uma propuesta teórica. In: SUNKEL, Guilhermo. El consumo cultural en América Latina. Construcción teórica y líneas de investigación. 2ª Ed. ampliada y revisada. Bogotá: Convenio Andrés Belo, 2006. p. 72-95.

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A INTERAÇÃO DOS LEITORES COM A OBRA DE LITERATURA INFANTOJUVENIL

NA

SOCIEDADE

MIDIATIZADA:

APONTAMENTOS

TEÓRICOS

Evelin de Oliveira Haslinger1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo (RS) Resumo

A proposta aqui apresentada resulta de primeiras inferências acerca do objeto empírico que compõe a proposta de pesquisa de mestrado, ainda em curso, no Programa de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), intitulada: “Os Clássicos da Literatura Infantojuvenil na Sociedade em Midiatização”. Pretende-se compreender de que maneira a midiatização se realiza e, como consequência, transforma o livro infantojuvenil. Quem nunca foi criança e não deu asas à sua imaginação através de clássicos como o da Cinderela? Acredito que todos nós, em algum momento de nossas vidas, já nos envolvemos com as histórias de princesas e príncipes, bruxas e fadas. Histórias que passaram por várias gerações e que continuam vivas na contemporaneidade. Os clássicos da literatura infantojuvenil, mundialmente conhecidos, são as histórias como a da Cinderela, A Branca de Neve e os sete anões, Chapeuzinho Vermelho, A Bela adormecida, Peter Pan. São as versões francesa de Charles Perrault (Século XVII), a alemã dos Irmãos Grimm (Século XVIII) e a Dinamarquesa de Hans Christian Andersen (Século XIX), que inspiram a maioria dos clássicos da Walt Disney (Século XX) e que seguem vivas em nosso imaginário. O corpus deste trabalho é composto pelas obras da Cinderela e da Frozen. A Cinderela trata-se de uma releitura do clássico de Perrault e a Frozen, de uma história inspirada no clássico A Rainha e a Neve, de Andersen, ambas são releituras da Walt Disney.

Mestranda em Ciências da Comunicação no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). 1

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RESUMOS RESUMOS

Fazendo um recorte na proposta, de acordo com os estudos de recepção, pretende-se, em especial neste artigo, efetivar uma análise dos clássicos da literatura infantojuvenil na sociedade em vias de midiatização e como estes livros vêm se configurando nesta nova ambiência, estabelecendo novas relações entre o leitor e a obra. O conceito de midiatização, a partir de Gomes (2013) e Fausto Neto (2008), entende a sociedade midiatizada como um caldo cultural, em que diversos processos sociais acontecem simultaneamente, potencializando renovadas formas de ser e estar no mundo. E, como uma das consequências desta nova ambiência, há uma reconfiguração do leitor, que se transforma num leitor mais ativo, coprodutor, que não é mero repetidor, mas sim é convidado a criar a partir do texto lido. Neste circuito, os dispositivos de mídia efetivam o convite ao leitor, para que interaja com as narrativas e participe como coprodutor. Nesse processo de coprodução, o leitor ora é receptor e ora é produtor, o que o torna, igualmente, um partícipe do processo de circulação de conteúdos, um dos pilares da estrutura da sociedade midiatizada. Segundo Fausto Neto (2010), na sociedade midiatizada, os processos de circulação de mensagens e, de modo especial, de produção de sentidos, organizam uma nova arquitetura comunicacional, afetando as condições de vínculos entre produtores e receptores. Nesta nova perspectiva, pode-se também incluir livros que trazem a proposta e a ideia do “faça você mesmo”, “crie você o final da história” ou “construa o castelo/personagem”. Nesta perspectiva também traremos a análise do fluxo adiante: a história que é reinventada e passada de geração a geração até chegar na contemporaneidade. Considera-se, para esta análise, o livro infantil como um dispositivo interacional de referência (BRAGA, 2006). Tratando-se de uma pesquisa em andamento, a análise está mais direcionada para o cotejamento de aportes teóricos do que a apresentação de resultados do material empírico. Referências BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Versão revista de artigo apresentado no GT Comunicação e Sociabilidade, do XV Encontro da Compós, na Unesp, Bauru, em julho de 2006. CORSO, D. L., CORSO, M. Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis. Artmed: Porto Alegre, 2006.

FAUSTO NETO, Antônio. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Revista Matrizes. n.2, abril de 2008. p. 89-105.

FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas.Mediatización, Sociedad y Sentido: Diálogos Brasil y Argentina. Rosário: UNR, 2010 p. 2-17. Disponível em:http://www.fcpolit.unr.edu.ar/wpcontent/uploads/Mediatizaci%C3%B3n-sociedad-y-sentido.pdf.

GOMES, P. G. et al. Dez perguntas para a produção de conhecimento em comunicação. Editora Unisinos: São Leopoldo, 2013.

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Considerações Preliminares Sobre o Consumo de Notícias por Jovens Estudantes Glaíse, PALMA1

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Este artigo apresenta uma das etapas de uma pesquisa de doutorado, em que é explorado o caráter quantitativo da investigação. Com o objetivo de realizar um levantamento estatístico acerca do consumo midiático dos jovens nos meios de comunicação, considerando televisão, rádio, jornal, revista, internet e livro, foi aplicado um questionário em uma amostra constituída de 394 estudantes de ensino médio das redes federal, estadual e privada de Santa Maria – RS. Consumo midiático pode ser considerado como sendo aquele realizado quando se assiste a televisão, lê o jornal, ouve o rádio, lê a revista, ou seja, a ação em que o receptor faz uso de um meio de comunicação tendo acesso ao seu conteúdo. Como afirmam Jacks e Toaldo em relação ao consumo midiático, “enfatiza-se seu entendimento como estudos da ordem da relação mais ampla com os meios de comunicação, sua presença no cotidiano pautando tempos, espaços, relações, percepções etc.” (2013, p. 8) Através de um ‘levantamento de campo’ (GIL, 2008) buscou-se uma amostra significativa de todo o universo investigado. As pesquisas deste tipo se caracterizam pela sondagem direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. A técnica de pesquisa é constituída por meio da solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas acerca do problema estudado para, a seguir, proceder a análise quantitativa buscando as conclusões correspondentes dos dados coletados. Através de um aporte teórico estabelecido em torno de Abramo e Branco (2005), Jacks e Toaldo (2014), Margullis e Urresti (1996) e Canclini (1992, 1993) a pesquisa visa levantar dados representativos e analisar as práticas midiáticas concernentes aos jovens estudantes de ensino médio, especialmente no que tange ao consumo de notícias jornalísticas. No que diz respeito à descrição da relação que os jovens têm com a informação jornalística televisiva, podemos inferir, com base no levantamento estatístico realizado, que notícias não são prioridade para eles, visto que os gêneros televisivos Glaíse Bohrer Palma – Doutoranda Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – POSCOM-UFSM. Professora curso de Jornalismo Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. 1

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preferidos assinalados pelos respondentes foram filme (1º lugar), seriados (2º lugar), humorístico e desenho (3º lugar empatado). Noticiário e documentário ficam com o 5º e 6º lugar, respectivamente. Acerca do consumo de notícias em meios impressos, os jovens, em sua maioria, não costumam ler revistas, mas mais da metade dos estudantes afirma ler jornal. O rádio é utilizado para ouvir música, sendo que a emissora preferida é a Atlântida FM. Apenas 28 estudantes dizem ouvir a Gaúcha, que é uma rádio notadamente voltada ao radiojornalismo, e, esporadicamente, foram citadas as rádios Imembuí, Santamariense e Band AM, que também são informativas. Em relação ao uso da internet, as práticas mais comuns são o uso da rede social Facebook, ouvir música e fazer trabalhos de aula. Na época da aplicação dos questionários (2º semestre 2014, 1º semestre 2015), a rede Whatsapp era um canal ainda não popularizado. Deste modo, compreende-se as poucas menções que houve ao serviço de comunicação nos dados tabulados. A opção ‘ler sobre informações do dia a dia’ ao acessar a internet está em quinto lugar na preferência dos jovens, empatado com a opção ‘acessar e.mail’. Os resultado da investigação quantitativa nos dão pistas para seguir na pesquisa qualitativa, com entrevistas em profundidade com jovens estudantes de ensino médio privado e público. Referências: CANCLINI, Néstor García. “Los estudios sobre comunicación y consumo: el trabajo interdisciplinário en tiempos neoconservadores”. Dialogos de la comunicación, n.º 32, 1992. CANCLINI, Néstor García. El consumo cultural en México. México: Grijalbo, 1993. JACKS, N.A., TOALDO, M. Consumo Midiático: uma especificidade do consumo cultural, uma antessala para os estudos de recepção In XXII Encontro da Compós. Anais... Salvador, 2013. JACKS, N.(coord.) TOALDO, M.(org.) Brasil em números: dados para pesquisas de comunicação e cultura em contextos regionais. Florianópolis: Insular, 2014. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 2008. MARGULIS, M. & URRESTI, M.. La juventude es más que uma palabra. In: Margulis, M. (org.). La juventud es más que uma palabra: ensaios sobre cultura y juventud. Buenos Aires: Biblos, 1996. PESQUISA BRASILEIRA DE MÍDIA. Hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Brasília: SECOM, 2015.

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Adolescentes e o livro: dados preliminares de um estudo exploratório com adolescentes de Santa Maria Marina MACHIAVELLI1 Liliane Dutra BRIGNOL2 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul

Este trabalho é recorte de uma pesquisa maior em andamento que busca, pelo viés da recepção, compreender as mediações que configuram as práticas de leitura dos adolescentes de Santa Maria - RS. Para percebermos as experiências de leitura, partiremos de um estudo exploratório realizado na Feira do Livro de Santa Maria de 2016, que ocorreu de 23 de abril a 8 de maio. As transformações das lógicas de produção e distribuição do livro impresso, influenciadas pelas novas tecnologias e pela ambiência da internet, reconfiguram as maneiras de consumir e se apropriar desse suporte midiático. Plataformas de leitura, redes sociais de troca de livros e diferentes aplicativos são utilizados por editoras e autores para a troca de informações e de ideias com os seus leitores. Neste cenário, de profundas mudanças tecnológicas, de redefinição do próprio livro impresso, buscamos compreender como essa realidade atua na leitura de adolescentes e de que maneira configura novas práticas de leitura. O objetivo desse texto é refletir sobre um importante espaço de leitura em Santa Maria e de que maneira ele contribui para pensarmos as novas práticas de leitura de adolescentes. O estudo exploratório visa identificar questões pertinentes a serem discutidas nessa realidade, dando voz aos sujeitos, aos leitores e avançar nas reflexões do estudo pretendido. Conforme Bonin (2012) a pesquisa exploratória "implica aproximações ao fenômeno concreto a ser investigado buscando perceber seus contornos, suas especificidades, suas singularidades”. Essa investigação pode partir de "sucessivas aproximações empíricas a partir de várias angulações possíveis que interessam ao problema/objeto em construção.” Portanto, é importante a aproximação dos espaços de

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Marina Machiavelli - Graduada, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestranda em Comunicação, POSCOM. 2 Orientadora do trabalho. Liliane Dutra Brignol - Doutora, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, POSCOM.

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leitura da cidade para refletirmos sobre a problemática do nosso estudo e avançar metodologicamente. As experiências de leitura e as trocas de conhecimento se alteram rapidamente nesse cenário de convergência digital3, permitindo novos usos e apropriações que podem ser compartilhados e comunicados em instantes. Entretanto, essas novas experiências não perdem sua ligação com o texto impresso, mas reformulam essa relação, atribuindo novas práticas e sentidos a partir das tecnologias disponíveis. É sobre esse ponto que a nossa proposta está inserida. Tomamos como aporte teórico a perspectiva histórica sobre o livro, de Roger Chartier, e a teoria das mediações proposta por Martín-Barbero (1997), para compreendermos o contexto no qual estão inseridos esses adolescentes, pensando a comunicação a partir do pólo da recepção/ consumo. Roger Chartier destaca como as mudanças que ocorreram com o livro, não decretam o seu fim, mas que o cenário permite refletir sobre a coexistência das novas modalidades de leitura, como também sobre a "transformação nas práticas de leitura" (CHARTIER, 1999). Para Martín-Barbero, as mediações se referem a toda experiência individual adquirida ao longo da vida e que são responsáveis por propor negociações com aquilo que é hegemonicamente apresentado no e pelo texto midiático. Nesse sentido, as mediações seriam “os lugares que estão entre a produção e a recepção” e que demonstram que “há um espaço em que a cultura cotidiana se concretiza.” (WOTTRICH; SILVA; RONSINI, 2009). Portanto, é entendendo o contexto desses jovens, articulando a suas práticas cotidianas e ao uso e apropriação de novos formatos, que podemos perceber de que maneira se configura a sua relação com o livro. Não podemos tratar da comunicação e da cultura separadamente, do mesmo modo que não podemos analisar a relação dos sujeitos com a mídia sem que haja aproximação com o contexto social e de suas relações. A comunicação entendida pelo viés da recepção é uma forma de reconhecê-la como um processo contínuo e de mútua interferência entre as partes envolvidas nessa relação.

Referências BONIN, Jiani Adriana. Reflexões sobre a formação metodológica na orientação de projetos de pesquisa em comunicação. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación Online, v. 9, p. 36-45, 2012. CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1999. MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1997. WOTTRICH, L.; SILVA, R. C.; RONSINI, V. M. A Perspectiva das Mediações de Jesús MartínBarbero no Estudo de Recepção da Telenovela. Anais. XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Curitiba/PR, 2009. 3 Para Jenkins (2008, p. 27-28),"a convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são

incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos”.

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“Ops! Cliquei... e desapareceu”: Notas Sobre os Usos e as Apropriações do Snapchat por Jovens Gaúchos Romulo TONDO1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

“O melhor de tudo no ‘snap’ é que você escolhe o tempo para as pessoas visualizarem a tua imagem. Cara! Se tu bobear tu não olha a imagem e não tem como ver de novo.” Pedro, 23 anos, estudante universitário de Santa Maria

O consumo de telefones celulares no Brasil cresceu exponencialmente nos últimos anos. Este cenário é fruto dos usos e das apropriações no cotidiano de inúmeros sujeitos desde sua entrada no mercado brasileiro na década de 1990. Sendo assim, a posse do telefone celular vem se intensificando devido as funcionalidades e a possibilidade com que cada sujeito possui em customizar seus telefone celular de última geração, os smartphones, de acordo com suas necessidades. Nessa perspectiva, de acordo com os dados apresentados na última pesquisa nacional de amostra por domicílio (PNAD), desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) o consumo de telefones celulares no Brasil vem apresentando um crescimento significativo em todas as regiões do país, tornando-se em 2014 o principal objeto tecnológico utilizado pelos brasileiros para conexão à internet (BRASIL, 2016). Levando em consideração o cenário descrito acima, este texto tem como objetivo principal identificar e apresentar insights dos usos e das apropriações do aplicativo de rede social Snapchat por jovens do estado do Rio Grande do Sul. Sendo esta proposta um desdobramento da dissertação de mestrado desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria sobre a subjetividade e consumo de smartphones entre jovens de uma comunidade popular de Santa Maria. Na investigação foi possível observar que os smartphones ocupam um lugar de centralidade na vida cotidiana dos jovens da pesquisa, especialmente no que tange a construção e manutenção dos laços afetivos a partir das suas redes de sociabilidade (TONDO, 2016). Sendo assim, o consumo de smartphone é compreendido a partir da Cultura Material (Miller, 2013) e como os usos dos objetos podem assumir características distintas de acordo com as apropriações socioculturais da sociedade na qual estão inseridos. A partir dessas questões, o artigo está dividido em três partes. A primeira parte é apresentada uma revisão de literatura, sobre o consumo, a juventude e as apropriações tecnológicas por jovens na sociedade moderno contemporânea. Neste

Romulo Tondo, Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria. Comunicador Social (UFSM) e Especialista em Políticas e Intervenção em Violência Intrafamiliar. E-mail: [email protected] 1

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artigo, a juventude é compreendida como uma fase atrelada ao desenvolvimento biopsicossocial de cada sujeito. Uma construção social permeada pelos processos socioculturais que os jovens constroem diante das adversidades do cotidiano. Nesta perspectiva, leva-se em consideração a proposta de Canclini (2015), que acredita que o sentido da juventude está atrelada ao “sentido intercultural do tempo”. Por esse ângulo, a juventude apresenta características para além de uma determinação etária, englobando as necessidades de uma sociedade em constante transformação. Além, da proposta de Rocha e Pereira (2009) em que elenca a fragmentação como sendo uma das principais características identificadas na juventude da sociedade contemporânea. Na segunda parte é apresentado o aplicativo de análise, o Snapchat, desde sua concepção até os dias atuais. No terceiro momento é apresentado os principais utilizada para a coleta dos dados desse artigo, levando em consideração os dados obtidos em um questionário online2, divulgado no site de rede social Facebook, e respondido por 60 jovens gaúchos, para que em seguida os dados sejam analisados oriundos do questionário online e das entrevistas realizadas com os participantes da cidade de Porto Alegre, Santa Maria e São Borja. Desta forma, foi possível compreender a partir dos dados coletados que o Snapchat tornou-se entre os jovens entrevistados um aplicativo social para compartilhamento de imagens e vídeos entre amigos, bem como para acompanhamento de pessoas que encontram-se em destaque no cenário midiático. Da mesma forma, que para muitos o dispositivo tornou-se um recurso de troca de mensagens íntimas com relações de longa duração e pessoas com quem se desejam ter uma relação, os “crushs”. Tornando-se desta forma um impulsionador da construção de sentidos, especialmente aqueles relacionados à afetividade. Referências Utilizadas

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: Acesso à Internet e à Televisão e Posse de Telefone Móvel Celular para Uso Pessoal - 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. CANCLINI, Néstor García. Ser diferente é desconectar-se? Sobre culturas juvenis IN: ______. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade. Tradução: Luiz Sérgio Henriques. 3ª ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015. pp.209-224. MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura material. Tradução: Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

ROCHA, Everardo; PEIREIRA, Cláudia. Juventude e Consumo: um estudo sobre a comunicação na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.

TONDO, Romulo. Celulares, Conexões e Afetos: a sociabilidade e o consumo de smartphones entre jovens de comunidade popular. Dissertação (Mestrado em Comunicação), UFSM, 2016. O questionário online foi publicado no site de rede social Facebook no dia 17 de maio de 2016. Os respondentes puderem responder até o dia 08 de junho, dia no qual o formulário foi retirado do ar para o desenvolvimento das primeiras entrevistas com os respondentes que aceitaram participar da segunda etapa da pesquisa. 2

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Reflexões sobre a produção e recepção de conteúdos midiáticos pelo público infantil no Brasil Vitória SANTOS1

Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS

A apresentação trará uma reflexão sobre a relação entre crianças/adolescentes e mídia, pensando a recepção desses sujeitos enquanto seres em formação. Proponhome a abordar as formas como as crianças compreendem os processos midiáticos, tendo como ponto de partida os programas considerados Kids. Programas Kids são os programas adultos feitos em formato infantil (Master Chefe Júnior e The Voice Kids, por exemplo). Nesses tipos de programas as crianças/adolescentes são produtores e receptores de conteúdos e acabam sendo expostas ao que chamamos de adultização da infância. Os moldes nos quais os programas são feitos e seu alastramento nas redes sociais, geram novas formas de compreender a recepção e os receptores. (BONIN, 2013). O sujeito infanto-juvenil que participa e assiste a esses determinados programas pode entender que a “fama” é uma forma de felicidade. A forma de ressignificação dos conteúdos é diferente nesse público, e a inserção no mundo adulto antes do tempo pode prejudicar o desenvolvimento da criança/adolescente, além de expô-los a julgamentos sociais. Essa exposição da criança/adolescente, tanto como receptora como produtora, vem sendocontestada pelos órgãos da sociedade civil, que vem travando grandes batalhas no campo jurídico no que diz respeito ao teor dos novos programas destinados às crianças, já que em sua maioria fazem um processo de convencimento sobre as possíveis formas de ser e estar no mundo. Um exemplo recente desses processos ocorreu durante um episódio do Reality Show Master Chefe Júnior2, no qual a candidata Valentina (uma menina de 12 anos) foi alvo de comentários machistas no Twitter. Sua aparência foi comentada pelos seguidores do programa comentários com teor sexual e pedidos de fotos nuas estiveram entre as manifestações dos usuários. Esse comportamento dos “adultos” em relação a uma adolescente mostra que precisamos falar sobre a exposição do sujeito infantil na mídia. Quando um homem mais velho se sente no direito de fazer esse tipo de comentários precisamos falar do machismo e da cultura do estupro. Adultizar as Vitória Brito Santos – Mestranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social, Universidade Feevale (FEEVALE). Bolsista da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES). 2 Programa exibido pela Rede Bandeirantes de Televisão no período de 20 de outubro de 2015 a 15 de dezembro de 2015. 1

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crianças não é benéfico, e essa adultização da infância tem estado presente nos programas e comerciais todas as vezes em que temos uma sexualização desse sujeito infantil. (FERREGUETT, 2014). Em virtude de que entendo a recepção midiática como um processo constituinte da formação indenitária na infância, e que esta recepção é o inicio e o fim de um caminho de entrelaçamentos percorridos por estes sujeitos durante seu processo de ressignificação de informações (MARTIN-BARBERO, 2002), compreendo que um olhar mais atento e cuidadoso precisa estar voltado aos infantes, tendo em vista que sua natureza infantil é suscetível aos agentes externos – de forma diferente dos adultos. (VIGOSTSKY, 2005). No caso citado foi informado pela assessoria de impressa da emissora que os comentários na rede social não haviam sido lidos pela Valentina, mas e as demais adolescentes/crianças que leram os comentários? Entendo que a recepção desses programas possa ser balizada pelos ensinamentos educomunicativos pelos quais devem passar esses seres infantis, na busca de uma maior compreensão por parte deles do que está sendo apresentado. (SOARES, 2011). Isso não exime as entidades fiscais de regularem a forma como esses programas têm sido direcionados e produzidos pelas crianças/adolescentes, tendo em vista que há leis vigentes no país sobre esse tema. (ABAP, 2013; BRASIL, 1990). A condição permanente de sujeito midiático faz das crianças alvos potenciais de consumo, assim como, seres que vivem em um mundo líquido onde o ato de ter se tornou mais importante do que o de ser. (BAUMAN, 2008; CANCLINI, 1998). Sendo assim, precisamos avançar muito na educação sobre a mídia que estamos destinando a esse público, já que sozinhas as famílias não têm condições de ensinarem seus filhos sobre esses processos de recepção, também devido à forte inserção da mídia dentro dos lares. É quase uma luta desleal. Referências

ABAP. As leis, a publicidade e as crianças: o que é preciso saber, o que dá para fazer. São Paulo: ABAP, 2013. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2016. BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

BONIN, Jiani Adriana. A pesquisa exploratória na construção de investigações comunicacionais com foco na recepção. In: BONIN, Jiani Adriana; ROSÀRIO, Nísia Martins. Processualidade metodológicas: configurações transformadoras em comunicação. Florianópolis: Insular, 2013. p. 23-42.

BRASIL. Lei nº 8.069, de13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: . Aceso em: 8 jul. 2016.

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas hibridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

FERREGUETT, Cristiane. Relações dialógicas em revista infantil: processo de adultização de meninas. 243f. 2014. Tese (Doutorado em Letras) -- Programa de Pós-Graduação da

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Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC) e Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Porto Alegre, 2014. MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, Mario Wilton de (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 2002. p. 39-68.

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para a reforma do ensino médio. São Paulo: Paulinas, 2011. VYGOTSKY, Levi S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martin Fontes, 2005.

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RESUMOS #4 MÍDIA E CIDADANIA

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: RECEPÇÃO E IDENTIDADE CIDADÃ DIANTE A PRÉ-COBERTURA WEBJORNALÍSTICA DOS JOGOS #PARALÍMPICOS DO RIO 2016. Janine da Mota ROSA1

Florianópolis, Santa Catarina O Brasil vem conquistando espaço nas competições esportivas há muito tempo. Mas se tratando das paralimpíadas, o país começou a ganhar espaço em 1972 na competição que ocorreu na Alemanha; sendo representado em 4 categorias esportivas. Com o passar dos anos e devido as lutas das pessoas com deficiência no Brasil, esse número aumentou. Em setembro de 2016 acontecerá a primeira paralimpíada no Brasil e o país sede terá participação em 23 modalidades. Apesar de ser um evento conhecido mundialmente e com grande representatividade nacional, os veículos brasileiros de comunicação vêm noticiando superficialmente esse evento ou dando mais destaque para as olimpíadas. Novais e Figueredo (2010) apontam que as notícias olímpicas têm mais detalhes e que as paralímpicas resumem-se apenas nas descrições dos resultados. Essa prática questiona o papel social do jornalismo. Segundo Manuel Carlos Chaparro (1994), além do jornalismo ter a responsabilidade moral e ética da profissão, existem outras tarefas além do “simples” modo de informar: trata-se de um processo social e cultural complexo com vários emissores e receptores usuários. Então, o jornalismo faz parte de um processo social e cultural da sociedade. Se tratando da pré-cobertura dos jogos paralimpícos 2016, os jornais online G1, Estadão e Globo Esporte abordam a preparação dos atletas como uma atividade de superação ou de exemplo, como se fossem incapazes de realizarem determinadas atividades por conta da deficiência. Segundo Martín-Barbero2 (1992), “estudar a recepção, é estudar este novo mundo de fragmentações dos consumos e dos públicos, essa liberação das diferenças, essa transformação das sensibilidades que encontram um campo especial na reorganização das relações entre o privado e

Janine da Mota Rosa – Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) – 2015. E-mail: [email protected] 2 Entrevista concedida para Marta Montoya (1992). 1

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o público”. Diante disso, entende-se que o processo de recepção precisa ser estudado também sobre a minoria, no caso das pessoas com deficiência, além disso, estudar a recepção dessas pessoas especificadamente na internet. Canavilhas (2011) diz que por a internet ter o poder de utilizar texto, som e imagem em movimento, ela acaba tendo uma linguagem própria. Além disso, ele destaque que se para o jornalista isso altera o modo de noticiar, para o leitor a mudança é ainda mais drástica. Torres, Mazzoni e Alves (2002) destacam que o maior obstáculo da pessoa com deficiência está no acesso à informação, o que gera impactos negativos em vários aspectos, como a educação, o entretenimento, entre outros. Diante disso, Carolina Escosteguy e Mauro Wilton de Souza entendem que a recepção é um “projeto político, com capacidade de dar voz aos sujeitos” (GROHMANN,2009, p.9). Com isso, a proposta deste artigo é apresentar como a mídia online está divulgando este assunto e como as pessoas com deficiência estão constituindo suas identidades e representações a partir da pré-cobertura webjornalística dos Jogos Paralímpicos 2016.

Referências BONIN, Jiani Adriana. Nos bastidores da pesquisa: a instância metodológica experienciada nos fazeres e nas processualidades de construção de um projeto. In. MALDONADO, Alberto Efendy. (Org.). Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 21 - 40. CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmáticas do Jornalismo buscas práticas para uma teoria da ação jornalística. São Paulo: Summus, 1994 CANAVILHAS, J. M.; Webjornalismo: Considerações gerais sobre jornalismo na web. In: I Congresso Ibérico de Comunicação, Málaga, 2001. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-webjornal.pdf .

GROHMANN, Rafael do Nascimento. O Receptor como Produtor de Sentido: estudos culturais, mediações e limitações. In: Revista Anagrama. USP: Revista Interdisciplinar da Graduação, Ano 2, Edição 4, 2009.

MONTOYA, Martha. De los medios y los oficios a las mediaciones y las práticas. In: UM NUEVO modelo de comunicacion in America Latina? México : Gobierno del Estado de Vera Cruz, 1992. p. 21-39. Novais RA, Figueiredo TH. A visão bipolar do pódio: olímpicos versus paraolímpicos na mídia on-line de Brasil e de Portugal. Logos 33. 2010;17:78-89. Disponível em < http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/view/861> TORRES, E. F.; MAZZONI, A. A; ALVES, J. B. M. A acessibilidade à informação no espaço digital. Ciência da Informação, Brasília-DF, v. 31, n. 3, p.83-91, 2002.

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DINÂMICAS NOS GRUPOS DO FACEBOOK DE MIGRANTES BRASILEIROS NA SUÉCIA E A MEDIAÇÃO DA TECNICIDADE FOLETTO, Laura Roratto1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Este artigo é proveniente dos resultados de pesquisa da dissertação de mestrado intitulada: “Usos sociais do Facebook por migrantes brasileiros na Suécia: identidades, diferenças e dinâmicas interculturais nas redes sociais online”, cujo objetivo foi analisar os usos sociais que migrantes brasileiros na Suécia faziam de grupos do Facebook. Os grupos estudados na dissertação e que também contemplam o artigo são dois grupos fechados do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia Brasileiros na Suécia e Brasileiros na Suécia/Svenskar i Brasilien. Neste artigo procuramos entender os usos sociais que migrantes brasileiros na Suécia realizam acerca das questões de identidade e diferença relacionadas às dinâmicas nos grupos do Facebook e da mediação da tecnicidade. Dessa forma, partimos do entendimento dos usos sociais do Facebook atravessados pela mediação tecnológica para entendermos de que maneira as questões de identidade e diferença são tensionadas e negociadas nesses espaços comunicacionais. Compreendemos que as identidades são fluidas e intercambiáveis ao logo de nossa vida e que na situação de migração as identidades estão em constante transformação. Dessa forma, a identidade “ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social” (WOODWARD, 1999), pois, “a diferença é aquilo que separa uma identidade da outra, estabelecendo distinções, frequentemente na forma de oposições” (WOODWARD, 1999). Nesse sentido, percebemos que o processo de reconhecimento se dá na diferenciação com o outro, os suecos, e com a identificação com os semelhantes, os brasileiros. Enquanto que a tecnicidade vai moldar os modos desses sujeitos atuarem em rede e se inter-relacionarem socialmente, e que também vai impactar nos modos de uso dos grupos do Facebook. As TICs têm cada vez mais adentrando nosso cotidiano e nossas práticas sociais e culturais e também nos usos sociais em que ora se acompanha a programação, ora se subverte o uso tradicional das mídias. Nessa perspectiva de fragmentação cultural proporcionada pelas tecnologias, os “velhos” meios de comunicação de massa e os “novos”, mais participativos, horizontais e heterogêneos coexistem (MARTÍN-BARBERO, 2004). Nesse sentido, percebe-se que a tecnologia, hoje, remete “a novos modos de percepção da linguagem, 1

Laura Roratto Foletto, Mestre, Universidade Federal de Santa Maria, UFSM.

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a novas sensibilidades e escritas” (MARTÍN-BARBERO, 2006; 2010). Portanto, segundo Martín-Barbero (2009), a tecnicidade vai se referir a operadores perceptivos e destrezas discursivas do que a aparatos tecnológicos. Mediante a isso, realizamos uma pesquisa qualitativa com a combinação de diversos procedimentos metodológicos, como formulários online, em que se obteve 30 respondentes e entrevistas por Skype, com 10 participantes. Além de analisar as postagens e comentários nos grupos acerca das questões estudadas. A pesquisa qualitativa segundo Fragoso, Recuero e Amaral (2011) tem por objetivo a compreensão “aprofundada e holística dos fenômenos em estudo e, para tanto, os contextualiza e reconhece seu caráter dinâmico, notadamente na pesquisa social”. Com isso, pudemos perceber que os vários modos de participação em uma rede social online se dão e se criam de diversas formas, sem serem excludentes e se constroem a partir de um interesse em comum. Dessa forma, plataformas da internet como o Facebook implicam diferentes usos socais, os quais implicam uma tecnicidade, uma vez que as ferramentas técnicas moldam os discursos e as formas de nos relacionarmos com a própria plataforma, em que esses espaços dos grupos contribuem para construírem suas identidades enquanto brasileiros e migrantes. Referências

FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de Pesquisa para a Internet. Porto Alegre: Sulina, 2011.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, Identidades, Alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. IN: MORAES, Denis de. Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. __________________________. Convergencia Digital y diversidad cultural. IN: MORAES, Denis de. Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital. – 1 ed. Buenos Aires: Paidós, 2010. ____________________________.Dos Meios às Mediações: mediações, comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.

_____________________________. Ofícios de Cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 1º ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

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Educomunicação e apropriações de sujeitos comunicantes: uma via produtiva à cidadania comunicativa Lívia SAGGIN1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, Rio Grande do Sul O presente resumo se dedica a apresentar ideias para elaboração de um artigo científico de natureza teórico-metodológica. A proposta parte da adoção e problematização dos conceitos de educomunicação (KAPLÚN, 2001; HUERGO, 2001; CITELLI, 1999; BACCEGA, 2009), midiatização (VERÓN, 1997; MALDONADO, 2014; SOUSA SANTOS, 2008; CASTELLS, 2013) apropriações (CERTEAU, 1994) e de cidadania comunicativa (PERUZZO, 2012; CAMACHO, 2003; MATA, 2006; CORTINA, 2005) como conceito mediador. O tensionamento e entrelaçamento dos mesmos procura abordar como as modificações oriundas dos processos de penetração das lógicas e sistemas de comunicação na esfera social, têm, aceleradamente, oferecido renovadas formas de acesso, criação, circulação e produção comunicacional aos sujeitos contemporâneos, – reconhecidos nesta perspectiva como sujeitos comunicantes –, reconfigurando suas habilidades e capacidades comunicacionais em distintas dimensões (socioculturais, socioeconômicas, ideológicas, políticas, educacionais e cidadãs). Neste sentido, procura-se reconhecer nos trabalhos interpretativos, de ressignificação e circulação de sentidos realizados pelos sujeitos comunicantes marcas de suas configurações multifacetadas e complexas (MARTÍN BARBERO, 2006), que, no entrelaçamento com suas habilidades e capacidades comunicacionais/midiáticas, permitem a realização de produções comunicacionais que se desvinculam dos padrões hegemônicos e tradicionais de comunicação. Faz parte da argumentação construída um tensionamento à visão positivista do receptor soberano, entendendo que, na conjuntura contemporânea, os exercícios comunicacionais autônomos, democráticos e perpassados por práticas cidadãs encontram-se pressionados por movimentos prejudiciais à cidadania, como a vigilância global (MATTELERT, 2009); pressões oriundas dos grandes meios de comunicação; pelo fenômeno da globalização e suas desestabilizações, especialmente no âmbito sociocultural (GARCÍA CANCLINI, 1998), e da entrada e penetração de renovadas mídias digitais, que vem dinamizando espaços de convício e aprendizado social, especialmente no âmbito escolar, sem que sejam problematizadas de maneira Lívia Saggin é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos (UNISIOS). 1

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a questionar sua instrumentalização, gerando apropriações pouco produtivas à conquista e exercício de uma cidadania comunicativa. A focalização do esforço interpretativo e argumentativo se dá especialmente no âmbito da comunicação digital, suas implicações, características, afetações e potencialidades. Neste sentido, procura-se compreender como as reconfigurações avistadas nas apropriações dos sujeitos comunicantes evidenciam uma capacidade do campo comunicacional de entrelaçamento com diferentes campos, dentre eles, o campo educacional como um ambiente privilegiado de problematizações produtivas para o pensamento sobre questões de cidadania comunicativa. Dessa maneira, a proposta de artigo busca analisar como pressupostos da educomunicação podem contribuir para o desenvolvimento da cidadania comunicativa nos sujeitos, a partir da visualização e tensionamento de experiências concretas e seus resultados no âmbito latino-americano. O objetivo central é estabelecer um tecido teórico-argumentativo que possa fornecer subsídios sólidos para o pensamento teórico em abordagens de natureza educomunicativa, perspectivando suas potencialidades enquanto prática geradora de movimentos construtivos à cidadania comunicativa. Referências

BACCEGA, Maria Aparecida. Construindo a cidadania nas interrelações comunicação, educação e consumo. Conexiones. Revista Iberoamericana de Comunicación, v. 2. p. 20-29, 2010.

CAMACHO, Carlos Azurduy. El derecho a la información como práctica de formación y desarrollo de la ciudadanía comunicativa. Revista Probidad. n. 24, set 2003. CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis - RJ: Vozes, 1994. CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: a linguagem em movimento São Paulo: Senac, 1999.

CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 1998.

HUERGO, Jorge. Comunicación/Educación. Ámbitos, prácticas y perspectivas. La Plata: Ed. de Periodismo y Comunicación, 2001. KAPLÚN, Mário. A la educación por la comunicación. La práctica de la comunicación educativa. Equador: Ediciones CIESPAL, 2001.

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RESUMOS RESUMOS

MALDONADO, Alberto Efendy. Perspectivas transmetodológicas na pesquisa de sujeitos comunicantes em processos de receptividade comunicativa. In: MALDONADO, Alberto Efendy (Org.). Panorâmica da investigação em comunicação no Brasil. 1. ed. Salamanca Espanha: Comunicación Social y Publicaciones, v. 1, p. 17-40, 2014. MARTÍN BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Dênis de (Org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. MATA, Maria Cristina. Comunicación y ciudadanía. Problemas teórico-políticos de su articulación. Revista Fronteiras – estudos midiáticos. VIII(1): 5-15, jan-abril, São Leopoldo: Unisinos, 2006. MATTELART, Armand. Un mundo vigilado. Barcelona: Paidós, 2009.

PERUZZO, Cicilia M. K. A comunicação no desenvolvimento comunitário e local, com cibercultur@. In: XXI Encontro Anual da Compós, 2012. Anais do XXI Encontro Anual da Compós. Juiz de Fora, MG: Compós, 2012. P. 1-15. SOUSA SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma epistemologia do sul. In: A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Porto: Edições Afrontamento, 2008. VERÓN, Eliséo. Esquema para el analisis de la mediatización. In: Diálogos de la Comunicación. Lima, n.48, out. 1997.

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Entre as redes sociais e as ruas: usos e apropriações das redes sociais digitais por movimentos sociocomunicacionais de Porto Alegre Marina Zoppas de ALBUQUERQUE1 Unisinos, São Leopoldo, RS O presente texto traz problematizações relativas à rede de conceitos desenvolvida para fundamentar a construção da pesquisa em desenvolvimento que objetiva investigar os usos e apropriações das redes sociais digitais dos movimentos sociocomunicacionais (MS) Bloco de Lutas pelo Transporte Público e Defesa Pública da Alegria e suas articulações com outras práticas comunicativas, relacionadas às ações coletivas junto aos espaços públicos na perspectiva da constituição da cidadania comunicativa. Em Porto Alegre, desde 2012, os MS investigados têm desenvolvido processos midiáticos nas redes sociais digitais para a mobilização, organização e articulação em ações públicas, transformando as lutas sociopolíticas e de reivindicação de direitos coletivos. Este acesso à internet possibilita reconfigurações nas interações e conversações entre os MS e a circulação de informações por meio das práticas sociais. Os espaços urbanos e os ambientes digitais tornam-se disputados na expressão dos protestos e conflitos sociopolíticos. Nesse sentido, os processos midiáticos digitais operam como chave de acesso para o poder “ser e fazer”, no qual os usos e as apropriações nos importam mais do que as configurações (LACERDA, 2011) e demonstram competências comunicativas, culturais, políticas e de cidadania dos sujeitos e coletivos. Tais usos e apropriações possibilitam percebermos o lugar das disputas, da produção de sentidos, “nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas competências culturais” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 302). As práticas cotidianas dos MS são integradas nos ambientes digitais e auxiliam na expansão da mobilização, alcance, troca de conteúdo, qualificação dos seus membros, formação de outras redes, tomadas de decisões, entre outras (SHERERWARREN, 2006). Assim, as redes sociais digitais são potenciais mediadores desses encontros, a fim de horizontalizar a comunicação e mobilizar diferentes indivíduos para as manifestações e ocupações dos espaços públicos. A apropriação das redes sociais digitais por MS, como os investigados, é estruturante da própria mediação, numa dinâmica de concepção e articulação de

Marina Zoppas de Albuquerque – Mestra e doutoranda, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista CAPES/PROEX.

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estratégias comunicativas (CASTELLS, 2013). Neste viés, percebemos um movimento de reapropriação da cultura ciberativista como estratégia de comunicação a fim de fomentar turbulências, desvios, resistências e invenções ao traçarem objetivos comuns, construírem cenários culturais e constituírem-se por meio da solidariedade através das formas de articulações (CASTELLS, 2013; ANTOUN, 2013). Assim apontam para uma potência nos processos midiáticos, por meio das redes sociais digitais, para que os MS (re)construam um espaço público, político, de diálogo e a própria política em outras bases, a fim de transformar as instituições sociopolíticas e culturais. As pessoas que atuam e participam ativamente nesses MS são entendidas por nós como sujeitos comunicantes. Nesta linha, concebemos que os sujeitos participam dos processos de produção, circulação, mediação e interação sociocomunicacionais que operam como recurso efetivo de ação, organização e intervenção sociocultural. Esta participação se relaciona com o exercício da cidadania junto aos processos comunicacionais que questionam o status quo, adotando como tática a construção coletiva, com vistas à realidade social por meio da inclusão cultural, sociopolítica (MATA, 2006; MARTÍN-BARBERO, 2009; PERUZZO, 2012). Na relação com a problematização teórica para sustentar nossa investigação trazemos elementos da pesquisa exploratória, entendida como uma processualidade metodológica elaborada, pensada e colocada em ação na inter-relação com as perspectivas da rede de conceitos para o processo de construção do problema-objeto da investigação (MALDONADO, 2006, 2008, 2010; BONIN, 2006, 2008, 2011, 2012, 2013). Referências BONIN, Jiani Adriana. Explorações sobre práticas metodológicas na pesquisa em comunicação. Revista Famecos, Porto Alegre, no. 37, dezembro de 2008.

________. Revisitanto dos bastidores da pesquisa: práticas metodológicas na construção de um projeto de pesquisa. In: MALDONDO et al. Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2006. _______. A dimensão metodológica na orientação de pesquisas em comunicação. In: MALDONADO et al (org). Epistemologia, investigação e formação científica em Comunicação. Rio do Sul: UNIDAVI, 2012.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

GOHN, Maria da Glória. Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e Praça dos Indignados do Mundo. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013.

LACERDA, Juciano de Souza. Caminhos labirínticos para pensar os objetos tecnoinfomacioanis. In: MALDONADO, Alberto Efendy et al. Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. 2. Ed.. Porto Alegre: Sulinas, 2011.

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RESUMOS RESUMOS

MALDONADO, Alberto Efendy. Produtos midiáticos, estratégias, recepção. A perspectiva transmetodológica. Revista Ciberlegenda, Rio de Janeiro, n.9. p. 1-15 2002.

MALDONADO. Alberto Efendy (et al.). Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulinas, 2006. MALDONADO, Alberto Efendy. BONIN, Jiani Adriana. ROSÁRIO, Nísia Martins do. Perspectivas metodológicas em comunicação: desafios na prática investigativa. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2008.

MALINI, F., ANTUN. H., A internet e a rua: ciberativismo e mobilização nas redes socais. Porto Alegre: Sulina, 2013.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. MATA, Maria Cristina. Comunicación y cidadania: problemas teóricos: políticos de su articulación. Revista Fronteiras – Estudos Midiáticos. São Leopoldo, v. 8, n. 1, p. 5-15, janabr, 2006. PERUZZO, Cicília M. K. A comunicação no desenvolvimento comunitário e local, com cibercultur@. In: XXI encontro anual da COMPÓS, 2012. Anais do XXI Encontro Anual da Compós. Juiz de Fora, MG: Compós, 2012, p.1-15.

SILVA, Regina Helena Alves da. Ruas e Redes: dinâmicas dos protestos BR. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

WARREN, Ilse Sherer. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 21, n°1, p. 109-130, 2006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269922006000100007&lng=en&nrm=iso%22

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Severinas: significações do bolsa família por meio do relato de usuárias do programa em Palmeira das Missões-RS Naiumy ROANI1 Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul. A pesquisa pretende entender as percepções de beneficiárias do Programa de Transferência de renda do Governo Federal – Bolsa família, residentes em Palmeira das Missões – Rio Grande do Sul acerca de sua participação no mesmo. Busca-se identificar e analisar a presença de relatos de processos de autonomia ou empoderamento ligados ao benefício, a partir da relação entre as falas das entrevistadas e o minidocumentário Severinas (2013), que foi exibido a elas durante a conversa com o objetivo de acionar suas falas, assim como, perceber se as mesmas sentem-se representadas em produtos jornalísticos a que tenham acesso e que falem sobre os usuários do programa. Optou-se por essa produção audiovisual, pois foi realizada a partir de um estudo desenvolvido nas regiões mais desassistidas do país – como o Vale do Jequitinhonha-Minas Gerais e o sertão e litoral de Alagoas – retratando uma melhora na vida das beneficiárias do programa. Enquanto procedimento metodológico utilizou-se a entrevista semi-estruturada, pois, segundo Duarte 2004, com a entrevista pode-se fazer uma espécie de mergulho em profundidade, entendendo melhor as relações estabelecidas no contexto em questão, algo que outras técnicas de coleta nem sempre dão conta. Para análise destes dados coletados, norteamo-nos pelos estudos de recepção, que segundo Escosteguy e Jacks (2005), deve levar em consideração não apenas a mensagem, mas também as mediações, o contexto e relações nos quais os sujeitos estão inseridos, pensando ainda que elementos identitários servem de referência no processo de recepção de qualquer mensagem. Ronsini (2011) também nos diz que a recepção é uma forma de produzir teorias por meio do encontro desse conhecimento científico já existente com a realidade dos sujeitos pesquisados. Podemos também destacar o que Martin-Barbero (1997) chamou de cotidianidade familiar, pensando que o ambiente familiar e suas relações são fundamentais na processo de significação das mensagens para os indivíduos. Usamos também teorias de gênero para contextualizar a histórica condição secundária da figura feminina na sociedade, assim Naiumy Roani – Graduanda de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen – UFSM. 1

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como, conceitos de cidadania relacionados ao Programa Bolsa Família para falar da autonomia que ele visa proporcionar aos seus usuários. A análise desta pesquisa foi categorizada em três temas, estes selecionados por sua frequente presença nos relatos das entrevistadas durante as entrevistas e durante a exibição do objeto midiático de referência, sendo os temas: Expectativas para o futuro; Autonomia e Informação e Consumo de bens. A pesquisa concluiu que o Programa Bolsa Família na cidade de Palmeira das Missões tem contribuído para que as beneficiárias tenham uma melhora significativa em suas vidas, para que possam ser mais independentes e ganhem autonomia em relação a seus parceiros, e também que através dele elas conseguem visualizar um futuro mais sólido para seus filhos. Muito além disso, na visão das usuárias, a autonomia que o benefício proporciona vem transformando a cultura de que o homem deve ser o provedor e figura principal na família. Referências

DUARTE, Rosália. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Curitiba: Editora UFPR, 2004.

ESCOSTEGUY, Ana Carolina, JACKS, Nilda. Comunicação e Recepção. São Paulo: Hacker editores, 2005.

MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.

RONSINI, Veneza Mayora. A perspectiva das mediações de Jesús Martin-Barbero (ou como sujar as mãos na cozinha da pequisa empírica de recepção). In: GOMES, Itania Maria Mota; JIANOTTI Jr; Jeder. (Org.). Comunicação e Estudos Culturais, 1ed. Salvador: EDUGBA, 2011.

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As Jovens e o Movimento de Ocupação Escolar Richard ROMANCINI1 Fernanda CASTILHO2

Universidade de São Paulo, São Paulo, SP A construção da cidadania vem sendo marcada no Brasil pelos novos movimentos sociais que utilizam as ferramentas disponíveis nas redes digitais não apenas para mobilização, organizaçã o e articulaçã o de coletivos sociais, mas para estabelecer um universo próprio de interações que merece atenção do ponto de vista comunicacional. Considerando o protagonismo das adolescentes do ensino médio no movimento de ocupação escolas em 2015, o objetivo desse trabalho é perceber qual papel dessas jovens na produção e recepção de conteúdos sobre as ocupações em São Paulo. Assim, nessa análise, consideramos sobretudo duas tendências: 1) o aparente ou percebido protagonismo feminino juvenil, e 2) a importância das mídias alternativas nas novas formas de ativismo, com foco nas redes sociais. O primeiro aspecto provavelmente relaciona-se ao crescimento do debate sobre o feminismo nas escolas, com diversos fatores contributivos, entre os quais podemos destacar: o tema da violência contra a mulher na redação do Enem; o desenvolvimento de coletivos feministas juvenis nas escolas da cidade; o apoio de coletivos feministas mais experientes no âmbito da organização de oficinas nas escolas ocupadas; a retirada de mençõ es a estraté gias relacionadas à identidade de gê nero e orientaçã o sexual nos planos estaduais e municipais de educaçã o. Por outro lado, observamos que as mí́dias sociais reverberaram de tal forma essa discussão que a procura pelos termos “feminismo” e “empoderamento feminino” no principal mecanismo de busca online teve um crescimento vertiginoso de quase 90% em 2015. Do ponto de vista conceitual, interessa-nos a articulação teórica desses três eixos – movimentos sociais (feminista e militância estudantil), juventude e internet – de modo que possamos conduzir essa investigação a partir da produção teórica nessas temáticas, sem perder o viés da comunicação. Assim, assume-se a hipótese teórica, derivada da literatura internacional sobre o tema, de que parte central do Richard Romancini - doutor, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo – ECA/USP. Docente da Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo – ECA/USP. 2 Fernanda Castilho - doutora, Universidade de Coimbra – UC. Pós-doutoranda da Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo – ECA/USP, docente da Faculdade de Tecnologia – Fatec-Barueri. 1

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sucesso dessa combinação – movimentos sociais (feminista e militância estudantil), juventude e internet – pode ser atribuída ao fenômeno denominado como cultura do quarto (LIVINGSTONE, 2007; MAZZARELLA et al., 2005), preponderante entre as meninas que se sentem mais à vontade para produzir sentidos comuns “protegidas”, inicialmente, pelos espaços privados. Dessa forma, a pergunta central do estudo – qual papel das jovens na produção e recepção de conteúdos sobre o movimento de ocupação escolar nas mídias alternativas em 2015? – adquire operacionalidade e vínculo com a discussão teórica sobre o assunto, permitindo problematizações relacionadas com a realidade brasileira. Em termos metodológicos, o estudo empírico, atualmente em desenvolvimento, considera a visibilidade social da juventude na sociedade brasileira e a efetiva apropriação pelos(as) jovens de discursos, produtos e espaços midiáticos (BORELLI; ROCHA; OLIVEIRA, 2009), e utiliza entrevistas em profundidade com algumas das participantes desse movimento, fazendo um recorte qualitativo da amostra de jovens que participaram efetivamente das ocupações e também tiveram um papel importante nas mídias sociais. Do ponto de vista da recepção, importa analisar como ocorrem as trocas simbólicas e a produção de sentidos entre essas adolescentes que procuram nas comunidades virtuais espaços de negociação das suas identidades enquanto mulheres, jovens e participantes de movimentos estudantis. Referências

BORELLI, Silvia; ROCHA, Rose de Melo; OLIVEIRA, Rita de Cássia Alves (coord.). Jovens na cena metropolitana: percepções, narrativas e modos de comunicação. São Paulo: Paulinas, 2009. LIVINGSTONE, Sonia. From family television to bedroom culture: Young people’s media at home. In: Devereux, Eoin (ed.). Media Studies: Key issues and Debates. Londres: Sage, 2007. p. 302-321.

MAZZARELLA, Sharon R. (ed.). Girl wide web: Girls, the Internet, and the negotiation of identity. Nova Iorque: Peter Lang, 2005.

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RESUMOS #5 PUBLICIDADE

O estado da arte da pesquisa de recepção da publicidade pelo público idoso: uma introdução Ana Luiza ÁVILA1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. O Brasil vem apresentando uma inversão na pirâmide etária, com o aumento da população acima dos 60 anos e diminuição de outros grupos. Em 2030, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de idosos de 60 anos ou mais será maior do que o de crianças com até 14 anos e, em 2055, a participação da terceira idade na população total do país será maior que a de indivíduos com até 29 anos. Partindo deste cenário e da consciência da importância dos estudos de recepção da publicidade, identificou-se a necessidade do levantamento de um estado da arte da pesquisa em comunicação que considerasse a terceira idade e suas relações com o discurso publicitário. O levantamento do estado da arte da pesquisa em recepção da publicidade na década de 90 foi realizado por Jacks e Piedras (2006) e, referente aos anos 2000, por Piedras (2014), no qual a autora identificou um aumento expressivo na produção das pesquisas até 2009, contudo, nenhuma que tratasse da recepção por pessoas da terceira idade. A pesquisa em recepção ainda carece de produção intelectual, uma vez que muitos trabalhos acadêmicos são realizados desde uma perspectiva funcional dos meios de produção ou da análise do discurso, sem levar em consideração os processos de significação atribuídos aos anúncios. Igualmente insatisfatórios, são os resultados da pesquisa em comunicação no Brasil enfocando os idosos, pois à medida que a juventude tornou-se a idade-padrão da sociedade contemporânea (BARROS, 2006), tanto as produções acadêmicas quanto as de mercado têm seus esforços direcionados a pesquisar e instigar as práticas de consumo deste público, em detrimento à terceira idade. A pesquisa do estado da arte possibilita o mapeamento e discussão da produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, possibilitando identificar quais aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares (FERREIRA, 2002), permitindo não só uma análise quantitativa, mas qualitativa dos conteúdos. Segundo Romanowski e Ens (2006), o estado da arte contribui na constituição do arcabouço teórico de uma área de conhecimento, sendo capaz de apontar as restrições sobre o campo em que se Ana Luiza Ávila – Mestranda em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

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move a pesquisa, apontar possíveis lacunas, identificar inovações, além de contribuir para futuras pesquisas que venham a ser realizadas. Nesse cenário, o objetivo deste trabalho é explorar e compreender a produção acadêmica brasileira de pesquisa sobre de recepção da publicidade pelo publico idoso no período de 2000 a 2015. O método utilizado é a pesquisa bibliográfica (STUMPF, 2009), e corpus é composto pelas teses e dissertações produzidas no Brasil entre os anos 2000 e 2015. A busca nos sites dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e outras plataformas, é filtrada por palavras-chave como “idoso” e “recepção”; “terceira idade” e “recepção”; “idoso” e “consumo”; e, “terceira idade” e “consumo”. Como resultados, espera-se mapear aspectos das discussões teórico-metodológicas identificadas no estado da arte, bem como explorar os resultados das pesquisas identificadas visando destacar a importância da pesquisa sobre o tema e possíveis avanços nos estudos do campo. Referências

BARROS, Myriam Lins de (Org). Família e Gerações. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006.

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas "estado da arte". Eduação e Socidade. N.79, p. 257 - 272, 2002.

JACKS, Nilda; PIEDRAS, Elisa. Estudos de recepção da publicidade: explorando as pesquisas da década de 1990. Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo, n. 7, p. 113 - 130, 2006.

PIEDRAS, Elisa. Quando o sentido cotidiano sobre os anúncios ecoa no mundo acadêmico: os anos 2000 e a ascensão da produção científica sobre a recepção da publicidade. ANIMUS Revista Interamericana de Comunicação Midiática. Santa Maria, n. 25, p. 25 - 41, 2014.

ROMANOWSKI, Joana Paulin Romanowski; ENS, Romilda Teodora. As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação. Diálogo Educ. Curitiba, v. 6, n.19, p.37-50, 2006. STUMPF, Ida R. C. Pesquisa bibliográfica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (orgs.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009.

________. BIANCHI, Paula. Brasil vai se tornar um país de idosos já em 2030, diz IBGE. Disponível em: . Acesso em: 25 junho de 2016.

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Reflexões a Cerca da Construção Metodológica da Dissertação “As relações de gênero presentes nos anúncios publicitários do sabão em pó Omo”, a Partir da Perspectiva Transmetodológica Ana Paula C. DORNELES1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, São Leopoldo, Rio Grande do Sul Este artigo tem como objetivo mostrar de forma reflexiva e expositiva como se deu a construção metodológica da dissertação de mestrado intitulada “As relações de gênero presentes nos anúncios publicitários do sabão em pó Omo”, quais foram os percursos e atravessamentos que tivemos para a construção da problemática de pesquisa, que buscava entender como eram construídas e entendidas as interrelações de gênero no processo comunicacional da marca Omo com os sujeitos receptores. Trazemos nesta pesquisa a importância do aprendizado transmetodológico e os desafios que envolvem o conhecimento inventivo no contexto em que está situada a nossa pesquisa. O objeto de estudo encontra-se no contexto de produtos de limpeza para o lar, através de anúncios publicitários do sabão em pó Omo, nos quais estudamos as relações de gênero através das décadas de 1950 e 2000, realizando também uma pesquisa de campo, com mulheres das cidades de São Leopoldo e São Luiz Gonzaga – RS, a partir dos anúncios que compuseram nosso corpus de análise e as relações e apropriações que essas mulheres realizaram sobre eles, através do consumo do sabão em pó. Procuramos mostrar o percurso que realizamos para a construção da metodologia, seja na seleção do corpus, seja na escolha do perfil das mulheres a serem entrevistadas, e a importância que essas escolhas tiveram para o amadurecimento da pesquisa logo no início, com idas a campo para testarmos ambos. Trazemos primeiramente as reflexões de Bachelard (1973) para pensarmos o objeto e o cuidado que devemos ter em um primeiro momento, pois “[...] a fonte inicial é impura: a evidência primária não é uma verdade fundamental” (BACHELARD, 1973, p. 129) e como isso está refletido em nossa pesquisa e que desdobramentos Ana Paula Cardoso Dorneles – Doutoranda do Programa Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. 1

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tivemos após as idas a campo no primeiro semestre, ao superarmos essa fonte inicial, amadurecendo assim nossa problemática de pesquisa. Debatemos também a importância que a escolha metodológica tem para a construção da pesquisa, afirmando que é o método que escolhe o objeto, pois é ele que determina o rumo que o trabalho vai tomar. Pensamos então que metodologia é a responsável por nortear os problemas que o objeto apresenta, assim como quais caminhos serão utilizados para que se consiga comprovar as hipóteses ou premissas. Outra reflexão importante que apresentamos é a cerca da perspectiva transmetodológica, determinante para os rumos que nossa pesquisa tomou. Maldonado (2008) nos apresenta a transmetodologia como sendo uma perspectiva epistemológica que rompe com os métodos prontos, “duros” do senso comum e conservador, para dar continuidade numa tentativa transdiciplinar onde podemos escolher quais atravessamentos metodológicos precisamos utilizar para que possamos dar conta da nossa problemática. Mostramos por fim, como, através da perspectiva transmetodológica, foi se realizando a construção da pesquisa, através dos estudos do cinema, adaptados para a fotografia por Silva (2008), dos conceitos de Dubois e Aumont (1990; 2002), sobre campo (o que está visível no anúncio, o que está dentro da moldura) e fora de campo (tudo que está fora da moldura, fora do anúncio, as relações que se estabelecem entre os agentes fotografados, assim como o contexto histórico e social deles). Ou seja, analisamos os anúncios no que se refere ao campo visual e na forma com que as receptoras/público, vêem esses anúncios. Finalizamos trazendo os principais resultados que essa escolha metodológica nos permitiu descobrir. Referências AUMONT, Jacques; MICHEL, Marie. Análisis del film. Barcelona: Paidós, 1990. ______. A imagem. São Paulo: Papirus, 2002.

BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Lisboa: Edições 70, 1973.

MALDONADO, Alberto Efendy; BONIN, Jiani et al. Metodologias da pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2011. MALDONADO, A. Efendy; BONIN, Jiani; ROSARIO, Nisia. Perspectivas metodológicas em comunicação: desafios na prática investigativa. João Pessoa: Editora UFPB, 2008.

SILVA, Denise T. da. Fotografias que revelam imagens da imigração: pertencimento e gênero como faces identitárias. Tese de Doutorado (Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação), Universidade do vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2008.

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Recepção da publicidade pela criança: produção acadêmica brasileira entre 2010 e 2015 Kandice Van Grol QUINTIAN1

UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul O tema deste artigo é a recepção da publicidade voltada para o público infantil. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se criança, pessoas com até 12 anos de idade incompletos. Na sociedade contemporânea brasileira, a relação entre criança e publicidade vem sendo discutida por entidades tais como: Instituto Alana, Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), Conselho de autorregulamentação publicitária (CONAR). Enquanto o Instituto Alana e a ANDI defendem a regulamentação, os órgãos ligados à publicidade defendem o direito das crianças à informação e a autorregulamentação de anúncios direcionados a este público. Segundo a ANDI, crianças até 8 anos são incapazes de diferenciar a realidade da ficção, sendo assim, mais suscetíveis ao poder persuasivo da publicidade, a justificativa é de que a maturidade para discernir tais fatos só ocorre após os 12 anos. Assim, a escolha do tema se deve aos esforços e debates recentes a respeito da regulamentação da publicidade direcionada a este público, demonstrando assim a relevância desta pesquisa. O objetivo do trabalho é traçar o estado da arte de produções acadêmicas (2000-2015) sobre a recepção da publicidade pela criança. Ferreira (2002) discorre sobre a importância e relevância dos estudos sobre estado da arte em diversas áreas do conhecimento e como ele tem sido utilizado pela academia desde o final da década de 80. A constituição do estado da arte busca conhecer o que já foi produzido e construído a fim de delimitar os temas menos explorados. Por se tratar de um levantamento, no âmbito metodológico, o trabalho adota a técnica da pesquisa bibliográfica e o corpus compreende teses e dissertações sobre publicidade, recepção e infância, apresentadas em programas de pós-graduação nacionais entre os anos de 2010 e 2015. Esta delimitação de tema e de período de tempo é ancorada em pesquisas anteriores realizadas por Jacks e Piedras (2006) sobre o estado da arte de produções de recepção voltadas para a publicidade na década de 90 e posteriormente por Piedras (2014) sobre o panorama entre os anos de 2000 e 2009. Apesar do aumento significativo de trabalhos acadêmicos sobre

Kandice Van Grol Quintian – Mestranda no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 1

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recepção publicitária nos anos 2000, houve pouca representatividade em relação à crianças como foco principal dos estudos. A fim de aprofundar a compreensão sobre estes trabalhos acadêmicos, iremos utilizar também o método de análise de conteúdo, pois este visa descrever e interpretar o objeto de análise com o propósito de conduzir à descrições sistemáticas, qualitativas e/ou quantitativas (MORAES, 1999, p. 7). Este método também é abordado por Bardin (1977, p.30) como: “a análise de conteúdo enriquece a tentativa exploratória, aumenta a propensão à descoberta”. Os resultados esperados com esta pesquisa são referentes à avaliação da produção sobre recepção da publicidade pelo público infantil, as discussões teóricas sobre o assunto, questões metodológicas e empíricas. Com isso, espera-se identificar áreas carentes nesse campo de estudos para delimitação de tema para pesquisa futura. Referências AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA. Disponível em: < http://www.andi.org.br> Acesso em: 24 jun. 2016 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGÊNCIAS Acesso em: 24 jun. 2016

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Disponível

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BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BARROS, Antônio e DUARTE, Jorge (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2014.

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002.

CONSELHO DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. < http://www.conar.org.br/> Acesso em: 24 jun. 2016

Disponível

em:

INSTITUTO ALANA. Disponível em: . Acesso em: 24 jun. 2016

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas “estado da arte”. Educação & Sociedade, Campinas, v.23, n.79, p. 257-272, 2002. JACKS, Nilda e PIEDRAS, Elisa Reinhardt. Estudos de recepção da publicidade: explorando as pesquisas da década de 1990. Comunicação, mídia e consumo, São Paulo, v.3, n.7, p.113130, 2006. MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999. Disponível em: < http://cliente.argo.com.br/~mgos/analise_de_conteudo_moraes.html>. Acesso em: 24 jun. 2016.

PIEDRAS, Elisa Reinhardt. Quando o sentido cotidiano sobre os anúncios ecoa no mundo acadêmico: os anos 2000 e a ascensão da produção científica sobre a recepção da publicidade. Revista interamericana de Comunicação Midiática, Santa Maria, v.13, n.25, p. 25-39, 2014.

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RESUMOS RESUMOS

Anúncios de Lingeries sob o Olhar das Mulheres de São Borja Marta Elaine Vercelhesi MENDES1 Denise Teresinha da SILVA2

Universidade Federal do Pampa, São Borja, Rio Grande do Sul O presente trabalho é resultado do Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda. Esta investigação tem por objetivo saber como as mulheres são-borjenses vêem a representação da imagem feminina em anúncios de lingeries impressos em revistas. Para que isso fosse possível, escolhemos os seguintes anúncios: (1) LOUNGERIE, publicado na revista CLAUDIA em 06/2012, (2) VALISERE, NOVA COSMOPOLITAN, 10/2013, (3) DELRIO, NOVA COSMOPOLITAN, 06/2014, (4) DELRIO, CLAUDIA, 10/2015 e (5) YOGA, CARAS, 03/2016. A escolha destas revistas aconteceu por serem direcionadas ao público feminino e possuírem anúncios com o tema pesquisado. Esta pesquisa tem caráter qualitativo, não visando a representatividade das opiniões, mas o pensar sobre o assunto em debate. Para isso elaboramos um questionário estruturado com 52 perguntas. Ele foi dividido em seis eixos: (1) identificação da mulher entrevistada, (2) acesso aos meios de comunicação, (3) hábitos de compra de lingerie, (4) opinião sobre a publicidade de lingerie, (5) análise dos anúncios e (6) relações de gênero. Estas questões foram dispostas em abertas e fechadas. Este questionário foi analisado com base nas mediações múltiplas de Orozco Goméz (1997). As entrevistas foram realizadas individualmente, em profundidade, sendo entrevistadas 13 mulheres na faixa etária dos 50 aos 60 anos de idade. Esta idade foi escolhida porque estas mulheres já têm uma grande experiência de participação na vida social, mas ainda estão envolvidas com as atividades diárias, como o trabalho, ou se aposentaram recentemente. Esta memória deste período de transição para a terceira idade (60 anos) foi o que definiu nossa escolha. Marta Elaine Vercelhesi Mendes – Graduanda de Publicidade e Propaganda, 8º semestre, Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. 2 Denise Teresinha da Silva – Doutora em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS/Universidad Autónoma de Barcelona – UAB. Professora Adjunto IV, Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. 1

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RESUMOS RESUMOS

Por excelência, podemos dizer que, de acordo com Gomes e Cogo (1998), estudar a recepção é também estudarmos o fenômeno da comunicação social, ela é uma relação da produção de sentidos na vida das pessoas. Portanto, como afirma Silva (2013), para sabermos o conceito de recepção é necessário conhecermos os processos comunicacionais, saber as teorias que foram elaboradas para desenvolvimento da comunicação. Neste processo de recepção da mensagem publicitária, temos inúmeros fatores que estão entre a recepção e a emissão desta mensagem, que são as mediações. Martín-Barbero (2006) afirma que a cultura é a principal delas. Para isso, Orozco Gómez (1997) propõem as mediações múltiplas como forma de analisarmos este complexo processo de recepção. Assim, alguns pontos das opiniões sobre os anúncios das entrevistadas merecem ser destacados: eles não estão de acordo com as suas realidades (mulheres de 50-60 anos); concordam com a apresentação do produto, da modelo, mas sentemse desprevilegiadas; há muita exposição do corpo feminino; faltam comerciais com todos os tipos de mulher; podem existir puclicidades apenas mostrando o produto. Segunda elas, é importante que o discurso publicitário use estratégias não somente de caráter persuasivo, com um apelo emocional, mas que apresentem as diferenças entre os vários modos de ser mulher. Quanto às questões de gênero, constatamos que as entrevistadas afirmam o que Scott (1989) e Wolf (1996) evidenciaram, ao dizer que ainda existe muito preconceito, mas que em nossa atualidade as mulheres já conquistaram algum espaço devido à independência financeira. Embora ainda sabemos que temos muito que reinvindicar sobre nossos direitos, porque concomitante com os relatos das entrevistadas, há muito preconceito, e desvalorização da mulher ao tratá-la como um objeto sexual. Isto infelizmente ainda é evidenciado na publicidade quando anunciam produtos com estereótipos machistas acerca da imagem da mulher. Mais um motivo de repensarmos a comunicação através de processos que nos permitam visualizar o modo interpretativo no estudo da recepção. Referências

GOMES, Pedro Gilberto e COGO, Denise Maria (org). O adolescente e a televisão. Porto Alegre: IEL/UNISINOS, 1998. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.

OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La Investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa. Guadalajara: Universidad Nacional de La Plata/Instituto Mexicano para el desarollo comunitario, 1997. SILVA, Denise Teresinha da. A fotografia publicitária de moda e a glamourização da violência contra a mulher. São Borja: Faith, 2013.

WOLF, Naomi. Fogo com Fogo: o novo poder feminino e como o século XXI será afetado por ele. (trad) Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidades. vol. 20, n. 2, jul/dez, 1995, Porto Alegre: UFRGS. p. 71-99.

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RESUMOS RESUMOS

Práticas de Recepção da Publicidade X Práticas de Consumo: A Produção Científica Brasileira entre 2010 e 2015. Renata do Amaral. BARCELLOS1

PPGCOM/UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul A publicidade é um processo de comunicação persuasiva e exerce sua ação a partir da veiculação de mensagens cuja o conteúdo apresenta funcionalidades dos bens materiais articulado com o seu valor simbólico. Esta abordagem publicitária possibilita unir a área da produção ao consumo dos bens propriamente. Seguindo a perspectiva de Rocha (2006) podemos pensar que “a publicidade constrói uma representação da natureza plena de sentidos humanos para associá-la a um produto; este sim, anti-humano, por natureza” (ROCHA, 2006, p. 18). Enxergando sob este viés, é necessário levar em consideração que o ato de consumir, seja os objetos de primeira necessidade ou os mais supérfluos, está presente em toda e qualquer organização humana, pois consumir é uma ação extremamente cultural, estando intrínseco nas civilizações modernas e contemporâneas. Deste modo, o consumo é condizente com a reprodução física e social, uma vez que todas as sociedades manipulam artefatos e objetos da cultura material para fins simbólicos de diferenciação, pertencimento, atribuição de status e gratificação individual (BARBOSA, 2004). Evidenciado estas características de publicidade e consumo, é bastante relevante pensar a recepção da publicidade relacionando as suas práticas de consumo, uma vez que consegue dimensionar o seu “efeito [como] consequência do estímulo comunicativo, e define-se em sua relação com opiniões e atitudes, incidindo, em razão disso, diretamente na conduta dos indivíduos (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 26). Quer dizer, os estudos de recepção colaboram sobremaneira para a compreensão da articulação entre práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo, especialmente, considerando a perspectiva de Piedras quando, a partir da perspectiva das entrevistadas, evoca-se o consumo simbólico da publicidade ”independente ou associada ao consumo material de bens [...]. Nesse sentido, destacamos a tensão entre a dissociação do consumo com a publicidade [...] e o consumo de produtos/serviços desnecessários influenciado pela publicidade, relatado por todas” (PIEDRAS, 2006, p. 14). Renata do Amaral Barcellos – Mestranda em Comunicação – PPGCOM/UFRGS - Programa de Pós Graduação em Comunicação e Informação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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RESUMOS RESUMOS

Nesse contexto, o objetivo deste artigo é mapear o estado da arte da pesquisa brasileira sobre a recepção da publicidade em relação às práticas de consumo no período entre 2010 e 2015. Segundo Ferreira (2002), este tipo de levantamento possibilita o mapeamento e a discussão da produção acadêmica realizada em diferentes campos do conhecimento, proporcionando a identificação de quais aspectos e dimensões vêm sendo trabalhados e discutidos em diferentes épocas e lugares. A metodologia utilizada neste artigo é a pesquisa bibliográfica, uma vez que esta abrange a leitura, análise e interpretação de livros, periódicos, documentos e tem por objetivo conhecer as diferentes contribuições cientificas disponíveis sobre determinado tema (STUMPF, 2009). O corpus da pesquisa será constituído mediante busca em sites de programas de pós graduação em Comunicação no Brasil e outras plataformas, os trabalhos de dissertação de mestrado e tese de doutorado que contenham as palavras-chave ”publicidade”, ”recepção” e “consumo” produzidos no período que compreende os anos entre 2010 e 2015. Como resultados esperados pretende-se apresentar o panorama da pesquisa em recepção de publicidade associado às práticas de consumo desenvolvido no Brasil durante os anos de 2010 a 2015, assim como a discussão dos avanços e carências neste campo científico. Referências BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas "estado da arte". Eduação e Socidade. N.79, p. 257 - 272, 2002. JACKS, Nilda, ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e Recepção, São Paulo: Hacker Editores, 2005.

PIEDRAS, Elisa. Sonho de Consumo: a publicidade na intersecção entre o consume material e o simbólico, pelo olhar do receptor. ANAIS DO XV ENCPNTRO DA COMPÓS / GT Mídia e Recepção. 2006a.

ROCHA, Everardo. Representações do Consumo – Estudos sobre a narrativa publicitária, Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2006. STUMPF, Ida R. C. Pesquisa bibliográfica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (orgs.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009.

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RESUMOS RESUMOS

“Amor, seja como for”: estudo de recepção de campanha publicitária Sendy Carneiro MORDHOST1 Wesley Pereira GRIJÓ2

Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, RS A pesquisa analisa a recepção da campanha publicitária “Amor, seja como for”, entre membros da comunidade LGBT3 da cidade de São Borja-RS. A campanha alvo do estudo tem como foco combater a violência homofóbica, sendo uma das ações do Programa “Rio Grande sem Homofobia”, implementado pelo Governo do Rio Grande Sul. Partindo desse cenário, o objetivo então é averiguar quais as leituras e percepções dos militantes do “Movimento Girassol, amigos na diversidade” em relação à campanha em questão. A ação publicitária estudada tem como contexto o estado que ocupa o 8º lugar no ranking de denúncias de homofobia do Brasil. Em 2012, foram registradas pelo poder público 202 denúncias referentes a 396 violações e oito homicídios noticiados relacionados à população LGBT gaúcha. Houve um aumento de 248% em relação a 2011, quando foram notificadas 58 denúncias. (BRASIL, 2015) Diante desse cenário, a campanha publicitária surgiu a partir dos casos de violências contra a população LGBT gaúcha e, por essa razão, é importante entender seus reflexos e sua repercussão perante a este público ao qual ela vem promover visibilidade. No contexto fronteiriço de São Borja, a falta de dados quantitativos sobre a violência homofóbica justifica uma pesquisa qualitativa com o público LGBTT, vítima (ou em potencial) de violências em regiões onde o pensamento heteronormativo é vinculado à cultura local. Cabe ressaltar que o “Movimento Girassol, amigos na diversidade” atua como representante da comunidade LGBTT são-borjense, promovendo a diversidade e atuando no combate a homofobia. O foco

Sendy Carneiro Mordhost – Graduada em Publicidade e Propaganda, Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. 2 Wesley Pereira Grijó – Doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor da Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Coordenador do Núcleo de Audiovisual, Imagens técnicas e Práticas socioculturais (CNPq/UFSM). 3 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros. 1

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da pesquisa foram esses sujeitos militantes, importantes para discutir campanhas relacionadas a essa problemática, auxiliando na percepção dos seus pontos de vista. A campanha publicitária materializa-se em três imagens (outdoors), as quais foram descritas seguindo o modelo semiótico de Barthes (1990) para uma análise do texto, da imagem em seu sentido conotativo e denotativo. O marco teórico sobre recepção foi construído a partir do modelo de Codificação/Decodificação, proposto por Hall (2003); as mediações culturais, concebidas por Martín-Barbero (1987; 2002) e Orozco Gomez (2005), a fim de entender como essas mediações inferem na recepção de uma campanha publicitária. O método de coleta das informações foi por meio da perspectiva qualitativa, utilizando observação e entrevista semiestruturada, alicerçada em um roteiro aplicado com cinco integrantes do “Movimento Girassol, amigos na diversidade”. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas, e o conteúdo separado em categorias seguindo a linha de Bardin (1977). Na análise categorial, separou-se as entrevistas conforme temáticas que emergiram durante as entrevistas. Desse modo, as informações foram separadas e analisadas em três grandes categorias, que auxiliam na análise da recepção da campanha, pois elas funcionam como um contexto, uma base para analisar e entender a recepção dos sujeitos. A ponto de entender como as falas presentes nessas temáticas relacionam-se à recepção dos entrevistados. Foram: “homofobia”, “militância” e “relação com a identidade regional gaúcha”. Estas temáticas dão aporte para entender o contexto dos entrevistados e adentrar na recepção dos militantes da comunidade LGBT de São Borja em relação à campanha “Amor seja, como for”, observando o receptor e sua relação de leitura de uma mensagem midiática de visibilidade das relações homoafetivas. A partir do que foi verificado nesta pesquisa, observa-se que o sujeitos receptores da campanha - que também são produtores de sentidos e significações -, interpretam as mensagens ativamente, dentro de limites da codificação vinculadas ao contexto de cultura heteronormativa de invisibilidade das relações homoafetivas. REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Editora Edições 70, 1977.

BARTHES, Roland. A retórica da imagem. In: O óbvio e o obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BRASIL, Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: . Acesso em: 15/11/2015. BRASIL, Secretária dos direitos humanos da presidência da república. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil. Brasil, 2012. Disponível em: . Acesso em: 28/04/ 2015. FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004.

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RESUMOS RESUMOS

HALL, Stuart. Codificação/decodificação. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura y hegemonia. México: Gustavo Gilli, 1987. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de Cartógrafo: Travesías latinoamericanas de la comunicación em la cultura. México/Santiago: Fondo de Cultura Econômica, 2002.

OROZCO GÓMEZ, Guillermo. O telespectador frente à televisão. Communicare. São Paulo: FCL, v. 5, n. 1, p. 27-42, 2005.

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RESUMOS RESUMOS

O início de um percurso de pesquisa: entrando pela Porta do Fundos Taís FLORES DA MOTTA1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS O objetivo do texto é relatar os primeiros movimentos metodológicos, para a formulação da problemática, de uma pesquisa de doutorado que está em construção. Pretende-se apresentar os resultados, de parte, de uma etapa fundamental para esse momento, ou seja, a pesquisa da pesquisa. A projeto de tese, tem como temática a produção de sentidos dos sujeitos a partir da oferta de novas lógicas de produção publicitária, identificada nos vídeos humorísticos do Porta dos Fundos. Compreendo esses vídeos, como um tipo de produção privilegiado para abordar as perspectivas da publicidade, especialmente em virtude das lógicas utilizadas nessas produções. Além disso, entendo que seja relevante compreender os usos e apropriações dos sujeitos que passam a consumir a publicidade de outra forma. Para compreendermos no que consiste a etapa que chamamos de pesquisa da pesquisa é importante refletirmos sobre nossa concepção de metodologia. Compartilhamos com a visão de alguns autores (BONIN, 2008; MALDONADO, 2008) que percebem que a metodologia deve ser construída de acordo com o objeto, contexto em que se insere e aspectos teóricos que o cercam. É importante compreendermos, então, que o objeto empírico não deve ser confundido com objetos de referência “Ignora-se que esses referentes do real têm que ser reconstruídos em termos de observação ou experimentação sistemática, com métodos, para obter objetos empíricos, descritos, detalhados, organizados de acordo com determinadas concepções metodológicas e em inter-relação com determinadas teorias científicas.” (MALDONADO, 2008, p.39) Além disso, outra reflexão relevante aqui, diz respeito ao campo de conhecimento. Compreendemos a comunicação como um campo de conhecimento e por isso identificamos a importância do pesquisador conhecer este campo antes e durante o desenvolvimento de sua proposta de pesquisa. Nessa perspectiva, Bonin (2008) explana que é importante lembrarmos que a construção do objeto empírico se realiza em um campo científico específico, o da comunicação, entretanto a autora Taís Flores da Motta – Mestre, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Aluna do doutorado e professora da graduação.

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RESUMOS RESUMOS

destaca a importância e relevância da articulação com outros campos. “... já que nossos objetos são multidimensionais e complexos, exigentes de formulações também complexas para apreendê-los, nas quais se faz necessária a confluência de saberes disciplinares, apropriados e repensados para responder aos objetos comunicacionais” (BONIN, 2008, p.122). Consideramos que para apoiar no desenvolvimento de um projeto de pesquisa refletido e coerente, a perspectiva de Bonin (2006), é adequada, no que se refere a pesquisa da pesquisa. Para a autora essa etapa consiste em um “revisitar, interessado e reflexivo, das pesquisas já realizadas sobre o tema-problema a ser investigado ou próximo a ele” (BONIN, 2006, p.31). Assim este texto apresenta os primeiros movimentos da pesquisa da pesquisa, ou seja, os locais visitados, as palavras chave escolhidas, bem como os primeiros indícios de contribuição para formulação da nossa problemática. Nesta etapa da pesquisa da pesquisa, nosso foco foi verificar artigos acadêmicos disponíveis na base da CAPES, dos anos últimos 3 anos. As palavras chave escolhidas para a busca foram: publicidade, youtube, porta dos fundos, recepção, mediações e suas combinações. Referências

BONIN, Jiani Adriana. Explorações sobre práticas metodológicas na pesquisa em comunicação. Revista Famecos. Porto Alegre, n.37, p.121-127, dez.2008.

BONIN, Jiani Adriana . Nos bastidores da pesquisa: a instância metodológica experienciada nos fazeres e processualidades de construção de um projeto. In: Efendy Maldonado;. (Org.). Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. 1 ed. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 21-39.

MALDONADO, A. Efendy. A perspectiva transmetodológica na conjuntura de mudança civilizadora em inícios do século XXI. In: Efendy Maldonado;. (Org.). Perspectivas metodológicas em comunicação: desafios na prática investigativa. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.

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RESUMOS RESUMOS

RESUMOS #6 Recepção de Cinema e Documentário

Recepção cinematográfica: a trajetória dos cinemas de rua em Frederico Westphalen por meio das memórias de espectadores Eduarda WILHELM1 Rafael FOLETTO2

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul

Houve um tempo em que as pequenas cidades do interior gaúcho contavam com projeções de filmes, reunindo um público significativo. A partir dos anos 1980 essa realidade se modificou e muitas salas de cinema de rua foram fechadas. Hoje, a maioria das salas se encontra em grandes centros, dentro de shoppings centers. O objetivo principal desta pesquisa é realizar uma retomada da trajetória dos cinemas de rua em Frederico Westphalen-RS, buscando compreender o processo de fechamento deles e identificar e analisar os motivos disso, sendo que a cidade já foi referência na região em estrutura e quantidade de salas de cinema. A partir disso, foram elencados os seguintes objetivos específicos: fazer o levantamento histórico das salas de cinema do município, buscando traçar um panorama do consumo cinematográfico; buscar compreender o contexto cultural vivido na época desses cinemas, analisando as mudanças sociais, culturais e tecnológicas que interferiram no fechamento dessas salas. Trabalhamos como perspectivas teóricas com os conceitos de memória e midiatização. No século XX, as mídias passam a ser um agente modificador na produção de sentidos, crenças e modos de vida das pessoas, ou seja, a sociedade e a cultura se relacionam cada vez mais com os meios de comunicação. Segundo Hjarvard (2014) e Maldonado (2012), essas modificações e desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação caracterizam a midiatização. Refletir sobre o conceito de memória se mostra inevitável para esta pesquisa, visto que seu processo metodológico se apoiou fundamentalmente em relatos de pessoas. Trazemos a discussão sobre memória coletiva, apoiados nas ideias do sociólogo Maurice Halbwachs (2006). Eduarda Wilhelm – Graduanda de Comunicação Social – Hab. Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Rafael Foletto - Doutor em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Professor do Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 1

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RESUMOS RESUMOS

O estudo de acontecimentos sociais e comunicacionais exige, na maioria das vezes, a aplicação de diferentes metodologias de pesquisa qualitativa e empírica. Realizamos o levantamento bibliográfico de livros, teses, dissertações e artigos que pudessem auxiliar no andamento da pesquisa. Outro movimento metodológico, a pesquisa documental utilizou-se de registros estatísticos, documentos pessoais sobre a história dos cinemas de rua de Frederico Westphalen e o levantamento de informações encontradas em jornais do município. Como não existe um histórico concreto da trajetória das salas de exibição no município, recorremos a memórias de pessoas que vivenciaram a época e que mantiveram uma relação muito forte com o objeto da pesquisa. Para trabalhar com o processo de recepção cinematográfica de sujeitos e compreender o papel que os cinemas de rua tiveram na vida dessas pessoas e como elas se relacionam com esse meio, é preciso levar em conta o contexto a qual estão inseridas, culturas, modalidades comunicativas, entre outros aspectos (BONIN, 2014). Nas entrevistas, também buscamos identificar as diferentes formas de recepção dos espectadores de cinema e como isso se modificou ao longo dos anos. A existência de um cinema de rua em Frederico Westphalen se manteve condicionada a empreendimentos familiares de pessoas que acreditaram na sétima arte e se esforçaram para torná-la possível em uma cidade do interior gaúcho. A televisão e as tecnologias digitais levaram a baixa frequência do público, o que foi citado pelos entrevistados como principal motivo para o fechamento das salas. Mesmo 26 anos após o fechamento do último cinema de rua, eles ainda são frequentemente lembrados e comentados pelas pessoas. A memória social dos cinemas de rua ainda se mostra presente entre os frederiquenses. Este trabalho contribui para reunir um material concreto sobre a história das salas de cinema em Frederico Westphalen, sendo informações que dificilmente encontram-se documentadas. Isso acrescenta na compreensão da trajetória e o panorama do consumo audiovisual na cidade, trazendo respostas que levam a entender o processo de fechamento dos cinemas de rua e o cenário atual no município. Referências

BONIN, J. Estratégia multimetodológica de captação de dados em pesquisa de recepção: a experiência da investigação Telenovela, identidade étnica e cotidiano familiar. Rastros (Joinville), Joinville, v. 1, p. 6-18, 2004. HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

HJARVARD, S. Midiatização: conceituando a mudança social e cultural. Matrizes, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 21-44, jan./jun., 2014.

MALDONADO, A. E. Produtos midiáticos, estratégias, recepção: a perspectiva transmetodológica. Ciberlegenda. Rio de Janeiro, n. 9, p. 1-23, 2002.

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RESUMOS RESUMOS

Pensar O Cinema: Uma Reflexão Sobre Os Estudos de Recepção E O Espectador Cinematográfico Elisa FONSECA1 Marilice DARONCO2

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS O presente artigo propõe a reflexão sobre a aplicabilidade dos Estudos de Recepção no campo cinematográfico. Alicerçado nos conceitos de recepção de Nilda Jacks e Ana Carolina Escostegy (2005) e Maria Immacolata Vassalo de Lopes (2011), o estudo busca desenvolver uma análise das percepções do espectador da narrativa fílmica, em especial sobre o documentário gaúcho Filme Sobre um Bom Fim3. O filme tem como tema central a cena cultural do bairro porto-alegrense e apresenta o bairro Bom Fim como o reduto de um movimento jovem que tomou conta da capital do Rio Grande do Sul no fim dos anos 1970 e início dos anos de 1980. Entende-se que, ainda hoje, existe uma carência de pesquisas que abordem a dimensão da recepção e a experiência de assistir uma obra cinematográfica. Nessa perspectiva propõe-se ir além do espectador pressuposto, que a análise fílmica por vezes considera, e afora a decupagem da obra em si, refletir sobre a recepção da mesma. Dessa forma o objetivo geral do artigo é propor um trabalho de recepção com os espectadores do filme. Espectadores estes que vivenciaram o período retratado na obra documental. A investigação visa compreender como os sujeitos compreendem a representação, identificam-se e reconhecem traços identitários presentes na obra. Para Jacks (2008, p. 135), “o receptor segundo quase todos os estudos, é um agente ativo no processo de comunicação. Ele se porta criticamente ante as mensagens, é um agente social, construtor de significados e com o advento do

1 Elisa Fonseca, Jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática na Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria – RS. Email:[email protected] 2 Marilice Daronco, Jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – Santa Maria – RS. Email:[email protected] 3 Filme sobre um Bom Fim, dirigido por Boca Migotto, foi lançado em 2015, produzido pela produtora gaúcha Epifania Filmes, possui 88 minutos de duração, aprovado no Fumproarte 2013, da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, e no Edital de Finalização de Longas-Metragens, do Pró-Cultura RS FAC. O filme percorreu salas de cinema de diferentes estados brasileiros e está atualmente disponível para assistir no site de vídeos por streaming NetNow: http://webportal.nowonline.com.br/catalogue/play/56597?section=CATALOGUE&leaf=search Acesso em: 12// 2016

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RESUMOS RESUMOS

controle remoto, seu poder de escolha e decisão aumenta”. Porém, quando a análise passa para o campo cinematográfico, percebe-se que, não raras vezes, o papel do espectador não é levado em conta, o que leva Stam (2003, p. 227), teórico vinculado aos Estudos Culturais, a chamar a atenção para o fato de que, afinal de contas, “a história do cinema não é apenas a história dos filmes e cineastas mas a história dos vários significados que os públicos têm atribuído aos filmes”. O estudo caminha no que propõe Bamba (2013, p.19), ao questionar se existiria uma “função-espectador”. De acordo com o autor, “as teorias do cinema ignoram, redescobrem, repensam e apreendem a dimensão espectatorial da experiência fílmica”. A pesquisa pretende também uma aproximação com os Estudos Culturais Latino-Americanos, com Jesús-Martin Barbero (2004) e Nestor García Canclini (1999), autores, que entre outros, contribuem de forma significativa para a investigação das conexões entre cultura e comunicação, dando ênfase na experiência dos sujeitos. Em observação preliminar uma das autoras acompanhou uma sessão de exibição do documentário na sala de cinema do Santander Cultural, em Porto Alegre, no dia 3 de setembro de 2015. Foi possível perceber que antes de o filme começar a ser exibido, algumas pessoas questionavam se conseguiriam identificar conhecidos nas imagens do documentário e uma espectadora chegou a afirmar que se não tocasse na trilha sonora músicas do cantor Nei Lisboa o filme não faria jus à sua época. Essa primeira observação gerou interesse em buscar espectadores que tenham visto o filme e sejam contemporâneos ao período abordado para realizar uma pesquisa, metodologicamente aplicada, com objetivo de investigar e refletir sobre a recepção deste documentário pelo público que vivenciou as experiências retratadas na obra. Referências

BAMBA, Mahomed. A recepção cinematográfica : teoria e estudos de casos / Mahomed Bamba. - Salvador : EDUFBA, 2013. GARCÍA CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos – Conflitos multiculturais da globalização. Trad. Mauricio Santana Dias. Rio de Janeiro. Ed. Uerj, 2006. JACKS, Nilda; ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e Recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005. LOPES, Maria Immacolata Vassalo de.; GÓMEZ, Guillermo Orozco. Qualidade na ficção televisiva e participação transmidiática das audiências. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2011. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2001. MASCARELLO, Fernando. Mapeando o inexistente: os estudos de recepção cinematográfica, por que não interessam à universidade brasileira? In: UNIrevista - Vol. 1, n° 3 jul. 2006. MARTÍN-BARBERO, STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Campinas, São Paulo: Papirus, 2003.

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RESUMOS RESUMOS

“Lá E De Volta Outra Vez”: repercussão entre os fãs brasileiros da trilogia cinematográfica The Hobbit Fernanda Vieira de MARIA1 Valquíria Michela JOHN2 Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, Santa Catarina Esta pesquisa se insere nas discussões da chamada “cultura de fã”, dentro de um cenário de convergência midiática tal como proposto por Jenkins (2009). Propõese a analisar como os fãs brasileiros da trilogia cinematográfica O Hobbit se posicionam diante da adaptação de uma das obras mais emblemáticas da literatura infanto juvenil do século XX. Levada aos cinemas pelo direto Peter Jackson, O Hobbit é uma aposta no sucesso da trilogia anterior produzida pelo diretor entre 2001 e 2003, adaptação da mais importante narrativa de fantasia épica também de autoria do britânico JRR Tolkien – The Lord Of The Rings (O Senhor dos Anéis). O objetivo da pesquisa é analisar como se deu o consumo cultural, a circulação da trilogia O Hobbit no Brasil, como os fãs avaliam a leitura feita por Peter Jackson desse grande sucesso da literatura e que congrega uma legião de fãs em todo o mundo, muitos dos quais passaram aos livros de Tolkien após o contato com a narrativa fílmica de sua obra. A pesquisa integra um estudo internacional de recepção de O Hobbit, a qual se deu a partir de um questionário respondido online após a exibição da última parte da trilogia em dezembro de 2014. NO Brasil a pesquisa é coordenada pela professora Dra. Nilda Jacks (UFRGS). Neste artigo, porém, o foco é a recepção e a análise dos conteúdos produzidos pelos fãs da obra em comunidades específicas e seus respectivos grupos de discussão e fanpages. A perspectiva metodológica mescla técnicas da análise de conteúdo e da netnografia.

Fernanda Vieira de Maria – Acadêmica do 6º período do curso de Jornalismo, Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

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2 Valquíria Michela John - Doutora em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Professora do curso de Jornalismo, Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

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RESUMOS RESUMOS

A partir desta etapa foi possível analisar a interação entre membros/fãs no período em que correspondia à data de lançamento do último filme da trilogia (“O Hobbit 3: A Batalha dos Cinco Exércitos”). As coletas correspondem ao mês de julho de 2015, entretanto foram coletados os materiais/postagens de dezembro de 2014 e janeiro de 2015. No Facebook, as postagens de discussão foram feitas nos grupos brasileiros O Hobbit e Toca Rio de Janeiro Conselho Branco, além das postagens na página oficial O Hobbit e nas página Conselho Branco – Sociedade Tolkien e Valinor.

No período de mapeamento, o grupo O Hobbit contabilizou 66 postagens, entre posts de críticas, discussões sobre a pré-estreia, “memes” etc. A maior interação aconteceu em um post sobre o filme/spoilers, com 57 curtidas e 370 comentários. Os fãs conversaram sobre o filme em si, o que gostaram ou não, personagens e sobre a narrativa em um geral, criando uma espécie de “fórum” para debate. Já os membros do grupo Toca Rio de Janeiro Conselho Branco postaram 30 vezes durante esta etapa. O maior número de comentários (39) foi analisado em um post (14 curtidas) criado com o intuito de organizar um encontro entre os membros (para assistir ao filme no cinema). Pode-se dizer que, no período de lançamento do filme, as discussões nos grupos do Facebook concentraram-se na estreia do terceiro filme, conversas sobre a atitude dos personagens e o desfecho da história.

A página O Hobbit publicou 39 posts entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015. Por ser uma página oficial, o número de curtidas, comentários e compartilhamentos é maior, gerando ainda mais interação entre os fãs da trilogia. Foram coletadas postagens com vídeos e imagens, sempre direcionando a publicação à data de lançamento do filme. Os comentários, geralmente, traziam opiniões de pessoas após assistirem ao filme no cinema. Na página Conselho Branco – Sociedade Tolkien, a maior interação foi analisada em uma postagem que trazia a imagem e a frase “Quantas vezes você já foi assistir?”. A página Valinor postou sobre os atores do terceiro filme, os personagens e outros conteúdos relacionados à trilogia. Com base nestes dados é possível identificar como aconteceu a interação entre os fãs da trilogia no Facebook. A rede social foi usada para estabelecer debates sobre a execução da narrativa, o futuro dos personagens e, principalmente, as expectativas dos fãs brasileiros. Referências

AMARAL, Adriana. NATAL, Geórgia. VIANA, Luciana. Netnografia como aporte metodológico na pesquisa em comunicação digital. Disponível em: http://www.djangel.com.br/wpcontent/uploads/2009/01/AMARALNATALEVIANAS essoes-do-Imaginário.pdf . Acesso em 22/04/2013. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

CURI, Pedro P. Entre fan arts, fan fictions e fan films: o consumo dos fãs gerando uma nova cultura. VI Enecult - Encontro de estudos multidisciplinares em cultura, Facom-UFBa, 25 a 27 de maio de 2010

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RESUMOS RESUMOS

JACKS, Nilda et al. Telenovela em múltiplas telas: da circulação ao consumo. In: Maria Immacolata Vassalo de Lopes. (Org.). Ficção televisiva transmidiática no Brasil: plataformas, convergência, comunidades virtuais. Porto Alegre: Sulina, 2011, v. 2, pp. 297-337.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

___. Textual poachers: television fans and participatory culture. New York: Routledge, 1992.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. A Recepção Transmidiática da Ficção Televisiva: novas questões de pesquisa. In: FILHO, João Freire e BORGES, Gabriela (org). Estudos de televisão. Diálogos Brasil- Portugal. Porto Alegre Sulina, 2011.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. São Paulo: Sulina, 2009.

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RESUMOS RESUMOS

Recepção em radiodocumentário: percepções de gestantes e profissionais da saúde acerca de divergentes opiniões sobre parto Jéssica RIGON1 Rejane Beatriz FIEPKE2 Tamires Regina ZORTÉA3

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul O presente artigo consiste em um estudo de recepção referente às percepções e significações obtidas por meio de um radiodocumentário, com foco na análise prévia e posterior da opinião das pessoas entrevistadas. O objeto midiático escolhido, produzido para fins acadêmicos, aborda as diferentes opiniões acerca de parto normal e parto cesárea, mostrando que ambos são contemplados com uma diversidade de argumentos. Como interlocutores, optou-se por trabalhar com um grupo de gestantes pertencentes as classes populares, que frequentam mensalmente reuniões promovidas pela equipe da Assistência Social do Município de Frederico Westphalen, por se tratar de mulheres que estão inseridas na situação que é abordada pelo produto midiático, e em breve irão se deparar com a realidade do parto. Também participaram da discussão, profissionais da saúde integrantes do programa Primeira Infância Melhor (PIM), que acompanham as mulheres desde o início da gestação, até os dois anos de idade da criança. A base teórica está fundamenta no pensamento de Maria Immacolata Vassalo de Lopes (LOPES, 1993, p. 85), que afirma que “[...] os processos de recepção devem ser vistos como parte integrante das práticas culturais que articulam processos tanto subjetivos como objetivos.” a forma como ocorre o processo de recepção de um conteúdo depende, principalmente, do contexto no qual esse indivíduo está inserido, dos processos culturais e políticos com que convive. O caminho metodológico tem como inspiração a pesquisa etnográfica, que nasceu na Antropologia Social, e tem como fundamental preceito o contato direto com a realidade dos sujeitos investigados. Foi realizado um questionário com o objetivo de ouvir as participantes, em conjunto, e tomar nota de suas opiniões e percepções sobre ambos os tipos de parto, além de terem sido feitas gravações em áudio e vídeo da

Jéssica Rigon – Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Acadêmica de Comunicação SocialJornalismo. 2 Rejane Beatriz Fiepke - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Acadêmica de Comunicação Social-Jornalismo. 3 Tamires Regina Zortéa - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Acadêmica de Comunicação Social-Jornalismo. 1

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RESUMOS RESUMOS

discussão. Após ouvir ao documentário se repetiu o processo, o que permitiu uma análise para verificar se o produto midiático influenciou ou não as opiniões das gestantes. A técnica adotada foi a entrevista aberta em que uma pergunta inicial, no caso, saber em que meios midiáticos as gestantes buscavam informações sobre parto, servia de norte para impulsionar a discussão. A entrevista aberta se adapta de forma positiva em conversas que visam explorar um tema específico, porém complexo. Na linha de pensamento de Duarte (2006), a essa técnica “tem como ponto de partida um tema ou questão ampla e flui livremente, [...] o entrevistado define a resposta segundo seus próprios termos, utilizando como referência seu conhecimento, percepção, linguagem, realidade, experiência”. Neste sentido, as gestantes e as profissionais corresponderam às indagações realizadas, o estudo fluiu de forma espontânea e as entrevistadas falaram de acordo com os seus conhecimentos e opiniões sobre os tipos de parto. Observamos que as três gestantes participantes se identificaram com determinados trechos do radiodocumentário, e trouxeram o assunto para o contexto das suas realidades, resgatando memórias de práticas que conhecem por intermédio de familiares, e situações que vivenciam no cotidiano. Uma delas, em especial, consolidou a sua opinião sobre o tipo de parto que pretende realizar após ouvir o áudio. Já as profissionais da saúde, se mostraram mais críticas com relação a alguns relatos ouvidos, e discutiram o modo pelo qual buscam se informar para posteriormente repassar esse conteúdo para as gestantes sob seus cuidados, denotando inclusive, que mesmo atuando profissionalmente algumas mantém crenças e hábitos repassados de geração em geração. Referências

DUARTE, Jorge. In.: DUARTE, J. e BARROS, A (Orgs). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006.

LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Estratégias metodológicas da pesquisa de recepção. Disponível em: http://portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/revistaintercom/article/view/823/730. Acesso em: 04/04/2016.

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RESUMOS RESUMOS

Concepções acerca da recepção cinematográfica e dos sujeitos comunicantes Maytê Ramos PIRES1

Unisinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul O foco da apresentação será um olhar sobre a recepção cinematográfica e a relação de sujeitos comunicantes com o cinema. Isto se dará com o objetivo de colocar em movimento os saberes que vem sendo problematizados pela autora em seu Mestrado, mobilizando a pesquisa que vem sendo desenvolvida com vistas a adquirir ensinamentos e (re)pensar (novas) possibilidades para o desenvolvimento da investigação a partir das discussões propiciadas pelo evento. A pesquisa em questão busca investigar e compreender os sentidos, usos e apropriações construídos por sujeitos comunicantes de sessões de cinema comentadas, realizadas na Ocupação Pandorga2, na perspectiva da cidadania comunicativa cinematográfica. Para tanto, trabalha-se com uma perspectiva de natureza teórica que mobiliza os dois conceitos em foco nesta apresentação, mas inclui também o conceito de cidadania comunicativa articulada ao campo cinematográfico. Inter-relacionados a estes três grandes eixos são discutidos os conceitos de midiatização cinematográfica, cinema, mediações, apropriações midiáticas e identidades culturais. Tais ideias são confrontadas/revistas/ampliadas/tensionadas a partir do cenário empírico de referência que é a Ocupação Pandorga. Entendendo que “as perspectivas teóricas necessitam de articulações e de reformulações renovadas e inventivas para dar conta das transformações dos contextos comunicacionais/midiáticos contemporâneos” (BONIN, 2014, p. 44), procura-se repensar os conceitos a partir do que percebo iminente no fenômeno empírico investigado. Para tanto, compartilha-se com Maldonado (2014) a ideia de desenvolver uma perspectiva teórica transdisciplinar, sem restringir o olhar exclusivamente ao campo em que a pesquisa está inserida (a Comunicação), mas

Maytê Ramos Pires – Mestranda em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista GM do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 2 A Ocupação Pandorga situa-se na Rua Freitas e Castro, 191, e oferece cerca de cem atividades mensais no espaço ocupado pelo coletivo (imóvel público de posse da Coordenação de Transportes Administrativos). Embora seja um espaço de trajetória recente, com menos de um ano de existência, suas ações concretas buscam uma educação transformadora, oferecem atividades culturais gratuitas para quem estiver interessado em aderir e, também, para quem quiser propor e ampliar a oferta do coletivo - inclusas sessões comentadas de cinema alternativo. 1

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RESUMOS

movimentando-o para dar conta de múltiplos atravessamentos constitutivos do objeto. No caso da recepção, a compreensão deste processo ganha contornos diferenciados de acordo com as diferentes perspectivas em que já foi trabalhada. No viés trabalhado nesta pesquisa, de maneira simplificada, pode-se dizer que o receptor é concebido como um sujeito que não apenas recebe a mensagem sem pensar, mas que também é produtor de sentido e age nesse processo (LOPES, 2002). Na recepção de cinema, entende-se que é essencial considerar os sujeitos inseridos em classes, condicionados por e imersos em culturas e contextos diversos, que são constitutivos das suas experiências midiáticas, além de serem matriciados pelas mídias (MARTÍN-BARBERO, 2013). Logo, os sentidos produzidos e as apropriações realizadas pelos sujeitos expressam marcas do contexto sócio-histórico, cultural e midiático no qual estão inseridos, bem como marcas pessoais constituídas em suas trajetórias de vida (CERTEAU, 1994). Percebendo a importância de se pensar como as palavras carregam sentidos e que seus usos sem reflexão limitam as pesquisas na área, é importante para o campo de estudos em recepção de cinema repensar como os sujeitos estudados são denominados. Assim, é preferível tratá-los não por “espectadores” ou mesmo “observadores”, mas por sujeitos comunicantes, que são constituídos por múltiplas complexidades e atravessamentos (MALDONADO, 2014). A recepção precisa ser pensada como o processo complexo que é e que se diferencia a depender dos sujeitos envolvidos no recorte que se propõe olhar em uma investigação científica, pensando em termos de culturas, relações de poder, competências, tecnologia, políticas públicas, e os múltiplos fatores que cercam tais questões – perspectiva que está sendo desenvolvida nesta investigação, e que será trabalhada na apresentação. Referências

BAECQUE, Antoine de. Cinefilia. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

BONIN, Jiani Adriana. Problemáticas metodológicas relativas à pesquisa de recepção/produção midiática. In: MALDONADO. A. E. (Org.). Panorâmica da investigação em comunicação no Brasil: processos receptivos, cidadania, dimensão digital. 1. ed. Salamanca: Comunicación Social Ediciones y Publicaciones, 2014, v. 1, p. 41-54. BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007. p. 162-211. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

FERNÁNDEZ PORTA, Eloy. La Bienal de Gotham. In: VVAA. Batman desde la Periferia. Un libro para fanáticos o neófitos. Barcelona – ESP: Ediciones Alpha Decay, 2013, p. 69-102.

GARCÍA CANCLINI, Néstor. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 8. ed. 1ª reimpr. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010. _____. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 1997 HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre revoluções do nosso tempo.

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RESUMOS RESUMOS

Educação e Realidade, Porto Alegre, v.22, n. 2, p.15-45, jul/dez 1997a.

_____. A identidade cultural da pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2006. _____. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

HENRIQUES, Marco Polo Ribeiro. Harry Potter em Paraisópolis: Contribuições para compreensão da recepção da obra no posicionamento local/global. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 37., 2014, Foz do Iguaçu. Anais... São Paulo: Intercom, 2014. CD-ROM. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2015. LOPES, Maria Immacolata Vassalo de (Org.) [et al]. Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002.

LUNARDELLI, Fatimarlei. O cineclubismo e a centralidade do cinema: debate cultural em Porto Alegre na metade da década de 60. In: MACHADO, Márcia Benetti; MORIGI, Valdir Jose (orgs). Comunicação e práticas culturais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007. _____. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.

MALDONADO, Alberto Efendy. Perspectivas transmetodológicas na pesquisa de sujeitos comunicantes em processos de receptividade comunicativa. In: _____. Panorâmica da investigação em comunicação no Brasil/ Processos receptivos, cidadania, dimensão digital. 1ed.Salamanca: Comunicación Social/ Ediciones y Publicaciones, 2014, v. 1, p. 17-40.

_____. Produtos midiáticos, estratégias, recepção. A perspectiva transmetodológica. Ciberlegenda, Rio de Janeiro, n.9, p.1-15, 2002. Disponível em: . Acesso em: 26 set. 2011.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA, M. W. de (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 2002. p. 39-68.

_____. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2013.

MASCARELLO, Fernando Soares. Notas para uma teoria do espectador nômade. Novos Olhares, São Paulo, n.7, p. 4-20, jan./jun., 2001. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2014. _____. Procura-se a Audiência Cinematográfica Brasileira Desesperadamente, ou Como e Por Que os Estudos Brasileiros de Cinema Seguem Textualistas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 33, 2010, Caxias do Sul. Anais... São Paulo: Intercom, 2010. CDROM. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2014.

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RESUMOS RESUMOS

MATTELART, Armand. As condições da renovação. In: MATTELART, Armand; NEVEU, E. Introduções aos estudos culturais. São Paulo: Parábola, 2004. OROZCO GÓMEZ, Guilhermo. Educomunicação: recepção midiática, aprendizagens e cidadania. São Paulo: Paulinas, 2014. REPOLL, Jerónimo. Arqueologia de los estudios culturares de audiencia. Ciudad de México: Universidad Autônoma de la Ciudad de México, 2010. p. 155-193.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2002.

SILVA, Dafne Reis Pedroso da. Hoje tem cinema: a recepção de mostras itinerantes organizadas pelo Cineclube Lanterninha Aurélio. 2009. 288 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), 2009. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2013. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002.

SOUSA SANTOS, Boaventura de. A globalização e as ciencias sociais. São Paulo: Cortez, 2002.

VAZ, L. F.; JACQUES, P. B. “Pequeno histórico das favelas no Rio de Janeiro”. Agencia de Noticias das Favelas. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: . Acesso em 13 abr. 2016.

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RESUMOS RESUMOS

RESUMOS #7 Recepção e Gênero

Estudos de recepção, gênero e sexualidade: os usos sociais da internet por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros em Santa Maria-RS Carolina Bonoto1

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Inicialmente criada para comunicação entre máquinas, a internet, hoje, revoluciona as relações sociais expandindo fronteiras e rompendo barreiras espaçotemporais. O sentimento de pertencer a uma comunidade global e a convergência de pessoas por interesses comuns, independente de nacionalidades, classes sociais, etnias, gêneros ou sexualidades, tem sido um dos mais importantes fenômenos trazidos pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Na internet, os indivíduos encontram um espaço alternativo para disseminar ideias, trocar opiniões e politizar a massa virtual, redirecionando o fluxo único de informações da mídia hegemônica. Hoje, os usos e apropriação da internet, assumem uma posição fundamental na luta dos movimentos sociais. A emergência de um ambiente alternativo para difusão de informações possibilita que os indivíduos encontrem múltiplos sentidos para suas experiências de vida, consumam materiais simbólicos positivos para a composição de suas identidades e ampliem as possibilidades de interação e de organização enquanto movimento minoritário. Podemos entender os movimentos sociais contemporâneos como uma rede que conecta sujeitos e organizações, expressões de diversidades culturais e de identidades abertas em permanente constituição, que buscam reconhecimento de sua cidadania na sociedade civil. A comunicação em rede possibilita novos processos discursivos de produção e construção de uma realidade para além daquela imposta pela normatividade atual. Na perspectiva de Castells (2003), as tecnologias de informação garantem a interatividade, tanto entre os cidadãos quanto entre os distintos atores na sociedade, públicos ou privados. Nesse sentido, o presente artigo se propõe a analisar criticamente, a partir da matriz teórica dos Estudos Culturais, os usos e apropriações sociais da internet por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, na cidade de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul. Nosso objetivo central é compreender de que maneira estas minorias

Carolina Bonoto – Graduada, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestranda, Programa de Pós Graduação em Comunicação – POSCOM/UFSM. 1

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políticas utilizam a internet para expandir o alcance de informações e agir como lugar de visibilidade fornecendo uma perspectiva crítica a cerca de assuntos ainda negligenciados pela mídia hegemônica e, ainda, favorecendo o exercício da cidadania. A aproximação com os Estudos Culturais fundamenta-se no reconhecimento de ser um de seus eixos principais “as relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e mudanças sociais” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 88). A abordagem metodológica escolhida para a realização desta proposta enquadra-se nos modelos dos estudos de recepção, com destaque para a Teoria das Mediações de Martín-Barbero, que propiciaria a captação das experiências culturais a partir do contexto onde elas se realizam, escapando da lógica bipolar “produção-consumo”. No enfoque dos estudos culturais o receptor ganha mais poder, deixando de ser visto como um sujeito passivo e passando a ser entendido como alguém que re-significa o que consome, que constrói sentidos. Referências

BRIGNOL, Liliane; COGO, Denise. Redes sociais e os estudos de recepção na internet. Matrizes: São Paulo, ano IV, nº 2 jan./jun, p. 75-92. 2011.

Castells, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. ESCOSTEGUY. Ana Carolina. Cartografias dos estudos culturais: uma versão latinoamericana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de janeiro: dp&a; 2005.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.

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RESUMOS

Articulações entre o Queer e o Pop: a recepção de notícias do Papel Pop por pessoas LGBTs Christian GONZATTI1

Unisinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul O trabalho propõe entender como se dá a recepção das notícias da produção jornalística Papel Pop por pessoas LGBTs2 específicas. A motivação da pesquisa emerge da tentativa do autor de ampliar a relação crítica com o objeto empírico de referência e tensionar a relação de algumas LGBT’s com a cultura pop (SOARES, 2015), a fim de compreender como determinadas produções midiáticas podem potencializar ativismos que conversam com o queer (LOURO, 2013)3. Parte-se de uma problematização teórica em torno das especificidades da cultura digital que emergem na contemporaneidade e que sinalizam transformações no jornalismo e em algumas práticas socioculturais, como a conversação em sites de redes sociais (RECUERO, 2014). Deste ponto, problematiza-se, também, o conceito de cultura pop buscando entender as suas especificidades para, então, discutir e contextualizar questões que conversam com o queer em sites de redes sociais. Assim, com um cenário teórico que conversa com o objetivo da pesquisa, desenvolve-se o tensionamento de entrevistas realizadas com pessoas LGBT’s que atendem a critérios específicos. As entrevistas foram realizadas em outubro de 2015 dentro de um grupo de discussão online (KOZINETS, 2014) criado no Facebook. As pessoas entrevistadas foram selecionadas através de uma pesquisa exploratória na página do Facebook do Papel Pop, o que possibilitou a identificação de atores e atrizes sociais que acompanhassem a produção jornalística desenvolvida pelo site. Desse movimento exploratório, foi criado um arquivo com pessoas que se mostravam interessantes aos objetivos da pesquisa. A seguir, foi realizada uma filtragem dos atores e atrizes sociais a partir de um contato prévio que teve como critérios o grau de interesse, no sentido Christian Gonzatti – Mestrando em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de taxa, CAPES. 2 A sigla LGBT representa as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais e Travestis. Atualmente, discute-se no movimento a mudança das letras para LGBTTTQIA+, devido a necessidade de incluir as identidades trans, queers, intersexuais, assexuadas e outras. 3 Os estudos queers emergem das teorias feministas e desdobram-se sobre questões de gênero e sexualidade diversas, a partir de pessoas que não se enquadram na heteronormatividade: lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, gêneros fluídos, etc. 1

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empolgação e melhor afinidade com a área da comunicação, e aspectos mais ativistas em relação a suas identidades LGBT’s. O tensionamento das entrevistas a partir de aspectos de alguns estudos de recepção (BONIN, 2014; MALDONADO, 2015) possibilitou a compreensão de competências midiáticas desenvolvidas pelos atores e atrizes sociais entrevistadas. Características do queer são acionadas a partir da cultura pop pautada pelo site e aparecem nas entrevistas, sinalizando que pessoas LGBT’s que exercem determinado ativismo social, e que se relacionam com aspectos comunicacionais mais profundamente, consomem o objeto empírico de referência com um olhar mais apurado e crítico em torno dos signos que emergem em torno dele. Em se tratando de naturezas mais metodológicas, a pesquisa demonstra que há, no ambiente digital, determinadas potencialidades que podem ser apropriadas pelos estudos de recepção. Referências

BONIN, Jiani. Desafios na construção de pesquisas de recepção em mídias digitais em perspectiva transmetodológica. In: BRIGNOL, L; BORELLI, V (orgs.) Pesquisa em recepção (recurso eletrônico): relatos da Segunda Jornada Gaúcha/ organizadoras Liliane Dutra Brignol, Viviane Borelli.- Santa Maria: FACOS- UFSM, 2015. KOZINETS, Robert. Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. Porto Alegre: Penso, 2014.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho- ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. MALDONADO, Alberto Efendy. Perspectivas transmetodológicas na pesquisa de sujeitos comunicantes em processos de receptividade comunicativa. In: MALDONADO, Alberto Efendy (Org.). Panorâmica da investigação em comunicação no Brasil, 1 ed. Salamanca Espanha: Comunicación Social y Publicaciones, v.1, p. 17-40, 2014. RECUERO, R. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e redes sociais na Internet. 2ª edição, 2014. 238 p.

SOARES, Thiago. Percursos para estudos sobre música pop. In: SÁ, Simone Pereira de; CARREIRO, Rodrigo; FERRAZ (orgs). Cultura Pop. Salvador : EDUFBA ; Brasilia : Compós, 2015.

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Dos Sentidos Queers em Sense8: a ressignificação da narrativa através dos processos de recepção, remixabilidade e espalhamento em sites de redes sociais Kélliana BRAGHINI1 Christian GONZATTI2

Unisinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul O trabalho pretende analisar e entender os sentidos que emergem do movimento de ressignificação da narrativa de ficção seriada protagonizado pelos fãs de Sense83 em sites de redes sociais na perspectiva da recepção (BONIN, 2015) e do espalhamento (JENKINS, FORD, GREEN, 2014). A partir de uma pesquisa exploratória específica no Facebook, na página Sense8 da Depressão4, tendo como base a metodologia experimental denominada como construção de sentidos em redes digitais (HENN, 2014), foram identificadas algumas processualidades em torno da recepção da série que potencializam os sentidos queers (LOURO, 2013) da narrativa original. Na primeira parte do trabalho buscamos contextualizar, a partir da série Sense8, o estágio atual da técnica, que permite a usuários comuns a manipulação de produtos artísticos retirando-os de seu invólucro original (BENJAMIN, 1986) e gerando constantes atualizações de seus sentidos a partir do processo de espalhamento (JENKINS, FORD, GREEN, 2014) e remixabilidade (MANOVICH, 2014). Neste sentido, entende-se que a produção audiovisual seriada tem demonstrado um forte potencial desencadeador de processos convergentes. A pureza técnica e estética dos produtos midiáticos\artísticos já não é possível nem desejável, pois conforme Kilpp (2010), eles resultam de conexões e produzem outras. A autora entende que vivemos um processo de “audiovisualização da cultura” pelos usos e apropriações que são feitos dos arquivos imagéticos. Partimos, daí, para um tensionamento teórico em torno da 1 Kélliana Braghini – Mestranda em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de taxa, CAPES. 2 Christian Gonzatti – Mestrando em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de taxa, CAPES. 3 Sense8 é uma série produzida pela Netflix que tem como foco a relação de oito pessoas ao redor do mundo que vivenciam culturas diferentes. 4 Disponível em:. Acesso: 20 jun. 2016.

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RESUMOS RESUMOS

teoria queer (LOURO, 2013) que sinaliza aspectos importantes em relação aos sentidos inaugurados em torno do nosso objeto empírico de referência. Percebemos, por fim, alinhando as naturezas metodológicas e teóricas do trabalho, que questões queers que emergem na série são ressignificadas e potencializadas em contextos que fogem ao universo da narrativa e ganham vida própria, sinalizando, assim a construção de processos de recepção mais performativos e que sinalizam sentidos que fogem da lógica da heteronormativa em sites de redes sociais. Referências

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BONIN, Jiani. Desafios na construção de pesquisas de recepção em mídias digitais em perspectiva transmetodológica. In: BRIGNOL, L; BORELLI, V (orgs.) Pesquisa em recepção (recurso eletrônico): relatos da Segunda Jornada Gaúcha/ organizadoras Liliane Dutra Brignol, Viviane Borelli.- Santa Maria: FACOS- UFSM, 2015. HENN, Ronaldo. El Ciberacontecimiento: producción y semiosis. HENN, R. 2014. Barcelona, Editorial UOC, 2014.

JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Editora ALEPH, 2014. KILPP, Suzana. Imagens conectivas da cultura. In: ROCHA, Alexandre; KILPP, Suzana; ROSÁRIO, Nísia (Org). Audiovisualidades da cultura. Porto Alegre: Entremeios Editora, 2010.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho- ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. MANOVICH, Lev. El software em acción. In: El software toma el mando (2014). Disponível em: Acesso em: 20.06.2016.

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RESUMOS RESUMOS

Consumo midiático de mulheres da “ralé”: gênero e classe social em foco Lírian SIFUENTES1

PUCRS, Porto Alegre, RS O objetivo deste trabalho é conhecer e refletir acerca do consumo midiático de mulheres da “ralé” brasileira. A denominação “ralé”, tomada de Jessé Souza (2009), não é usada de forma pejorativa, para ofender uma classe já tão marginalizada, mas para chamar atenção para essa exclusão estrutural. É uma classe desprovida de prédisposições básicas – como disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo – que permitem a organização familiar, o sucesso escolar e profissional. O entendimento sobre o conceito de classe social, bem como de habitus e capitais, parte das reflexões de Pierre Bourdieu e Jessé Souza. Embora não haja consenso sobre a classificação das classes sociais, é preciso estabelecer um critério. Assim, decidimos tomar como ponto de partida para identificação das classes a estratificação por ocupações, pois essas carregam consigo aspectos econômicos, educacionais e de reconhecimento social. Assim como Costa (2013, p. 52), pensamos que o “trabalho condiciona a posição social ao agregar não apenas a renda, mas as condições de vida e segurança dos trabalhadores”. Para a ralé, “explorada como corpo” (MATTOS, 2009), a carência das pré-disposições sociais referidas impedem o poupar e o amparo para o futuro – que pode ser considerado privilégio das classes dominantes. A ralé estaria, assim, “condenada a ser ‘corpo’ sem alma ou mente” (SOUZA, 2009, p. 122), reduzida a energia muscular (Idem, 2013). Tendo em vista tal contexto, realizamos um estudo do consumo midiático desse grupo, levando em consideração principalmente sua condição de classe e de gênero. Entendemos o estudo de consumo midiático como aquele que focaliza a relação do público com os meios ou com um gênero, sem atentar para a decodificação de mensagens específicas. Preocupa-se em estudar como o contexto do receptor afeta a experiência midiática e como essa impacta o indivíduo. Na pesquisa empírica, desenvolvida ao longo de 18 meses, fizemos uso de entrevista semiaberta, formulário e observação participante. São pesquisadas quatro mulheres, entre 27 e 37 anos, residentes em Porto Alegre ou região metropolitana. Elas são, em dois casos, diarista, em um, auxiliar de serviços gerais e, em outro, desempregada. Notamos que as Lírian Sifuentes – Doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Pesquisadora no Departamento em Comunicação da PUCRS. 1

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RESUMOS RESUMOS

restrições e carências desse grupo vão além do aspecto econômico, incluindo, queremos ressaltar, as perspectivas de futuro. Elas não possuem muitos projetos para si, cabendo, talvez, a seus filhos realizarem os sonhos dessas mães. Suas vidas se resumem à casa e ao trabalho. Nem mesmo na esfera amorosa elas encontram alento para amenizar as dificuldades cotidianas e o passado difícil. Sobre o consumo de mídia, evidencia-se a presença da televisão e do rádio como mídias dominantes. A internet não foi tão assimilada, uma vez que duas nunca tiveram a experiência de se conectar à rede e as outras duas não a acessam rotineiramente, limitando-se ao uso do Facebook. Por fim, as raladoras fazem uma análise conservadora da representação da mulher na mídia, enfocando aspectos comportamentais femininos, classificando as personagens femininas como “vulgares” e “interesseiras”. Referências

COSTA, Luci Cortes da. Classes médias e as desigualdades sociais no Brasil. In: BARTELT, Dawid Danilo (Org.). A “nova classe média” no Brasil como conceito e projeto político. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2013. p. 43-54 MATTOS, Patrícia. A dor e o estigma da puta pobre. In: SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 173-201

SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

______. A insivibilidade da luta de classes ou a cegueira do economicismo. In: BARTELT, Dawid Danilo (Org.). A “nova classe média” no Brasil como conceito e projeto político. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2013. p. 55-68

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RESUMOS RESUMOS

Sofrimento e Resistência Enunciados no Facebook: a Circulação da Experiência da Dor em “Eu Não Mereço Ser Estuprada” Marlon Santa Maria DIAS1

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Em 28 de março de 2014, a jornalista Nana Queiroz publicou em seu perfil no Facebook uma fotografia tirada em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, na qual aparece seminua, da cintura para cima, cobrindo os seios com os braços, onde lemos a seguinte inscrição: “não mereço ser estuprada”. A imagem que circulou nas redes sociais digitais, nos sites de notícia, blogs e nos veículos de mídia tradicional era um protesto em resposta a uma pesquisa divulgada no dia anterior pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cujos dados apontavam a concordância da maioria dos respondentes à afirmação: “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O protesto desencadeou a mobilização digital “Eu não mereço ser estuprada”. A produção discursiva de atores, campos e mídias acerca dessa mobilização foi nosso objeto empírico de estudo no mestrado e, agora, no contexto desta Jornada, apresentamos alguns resultados a partir de um recorte com foco em uma problemática da recepção examinada por um outro lugar, o da circulação. Partimos de uma discussão sobre a midiatização da sociedade (VERÓN, 1997; SODRÉ, 2002; FAUSTO NETO, 2006, 2008; BRAGA, 2007), compreendendo-a como um fenômeno social, mas também enquanto os próprios mecanismos que a fazem funcionar, engendrando complexidades resultantes da instalação de novos modos de interação social (SODRÉ, 2002) e da transformação cada vez mais frequente de tecnologias em meios (FAUSTO NETO, 2008). Essas complexidades que envolvem processos midiáticos e sociais se desenvolvem em uma nova ambiência (midiatizada), que estrutura e organiza os sentidos e que se reconfigura a partir de operações midiáticas e de novas práticas de interação dos atores. Nesse cenário, desponta a problemática da circulação, que deixa de ser um lugar de passagem, em que os discursos transcorriam numa lógica linear, para se transformar no locus de um outro tipo de trabalho enunciativo dos atores (FAUSTO NETO, 2012). Essa nova atividade de circulação acentua a descontinuidade entre as lógicas de produção e de recepção, num processo de acoplamentos que, longe de apontar para

Marlon Santa Maria Dias é mestre em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 1

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RESUMOS RESUMOS

uma convergência de sentidos, se realiza segundo postulados de divergência (FAUSTO NETO, 2015). Nesse sentido, o “Eu não mereço ser estuprada” se constitui (enquanto mobilização e acontecimento) por meio de discursos construídos através de um trabalho enunciativo próprio de diferentes sistemas, mas que se encontram e sofrem injunções desse atravessamento decorrente da atividade circulatória (DIAS, 2016). Por meio de uma observação encoberta não participativa (JOHNSON, 2010), coletamos postagens dos atores membros de um grupo de discussão do Facebook nomeado “Eu não mereço ser estuprad@ [OFICIAL]”, ambiente criado em decorrência da mobilização emergente. Elegemos o primeiro mês de observação do grupo para fazer o recorte e separar as postagens analisadas, que compõe o corpus analítico deste trabalho. Com o aporte teórico-metodológico da semiologia dos discursos sociais (VERÓN, 2005; PERUZZOLO, 2004), analisamos as estratégias discursivas que compõe os processos de enunciação da mobilização dos atores e apontamos, especialmente, para a criação de redes interativas de aconselhamento e de trocas de experiência sobre as violências sofridas. Nosso esforço se concentra, portanto, em compreender este receptor enquanto um “corpo-significante” (FAUSTO NETO, 2015), instância de produção e circulação de signos, que exterioriza signos de um trabalho enunciativo da dor. A partir da análise da interação discursiva, percebemos as relações entre aquilo que é vivido e o que é narrado pelas vítimas de abusos (DAS, 2007), as potencialidades dessas narrativas enquanto expurgação da dor e os arranjos dos atores interconectados em torno não só da resistência e do combate às opressões da sociedade machista, mas também na formação de redes de ajuda e empoderamento. Referências BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. In: MÉDOLA, Ana Sílvia; ARAUJO, Denize; BRUNO, Fernanda (org.). Imagem, Visibilidade e Cultura Mediática. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 141-167. DAS, Veena. Life and words: violence and the descent into the ordinary. California: University of California Press, 2007.

DIAS, Marlon Santa Maria. A circulação de sentidos em “Eu não mereço ser estuprada”: uma leitura do acontecimento midiatizado. 2016. 167 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2016. FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização, prática social: prática de sentido. In: Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação e Comunicação (COMPÓS), 15, Bauru/SP. Anais eletrônicos. 2006.

______. Fragmentos de uma “analítica” da midiatização. Matrizes. São Paulo: ECA/USP, ano 1, nº 1, 2008, p. 89-105. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2014.

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RESUMOS RESUMOS

______. Narratividades jornalísticas no ambiente da circulação. In: PICCININ, Fabiana; SOSTER, Demétrio. (Org.). Narrativas comunicacionais complexificadas. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2012. ______. Recepção, 'corpo-significante' em circulação. In: BRIGNOL, Liliane Dutra; BORELLI, Viviane. Pesquisa em recepção: relatos da Segunda Jornada Gaúcha. Santa Maria: FACOSUFSM, 2015, p. 17-24.

JOHNSON, Telma. Pesquisa social mediada por computador: questões, metodologias e técnicas qualitativas. Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

PERUZZOLO, Adair Caetano. Elementos de semiótica da comunicação: quando aprender é fazer. Bauru: EDUSC, 2004. SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho. Petrópolis: Vozes, 2002.

VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Revista Diálogos de la Comunicación, n.48, Lima: Felafacs, 1997. ______. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2005.

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RESUMOS RESUMOS

#PrimeiroAssedio: Quando a Tela da TV é Só o Começo Sandra DEPEXE1 Gabriela GELAIN2 Luiza Betat CORRÊA3

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS A noção de que a cultura da convergência (JENKINS, 2009) propicia o trânsito de audiências, de receptoras a emissoras (OROZCO GÓMEZ, 2011), é nosso ponto de partida para avaliar como a prática de consumo simultâneo TV-internet pode colocar em circulação e promover ações que extrapolam o conteúdo televisivo. Nos referimos aos comentários da audiência do programa televisivo Master Chef Júnior (Rede Bandeirantes, 2015), os quais colocaram em evidência a cultura do assédio, sobretudo de caráter pedofélico (TIBURI, 2015), e como essa visibilidade tornou-se instrumento para uma campanha em uma rede social online. De tal forma, o texto pretende compreender os usos e apropriações do Twitter e os sentidos circulantes na #primeiroassedio. Em 20 de outubro de 2015, ocorreu a estreia da versão infantil do popular programa culinário “Master Chef Brasil”. Denominado “Master Chef Júnior”, a primeira edição do reality reuniu crianças de 9 a 12 anos, as quais experimentavam o cotidiano de um chefe de cozinha. Como tradicionalmente ocorre com a versão adulta, vários foram os comentários direcionados à exibição do programa na rede social Twitter. Ao mesmo tempo em que manifestações ressaltavam o nível dos concorrentes, se sobressaíram tweets com conteúdo sexual direcionados a uma das participantes, uma menina de 12 anos. No dia seguinte ao fato, o coletivo feminista “Think Olga” lançou uma campanha através da hashtag “#primeiroassedio” pelo Twitter, incentivando as mulheres a compartilharem relatos da primeira vez em que foram assediadas, Sandra Depexe - Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Docente do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Gabriela Gelain - Mestranda em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 3 Luiza Betat Corrêa - Bacharel em Comunicação Social - Produção Editorial, pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 1

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RESUMOS RESUMOS

mostrando que os casos de ataque a crianças e adolescentes são comuns e não problematizados. A utilização de uma rede social para evidenciar a cultura do assédio nos leva a pensar o ciberespaço como um lugar que possibilita a expressão da cidadania. Conforme Peruzzo (2012), a World Wide Web revolucionou as relações sociais e culturais ao servir o interesse público e favorecer a construção coletiva do conhecimento. Especialmente no contexto feminista, a internet tem se mostrado como o principal meio para a circulação das ideias e ações feministas (CANCLINI, 1998). Tais noções nos aproximam da ideia de ciberativismo - uma forma de ativismo desempenhada por meio de meios eletrônicos - que proporciona transparência na informação, considerada um direito humano. Metodologicamente, este estudo de caso enfrenta os desafios de se observar a circulação na internet, em um campo de pesquisa ainda incipente (PIENIZ; WOTTRICH, 2014), que exige atenção quanto ao caráter privado e pessoal que as experiências monitoradas assumem e sua implicação ética (FLICK, 2009). Coletamos, por meio do software NCapture do NVivo, 18 mil tweets4 com a #primeiroassedio e como recorte empírico, optamos por analisar os comentários dos 30 usuários mais replicados de nossa amostra. A escolha se enquadra nas preocupações em avaliar como a rede social se dinamiza, a partir da noção de que a conectividade também é capaz de gerar liderança e “apoderamento de todos os participantes” (OROZCO GÓMEZ, 2014, p.142). A partir das auto-descrições na rede social, os 30 perfis selecionados foram agrupados em cinco categorias: “institucional”, “pessoa não pública”, “pessoa pública/celebridade”, “fakes” e “sem identificação”5. Esta categorização nos permitiu uma maior compreensão dos sentidos empreendidos na criação e réplica dos tweets disseminados por estes perfis. Em relação aos tweets, constatamos que o conteúdo das frases envolviam relatos de assédio, a importância de denunciar, e críticas ao comportamento masculino em relação à hashtag e à cultura do assédio. Embora o tema tenha tomado visibilidade na rede, em sua circulação fica evidente a deslegitimação que as reivindicações feministas ainda sofrem, visto que o assédio às mulheres é tido como algo normal. Referências CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 2 ed. São Paulo: Edusp, 1998. FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. JENKINS, H. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009.

Coleta realizada dia 22 out. 2015 às 19h25min, deste total 4.520 mensagens são tweets e 13.480 são retweets. 5 Agrupamos nesta categoria aqueles perfis os quais a localização na rede social Twitter não foi possível (como perfis excluídos e banidos). 4

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RESUMOS RESUMOS

OROZCO GÓMEZ, G. La condición comunicacional contemporánea. Desafíos latinoamericanos de La investigación de las interacciones en la sociedad red. In: JACKS, N. et al. (Orgs.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. QuitoEcuador: CIESPAL, 2011. p. 377–408. _____. A explosão da dimensão comunicativa: implicações para uma cultura de participação das audiências. In: ROCHA, R. M.; OROFINO, M. I. R. (Orgs.). Comunicação, consumo e ação reflexiva: caminhos para a educação do futuro. Porto Alegre: Sulina, 2014. p.129-150. PERUZZO, C.M.K. A comunicação no desenvolvimento comunitário e local, com cibercultur@. Encontro Anual da COMPÓS, 21. Juiz de Fora. Anais… Juiz de Fora: Compós, 2012, p.1-15.

PIENIZ, M.; WOTTRICH, L. H. Receptores na Internet: desafios para o contexto de trânsito das audiências. In: JACKS, N. (Org.). Meios e audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014. p. 73–94. TIBURI, M. Como conversar com um facista. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.

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RESUMOS RESUMOS

Estudos de gênero: proposições e análises das pesquisas em recepção de 2010 a 2015 Tainan Pauli TOMAZETII1 Paula CORUJA2 Valquíria Michela JOHN3 UFRGS, Porto Alegre, RS O presente trabalho tem o objetivo de produzir uma reflexão sobre a produção

de teses e dissertações, elaboradas entre 2010 a 2015, nos 45 programas de pósgraduação da área da Comunicação no Brasil sob o viés dos estudos de recepção na

interface com as temáticas e discussões de gênero. Compreendemos que esse campo

de estudos é amplo e, por assim ser, possui suas próprias disputas e divergências conceituais. Nesse sentido, entendemos que o conceito de gênero está assegurado por

constantes ressignificações que trasnversalizam a sua dinâmica relacional e

historicamente variável. Não sendo este, por sua vez, um contexto teórico tranquilo, e

nem ao menos tributário do campo das teorias da comunicação, seu tensionamento e

reflexão pode e deve ser estendido, sob o ângulo crítico, na reflexão a respeito de seus usos e definições nas pesquisas da área, de modo a verificar as possibilidades de

construto e/ou redefinição teórico-empírica que as investigações do campo da

comunicação podem vislumbrar ao conceito, assim como fazem as demais disciplinas sociais.

Tainan Pauli Tomazetti – Mestre em Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Doutorando do curso de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 2 Paula Coruja – Especialista em Comunicação e Marketing, Centro Universitário Internacional, Uninter. Mestranda do curso de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 3 Valquíria Michela John – Doutora em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora da Universidade Federal do Paraná - UFPR. 1

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RESUMOS RESUMOS

Dessa maneira, seguimos o mesmo critério já adotado em produção semelhante

anterior (JOHN; COSTA, 2014, p. 217), definindo que o conceito de gênero, de um

modo geral, “refere-se à institucionalização social das diferenças sexuais; é um

conceito usado por aqueles que entendem não apenas a desigualdade sexual, mas muitas das diferenças sexuais como socialmente construídas” (OKIN, 2008, p.306).

Esse estudo, que faz parte das atividades realizadas pelo Núcleo de Pesquisa e

Recepção Midiática do PPGCOM/UFRGS, é tributário de um esforço empregado em publicações anteriores (JACKS, MENEZES, PIEDRAS, 2008; JACKS, 2014), que realizam o panorama e a análise dos estudos de recepção no Brasil desde a década de 1990.

Desde a primeira publicação já víamos que vários dos estudos de recepção,

apesar de trazerem mulheres como informantes da pesquisa, não tensionavam e

problematizavam a categoria de gênero (JACKS, MENEZES, PIEDRAS, 2008, p.186). A despeito do aumento no número de trabalhos sobre a temática defendidos entre 2000

e 2009, de 22 para 30, (JACKS, 2014), ainda nota-se que mesmo de trazendo recortes com mulheres no cerne do objeto, apenas metade dos trabalhos faz alguma

problematização sobre as relações de gênero. Das 15 pesquisas com mulheres que

discutiram a recepção midiática, apenas 10 discutem de modo mais efetivo as identidades de gênero.

O conceito de gênero, tal como o conhecemos em teoria, advém das ciências

sociais e se refere à construção social dos corpos sexuados. Isso significa dizer que,

em uma perspectiva sociocultural, a classificação binária dos seres humanos enquanto homens e mulheres é subtraída do unívoco padrão anatômico para dar

lugar a premissa de que ambos são fruto de processos de generificação e

padronização cultural. O conceito ambiciona, nesse sentido, desmistificar as universalidades que designaram o masculino e o feminino como exclusivos da

natureza biológica para tratá-los enquanto produtos de relações sociais baseadas em

estruturas de poder e dominação. O gênero, assim, é percebido enquanto uma

categoria conceitual de importante complexidade e reconhecível polissemia nas esferas socioculturais.

O aprofundamento do conceito, sob o escopo de diversas teorias e campos de

estudo, vide a importância de pensá-lo no campo da comunicação, indica que seu

debate não é tarefa fácil e requer cuidadoso reparo analítico interdisciplinar. Como 148

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RESUMOS RESUMOS

apontou Escosteguy (2008) em pesquisa sobre o tema, é um grande desafio estudar

comunicação sob uma perspectiva de gênero, pois este campo permite inúmeras

abordagens a respeito da relação dos sujeitos com as mídias e as múltiplas formas de

interatuação e comunicação social. Dentro desse escopo, os estudos de recepção ainda merecem maior aprofundamento por evidenciarem as problemáticas dessas relações.

Referências

ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e Gênero: a aventura da pesquisa. Porto Alegre: Edipucrs, 2008.

JACKS, N.; MENEZES, D.; PIEDRAS, E. Meios e audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2008.

JACKS, Nilda (org). Meios e Audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014. JOHN, V.; COSTA, F. Mulheres, identidade de gênero e sexualidade: problemáticas e desafios a partir do recorte por sexo. In.: JACKS, Nilda (org). Meios e Audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014. OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Estudos Feministas. Florianópolis, v.16, n.2, p.305-332, 2008.

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RESUMOS RESUMOS

RESUMOS #8 Recepção em Jornalismo

A Interação com a Notícia: Uma Análise do Comportamento do Público no Site e Fanpage da Rádio Cidade AM de Brusque/SC André Felipe SCHLINDWEIN1 Valquiria Michela JOHN2

Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, Santa Catarina Este trabalho analisa a interação feita entre internautas e veículo de comunicação através dos comentários de publicações online. Para a análise foi escolhido o site e fanpage da Rádio Cidade AM, de Brusque, Santa Catarina. O veículo está em funcionamento desde a década de 80, sendo uma das duas rádios AM presentes na cidade. Em seu site, a Rádio Cidade disponibiliza algumas plataformas de interação como curtir e compartilhar do Facebook, e os botões de interação do Google+ e Twitter. Além disso, abaixo de cada matéria publicada, existe o espaço de comentários através da plataforma fornecida pelo Facebook. A pesquisa busca compreender a forma como as pessoas analisam e interagem com o conteúdo noticioso publicado pela Rádio Cidade online. Desta forma verificar quais as editorias com maior participação dos internautas através dos comentários, bem como entender como a interação é feita através do site e fanpage da emissora, além de verificar se existe a participação do veículo nesse ambiente. Zago e Bastos (2013) destacam que, ao longo dos anos a maneira de distribuição de mídia tem sofrido alterações e que o surgimento da internet como forma de distribuição, faz parte dessa transformação. Assim, veículos de comunicação têm usado as plataformas online como meio de distribuição de seu conteúdo. A relação do cidadão com a notícia também passou por transformação com as novas tecnologias, como cita Primo (2011). Ainda segundo Primo, é quem consome conteúdo que avalia a importância de cada veículo, sem necessariamente verificar a origem. Para Cunha (2013) a internet possibilita a difusão de diferentes conteúdos, além disso, eles podem ter retorno em tempo real. Assim, veículos de comunicação optam pela divulgação de seu material em sites e redes sociais. Com essas transformações,

Acadêmico do 7o. período do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Orientadora da pesquisa. Doutora em Comunicação pelo PPGCOM/UFRGS. Professora do curso de Jornalismo da Univali e do Decom/UFPR. 1 2

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RESUMOS RESUMOS

Zago e Bastos (2013) destacam que estratégias como divulgação de conteúdo no Facebook são importantes para atrair o leitor. Jenkins, Green e Ford (2014) chamam esse tipo de pratica de compartilhamento de produção de propagabilidade. O procedimento de coleta para a análise do material de pesquisa foi realizado entre 30 de agosto e 5 de setembro de 2015. Assim, coletando todos os comentários publicados no site e fanpage da Rádio Cidade AM. A partir dos dados coletados, foi realizada a análise e comparação do material para verificação de dados de audiência e manifestação nos dois ambientes on-line utilizados pelo veículo. Desta forma, o procedimento foi o de categorizar as publicações, separando as editorias em diferentes categorias. Nessa etapa, o procedimento foi o da análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Também foram analisados os personagens com maior participação nos comentários, através de procedimentos da etnografia online. A etnografia, segundo Angrosino (apud FRAGOSO, RECUERO e AMARAL, 2013), serve para descrever os grupos humanos e suas formas de agir. A pesquisa aqui apresentada utiliza o método etnográfico como entendido por Fragoso, Recuero e Amaral (2013). Durante a análise dois personagens tiveram destaque Celso Deucher e Antônio Carlos Weidgenant, ambos tiveram um número elevado de participações nos comentários do site da Rádio Cidade. Celso Deucher participou ativamente no campo de comentários da notícia Movimento lançará plebiscito sobre separação de estados, publicando cinco dos 65 comentários postados, em sua maioria, respondendo e tirando dúvidas de outros internautas sobre o movimento O Sul é Meu País. Já Antônio Carlos Weidgenant comenta ativamente em diferentes publicações. Boa parte do conteúdo escrito por ele é com reclamações ou sugestões ao poder público, além de causas relacionadas a proteção de animais. Além da análise e obervação do comportamento dos personagens no âmbito online também foi realizada entrevista semi-estruturada de modo a aprofundar a compreensão quanto ao consumo de notícias nos ambientes analisados. Referências BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977

BUENO, Thaísa; REINO, Lucas Santiago Arraes. Comentários em notícias expõe o analfabetismo funcional da população brasileira. Anais... XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. Recife, 14 a 16/06/2012. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/nordeste2013/resumos/R37-0815-1.pdf

CAMINADA, Thiago Amorim. Erro jornalístico nos comentários das redes sociais: interações entre leitores e veículos. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Mestrado em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina, 2015.

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RESUMOS RESUMOS

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JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da Conexão: Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

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PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 1. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007

PRIMO, Alex Fernando Teixeira. Transformações no jornalismo em rede: sobre pessoas comuns, jornalistas e organizações; blogs, Twitter, Facebook e Flipboard. Intexto, n. 25, p. 144-161, 2011.

RECUERO, Raquel da Cunha. Teoria das redes e redes sociais na internet: considerações sobre o Orkut, os weblogs e os fotologs. Anais... XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Porto Alegre, 2004. Disponível em: http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/1219857956514188597299987954701962007 51.pdf

RIBEIRO, Fábio. Entre o ecrã e o teclado. A participação dos leitores no comentário às notícias do PÚBLICO online. International Journal of Marketing, Communication and New Media, v. 1, n. 1, 2013. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/29413

TERRA: Facebook completa 10 anos: conheça a história da rede social. 2014. Disponível em: Acesso em: 21/09/2015

ZAGO, Gabriela da Silva; BASTOS, Marco Toledo. Visibilidade de notícias no twitter e no facebook. Brazilian Journalism Research, v. 9, n. 1-2013, p. 116, 2013.

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Bela, recatada e muito além do lar: crítica da mídia em circulação Antonio CANDIDO¹

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo/RS Circulação é um conceito histórico em qualquer teoria da comunicação, mas por décadas foi vista de forma automática pela tradição funcionalista. O público reage ao que chega a ele conforme seus conhecimentos e informações, sua posição no mundo, sua pessoa. Não deixa de comentar e levar adiante, em conversas cotidianas, suas considerações sobre o que leu, ouviu ou assistiu. Na sociedade em midiatização, as pessoas passam a ter condições mais amplas de produzir e difundir conteúdo sobre mensagens recebidas. Entendemos circulação como o local em que se dá o encontro de produção e recepção, ambas com gramáticas e lógicas diferenciadas. Ao mesmo tempo em que as põe em contato, faz com que se movam em dinamicidades próprias. A circulação complexifica seus papéis ao organizá-las segundo novas dinâmicas de interface. Nessa nova ambiência midiatizada, a crítica às práticas jornalísticas realizada pelo público ganhou novos espaços. Conforme Braga, “as críticas sobre produtos midiáticos e os dispositivos sociais são os elementos mais visíveis dos processos de circulação” (2006, p. 37). Esse autor propõe que atividades de resposta produtiva e direcionadora da sociedade em interação com os produtos da mídia compõem o que ele chama de sistema de resposta social, visto por ele como o terceiro componente da processualidade midiática, juntamente com produção e recepção (BRAGA, 2006). Em 18 de abril deste ano — dia seguinte ao que a Câmara Federal aprovou o prosseguimento, no Senado, do processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef —, a versão online da revista Veja publicou um perfil da esposa do vicepresidente da República. Intitulado “Marcela Temer: bela, recatada e ‘do lar”, o texto provocou a reação de incontáveis pessoas, anônimas e famosas, nas redes sociais, contra seu conteúdo. Embora houvesse referências ao significado político do texto, o movimento em relação à caracterização contida no título, considerada sexista, suplantou largamente outros aspectos. ______________________________ ¹ Mestrando em Ciências da Comunicação no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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A repercussão foi tamanha que ocasionou a produção de matérias em diferentes meios sobre o acontecido. Houve análises comunicacionais, sociológicas, semióticas, psicanalíticas, entre outras, além de sátiras e de reportagens a respeito da ironia que marcava os memes que circularam nas redes sociais naqueles dias. Ao mesmo tempo, embora em menor volume, a publicação de Veja recebeu manifestações de apoio. Como diz Fausto Neto, na circulação “as intenções de origem perdem força, uma vez que são entregues a outras dinâmicas que fazem com que produção e recepção não possam mais controlá-las, bem como os efeitos que presumem estabelecer sobre discursos” (2010, p. 9). O corpus desta pesquisa reúne, juntamente com a reportagem publicada em Veja.com, matérias das versões online de Carta Capital, El País, Extra, Folha de São Paulo, Gazeta do Povo, O Povo e Zero Hora; os sites BBC, Observatório da Imprensa e UOL; além do site humorístico Sensacionalista, que utiliza formato jornalístico em suas sátiras, e de exemplos dos memes publicados nas redes sociais. O objetivo é analisar, pelo viés da circulação, aspectos da processualidade da crítica de práticas jornalísticas na sociedade em midiatização. Referências BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia: Dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006.

FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, Antonio y VALDETTARO, Sandra (directores). Mediatización, Sociedad y Sentido: Diálogos entre Brasil y Argentina. Coloquio del Proyecto “Mediatización, sociedad y sentido: aproximaciones comparativas de modelos brasileños y argentinos”, Rosario, 2010. Disponível em: . Acesso em 08 abr. 2016. LINHARES, Juliana. Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. Veja.com, São Paulo, 18 abr. 2016. Disponível em < http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/bela-recatada-e-do-lar>. Acesso em 19 abr. 2016.

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O leitor no jornalismo digital: o caso El Comercio e suas publicações no Facebook sobre os vendedores informais de sucos de laranja de Quito Bruno Santos N DIAS 1

Universidad Andina Simón Bolívar, Quito, Equador Os modos de fazer jornalismo têm mudado significativamente nos últimos anos. O advento das novas tecnologias de informação, além de influir diretamente nas formas de se produzir notícia, também resignificam o papel dos atores nos processos de produção, circulação e consumo da informação. Neste contexto, os jornais buscam estratégias para se adequarem a esta dinâmica e o público assume papel protagonista. O presente trabalho tem como objetivo investigar a participação do leitor no jornalismo digital contemporâneo a partir de sua atuação nas redes sociais. Tomamos como referência os discursos noticiosos produzidos pelo jornal El Comercio (Quito, Equador) e a interação do diário com seus leitores nas redes sociais, no caso da polêmica surgida a partir de matérias veiculadas no site Facebook, sobre os vendedores informais de sucos de laranja da capital equatoriana. O objetivo é analisar como se dá a relação entre produção jornalística e interação com leitores e evidenciar a participação do público frente aos enunciados compartilhados nas redes sociais como capaz de influenciar os discursos noticiosos, seus conteúdos e as publicações do diário. A partir das contribuições de Boutaud e Verón (2007), discutimos os conceitos de midiatização e interação para compreender como os jornais são afetados pela lógica digital e como isto transforma a relação com o seu público. Verón (1997) também nos aporta para pensar o aspecto coletivo dos meios de comunicação, no qual os modos de recepção configuram as condições de produção. Desde a perspectiva dos modelos enunciação (BENVENISTE, 1995), tratamos essa relação compreendendo o papel dos interlocutores na construção dos significados, que, segundo Antônio Fausto Neto (2006), na sociedade midiatizada, é resultado dos novos processos de linguagens e transformação das práticas sociais. Dessa maneira, o trabalho investiga a interação dos consumidores dos conteúdos compartilhados pelo jornal El Comercio relativo aos vendedores informais

Bruno Santos N Dias – Graduado em Comunicação Social - Jornalismo, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestrando em Estudos de Recepção, Universidad Andina Simón Bolívar – UASBEcuador. 1

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de sucos de laranja de Quito, publicados no Facebook na primeira semana de maio de 2016, para determinar como estes suscitaram reações e modificações no texto jornalístico subsequente. As análises se dão a partir dos dados coletados dos conteúdos do jornal e comentários de leitores publicados na página do jornal na mencionada rede social. Com base nestes dados e tomando como referência os aportes de Teun Van Dijk (1990; 2009), analisamos criticamente os discursos que se formam a partir desta interação para então compreender os processos de construção discursiva da notícia no espaço digital referente a um fenômeno local e sua tendenciosidade, problemas e dimensão ideológica. O presente estudo identifica as implicações que pode ter o jornalismo online ligado a certo tipo de interesses, além das práticas do jornalismo digital do meio estudado mediante o uso de sua página na internet e de redes sociais em relação ao caso proposto e como se dá expressa uma variabilidade na produção de conteúdos a partir destas interações. Referências

BENVENISTE, Emile. Problemas de lingüística general. México: Siglo Veintiuno, 1995.

BOUTAUD, Jean-Jacques; VERÓN, Eliseo. Del sujeto a los actores. La semiótica abierta las interfaces. Sémiotique ouverte: Itinéraires sémiotiques en communication. Tradução Gastón Cingolani. Paris: Hermès science publications, 2007. DIJK, Teun A. Van (Org.). El discurso como interacción social. Barcelona: Gedisa, 2009.

DIJK, Teun A. Van; GAL, Guillermo. La noticia como discurso: comprensión estructura y producción de la información . Barcelona: Ed. Paidós, 1990.

FAUSTO NETO, Antônio. Mutações nos discursos jornalísticos: “da construção da realidade” a “realidade da construção”. Brasília: [s.n.]. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2016. , 2006 VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos de la comunicación n. 48, p. 9–17 , 1997.

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Das Marginálias Discursivas à Construção do Leitor Coprodutor: um Estudo dos Comentários nas Fanpages de Folha de S.Paulo e Estadão Carlos SANCHOTENE1 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Eliseo Verón (2013) distingue dois pontos de vista sobre os processos de produção de sentido, dando lugar aos conceitos de gramáticas de produção e gramáticas de reconhecimento. A primeira centra-se no enunciador e nas condições de produção que deixam marcas fundamentais no discurso. Já a segunda, centra-se no destinatário e nos efeitos de sentido que o discurso produz sobre os indivíduos, nas situações desencadeadas pela recepção das mensagens. A distinção entre produção e reconhecimento introduz a hipótese do caráter não linear da circulação discursiva. O estudo do reconhecimento “é um estudo do leitor, mais que da leitura fundada na análise do discurso do leitor. Por meio desse último, somos levados a reconstituir operações cognitivas e avaliativas que remetem a representações sociais cujo suporte é o sujeito” (VERÓN, 2005, p.260). Com foco na mídia impressa, Verón sustentava que o estudo do reconhecimento de discursos necessitava uma abordagem sincrônica que permitisse analisar o discurso dos leitores em situações de entrevistas ou por grupos de projeção. Hoje, com as redes sociais digitais, são inúmeros os espaços em que emerge a discursividade do leitor (RAIMONDO, 2012), como os comentários das notícias no Facebook, por exemplo. A materialidade dos dispositivos nos permite recuperar tanto a gramática de produção quanto a do reconhecimento. Sendo assim, há novas formas de reconhecer e analisar o reconhecimento. Outra questão refere-se à defasagem existente entre produção e reconhecimento: a circulação, que materializar-se por meio de marcas, ou seja, pela diferença entre produção e os efeitos dos discursos. Essas marcas podem ser interpretadas ora como traços das operações de produção, ora como traços que definem o sistema de referência das leituras possíveis do discurso no reconhecimento. “Melhor dizendo, não há traços da circulação: esta se define como a defasagem, num dado momento, entre as condições de produção do discurso e a leitura feita na recepção” (VERÓN, 2005, p. 53).

Carlos Sanchotene – Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Bolsista Fapergs/Capes de estágio pós-doutoral do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 1

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Neste artigo, objetivamos analisar as gramáticas de reconhecimento presentes no modo como, efetivamente, os leitores de conteúdos jornalísticos fazem uso dos espaços de comentários no Facebook. Ao observarmos as lógicas operadas pelas instituições jornalísticas, percebemos que as estratégias de contato - em circulação de sentidos - constituem distintos modos de vínculo com o leitor. Assim, questionamos que tipo de leitor emerge a partir da zona de interpenetração compreendida entre as gramáticas de produção e reconhecimento? Primeiramente, apresentamos o conceito de circulação e gramáticas de reconhecimento (VERÓN, 2013), Marginálias (PALACIOS, 2012) e sistema social de resposta (BRAGA, 2006). Esses conceitos nos ajudam a compreender os espaços de intervenção da instância do reconhecimento no contexto da análise. Trabalharemos a instância do reconhecimento selecionando comentários referentes a postagens das imagens da capa do dia das fanpages de Folha de S.Paulo e Estadão. Foram selecionadas 60 postagens das capas dos jornais (30 de Folha de S.Paulo e 30 de Estadão) e 20.747 comentários (10.991 de Folha de S.Paulo e 9.756 de Estadão) durante o mês de setembro de 2014. Essas postagens revelam as notícias mais importantes consideradas por cada um dos jornais. Elas foram escolhidas por considerarmos que os leitores comentariam, hipoteticamente, sobre o trabalho enunciativo desenvolvido pela instância produtiva, sobre as lógicas produtivas, escolhas de temas, enquadramentos, enfim, os critérios de noticiabilidade dos jornais. A partir da análise foi possível inferir um conjunto de lógicas de reconhecimento. O estudo levou à identificação de distintos tipos de leitores coprodutores, sendo proposta uma tipologia para sua classificação. Constatamos que os sentidos ofertados são ressigificados pelos leitores coprodutores a partir dos comentários e conteúdos que produzem e compartilham. Referências BOUTAUD, Jean-Jacques e VERÓN, Eliseo. Del sujeto a los actores. La semiótica abierta las interfaces. In: Sémiotique ouverte. Itinéraires sémiotiques en communication. Paris: Lavoisier, Hermes Science, 2007. BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006.

PALACIOS, Marcos. Marginália, ‘zeitgeist’ e memória do tempo presente: os comentários de leitores no ciberjornalismo. In: Brazilian Journalism Research, Volume 8 - Número 1, 2012.

___. Marginália no ciberjornalismo: os comentários de leitores na constituição da memória do tempo presente. In: Anais do II Congreso Internacional Ciberperiodismo y Web 2.0, Universidad del País Vasco, 2010.

RAIMONDO, Natalia. La prensa online y su público: un estudio de los espacios de intervención y participación del lector en Clarín y La Nación. Buenos Aires: Teseo, 2012.

VERÓN, Eliseo. La semiosis social, 2: ideas, momentos, interpretantes. 1ª edição. Ciudad Autonoma de Buenos Aires: Paidós, 2013. ___. Fragmentos de um Tecido. São Leopoldo – RS: Editora Unisinos, 2005.

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A Donzela Desconstruída: um estudo de recepção do grupo Iron Maiden nos portais G1 e R7 Fábio CRUZ¹ Estevan GARCIA²

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul

Este artigo estuda a recepção de um grupo de fãs e não fãs da banda britânica de Rock Iron Maiden baseada em duas reportagens dos portais de notícia G1³ E R74. No que tange ao âmbito da recepção, adotamos as noções do modelo das multimediações, de Orozco Gómez (2000). Já com relação à análise das matérias selecionadas, outra preocupação nossa neste trabalho, lançamos mão dos pressupostos da cultura da mídia, de Douglas Kellner (2001), do fait divers e do estereótipo de Roland Barthes, (1971) e da ideologia (THOMPSON, 1995). As reportagens em foco cobrem a vinda do grupo ao Brasil, em março de 2016, para realizar shows de lançamento do seu mais novo trabalho, The book of souls, lançado em setembro de 2015. A primeira, relacionada à apresentação da banda em Brasília (DF), é produzida pelo portal G1 (Rede Globo); e a segunda, a respeito do concerto feito pelo Iron Maiden, em Belo Horizonte (MG), é feita pelo R7 (Rede Record). Para tanto, inicialmente, abordamos um breve perfil da história do telejornalismo brasileiro através de um viés crítico-ideológico e, em seguida, adentramos questões ligadas ao jornalismo cultural e, consequentemente, ao jornalismo de rock. Em um segundo momento, trabalhamos com as noções teóricometodológicas de Kellner (2001), aliadas às ideias de Barthes (1971) e Thompson (1995), para analisar a produção da informação. Na sequência, o modelo das multimediações de Orozco Gómez (2000) serve de base para o estudo principal desta investigação, a recepção, que é viabilizada através da técnica dos grupos de discussão. Seguindo uma postura crítica, histórica e

_________________ ¹ Fábio Cruz. Pós-doutor em Direitos Humanos, Mídia e Movimentos Sociais (Universidade Pablo de Olavide – UPO, Sevilha/Espanha). Doutor em Cultura Midiática e Tecnologias do Imaginário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). e-mail: [email protected] ² Estevan Garcia. Graduando (7° semestre) do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Bolsista de pesquisa (UFPel) do projeto “Cultura da mídia, rock e recepção”. e-mail: [email protected] ³ http://g1.globo.com/distrito-federal/videos/v/iron-%20maiden-reune-%20milhares-de-%20fasem-%20show-%20no-ginasio-%20nilson-nelson/4903840/ 4 http://noticias.r7.com/minas-gerais/balanco-geral-mg/videos/iron-maiden-leva-fas-mineirosao-delirio-21032016

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dialética, salientamos, cabe ressaltar, que este trabalho não pretende generalizar resultados, mas, sim, detectar tendências e vislumbrar possibilidades em um determinado contexto com base em uma amostra de opiniões. A forma dominante de cultura na atualidade pode ser visualizada na mídia. A partir de um véu sedutor que mescla o verbal com o visual, a cultura da mídia – que é a cultura da sociedade – fornece determinados padrões, normas e regras, sugere o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado; apresenta símbolos, mitos e estereótipos através de representações que modelam uma visão de mundo (imaginário social) de acordo com a ideologia vigente. O cenário relatado anteriormente constitui o horizonte social dos portais analisados: apegados a interesses particulares, que respeitam determinados dogmas, e respirando o ar globalizante que permeia a realidade das empresas de comunicação, ambas coberturas dispensam, desta forma, específica modelagem às suas informações. Assim, em que pese o caráter informativo das matérias analisadas, percebemos uma relação de cumplicidade com o poder vigente e a manutenção deste, o que acaba estabelecendo simbolicamente uma ideologia de mercado nas duas produções. Como resultado, na ação figural, o fait divers e certos estereótipos reinam absolutos. Parte dessas práticas adotadas pelos dois portais é percebida por uma parcela dos entrevistados. A partir do modelo das mediações (2000), constatamos que fãs e não fãs do Iron Maiden, os quais possuem idades, escolaridades, profissões e crenças diferentes, enxergam alguns desvios presentes nas produções em análise. Referências

BARTHES, Roland. Ensaios críticos. Lisboa: Edições 70, 1971.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.

OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La investigación em comunicación desde La perspectiva cualitativa. La Plata: Ediciones de La Facultad de periodismo y Comunicación Social, 2000. THOMPSON, John. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

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Desafios e potencialidades dos (e nos) processos de recepção jornalística Graziela BIANCHI1

Universidade Estadual de Ponta Grossa- Ponta Grossa- PR

Investigações no campo do Jornalismo que voltam seu olhar mais detidamente para a busca pelo entendimento acerca do funcionamento envolvido nos processos de recepção de produções jornalísticas deparam-se hoje como uma série de desafios. O primeiro deles está relacionado ao próprio entendimento a respeito da constituição do que seja a recepção em contextos comunicacionais vivenciados na atualidade. Contextos estes permeados, em alguns casos, por uma mudança bastante importante no que se considera como a posição de receptor em processos comunicacionais. O segundo grande desafio está situado no atual momento vivenciado pelo jornalismo. A produção de seus conteúdos ganhou novos espaços, novas possibilidades de consumo e com isso, novas formas de uso vinculadas aos produtos jornalísticos em circulação. Sendo assim, a preocupação principal que permeia o desenvolvimento desde artigo está situada na reflexão acerca dos principais desafios enfrentados por trabalhos que buscam articular a compreensão acerca de como se dão hoje os processos de recepção de produtos jornalísticos. Por outro lado, é presente também a busca por compreender, a partir dessas modificações de contextos que foram pontuadas, quais as possibilidades e\ou potencialidades inscritas nessa articulação. Para tanto, será realizado um trabalho de reflexão, pelo viés teórico, pontuando as principais características de cada uma das instâncias envolvidas, produção jornalística e processos de recepção, observados a partir de seu desenvolvimento na atualidade. Tais características serão analisadas tendo o amparo de obras, concepções e autores que discorrem e analisam ambas as perspectivas de estudo. Assim, este artigo terá a oportunidade de confrontar, relacionar e analisar a conformação de alguns dos principais pontos de interesse para se compreender a articulação entre as duas perspectivas em análise. Do ponto de vista jornalístico, serão relevantes os aspectos de análise que relacionam as possibilidades de usos e consumos nos atuais contextos de produção e produtos jornalísticos. Contextos estes permeados, de um lado, por distintas e relevantes crises, e por outro, de possibilidades e potencialidades instauradas de maneira especial por 1

Doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos-RS). Professora adjunta no Programa de PósGraduação em Jornalismo e Graduação e Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPGPR.

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ferramentas digitais que, em tese, propiciam outras formas de se relacionar com os conteúdos produzidos na perspectiva produtiva do jornalismo. Já do ponto de vista dos processos de recepção, caberá pontuar como essas distintas possibilidades relacionadas ao plano da produção jornalística, especialmente considerando os processos de digitalização e mobilidade envolvidos, são percebidos e significados e, acima de tudo, representam mudanças definitivas na maneira como a recepção jornalística se configura e se expressa. Referências ALSINA, Miguel Rodrigo. A construção da notícia. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. BARBOSA, Suzana; DA SILVA, Fernando Firmino; NOGUEIRA, Leila. Análise da convergência de conteúdos em produtos jornalísticos com presença multiplataforma. In: Revista do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano- UFF. n. 2, junho 2013. http://www.ppgmidiaecotidiano.uff.br/ojs/index.php/Midecot/article/view/52/44 BRUNS, Axel. Gatekeeping, Gatewatching. Realimentação em tempo real: novos desafios para o Jornalismo. p. 119- BRAZILIAN JOURNALISM RESEARCH - Volume 7 - Número 1 – 2011. Disponível em: http://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/342/315 D’ANDRÉA, Carlos; e LONGHI, Raquel. (org.) Jornalismo convergente. Reflexões, apropriações, experiências. Florianópolis: Insular, 2012. SHOEMAKER, Pamela; VOS, Tim P. Teoria do Gatekeeping- seleção e construção da notícia. Porto Alegre: Penso. 2011.

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Implicações Da Estigmatização E Da Invisibilidade Social De Personagens Em Noticiários Policiais: Um Estudo De Recepção Hendryo ANDRÉ1

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC Fundamentada no princípio de que a TV é uma instituição social relevante na produção de sentidos, no paper resultante deste resumo serão lançadas questões sobre os desafios metodológicos no campo da recepção/mediação para a compreensão das implicações da estigmatização e da invisibilidade social de personagens – agressores e vítimas – em reportagens policiais. A proposta de pesquisa parte de um estudo de recepção de matriz sociocultural com telespectadores cujos atributos biológicos e sociais são similares aos de personagens usados na reportagem policial. O objetivo é analisar a construção e as apropriações de estereótipos na narrativa policial a partir da estigmatização e da invisibilidade social e avaliar como telespectadores negociam, reinterpretam e reelaboram conteúdos de segurança e violência. A experiência audiovisual na América Latina fundamenta o princípio de que a TV se consolidou como uma instituição social relevante na produção de sentidos. Fonte prioritária de entretenimento e de informação para parcela dos brasileiros, o meio tornou-se uma arena para embates políticos, econômicos, sociais e culturais. Tida como um “sofisticado dispositivo de moldagem e deformação do cotidiano e dos gostos populares e uma das mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficas do mundo cultural popular” (MARTÍNBARBERO; REY, 2001, p. 26), a TV parece também se referendar como um dispositivo capaz de reverberar discursos hegemônicos. Nisso consiste uma faceta especial dos gêneros informativos ligado à cobertura do binômio violência/segurança. A objetivação de sujeitos em “práticas divisoras”, ou seja, na polarização dicotômica entre “o louco e o são, o doente e o sadio, os criminosos e os 'bons meninos’” (FOUCAULT, 1995) não são criadas pela TV, mas se ampliam e reverberam com ela, a ponto desse veículo possuir potencialidades de marginalização de indivíduos e determinados grupos sociais, 1

Hendryo André - Mestre em Comunicação e Sociedade, Universidade Federal do Paraná – UFPR. Doutorando em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

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gerando, a partir da estigmatização, invisibilidade social. “O preconceito provoca invisibilidade na medida em que se projeta sobre a pessoa um estigma que a anula, a esmaga e a substitui por uma imagem caricata” (ATHAYDE; BILL; SOARES, 2005, p. 176). Nos estudos de matriz sociocultural é possível compreender os “processos de negociação, reinterpretação e reelaboração das mensagens midiáticas, segundo características como idade, sexo, etnia, grupo social, assim como por ação de agentes sociais como família, escola, religião, partido político e empresa” (JACKS, 2014, p. 32). Por conta das potencialidades elencadas dos estudos de recepção de matriz sociocultural e da necessidade de pesquisas que identifiquem e problematizem a produção de sentidos oriundas da escolha de fontes no telejornalismo policial, nesta proposta de artigo visa-se entender as implicações que as práticas sensacionalistas têm, não somente no personagem exposto na narrativa como agressor ou vítima, mas também e, principalmente, no público que consome essas informações no dia a dia. Referências ATHAYDE, Celso; BILL, MV; SOARES, Luiz Eduardo. Cabeça de Porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

FOUCAULT, Michel. Sujeito e poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: (para além do estruturalismo e da hermenêutica). Rio de Janeiro: Universitária, 1995. pp. 231-249. JACKS, Nilda (Org.). Recepção televisiva, (ainda) a mais estudada. In: JACKS, Nilda. Meios e audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014. Cap. 1. p. 31-71.

MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2001.

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Aproximações Teóricas Entre Jornalismo Online, Modos De Endereçamento E Recepção Kérley WINQUES1

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina Esta sugestão de artigo surgiu mediante a observação de um problema que ainda persiste após quase duas décadas do firmamento do jornalismo na internet no Brasil: a falta de compreensão por parte das empresas jornalísticas no que se refere às apropriações e hábitos de leitura da audiência contemporânea, conectada as diferentes plataformas. Algumas lacunas podem ser observadas no que diz respeito aos estudos de recepção na internet. Jacks (2014) é quem faz um levantamento referente às pesquisas que envolvem os processos de recepção. Na contagem relativa aos meios, o mapeamento da autora revela que a televisão (104) continua despertando mais interesse dos pesquisadores, seguida da internet (26), rádio (19), jornal (12) e revistas (11). No recorte por gênero midiático o jornalismo aparece em 54 pesquisas, sendo que, 21 delas estão relacionadas à abordagem sociocultural, 17 sociodiscursivo e 16 comportamental. Pieniz e Wottrich (2014) revelam que nenhum dos trabalhos mapeados apresenta como foco principal o jornalismo online e/ou o leitor. As autoras fazem um alerta referente aos trabalhos de caráter sociodiscursivo e comportamental, pois as amostras não interpelam os sujeitos diretamente, mas sim via comentários em sites e redes sociais. Dessa forma, “delimitam a seleção dos comentários mais com base na exploração empírica do que em orientações teórico-metodológicas, visto a escassez de estudos no campo que empreendam uma reflexão na perspectiva do receptor em relação à Internet” (PIENIZ; WOTTRICH, 2014, p.84). As críticas tecidas pelas autoras levantam questionamentos a serem preenchidos com relação à compreensão dos leitores contemporâneos. Não basta analisar a participação via comentários ou compartilhamentos, pois o consumo informacional está além dessas ações pontuais. Para identificar as nuances e características é preciso um estudo teóricometodológico que dê conta da compreensão das apropriações, identidades, hábitos cotidianos e reelaborações. Em vista disso, opta-se pela abordagem sociocultural, que, Kérley Winques – Mestre em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. 1

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por enquanto, não foi utilizada como aporte em pesquisas relacionadas aos leitores de conteúdos jornalísticos disponibilizados na internet (PIENIZ; WOTTRICH, 2014). A importância de verificar a recepção aliada aos contrapontos existentes nas relações entre online e off-line é lembrada por Pieniz e Wottrich (2014), além das suas correlações com o âmbito profissional. Logo, verifica-se a necessidade de contemplar um estudo nas redações, que vise identificar as idealizações de audiência. A teoria de newsmaking é amplamente aplicada em estudos jornalísticos voltados para redações, no entanto, os modos de endereçamento foram utilizados apenas em pesquisas focadas no telejornalismo (OLIVEIRA, 2014). Em consequência, é justificável aproximar os estudos de recepção aos processos de endereçamento, numa perspectiva teórico-metodológica que vise as redações, o jornalismo online e o leitor contemporâneo. Desta forma, esta proposta de artigo está estritamente conectada à exploração das teorias de recepção e endereçamento no que se refere à importância e relevância do jornalismo no contexto contemporâneo. No que tange ao leitor/audiência, Wolf (2009) salienta que “os jornalistas conhecem pouco seu público: embora aparatos promovam pesquisas sobre as características da audiência, sobre seus hábitos de audição e sobre suas preferências, os jornalistas raramente os conhecem” (WOLF, 2009, p. 222). Atualmente, os movimentos relacionados à construção de notícias e às formas de conhecer a audiência estão baseados em ferramentas Web Anlytics, que não oferecem nenhuma proximidade com o público; pelo contrário, revelam apenas dados quantitativos. Posto isto, de natureza teórica, o objetivo deste estudo é voltado a construção de uma aproximação entre as teorias do jornalismo, os processos de endereçamento e o estudo de recepção pela perspectiva sociocultural. Referências

JACKS, Nilda (orgs). Meios e audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Editora Sulina, 2014. pp. 13-30 OLIVEIRA, Dannilo Duarte. Jornalismo policial na televisão brasileira: gênero e modo de endereçamento. Bahia: Edições UESB, 2014.

PIENIZ, M.; WOTTRICH, L.H. Receptores na Internet: desafios para o contexto de trânsito das audiências. In: JACKS, Nilda (orgs). Meios e audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014. p. 73-94 WOLF, M. Teorias das comunicações de massa. ed. 4. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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A recepção das informações jornalísticas nos distritos rurais de Ponta Grossa-PR- movimentos iniciais da pesquisa exploratória Luana SOUZA1 Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná A pesquisa em desenvolvimento objetiva estudar como se dá a recepção e o consumo das informações jornalísticas em duas comunidades rurais de Ponta Grossa (PR): Guaragi e Itaiacoca. A ideia principal é saber quais são os veículos de comunicação mais utilizados por moradores destas comunidades e com isso perceber de que maneira se dá o consumo das informações a partir dos diferentes meios de comunicação em um ambiente tido como rural, bem como compreender quais são as características próprias destas áreas em relação com o consumo das informações jornalísticas. O passo inicial da investigação se deu com a realização de uma pesquisa exploratória nas duas comunidades. Esta etapa foi pensada com o objetivo de perceber as principais diferenças e semelhanças em cada uma das localidades e a partir de então delimitar os principais interesses da pesquisa. O primeiro contato com os moradores se deu em abril de 2016, quando foram aplicados questionários em Guaragi e em Itaiacoca. Esta aplicação foi pensada também com o propósito de realizar um mapeamento destas áreas. Nestas duas localidades, a maioria das mulheres são donas de casa e cuidam da casa e dos filhos. Boa parte dos homens são agricultores e costumam levantar cedo. Outras pessoas que residem em Guaragi também trabalham em Ponta Grossa, distante aproximadamente 28 quilômetros. Em Itaiacoca, muitos comerciantes possuem pequenas mercearias. Conforme Bonin (2011), a pesquisa exploratória é importante para se aproximar do objeto a ser investigado e, dessa forma, perceber suas especificidades. Com base nos resultados iniciais, foi possível perceber diferenças entre o consumo de notícias via TV, rádio, jornal impresso e internet, dados que servirão como base para o desenvolvimento das etapas posteriores da investigação. Luana Sandra de Souza – Jornalista. Mestranda em Jornalismo, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.

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Para Bonin (2016), a práxis metodológica da pesquisa precisa incluir explorações que permitem a coleta de elementos que alimentem as construções. Os resultados apontados pelos questionários possibilitaram uma aproximação com o fenômeno que será investigado, neste caso, os moradores. Inicialmente, além de Guaragi e Itaiacoca, este estudo objetivava estudar outros dois distritos, também localizados na região de Ponta Grossa: Uvaia e Periquitos. Porém, baseado no contato direto realizado nas duas regiões e na localização de cada uma delas, optou-se por realizar algumas mudanças no trabalho e focar apenas nas duas localidades citadas inicialmente. Periquitos, por exemplo, está inserido na zona urbana. Em Uvaia, grande parte dos moradores possui casas no distrito somente para os finais de semana. Após a primeira etapa do mapeamento considerou-se que serão privilegiados os meios de comunicação com consumo maior, caso da televisão e do rádio. Em Guaragi, o levantamento de dados apontou que 50% dos moradores ouvem rádio; 53% assistem telejornais e 59% consumem notícias pela manhã. No distrito de Itaiacoca, a pesquisa mostrou que 50% dos moradores ouvem rádio, 47% assistem telejornais e 52% se informam pela manhã. Referências BONIN, Jiani Adriana. La Investigación de la Comunicación en América Latina. In: MALDONADO, Alberto Efendy (ORG.); VALAREZO, Alberto Pereira (org.). Fondo editorial FACSO-UCE, Quito: 2010. BONIN, Jiani Adriana. Pesquisa em Comunicação: Metodologias e Práticas Acadêmicas. In: MOURA, Cláudia Peixoto (org.); LOPES, Maria Immacolata Vassalo(org.). Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016.

BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins. Processualidades metodológicas: Configurações transformadoras em Comunicação. Florianópolis: Insular, 2013. WINKIN, Ives. Descer ao campo. In: A Nova Comunicação: Da teoria ao trabalho de campo. Campinas: Papirus Editora, 1998.

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RESUMOS RESUMOS

O LEITOR INVISÍVEL: ANÁLISE DA PRESENÇA DO LEITOR NO MATERIAL PUBLICADO SOBRE A IMPLANTAÇÃO DA FÁBRICA SUZANO PAPEL E CELULOSE, NO JORNAL ‘O PROGRESSO’ E EM BLOGS INFORMATIVOS DE IMPERATRIZ-MA Marcos Fábio Belo MATOS1 Letícia Holanda de SOUSA2

Universidade Federal do Maranhão (MA) Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS) Este artigo é parte de uma pesquisa maior, intitulada: “O papel do Progresso: midiatização da implantação da Fábrica Suzano de Papel e Celulose, em ImperatrizMA”. Trata-se de uma análise das estratégias utilizadas, pelo jornal O Progresso e pelos blogs informativos locais, para operarem a midiatização do acontecimento “Implantação da Fábrica Suzano de Papel e Celulose”, em Imperatriz – inclusive, avaliando o contexto local de efetivação dessa midiatização. O seu objetivo geral, como parte daquele projeto maior, é analisar a relação entre o jornal O Progresso e os blogs locais com o leitor dos mesmos. Como hipótese, coube levantar o seguinte problema: “Como é a relação entre esses dispositivos midiáticos e o leitor?”. Como arcabouço metodológico, foi realizado, em primeiro lugar, um levantamento de referências, dentro do qual se puderam incluir: textos sobre a história, a economia e o cenário comunicacional de Imperatriz, conforme Franklin (2008), Bueno, Fonseca (2013), Bueno, Batalha (2015), Assunção, Pinheiro (2012), dentre outros; textos sobre a teorização específica dos processos de midiatização da mídia e da sociedade, a partir de autores como Fausto Neto (2005, 2006, 2008), Gomes (2015), Soster (2013), Hjavard (2014), dentre outros; textos sobre jornalismo, comunicação e o novo perfil dos leitores, conforme Bueno, Reino (2014) e Reino(2016). Com este cabedal teórico, tornou-se possível compreender o contexto, teórico e prático, da

Marcos Fábio Belo Matos – doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara); pós-doutorando em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS-São Leopoldo); professor do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Campus de Imperatriz. 2 Letícia Holanda de Sousa – graduanda do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Campus de Imperatriz. 1

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midiatização, seus principais pressupostos e perceber qual o grau de efetivação que a mídia de Imperatriz apresenta, tendo em vista que, de acordo com autores como Djavard (2014), Gomes (2015) e Fausto Neto (2005, 2006), a midiatização não é um fenômeno uniforme, estando vinculada a contextos específicos de desenvolvimento tecnológico. Para efetivar a análise da postura dos dispositivos midiáticos em relação ao leitor, no âmbito do tema, efetivou-se uma pesquisa documental em O Progresso (versões impressa e online) e nos blogs escolhidos: Blog Asmoimp; Blog da Kelly, Blog do Elson Araújo; Blog do Josué Moura; Blog do William Marinho; Blog do Jhivago Sales; Blog do João Rodrigues e Blog Notícia da Foto. Do material coletado, foram selecionados 10 “acontecimentos noticiosos”, que circularam em, pelo menos, dois dispositivos. A ideia, neste caso, foi analisar materialidades que pudessem contemplar, ao mesmo tempo, tanto o jornal (impresso e online) quanto os blogs informativos. O conjunto de matérias selecionadas possui as seguintes características: elas estão distribuídas pelo intervalo em que se deu a implantação da Suzano em Imperatriz: 05 em 2011, 02 em 2012, 01 em 2013 e 02 em 2014; referem-se a diversas ocorrências relativas à implantação da fábrica; cobrem diversos gêneros jornalísticos, dentro da classificação empreendida por Melo (2015); foram produzidas pelos setores de comunicação da Prefeitura de Imperatriz, do Governo do Estado do Maranhão e da própria Suzano e suas empresas contratadas – o que parece ser uma prática no jornalismo local, conforme Gehlen (2015); apresentam uma relação mínima de interação com o leitor. Como resultado de análise, pôde-se constatar que: a) Os dispositivos não efetivam uma interação com o leitor, portanto, não apresentando a característica de “descentralização”, considerada fundante para a constituição do “jornalismo midiatizado” (SOSTER, 2013; FAUSTO NETO, 2008); b) Esta não interação se dá de duas maneiras: em primeiro lugar, nos dez acontecimentos informativos analisados, em apenas três deles se pôde notar a presença de comentários, que ficaram sem resposta, em segundo lugar, a grande maioria dos dispositivos não permitem a publicação de comentários, negando uma das principais características desse tipo de informativo da web (BUENO, REINO, 2014). A pesquisa demonstrou que o leitor desses dispositivos não tem uma postura ativa, como preconiza a identidade do receptor neste novo momento midiáticocomunicacional, chamado de “midiatização”. Referências ASSUNÇÃO, Thays, PINHEIRO, Roseane Arcanjo. Jornalismo em Imperatriz-MA: os jornais impressos em tempo de mudança (1970- 1989). In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA DA MÍDIA. v.1, n.2, julhodez. 2012.

BUENO, Thaisa, FONSECA, Jordana. Blogando das barracas do Rio Tocantins: uma proposta de mapeamento da blogosfera imperatrizense. IV Simpósio de Ciberjornalismo. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Campo Grande. 28 a 30 de agosto de 2013. Campo Grande. Anais.

BUENO, Thaisa, REINO, Lucas. Máquinas de conversação: mapeamento das plataformas de comentários nos veículos nacionais. In: BUENO, Thaisa, reino, Lucas (org). Comentários na Internet. ImperatrizMA: Edufma, 2014.

BUENO, Thaisa, BATALHA, Sara. Plugado na rede: levantamento apresenta os primórdios da mídia de Imperatriz (MA) na internet. 10º. Encontro Nacional de História da Mídia – Rede Alcar. Universidade Federal do Rio Grande de Sul (UFRGS). Porto Alegre: 03 a 05 de junho de 2015. Anais.

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RESUMOS RESUMOS

FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização – Prática social, prática de sentido. Encontro da Rede Prosul. “Comunicação e Processos Sociais”, 2005, UNISINOS/PPGCC. São Leopoldo. 2005-2006

FAUSTO NETO, Antônio.Fragmentos de uma analítica da midiatização. Revista Matrizes. n.2, abril de 2008. p. 89-105. FRANKLIN, Adalberto. Apontamentos e fontes para a história econômica de Imperatriz. Imperatriz: Ética, 2008.

GEHLEN, Marco Antonio. Release nos jornais O Progresso e Correio Popular de Imperatriz (MA). In: HOLFELDT, Antonio, CONCEIÇÃO, Francisco Gonçalves da. Teorias da comunicação: leituras e aplicações. Porto Alegre: EDPUCRS, 2015. GOMES, Pedro Gilberto. Midiatização: um conceito, múltiplas vozes. In: FAUSTO NETO, Antonio, ANSELMINO, Natalia Raimondo, GINDIN, Irene Lis (orgs). CIM – Relatos de Investigaciones sobre mediatizaciones. Rosário: UNIR Editora, 2015. HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Unisinos, 2014. Cap. 1

MELO, José Marques de, ASSIS, Francisco de. Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom – RBCC. São Paulo, v.39, n.1, p.39-56, jan./abr. 2016.

REINO, Lucas Santiago Arraes. Comentários sobre o quê e para quê? Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXIII Prêmio Expocom 2016 – Exposição da Pesquisa Experimental em Comunicação

SOSTER, Demétrio de Azeredo. O jornalismo em novos territórios conceituais: internet, midiatização e a reconfiguração de novos sentidos midiáticos. Tese. Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2009.

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COBERTURA DA FSP SOBRE O IMPEACHMENT: articulação midiática entre produtor e receptor COBERTURA DA FSP SOBRE O IMPEACHMENT: articulação midiática entre produtor e receptor Marcos Reche ÁVILA1 Victor THIESEN2

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul

O presente trabalho tem como objeto a cobertura midiático-jornalística da Folha de S. Paulo sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Interessamo-nos pela articulação entre a produção noticiosa Jornalística em geral (notícias, reportagens e conteúdos de blogs) e a sua recepção. Particularmente as lógicas que caracterizam os textos em produção e as manifestações da recepção nas “zonas de contato”. Partimos da pergunta: que articulações existem? E de seu desencadeamento: como estas articulações ocorrem? Estudamos interações entre os discursos midiático-jornalístico e de leitor que são apresentados pelos polos da produção e da recepção. Examinamos primeiramente a articulação de ordem técnica e tecnológica própria ao mundo jornalístico. Também em suas relações com blogs pessoais de especialistas vinculados diretamente ao grupo de comunicação. É o caso do site da Folha de S. Paulo com o portal UOL (pertencente ao Grupo Folha). Estabelecida a descrição do cenário de articulação técnica e tecnológica midiáticas do jornal com suas mídias internas (portal UOL) e mídias externas (redes sociais), passamos, então, ao estudo das articulações nas “zonas de contato” entre o ambiente da produção (empresa midiático-jornalística) e seus receptores (leitores). Ou seja, o que ocorre de comunicação nestas “zonas de contato” quanto à agenda do impeachment? O que é anunciado pela Folha ao veicularem-se informações dentro da agenda midiático-jornalística? A produção enunciativa não finda na recepção por parte dos leitores, como dito acima. Estes também produzem enunciações dentro de um processo discursivo de retorno comunicacional com a Folha de S. Paulo. Além disso, articulam-se enunciativamente com outros atores nos mesmos ambientes em que se comunicam ideias, posições e informações com a empresa midiáticojornalística foco deste trabalho. O que é anunciado e como se estruturam as estratégias enunciativas destes receptores que se tornam produtores nessa nova

1 Marcos Reche Ávila – Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de Apoio Técnico– AT. 2 Victor Thiesen – Graduando em Jornalismo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de Iniciação Científica – IC.

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Marcos Reche ÁVILA1 Victor THIESEN2

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul O presente trabalho tem como objeto a cobertura midiático-jornalística da Folha de S. Paulo sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Interessamo-nos pela articulação entre a produção noticiosa Jornalística em geral (notícias, reportagens e conteúdos de blogs) e a sua recepção. Particularmente as lógicas que caracterizam os textos em produção e as manifestações da recepção nas “zonas de contato”. Partimos da pergunta: que articulações existem? E de seu desencadeamento: como estas articulações ocorrem? Estudamos interações entre os discursos midiático-jornalístico e de leitor que são apresentados pelos polos da produção e da recepção. Examinamos primeiramente a articulação de ordem técnica e tecnológica própria ao mundo jornalístico. Também em suas relações com blogs pessoais de especialistas vinculados diretamente ao grupo de comunicação. É o caso do site da Folha de S. Paulo com o portal UOL (pertencente ao Grupo Folha). Estabelecida a descrição do cenário de articulação técnica e tecnológica midiáticas do jornal com suas mídias internas (portal UOL) e mídias externas (redes sociais), passamos, então, ao estudo das articulações nas “zonas de contato” entre o ambiente da produção (empresa midiático-jornalística) e seus receptores (leitores). Ou seja, o que ocorre de comunicação nestas “zonas de contato” quanto à agenda do impeachment? O que é anunciado pela Folha ao veicularem-se informações dentro da agenda midiático-jornalística? A produção enunciativa não finda na recepção por parte dos leitores, como dito acima. Estes também produzem enunciações dentro de um processo discursivo de retorno comunicacional com a Folha de S. Paulo. Além disso, articulam-se enunciativamente com outros atores nos mesmos ambientes em que se comunicam ideias, posições e informações com a empresa midiáticojornalística foco deste trabalho. O que é anunciado e como se estruturam as estratégias enunciativas destes receptores que se tornam produtores nessa nova

Marcos Reche Ávila – Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de Apoio Técnico– AT. 2 Victor Thiesen – Graduando em Jornalismo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de Iniciação Científica – IC. 1

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lógica discursiva? Estudamos também as novas “zonas de contato” estabelecidas pelos receptores, alçados pela disposição técnica e tecnológica à produtores. Neste contexto, quais são as “zonas de contato” mais credibilizadas pelos receptores (novos produtores)? A importância da pergunta está nova lógica midiático-informativa em que entram como leitores e consumidores dos produtos jornalísticos, mas se tornam também produtores midiáticos. Visamos responder a estas questões usando método exploratório para criar um mapa descritivo do nosso objeto. Este, formado por fragmentos de enunciações gerados na articulação entre produtor (midiáticojornalístico) e receptor (leitor-produtor midiático). Articulação esta que é uma cadeia sígnica de geração de sentidos e formação de atos comunicacionais na agenda midiática. Como primeira conclusão, entendemos que tal comunicação é: 1) espontâneo-intuitiva, por parte dos receptores que se tornam produtores; 2) construída de maneira profissional (processualmente e metodologicamente) por parte da Folha de S. Paulo. Em torno desta primeira análise e embasados pelo aporte teórico, desenvolvemos nosso trabalho de pesquisa sobre o objeto que esperamos apresentar resultados na apresentação da III Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção. Referências

ALSINA, Miquel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.

BRAGA, José Luiz. Comunicação, disciplina incidiária. Matrizes, ano 1, n.2, jan.-jun 2008, p. 73-88. São Paulo: ECA/USP.

CONCEIÇÃO, Francisco Gonçalves da. A fala do outro: relações discursivas e produção de (re)conhecimento. In: _______ (org.). Entrevozes: enredos institucionais e midiáticos. São Luís: Edufma, 2008. p. 7-24 FAUSTO NETO, Antonio. Quando a ética toma forma: estratégias discursivas do “jornalismo de combate”. In: PAIVA, Raquel (org.). Ética, cidadania e imprensa. Rio de Janeiro: Mauad, 2002. p.165-186.

______. A deflagração do sentido: estratégias de produção e captura da recepção. SOUSA,

Mauro Wilton de (org). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 189-222

FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2005. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 12. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

FREDERICO, Celso. Recepção: divergências metodológicas entre Adorno e Lazarsfeld. Matrizes, ano 1, n.2, jan.-jun 2008, 157-172. São Paulo: ECA/USP.

MOUILLAUD, Maurice. Posturas do leitor. In: _______. O jornal: da forma ao sentido. 3. ed. rev. ampl. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012.

ROMANINI, Vinícius. Só o receptor salva a comunicação. Matrizes, ano 1, n.2, jan.-jun 2008, p. 231-240. São Paulo: ECA/USP.

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RESUMOS RESUMOS

SANTOS, Roberto Corrêa dos. Para uma teoria da interpenetração: semiologia, literatura e interdisciplinaridade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

VERÓN, Eliséo. Imprensa escrita e teoria dos discursos sociais: produção, recepção, regulação (1988). In: ________. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004. p. 239-263 ______. As mídias na recepção: os desafios da complexidade (1991). . In: _______. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004. p. 273-284

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A produção de sentidos do/sobre o brasiguayo: uma análise da matéria e dos comentários no jornal Última Hora do Paraguai

A produção de sentidos do/sobre o brasiguayo: uma análise da matéria e dos comentários no jornal Última Hora do Paraguai Maria Liz BENITEZ ALMEIDA1

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul O artigo tem como objetivo apresenta os resultados de uma primeira aproximação do projeto de pesquisa do mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. O projeto está inserido na linha de pesquisa Mídia e Identidades Contemporâneas e tem como tema a produção de sentidos do/sobre o “brasiguayo” na mídia paraguaia. Para tanto, escolhemos uma matéria intitulada “Destruyen sojal de brasiguayo ubicado al lado de una escuela en Alto Paraná”, publicada no site do jornal paraguaio Última Hora, no dia três de abril de 2014. Os “brasiguayos” são migrantes brasileiros e seus descendentes que migraram ao Paraguai a partir da década de 1950. Hoje, conformam, aproximadamente, mais de 10% da população paraguaia (ALBUQUERQUE, 2005). O deslocamento desses migrantes é a combinação de vários fatores. Um desses fatores seria a expansão das fronteiras agrícolas no Brasil, que se acentuou no governo de Getúlio Vargas (19301945), provocando a migração intrarregional, provocando a migração brasileira para vários países da região, como Argentina, Uruguai, Bolívia, Paraguai (PATARRA, 2002). Outro fator seria o projeto de desenvolvimento econômico do governo de Alfredo Stroessner do Paraguai (1954-1989), que consistia em atrair agricultores e empresas brasileiras com o objetivo de mecanizar a agricultura e estimular a economia. A construção de Itaipu Binacional e da Ponte da Amizade, resultados da cooperação entre ambos os países, também fomentaram a integração e migração brasileira ao Paraguai. A análise é realizada a partir das discussões teóricas sobre identidade e representações midiáticas propostos por Woodward (2000), Hall (1997), Freire Filho (2007), Simões e França (2005). Segundo esses autores, a diferença é um aspecto central para a construção da identidade. Os meios de comunicação, por sua vez, são

Maria Liz Benitez Almeida – Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) – Licenciada em Marketing, Universidad Americana, Paraguai – Licenciada em Letras Espanhol, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 1

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espaços simbólicos que contribuem para a construção da identidade, ao mesmo tempo em que podem contribuir para a construção de estereótipos. Metodologicamente, buscamos amparo na Análise do Discurso de linha francesa (AD), a partir da qual compreendemos que o discurso é opaco, polifônico e cheio de possibilidades. Os sentidos já estão instituídos na sociedade. O sujeito, ao se inserir numa determinada sociedade, apropria-se desses sentidos, acreditando ser a origem do seu dizer (ORLANDI, 2013). Sendo assim, o contexto sociocultural e sócio-histórico são fundamentais para elucidar os sentidos produzidos a partir dos discursos. A partir dessas noções, o jornalismo, que tem como uma de suas principais matérias primas o discurso, perde sua áurea de objetividade. O texto objetivo não passa da intenção do jornalista, restando ao jornalista apenas direcionar a leitura de seus leitores (BENETTI, 2010). A escolha do jornal Última Hora obedece a que se trata do segundo jornal de maior circulação do país. Perante a falta de dados oficiais sobre a circulação, algumas fontes não oficiais assinalam que são distribuídos 15.000 exemplares diários (SEGOVIA, 2010), enquanto que os sites “E’a” e “Paraguay Global” afirmam que essa tirada pode chegar a 25.000 exemplares diários. Para o estudo da matéria e dos comentários, foram selecionadas cinco sequências discursivas (SD), duas foram extraídas da matéria e três foram extraídas dos comentários. Constatamos que o reconhecimento pelo outro é fundamental, e que, ao marcar a diferença, a identidade nacional se sobrepõe à identidade do estrangeiro. A defesa do território nacional, assim como da identidade nacional funcionam como delimitador entre “nós” e os “outros”. Referências

ALBUQUERQUE, J. L. Fronteiras em movimento e identidades nacionais: a imigração brasileira no Paraguai. Tese: Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005.

BENETTI, M. Análise do Discuso em jornalismo: estudo de vozes e sentidos. In: ORG: Cláudia Lago; Márcia Benetti. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 107-120.

ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos. Campinas: Pontes, 2013.

PATARRA, N. Migrações internacionais e integração econômica no Cone Sul: notas para discussão. In: SALES, O. T.; SALES, M. Políticas Migratórias - América Latina e Brasileiros no Exterior. São Carlos: Sumaré, 2002. p. 20-42. Disponivel em: . Acesso em: 01 mar. 2016. SEGOVIA, D. El oligopolio mediático y las políticas públicas en Paraguay. In: SEL, S. (. Políticas de comunicación en el capitalismo contemporaneo. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales - CLACSO, 2010. p. 107-133.

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Estratégias Midiáticas: O fenômeno BuzzFeed e a mudança no processo de consumo da informação Mariana Bastian TRAMONTINI1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, São Leopoldo, RS O trabalho a ser apresentado pretende compreender as estratégias midiáticas de representação e divulgação de conteúdo pelo site BuzzFeed, especificamente aqueles que fazem referência aos produtos televisivos ou audiovisuais. Estaria o BuzzFeed exercendo uma certa ‘crítica’ sobre a produção jornalística? O site BuzzFeed surgiu em 2006, nos Estados Unidos, como uma ferramenta para mapear conteúdo viral e, em 2014, chegou ao Brasil, primeiro país a receber uma ‘sucursal’. O objetivo é entender como o site possibilita uma mudança no processo de consumo de informação, através do chamado infotenimento, ou seja, da relação entre a informação e o entretenimento, entre a informação e o humor, para efetivar a crítica. Tal fato desperta atenção pelo reconhecimento que o site vem recebendo ao longo dos últimos anos. O problema colocado aqui neste trabalho está em compreender e descrever o funcionamento de um formato, que tem origem no jornalismo impresso, e que no referido site opera num cenário de contexto de hibridização. Ou, ainda mais, de mudança de locus e status.Trata-se de examinar a transformação de um formato – impresso – que noticia, comenta, propõe artigos e comentários, interpela o público, sua audiência, transformando-os em outro tipo de leitor. Em função da manutenção de seu ‘contrato de leitura’, o site BuzzFeed interpela os internautas a partir do acesso às redes sociais. E para compreender o que significa essa transformação ou hibridização é preciso levantar algumas questões sobre as causas desse acontecimento. Essa outra forma de fazer jornalismo, que desperta um excesso de interação pode estar relacionada a uma possível crise de hierarquia da sociedade? Essa desestruturação dos formatos que radicaliza a questão da interatividade, rompe ou supera os níveis de hierarquia? No BuzzFeed a desestruturação (ou seria reestruturação?) acontece em tal nível que o texto deixa de ocupar um lugar especial e o manejo discursivo da estratégia o transforma em outra ‘coisa’, através de uma operação que procura reduzi-lo ao interativo. Que brinca entre o texto e a imagem. Mariana Bastian Tramontini - Doutorado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Docente, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. 1

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Cabe descobrir se esse seria um efeito das novas possibilidades de interação ou das interações exacerbadas. A intenção desta análise surgiu a partir de algumas leituras informais dos textos de Lev Manovich, que faz referência sobre as relações entre velhas e novas mídias, pensando a relação comunicacional partir de Eco (1979). A reflexão sobre o BuzzFeed acontece no sentido de mostrar como a produção jornalística se revigora com a instância do virtual, a partir da leitura de Valdettaro (2009). Além disso, acionamos Eliseo Verón (1997, 2001) para tensionar essa relação de circulação do conteúdo entre as mídias, a partir das gramáticas de produção e das gramáticas de reconhecimento. Palavras-chave: Jornalismo. Estratégias Midiáticas. Produção de Sentido. Representações. Discursos. Infotenimento. Referências ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1979.

FAUSTO NETO, Antonio. ‘Contratos de leitura’: Entre regulações e deslocamentos. Paper apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação Intercom. Santos, 2007. GOMES, Pedro Gilberto. O processo de midiatização da sociedade. Paper, junho 2009. Ver: http://rolandoperez.files.wordpress.com/2009/02/midiatizacao-da-sociedadepedro-gilberto-gomez.pdf VALDETTARO, Sandra. Diários: entre internet, la desconfianza y los arboles muertos. In: El fin de los médios masivos – El comienzo de un debate. Buenos Aires: la Crujíia, 2009. p.47-67

VERÓN, Eliseo. Quand lire c’est faire: l’enonciation dans le discours de la presse écrite. In: Sémiotique II. Paris: IREP, 1983.

______. L’analyse du ‘contrat de lecture’: une nouvelle methode pour les etudes de positionnement des supports presse. In: Les Medias – Experiences Recherches Actuelles Aplications. Paris: IREP, 1985. ______. Esquema para el análisis de la mediación. In: Diálogos. Lima: Felafacs, 1997.

______. Los públicos entre produción y recepción: problemas para una teoría del reconocimiento. Curso da Arrábida: Público, televisão, 2001. 18p.

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RESUMOS RESUMOS

A coenunciação nos comentários das fanpages de jornais gaúchos Mariana FLORES1 Luan ROMERO2 Sabrina CÁCERES3 Viviane BORELLI4

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul

A centralidade da mídia, como considera Eliseo Verón (1997), faz com que as instituições e os seus sujeitos sofram injunções da mídia e de sua cultura específica havendo, portanto, um processo de midiatização da sociedade que se encontra em curso e ainda incompleto. Para Fausto Neto (2008) a midiatização institui um novo feixe de relações, engendradas em operações sobre as quais se desenvolvem novos processos de afetações entre as instituições e os atores sociais. Concebemos que a ambiência da midiatização afeta também o campo jornalístico, sendo que a mídia já não é mais protagonista única no processo de construção da notícia e que o leitor não é apenas um receptor, mas também um produtor. Para Fausto Neto (2008), o desenvolvimento da midiatização como ambiência, transforma as interações que são “afetadas e/ou configuradas por novas estratégias e modos de organização, colocaria todos – produtores e consumidores – em uma mesma realidade, aquela de fluxos e que permitiria conhecer e reconhecer, ao mesmo tempo” (FAUSTO NETO, 2008, p.93). Refletimos também sobre a emergência da cultura da convergência, pois “A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros” (JENKINS, 2009, p. 30). Assim, no espaço dos comentários no Facebook, por exemplo, é possível observar essas transformações através da descrição e análise de marcas discursivas produzidas por sujeitos enunciadores e deixadas na materialidade dos textos (VERÓN, 2004).

Mariana Flores – Estudante de Graduação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista, Pibic/CNPq. 2 Luan Romero – Estudante de Graduação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista de Iniciação Científica Institucional, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – Fapergs. 3 Sabrina Cáceres – Estudante de Graduação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista, Programa Fipe Sênior CCSH-UFSM. 4 Viviane Borelli –doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Professora do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 1

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Como considera Braga, quando há “a percepção de que os receptores são ativos, a circulação passa a ser vista como o espaço do reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriação” (BRAGA, 2012, p.38). A análise desse processo de circulação empreendida pelos receptores é importante para entender de que forma se dá a apropriação dos discursos produzidos pelo jornal e como acontece a interpelação entre o veículo e o leitor no espaço de interação possibilitado por ferramentas específicas do Facebook. A partir de análise do espaço de comentários das fanpages dos jornais Diário de Santa Maria, Zero Hora e O Pioneiro, todos pertencentes ao grupo RBS, observaremos de que modo os leitores se apropriam desse espaço singular e redimensionam as práticas sociais. Também serão observadas como ocorre a interação com os demais sujeitos que ali também participam e que ressonâncias esse processo tem dentro da produção jornalística. A partir da constatação de que os jornais dão aos seus leitores o status de coenunciadores (PINTO, 1999) proporcionando espaço para comentários para as matérias em seus perfis no Facebook, objetiva-se mapear em que medida esses leitores constituem-se efetivamente em coenunciadores. Do ponto de vista metodológico, foram feitas coletas de dados nas fanpages dos jornais estudados em dois períodos distintos: de 2 a 8 de maio e de 13 a 19 de junho. A partir das 21 horas, foram coletados os comentários das postagens da página do Facebook de cada jornal. Após sistematização dos dados buscou-se identificar quais eram os leitores que mais comentavam, para posteriormente ser realizada uma entrevista por inbox. Além da entrevista com os leitores mais presentes nas fanpages também pretende-se, como tentativa metodológica, realizar a aplicação de um formulário de perguntas, a ser postado nos perfis do Facebook de colaboradores da pesquisa, como em grupos com pessoas das cidades sede dos jornais investigados. A aplicação do formulário não visa atingir um grupo estratificado e nem ter respostas do ponto de vista quantitativo, mas apontar pistas do modo como os sujeitos enunciadores tomam esse espaço para conversar com os jornais e demais leitores. O foco volta-se para buscar investigar como os leitores percebem os espaços que considera ocupar no processo de produção, circulação e reconhecimento (VERÓN, 2004) de notícias. A análise dos comentários na fanpage dos jornais e das respostas do formulário se dá com base na semiologia dos discursos de Pinto (1999) e Verón (2004). Com base em nosso percurso metodológico é possível inferir, num primeiro momento, que os usos dos comentários pelos leitores faz com que os jornais busquem, em determinados casos, produzir matérias com o cunho de checar melhor as informações. Dentro disso, pode-se observar se os leitores atuam de forma colaborativa com o jornal, propondo pautas, ressignificando certas abordagens e se apropriando do espaço dos comentários para promoção de uma rede de debates. Referências

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: Janotti Junior, Jeder; Mattos, Maria Ângela; Jacks, Nilda (Org.). Mediação & Midiatização. Salvador: EDUFBA; Brasília: Compós, 2012. FAUSTO NETO, Antonio. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Matrizes, São Paulo, v.1, n. 2, p.89-105, 2008. Semestral. Disponível em:

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<http://www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/issue/view/11>. Acesso em: 14 jul. 2014. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009. PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker Editores, 1999. VERÓN, Eliséo. Esquema para el analisis de la mediatización. Diálogos de la Comunicación, Lima, n. 48, out. 1997. _________________. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004.

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RESUMOS RESUMOS

A tragédia da Linha Salto: uma análise da memória midiatizada Michélli Bokorni da ROSA1 Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Wesphalen, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul Na presente pesquisa, será analisadoas memórias do acidente de transito ocorrido março de 2011,no Paraná, que resultou na morte de 29 membros da comunidade Linha Salto, do interior de Santo Cristo-RS. Para tanto, parte-se de um estudo de recepção, buscando compreender a presença de conteúdos midiáticos sobre a tragédia, nas opiniões e percepções dos moradores que, em distintas proporções, vivenciaram os acontecimentos daquele dia. Entende-se a recepção midiática como um ato social, no qual diversas histórias, vivências e práticas socioculturais são negociadas, constituindo a produção de sentidos sobre a realidade social (SOUZA, 1998), enriquecendo a compreensão dos processos de comunicação da vida cotidiana (RONSINI, 2007). Desse modo, objetiva-se explicar e investigar os processos midiáticos relacionados a memória, abrangendo o luto individual, a partir de entrevistas realizadas com quatro integrantes, que tiveram uma perda significativa de familiares e amigos próximos. Ou seja, entende-se que esses dados coletados a partir das entrevistas realizadas com os membros da comunidade Linha Salto são representativas pois esses interlocutores possuíam alguma relação com tragédia e foram acionados como fontes pelos meios de comunicação que cobriram o acontecimento. Os movimentos de recordações, fazem com que os sujeitos comunicantes (MATA et. al., 2009) relatem as impressões e percepções que tiveram diante as mídias. O relato oral dos entrevistados traz recordações da tragédia como informações do seu dia a dia e também práticas de recepção, mas também possui um outro lado, pelo qual buscam deixar para trás o contato com a mídia no que se refere ao acontecimento. Tendo sempre em vista a tentativa de coletar lembranças da memória de cada um, algumas perguntas eram direcionadas para este quesito, no

Michélli Bokorni da Rosa - A tragédia da Linha Salto: uma análise da memória midiatizada, Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Wesphalen – UFSM/FW. Graduanda em Comunicação Social - Habilitação Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen -UFSM/FW 1

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RESUMOS RESUMOS

sentido de compreender o consumo e a inter-relação dos sujeitos com os meios de comunicação. A memória muitas vezes pode ser marcada como uma interação entre o passado e o presente, fazendo relembrar algum acontecimento mediado pelo presente. Para Bonin (2006, p. 139) o passado deixa, então, de ser parte da memória e se converte em ingrediente de pastiche – operação que permite mesclar fatos, sensibilidades, estilos e textos de qualquer época, sem articulação com os contextos e movimentos de fundo de uma época. Desse modo, a análise permite notar que a memória se faz presente nas vidas das pessoas que estiveram envolvidas com tragédia, abarcando tanto quem estava no acidente e quanto quem perdeu familiares e amigos.

Cabe ressaltar que, um dos pontos crucias da problematização teórica foi perceber durante a análise e o contexto em geral, o quanto a memória se faz presente na vida de cada um que sofreu e sofre até hoje com a tragédia da Linha Salto, Santo Cristo-RS. Processos em que a comunicação se faz presente, mas é pouca analisada e investigada. Nota-se que o estudo de recepção em casos como este é pouco trabalhado, muitas vezes, por do pesquisador em se abalar com o relato dos interlocutores. A pesquisa, realizada pelo viés de recepção midiática, o qual os indivíduos acionam recursos das narrativas midiáticas em meio aos seus relatos vivenciados na semana da tragédia, também descrevem situações de como foram divulgadas suas imagens na cobertura da tragédia, os seus sentimentos e conflitos. Referências

BONIN, J. A. Mídia e memórias: delineamentos para investigar palimpsestos midiatizados de memória étnica na recepção. Revista Fronteira, v. 8, p. 133-143, 2006.

MATA, María Cristina et al. Ciudadanía comunicativa: aproximacionesconceptuales y aportes metodológicos. In: PADILLA, Adrián e MALDONADO, Alberto Efendy. Metodologíastransformadoras: tejiendolaRed emComunicación, Educación, Ciudadanía e Integración em América Latina.Caracas: Fondo editorial CEPAT/UNESR, 2009. RONSINI, Veneza Mayora. Mercadores de sentido: consumo de mídia e identidades juvenis. Porto Alegre: Sulina, 2007.

SOUSA, MAURO WILTON. A Recepção sendo reinterpretada. Novos Olhares (USP), São Paulo, v. 1, n.1, p. 39-46, 1998.

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RESUMOS RESUMOS

O Caso Bernardo no Jornal Nacional: A Percepção de Jornalistas sobre a apresentação do fato no Telejornal Natália Sheikha REDÜ1 Michele NEGRINI2 Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS A televisão, atualmente, é a principal fonte de informação da população brasileira, sendo considerada como um meio de comunicação de massa. Ela ocupa lugar de destaque na residência dos telespectadores. No Brasil, consabido é que o canal de maior audiência é a Rede Globo de Televisão. Dos diversos programas que compõem a sua grade de programação destacam-se os telejornais, em especial o Jornal Nacional. O referido informativo está no ar há mais de 45 anos e possui grande respeito e credibilidade perante os telespectadores. Neste contexto, o objetivo deste artigo é analisar como um determinado grupo de jornalistas recepciona a morte e as notícias sobre o Caso Bernardo veiculadas no Jornal Nacional. A análise foi realizada por meio de um estudo de recepção com cinco jornalistas. É de se salientar, contudo, que este trabalho é um recorte de uma pesquisa mais ampla, que envolveu cinco advogados e cinco jornalistas. No tocante ao número reduzido de pesquisados, encontra-se amparo na doutrina de Orozco-Gómes (1997). Segundo este pesquisador, um grupo envolvendo entre 10-20 pessoas é suficiente, eis que as respostas tendem a se repetir. Além disso, o autor afirma que o aumento no número de entrevistados gera uma variação de respostas insignificante para o resultado final. Aos participantes, inicialmente, foram apresentadas duas notícias veiculadas pelo Jornal Nacional a respeito do Caso Bernardo. Em seguida, efetuou-se a aplicação de um questionário semiestruturado e de um grupo de discussão entre os participantes sobre a temática, com a finalidade de promover e observar a troca de experiências. Natália Sheikha Redü – Bacharel em Jornalismo, Universidade Federal de Pelotas – UFPel. Universidade Federal de Pelotas – UFPEL. 2 Michele Negrini – Doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC RS. Docente da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL. 1

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No tocante aos vídeos escolhidos, constatou-se que o Jornal Nacional veiculou, no período de 17 de abril de 2014 até 04 de abril de 2015 um total de 18 reportagens sobre o Caso. Na seleção das 2 notícias a serem mostradas aos entrevistados, optou-se pelo primeiro da série, que foi quando o caso tomou proporções nacionais, e pelo que noticia a conclusão do inquérito policial. Tendo em vista os objetivos do estudo, não foi selecionada nenhuma notícia que já tratava da etapa de julgamento. O questionário aplicado era constituído de perguntas relativas a aspectos econômicos, sociais e culturais. Ainda, tinha questionamentos sobre a opinião do entrevistado a respeito do Jornal Nacional e das reportagens mostradas. Durante a realização do grupo de discussão, o áudio foi gravado com a finalidade de complementar a parte escrita. Buscamos, também, entender se a forma como as notícias mostradas foram elaboradas pode incutir no telespectador a ideia de que suspeitos já são, de fato, culpados pelo crime. Realizamos esta pesquisa a partir da orientação teóricometodológica dos Estudos Culturais Latino-Americanos, com foco na linha adotada por Martín-Barbero (2013). Após o estudo de recepção, constatou-se que as notícias apresentadas são tendenciosas, podendo induzir o telespectador a determinadas conclusões. Concluiuse, portanto, que há falhas no formato atual do Jornal Nacional que prioriza o espetáculo em detrimento dos princípios jornalísticos. Referências

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 2013.

OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La Perspectiva Cualitativa. In: ______. La investigación en comunicación desde la perspectiva qualitativa. p. 67-93, 1997. Disponível em: https://casamdp.files.wordpress.com/2013/08/orozco-cap-iv.pdf. Acesso em: 28 de out. 2015.

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RESUMOS RESUMOS

Midiatização Amazônica: A Nova Liturgia da Noticiabilidade no InfoAmazonia Vinícius FLÔRES1 Viviane BORELLI2

Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul A humanidade paulatinamente tem se transformado no que se refere aos modos interacionais e comunicacionais que sucedem no tecido social. As lógicas midiáticas se incorporaram de modo sistêmico no seio da sociedade, despontando novas práticas sociais e discursivas. Com o cenário proporcionado pelas tecnologias da informação e comunicação em paralelo com o crescimento de políticas de transparência, instituições ligadas aos movimentos ambientalistas também se midiatizaram ao aderir lógicas tipicamente midiáticas. Desse contexto provêm iniciativas como o InfoAmazonia3, plataforma de bancos de dados de caráter colaborativo sobre as problemáticas da floresta amazônica transnacional. O marco teórico desse trabalho se assenta nos estudos sobre midiatização, particularmente no que concerne aos discursos (VERÓN, 2004; FAUSTO, 2006), a partir de uma perspectiva construtivista sistêmica-comunicacional (LUHMANN, 1995; 2005). Se de um lado a Modernidade desencadeia socialmente uma ininterrupta fragmentação sistêmica com o propósito de reduzir a complexidade emergente (LUHMANN, 1995), afinal, trata-se de “uma constante evolutiva absoluta” (ESTEVES, 1993:5), por sua vez, para além do olhar funcional e homogêneo, o processo de midiatização engendra mais complexidades (VERÓN, 2004). Esse cenário paradoxal descreve a dinamicidade da semiose infinita na sociedade moderna (VERÓN, 1997). Portanto, a midiatização extrapola a visão instrumental de uma profusão generalizada de dispositivos tecnológicos ao sublinhar que também é uma prática social, traduzida pelas mútuas afetações de ordem não-linear entre instituições, mídias e indivíduos (VERÓN, 1997: 7) que emergem um novo cenário sócio-técnico-

Vinícius Flôres – Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes. 2 Viviane Borelli - Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Professora adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. 3 Site: www.infoamazonia.org 1

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discursivo (FAUSTO NETO, 2010: 6). No caso do sistema jornalístico, a partir de sua imersão na web, passa a ser caracterizado pela descentralização (SOSTER, 2009), o que resulta no surgimento da tríade fontes, jornalistas e leitores na nova liturgia da noticiabilidade (FAUSTO NETO, 2009). Por meio de acoplamentos estruturais (LUHMANN, 2005), a competência de produção discursiva jornalística se torna compartilhada com outras instâncias, outrora circunscritas nos âmbitos da produção e do reconhecimento (VERÓN, 2004). Além disso, a auto-referencialidade é potencializada enquanto atributo principal, em um movimento autopoiético (LUHMANN, 2005), midiatizando o próprio jornalismo (SOSTER, 2013). Nesse sentido, o presente trabalho tem o intuito de investigar o processo comunicacional do InfoAmazonia por meio de uma abordagem sistêmica dos processos de produção discursiva em uma sociedade em processo de midiatização. O objetivo geral é analisar como as dinâmicas discursivas geradas a partir de problemáticas sobre a floresta amazônica engendram a construção da plataforma de banco de dados. Especificamente, buscamos compreender como se sistematizam os acoplamentos estruturais oriundos da nova liturgia da noticiabilidade em um sistema jornalístico midiatizado. Trata-se de um estudo de caso de caráter exploratório, descritivo e analítico, baseado em pesquisa bibliográfica e documental. O período de coleta de dados correspondeu a um ano de amostras, de abril de 2015 a março de 2016. Assim, as processualidades metodológicas indicam movimentos que se utilizam de aspectos descritivos e operacionais para apreender as funcionalidades do sistema. O caso do InfoAmazonia evidenciou as transformações contínuas proporcionadas pela midiatização. A análise descritiva-observacional assinalou ainda a complexidade em compreender a dinamicidade sistêmica da plataforma, tendo em vista as constantes mutações sócio-técnico-discursivas. O diferencial do banco de dados é a colaboração, principal vetor de acoplamento externo, buscando aderir por lógicas jornalísticas tanto organizações quanto cidadãos. Dessa forma, a descentralização da produção é intensificada com a atual liturgia da noticiabilidade, possibilitando a criação de conteúdos de forma aberta sobre temáticas fundamentais como as ambientais. Referências ESTEVES, João Pissarra. Uma apresentação. In: LUHMANN, Niklas. A Improbabilidade da Comunicação. Lisboa: Vega, 1993. FAUSTO NETO, Antônio. Midiatização - prática social, prática de sentido. In: Compós. Bauru, 2006. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_544.pdf

____________. Jornalismo: sensibilidade e complexidade. Revista Galáxia, São Paulo, n. 18, p.17-30, dez. 2009. ____________. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, Antonio; VALDETTARO, Sandra (Org.). Mediatización, Sociedad y Sentido: Diálogos entre Brasil y Argentina. Rosário: Departamento de Ciencias de la Comunicación - UNR, v. 1, 2010, p. 2-17.

LUHMANN, Niklas. Social Systems. Stanford-CA: Stanford University Press, 1995. Translated by John Bednarz Jr. and Dirk Baecker.

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RESUMOS RESUMOS

____________. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005. Tradução Ciro Marcondes Filho.

SOSTER, Demétrio de Azeredo. O jornalismo para além de suas fronteiras conceituais. BOCC. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, v. 1, p. 1-14, 2009.

____________. A midiatização e a reconfiguração das práticas jornalísticas. Covilhã: LabCom,

2013.

VERÓN, Eliseo. Esquema para el analisis de la mediatización. Revista Diálogos de La Comunicación, n. 48, Lima: Felafacs, 1997. ____________. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Unisinos, 2004.

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RESUMOS #9 Teorias e Metodologias

O Método Texto em Ação na Pesquisa de Recepção Midiática: Possíveis Contribuições Hellen Panitz BARBIERO1

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Este artigo é o recorte de um trabalho de conclusão de curso2 sobre a recepção do Jornal Nacional por mulheres de classes populares. Aqui objetivamos refletir acerca das contribuições do método texto em ação (WOOD, 2008) para a pesquisa de recepção midiática, especialmente em relação ao funcionamento das Mediações Comunicativas da Cultura (MARTÍN-BARBERO, 2002) nos usos sociais da mídia. Para isto, demonstramos a finalidade da aplicação do método à monografia, bem como as decorrências de sua utilização. Apresentado por Helen Wood (2008), “ao invés de separar texto e leitor e materializar o sentido em cada ponta do processo de comunicação, o texto em ação permite a visualização da trama intricada da televisão enquanto ela emociona os telespectadores” (Ibid, p. 17). O método busca capturar a produtividade do receptor em contato com a mídia, e é aplicado através da gravação do áudio no momento da apresentação do texto midiático aos receptores e na posterior transcrição do áudio dos sujeitos com o texto, objetivando captar as interações receptor/mídia. A visualização do método aplicado ocorre pela construção de uma tabela composta por duas colunas, uma com a transcrição do áudio dos receptores no momento da assistência e outra com a transcrição do texto midiático nos momentos em que ocorrem as interações. Na pesquisa, baseada na perspectiva dos Estudos Culturais latino-americanos, o método – entre outras técnicas - foi aplicado para compreender como as receptoras constituem as representações acerca da condição feminina a partir do Jornal Nacional com base nas mediações da família e do trabalho. Para conhecermos as interpretações, bem como ampliarmos o conhecimento de seus modos de ver TV, a amplitude da captura das relações das entrevistadas com o telejornal e a TV foi obtida com base nas categorias da ritualidade e da socialidade. As percepções das mulheres com relação às representações foram convergidas com as experiências advindas do âmbito da família e do trabalho através de descrições, que permitiram analisar as

Hellen – Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – POSCOM UFSM. 2 Trabalho realizado na UFSM (2015) sob orientação da Prof.ª Dr.ª Veneza Mayora Ronsini. A aluna foi bolsista de iniciação científica do grupo Usos Sociais da Mídia, coordenado pela prof.ª, durante os anos 2014-2015. 1

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percepções positivas relativas às representações de mães e trabalhadoras e a reprovação daquelas que fogem ao padrão de respeitabilidade tido como adequado à condição feminina e de classe, que não dão atenção aos filhos ou são viciadas. A esfera da produção foi contextualizada com a apresentação, em uma tabela, dos dados técnicos das nove reportagens e notícias apresentadas às receptoras, sendo os tipos de cada uma, as datas em que foram transmitidas e os tempos de duração. Os elementos da notícia (O quê; Quem; Quando; Onde; Como e Porquê), assim como a estrutura dos vídeos em questão, como offs, sonoras e passagens dos repórteres também foram expostos. Para contextualizar as representações midiáticas femininas realizamos uma descrição do conteúdo das matérias e reportagens, com foco na construção das representações supracitadas pelo telejornal. Este enfoque ocorreu com a apresentação das fontes femininas das matérias e reportagens, locais em que se encontravam, atividades realizadas por elas e tempo em que ficavam expostas. O método texto em ação se apresentou como um eficiente complemento na realização da pesquisa de recepção midiática por nos aproximar dos usos da mídia pelas receptoras, estes capturados em sua forma espontânea e que foram distintos, em certa medida, e complementares àqueles capturados com outras técnicas. Combinado com o conhecimento prévio das experiências e através da descrição densa das relações entre essas e a recepção, o método permitiu uma aproximação da forma como as mediações da socialidade e da ritualidade interferem nesses usos. Tais percepções foram flagradas pelas identificações, estranhamentos e comportamentos das mulheres frente às representações midiáticas do telejornal e à TV. O método se apresentou como uma forma de abarcar o texto midiático em pesquisas de recepção, este possível de ser explorado de acordo com a conjuntura e os objetivos de cada investigação. Referências MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de Cartógrafo: Travesías latinoamericanas de la comunicación en la cultura. Santiago, México: Fondo de Cultura Econômica, 2002.

WOOD, Helen. Talking with television: women, talk-shows and modern self-reflexivity. Illinois: University of Illinois Press, 2008.

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De receptor a produtor: proposições teóricas e experimentais a partir de pesquisa sobre Jogos Vorazes Julherme José PIRES1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS Em nossas pesquisas do chamado “campo da recepção”, temos encontrado cada vez mais evidências do erro teórico e metodológico que é chamá-lo assim. Esse é um problema que tem emparedado os pesquisadores da comunicação cada vez mais, uma sombra que se levanta com rapidez diante da pesquisa contemporânea e que projeta escuridão em vez de iluminá-las. As saídas, no entanto, não estão claras, especialmente em relação a terminologia a ser empregada no lugar de recepção. O que está claro, porém, é que este é um problema que precisa ser encarado. Este artigo propõe, a partir da problematização teórica, e consequentemente metodológica, desse campo, a partir de uma abordagem transdisciplinar, debater o lugar do receptor, ou melhor, do sujeito no sistema da comunicação – no processo comunicacional. Trata-se de um relatório que vem da experiência já desenvolvida na pesquisa de mestrado “Relações entre sujeitos históricos comunicantes e a dimensão política de Katniss Everdeen de Jogos Vorazes”, sob orientação do professor Dr. Alberto Efendy Maldonado. Eco (1991) explica que a obra de arte “é um objeto produzido por um autor que organiza uma seção de efeitos comunicativos de modo que cada possível fruidor possa recompreender a mencionada obra, a forma originária pelo autor” (p. 40). Mas, alerta o autor, que cada sujeito tem uma “[...] situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária se verifica segundo uma determinada perspectiva individual” (Ibid., p. 40). Para Eisenstein (1990), “todo espectador, de acordo com sua individualidade, a seu próprio modo, e a partir de sua própria experiência [...] cria uma imagem de acordo com a orientação plástica sugerida pelo autor, levando-o a entender e sentir o tema do autor”. Ao referir-se sobre o espectro da literatura, Certeau (1994), diante da

Julherme José Pires - Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo e Especialista em Cinema e Realização Audiovisual pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. 1

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RESUMOS RESUMOS

concepção de que o livro é uma construção do leitor, “este não toma nem o lugar do autor nem um lugar de autor. Inventa nos textos outra coisa que não aquilo que era a ‘intenção’ deles”. A intersubjetividade, no entanto, pressiona a inventividade e a individualidade, num processo acelerado de globalização hegemônica marcada pelo avanço do capitalismo de consumo. Na aproximação do conceito de habitus, presente na teoria de Bourdieu (2004), isso fica claro, pois o sujeito vive sob certas condições, e habitus forma-se a partir daí, “[...] se trata de disposições adquiridas pela experiência, logo, variáveis segundo o lugar e o momento” (Ibid., p. 21). De certa forma as ações e a intersubjetividade, na teoria de Bourdieu, é fruto desse “matrimônio” entre a subjetividade individual e as experiências recolhidas historicamente, de eventos e outros sujeitos. Dessa posição surge toda a base para pensarmos o sujeito de forma diacrônica e comunicante. “Os sujeitos em comunicação, hoje, são seres sociais que vivem e experimentam suas práticas de sentido em contextos múltiplos, em diversas esferas (técnicas, semióticas, psíquicas, sociais) e em múltiplas dimensionalidades” (MALDONADO, 2013, p. 90, grifos do autor). Essas concepções demandam de uma problematização epistemológico-metodológica consciente. Em nossas pesquisas, os resultados positivos já aparecem. Propomos o experimento de estudar dois sujeitos que tiveram contato com a série transmidiática Jogos Vorazes de maneira distinta, que tem histórias completamente diferentes. A diferença contextual apenas entre os dois sujeitos já provoca um abismo nas entrevistas. E fica muito claro que a abordagem ao sujeito traz informações relevantes também sobre a obra que estamos tratando. Os sujeitos e suas mesodimensões acrescentam e são potência, não apenas como dados matemáticos, mas como energia transformadora da pesquisa e da ciência que aqui propomos. Referências

BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. Tradução de Cássia R. da Silveira e Denise Moreno. São Paulo: Brasiliense, 2004. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1994.

ECO, Umberto. Obra aberta. Tradução de Giovanni Cutolo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1991.

EISENSTEIN, Serguei. O sentido do filme. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

MALDONADO, Alberto Efendy. Pensar os processos sociocomunicacionais em recepção na conjuntura latino-americana de transformação civilizadora. In: BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins do (Orgs.). Processualidades metodológicas: configurações transformadoras em comunicação. Florianópolis: Insular, 2013.

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RESUMOS RESUMOS

Os “supertemas” nos estudos de recepção: algumas lacunas e possibilidades Nathália dos Santos SILVA1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Este artigo parte da seguinte questão: como a categoria dos “supertemas” (JENSEN, 1995, 1998) vem sendo utilizada nas pesquisas brasileiras de recepção? O objetivo, de ordem teórica, é discutir sua apropriação nos estudos do campo apontando algumas lacunas e possibilidades metodológicas. Para tanto, adotamos os procedimentos da pesquisa bibliográfica de modo a compor o quadro teórico de discussão e realizar o levantamento inicial das pesquisas que exploraram a categoria. Na perspectiva da semiose social, os “supertemas” são uma chave analíticointerpretativa da investigação da recepção conjugada à análise do discurso dos meios. Aproximando Giddens e Peirce, Jensen (1995) sublinha a articulação entre formações sociais, discursivas e interpretativas em um continuum na “sociedade triádica”, colocando os meios de comunicação em relação a outras formas culturais, instituições sociais e ao cotidiano das audiências. Os “supertemas” estabelecem relações de significado entre as realidades discursivas dos programas midiáticos e as realidades cotidianas dos receptores, enquanto categorias gerais e específicas. Enraizadas em infinitas redes de conceitos, imagens e proposições, estruturam a recepção tanto quanto a conceitualização cotidiana de algum tema, chamando ou atualizando significados em novos contextos (JENSEN, 1995). Inicialmente, apresentamos a proposta dos “supertemas” observando seus pressupostos e desdobramentos a partir de Fiske (1987), Hall (1997, 2003), Orozco Gómez (1996a, 1996b), Marino (2001) Gomes (2005) e Jacks (2011), situando-nos na perspectiva dos Estudos Culturais. Em um segundo momento, nos dedicamos ao levantamento dos estudos já realizados (2000-2016). Dentre os encontrados nos repositórios de teses, dissertações e artigos (da Biblioteca Digital Brasileira, da Capes, da Scielo, e do Google Acadêmico), 10 utilizam a categoria de análise, seis citam somente o conceito teórico sem adotá-lo e doze empregam o termo sem designação conceitual. Voltamo-nos para os seis artigos e quatro dissertações de mestrado que efetivamente adotaram a categoria, de universidades do Rio Grande do Sul (seis), da Bahia (três) e de São Paulo (uma). Nathália dos Santos Silva – Mestra em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 1

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RESUMOS RESUMOS

Observamos seus temas, objetos, escolhas teórico-metodológicas e a forma como os “supertemas” foram conceituados e operacionalizados, o que nos permitiu discutir a apropriação da categoria na particularidade dos estudos de recepção no Brasil. Ainda que a proposta de Jensen não possa ser integralmente remetida aos Estudos Culturais (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005), a perspectiva se destacou nas pesquisas, especialmente na vertente latino-americana. O estudo dos “supertemas” na relação com a televisão continua significativo (principalmente quanto aos produtos jornalísticos e de entretenimento), e novas propostas exploram a categoria como operador interpretativo das interações em redes sociais digitais. Já a investigação a partir da mídia impressa ou do gênero publicitário foi pouco encontrada. Apesar de a categoria dos “supertemas” expressar a relação entre o discurso midiático e o da recepção, ela foi mais usada para estudar esse último do que sua articulação com o primeiro. Poucas pesquisas complementaram dados da recepção com análises do texto midiático e, por outro lado, investigações do texto também usaram a categoria sem dar conta do receptor. Frequentemente, os “supertemas” foram operacionalizados nos estudos de recepção a partir de Orozco Gómez (1996), mais articulados com seu Modelo das Multimediações e com o Mapa das Mediações de Martín-Barbero do que com o próprio modelo de Jensen (1998) “The world in the head”. Ao final, indicamos algumas lacunas nas propostas de operacionalização assim como as possibilidades acenadas. Busca-se, assim, contribuir para o debate teóricometodológico dos estudos de recepção, enfatizando a potencialidade da investigação dos processos interpretativos na perspectiva da semiose social. Referências FISKE, John. Television Culture. London & New York, Routledge, 1987

GOMES, Itania Maria Mota. O ponto de vista de telespectadores quanto às funções de informação, legitimação e entretenimento do telejornalismo. Uma crítica do livro Making Sense of the News, de Klaus Bruhn Jensen. In: Contemporânea, Vol. 3, n. 2, p. 217249. Jul./Dez., 2005. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/1820/1/2524.pdf>. Acesso em 09 jun. 2016.

HALL, Stuart. The Work of Representation. In: HALL, Stuart (org.) Representation: Cultural Representations and Signifying Practices. Sage/Open University: London/Thousand Oaks/New Delhi, 1997. ________. Codificação/ Decodificação. In: Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2003.

JACKS, Nilda. Klaus Jensen e os Estudos Culturais. In: GOMES, Itania Maria Mota; JANOTTI JUNIOR, Jeder (orgs.). Comunicação e Estudos Culturais. Edufba: Salvador, 2011. Disponível em: . Acesso em 09-06-2016.

JACKS, Nilda; ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker Editores, 2005.

JENSEN, Klaus Bruhn. The Social Semiotics of Mass Comunication. London: SAGE Publications. 1995

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RESUMOS RESUMOS

_________. News of the World. World cultures look at television news. Londres: Routledge, 1998.

MARINO, Paula Rodriguez. As noções de texto e discurso nos Estudos Culturais: Stuart Hall, David Morley e John Fiske. In: Novos Olhares – Revista de estudos sobre práticas de recepção a produtos midiáticos, ano 4, n.7. ECA-USP: São Paulo, 2001. Disponível em: . Acesso em 06 jun. 2016. OROZCO GÓMEZ, Guilhermo. “Hay que hacer algo, pero no somos los indicados" Ambitos de mediación y supertemas en la televidencia de las noticias. In: Comunicación y Sociedad, n. 27, 1996a. Disponível em: . Acesso em 10 jun. 2016. _________.Televisión y audiencias: un enfoque cualitativo. México, UIA. Universidad Iberoamericana, 1996b.

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RESUMOS RESUMOS

Estudos Metodológicos de Recepção: Uma Análise da Produção Científica de Graduandos Rafael FOLETTO1 Amanda SANTOS2

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul O presente artigo tem por objetivo analisar a produção científica sobre recepção, no âmbito dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) defendidos nos cursos de Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – Campus Frederico Westphalen (UFSM-FW). A análise atenta para os objetos contemplados pelas investigações, as metodologias utilizadas para se aproximar da realidade de pesquisa e os autores que são referenciados nas problematizações dos textos. Dessa forma, objetiva-se compreender as perspectivas que vêm sendo adotadas para abordar a questão da receptividade midiática e os possíveis desdobramentos conceituais que estão sendo realizados a partir dessas reflexões. Para tanto, parte-se dos dados obtidos a partir do projeto de pesquisa "O saber metodológico nos trabalhos de conclusão de curso do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM, Campus Frederico Westphalen", que busca compreender a problematização metodológica proposta nos TCCs produzidos ao longo dos dez anos de existência do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM-FW, abrangendo os cursos de Jornalismo e Relações Públicas. Observa-se a perspectiva dos Estudos de Recepção como uma abordagem teórica e metodológica que possibilita uma leitura comparativa entre os discursos da mídia e da audiência. (BONIN, 2004; MARTÍN-BARBERO, 2008; MALDONADO, 2000; RONSINI, 2007), construindo uma ampla observação e análise do processo comunicacional. Desse modo, compreende-se a necessidade de explorar processualidades metodológicas, no âmbito da pesquisa em receptividade, pertinentes para observar e interpretar os interlocutores de forma ampla, como

Rafael Foletto – Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Valer do Rio dos Sinos – UNISINOS. Professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Campus Frederico Westphalen – UFSM. 2 Amanda Lucia Bittencourt dos Santos – Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Estudante de Relações Públicas – Bacharelado, na Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. 1

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RESUMOS RESUMOS

sujeito social e interacional, possuidor de características culturais e organizações sociais próprias e particulares. Acredita-se que o diálogo com o conhecimento e a experiência proveniente de pesquisas anteriores sobre a mesma temática, pode contribuir para a elaboração de questionamentos que fomentem a observação de novas dimensões do fenômeno pesquisado. Assim, adota-se a pesquisa da pesquisa como uma abordagem metodológica que possibilita a desconstrução, imersão, reconstrução, aprendizado lógico, experimentação mental de investigações relacionadas com a temática da pesquisa, estabelecendo sintonias e contrapontos (BONIN, 2011; 2014). Nesse sentido, foram analisados, ao todo, nove trabalhos, do curso de Jornalismo. No curso de Relações Públicas, embora se tenha encontrado recorrência no uso de técnicas como questionários e entrevistas, não se observou a problematização teórica de conceitos e autores de referência nos estudos de recepção. Podemos perceber que se tratavam, sobretudo, de pesquisas de opinião pública. A análise do corpus apontou que o principal objeto de referência dos TCCs está ligado ao jornalismo impresso. Os interlocutores mais acionados na construção das pesquisas são os agricultores da região do Médio Alto Uruguai. Algumas investigações dialogaram com a análise de conteúdo para a construção das processualidades metodológicas. Neste sentido, a técnica mais frequente foi a entrevista, em suas diferentes abordagens. Por fim, percebeu-se que a dimensão teórica foi embasada por autores ligados aos estudos culturais, tanto ingleses como latino-americanos. Pensa-se que a problematização dos exercícios de experimentação metodológica, dos seus usos, do movimento de análise e interpretação dos dados obtidos, de busca de aportes teóricos que os sustentem, contribuem para a compreensão de que cada investigação suscita dinâmicas diferentes de observação, que devem ser construídas levando em consideração as particularidades e especificidades do problema-objeto, sem negligenciar de constatações acerca dos modos como se inter-relacionam os movimentos históricos, nos âmbitos micro e macro. Referências

BONIN, Jiani Adriana. Estratégia multimetodológica de captação de dados em pesquisa de recepção: a experiência da investigação Telenovela, identidade étnica e cotidiano familiar. Rastros (Joinville), Joinville, v. 1, p. 6-18, 2004.

______. Revisitando os bastidores da pesquisa: práticas metodológicas na construção de um projeto de investigação. In: Alberto Efendy Maldonado et al.. (Org.). Metodologias da pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 19-42.

MALDONADO, Alberto Efendy. Explorar a Recepção sem Dogmas, em Multiperspectiva e com Sistematicidade. In: PPG - Ciências da Comunicação/COMPÓS. (Org.). Coletânea Mídias e Recepção. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2000, p. 1-13.

MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

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RESUMOS RESUMOS

RONSINI, Veneza Mayora. Mercadores de sentido: consumo de mídia e identidades juvenis. Porto Alegre: Sulina, 2007.

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RESUMOS RESUMOS

Epistemologia da Comunicação: A exterioridade subjetiva. Stefan TOIO1 Orientador: Walter LIPPOLD2

Uniritter, Porto Alegre, Rio Grande do Sul Em Platão (1965; 2002), pode-se compreender o uso da dialética de Sócrates, como uma estrutura do desenvolvimento de um diálogo aberto, onde os indivíduos trocam seus pareceres e ideias, e com isto, vão desenvolvendo o conhecimento de maneira conjunta. São caminhos que se cruzam em meio ao desenvolvimento do diálogo, e nesta relação as ideias são trocadas. Ainda sobre a mesma perspectiva Cooley (1902; 1909), explica que os sujeitos emitivos e receptivos, buscam fora se si mesmos algo que complete sua imperfeição exteriorizada, desta, agindo como estímulo de uma função unificadora, assim os indivíduos passam a se relacionar e transmitir interesses em comum através deste instinto de incompletude. Pode-se ver também que Sloterdijk (1992; 2009), demonstrando que, o convívio social possui uma formação de sobrevivência, onde os indivíduos se reagrupam para atuarem como defesas do organismo instintivo no ambiente, assim ele passa chamar esta atividade de Sistema Imunológico. Esse sistema vive incubado até o momento de sua mobilização, agindo no receptáculo imunológico do sujeito, quando o sujeito encontra a própria exterioridade, o fazendo servir como equilibrador acerca das tensões de verticalidade, compostas por desvios morais que ferem o processo de domesticação do ser humano, como o convívio, educação e a defesa do íntimo. Assim, o presente estudo busca analisar o discurso dos autores sobre a similaridade da ótica socrática, escrita por Platão. Possuindo como viabilidade, compreender o conflito interno e externo na comunicabilidade que age socialmente

Stefan da Silva Toio – Graduando em Publicidade e Propaganda, Uniritter Laureate International Universities – UNIRITTER. Estudante de Comunicação Social: Publicidade e Propaganda. Uniritter Laureate International Universities – UNIRITTER. 2 Orientador: Walter Günter Rodrigues Lippold – Doutorando em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor da Faculdade de Comunicação Social, Uniritter Laureate International Universities – UNIRITTER. 1

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RESUMOS RESUMOS

no sujeito que emite e recebe, quando entra em contato com sua exterioridade. Esta investigação é concebida pela revisão bibliográfica, analisando os estudos de Charles Cooley, Destutt de Tracy, Peter Slotedijk e Platão. Este estudo tem como problema, a passagem do interior ao exterior, e a recepção da exterioridade, enquanto sujeito comunicativo, imbricado no ambiente social e ideal. Por este motivo, essa análise teórica busca identificar e entender a composição do cenário subjetivo que compõem o espaço comunicativo, e o contato do sujeito com a exterioridade. Trabalhando de forma exploratória acerca da natureza do conhecimento espacial da subjetividade, que se manifesta pelas ações das ideias comunicativas. Esta pesquisa visa analisar a teoria da comunicação de Charles Cooley, a teoria da subjetividade e a Esferologia de Peter Sloterdijk, a dialética e o mundo das ideias de Sócrates, descrita por Platão e também o conceito de Ideologia de Destutt de Tracy.

Entre as considerações parciais, está o reconhecimento do espaço subjetivo como estrutura exterior ao sujeito, do qual o conjunto de ideias sujeitas são diálogos íntimos compartilhados sobre um tecido admirável e fiscalizável. Onde a relação social é regida pelos sujeitos que, se reconfiguram a medida em que sua prática de convívio fica de fácil manuseio, servindo como um facilitador comunicacional. O sujeito que emite, é o mesmo que recebe as ideias compostas no espaço subjetivo exteriorizado. Referências

COOLEY, Charles H. Human Nature and the Social Order. New York. Charles Scrinbnre’s Sons,1902. ____. Social Organization: a Study of the Larger Mind. New York: Charles Scrinbnre’s Sons, 1909.

____. The Theory Transportation. 9. Vol. JSTOR Early Journal Content: Publications of the American Economic Association, 1909.

PLATÃO. Górgias – a retórica (Trad. Carlos Alberto da Costa Nunes).2.ed. Belém:EDUFPA, 2002. ____. A República (Trad. Guinburg).São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1965.

____. A República (Trad. Maria da Rocha Elena Pereira).9.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1949.

TRACY, Antoine Louis Claude Destutt Comte de. Élémens D’Idéologie. Paris: M. Y.Courcier, Imprimeur, Libraire, sue du Jardinet Saint André Dies Arch, 1818. ____.Elementos de Verdadera Lógica. Madrid:Imprenta de Don Mateo Repullés, 1821. SLOTEDIJK, Peter. Crítica de la razón cínica. Madrid: Ediciones Siruela, 2003.

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RESUMOS RESUMOS

____. Esferas I: Burbujas, Microsferologia. Madrid: Ediciones Siruela, 2009.

____. Esferas III: Espumas, Esferologia Plural. Madrid: Ediciones Siruela, 2009.

____. El Pensador En Escena: El materialismo de Nietzsche. Madrid: Ediciones Siruela, 2009. ____. Mobilização Copernicana e Desarmamento Ptolomaico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. ____. O desprezo das massas: ensaio sobre lutas culturais na sociedade moderna. São Paulo: Estação Liberdade, 2000. ____. Regras para o parque humano: uma resposta sobre à carta de Heidegger sobre o humanismo. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.

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RESUMOS RESUMOS

Aproximação com a Realidade Investigada: Reflexões Metodológicas e Planejamento de Entrada no Campo Tabita STRASSBURGER1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS O texto apresenta a proposta de entrada no campo que vem sendo desenvolvida para a qualificação do projeto de pesquisa de doutorado, intitulado “A participação da mídia na construção das identidades fronteiriças: práticas socioculturais dos sujeitos de São Borja e Uruguaiana”. Também, explicita os autores e as teorizações principais que têm fundamentando esse planejamento. A investigação tem caráter qualitativo e, em linhas gerais, objetiva compreender como a mídia participa da construção de representações sobre as fronteiras internacionais e as identidades fronteiriças. Para tanto, utiliza-se de entrevistas e relatos de sujeitos de São Borja e Uruguaiana, no que tange ao contato com produtos midiáticos e às interpretações que empreendem sobre si e as regiões limítrofes a partir desse acesso. Em um primeiro momento, a pretensão é realizar entrevistas semiestruturadas (OROZCO GÓMES, 2000; DUARTE, 2006; GASKELL, 2014). Importa referir que a definição pelos contextos investigados ocorreu em virtude da relevância de pesquisar as divisas entre Brasil e Argentina, focando na conformação de cidades-gêmeas, no caso, São Borja-Santo Tomé e Uruguaiana-Paso de Los Libres. Além disso, a escolha ponderou sobre o fato de ambas possuírem pontes internacionais, ligações entendidas como institucionalizadas, com a finalidade de facilitar e ampliar os processos de integração entre os países. Considerando os procedimentos programados para a imersão nesses contextos, pretende-se refletir sobre a importância de planejar a entrada no campo, definir os percursos que vão ser realizados, problematizar as dinâmicas necessárias para chegar aos objetivos estabelecidos. E, ainda assim, ter a ciência de que imprevistos podem surgir a qualquer momento, solicitando que o pesquisador, constantemente, questione suas decisões, reformule estratégias metodológicas, redefina perspectivas e trajetórias da pesquisa. A coleta de dados vai ser realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com sujeitos que tenham participação efetiva no compartilhamento de informações

Tabita Strassburger – Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 1

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RESUMOS RESUMOS

junto às comunidades locais. A escolha se justifica por essa técnica permitir que o entrevistado fale livremente sobre as temáticas, acionadas pelo pesquisador a partir de questões orientadoras, além de possibilitar que novas perguntas sejam inseridas conforme o andamento da conversa. A partir de tais dinâmicas, observa-se a possibilidade de apreender representações que circulam, sobre as fronteiras internacionais e as identidades fronteiriças, entre os moradores do lugar. A seleção dos participantes vai ser realizada de modo qualitativo, buscando a diversidade dos contextos, e por meio da utilização dos mesmos critérios nas duas cidades, por exemplo, definição de organizações que estão presentes tanto em São Borja quanto em Uruguaiana e escolha de entrevistados a partir de instâncias ligadas a educação e ensino, saúde, cultura, religião. A investigação considera como possíveis entrevistados pessoas que atuam como professores, representantes em instituições da indústria e do comércio, coordenadores de grupos de apoio, líderes comunitários e de associações, vereadores, jornalistas, radialistas, comunicadores, padres, pastores, guias espirituais, entre outros. Inicialmente, o roteiro de entrevistas possui três eixos temáticos. “Lembranças de experiências e histórias de vida” busca estabelecer vínculos com os sujeitos, compreender quem são e suas relações com o contexto fronteiriço. “Trajetória com a mídia” foca nas perspectivas midiáticas, quais informações acessam e em que meios, como percebem a mídia em suas vidas e na sociedade. “Representações sobre as fronteiras internacionais e as identidades fronteiriças” questiona, especificamente, o contato com produções voltadas à temática fronteiriça, se lembram algum produto com enfoque no assunto, como era a cobertura, a forma como as regiões e os sujeitos fronteiriços eram apresentados. Cabe ressaltar que, até o momento, as reflexões concernentes às fronteiras e identidades estão ancoradas, de modo especial, em Maria Helena Martins (2002), Néstor García Canclini (2001; 2005), Armand Mattelart (2005), Stuart Hall (2008), e Vera Lucia Spacil Raddatz e Karla Maria Müller (2015). Tendo em vista que o texto elucida uma proposta de entrada em campo, a finalidade é refletir sobre os procedimentos metodológicos indicados, bem como pensar alternativas para a continuidade da pesquisa, posterior à qualificação. Ainda, espera-se aprofundar as reflexões sobre o método e problematizar os aspectos éticos que estão relacionados ao desenvolvimento de pesquisas que utilizam entrevistas e relatos de sujeitos. Referências

DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006.

GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George (org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2014. GARCÍA CANCLINI, Néstor. La globalización imaginada. Buenos Aires: Paidós, 2001.

______. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

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RESUMOS RESUMOS

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

MARTINS, Maria Helena (org.). Fronteiras culturais: Brasil - Uruguai – Argentina. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. MATTELART, Armand. Diversidade cultural e mundialização. São Paulo: Parábola, 2005.

OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa. Guadalajara, México: Instituto Mexicano para el Desarrollo Comunitario, 2000.

RADDATZ, Vera Lucia Spacil; MÜLLER, Karla Maria. Comunicação, cultura e fronteiras. Ijuí: Ed. Unijuí, 2015.

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RESUMOS RESUMOS

RESUMOS #10 Usos, Apropriações e Consumo Midiático

A relação entre agricultores e tecnologias da comunicação: um estudo dos usos e apropriações da mídia Aline BIANCHINI1

Lírian SIFUENTES2

Ana Carolina ESCOSTEGUY3 PUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul Este trabalho tem o objetivo de apresentar resultados iniciais da pesquisa “Tecnologias de comunicação nas práticas cotidianas: o caso de famílias relacionadas à cadeia agroindustrial do tabaco” (CNPq, 2014-2016). A investigação foca-se na reconstituição de práticas cotidianas e nas experiências de apropriação de famílias de agricultores integradas à cadeia agroindustrial do tabaco, em sua relação com tecnologias de comunicação, compreendendo tanto a mídia tradicional (rádio, televisão, jornal e revista) quanto a nova mídia (telefone celular, computador e internet). À luz das contribuições de Couldry (2009, 2010, 2013), Morley (2009) e Silverstone (2005), entendemos que o desafio tecnológico não tem origem na tecnologia em si mesma, mas, principalmente, nos seus usos e rituais. Faz-se necessário, assim, compreender como a mídia está imbricada nas esferas cultural e social, além de compreender o processo de domesticação pelo qual tem passado as novas tecnologias de informação e comunicação – sendo incorporadas no lar, adquirindo significado na vida cotidiana e fazendo sentido nos marcos culturais, cognitivos e afetivos da família. Entendemos que as tecnologias de comunicação são 1

Aline Bianchini – Doutoranda em Comunicação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. 2 Lírian Sifuentes – Doutora em Comunicação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Pesquisadora em Comunicação – PUCRS. 3 Ana Carolina Escosteguy – Doutora em Comunicação, Universidade de São Paulo – USP. Professora titutal do programa de pós-graduação em Comunicação – PUCRS.

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RESUMOS

tanto artefatos quanto meios; são adquiridas por motivos funcionais, mas também estéticos; impactam a economia e o espaço doméstico. Tal enfoque não descarta as consequências econômicas e sociais de tais práticas, porque a família agricultora é entendida como uma unidade cultural, mas também social e econômica. Destaca-se que se trata de pesquisa de caráter socioantropológico, dado que almeja investigar os significados atribuídos pelo grupo familiar mencionado às tecnologias de comunicação. Aqui, são tomadas famílias de agricultores integrados à cadeia agroindustrial do tabaco, moradoras da microrregião de Santa Cruz do Sul, importante região produtora e exportadora de tabaco. Para a coleta de dados, foram feitas seis incursões a campo junto a famílias produtoras de tabaco – tendo sido cada uma visitada duas vezes –, no município de Vale do Sol. Foram empregadas como técnicas de investigação: formulário, entrevista aberta coletiva, entrevista semiaberta individual, observação e registro fotográfico. Os sujeitos pesquisados têm tido acesso às tecnologias de comunicação, tradicionais e novas – sendo a apropriação dessas últimas ainda recente – alterando suas práticas cotidianas domésticas, suas vivências nos distintos grupos sociais e, mesmo, em alguma medida, suas atividades econômicas. Percebe-se que as tecnologias midiáticas proporcionam novos tipos de laços interpessoais, inclusive dentro das próprias famílias. A melhoria, mesmo que parcial, de serviços (eletrificação, estradas, transporte, telefonia celular e internet), de espaços de sociabilidade e de lazer incide de modo direto na reelaboração simbólica da ruralidade contemporânea pelos moradores do lugar. Contribui, também, em alguns casos, para amenizar o desejo de abandono do meio rural pelos jovens, pelo menos, por um determinado período. Ainda, no que se refere às relações de gênero, reconhecemos a permanência da dominação masculina nas relações de poder, quando observados os hábitos, rotinas e usos das TICs dentro das famílias. Referências

COULDRY, N. My media studies: thoughts from Nick Couldry. Television & New Media, v.10, n.1, p. 40-42, 2009. COULDRY, N. Why voice matters. Culture and politics after neoliberalism. Londres: Sage, 2010.

COULDRY, N. Media, society, world. Social theory and digital media practice. Cambridge: Polity Press, 2013.

MORLEY, David. Media, modernity and technology. The Geography of the new. Nova York: Routledge, 2009. SILVERSTONE, R.; HIRSCH, E. (Eds.). Los efectos de la nueva comunicación. El consumo de la moderna tecnología em El hogar y em La família. Barcelona: Bosch, 1996.

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RESUMOS

Informação e Entretenimento: o Consumo Midiático de Jovens Evangélicos e de Jovens em Conflito com Lei em Contexto de Convergência e de Mediações Chirlei KOHLS1 Claudia Irene de QUADROS2

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná Os olhos quase não desgrudam do telefone celular para consultar, quase que frequentemente, as redes sociais digitais em diferentes momentos e ambientes. O rádio, quando ouvido, é ligado somente enquanto dirige. A televisão não é mais o centro das atenções, os programas são acompanhados com comentários entre amigos próximos pela conexão tecnológica. Esses são alguns hábitos de consumo midiático que permeiam o cotidiano de jovens que vivem em Curitiba e fazem parte da pesquisa em tela. Os dados encontrados até o momento não são muito diferentes do panorama nacional, como comprova a pesquisa coordenada por Nilda Jacks sobre o consumo de comunicação entre os jovens (JACKS, TOALDO, et al, 2014). O que difere são apropriações e motivações do uso dos conteúdos, como os programas televisivos assistidos, quando observados os contextos distintos. Seja em busca de informação ou entretenimento, o contato com a mídia perpassa as mediações comunicativas da cultura propostas por Martín-Barbero (2009). Neste sentido, Orozco Gómez (2006, p. 86) também contribui com o entendimento das “mediações como processos estruturantes que provêm de diversas fontes, incidindo nos processos de comunicação e formando as interações comunicativas dos atores sociais”. Ao considerar as mediações e a convergência de meios, o objetivo deste artigo é verificar semelhanças e divergências do consumo midiático de dois grupos de jovens inseridos em contextos distintos. O estudo comparativo foi feito com jovens evangélicos, da Comunidade Alcance de Curitiba (PR), e jovens em conflito com a lei, da Casa de Semiliberdade de Curitiba. A idade dos sujeitos pesquisados é de 15 a 29

Jornalista. Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista da Capes. Pós-graduada, com especialização em Novas Mídias, Rádio e Tevê pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Contato: [email protected] 2 Jornalista e relações públicas pela UFPR. Pós-doutora em Comunicação pela Universidade Pompeu Fabra e doutora em Comunicação pela Universidade de La Laguna, ambas na Espanha. É professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e orientadora da pesquisa "Consumo midiático de jovens diante da convergência de meios e das múltiplas mediações". Contato: [email protected] 1

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RESUMOS

anos, faixa etária definida no Estatuto da Juventude para considerar pessoas jovens, conforme a lei número 12.852, de 5 de agosto de 2013. Assim como Martín-Barbero (2009) propõe olhar para o outro a partir da cultura, Canclini (2015) defende uma abordagem multidisciplinar do consumo – considerando aspectos como globalização, cidadania, identidade e cultura –, definindo-o como “o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos”. (CANCLINI, 2015, p. 60) O contexto no qual se está inserido também interfere na apropriação de conteúdos e leva à discussão do consumo midiático, quando se observa sua presença no cotidiano dos jovens pesquisados e sua influência em relações, percepções etc. (TOALDO, JACKS, 2013). A presença e interferência cada vez mais intensa da mídia nas trocas e relações cotidianas, seja no ambiente familiar, de trabalho, estudantil, religioso, político etc., nos leva a dizer que consumimos a mídia, consumimos pela mídia e a mídia nos consome (SILVERSTONE, 2002). Este cenário remete a mudanças de produção e recepção de conteúdos do ponto de vista da convergência, que não se trata apenas de uma transformação mercadológica, mas sim de uma mudança cultural dentro do próprio cérebro dos consumidores (JENKINS, 2009). Foram aplicados dois grupos focais (COSTA, 2014), um em cada grupo de jovens, com duração de cerca de uma hora e seis participantes. Ao todo, foram feitas oito perguntas sobre o contato com a mídia no dia a dia, como se informam, as motivações para consumir os meios e a produção e circulação de conteúdos. Os resultados são parte de pesquisa de dissertação sobre consumo midiático de jovens em contextos diferentes, que utiliza, além do grupo focal, outras técnicas de pesquisa. Neste artigo, o foco da análise é verificar semelhanças e diferenças em relação às mídias consumidas e as respectivas motivações dos jovens para consumi-las. As semelhanças encontradas se referem ao uso de redes sociais digitais considerando principalmente medições de sociabilidade e ritualidade (MARTÍNBARBERO, 2009). Já as diferenças do consumo midiático estão relacionadas às motivações do uso dos meios, como televisão e Internet, com uma busca maior por informação por parte do grupo de evangélicos e entretenimento pelos jovens em conflito com a lei. Referências

CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015. COSTA, Maria Eugênia Belczak. Grupo focal. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. (Org.) Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

JACKS, Nilda; TOALDO, Mariângela; et al. Jovem e consumo midiático: dados preliminares do estudo piloto e da pesquisa exploratória. XXIII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal do Pará, 27 a 30 de maio de 2014. Disponível em http://goo.gl/576ynQ Acesso em 20 jun. de 2016. JENKINS, Henry. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e novos meios de comunicação. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2009.

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RESUMOS

MARTÍN-BARBERO; Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Comunicação social e mudança tecnológica: um cenário de múltiplos desordenamentos. In: MORAES, Dênis de. (Org.) Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

TOALDO, Mariângela; JACKS, Nilda. Consumo midiático: uma especificidade do consumo cultural, uma antessala para os estudos de recepção. XXII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal da Bahia, 04 a 07 de junho de 2013. Disponível em http://goo.gl/Ag2d5l Acesso em 25 jan. de 2016. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2002.

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RESUMOS

Mulheres são maioria entre os participantes do programa Bem Estar da Rede Globo Grayce DELAI1

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, mestrado em Comunicação Social – PPGCOM/PUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul Participantes são todos os espectadores que se envolvem com o conteúdo midiático, mesmo que não interajam de forma direta com a mídia, segundo Jenkins e outros (2014), entretanto, neste trabalho classificamos como participantes aqueles telespectadores que interagem ativamente com os programas televisivos. Na dissertação de mestrado que tem como tema “As motivações que influenciam a participação popular no programa Bem Estar da Rede Globo” verificamos que a interação depende da segunda tela para ser efetivada e que as mulheres são maioria entre os participantes do programa. A partir desses resultados, decidimos investigar quais os elementos textuais que geram maior identificação do público feminino e as incentivam a interagir. O método de Análise de Conteúdo de Bardin (2009) nos amparou na análise quali-quantitativa dos programas veiculados entre 5 de agosto e 4 de setembro de 2015 e das mensagens enviadas pelo público através do canal oficial de interação do programa, Participe Ao Vivo, neste mesmo período. O conceito de modos de endereçamento de Gomes (2005) foi utilizado para interpretar o destino dos conteúdos televisivos de acordo com as interações reativas do público. A pesquisadora entende como modos de endereçamento, os elementos textuais e de formato do programa que geram uma “[...] relação de interdependência entre emissores e receptores na construção do sentido do texto televisivo” (GOMES, 2005, p.3). Constatamos que as mulheres foram o foco do maior número de pautas, dentre os 23 programas, um deles foi completamente produzido para sanar dúvidas ginecológicas e outros cinco abordaram o tema dentre outros assuntos. Cinco edições orientavam sobre cuidados na gravidez, quatro sobre amamentação, dois alertaram sobre a maior propensão das mulheres às doenças de fundo psicológico. E as pautas sobre o desenvolvimento infantil eram direcionadas às mães. Gomes (2005) defende que o formato, o gênero e as temáticas de um programa acabam por atrair um Nome do autor - Maior titulação, nome da instituição que cursou por extenso – SIGLA. Vínculo institucional, Extenso – SIGLA.

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RESUMOS

segmento de público específico, e comprovamos isso ao analisar o canal Participe Ao Vivo, onde 87% das mensagens haviam sido enviadas por mulheres. Ao utilizarmos os nove fatores de que influenciam o endereçamento, propostos por Gomes (2005): o mediador, a temática, o pacto sobre o papel do jornalismo, o contexto comunicativo, os recursos técnicos a serviço do jornalismo, os recursos da linguagem televisiva, os formatos de apresentação da notícia, e a relação com as fontes de informação e o texto verbal. Concluímos que desses, o que mais se destaca no caso do Bem Estar é a temática, que é o principal agente mobilizador do programa. E o segundo fator mais relevante é o papel do jornalismo, que no caso do nosso objeto de estudo é evidenciado pelo Gênero Jornalístico Utilitário ao qual ele está enquadrado. Melo e Assis (2010) classifica nesse gênero as pautas que visam orientar o receptor, e ajudá-lo a tomar decisões relacionadas à sua rotina diária. Conforme a Pesquisa Nacional de Saúde 2013 - percepções do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verificamos que os homens demonstram maior autoconfiança em relação ao seu quadro de saúde. “Em relação ao sexo, 70,3% dos homens consideraram sua saúde como boa ou muito boa, contra 62,4% das mulheres” (IBGE, 2014, p.20). E de acordo com Bird e Rieker (1999) as mulheres têm mais facilidade de expor seus problemas clínicos, e de buscar os serviços de saúde para a realização de exames preventivos. E segundo Aroso (2013) as mulheres e os jovens são o alvo principal das pautas sobre padrões de beleza e estética, e que afetam a autoestima e incentivam os espectadores a buscar por dicas que os tornem mais próximos ao estereótipo de indivíduo saudável. Portanto, inferimos que as mulheres, ao desconfiarem de seu quadro de saúde, podem ter maior interesse por informações e dicas que as auxiliem a manter-se saudável. Referências AROSO, Inês. Saúde nos media: a participação dos cidadãos. Biblioteca Online de Ciências da Comunicação. 2013. Disponível em: . Acesso em: 16 jun. 2016. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, LDA, 2009.

BIRD, Chloe; RIEKER Patrícia 1999. Gender matters: an integrated model for understanding men's and women's. Social Science and Medicine v. 48, n. 6, p. 745-755, 1999. Disponível em: . Acesso em: 6 jun. 2016.

GOMES, Itania Maria Mota. Modo de Endereçamento no Telejornalismo do Horário Nobre Brasileiro: o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão. Trabalho apresentado ao NP Comunicação Audiovisual, do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: < http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/7427721774277210377262160514023548609 0.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2016. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013, percepções do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. IBGE, Rio de Janeiro, 2014.

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RESUMOS

Disponível em:< http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91110.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2016.

JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da Conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

MELO José Marques de; ASSIS, Francisco de. Gêneros jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2010.

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RESUMOS

Estratégias discursivas e contrato de leitura em uma página de humor religioso no Facebook Herivelton REGIANI1 Viviane BORELLI2

Universidade Federal de Santa Maria, RS Trata-se de um estudo de caso (YIN, 2005) realizado de forma a corroborar a compreensão de Braga (2008) sobre o modo como este método de pesquisa é particularmente relevante no campo da comunicação, por seu caráter indiciário. Nessa perspectiva, ao gerar conhecimento rigoroso sobre um caso específico, pretende-se articular e tensionar a realidade com os conhecimentos estabelecidos, gerar proposições para novas abstrações teóricas e contribuir no “desentranhamento” do comunicacional na sociedade (BRAGA, 2008, p.77). O caso estudado – a página na rede social Facebook intitulada Agostinho de Hipona Depressivo3 –, evidencia como páginas do Facebook funcionam enquanto dispositivos de enunciação. Lança-se mão, para melhor compreensão do objeto, de conceitos relacionados à enunciação e contrato de leitura a partir das perspectivas de Eliseo Verón (2004) e Antonio Fausto Neto (2007). Investiga-se, através das marcas discursivas deixadas pelos sujeitos enunciadores na página, as formas como estes propõem, atualizam e modificam contratos de leitura com seus públicos. No contexto da midiatização (BRAGA, 2006; VERÓN, 2014; FAUSTO NETO, 2008), que se estende também sobre o campo (RODRIGUES, 1999) religioso, páginas de humor evangélico se constroem através da apropriação de estratégias singulares por parte sujeitos que buscam enunciar-se e dar visibilidade aos discursos próprios dos subcampos aos quais estão vinculados. Entre essas estratégias, destaca-se a publicação de memes (Dawkins, 2001; Shifman, 2014), que são adaptados de diferentes contextos para produzirem efeitos de sentido também na comunicação religiosa. Como plataforma de rede social, o Facebook oferece, em seu espaço de criação de páginas, interessantes possibilidades para que os sujeitos construam contratos de leitura com diferentes públicos no âmbito do reconhecimento. A plataforma facilita a

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. 3 Disponível em . Acesso em: 15 Jun 2016. 1

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RESUMOS

produção, a circulação e o consumo de discursos vinculados a diferentes campos sociais e interesses, incluindo o religioso, através de diferentes suportes, como textos verbais, imagens, vídeos e formatos híbridos. Da mesma forma, o Facebook possibilita aos criadores de páginas a obtenção mais rápida de respostas dos enunciatários, se comparada aos meios convencionais, através das curtidas, comentários e outras formas de interação. Também oferece ferramentas através das quais os enunciadores podem obter dados sobre as reações às suas publicações, o que possibilita novos posicionamentos e estratégias e até mesmo a redefinição dos públicos-alvo. Assim, pode ocorrer rápida e constante revisão do contrato de leitura, a partir de retornos sobre as dinâmicas de reconhecimento manifestas pelos enunciatários. Quanto ao caso específico da página de humor religioso “Agostinho de Hipona Depressivo”, trata-se de publicação vinculada ao protestantismo histórico e com frequentes críticas ao protestantismo do tipo pentecostal e neopentecostal. O humor é utilizado como estratégia de contestação e desconstrução da teologia e prática ligadas às igrejas desse subcampo e suas lideranças. Na análise empreendida neste estudo, primeiramente são identificadas estratégias discursivas adotadas pelos sujeitos enunciadores na composição de cabeçalhos, imagens, descrições e enquadramentos que compõem a apresentação de páginas segundo as normas e possibilidades oferecidas pelo Facebook como plataforma de rede social. Em seguida, acompanha-se a evolução do contrato de leitura desde a criação da página até o momento atual, através da identificação, descrição e análise de marcas discursivas dos enunciadores e de sua interação com seus enunciatários, com atenção especial ao modo como o contrato é atualizado, reconfigurado ou modificado ao longo do tempo e segundo essas interações. Referências BRAGA, José Luiz. Comunicação, disciplina indiciária. Matrizes, São Paulo, n.2, p. 73-88, 2008. Disponível em . Acesso em: 16 jun. 2016. _________. Mediatização como processo interacional de referência. Animus, Santa Maria, RS, vol. 5, n.2, p.9-35, jul/dez. 2006. DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.

FAUSTO NETO, Antonio. Contratos de leitura: entre regulações e deslocamentos. Diálogos Possíveis. Salvador, FSBA, Vol. 6, n. 2, Jul/Dez 2007, p. 7-27. Disponível em: . Acesso em: 22 Jun 2015. _________. Fragmentos de uma “analítica” da midiatização. Matrizes, São Paulo, vol.1, n.2, p. 89-105, abr. 2008. Disponível em: . Acesso em: 22 Jul 2015.

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RESUMOS

RODRIGUES, Adriano Duarte. Experiência, modernidade e campo dos media. Biblioteca On Line de Ciências da Comunicação. Portugal, 1999. Disponível em: . Acesso em 22 Jul 2015. SHIFMAN, Limor. Memes in digital culture. Massachusetts: MIT Press, 2014.

VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um Tecido. São Leopoldo, RS: UNISINOS, 2004.

________. Teoria da midiatização: uma perspectiva semioantropológica e algumas de suas consequências. Matrizes, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 13-19, jan/jun. 2014. Disponível em: . Acesso em: 22 Jul 2015. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.

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RESUMOS

Receptores da comunicação organizacional e gestão de conteúdos nas mídias sociais: reconfigurações a partir da mediação estrutural da tecnicidade Mônica PIENIZ 1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS como

Este artigo traz uma reflexão sobre os resultados iniciais da pesquisa que tem tema

as

reconfigurações

da

comunicação

organizacional

na

contemporaneidade. A partir de entrevistas (DUARTE, 2005) com gestores de mídias

sociais, tem-se como objetivo compreender o processo de reconfiguração da

comunicação organizacional no atual patamar de mediação da tecnicidade - na relação

com os diferentes públicos. Tal objetivo geral divide-se em dois objetivos específicos: investigar os processos decisórios dentro da organização em relação ao planejamento e gestão da comunicação organizacional na web e averiguar como se dá o

aproveitamento e a avaliação das informações provenientes dos públicos que circulam na web.

O que aqui se denomina como mediação estrutural da tecnicidade (MARTIN-

BARBERO, 2010), em sinergia com outras mediações, colabora para a análise do que reconfigura as possibilidades de atuação das organizações na contemporaneidade. A

mediação da tecnicidade é aqui considerada uma condição comunicacional contemporânea que revela um trânsito das audiências (OROZCO-GÓMEZ, 2011). Estas são compreendidas como receptores da comunicação organizacional, os quais, além

Mônica Pieniz - Doutora, pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS. Professora Adjunta da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação – Fabico/UFRGS. 1

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RESUMOS

de receberem as mensagens e interagirem pelos meios tradicionais, podem hoje optar pela emissão de mensagens em espaços de maior alcance, tendo ou não o crivo dos profissionais das organizações que são pauta dos conteúdos.

Este trânsito afeta as organizações também na medida em que estas precisam

se tornar receptoras das emissões por parte do público e, a partir disso, sentem a necessidade de moldar a sua comunicação nestes novos espaços de mídias sociais. Organizações e públicos intercalam papeis de emissão e recepção e, portanto, figuram

como audiências em trânsito, em diferentes momentos e espaços, podendo ou não

estar em interação mútua (PRIMO, 2008). A convergência midiática, parte mais visível

da tecnicidade, a qual pode ser vista em alguns momentos manifesta como midiatização (PIENIZ, 2013), tem remodelado a comunicação organizacional, pois

propicia espaços de atuação que criam novas demandas nos diferentes tipos de empresas. Comunicação Organizacional, Relações Públicas, Cibercultura e Estudos

Culturais, dentre outras áreas, podem dialogar de modo a encontrar formas viáveis de

dar sentido e densidade às reflexões teóricas, somadas ao empreendimento de pesquisas empíricas.

Os resultados parciais da pesquisa aqui explicitada apontam que a atuação dos

receptores da comunicação organizacional tem sido a base para a gestão de

conteúdos das organizações nas mídias sociais, tanto nas dimensões da organização

comunicada e comunicante quanto na dimensão da organização falada (BALDISSERA, 2009). Percebe-se um cenário no qual as tecnologias propiciaram uma diversidade de

meios para sistematizar o relacionamento das organizações com os seus públicos.

Consequentemente, tal relação é objeto constante de mudanças, as quais demandam diferentes estratégias de pesquisa, planejamento, gestão e avaliação por parte das organizações. Referências BALDISSERA, R. A teoria da complexidade e novas perspectivas para os estudos de comunicação organizacional. In: KUNSCH, M. M. K. Comunicação organizacional: histórico, fundamentos e processos. São Paulo: Saraiva, 2009.

DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.

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RESUMOS

MARTÍN-BARBERO, J. Convergencia digital y diversidade cultural. In: MORAES, D. de. Mutaciones de lo visible: communicación y processos culturales em la era digital. Buenos Aires: Paidós, 2010. OROZCO GÓMEZ, G. La condición comunicacional contemporânea. Desafios latino-americanos de la investigación de las interaciones em la sociedade red. In: JACKS, N. (coord./ed.). Analisis de recepción en América Latina: um recuento histórico com perspectivas al futuro. Quito: CIESPAL, 2011.

PIENIZ, M. Tecnicidade como mediação empírica: a reconfiguração da recepção de telenovela a partir do Twitter. Porto Alegre: UFRGS, 2013. Tese (Doutorado em Comunicação e Informação), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013. PRIMO, Alex. Interação mediada por computador. Porto Alegre: Sulina, 2008.

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RESUMOS

Renovação Carismática Católica do Brasil e a atualização de suas estratégias midiáticas Viviane BORELLI 1 Virgínia Diniz FERREIRA2

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul. O campo da Religião sofreu, nos últimos anos, um processo de imbricamento com o campo da Comunicação e da Mídia. Nesse contexto, a comunicação entre o movimento que configura o fenômeno social do pentecostalismo católico, a Renovação Carismática Católica (RCC), e seus fiéis, desde sua chegada no Brasil (CARRANZA, 2000), modificou-se a partir de estratégias midiáticas, elaboradas institucionalmente, tendo como marco recente o ano de 2010. Período em que foi elaborado o primeiro Planejamento Estratégico de Missão, dando destaque à comunicação institucional do movimento, com valorização das redes sociais, tendo como plataforma principal o Facebook. Parte-se do pressuposto que a RCC investe em novos produtos co municacionas para atualizar suas práticas religiosas, produzindo novas formas de contato – comunicação - com os participantes do movimento, com fins de aumento do número de fiéis, manutenção – fidelização – dos fiéis. Com o processo de midiatização crescente, a religião toma forma pela mídia, que traduzem as operações técnicas e simbólicas: “esse novo modo de expressão da religião ocorre a partir de ofertas organizadas e elaboradas por dispositivos de contato entre o mundo do credo e do fiel” (BORELLI, 2010, p.15). Portanto, o outro elemento avaliado pela pesquisa, é a produção de consumo de bens simbólicos e materiais, desenvolvidos pelos administradores da fanpage. Para Bourdieu, quando um bem cultural recebe um valor mercantil, sendo consagrado pelas leis de mercado, com status de mercadoria, esse mercado ganha produtores e consumidores. Sendo assim, ao entrar na lógica de mercado, com produtos que visam expressar a cultura religiosa do movimento, a RCC entra na lógica de consumo, oferecendo para os fiéis, não apenas mercadorias do universo religioso pentecostal católico, mas bens simbólicos, que mantém unidos os consumidores-seguidores (BOURDIEU, 2015). Examina-se, portanto, à luz do conceito de midiatização, onde Fausto Neto define como quando “a cultura midiática se converte na referência pela qual a estrutura sócio-técnica-discursiva se estabelece produzindo zonas de afetação em vários níveis da organização e da dinâmica própria

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Viviane Borelli – pós doutora pela Universidade de Ciências Sociais e Humanas da Nova Lisboa e professora da Faculdade de Comunicação (FACOS), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Virgínia Diniz Ferreira – mestranda do programa de pós-graduação da Faculdade de Comunicação (FACOS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

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RESUMOS

da sociedade” (FAUSTO NETO, 2009). Também conceituada por Verón, a midiatização é definida quando a mídia ocupa o centro da sociedade, de maneira que as relações sociais estabelecidas passam a ser afetadas de tal modo, que as práticas sociais são regidas pela mídia no cotidiano. “En definiva, el término mediatización no designa otra cosa que lo que es hoy el cambio social de las sociedade post-industriales” (VERÓN, 1997, p. 17). O processo de midiatização, por sua vez, será analisado no que tange à produção e circulação. Para Fausto Neto, os “dispositivos sócio-técnico-discursivos” reformulam o processo de interação, alterando o lugar e o conceito de recepção(FAUSTO NETO, 2009, p.8). Por sua vez, a recepção, está entendida nesse artigo, segundo percepção de Verón, que utiliza o termo “reconhecimento”, que seria a análise do dispositivo de enunciação, na produção, pelo leitor-receptor (VERÓN, 2004). Assim, analisa-se como se dão as relações entre a RCC e seus participantes, através da fanpage Renovação Carismática Católica do Brasil, no Facebook. Analisase a página no período de 12 de abril de 2016 a 12 de junho de 2016, dividindo metodologicamente a análise em três fases a partir dos conceitos norteadores: a) Produção, como a RCC se apresenta e se anuncia para seus possíveis seguidores; b) Circulação, onde serão descritos os processos de trocas entre os seguidores (compartilhamentos, reações, tipos de interação – comentários, links, memes); c) Como reconhecimento, são identificadas as estratégias discursivas dos seguidores no que se refere à produção de comentários e às postagens feitas na páginas. Identificase, portanto, as mudanças ocorridas no discurso da RCC Brasil, para manutenção do movimento na ambiência da midiatização e de que maneira ele se renova, reconfigura e se atualiza. Referências BORELLI, Viviane (Org). Mídia e Religião: entre o mundo da fé e do fiel. Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2015.

CARRANZA, Brenda. Renovação Carismática: origens, mudanças, tendências. Aparecida: Editora Santuário, 2000. CARRANZA, Brenda. Catolicismo Midiático. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2011.

FAUSTO NETO, Antonio. A religião do contato: estratégias discursivas dos novos “templos midiáticos”. Contemporânea, vol 2, nº 2, p. 139-168, Dez, 2004.

_____________________________. Midiatização, prática social, prática de sentido. Paper. Bogotá: Seminário Mediatização, 2006. _____________________________, Fragmentos de uma “analítica” da midiatização. Revista Matrizes. São Paulo: ECA/USP, ano 1, nº 1, 2008, pp. 89-105.

_____________________________. Olhares sobre a recepção através das bordas da circulação. Anais do XVIII Encontro da Compós/ Belo Horizonte, 2009.

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RESUMOS

____________________________. Análise do discurso. In: CITELLI, Adilson et al. Dicionário de Comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto, 2014, p. 35-43.

FLORES, Ana Cássia. Práticas midiatizadas da Canção Nova na internet: afetação de lógicas comunicacionais católicas e midiáticas. Dissertação de Mestrado. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Programa de Pós-graduação em Comunicação, 2010. JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Introdução: Por que a mídia se propaga. In: Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1999. MATTOS, Maria Ângela; JANOTTI JÚNIOR, Jeder; JACKS, Nilda. In:Circuitos versus campos sociais. Mediação & Midiatização. Salvador/Brasília: EDUFBA/COMPÓS, 2012 .

PINTO, Milton José. Comunicação e discurso: introdução à análise de discursos. São Paulo: Hacker Editores, 2002. P. 13-63. VERÓN, Eliseu. Esquema para el análisis de la mediatización. In: Revista Diálogos de la Comunicación, n. 48, Lima: Felafacs, 1997. ________________. Fragmentos de um tecido. In: “Quando ler é fazer: a enunciação do discurso na imprensa escrita”. São Leopoldo (RS): Unisinos, 2004. P.215-238.

FERREIRA, Diniz Virgínia. Pentecostes na TV: análise da expansão do movimento da Renovação Carismática Católica em São Luís (MA), a partir da cobertura dos telejornais da Rede Globo. Monografia: Universidade Federal do Maranhão, UFMA, 2009.

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RESUMOS

ARTIGOS COMPLETOS #1 Convergências, Usos e Apropriações na Web

Trajetórias de recepção multiplataforma entre estudantes André MORAES1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Resumo: Este trabalho apresenta resultados iniciais e a concepção teórica de uma pesquisa empírica realizada com estudantes de primeiro ano da UFRGS. O problema de pesquisa investigado diz respeito ao percurso de leitura multiplataforma adotado por jovens leitores. Foi observado, em uma pesquisa anterior, que estudantes confrontados com a tarefa de tomar contato com uma lista de leituras obrigatórias apresentaram, como uma das estratégias de resposta de estudo, alternância de suportes de conteúdo, mesclando leitura em livro com texto eletrônico, filmes ou documentários em vídeo e resumos obtidos pela Internet e material de apoio on-line. A atual pesquisa amplia esta observação e emprega o conceito de multiplataforma conforme proposto por Ana Gruszynski (2015). Palavras-chave: leitores; leitura; vestibular; plataformas; multiplataforma 1 Introdução Este trabalho integra uma pesquisa de doutorado ainda em curso, que por sua vez deriva da dissertação de mestrado defendida em 2012 no PPGCOM UFRGS, com orientação de Ana Cláudia Gruszynski, intitulada Entre Livros e E-books: a Apropriação de Textos Eletrônicos por Estudantes Ingressados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2011. Tratava-se de um estudo prospectivo sobre o uso de livros eletrônicos entre os leitores. O objetivo era compreender como o e-book era utilizado em um contexto comparativo com outros suportes de leitura. Seguindo-se as observações de autores que expressavam a preocupação sobre os hábitos de leitura de jovens (ULIN, 2010; BIRKERTS, 2006; JACOBS, 2011), foi escolhida uma amostra de estudantes universitários aprovados no vestibular da UFRGS de 2011. O indicador adotado foi

André Moraes é mestre e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGCOM UFRGS. Membro (estudante) do Laboratório de Edição, Cultura & Design (LEAD) registrado no CNPq. 1

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ARTIGOS COMPLETOS

Convergências, Usos e Apropriações na Web

a lista de leituras obrigatórias para a prova de Literatura do concurso. A adoção deste indicador cumpria o requisito desejado no levantamento de consistir em um conjunto de obras literárias com dimensão canônica, seguindo conceito delineado por Fidélis (2008), normalmente associadas ao livro impresso mas que, acreditava-se, poderiam ser consultadas pelos estudantes também em outras formas. Foram distribuídos questionários fechados autopreenchidos a 263 estudantes de 9 cursos da UFRGS (um de cada Grande Área da Capes, escolhidos a partir da maior densidade de candidatos por vaga no vestibular, e com o acréscimo do curso de maior densidade da Comunicação, área de origem da pesquisa): Medicina, Direito, Psicologia, Biologia, Veterinária, Engenharia Civil, Ciência da Computação, Letras e Publicidade. Entre as perguntas, estavam quantas obras da lista de vestibular haviam sido lidas na íntegra, assim como os suportes adotados, tanto para a leitura integral quanto para a eventual leitura de trechos. Um dado inesperado, dentro da concepção inicial da pesquisa, foi a grande alternância de suportes de leitura e estudo por parte dos respondentes. É este aspecto dos dados que a presente pesquisa transformou em problematização. A seguir, são apresentados alguns dos resultados daquela observação, já com vistas ao aproveitamento neste outro contexto investigativo. 2 A pesquisa inicial

A Tabela 1 traz os dados de consulta por suporte declarados pelos alunos. A coluna à esquerda traz as categorias que era possível marcar, pelas quais os respondentes poderiam ter entrado em contato com as obras da lista do vestibular. Eram incluídas as formas de acesso ao texto integral (livro impresso, xerox, texto eletrônico) e também suportes de estudo ou oralidade (aula, resumos impresso e da Internet, filmes, teatro). 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º

Categorias Respondentes Livro impresso 237 Aula 182 Resumo impresso 158 Resumo Internet 116 Xerox ou apostila 114 Texto no computador 83 Filme ou documentário 83 Teatro 9 Leitor de e-book, celular ou tablet 5 Palestra 3 Audiolivro 2

(%) 90,11% 69,20% 60,08% 44,11% 43,35% 31,56% 31,56% 3,42% 1,90% 1,14% 0,76%

Tabela Erro! Nenhum texto com o estilo especificado foi encontrado no documento.. Suportes utilizados pelos estudantes pesquisados em 2011

Note-se que a Tabela 1 é a tabulação dos resultados por estudante. Cada aluno que utilizou um suporte conta uma vez na totalização dada na segunda coluna. Os totais por linha não ultrapassam o teto de 263 (quantidade de alunos no corpus amos227

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tral) ou 100%. Cada aluno podia marcar mais de um suporte, motivo pelo qual não é feita uma totalização vertical. À parte a prevalência do suporte de livro impresso, observa-se expressiva participação das categorias aula e resumos. É através de outros dados do levantamento inicial que pode ser melhor visualizado o objeto da problematização do presente projeto. O Gráfico 1 é o histograma de superposição de categorias. Ele traz uma representação de quantos alunos, em média, assinalaram quais quantidades de categorias de suporte e estudo. Observa-se que houve maiores índices de marcações assinalando três, quatro e cinco categorias. Para compreender o que os números significam, um respondente que houvesse assinalado, por exemplo, que utilizou livro impresso, resumo Internet, aula e computador estaria listado na barra de 4 suportes.

Gráfico Erro! Nenhum texto com o estilo especificado foi encontrado no documento.. Frequência (histograma) de superposição de categorias 2011

Independente dos números de leitura absolutos, dos títulos que tenham sido mais lidos ou mesmo das categorias da Tabela 1, um dos resultados mais pronunciados da pesquisa foi o da superposição de categorias de acesso. Como se nota pelo Gráfico 1, a maior parte dos estudantes lançou mão de vários suportes e modalidades de contato para se apropriar das obras da lista de vestibular. Na Tabela 2 é possível aprofundar o olhar sobre este fenômeno de superposição de categorias. Ali está detalhada a ficha de resposta de uma das alunas pesquisadas. Trata-se de uma estudante de Ciências Jurídicas de 19 anos, que na pesquisa recebeu o codinome de DIR23. As colunas do quadro com as letras de A até L representam os doze títulos da lista de leituras obrigatórias. À esquerda estão marcadas as categorias de estudo e apropriação que vinham no formulário. As duas últimas são desdobramentos da opção “outros”, que permitia que o respondente preenchesse espontaneamente com seus próprios termos. DIR23 assinalou ter lido na íntegra onze 228

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das doze obras obrigatórias (havia outro campo do formulário para esta marcação). O que chama a atenção em sua forma de estudo é, justamente, a maneira pela qual conjugou categorias, como se observa pela Tabela 2. Ela integra o grupo de respondentes com maior superposição de categorias. No Gráfico 1, ela está entre os 23 que utilizaram seis linhas da ficha. Tabela 1. Ficha de categorias de uma das alunas pesquisadas em 2011 (DIR23)

Categorias/Obras Livro impresso

A x

B x

C x

x

x

x

x x

x x

x x x

D x

E x

F x

G x

H x

I x

J x

K x

L

Xerox Texto no computador Leitor de e-book, celular ou tablet resumo Internet Resumo impresso filme/documentário

x x x

x x

x x

x x

x x

x x

x x

x x

x x

aula/grupo de estudo audiolivro outros: teatro outros: palestra

x x

x

x

x

x

x

x

x

x x

x

O caso da estudante DIR23 é o mais emblemático, na pesquisa inicial, do fenômeno de superposição de suportes. A ficha da Tabela 2 ilustra acentuadamente a multiplicidade de plataformas consultadas (na obra C, em especial, a aluna assinalou 6 categorias de acesso, entre texto integral e resumos, e para outras duas, A e B, empregou tanto livro impresso quanto texto eletrônico). A estudante não é, porém, um caso único. Em menor escala, esta apropriação dos conteúdos da lista de vestibular através de diferentes plataformas ou canais foi uma estratégia amplamente adotada, como mostra o histograma do Gráfico 1, em que as quantidades de acessos entre 3 e 5 categorias por aluno ficaram à frente. Por ter sido inesperada dentro do planejamento da pesquisa inicial de observar um comparativo entre formas de acesso, a superposição de suportes foi transformada em problematização para a tese de doutorado em preparação. Além de nova consulta às fontes teóricas, foram implementadas duas novas rodadas de pesquisa de campo para consolidar e analisar os dados em maior profundidade. Estes resultados, ainda iniciais, são descritos a seguir.

3 Comparando dados de 2011, 2014 e 2016

A fim de ampliar a observação, novas turmas de estudantes foram entrevistadas em 2014 e 2016. Novamente, foram grupos de calouros da UFRGS que receberam formulários autopreenchidos a respeito de como leram os títulos da lista de leituras 229

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obrigatórias do vestibular, e também perguntando outros dados mais genéricos de hábitos de leitura e lazer. No ano de 2014 houve 270 participantes, de nove turmas (Medicina, Direito, Engenharia Civil, Jornalismo, Publicidade, Psicologia, Veterinária, Letras e Ciência da Computação). Em 2016, uma terceira rodada da pesquisa envolveu quatro turmas, de Jornalismo, Publicidade, Biologia e Ciência da Computação, em um total de 135 estudantes. Somadas, as rodadas de 2011, 2014 e 2016 totalizaram 668 alunos. Entre as rodadas de 2014 e 2016 também foram realizadas 30 entrevistas semiestruturadas por telefone, para fins de triangulação e para aprofundamento metodológico do escopo do trabalho. A porção quantitativa dos levantamentos de 2014 e 2016 ainda está sendo tabulada e analisada. Entretanto, os Gráficos 2 e 3, abaixo, já permitem um comparativo com o Gráfico 1, referente ao uso de suportes em 2011.

Gráfico 2. Frequência (histograma) de superposição de categorias 2014

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Gráfico 3. Frequência (histograma) de superposição de categorias 2016

Cotejando-se os Gráficos 1 a 3, observa-se uma semelhança no sentido de que, com pequenas oscilações, eles lembram a chamada “curva normal” ou “curva de sino”, que os manuais de estatística mencionam como uma distribuição uniforme e simétrica com um pico. O Gráfico 3 é o menos semelhante à curva normal. Mesmo levando-se em conta que ele diga respeito a uma amostra menor (as turmas de 2016), vale notar que ele possui um segundo pico, de menor amplitude, no valor 7. De todos, este é aquele com valores mais pronunciados na parte inferior. Esta também é uma semelhança entre os Gráficos 2 e 3 em relação ao Gráfico 1. Há valores mais altos de 7 a 9. O Gráfico 3, ainda, tem uma quantidade visivelmente inferior nas categorias mais baixas (0 a 2), mesmo descontando-se a amostra menor. Naturalmente, é preciso interpretar os dados. Os Gráficos 1 a 3 são histogramas de frequência de suportes, ou seja, eles ilustram a variedade de formas de acesso a conteúdo que cada aluno marcou. Que os valores do Gráfico 3 sejam mais altos na parte inferior (valores 7 a 9) significa que em 2016, em relação aos anos anteriores, os estudantes pesquisados assinalaram ter utilizado maior variedade de suportes de acesso ao texto integral ou aos resumos dos títulos da lista de vestibular. Da mesma forma, o fato de que o Gráfico 3 possui menos valores mais baixos (0 a 2) indica que menos alunos adotaram poucas formas de contato. Esta evolução em direção à variedade de suportes, em certa medida, acompanha um aumento das formas de suporte pressupostas na própria lista de leituras da UFRGS. No vestibular 2011, havia apenas obras originalmente impressas. O vestibular 2014 já incluía um arquivo digital disponibilizado no site da universidade com um dos títulos da lista (uma coletânea de Gregório de Matos, anexada pela instituição para minimizar variações de conteúdo, já que as edições com a obra do autor apresentam bastante disparidade uma da outra). E no vestibular 2014 foi incluído um álbum musical na lista de 12 títulos obrigatórios (Tropicalia ou Panis et Circensis). Este é um primeiro indicativo, embora ainda não necessariamente conclusivo, de que a apropriação de formas de conteúdo teve uma evolução crescente nas amostras entre 2011 e 2016, refletindo a própria variedade de conteúdo de plataformas que parece ter sido incluída pela universidade em suas listas de vestibular. É importante levar em consideração que mesmo eventuais tendências observadas ao longo do tempo dentro dos grupos não significam uniformização de hábitos. Observa-se uma considerável elasticidade nas preferências de suporte, distribuída ao longo de vários níveis de êxito nas provas, conforme pode ser inferido a partir do Gráfico 4, mais abaixo. Trata-se de um diagrama de dispersão de pontos em três dimensões, ou 3D scatterplot. Esta visualização é uma das ferramentas da análise estatística multivariada, aquela em que se busca observar a relação entre si de três ou mais variáveis. No caso do Gráfico 4, são comparados dados do levantamento de 2014 sobre quantidade de livros lidos, número de acertos na prova de literatura e quantidade de 231

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suportes empregados pelos estudantes. Estão computados dados de 211 estudantes. Embora as turmas pesquisadas em 2014 tenham totalizado 270 alunos, nem todos autorizaram o acesso aos dados de acerto na prova de Literatura do vestibular.

Gráfico 4. Diagrama de dispersão 3D de acertos x livros lidos x suportes 2014

A intenção, com o Gráfico 4, era analisar visualmente se houve alguma correlação entre as quantidades de acertos na prova de Literatura, a quantidade de livros lidos e o número de suportes empregado. Pode-se notar que a maior parte dos pontos está concentrada na parte superior do gráfico. Trata-se de alunos aprovados no vestibular da UFRGS, e que, portanto, tendem a ter tido uma quantidade maior de acertos na prova. Os pontos mais altos tendem a se concentrar mais para o final do eixo X, aquele dos livros lidos, significando que, de um modo geral, houve mais acertos conforme o aluno leu mais livros, embora também haja exceções, caso dos pontos em posições elevadas no início do eixo X. O eixo dos suportes, entretanto, está distribuído mais uniformemente, significando que a quantidade de formas de contato com as obras que os estudantes escolheram não teve, necessariamente, influência no resultado em termos de acertos. Esta análise visual do Gráfico 4 é reforçada por índices estatísticos. Foi feito a partir dos dados um cálculo de coeficiente de correlação, uma operação que, segundo Sonia Vieira, avalia o “grau de relação linear entre duas variáveis numéricas” (VIEIRA, 2012, p.81). As quantidades de acertos, livros lidos e suportes empregados foram re232

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lacionadas entre si através deste cálculo, usando-se o comando CORREL da planilha eletrônica Excel. Os resultados estão listados na Tabela 3. Tabela 3. Correlações acertos/livros lidos/suportes em 2014

Relação coeficiente de correlação lidos/acertos coeficiente de correlação suportes/acertos coeficiente de correlação lidos/suportes

Índice 0,545083 0,113349 0,146845

Conforme Vieira (2012, p.83), índices de 0,50 a 0,75 indicam correlação moderada, enquanto abaixo de 0,25 apontam correlação pequena ou nula. Estes indicadores apontam um resultado convergente à análise visual do Gráfico 4, corroborando a inferência de que a quantidade de livros lidos teve alguma relação com a quantidade de acertos dos alunos na prova, mas a quantidade de suportes não teve ligação aparente nem com a quantidade de livros lidos nem com a quantidade de acertos. Note-se que o indicador numérico de correlação aponta que não houve sequer correlação negativa, ou seja, não se configurou, por exemplo, que quanto menos livros os alunos tenham lido, mais suportes usaram (o que seria uma hipótese intuitiva). O propósito de relacionar estes três indicadores (livros lidos, acertos e suportes) não foi verificar aproveitamento dos estudantes ou sequer impacto da leitura, mas, justamente, avaliar o papel dos suportes em suas estratégias de preparação às provas. A inexistência, nestes primeiros dados, de correlação evidente entre a quantidade de suportes e o êxito nas provas ou a quantidade de títulos lidos é, em si mesma, uma informação relevante. É possível inferir, a partir destes dados, que a questão do suporte neste grupo esteve ligada mais a estratégias e preferências pessoais do que, necessariamente, a resultados ou mesmo à dedicação à leitura. Houve alunos com muitos acertos que leram poucos livros usando muitos suportes, e outros que foram igualmente bem lendo pouco e usando menos suportes. Análise individual das fichas, que não será exibida aqui, traz, justamente, ocorrências deste tipo, com alunos que leram poucos títulos e fizeram a preparação apenas através de resumos (portanto, usando poucos suportes) e, mesmo assim, obtiveram muitos acertos. Alguns foram bem lendo apenas livros impressos, outros lançaram mão de conjugações de suportes, como havia feito DIR23, mostrada na Tabela 2. Esta análise estatística inicial foi realizada na porção quantitativa do levantamento, que buscava informações sobre as listas de leitura do vestibular. Outra porção da pesquisa envolvia a triangulação dos dados através de entrevistas telefônicas, nas quais foram discutidas com os estudantes algumas de suas respostas, a fim de se con-

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textualizar os dados dos formulários. Resultados iniciais desta etapa da pesquisa são discutidos na seção a seguir.

3 Entrevistas da fase qualitativa

A partir dos dados consolidados dos levantamentos de 2014 e 2016, uma parte da segunda rodada da pesquisa de campo foi composta de entrevistas telefônicas com alguns dos respondentes, para verificação de resultados da observação através de uma técnica diferente daquela inicial pela qual eles foram obtidos. Entre os assuntos abordados nestas conversas com os estudantes, um deles foi a questão do contato com narrativas. Havia, no formulário, um trecho em que se pedia que os estudantes escolhessem múltiplas opções, a respeito de leituras e hábitos de lazer em geral. Dois dos tópicos eram “Viu um filme porque era baseado em um livro que você leu” e “Leu um livro porque ficou interessado depois de ter assistido a um filme baseado nele”. Um dos ouvidos nesta rodada era um estudante de Direito de 18 anos referido pelo código DIR215 , que foi um dos que marcaram a opção “viu um filme porque era baseado em um livro que você leu”. Perguntado sobre as razões de ter marcado esta alternativa, ele comentou que gostava de ler. Deu dois exemplos de títulos que havia lido e que, mais tarde, viu adaptados no cinema: O Tempo e o Vento e O Grande Gatsby. Mencionou, a propósito do autor Scott Fitzgerald, que gosta principalmente de literatura estrangeira. Também comentou que gosta de ir ao cinema, mas esporadicamente. Outra entrevistada é MED226, estudante de Medicina de 19 anos, que marcou ambas as opções, filme-livro e livro-filme. Ela disse gostar de filmes de ação, históricos e também séries, e a respeito das adaptações comentou que “está na moda adaptar”. MED226 confirmou ter marcado as duas opções e deu exemplos, como de um seriado que começou a acompanhar na televisão porque havia lido o livro, bem como a série Instrumentos Mortais, que já havia lido antes da adaptação. Também deu exemplos da situação contrária, como nos filmes da série Divergente e Harry Potter, em que assistiu antes aos filmes e depois decidiu ler os livros. Um detalhe é que MED226 indicou ter feito mais de uma dúzia de leituras tanto no computador quanto em hardware portátil. Disse que lê no iPad, “ou pelo computador, o celular, o que tiver na mão”. Fluente em inglês, comentou que acha mais rápido obter alguns títulos pela Internet: “Eu consigo ler bem rápido. Sem falar que na Internet, assim, sai mais rápido que no Brasil. Então eu consigo ler livros que ainda não lançaram. Eu sou meio ansiosa para esperar...” Outra aluna que marcou ambas as opções livro-filme e filme-livro é DIR219, estudante de Direito de 17 anos. Ela disse ser “totalmente viciada em séries”. Sobre as adaptações de livros, disse: “Às vezes sai trailer de um filme, aí é baseado num livro, aí eu gosto do trailer, aí eu leio o livro e depois eu vejo o filme.” Ela disse ter uma pre234

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ferência por ler os livros antes de assistir aos filmes ou séries, exemplificando com o caso de Game of Thrones, que procurava ler antes de assistir. Da entrevista de DIR219:

Eu prefiro ler o livro antes, porque eu acho que ler o livro é em geral melhor do que ver o filme, e aí se tu vê o filme antes ele já te dá o final do livro. Só que agora Game of Thrones é uma que me disseram que agora a série vai passar na frente dos livros que já saíram, aí eu vou acabar assistindo a série mesmo.

Mais do que a substituição de uma forma de suporte por outra, o que se nota é, em primeiro lugar, uma forte presença da cultura do impresso junto à comunidade estudada, o que fica evidenciado pela preponderância das marcações de estudantes que apontaram ter tomado contato com narrativas inicialmente a partir da leitura de um livro. Acessoriamente, são dignos de nota os exemplos de leitores entrevistados, como DIR215, MED226 e DIR219, todos se identificando como fãs de leitura. Entre eles aparecem, também, questões de distribuição alternativa, como a obtenção de textos através da Internet. É o caso, por exemplo, da observação da aluna DIR219, que aponta a preferência por ler livros antes de ver os filmes ou séries nos quais são baseados, mas comenta que pode ter o próprio interesse no livro originado pelo trailer de uma adaptação, a partir do qual ela procurará tomar contato com o texto previamente. Similarmente, a estudante MED216 tinha o interesse aguçado pelos títulos anteriormente ao próprio lançamento dos livros no Brasil, o que a levava a obtê-los pela Internet. São casos em que já não se fala de preferências por um suporte ou outro, mas de imersão em um fluxo narrativo que passa por vários suportes e pode ter mais de uma origem. Esta complexidade de relacionamento com os suportes extrapola a simplicidade de uma preferência única e delineia um espaço de hibridações e múltiplos fluxos de informação que constitui, exatamente, a questão de pesquisa. 4 Considerações finais

Embora não esteja diretamente identificado com os estudos clássicos de recepção, o presente trabalho tangencia várias questões metodológicas e até epistemológicas que margeiam esta linha de pesquisa, a começar pelo levantamento empírico, envolvendo entrevistas com estudantes. Embora a ênfase seja nos suportes empregados pelos alunos e não na apropriação propriamente dita do conteúdo, a pesquisa lida com avaliações e com o desafio de apreender e descrever a relação dos respondentes com o objeto pesquisado. É uma preocupação, por exemplo, a relativização das ferramentas estatísticas e da própria natureza de viés positivista de qualquer levantamento remotamente quantitativo, quando aplicado ao domínio da Comunicação. Que se empregue um gráfico para demonstrar relações entre quantidades assinaladas pelos estudantes, ou uma tabela para descrever o comportamento do grupo, não significa que esses dados são grandezas da mesma natureza daquelas que seriam medidas pela 235

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Física ou pela Química. As tabelas e gráficos, aqui, servem como uma forma diferente de visualizar o conjunto de informações observadas, e sempre com a necessária ressalva de que devem ser vistos com cautela, como indicações que permitem ensaiar inferências, não grandezas absolutas. Esta cautela metodológica deve ser aplicada à própria amostra. Trata-se de três grupos de estudantes entrevistados, ao longo de três anos. Eles não são representativos do total dos estudantes da universidade naquele período, nem sequer representam a totalidade de suas turmas. Mas o comparativo entre estes três conjuntos de pessoas pode servir para obter inferências sobre transformações e evoluções de relacionamento com suportes, algo que necessita, ainda assim, de corroboração por outras vias. Daí a proposta de triangular os dados quantitativos com os qualitativos. A tese em preparação também busca cruzar estas informações com outras, advindas de pesquisas similares, levantamentos públicos e modelizações de autores. Do ponto de vista teórico, os modos de leitura são um dos tradicionais parâmetros das pesquisas sobre o livro, e a dimensão da apropriação dos textos pode ter tanta relevância quanto as considerações sobre regimes de distribuição, tecnologias de impressão ou o mercado editorial. Neste caso, alguns exemplos que foram encontrados são emblemáticos. As jovens MED226, que descarrega livros em inglês pela Internet para diminuir a ansiedade de aguardar a chegada dos volumes ao Brasil, e DIR219, que se interessa por livros a partir dos trailers de filmes e procura lê-los antes da estreia nos cinemas, são, ambas, grandes leitoras. Pertencem, porém, a uma época que já é muito diferente daquela da leitura monástica. São leitoras que habitam um ecossistema de suportes no qual o livro impresso ainda tem papel fundamental, mas que engendra relações e hábitos culturais ainda não totalmente mapeados e compreendidos. Propõe-se que possa não ser mais possível avaliar a presença do livro junto a esta nova classe de leitores sem compreender a complexidade deste meio. O presente relatório, finalmente, teve o propósito de auxiliar a discussão, dentro da III Jornada Gaúcha de Pesquisadores de Recepção, da proposta da pesquisa. A intenção era a de trazer alguns dos dados, com uma exposição breve da problematização do trabalho, a fim de obter subsídios junto aos pares para enriquecimento da análise final. Nos grupos de trabalho, houve um saudável intercâmbio de experiências e bibliografias. Este texto não se aprofundou em fontes teóricas, mas elas estão, naturalmente, na base da pesquisa. São referências, dentro do trabalho, Roger Chartier (1998), Robert Darnton (2009), John B. Thompson (2008; 2012), D.F. McKenzie (2013) e Thomas Bredehoft (2014), quanto a processos editoriais e cultura do livro; Ana Gruszynski (2015), Henry Jenkins (2009), Matthew Fuller (2007) e Bolter & Grusin (2000) quanto à convergência de mídias e multiplataforma; Naomi Baron (2015), Karin Littau (2006) e Ted Striphas (2011) quanto a modos de leitura e suportes.

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Referências BARON, Naomi S. Words onscreen: the fate of reading in a digital world. Oxford: Oxford University Press, 2015. BIRKERTS, Sven. The Gutenberg Elegies: The fate of reading in an electronic age. New York: Faber and Faber, 2006.

BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambridge: The MIT Press, 2000. BREDEHOFT, Thomas A. The visible text: textual production and reproduction from Beowulf to Maus. Oxford: Oxford University Press, 2014. CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2.ed, 1998.

DARNTON, Robert. The case for the books: past, present, and future. New York: Public Affairs, 2009.

FIDÉLIS, Ana Cláudia. Do cânone literário às provas de vestibular: canonização e escolarização da literatura. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2008. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 2008.

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JACOBS, Alan. The pleasures of reading in an age of distraction. New York: Oxford University Press, 2011. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

LITTAU, Karin. Theories of reading: books, bodies and bibliomania. Cambridge: Polity, 2006.

McKENZIE, D.F. Bibliography and the sociology of texts. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.

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STRIPHAS, Ted. The late age of print: everyday book culture from consumerism to control. New York: Columbia University Press, 2011. THOMPSON, John B. Books in the digital age. Cambridge: Polity, 2008.

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THOMPSON, John B. Merchants of culture: the publishing business in the twenty-first century. New York: Plume, 2012.

ULIN, David L. The lost art of reading: why books matter in a distracted time. Seattle: Sasquatch Books, 2010. VIEIRA, Sonia. Estatística básica. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

Autor André Carlos Moraes é jornalista, mestre e doutorando em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM UFRGS). Membro (estudante) do Laboratório de Edição, Cultura & Design (LEAD) registrado no CNPq. E-mail: [email protected].

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“Little Monsters da Lady Gaga” e as Práticas de Consumo em Comunidade de Fãs Luiza Betat CORRÊA1 Filipe Bordinhão dos SANTOS2

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Universidade Positivo, Curitiba, PR Resumo: O presente artigo discute a relação entre consumo e a participação em comunidades online de fãs, a partir da apropriação do conceito de consumo cultural. Através da metodologia da netnografia e tendo como objeto empírico uma comunidade da rede social Facebook, denominada “Little Monsters da Lady Gaga”, procuramos entender o que é ser fã e membro de uma comunidade de fãs para os sujeitos integrantes deste ambiente virtual. A imersão revelou a existência de padrões de se consumir Lady Gaga, assim como o fato de ser fã envolver a partilha de valores comuns e a participação em comunidades de fãs o sentimento de pertencimento a uma família.

Palavras-chave: Consumo; Comunidade de fãs; Netnografia; Lady Gaga. 1 Introdução

Filiados à perspectiva dos Estudos Culturais, a partir da apropriação do conceito de consumo cultural (CANCLINI, 2010) como processo sociocultural, o qual prevê os usos e apropriações de artefatos culturais e midiáticos, o nosso trabalho versa sobre a relação entre consumo e a participação em comunidade online de fãs (JENKINS, 2009 e MONTEIRO, 2005) da cantora norte-americana Stefani Joanne Angelina Germanotta, conhecida mundialmente pelo nome artístico de Lady Gaga3. 1

Bacharel em Comunicação Social - Produção Editorial, pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Doutorando em Comunicação, Univeridade Federal de Santa Maria – UFSM. Coordenador da Pós em Comportamentos de Consumo e Professor do Curso de Publicidade e Propaganda, Universidade Positivo UP. 3 O trabalho trata-se de um recorte da monografia “Porque essa mulher mudou a minha vida: consumo e identidade de gênero em comunidade de fãs de Lady Gaga no Facebook” (Corrêa, 2014). 2

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Para tanto, metodologicamente, utilizamos o aporte da netnografia (KOZINETS, 2007). A netnografia proporciona, a partir da inserção na comunidade pesquisada e de uma série de técnicas pré-determinadas, observar as relações que se formam entre os indivíduos que participam dos processos sociais estabelecidos em ambientes online. O método funda-se principalmente na observação do discurso textual, uma diferença importante da etnografia, pois há um equilíbrio entre o discurso e o comportamento observado, ou seja, análise não centra-se na pessoa e sim no comportamento que ela apresenta na internet (KOZINETS, 2007). A metodologia apresenta-se como uma vantagem na questão de duração, já que pode ser desenvolvida em menor tempo, visto as características da world wide web. Além disso, é menos subjetiva e invasiva, pois o observador não interfere diretamente nas interações, diferente de uma abordagem presencial. Assim, proporciona a observação de comportamentos naturalistas até mesmo discussões entre os participantes de um grupo (KOZINETS, 2007). Contudo, essa falta de contato presencial também pode ser vista como uma desvantagem, visto que se perde o que o contato visual pode revelar. Outra limitação é a falta de informações a respeito dos integrantes do grupo, bem como a veracidade do que é informado, o que pode levar a dificuldades na interpretação das informações (KOZINETS, 2007). Para pensar e desenvolver a metodologia em campo, Kozinets (2007, 2010) sugere a utilização de quatro procedimentos básicos, a citar entrée cultural; coleta e análise de dados; ética de pesquisa e feedback. No caso do presente trabalho, as etapas foram desenvolvidas no ano de 2014, pelo período de dois meses (15 de julho a 15 de setembro de 2014), tendo como objeto uma comunidade da rede social Facebook, denominada “Little Monsters da Lady Gaga”. As observações diárias e interação na comunidade resultaram na captura de 2.895 postagens4 pela extensão Capture Webpage Screenshot – FireShot do navegador Chrome, sendo que 54 postagens foram selecionadas para análise5, sendo duas delas explicitadas no artigo. Acompanhando a coleta, utilizamos as técnicas de diário de campo e questionário6, obtendo um retorno de 120 respondentes, com 106 questionários analisados. Desta forma, com respaldo de quatro das seis perspectivas sobre consumo desenvolvidas por Canclini (2010), articuladas com o conceito de “endosso por celebridades” (McCRACKEN, 2012), discutimos os usos e apropriações da cantora Lady Gaga e de produtos vinculados ao seu nome, procurando entender, para os sujeitos inseridos na comunidade “Little Monsters da Lady Gaga”, o que é ser fã e participar de uma comunidade de fãs em um ambiente online. 4

Os critérios de captura das postagens compreenderam as categorias de:mais curtida, mais comentada, identidade de gênero, consumo e comportamento de fã. 5 Para este texto, como trata-se de um recorte, analisamos apenas as postagens relativas as categorias de consumo e comunidade de fãs. 6 Construído através do recurso Google Formulários. Composto por 44 questões, distribuídas nos formatos aberta e fechada.

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2 Consumo cultural e suas facetas Nos últimos anos, muitos estudos apontam o consumo como um indicativo revelador da identidade dos sujeitos; seu lugar na sociedade, seu imaginário e suas práticas socioculturais (Baccega, et al, 2009). Dias (2009), acrescenta que os estudos que articulam comunicação e consumo também tratam de assimilar traços de “sociabilidade que se produzem no circuito do consumo, em que se revelam as competências culturais, os usos dos meios, as rupturas, as continuidades e as memórias coletivas” (Dias, 2009, p.20). Contudo, uma visão alçada no senso comum ainda vê o consumo como sendo responsável por mazelas, principalmente relacionados aos problemas sociais, como a violência e a ganância. Nesse sentido, Canclini (2010) sugere a ampliação da compreensão sobre consumo e propõe seis perspectivas teóricas de observação e análise: a) consumo como lugar de propagação da força de trabalho e ampliação do capital; b) consumo como lugar onde as classes e os grupos disputam pela posse de bens; c) consumo como lugar de diferenciação e distinção entre grupos; d) consumo como sistema de integração e comunicação; e) consumo como local de manifestação de desejos; e f) consumo como sucessão ritual. Neste artigo, daremos atenção especial a quatro destas perspectivas. A primeira perspectiva a qual nos deteremos é a que credita ao consumo um lugar de diferenciação e distinção entre grupos. Esta concepção vê o consumo como “distinção social, resultado de modos diferenciados de uso e apropriação” (JACKS, 1996, p.45), existindo uma racionalidade econômica e uma lógica para a construção do status e a forma de anunciá-lo (CANCLINI, 2010). No caso, a diferenciação não consiste nos objetos os quais os indivíduos possuem, mas na forma como eles os utilizam (CANCLINI, 1992) e na “escassez desses bens e da impossibilidade de que outros os possuam” (CANCLINI, 2010, p.63). A segunda perspectiva com a qual trabalharemos consiste no consumo como sistema de integração e comunicação. Aqui o consumo é um agente que através de produtos midiáticos e culturais estabelece união, favorece a sociabilidade e possui significado compreensível a todos. Através do consumo é possível sustentar relações com outras pessoas e manter uma ordem, com significados e valores comuns a todos. Para Jacks (1996) é “aspecto importante para uma teoria sócio-cultural do consumo, pois é um fator organizador, sociabilizador e integrador, mesmo quando diferencia” (JACKS, 1996, p.45). Assim, “devemos admitir que no consumo se constrói parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma sociedade.” (CANCLINI, 2010, p.63). A concepção que vê o consumo como local de manifestação de desejos pode ter origem em uma insatisfação profunda e desencadear atitudes ansiosas e obsessivas (CANCLINI, 2010). Entende-se essa perspectiva como “visão irracional do consumo, pois o concebe como fruto do desejo, que não é saciável por nenhuma instituição social. 3

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Mesmo sendo de difícil apreensão deve ser considerado [...]” (JACKS, 1996, p.45). Para Canclini (1992) é uma forma de ter necessidades culturalmente elaboradas, pois atuamos seguindo desejos sem rumo, impulsos que apontam para a posse de coisas precisas ou a relação com determinadas pessoas. Já, o último aspecto que abordaremos pensa no consumo como ritual, a partir de um olhar antropológico. Entende-se que no consumo existem significados que vão além da satisfação de desejos e necessidades (JACKS, 1996). Os objetos materiais propiciam um sentido de ritual mais forte e eficaz no estabelecimento de sentidos e práticas pelos indivíduos e é através dos mesmos que a sociedade fixa elementos de regulação (CANCLINI, 2010). Assim “em vez de supor que os bens sejam em primeiro lugar necessários à subsistência e à exibição competitiva, suponhamos que sejam necessários para dar visibilidade e estabilidade às categorias da cultura” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006, p.105). Compartilhando da visão de Canclini (2010), consideramos que o consumo é resultado das mais variadas interações socioculturais entre os sujeitos, promovendo a assimilação e a renegociação daquilo que é consumido. Conjuntamente, busca-se através do consumo cultural compreender “como a aquisição e uso de mercadorias, quanto como um espaço para pensar, refletir [...] as diferenças, expressam visões de mundo e constituem sujeitos imaginantes que encontram nesse consumo sua forma de inserção no mundo” (Silva, Rocha & Oliveira, 2005, p.2). 2.1 Endosso: a celebridade como diferencial

Ao refletir sobre os modos de consumo, especialmente em relação a como o consumo pode trabalhar para o desenvolvimento do indivíduo, notamos que “os bens ajudam o indivíduo a contemplar a posse de uma condição emocional, uma circunstância social [...] uma versão idealizada da vida como deveria ser vivida” (McCRACKEN, 2003, p.142). Para tanto, nesse percurso, alguns anseios podem surgir e, por medo de errar, as pessoas acabam por procurarem auxílio, este, encontrado, em muitos casos, na figura de indivíduos dedicados ao entretenimento humano, as celebridades. Elas funcionam como modelos subjetivos que o público deve escolher para se identificar. São glamourosos, muitas vezes talentosos, se vestem bem e acabam tornando-se objetos de expressão dos desejos frustrados do público. Projetamos nas celebridades todos os nossos sonhos e fantasias (MONTEIRO; BARROS, 2010, p.6).

Segundo Monteiro e Barros (2010), as celebridades são um construto social, criados por agentes, promoters, fotógrafos, entre outros, para suprir a derrocada da crença popular em Deus e elementos divinos, sendo assim, as celebridades são criadas como imortais e seres a serem cultuados, cabendo aos sujeitos definirem se são

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indispensáveis ou descartáveis. Ainda, conforme as autoras, as celebridades são bens de consumo, pois além da velocidade com que aparecem e são esquecidas - no caso quando não geram mais lucro -, são servas dos conglomerados de entretenimento, os quais utilizam suas imagens para os mais variados fins, explorando significados que passam por questões de classe, gênero, idade, personalidade e estilo de vida (McCRACKEN, 2012). Essa prática é denominada por McCracken (2012) de “endosso pelas celebridades”, em que é utilizada a imagem das celebridades para produzir sentimentos e sensações nos sujeitos ao consumirem determinado produto. As celebridades e suas características são adotadas como elementos de atratividade e credibilidade a um determinado artefato. “Consumidores precisam se apossar desses significados e colocá-los para trabalhar na construção das suas noções de si mesmo e do mundo” (McCRACKEN, 2012, p.117). Ao possuírem um objeto endossado por uma celebridade, os sujeitos podem vir a concretizarem “um conjunto muito maior de atitudes, relacionamentos e circunstâncias, todos os quais são convocados pela memória e recitados em fantasia quando o indivíduo lembra de tal objeto” (McCRACKEN, 2003, p.142). Segundo o mesmo autor, existe uma variedade de tipos de endosso, mas quatro formas são mais abrangentes: o de modo explícito, que caracteriza-se por significar “eu endosso esse produto”; o endosso que aparece de forma implícita, caracterizando “eu uso esse produto”; o endosso imperativo para “você deveria usar esse produto”; e o copresente, em que o astro apenas aparece com o produto. O endosso possuí três estágios, no primeiro faz-se um estudo do perfil de variadas celebridades para ver quais ideais suas imagens passam, estes ideais são construídos pelos papéis que assumem na mídia televisiva, cinematográfica, atlética, entre outros. Na segunda parte ocorre o entrelaçamento dos significados da celebridade com o produto, com atenção para que os significados da celebridade que não correspondam com o produto não sejam visíveis. O último estágio consiste no ritual de troca entre os significados do produto/celebridade ao sujeito consumidor. As potencialidades de endosso a um produto faz com que muitas celebridades lancem marcas, ou seja, criem linhas de produtos com seu nome e isso pode levar, como alerta Lipovetsky (2006), ao fato de um indivíduo realizar uma compra não pelo produto e sim pela marca. Estas marcas criadas pelas celebridades podem atingir alcance global, sendo denominadas “marcas-estrelas. “Quanto maior o fandom, mais fãs, consequentemente mais discos, filmes, ingressos vendidos e mais dinheiro circulando” (MONTEIRO; BARROS 2010, p.6). 2.2 O fenômeno Lady Gaga

Desde que surgiu em 2008, Lady Gaga é uma das cantoras com maior repercussão na mídia, seja em relação à música, sendo a primeira artista a colocar cinco músicas em 5

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primeiro lugar na parada pop da Billboard com um álbum de estreia ou pelos impressionantes números de singles digitais e álbuns físicos vendidos7; estilo, conhecida por não ser usual à maioria das cantoras, beirando ao bizarro e polêmico; atuação, participando de filmes e séries como “Sin City 2: A Dama Fatal”, “Machete Kills” e “American Horror Story”; e empreendimentos, em que sua figura como empresária também é valorizada, dentre o sucesso de produtos lançados com o seu nome, como o perfume “Fame”, o qual é o oitavo perfume mais vendido da história e o primeiro de uma cantora a lucrar mais de U$ 1 bilhão de dólares, e rosto da grife italiana Versace. Especialmente nos últimos anos, Gaga tem se destacado pelo envolvimento com ações sociais e filantrópicas. Desde 2011 mantém junto com a mãe a “Born This Way Fundation” que visa trabalhar com adolescentes discriminados, bem como seus agressores, nas escolas americanas, aliada ao trabalho em prol da saúde mental de jovens pessoas -, envolvendo-se ainda em questões políticas - como a militância pelo fim da lei “don’t ask, don’t tell”8 e a aprovação do casamento homossexual nos Estados Unidos - , sendo em muitos casos uma porta voz dos indivíduos socialmente excluídos. Conforme Soares (20110, além da visbilidade midiática e dos números que enolvem a cantora, Lady Gaga apresenta-se como um objeto relevante para estudos acadêmicos, por ser um corpo performático capaz de representar várias identidades, além de “uma série de aparatos que evidenciam mudanças na forma de circulação e consumo de produtos da cultura midiática” (SOARES, 2011, p.67). 3 O que é ser fã? Reconhecemos o fã como aquele sujeito que quer estar informado sobre a vida de seu ídolo, que acompanha seus passos, suas apresentações, aparições públicas, está a par sobre a agenda de lançamentos – seja de um CD ou videoclipe - e nutre um sentimento de identificação com o ídolo. É aquele indivíduo participativo, que “conversa, cria, é fonte de informação, troca informação, fotografa, escreve, reclama” (MONTEIRO; BARROS, 2010) e que agrupa desde o indivíduo caracterizado como nerd até a dona de casa. Monteiro (2005) sugere pensarmos o comportamento de fãs a partir de três categorias: a imagem do ídolo para a construção de sentidos; a absorção da palavra e dos traços do ídolo; e a criação de novos conteúdos. Em relação à primeira sugestão, articula-se a como o fã vê a celebridade e constrói um sistema de valores em torno disso. 7

Disponível em: http://www.rdtgaga.com/2016/04/pergunte-a-billboard-as-vendas-de-lady-gaga. Acesso em: 14.07.2016. 8 A lei “don‟t ask, don‟t tell” (não pergunte, não conte) é uma lei norte-americana instituída em 1993 em que proibia os militares norte-americanos de se declararem homossexuais ou de perguntarem a outros colegas sobre sua orientação sexual. Com a eleição de Barack Obama, o qual defendia o fim da lei, em dezembro de 2010 ela foi revogada.

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Agrupando questões sociais, econômicas e políticas e a autenticidade do artista, o fã é capaz de captar “determinados aspectos que vão ao encontro daquilo que ele sente, admira, faz ou gostaria de fazer (valores ou sentimentos que correspondem àquilo que ele acredita ser sincero ou autêntico)” (MONTEIRO, 2006, p.5). O sentimento que o fã dedica à questão da autenticidade é determinante para moldar o discurso o qual utilizará, em muitos casos, para se referir a sua persona de adoração, ou seja, para a continuidade da relação fã/ídolo. A segunda proposta refere-se à assimilação que o fã faz do discurso do ídolo e de como isso é incorporado a sua vida e à comunidade de fãs da celebridade. É um ponto que envolve sentimentos e é passível de muitos conflitos entre os indivíduos. A respeito desse segundo ponto de vista, podemos identificar como práticas dos fãs o fato de se empenharem da divulgação de singles e filmes, por exemplo. Há ainda a participação do fã em campanhas sociais com o intuito de gerar visibilidade e status, comuns quando o ídolo promete algum retorno, como a divulgação do nome do novo CD ou chat exclusivo. Além disso, há o conflito entre fãs e antifãs/haters, uma forma de batalha entre os apreciadores e os não apreciadores de determinada celebridade, em que o primeiro grupo se mobiliza para defender seu ídolo (MONTEIRO, C., 2013). O último aspecto apontado por ele é a de “criação de novos conteúdos”. Nesse aspecto podemos identificar produções como fanfics, que são histórias criadas pelos fãs com enredos de cunho fantasiosos; fanarts, ou seja, produções artísticas, como desenhos, animações e quadrinhos, gifs, banners. Existe ainda a produção de vídeos e demais montagens caracterizadas como materiais fanmade, além da realização de shippagem9. Assim, “os fãs não são mais “fãs de fim de semana”, não escondem mais seus gostos, são fãs o tempo inteiro, a toda hora, sempre com objetivo de valorizar o grupo do qual fazem parte” (MONTEIRO; BARROS, 2010, p.15). Os fãs também podem-se utilizar do corpo para se expressarem, como com a utilização de camisetas personalizadas e demais itens que a celebridade tenha também utilizado, ou cortes de cabelo e maquiagens, bem como tatuagens. Atualmente a internet potencializou alguns aspectos dos fãs como a interação através de “discussões em fóruns e comunidades online, a criação de blogs, enciclopédias virtuais (de colaboração livre) ou sites dedicados a um seriado, o download e a legendagem de episódios, entre outras” (BANDEIRA, 2009, p.13). 3.1 As Comunidades Online de Fãs: o caso “Little Monsters da Lady Gaga” Na década de 1930, tem-se, através de colunas de revistas, a constituição das primeiras comunidades de fãs, as quais discutiam a respeito de seus produtos de adoração e apoiavam os produtos da mídia da época. Com o boom da internet, tais

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Associação de duas pessoas ou personagens transformando-os em casal.

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práticas que antes ocorriam como trocas de cartas, ou debates em fã-clubes, foram transpostas para a internet Essas novas comunidades são definidas por afiliações voluntárias, temporárias e táticas, e reafirmadas através de investimentos emocionais e empreendimentos intelectuais comuns. Os membros podem mudar de um grupo a outro, à medida que mudam seus interesses, e podem pertencer a mais de uma comunidade ao mesmo tempo. As comunidades, entretanto, são mantidas por meio da produção mútua e troca recíproca de conhecimento (JENKINS, 2009, p. 57).

Como salienta Monteiro, T., (2005), a expressão comunidade de fã carrega em seu âmago um universo mais amplo que os fã-clubes, tendo como principal diferença a sua imaterialidade. Por mais que seja possível de organizarem reuniões ou de os fãs encontrarem-se em apresentações de artistas, a maioria das interações entre os fãs acontece sem a divisão do mesmo espaço físico e são mantidas a partir da mediação de algum meio de comunicação, como o computador e as redes sociais. Assim, “a interação presencial não é um fator determinante para a sobrevivência da comunidade” (MONTEIRO, T., 2005, p.46). “A internet não apenas facilitou o encontro e contato com outros que compartilham nossas preferências como também o acesso às mais diversas informações e conteúdos sobre ídolos ou produtos da cultura de massa” (MONTEIRO, T., 2007, p.13). O acesso a variados tipos de informação na internet é enorme, o que impossibilita que cada fã consiga consumir tudo o que é veiculado a respeito de seu ídolo. Assim, para Jenkins (2009), se apropriando do conceito de Pierre Lévy, constituem-se dentro das comunidades inteligências coletivas, como uma forma de consumo coletivo, onde todos os membros compartilham saberes e constroem um saber coletivo. Essa construção coletiva também pode ser vista como uma forma de constituir uma memória a respeito da vida do artista, a qual é compartilhada com cada membro. Cria-se uma memória coletiva do grupo, referente ao culto a determinado objeto, às práticas específicas relacionadas ao artigo midiático em questão. A memória coletiva ajuda a formatar a identidade do grupo e, por extensão, as identidades de cada indivíduo que se sente parte da comunidade, ao compartilhar com os demais as mesmas lembranças, o mesmo substrato simbólico e as mesmas referências (MONTEIRO, T., 2006, p.9).

Deve-se ter consciência que essa construção coletiva não ocorre de forma tranquila, pois as trocas em comunidades online dificilmente ocorrem sem conflito, seja com membros novos ou entre os antigos. Porém, prevalece o reconhecimento de que cada membro é fundamental para o fortalecimento do grupo e para a sensação de união da comunidade. Voltando-nos ao nosso objeto empírico, o grupo online “Little Monsters da Lady Gaga” existe desde março de 2014. Antes de entrarmos no fandom tínhamos consciência de que sua formação se derivou de conflitos enquanto alguns de seus moderadores 8

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participavam da comunidade de fãs denominada “Lady Gaga & Little Monsters”. Contudo, descobriu-se após conversas com dois moderadores relacionados à criação de “Little Monsters da Lady Gaga”, que na realidade, esta é a terceira comunidade dedicada à Lady Gaga a qual faziam parte. Em 2011 eles integravam a primeira comunidade brasileira da cantora no Facebook, que possuía menos de 5 mil membros.

Há uns 3 anos atrás, quando ainda nem era assumido, resolvi entrar em um grupo do facebook que falasse sobre Lady Gaga, pois havia me encantado pela louca que usava um vestido de carne (vi essa matéria no Jornal Nacional)[...] Comecei então a me envolver com os membros, comentar as publicações e consequentemente, conhecer novas pessoas. Tudo pra mim era muito novo e mágico, pois não possuía anteriormente, contato com pessoas homossexuais. Vivia em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, onde um gay era visto como algo demoníaco, ninguém tocava nesse assunto. Agora, no grupo, estava de frente com um mundo de apoio e aceitação, onde as pessoas me entendiam e haviam milhares de outros jovens iguais a mim. (ADMINISTRADOR M.E)10

Após uma série de conflitos entre membros e desligamentos de grupos, acontecimentos comuns dentro do universo das comunidades online, M.E e J.A, que respondem como donos do “Little Monsters da Lady Gaga”, decidiram criar o grupo o qual analisamos. Em oito meses eles já contavam com mais de trinta mil membros, um crescimento rápido, devido aos vínculos criados nos grupos anteriores e divulgação em páginas de cultura pop do Facebook. Para existir organização no grupo, o mesmo conta com o trabalho de monitoramento por 12 moderadores e aplicação de 12 regras, divididas em “estritamente proibido” e “não é permitido”, que foram criadas conforme as interações estabelecidas. Atualmente a comunidade, ainda ativa, conta com 36.591 integrantes11 e se configuram como o maior grupo dedicado a cantora no Brasil e na América Latina. 4 No habitat dos “Little Monsters”: desenvedando seu comportamento Quem são os “Little Monsters”? Nos voltando para a comunidade analisada, durante os meses em que realizamos nossa imersão netnográfica, bem como através da aplicação do questionário, foi possível formar o perfil do grupo, onde notamos a predominância de sujeitos do sexo masculino, autodeclarados homossexuais, na faixa-etária dos 12 aos 16 anos, estudantes do ensino médio, residentes com pai, mãe e irmãos e que usam seu perfil real na rede social para interagir no grupo. Em sua grande maioria residem na região sudeste do Brasil, sendo que 83% deles visitam a comunidade todos os dias. Através de postagem no grupo,

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Todas as informações e respostas obtidas através de troca de e-mails, conversas pelo Facebook e questionários foram mantidas com suas grafias originais. 11 Observações do dia 24/07/2016.

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constatou-se que além de música pop, os membros do grupo apreciam o gênero rock, dance/eletrônica e rap, sendo que nenhum membro marcou a opção sertanejo. Ao serem indagados de como chegaram à comunidade, os respondentes do questionário afirmaram que conheceram a mesma após pesquisas no próprio Facebook por grupos da cantora, com o intuito de saber mais sobre a vida da artista e se aproximar de outros fãs, ou por amigos que frequentavam a comunidade e os convidaram para participar.

Usos e apropriações de Lady Gaga A observação na comunidade nos mostrou a importância da posse de bens relacionados à cantora. No caso, 92% dos respondentes alegam possuir itens de Lady Gaga. A maioria também acha importante possuir itens, pois é uma forma de ter a artista próxima a eles, a partir do viés de um produto endossado por ela, além de ajudá-la a ter bom desempenho nos charts que contabilizam vendas e ser uma forma de estimulá-la a produzir mais. Apresentaram também consciência que nem todos os fãs possuem recursos para comprarem produtos, por isso, alguns se posicionam contra a necessidade de um fã os possuir, por acreditarem que o importante está no sentimento que os fãs têm pelo artista. Contudo, quando esses produtos são adquiridos, o modo como são comprados se mostra importante aos fãs, distinguindo-se e valorizando aqueles que são originais ou que possuem caráter importado, assim como o fã que os possui. A respeito dos usos e apropriações de Lady Gaga, o ser fã da cantora, além de ser um elemento de integração entre os fãs, se mostra como um importante vetor de diferenciação e distinção, sendo ela proposital ou não, principalmente em ambientes escolares e familiares (Figura 1). Pela maioria dos fãs se mostrarem sujeitos com problemas de aceitação social, em sua maioria relacionados a aparência e sexualidade, os fãs se agarram a mensagem da cantora, para a construção/manutenção de identidades. Figura 1: Postagem no Grupo “Little Monsters da Lady Gaga”, no Facebook, no dia 27 de agosto de 2014

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Indagados a respeito de qual produto um fã deve possuir, os CDs são unanimidade, visto que é o principal meio para se ter conhecimento sobre as músicas do cantor, seguido dos pôsteres. Ilustrando tal informação, reproduzimos algumas respostas obtidas com o questionário: Os CDs. É o principal, não somente porque ela é cantora, mas também porque ela fez aquilo, ela trabalhou dias e noites para fazer algo perfeito para os fãs, e assim podemos apreciar todo esse amor que ela tem por nós. (Respondente 2) Como respondi na pergunta acima, não é importante, mas pra quem quer e gosta mesmo, CD's são os que eu considero o essencial, pois são neles que estão toda a arte e amor postos por Gaga. (Respondente 60)

Ainda a respeito dos CDs, 61% deles compram e baixam ilegalmente, 25% só baixam ilegalmente e 24% só compram. Atenta-se para o fato do consumo de CDs compreender as duas formas, a ilegal e a legal. Podemos afirmar que a postura de fã só é reconhecida se possuir os CDs físicos, não bastando versões digitais e a posse dos CDs se mostra valorizada pelo grupo, com caráter integrativo, ao ser socializado com os demais integrantes a compra dos mesmos. Soma-se a compra de CDs a noção de ritual, onde você é considerado um verdadeiro fã ao possuí-los. Caso o fã não possua algum bem da cantora, a constante manifestação do desejo de possuí-los também é valorizada pelo grupo. A ritualização dos usos e apropriações de Lady Gaga também apresenta um caráter religioso, no momento em que os seus seguidores se utilizam de músicas e falas da artista com o mesmo viés que religiões, como católica e evangélica, se utilizam de passagens da bíblia.

Ser “Little Monsters da Lady Gaga” No ponto de o que é ser fã vemos que para os respondentes, há preponderância das palavras amar, gostar e dedicar-se ao ídolo, assim como a palavra apoio e implicitamente a questão de se identificar com o que é falado pelo artista e com seu estilo de vida. Respeitar suas decisões e acompanhar sua carreira também foram mencionados, além da não necessidade de saber tudo sobre a sua vida. Esse último fato podemos discordar, visto que muitos foram os casos observados durante a netnografia, de algum membro chegar à comunidade perguntando algum fato ou até relatando algo que já tenha acontecido e a piada “Acre News”12, assim como o deboche por algum integrante não possuir determinando conhecimento sobre um clipe, por exemplo. Exemplificando o que é ser fã, temos algumas posições extraídas do questionário. 12

Gíria utilizada na internet para dizer que uma pessoa está atrasada quanto à determinada informação, se utilizando das piadas comumente feitas em relação a não existência do estado do Acre.

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Convergências, Usos e Apropriações na Web Bom, ser fã é principalmente amar o que o seu ídolo faz, é acreditar no que ele diz, é pesquisar sobre ele, é amar o que ele produz, e o interessante disso, é que você o ama sem ele pedir nada em troca, fazendo uma analogia a religião, que se você não ir a favor, não terá o seu pedaço no céu. (Respondente 61) Ser fã e ter um Refugio da nossa vida, e aquele momento em que vc vive por aquilo que te faz feliz. (Respondente 58)

Fá para mim significa mais do que gostar apenas das músicas, das roupas das apresentações e tudo mais, mas sim poder sentir de verdade o que seu ídolo estar tentando passar com aquela música, sentir o verdadeiro sentimento de amor por aquela pessoa que mesmo estando longe, você a ama muito e sabe que ela também te ama. (Respondente 56)

Indagados sobre o motivo de serem fãs de Lady Gaga, se sobressai a questão do amor ao artista13 e a força que encontraram na mensagem social contida nas músicas, chegando a citar algumas consideradas importantes em sua vida, e a cantora em momentos de dificuldade que passavam. Há também o fato de ela ser considerada uma artista que ama e respeita seus fãs e entende a posição que os mesmos possuem em sua carreira de artista pop, no sentido de lucratividade que o fã possui14. Além, temos a questão de sua história de vida, a qual muitos fãs se identificam, chegando a afirmar que a cantora é uma extensão deles, por ter passado pelas mesmas coisas que eles, assim, os entendendo perfeitamente. Ressalta-se ainda o fato dela ser vista como uma artista “completa” e “de verdade”, que produz suas próprias músicas, dança, canta ao vivo e dirige seus próprios clipes, procurando sempre trazer novidades ao cenário da música pop, no caso, renovando sua identidade e aparência, fora a excentricidade, criatividade e o conhecimento sobre moda e arte não encontrado em outras cantoras15. Com esses posicionamentos, podemos ver dois dos três tipos de comportamento que Monteiro, T. (2005) sugere para pensarmos um fã, a imagem do ídolo como construção de sentidos e a absorção da palavra e dos traços do ídolo. Destacamos o fato de muitos verem a participação em comunidades online de fãs como fazer parte de uma família, um lugar de autoestima, que proporciona a interação com outros fãs, os quais possuem os mesmos gostos, e também a quebra dos limites de distância. Ou seja, prevalece o reconhecimento de que cada membro é fundamental para 13

Várias são as respostas que fazem referência ao fato da Gaga ser a mãe deles, ou seja, reafirmando mais o título de mãe monstro que a mesma se atribuiu. 14 Um exemplo é o diálogo que a cantora manteve com os fãs durante a passagem da turnê “The Born This Way Ball Tour” por Porto Alegre, em que agradece a presença dos fãs, mesmo sabendo dos altos preços cobrados pelos ingressos no Brasil. 15 Todas essas características são atribuídas a ela, raramente sua equipe de produtores e criativa, denominada “Haus of Gaga” foi citada (especificadamente na pergunta do porque ama Lady Gaga eles não aparecem, apenas em outros momentos do questionário).

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o fortalecimento do grupo e para a sensação de união da comunidade. Ilustramos tais posicionamentos com alguns depoimentos obtidos por meio do questionário16. Fazer parte de uma família, a qual divide de uma mesma admiração, amor, inspiração e paixão por um ídolo. (Respondente 120)

Significa que eu não sou o único, e existem muitos igual a mim, e que passaram por situações muito semelhantes a minha na vida... Mas que encontraram força na arte e na musica da Mother... Assim como eu. (Respondente 111) Eu me sinto muito bem, até porque onde eu moro não tem muitos fã da Gaga, e lá no grupo eu posso falar com eles, a grande maioria gosta das mesma coisas que eu, e isso me deixa muito feliz em compartilhar tudo com eles, e como gosto muito de conversar eu acabo fazendo amizades, e que hoje graças ao grupo eu tenho amizades verdadeiras, mesmo com a distancia nossa amizade continua firme e forte. (Respondente 21)

Quando a questão é “o que é ser Little Monster?”, é afirmado ser aquele sujeito que ama, respeita e acredita na Gaga, no seu trabalho e na sua palavra. É também aquele sujeito que sabe respeitar as diferenças e é livre para ser quem quiser, fora do que comumente é considerado como normal, o padrão, ou seja, aquele sujeito que se aceita acima de tudo. Veem também ser Little Monster como pertencer a uma família, em que há a compreensão mútua das problemáticas e sentimentos vividos pelos membros da comunidade de fãs. Porém, junto a isso, notamos, através das postagens e das observações netnográficas, que existem problemas entre componentes do grupo de aceitarem a opinião dos outros membros, ainda mais quando se trata de cantoras que são vistas como rivais de Lady Gaga. Cria-se, assim, uma espécie de restrição na comunidade, onde os membros só podem ter determinando sentimento em relação ao assunto, o que acaba por gerar conflitos que atrapalham a união do grupo. Isso se mostra como uma das limitações, pois os membros acabam por elencar emoções e valores específicos, numa espécie de capital cultural, que deve ser vivenciado e partilhado por todos. Considerações Finais

Nossa imersão possibilitou a observação de padrões de se consumir Lady Gaga, como os rituais que envolvem a compra de CDs e interpretação de suas músicas, junto com a distinção existente no próprio fato de ser fã da artista. O caráter integrativo também é ressaltado, visto a forma como se é forjado o pertencimento a comunidade. Soma-se a isso, o fato de interagir com outros fãs e possuir produtos ligados a cantora, como uma forma de tê-la perto dos fãs, criando uma noção de proximidade com a mesma.

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Optamos por manter a grafia original das respostas, assim como identificar os respondentes pelo número correspondente a sua resposta no questionário.

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Vindo ao encontro da questão de comportamento de fã, constatamos que ser fã envolve compartilhar valores comuns, amar, se identificar e compreender o trabalho do artista, apoiando-o em suas mais diversas decisões, estando no auge ou não, mas sem perder o olhar crítico que um fã deve possuir. Ressaltamos ainda a compreensão do discurso do artista, pois só assim você pode se identificar como um fã, da mesma maneira como o fato de estar informado sobre sua vida e seus passos. Já ser membro de uma comunidade de fãs, é encontrar pessoas com o mesmo gosto que você, um meio de saber mais sobre a celebridade a qual você gosta, do mesmo modo que partilhar de um sentimento de união, como uma família, ao ponto de se sentirem confortáveis em externarem assuntos extremamente íntimos. Por fim, salientamos a importância de se pensar o ser fã e a participação em comunidades de fãs explorando a ascenção dos espaços digitais, além de vemos que tal assunto não se encerra aqui e nem dessa maneira. Fazem-se necessários mais estudos que de fato escutem os fãs e compreendam a dimensão de suas as práticas. Referências AMARAL, Adriana; MONTEIRO, Camila. Esses roqueiro não curte: performance de gostos e fãs de música no unidos contra o rock do Facebook. In: XXI Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Juiz de Fora, 12 a 15 de junho de 2012. BACCEGA, Maria Aaparecida; BUDAG, Fernanda Elouise; HOFF, Tânia Márcia Cezar; CASAQUI, Vander. Consumo, Trabalho e Corpo: representações em A Favorita. In: LOPES. Maria Immacolata Vassallo. de (org.). Ficção Televisiva no Brasil: temas e perspectivas. São Paulo: Globo, 2009.

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Convergências, Usos e Apropriações na Web Luiza Betat Corrêa: Bacharel em Comunicação Social - Produção Editorial, pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. E-mail: [email protected]. Filipe Bordinhão dos Santos: Doutorando em Comunicação, Univeridade Federal de Santa Maria – UFSM. Coordenador da Pós em Comportamentos de Consumo e Professor do Curso de Publicidade e Propaganda, Universidade Positivo - UP

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A recepção de uma narrativa em dois suportes: um estudo de caso do blog e do livro Depois dos Quinze1 Maura DA COSTA E SILVA2 Marília DE ARAUJO BARCELLOS3

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo: Este artigo teve como objetivo compreender a forma de recepção de leitura por parte dos leitores do blog e do livro impresso Depois dos Quinze, de Bruna Vieira, publicado pela Editora Gutenberg (Grupo Autêntica) em 2012. Investigou-se concomitante a isso, o motivo pelo qual os leitores compram um livro tradicional, enquanto o conteúdo deste está disponível gratuitamente na web. Com uma metodologia baseada em questionário online e entrevistas por Skype com os leitores, que possibilitou verificarmos que a materialidade do suporte e a edição do livro são importantes para a diferenciação de processos de leitura, uma vez que os leitores, que têm o livro impresso, constroem com ele uma relação afetiva. Palavras-chave: Produção Editorial; Práticas de leitura; Recepção. 1 Introdução O blog Depois dos Quinze foi criado em 2008, pela blogueira Bruna Vieira, que iniciou na Blogosfera aos 14 anos. Bruna Vieira é do interior de Minas Gerais e com 17 anos mudou-se para São Paulo em busca de um futuro melhor. Inicialmente o blog Depois dos Quinze era um diário virtual, no qual a jovem compartilhava seus

Esta pesquisa disserta sobre a apresentação de resultados do trabalho de conclusão de curso em Comunicação Social – Produção Editorial da acadêmica Maura da Costa e Silva, intitulado “Práticas de Leitura de uma narrativa em dois suportes diferentes: um estudo de caso do blog e do livro impresso Depois dos Quinze”. 2 Maura da Costa e Silva – Graduada em Comunicação Social – Produção Editorial, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 3 Marília de Araujo Barcellos – Doutora em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Professora Adjunta do curso de Comunicação Social – Produção Editorial da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 1

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Assim, a Editora Gutenberg e outras editoras têm apostado no trajeto inverso do livro: os originais são captados na web, revisados, preparados e impressos e divulgados na web, modificando a rota comum que reservava a internet a simples divulgação. Em relação ao ciclo tradicional do livro impresso, Robert Darnton em sua obra A Questão dos Livros, conceitua-o como: um circuito de comunicação que vai do autor ao editor (se o livreiro não assumir esse papel), ao impressor, ao distribuidor, ao livreiro e ao leitor. Por influenciar o autor tanto antes quanto depois do ato da escrita, o leitor completa o circuito. (DARNTON, 2010, p.193)

Os originais provenientes de blogs e de páginas de web, ao se tornarem publicações impressas, marcam uma nova forma de configuração do circuito proposto por Darnton. Com essa tendência editorial, o livro percorre um trajeto inverso, uma vez que o material da edição é encontrado na web, pois o original é disposto na rede e já possui seu público-alvo delimitado. Então, engendra-se o ciclo da publicação impressa, mas com o desalinhamento das etapas convencionais da comunicação, sendo que dois processos podem ocorrer concomitantemente, assim como pode não existir determinada etapa do circuito. A cultura da convergência somada a essa tendência editorial permite não somente uma nova forma de produzir e editar livros, mas também de consumi-lo, afetando e recriando as práticas de leitura do suporte digital e do suporte impresso. 2 Percurso Metodológico A metodologia dessa pesquisa consolidou-se em quatro etapas: pesquisa bibliográfica, coleta e análise de dados, a partir do questionário online e de entrevistas com os leitores em ambos os suportes de leitura pelo programa Skype. Primeiramente, buscamos uma bibliografia que pudesse abarcar a questão das práticas de leitura, dos livros impressos e do blog. Neste processo encontramos autores como Michèle Petit, Roger Chartier e Henry Jenkins, que puderam nos dar embasamento teórico para análise dos dados. Posterior a isso, pesquisamos no ambiente digital algumas comunidades de leitores da obra em questão. Recebemos uma boa aceitação no grupo da Facebook Brunetes, que contava com 526 membros (na época da pesquisa: em julho de 2015), entre eles seguidores do blog e leitores do livro de outras regiões do país que se dispuseram a ajudar na pesquisa. Pensando nisso, resolvemos criar um questionário online para que essas pessoas pudessem relatar suas práticas de leitura em relação ao blog e ao livro impresso. O questionário foi criado na plataforma do Google Docs em formato de formulário, com quatro questões destinadas à identificação (nome, idade, cidade/estado e escolaridade) e com informações que ajudaram a traçar o perfil geral 256

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dos respondentes. Logo após as perguntas relacionadas aos dados básicos de identificação, dispusemos a pergunta sobre os suportes de leitura, sendo uma pergunta com três alternativas (livro e blog, só blog e só livro). De acordo com determinada resposta, o questionário seria direcionado para questões específicas para a leitura de determinado suporte. Somente quem marcasse “livro e blog” responderia a soma das perguntas de ambos os suportes. A partir das respostas do questionário, pudemos perceber os leitores de ambos os suportes e entrar em contato com eles para uma entrevista mais aprofundada pelo programa Skype. Dessa maneira, buscamos compreender a interação do leitor com seu livro, entender a navegação no blog e a leitura em si dos textos por meio das entrevistas realizadas. Todas as entrevistas foram gravadas com o programa My Screen Recorder, versão para teste, para servir de apoio para análise de dados. A estrutura da entrevista consistia em dois eixos: o primeiro referindo-se ao blog e o outro relacionado ao livro. Durante a primeira etapa realizamos perguntas de identificação do entrevistado e sobre a primeira modalidade de leitura da publicação com que teve contato. A partir disso, conduzimos a entrevista com base em perguntas semiestruturadas. Por seguinte, pedimos ao entrevistado que acessasse o blog e narrasse seu percurso de navegação até ele. Posterior a isso, o entrevistado precisava encontrar a crônica Não é deixar para trás, é viver! no blog e narrar concomitantemente o passo a passo para localizá-la no blog. Ao fim dessa etapa, o leitor deveria ler a postagem e comentar sua opinião sobre o texto. A última etapa da entrevista era relacionada ao livro: inicialmente pedíamos para o entrevistado mostrar em frente à câmera o seu livro, para que pudéssemos identificar possíveis rasuras e marcas de manuseio. Para a finalização da entrevista, o leitor lia o mesmo texto no blog e no livro, e pedíamos para que ele relatasse se encontrou alguma semelhança ou alguma diferença e relatasse se compraria o livro mesmo sabendo que os textos de ambos os suportes são semelhantes. 3 Apropriação por parte das leitoras do Depois dos Quinze

Roger Chartier, em seu livro Práticas de Leitura, afirma que o suporte material permite a efetuafção das práticas de leitura e esclarece que a materialidade do suporte não pode ser separada das representações e usabilidades, logo o conceitochave do ato de ler é apropriação do livro pela leitura. Podemos considerar que o ato de ler é permeado pelas práticas de leitura, que são expressas por Chartier (2011) como: ‘apropriações‘ do texto pelo leitor, que muitas vezes, como todos os estudos vão acentuar, escapam completamente ao controle ou previsões

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significativas do texto, submetendo-o a desvios semânticos e imprevistos pragmáticos notáveis. Para conhecer essas apropriações, o caminho mais imediato que se oferece é o da confidência dos leitores a respeito de seus modos de ler, dos sentidos que descobre nos textos. (CHARTIER, 2011, p.12)

Sabemos que a leitura varia de acordo com a época, com a nacionalidade, com os custumes culturais e também se modifica ao mudar de suporte. Na história já tivemos como mais utilizada a leitura oral e só após a Idade Média que se iniciou o uso da leitura silenciosa que apreciamos até hoje. A leitura antes era algo coletivo, enquanto atualmente é algo em sua maioria individual. O ato de ler é algo permeado pela subjetivade do leitor, que ao ler engendra diversas vivências e cria um novo mundo a partir de cada leitura. Levando em consideração o contexto histórico citado, traçamos o perfil geral dos leitores do Depois dos Quinze para posteriormente compreendermos suas formas de leitura: 95% feminino; 76% com a faixa etária entre 13 e 18 anos; habitantes de todas as partes do Brasil; 27% com escolaridade de ensino médio incompleto; 71% realizou a leitura do blog e do livro impresso. Notamos que o grande público feminino por ser relacionado aos textos mais comportamentais relacionados a histórias de amor e também por causa do blog ser também um ambiente de compartilhamento de informações sobre moda e maquiagem. Enquanto a faixa etária e a escolaridade podem ser associadas por seu público ser realmente o juvenil, inclusive pelo teor das crônicas serem mais relacionados ao ambiente em que os jovens estão acostumados, principalmente em relação à escola e também retratando temáticas sobre a família e amigos. Em relação aos suportes de leitura apenas uma menina relatou no questionário online ter lido apenas o livro impresso, mas acabou se contradizendo em outras respostas, uma vez que mencionou que acompanhou o blog enquanto lia os livros impressos de Bruna Vieira. Assim o caminho de leitura dela se deu primeiramente pelo livro impresso, que a conduziu até o blog, uma vez que o link do site foi mencionado na publicação impressa. A jovem ainda relatou que comprou e leu o livro em 2012, mas não se limitou a ler um único título, acabou lendo todos os livros da autora. Os leitores somente do blog (64% deles) relataram por meio do questionário online ter uma leitura mais fragmentada das crônicas, uma vez que liam alguns pedaços do texto enquanto navegavam por outros sites simultaneamente. No que se refere à apropriação do texto do blog, alguns leitores contaram que copiavam o texto para um arquivo de editor de texto e salvavam em seus computadores, enquanto seis pessoas relataram compartilhar o texto ou fragmentos dele em rede sociais como o Facebook, o Twitter, e o Tumblr. A resposta mais diferenciada foi a de uma jovem que disse que escreve em “um caderninho de frases de inspiração”, o que nos chama atenção por ela ser uma leitora do virtual, mas que ao mesmo tempo ainda é apegada ao papel, ao invés de utilizir uma página em branco do editor de texto. 258

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O caminho que os leitores somente do blog percorrem até chegar às crônicas de Bruna Vieira são diferenciados, dois leitores leem somente o texto quando a blogueira compartilha o link da postagem em suas redes sociais, um leitor afirma que busca o texto por meio da nuvem de tags, enquanto seis pessoas procuram primeiramente o texto nas categorias do blog. Outra jovem relatou que acompanha o blog por meio da URL, pois o tem como um dos seus favoritos em seu navegador. Os leitores de ambos os suportes responderam a soma das perguntas dos leitores do blog e do livro impresso. Em relação às respostas da primeira pergunta, que era como havia encontrado o livro, 69% disse que comprou o livro. O ato de comprar é mais do que comprar coisas, envolve a satisfação emocional do consumidor. Ter um livro impresso, físico, palpável promove no ser uma sensação distinta de quem somente lê no digital, um sentimento de apropriação, de posse. Esse fato é relacionável aos estudos de Juremir Costa (2004), que define a relação do ser humano com o ato de comprar objetos de tal forma: Os objetos não são, de forma ―intrínseca, impróprios ou irredutíveis à conversão afetiva. Na relação do sujeito com o mundo, todo objeto cede de sua concretude física à imaginação emocional e toda intencionalidade emocional recorre à matéria física dos objetos para ganhar consistência e durabilidade culturais. (COSTA, 2004, p. 162)

No que concerne à percepção dos leitores sobre as diferenças entre o mesmo texto em dois suportes distintos, um leitor acredita que no blog a autora trate de temas mais amplos e no livro escreve contos e romances. Outra entrevistada disse acreditar que no livro a autora ―escreve sentindo o que o personagem sente, mas que no blog é algo mais pessoal. Essa ideia é fundamental com relação aos primeiros conceitos de blogs, que eram vistos somente como diários virtuais. Ao questionarmos sobre a identificação dos leitores com os personagens dos textos apenas duas leitoras não relataram que não se identificam com as personagens dos textos de Bruna Vieira. As leitoras que se veem nas personagens justificam suas respostas positivas de diferentes maneiras. Algumas raramente se identificam, outras se identificam apenas em parte. As pessoas que responderam afirmativamente justificaram de difentes modos: seja porque encontram características próprias nas personagens, pensamentos compatíveis, a mesma forma de olhar para a vida e lembrança de anos anteriores. Algumas leitoras contaram que compartilham o amor pela escrita, assim como Bruna e suas várias facetas ao longo de uma crônica ou de um conto. Podemos aferir que a maioria das respostas possui relação coma forte representação dos adolescentes nos textos. Em relação ao ato de rasurar o livro: 39% não rasura no livro, pois considera o livro algo precioso demais para ser rabiscado e 29% cola post it (para não rasurar diretamente no livro). 259

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No que diz respeito às práticas de leitura, houve respostas singulares, pois cada leitor possui um modo diferente de se apropriar e de criar um ritual para o seu ato de ler: há quem goste de ler no silêncio, no borburim da sala de aula, há quem precise comer enquanto lê para não se sentir entediada, há também a leitora que preza pelo toque, pelo folhear o livro antes de lê-lo. E quanto aos locais de leitura 62% das pessoas responderam que preferem ler no quarto por ser um local privado e mais silencioso, propício para uma leitura mais atenta. Conforme Chartier (2011) essa leitura individual e silenciosa se tornou dominante a partir do século XVI, quando era realizada em um lugar distante dos lugares de divertimento, consolidando por meio da privacidade a relação íntima do leitor com o livro impresso. Os leitores de ambos os suportes realizam as leituras das postagens do blog de uma só vez, uma leitura linear, uma vez que 93% diz ler o texto de uma só vez. E realiza a busca pelas crônicas por atalhos e compartilhamentos em redes sociais. Sabemos que a web 2.0 é regida pelas redes sociais e pelo engajamento coletivo. E sabemos também que alguns dos principais protagonistas dessa cultura online são o Facebook, o Twitter e o Instagram. A autora Bruna Vieira, consegue orquestrar diversas mídias digitais para que todas elas possam convergir para o blog. Por isso, o blog possui grandes números de acesso, porque a autora não o deixa cair no esquecimento, busca sempre incrementá-lo com diferentes propostas de conteúdos e o filia a outras redes sociais mais utilizadas por seu público. O questionário online serviu como triagem para a realização das entrevistas por Skype. No período de coleta de dados, entrevistamos três jovens leitoras de ambos suportes: T.W., 17 anos, de São Leopoldo – RS; I.P., 14 anos, de Magé – RJ; A.S., 18 anos, de Belo Horizonte – MG. T.W. iniciou sua leitura com o blog, quando o encontrou em um link na internet. Ela acompanhou o blog por certo período e depois adquiriu o livro impresso do Depois dos Quinze no ano de 2013. A jovem relatou que se sente representada nos textos de Bruna e que a autora teve experiências que ela também passou. Na primeira parte da entrevista, dedicada ao blog, a leitora relatou que acessa o blog constantemente e sua forma de acesso se dá através dos Favoritos de seu navegador Google Chrome. Ao pedirmos para buscar a crônica Não é deixar para trás, é viver, a leitora narrou simultaneamente seu passo-a-passo dentro do blog na procura pelo texto. Assim, contou que procurou o texto do blog pelo uso da ferramenta de busca que é utilizada geralmente por pessoas que desejam uma informação específica e que sabem que está abrigada no blog. Após encontrar a crônica e lê-la, a entrevistada relatou sua opinião sobre o texto lido, afirmando que concorda em partes com a autora, mas que possui uma visão diferente e um modo diferente de encarar as decepções da vida. Em relação ao livro impresso, T.W. transpareceu sua afetividade com o produto e as emoções que o cercam. Ela o cuida com esmero, não o rasura e não 260

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permite que fique sujo. Quando perguntada sobre suas práticas de leitura contou que geralmente lê antes de dormir, ou em tardes com clima agradável, porque gosta de ler ao ar livre. Após realizar a leitura da postagem no blog e da crônica no livro impresso, a leitora conclui que os textos eram iguais e acredita que se existia alguma mudança era em relação ao acréscimo de alguma frase entre os parágrafos. Perguntamos à leitora se ela compraria o livro impresso mesmo sabendo que os textos do livro são semelhantes aos do blog e que esses são disponibilizados gratuitamente no blog. Então, T.W falou que não percebeu as semelhanças das narrativas antes de comprar o livro impresso, mas confessou que compraria o livro mesmo se soubesse, porque acha melhor de ler no livro, uma vez que realiza uma leitura mais atenta nesse suporte. A leitora I.P. relatou que seu primeiro contato com o Depois dos Quinze foi por meio de um vídeo no Youtube, enquanto pesquisava sobre viagens para Nova York. O contanto com o canal logo a redirecionou ao blog. E somente no início de 2014 comprou o livro impresso. Em relação ao caminho que percorre para chegar até o blog, I.P. relatou ter a página da Bruna como a primeira que abre em seu computador. Esse fato é algo totalmente relacionado à afetividade, que também se faz presente no espaço virtual. A autora não pode tocar no blog, não pode senti-lo como um livro impresso, mas pode adicionar a página aos favoritos de seu navegador, que lhe dá a impressão de ter aquilo sempre disponível ─ sentimento semelhante ao de ter um livro em uma estante. Algo imaterial, mas que promove a mesma sensação que algo material causa. Além disso, o ato de “favoritar” o blog sugere que entrar no blog é um hábito constante da leitora. Depois de estar no blog, entra em categorias e procura geralmente na categoria “Comportamento”. Nesse caso tínhamos uma leitora que sabia o que procurava no blog, mas não sabia da existência do recurso de busca por não ficar logo no início da página. Além disso, a leitora procura página por página da categoria pesquisada até encontrar o texto Não é deixar para trás, é viver, o que não é característico de um site/blog que possua boa usabilidade. O leitor/usuário deve ter nitidamente o local de busca, para que possa se situar caso necessite realizar alguma pesquisa, como no caso de I.P. Por causa de problemas técnicos com o notebook, a leitora preferiu usar o celular para ler o texto solicitado. No celular possuía uma guia salva só para o Depois dos Quinze. No processo da procura pelo texto, realizou as mesmas etapas que havia feito por meio do notebook, recorrendo às categorias. Continua sua procura de texto em texto da categoria, o que demorou aproximadamente cinco minutos. A leitora perguntou de quando era o texto, a pesquisadora respondeu ser de 2012, ela se espantou e disse que iria procurar no computador que era mais rápido de achar do que pelo telefone. 261

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Após ler o texto, a leitora expressou sua opinião e fez uma crítica referente ao modo de pensar e de encarar a vida da autora. I. P. diz ter um jeito diferente de pensar de Bruna Vieira, porque a autora não possui uma religião, e ela sim ─ é evangélica. Sua filosofia de vida condiz com seus preceitos religiosos, sendo assim, não gosta de “viver o que vem na cabeça” e de viver tudo o que se quer. O ato de ler a narrativa em dois suportes distintos da leitora I.P. demonstra a questão da convergência, quando a jovem utiliza dois instrumentos tecnológicos para ter acesso ao blog ─ o celular e o notebook ─, além de ter acesso aos textos no livro impresso. Essa leitora lê de distintos modos e absorve o conteúdo que anseia ler. Contempla, cultua seus livros, relendo-os, anotando suas citações favoritas, degustando-os. Após lermos o livro Os jovens e a Leitura de Petit (2008), constatamos que muitos jovens possuem a mesma visão de leitura de I.P., que enxergam nos livros um passaporte para diversos lugares, ou como um avião que os conduz às terras distantes, e muitas vezes, mágicas. A leitura permite aos jovens experiências novas, de se abrir para o que está distante, também possibilita o contato com culturas diferentes, o sentimento de pertencimento de diversos grupos, pois, muitas vezes, a juventude traz consigo problemas de sociabilidade, que durante o processo de leitura são relegados a um segundo plano. Perguntada se compraria o livro mesmo sabendo que os textos estão disponíveis gratuitamente no blog em formato de postagem, exclamou: “Com certeza!”. I.P. acredita que os livros são concretizações do trabalho das blogueiras e ao comprá-los se sente mais próxima da autora. A terceira entrevistada é A.S., do sexo feminino, de Belo Horizonte (MG), 18 anos e leitora de ambos os suportes. A entrevistada, A.S., conheceu o blog Depois dos Quinze quando tinha 13 anos. Com 16 anos comprou os livros de Bruna Vieira. Ao narrar seu passo-a-passo de acesso ao blog a leitora declarou que costuma entrar pela página do Facebook da autora e do Depois dos Quinze, alegando ir até a página conferir se há novidades em relação às postagens recentes. Assim, o acompanhamento da atualização do blog é realizado por meio das redes sociais e das hashtags e raramente pelo acesso direto da URL do blog. Depois de uma breve procura do texto Não é deixar pra trás, é viver, a entrevistada resolveu modificar seu método de pesquisa, optando por utilizar o recurso de busca do blog. Assim, achou instantaneamente o texto. Notamos que após achar e começar a realizar a leitura, a leitora apenas realizava o ato de olhar de um lado para o outro, como se estivesse olhando para um pêndulo. Com breves piscadas, com o semblante sereno e discretos movimentos com a cabeça. Esses movimentos dos olhos se dão por meio da estreiteza da fóvea, o que nos lembra que a leitura é realizada em um aspecto biológico também. Segundo Dehaene (2012): 262

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Ao orientar o olhar, nós “escaneamos” o texto lido, com a ajudada parte mais sensível do nosso captor visual, a única capaz de discriminar finamente as letras. Em adendo, não percorremos o texto de forma contínua. Ao contrário, nossos olhos se deslocam em pequenos movimentos discretos, por sacadas. Efetuam-se, na verdade, quatro ou cinco por segundo, a fim de trazer palavras à fóvea. (DEHAENE, 2012, p. 27)

A leitora relatou que o texto do livro que mais se identificou se chama Meu Primeiro Mês em São Paulo, no qual a autora conta sobre o período inicial e de sua adaptação ao sair do interior de Minas Gerais para ir residir em São Paulo. O porquê de ter se identificado é referente a ter vivido a mesma história de Bruna, de sair do interior do estado, mas em vez de ir morar em São Paulo, mudou-se para Belo Horizonte. A identificação por parte das leitoras também pode ser relacionada ao que Daniel Goldin (2012) relata sobre como os textos e outras criações culturais desvendam a paisagem a partir da qual construímos nossas vidas. Os textos, nesse caso, as crônicas de Bruna Vieira, com suas paisagens, são como telas que ilustram o cotidiano de alguns jovens. O texto descreve os cenários que a juventude percorre diariamente: as boates, as escolas, as casas e etc, bem como descreve situações sociais, culturais e emocionais que se desdobram nesses locais. A. S. mesmo sabendo sobre o fato de os textos do livro estarem dispostos na internet, confessou que compraria o livro da mesma forma. E, ainda, relatou que quando comprou o livro já imaginava que continha alguns textos do blog, uma vez que havia visto algumas meninas comentando sobre isso, mas acabou comprando, pois a autora declarou que havia textos inéditos. 4 Conclusão Com essa pesquisa conseguimos compreender o leitor e a narrativa em dois meios distintos, mais especificamente, as práticas de leitura de uma narrativa do blog e do livro impresso Depois dos Quinze, da autora Bruna Vieira. Ao longo dessa pesquisa compreendemos as práticas de leitura como apropriações do livro por parte dos leitores durante o ato de ler, desde o folhear das páginas da obra impressa até os caminhos escolhidos pelo leitor para encontrar os textos em um blog. Foi possível observar que os jovens entrevistados ainda anseiam por livros impressos, mostram que os jovens leem sim, talvez não a leitura obrigatória da escola e do pré-vestibular, mas realizam leituras que lhes permitem uma aproximação com sua realidade. Por meio dos textos de Bruna Vieira, as leitoras encontram conforto para situações dificis da adolescencia. Tem Bruna Vieira como uma amiga e se veem espelhadas nas páginas do Depois dos Quinze, tanto impresso quanto digital. 263

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As práticas de leitura do livro impresso são perpassadas pelo digital, uma vez que o livro dispõe de paratextos editoriais que remetem ao blog. Enquanto a leitura do blog não acontece unicamente pelo computador, mas também por outros suportes, como no caso da leitora I.P. que utilizou seu smartphone durante a entrevista para ler o texto. A partir da metodologia apresentada, constatamos, por meio da entrevista via Skype, que os leitores possuem uma relação de afeto com o objeto e que comprariam o livro mesmo ao saber que todo conteúdo é disponibilizado gratuitamente, porque gostam de ter o livro em mãos e também em suas estantes, O afeto é uma das questões que refletem o ato da leitura dos jovens entrevistados por Skype: nele notamos o toque, o modo cuidadoso de segurar o livro impresso. O leitor do livro impresso, enquanto ser biológico, recorre a outros sentidos além da visão, encontra no tato e no olfato uma forma de incremento e de aprofundamento da leitura ao estabelecer uma íntima relação com o objeto. Além disso, percebemos que a obra impressa desperta sentimentos no leitor que a possui, por meio da própria edição e da representação que os textos lhe conferem. Em relação às práticas de leitura, notamos que a leitura das postagens não é sempre fragmentada. Apesar de estar na web, a crônica possui uma linearidade e faz com que o leitor se atenha a narrativa para saber seu desfecho. Talvez um dos elementos que também faça com que o leitor disponha de uma leitura contínua em um ambiente digital, seja a identificação das leitoras com as vivências que Bruna Vieira relata em seus textos, ou o hábito de ler no impresso ainda enraizado nos leitores de ambos os suportes. Por causa da mescla de conteúdos, da hibridez das linguagens e da convergência das mídias, emerge um novo tipo de leitor: o leitor espectador e internauta, termo criado por Canclini (2008), que como no caso dos leitores do Depois dos Quinze, que leem o livro impresso, acompanham o blog e assistem ao canal no Youtube, conforme relataram algumas das entrevistadas.

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Referências CANCLINI, Nestor Garcia. Leitores, espectadores e internautas. Tradução de Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras, 2008. CHARTIER, Roger. Práticas da Leitura. 5 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2011.

COSTA, Juremir. O Vestígio e a Aura: corpo e consumismo na Moral do Espetáculo. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2004.

DARNTON, Robert. A questão dos Livros: passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. DEHAENE, Stanislas. Neurônios da Leitura. Porto Alegre: Penso, 2012.

GOLDIN, Daniel. Os dias e os livros: divagações sobre a hospitalidade da leitura. São Paulo: Pulo do gato, 2012. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

PETIT, Michèle Petit. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Ed.34, 2008. PROUST, Marcel. O tempo redescoberto. São Paulo: Globo, 2012.

SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. VIEIRA, Bruna. Depois dos quinze: quando tudo começou a mudar. São Paulo: Editora Gutenberg, 2012.

Autores

Maura da Costa e Silva – Graduada em Comunicação Social – Produção Editorial pela Universidade Federal de Santa Maria no ano de 2015. Atualmente cursa Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui experiência como bolsista voluntária no grupo de pesquisa Cartografia do campo editorial brasileiro: produção, circulação e consumo. Email: [email protected] Marília de Araujo Barcellos - Doutora em Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –PUC-Rio. Professora Adjunta do curso de Comunicação Social – Produção Editorial da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Mestre em Letras/ Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Formada em Educação - Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - (PUCRS). Membro do Núcleo de Produção Editorial da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação Intercom, e integrande do Grupo de pesquisa Livros e outras mídias, USP. Email: [email protected]

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Recepção em Contextos de Circulação Digital: A Emergência da Reconexão Moisés SBARDELOTTO 1

Unisinos, São Leopoldo, RS Resumo: Este artigo analisa como se organizam os processos midiáticos de circulação do “católico” em redes comunicacionais online, que emergem na plataforma sociodigital Facebook, partindo de uma articulação teórica em torno do conceito de circulação. Em seguida, dois casos empíricos – um nível socioinstitucionalizado do catolicismo brasileiro (página “Jovens Conectados”); e um nível minoritário periférico (página “Diversidade Católica”) – são analisados a partir da emergência daquilo que chamamos de “reconexões”. Como conclusão, aponta-se que, entendidas como redes de conexões, as reconexões alimentam a circulação comunicacional, mediante a experimentação/transformação de algo já existente e da invenção/produção de algo novo em torno do catolicismo contemporâneo. Palavras-chave: Circulação; reconexão; Facebook; catolicismo; religião;. 1 Introdução Com o avanço da midiatização digital, a Igreja Católica e a sociedade em geral desenvolvem novas modalidades de comunicação na internet, em que se constitui uma diversificada e difusa rede de relações entre símbolos, crenças e práticas vinculados ao catolicismo, aqui chamada de “católico”. Nesse processo, a sociedade em geral (indivíduos, grupos e instituições) toma a palavra publicamente e diz o “católico” midiaticamente, para além da oferta da instituição Igreja ou da mídia industrial, apontando para uma reconstrução social e pública de sentidos católicos. A partir desse contexto, este artigo – recorte de nossa tese de doutoramento (SBARDELOTTO, 2016) – analisa como se organizam os processos midiáticos de circulação do “católico” em redes comunicacionais online, que emergem, neste caso, na

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Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, com estágio doutoral na Università di Roma “La Sapienza”. E-mail: [email protected].

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plataforma sociodigital Facebook. A análise se dá por meio de um estudo de casos múltiplos, articulado com entrevistas focais semiestruturadas realizadas com responsáveis pela comunicação católica no Brasil, em dois níveis: um nível socioinstitucionalizado (a página Jovens Conectados, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB); e um nível minoritário periférico (a página Diversidade Católica, de uma rede católica gay). O texto parte de uma articulação teórica em torno do conceito de circulação, entendida como uma das principais processualidades comunicacionais em sociedades em midiatização. Resgatando um breve histórico de estudos sobre circulação, refletese sobre tal processo não apenas como algo “depois da produção” ou “depois da recepção”, mas como uma “zona de articulação” (FAUSTO NETO, 2010) entre lógicas de produção e de reconhecimento, que se inter-retrorrelacionam. A partir dessa reflexão, os dois casos empíricos em torno da circulação do “católico” em rede são analisados a partir da emergência daquilo que chamamos de “reconexões”, isto é, um complexo de inter-relações entre processos sociossimbólicos, que, inter-retroativamente, relacionam lógicas e dinâmicas sociais e simbólicas. Como conclusão, aponta-se que, entendidas como redes de conexões, as reconexões condensam as práticas religiosas em rede, mediante uma ação comunicacional sobre as interfaces e os protocolos das plataformas sociodigitais e para além deles, alimentando a circulação comunicacional. 2 Circulando em meio à circulação

Em rede, vemos uma ampliação das interações sociais, por parte de diversos interagentes, para além da gestão de instituições estruturadas e uma maior difusão de construções midiáticas para além da gestão do “campo dos media”. Manifesta-se, aí, também, uma das principais processualidades comunicacionais em sociedades em midiatização, justamente o fenômeno da circulação. Nos processos de circulação comunicacional que permeiam toda a sociedade, brotam os fluxos, formam-se os circuitos e as redes, e travam-se as disputas simbólicas pela construção de sentido social. Desse modo, torna-se muito mais complexo delimitar quem “produz” e quem “recebe” nessas relações, assim como os “pontos iniciais” e os “pontos finais”, pois, no processo de midiatização das sociedades contemporâneas, geram-se “novas estruturas e dinâmicos feixes de relações entre produtores e receptores de discursos” (FAUSTO NETO, 2010, p.6), que também se tornam mais visíveis para o pesquisador. Como afirma Ferreira (2008, p. 64), toda construção de sentido é “atravessada pela travessia que propicia”, e é nessa relação que a circulação emerge como problema. Inicialmente, os estudos comunicacionais viam a circulação como sinônimo de distribuição, ou seja, meramente como passagem linear de um produto simbólico da produção à recepção, com papéis e funções claramente distintos e separados (FAUS267

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TO NETO, 2013). O modelo para compreender essas interações não previa retroações: tratava-se de uma ação linear (um emissor envia uma mensagem através de um canal para um receptor em vista de um efeito previsto). A circulação, segundo esse modelo, era apenas um intervalo neutro entre produção e recepção. As retroações se dariam fora do sistema, consideradas como ruído. E, se os efeitos esperados não fossem alcançados, a culpa seria do ruído. Haveria, portanto, uma “produção” claramente identificável e estável, categorizável como corporações midiáticas, que produziria conteúdo para uma “audiência”, “massa”, “público”, “recepção”, que simplesmente efetivaria os sentidos propostos por aquela, assimilando os efeitos previstos pela produção. Um segundo movimento dos estudos sobre a circulação passou a enfatizar aquilo que acontecia com o produto “depois da recepção” (BRAGA, 2012b), ou seja, os feedbacks, as respostas, os remakes, os desvios sobre os produtos, em que se manifesta um caráter de diferença, desajuste, defasagem entre produção e recepção. Reconhece-se, então, que o emissor não controla o conteúdo que elabora, embora produza efeitos sobre a recepção, mas não necessariamente os mesmos que foram previstos em sua produção (FAUSTO NETO, 2013). Percebe-se aí a emergência de um novo interagente comunicacional, que “apropria-se da linguagem para referir-se, referir o mundo e referir o seu socius” (ibid., 2010, p.8), o que explicita ainda mais a dimensão “circular” dos processos comunicacionais e não meramente transmissional “da emissão à recepção”. Um terceiro movimento, para além de um mero processo “depois da produção” ou “depois da recepção”, buscou ver a circulação como uma “zona de articulação” (FAUSTO NETO, 2010) entre lógicas de produção e lógicas de reconhecimento, que se inter-retro-relacionam. Ou seja, uma “atividade de interface que reúne lógicas diferentes” (ibid., 2013, p. 10), não definíveis aprioristicamente, mas apenas conjunturalmente, dentro de contextos específicos de interação. Trata-se de um mesmo movimento de “consumo produtivo” e de “produção consumidora” (FERREIRA, 2012), em que um agente “opera como receptor de outros discursos e, ao mesmo tempo, como emissor de outros, cuja circunstância reúne também a existência de outros sujeitos como produtores e receptores” (FAUSTO NETO, 2008, p. 124). Contudo, permanece uma diferença e uma divergência entre as ações realizadas pelos interagentes em situação de produção e pelos interagentes em situação de recepção: eles fazem coisas diferentes, embora em codependência. Mesmo que realizem “operações isomórficas”, por possuírem a mesma estrutura operacional, cada polo – não fixado previamente, mas apenas conjunturalmente – opera segundo “lógicas qualitativamente distintas” (VERÓN, 2013, p. 302). Em termos simbólicos, a equalização de sentidos é impossível entre os dois polos, pois os sentidos não se realizam por convergência: são incontroláveis, são desordem, geram ruído. O sentido se faz em decorrência de um complexo “feixe de relações” (cf. FAUSTO NETO, 2008).

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Ou seja, nem a “produção” nem a “recepção” captura o “movimento de orquestração social, que engloba as duas lógicas e que oferece novos mecanismos de inteligibilidade para a midiatização” (FERREIRA, 2008, p. 64). A articulação complexa entre movimentos de produção e movimentos de recepção produz “novas configurações dos discursos sociais nos espaços públicos ampliados, que invade, retroativamente, a lógica das instituições, porque invade sua discursividade ‘privada’ e suas próprias condições de existência” (ibid., p. 64). Decorrem daí indeterminações dos processos e incerteza para as análises, dada a complexidade da circulação, em que se dá a “conexão imprevista de códigos, estruturas e sistemas em interação, mobilizados pelas posições cambiantes entre produção e recepção, colocando em xeque posições sociais e históricas construídas” (ibid., 2010b, p. 76). Assim, não é possível falar de midiatização sem os processos de circulação, pois, além de uma relação entre produção e recepção, a circulação também é a ação que o receptor faz para “seguir adiante as reações ao que recebe” (BRAGA, 2012a, 39). No caso da circulação do “católico” em rede, são as ações tanto da instituição Igreja, quanto dos fiéis comuns conectados que constroem o “católico” conjuntamente, em rede, de modo complexo. Desse modo, podemos entender a circulação como a interrelação de “circuitos retroativos”, que envolvem produção/recepção, abertura/fechamento, repetição/renovação, irreversibilidade/retorno (MORIN, 2008). Nesse sentido, a circulação é uma ação de circular: de interagir, de acoplar, de articular, de interpenetrar uma pluralidade diversa de elementos: não apenas mensagens e sentidos, mas também agentes em situação de produção e/ou de recepção, tecnologias, lógicas, dinâmicas, contextos de comunicação. Quer em produção, quer em recepção, os interagentes das redes digitais – neste caso, a instituição Igreja, grupos, indivíduos, o “católico”, as redes comunicacionais online – constituem-se e encontram-se mobilizados por uma “ordem que os transcende”, que permite a comunicação e que “se oferece como lugar de produção, funcionamento e regulação de sentidos” (FAUSTO NETO, 2010, p.8). Nela, a própria comunicação se constitui e se organiza. Hoje, em ambientes sem qualquer vinculação com a fé católica, como as plataformas sociodigitais, os interagentes encontram formas de simbolizar pública e autonomamente o sagrado católico, mediante textos, imagens, vídeos. As plataformas aqui analisadas, ao conectarem os interagentes mediante redes comunicacionais online, lhes conferem a capacidade de produzir uma “palavra pública” e de agir também publicamente sobre o fenômeno religioso. No caso das redes comunicacionais online, entrelaçada com as interfaces e os protocolos, manifesta-se na circulação do “católico” a capacidade de constituir digitalmente “processos de objetivação simbólica” (RODRIGUES, 2012, p. 13) sobre o catolicismo, mediante a comunicação. Nessa ação sobre símbolos, mediada por tecnologias e regularidades sociais, encontramos a explicitação específica daquilo que Morin (1999) chama de compu269

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tação. Trata-se de “um complexo organizador/produtor de caráter cognitivo” (p. 51), que pode ser concebida mais simplesmente como “tratamento de símbolos” (p. 50). Portanto, não se trata apenas das operações de uma “máquina artificial” (que também se fazem presentes nas plataformas de redes sociais online), mas principalmente das “atividades inteligentes do espírito humano” (ibid., p. 51). Mas, nas ações comunicacionais analisadas em nossos casos, percebemos que a construção de sentido sobre o “católico” se dá como uma computação de terceira ordem, ou seja, a computação (a produção de sentido do agente) de uma computação (reconhecimento de sentidos sociais pelo agente) de uma computação (a produção de sentido dos diversos agentes sociais em conexão). Nesse sentido, o “católico”, como macroconstruto social, envolve inúmeras ações locais de computação, que, em suas inter-relações complexas, fazem emergir a reconexão. Esta possibilita a percepção e a expressão de sentidos, e também a interação entre interagentes sobre e para além de tais sentidos: ou seja, processos sociais e simbólicos de conexão em rede2. A reconexão, desse modo, envolve ações comunicacionais de construção de sentido em plataformas sociodigitais que dependem da “conexão” e da “computação” stricto sensu de um computador e de um computante humano, mas vão além delas, mediante uma ação de “conexão das conexões” e de “computação das computações” em rede, gerando uma “conexão” e um “cômputo” muito mais complexos do que algo meramente humano e/ou tecnológico: os processos sociais e simbólicos das redes comunicacionais online, para além dos seus elementos informacionais/computacionais. É o que analisaremos em seguida.

3 A circulação do “católico” no Facebook

Focaremos nossas análises, especificamente, em presenças católicas no Facebook, articulando-as a algumas entrevistas focais semiestruturadas com os principais responsáveis pela manutenção das páginas aqui observadas. Para a análise, foram selecionadas presenças explicitamente vinculadas e/ou relacionadas com o catolicismo; voltadas ao público brasileiro; com acesso disponível aos dados das páginas por parte do público em geral (deixando de lado, portanto, grupos ou comunidades “fechados” em tais plataformas); atualizações frequentes pelos responsáveis ao longo da nossa análise (deixando de lado páginas “mortas” ou “páginas-repositório”); e com certa participação dos leitores em postagens públicas (como comentários e outros materiais que oferecem indícios e rastros de interações e práticas de construção de sentido). Assim, foi possível montar um mosaico de observações diversas, que se articulam, aqui, em dois níveis diferentes de circulação do “católico” percebidos em plataformas sociodigitais: um nível socioinstitucional brasileiro; e também um nível de dispersão não instiComo dissemos, as complexas relações entre processos sociais e simbólicos serão referidas ao longo desta tese com o termo “processos sociossimbólicos”, reconhecendo, desde já, que se trata de processos inter-retroativos. Pois entendemos que todo processo sociossimbólico é também um processo simbólico-social. É a tensão entre as polaridades de tal díade que visaremos desdobrar e aprofundar, mais do que a “força” de cada uma em separado. 2

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tucional da circulação do “católico”, composto pelas ações comunicacionais de grupos minoritários e periféricos do catolicismo brasileiro. No primeiro nível, analisamos a presença do projeto Jovens Conectados da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Facebook (página Jovens Conectados). Em relação ao nível minoritário periférico católico brasileiro, dada a diversidade de casos, a instabilidade das diversas presenças e a irregularidade das postagens, decidimos pela análise da página Diversidade Católica no Facebook, espécie de “vanguarda” católica nas plataformas sociodigitais, que assume como eixo de sua ação comunicacional a cidadania gay na Igreja Católica. Tais casos não são tomados aqui como exemplos representativos da pluralidade heterogênea do catolicismo em rede, mas, em seu interior, cada um deles fornece elementos comunicacionais plurais e heterogêneos, que apontam para a complexidade da circulação do “católico” em rede, como variáveis aleatórias, em cujas processualidades se manifesta de modo significativamente complexo tal circulação.

3.1 Nível socioinstitucionalizado: a página “Jovens Conectados”

No Brasil, um dos principais projetos da Igreja Católica desenvolvidos especialmente para o ambiente digital se chama Jovens Conectados, lançado em dezembro de 2010, como órgão de comunicação oficial da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude (CEPJ), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A história do desenvolvimento desse projeto e seus objetivos atuais permitem perceber, respectivamente, a inter-relação entre os desafios da missão da Igreja Católica na sociedade brasileira contemporânea; a autonomização dos jovens católicos (a “socioinstitucionalidade”); e os limites e possibilidades levantados pelo processo da midiatização digital. Especifiquemos. Seu Regimento Interno explicita alguns pontos principais nesse sentido. Em 2009, foi proposta uma equipe de comunicação do então “Setor Juventude” da CNBB, hoje CEPJ, com o objetivo de “implantar e consolidar uma política de comunicação do Setor como referência para o envio e recebimento de informações das ações juvenis no Brasil” (JOVENS, 2014, p. 3, grifo nosso). Percebe-se, desde o início, a relevância do caráter comunicacional do projeto (embora marcado por uma compreensão restrita desse processo, como “envio e recebimento”). No primeiro semestre de 2010, alguns jovens começaram a estudar documentos da CNBB sobre a “evangelização da juventude”, para buscar compreender como favorecer o diálogo entre o então “Setor Juventude” e os jovens das diferentes expressões eclesiais do Brasil. A intenção, segundo Felipe Rodrigues, atual coordenador-geral do projeto Jovens Conectados, era de encontrar a “melhor forma de a Igreja dialogar com os jovens e de os jovens dialogarem com a Igreja” (informação verbal)3. A partir desse processo, chegou-se a uma proposta de comunicação, com a ideia de construir um site na internet na tentativa de criar “uma nova linguagem da Igreja no Brasil 3

Informação coletada em entrevista realizada por Skype, no dia 20 de dezembro de 2015.

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para falar com as novas gerações” (JOVENS, 2014, p. 4). Portanto, o nascimento do projeto envolve, ao mesmo tempo, um processo “ascendente”, que emerge a partir do protagonismo dos jovens católicos e da sua autonomização comunicacional, e, por outro lado, de um processo “descendente”, em que a instituição “incorpora” o projeto em sua institucionalidade oficial, vinculando-o ao órgão central da Igreja Católica no Brasil. Como afirma seu Regimento Interno, tal “Equipe Jovem de Comunicação” está “subordinada diretamente aos bispos integrantes da CEPJ e aos seus assessores nacionais” (JOVENS, 2014, p. 5). Na página do Jovens Conectados no Facebook4 percebemos que os interagentes em geral – a própria página em interação com os demais usuários – constroem sentidos em torno do sagrado católico, mediante textos, imagens, vídeos. Nessa experimentação pública, entrevê-se uma prática religiosa específica das sociedades em midiatização. Ao conectar os interagentes, o Facebook fornece a eles a possibilidade de construírem redes comunicacionais online em que se dão as suas interações sobre o fenômeno religioso, mediante reconexões. Em geral, a página do Jovens Conectados divulga conteúdos diversos, como textos, imagens e vídeos referentes à Igreja Católica brasileira em geral, com foco nas atividades e eventos juvenis, quase sempre remetendo ao site Jovens Conectados. Desde o seu surgimento, a página manifesta diversas modalidades de reconexão, por exemplo, reconstruindo na plataforma Facebook ações prévias de um projeto de comunicação que nasceu das bases juvenis da Igreja, sendo, posteriormente, incorporado pela instituição. De práticas sociais de comunicação, passando pelo site, a página no Facebook reconecta tal panorama de ações comunicacionais em novas modalidades. Desse modo, a página constitui no Facebook principalmente um espaço próprio de comunicação, sem referências externas, construindo suas relações com os interagentes a partir das funcionalidades da própria plataforma. Isso não significa que sejam práticas comunicacionais “engessadas” pelo sistema do Facebook: ao contrário, o acionamento da plataforma por parte do Jovens Conectados manifesta a compreensão de suas lógicas, o que possibilita a produção de conteúdo específico para tal ambiente digital. Em geral, as postagens com o maior número de rastros de interação por parte dos usuários (seja mediante “curtidas”, comentários ou compartilhamentos) são as que envolvem conteúdo postado na própria plataforma, sem outras conexões externas. Também se explicita na própria página aquilo que os interagentes fazem com o que lhes é oferecido, mediante “curtidas”, comentários e compartilhamentos. Nos comentários e compartilhamentos, encontramos o recurso a diversas funcionalidades da plataforma, como a postagem de texto “puro” ou com links, hashtags e emoticons; o anexo de fotos; a “marcação” de pessoas; e ainda as respostas a outro comentário específico. Temos ainda aqueles casos em que os usuários agem comunicacionalmente em relação à página ou a outros interagentes, posicionando-se contra algo ou alguém e manifestando publicamente a sua objeção e oposição. No dia 30 de março de 2015, a página pos4

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tou uma de suas poucas mensagens de temática sociopolítica, envolvendo uma ação de dez entidades civis para denunciar o retrocesso na legislação brasileira com a possível votação da admissibilidade da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal para 16 anos de idade. Esse evento contou com a presença a CNBB, dentre outras instituições. O usuário “Bruno”, em sua construção de sentido sobre a postagem, afirmou em comentário: “O Comunismo dentro da Igreja está excomungado. Teólogos da Libertação. Convertam-se. Aos jovens: A CNBB está te enganando, procurem a verdadeira Fé Católica”5. Seu comentário vinculava uma questão sociopolítica apoiada pela CNBB com o comunismo, subvertendo o sentido proposto pela página. Para ele, ao contrário, a “verdadeira Fé Católica” não seria essa, pois os próprios bispos estariam enganando os jovens. O interagente, portanto, se coloca acima dos próprios bispos, como “autoridade” autonomizada pelas competências sociodigitais, que lhe permitem, publicamente, denunciar a CNBB como enganadora e anunciar o “verdadeiro” catolicismo. Dessa forma, desdobram-se as possibilidades simbólicas da postagem, que não será lida (ou interpretada) da mesma forma, caso alguém leia primeiro (ou depois) o comentário do leitor, que gerou novos desdobramentos de sentido à leitura dos demais usuários, por meio de resistências explícitas à autoridade e à institucionalidade da própria CNBB e dos seus bispos membros. Assim, apropriando-se da plataforma Facebook, a página do Jovens Conectados remodela as ações comunicacionais do projeto para as processualidades desse ambiente, contando com a participação dos interagentes em sua própria constituição . A socioinstitucionalidade católica brasileira, desse modo, se presentifica na plataforma Facebook traduzindo, dentro dos limites e possibilidades desse dispositivo emergente, a “identidade” da instituição e das expressões juvenis católicas no Brasil, em novas formas de vínculo sociodigital, construído comunicacionalmente. 3.2 Nível minoritário periférico: a página “Diversidade Católica”

No contexto católico, vem emergindo com força, no mundo inteiro, um novo “sujeito eclesial” que demanda o seu espaço e reconhecimento na Igreja: a pessoa homossexual. O grupo Diversidade Católica nasceu ainda em 2006, no Rio de Janeiro, embora sua data de fundação reconhecida “oficialmente” seja o dia 14 de julho de 2007. Sua apresentação disponível em seu site o define como “um grupo de leigos católicos que compreende ser possível viver duas identidades aparentemente antagônicas: ser católico e ser gay, numa ampla acepção deste termo, incluindo toda diversidade sexual (LGBT)”6. Trata-se, portanto, de um caso de autonomização e publicização de um “sujeito socioeclesial” específico (o gay assumidamente católico), que manifesta suas competências comunicacionais como “leigoamador” (SBARDELOTTO, 2014). 5 6

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A conciliação das duas identidades, católica e gay, por parte do grupo, é permeada pelas possibilidades da cultura sociodigital, mediante a criação de um site7, que favoreceu uma “demanda” em termos de ajuda, dúvidas, orientação, encontros. Aquilo que subsistia de modo latente no interior da Igreja Católica encontrou um “ponto de escape” comunicacional, uma “fresta no armário” eclesial, graças a uma ação simbólica no ambiente digital. Trata-se, portanto, de uma “minoria periférica” emergente no contexto eclesial contemporâneo. Mas sua “minoridade” vai além da inferioridade quantitativa de seus membros (seja em termos digitais, com seus pouco mais de 4,7 mil “curtidas” na página do Facebook8, por exemplo, seja em termos socioeclesiais, em comparação com uma “maioria” católica) e envolve ainda o fato de lutar para ter uma voz ativa no contexto eclesial, de se “fazer ouvir” por parte da Igreja Católica como um todo, pois as pessoas gays, no âmbito católico, ainda não têm acesso à “fala plena” nas principais instâncias da vida da Igreja Católica. Temos, assim, uma rede tríplice que perpassa as redes comunicacionais online em que o Diversidade Católica se faz presente: a homoafetividade, o catolicismo e a cultura digital. Por sua vez, os próprios usuários vão reconhecendo a competência e a experiência dos administradores dessa página no Facebook como “especialistas” (ou até mesmo como “autoridades”) na sua proposta, não apenas ao visitá-la, mas também ao “curti-la” e, principalmente, ao entrar em diálogo com seus responsáveis nos comentários de cada postagem. Nos diversos níveis de interação na página Diversidade Católica, percebemos que não apenas os administradores, mas também os usuários operam ações que vão além do já dado em termos sociais, tecnológicos e simbólicos sobre o “católico”, em processos de circulação comunicacional. Conectam-se, assim, conteúdos simbólicos, tecnologias, usuários, contextos socioculturais e midiáticos em redes comunicacionais online. Em geral, a página busca em suas postagens, principalmente, construir simbolicamente a vinculação entre o catolicismo e a homoafetividade. Isso se dá mediante textos de reflexão do magistério da Igreja (referentes a declarações do papa ou de bispos) e depoimentos e testemunhos de católicos gays que relatam os conflitos, as tensões e as esperanças em torno dessa temática. Como nos explicou Cristiana Serra, o próprio blog surgiu a partir de outros sites, nos quais ela se informava sobre “essa multiplicidade de discursos dentro do universo católico, cristão” (informação verbal)9. A partir disso, afirma, “eu comecei a querer trazer essa reflexão mais ampla para poder fazer essa conexão com a questão LBGT dentro da Igreja Católica Romana” (informação verbal)10. A ideia, em suma, era buscar

Disponível em: . Disponível em: . 9 Informação coletada em entrevista com Cristiana Serra – psicóloga membro do Diversidade Católica desde 2008 – realizada em São Leopoldo, no dia 16 de outubro de 2015. 10 Idem. 7 8

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“uma reflexão sobre uma catolicidade mais autônoma, menos heterônoma, buscando um pluralismo, não só falar da questão gay, mas uma reflexão católica mais ampla [...], buscar materiais, buscar discursos contra-hegemônicos, uma moral não tão conservadora” (informação verbal, grifo nosso).11

O objetivo, dessa forma, era possibilitar o acesso, por parte dos usuários, a discursos católicos sobre a homoafetividade não encontrados publicamente, invisibilizados. Um caso foi o da postagem do dia 10 de julho de 201512, quando a página publicou um link para o seu blog sobre “um vídeo emocionante” e “dolorido”. O título do link indicado no Facebook é: “Afinal, o que há dentro do armário?”. No blog, o usuário pode assistir a um vídeo carregado na plataforma YouTube, intitulado “Vivendo no armário: gays não assumidos”, em que se apresenta como é a vida deles em relação à família, aos colegas de estudo e trabalho, incluindo também as Igrejas. Trata-se, portanto, de uma postagem sobre os conflitos em torno do “catolicismo gay” por parte de pessoas que vivem essa experiência na própria pele, que reconecta um vídeo no YouTube, um post no blog do grupo e uma postagem no Facebook. Desse modo, não apenas os conteúdos, mas o próprio usuário também “circula” nesses ambientes midiáticos, reconstruindo sua experiência comunicacional a partir de diversas modalidades interacionais em cada plataforma. Na postagem no Facebook, o usuário “Gilmar” postou este comentário: Gilmar S. – Esses relatos são de cortar o coração. infelizmente a realidade é não é tão linda igual gostaríamos que fosse. são poucos que tem a sorte de poder ser quem realmente é. meu desejo é de felicidade, coragem e força para todos os envolvidos no doc. e outros milhares que estão espalhado por todo esse mundão! [10 jul. 2014 às 16:21]13

Em sua contribuição, mediante reconexão da postagem original, acrescentando uma construção simbólica própria à postagem, o usuário explicita a necessidade de levantar tal debate, compartilhando com eles o seu sofrimento (“cortar o coração”) e reconhecendo que “a realidade não é tão linda” como o documentário mostra. Tal visibilização desses discursos encontra ressonância social, confirmada por tais comentários. 4 A circulação em rede e a emergência da reconexão

A partir de nossas análises, encontramos diversas modalidades de reconexão, como as reconexões por assimilação; por enfatização; por complementação; por menção; por “marcação”; por autorreferenciação; por remidiação; por adaptação; por suspensão; e por subversão, sintetizadas na Tabela 1. Tais ações são inter-relacionáveis, já que um conteúdo pode ser enquadrado em uma ou mais dessas categorias, de acordo com a complexidade local das interações. Idem. Disponível em: . 13 Disponível em: . 11 12

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Tabela 1 – Modalidades de reconexão

Reconexões por assimilação

Reconexões por enfatização

Reconexões por complementação

Reconexões por menção

Reconexões por “marcação”

Reconexões por autorreferenciação

Reconexões por remidiação

Reconexões por adaptação

Reconexões por suspensão

Reconexões por subversão

Adesão por parte dos interagentes a conteúdos postos em circulação por outros, mediante “curtidas” ou compartilhamentos incorporados, sem modificação em relação ao original. Construções simbólicas (textos, imagens, áudios, vídeos) por parte de interagentes que manifestam seu reconhecimento, consentimento, apreço, agradecimento em relação a ações comunicacionais outras. Construções simbólicas que aprofundam e desdobram os sentidos construídos por outros interagentes em relação a um conteúdo específico, mediante o acréscimo de outros elementos, mas situando-se no mesmo universo simbólico. Insere-se aqui o uso de elementos extratextuais como emoticons e emojis. Mediação por parte de um interagente entre um conteúdo e outros interagentes, ou entre interagentes, recorrendo ou não a funcionalidades específicas das plataformas para esse fim. Gerase um “subfluxo” comunicacional de tal postagem. A “menção temática” envolve o uso de hashtags, em que uma postagem é inserida em outro fluxo comunicacional paralelo. Busca-se fazer o conteúdo circular por outras redes comunicacionais online, ou até mesmo fora do ambiente digital, mediante a menção de interagentes extraplatafórmicos ou transmidiáticos. Referenciação de um conteúdo a outro interagente, que é identificado no próprio conteúdo, como no caso da “marcação” de fotos no Facebook. O conteúdo não apenas é indicado a outro interagente (como no caso das menções), mas é “fundido” com o próprio interagente mediante tal reconexão: a foto remete ao usuário que remete à foto. Ações comunicacionais de autorreconhecimento dos interagentes, que constroem sentido sobre si mesmos, como estímulo para a interação e incremento para seus próprios fluxos circulatórios, por exemplo, mediante autocompartilhamentos ou autocomentários. Ações comunicacionais intraplatafórmicas que se articulam com elementos midiáticos extraplatafórmicos (como tuítes postados no Facebook) ou que, ao contrário, levam potencialmente o interagente para outros ambientes midiáticos extraplatafórmicos (como a publicação de links externos). Reconectam-se, assim, vários circuitos midiáticos, fazendo os interagentes transitarem por diversos fluxos. Ações comunicacionais que se apropriam de um conteúdo alheio e fazem coisas não previstas ou desvinculadas do contexto comunicacional original, recontextualizando e ressignificando tal conteúdo para seus próprios fins, com o acréscimo de novas camadas de sentido. Construções simbólicas que manifestam tensionamentos e questionamentos críticos em relação a determinado conteúdo ou interagente, colocando-o em “suspenso”. Isso se dá mediante perguntas e solicitações de aprofundamento, explicações, esclarecimentos, voltados ao desdobramento da interação. Construções simbólicas que se posicionam contra, rebelam-se e manifestam sua objeção e oposição frontal e agressiva a um conteúdo ou interagente, na tentativa de desconstruí-lo simbolicamente. Emerge aqui o conflito e a divergência explícita nas interações em redes comunicacionais online.

Fonte: Elaborado pelo autor.

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Tais categorias, que buscam sistematizar, dentro de suas limitações e lacunas, a complexidade das interações em redes comunicacionais online, por sua vez, podem ser divididas em quatro grandes grupos, a partir da reconfiguração midiática operada por tais ações comunicacionais: 1. 2. 3. 4.

reconexões intraplatafórmicas; reconexões interplatafórmicas; reconexões intermidiáticas; e reconexões transmidiáticas.

Temos, primeiro, ações comunicacionais operadas dentro de uma mesma plataforma, como as “curtidas”, postagens, comentários e compartilhamentos no interior do Facebook. São as reconexões intraplatafórmicas. Há ainda reconexões interplatafórmicas, que reconectam não apenas conteúdos e interagentes, mas também plataformas, como no caso de postagens de tuítes provenientes do Twitter ou de vídeos do YouTube no Facebook, a partir da adaptação e remidiação realizada pelas páginas católicas. Outras reconexões, intermidiáticas, articulam mídias distintas, agindo extraplataformicamente, como no caso das referências lincadas a sites específicos, ou ainda a postagem de livros digitais, áudios e vídeos produzidos em outras mídias. Por fim, temos reconexões transmidiáticas quando um conteúdo surge a partir do contexto off-line ou então quando o ambiente online “transborda” para o offline, como no caso de convites diversos para eventos presenciais. Também poderíamos inserir nesse grupo as postagens que se “reconectam” com a transcendência católica, mediante ritualidades digitais construídas em redes comunicacionais online, mas que vão além do midiático, sem se desprender ou abandonar totalmente uma ambiência midiatizada de prática religiosa (GOMES, 2010). A reconexão, portanto, é um processo sociossimbólico, que, inter-retroativamente, relaciona lógicas e dinâmicas sociais e simbólicas. No fluxo comunicacional, as reconexões se convertem em catalisadoras da circulação. Diagramaticamente, temos a seguinte sistematização dessas reconexões (Fig. 1):

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Figura 1 – Diagrama das reconexões

Fonte: Elaborado pelo autor.

A complexidade das reconexões operadas nas redes comunicacionais online é representada pelas linhas tracejadas, sem setas direcionais, porque o fluxo está sempre em movimento inter-retroativo. Tomando como ponto de análise o interagente “Y”, indicando as páginas aqui em análise, temos as diversas ações comunicacionais realizadas por elas no interior do Facebook (“Plataforma sociodigital 2”). O interagente “Y” também faz suas postagens a usuários que recebem automaticamente suas postagens (por serem seus seguidores/“curtidores”), como representa o cone cinza maior, mas as relações de produção-recepção são recíprocas, como indicam as linhas tracejadas. Outras ações realizadas pelo interagente “Y” envolvem a criação de uma hashtag (círculo vermelho) ou a utilização de um marcador já existente no Facebook (que é compartilhado pelo usuário “H”). Além disso, as diversas presenças católicas fazem referência a um site próprio ou alheio, ou então a outras plataformas sociodigitais, como o YouTube, situados à direita na figura, como ambientes extraplatafórmicos. 5 Conclusão

Em ambientes sem qualquer vinculação com a fé católica como as plataformas sociodigitais, os diversos interagentes encontram formas de (re)dizer e (re)fazer os discursos, os símbolos, as crenças e as práticas católicos, mediante imagens, textos, vídeos. Ocorre, assim, em redes comunicacionais online, uma experimentação religiosa, que caracteriza uma prática religiosa específica das sociedades em midiatização. O ambiente digital possibilita uma complexa rede de interações comunicacionais, em que plataformas como o Facebook passam a ser compartilhadas midiaticamente por interagentes diversos em torno do catolicismo. Dessa forma, reconstroem-se papéis sociocomunicacionais tradicionais. Assim, o próprio catolicismo vai sendo ressignificado a par-

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tir dos mais diversos pontos de vista da sociedade, que agora se publicizam e se visibilizam midiaticamente. O “uso” da religião, portanto, vai modificando-a. Tal processo é exponenciado quando perpassado pelo alcance e pela velocidade midiáticas. A circulação do “católico” em rede leva à sua própria reconstrução, como invenção/produção de algo “novo” (construção) ou como experimentação/transformação de algo já existente (desconstrução). O “católico” é continuamente instituído e ressignificado nas interações, tanto por parte da própria instituição, quanto por parte dos indivíduos. Tal trabalho tentativo, de experimentação sobre o religioso, é justamente um dos principais aspectos que constituem a midiatização da religião contemporânea. Nesse sentido, o “católico”, como macroconstruto sociorreligioso, explicita um “serconexial” próprio, ou seja, “ações sobre ações” em rede sobre as crenças e as práticas católicas no processo de circulação. A reconexão vai além da computação stricto sensu, mediante “conexões de conexões” em rede, gerando um “cômputo” muito mais complexo do que algo meramente humano e/ou tecnológico, envolvendo também outros interagentes e contextos comunicacionais. Mediante reconexões, os interagentes produzem algo novo, que emerge das suas interações comunicacionais, em uma coprodução de sentido, em que as páginas católicas, ao postarem algo, desencadeiam ações outras por parte dos demais interagentes que, por sua vez, poderão catalisar potenciais novas ações de outros interagentes ainda, e assim indeterminadamente. Por isso, as reconexões são “ultraconexões”, “conexões novas”, não por surgirem ab ovo, mas por emergirem de modo complexo na conjuntura de uma interação singular em um contexto específico, na inter-relação com interfaces e protocolos, indo além do já dado em termos sociais, tecnológicos e simbólicos. No contexto religioso, as reconexões revelam a experimentação social sobre o “católico” nos processos de circulação comunicacional, em que é possível partir de algo já dado (pela tradição, pela doutrina, pela instituição etc.) e inventar comunicacionalmente, chegando a algo novo (in + venire) por meio de práticas conexiais, que se somam e complexificam as práticas tradicionais de construção do catolicismo. Vemos, assim, que o sentido se constrói em circulação, “preso em feixes de relações – situação que afastaria a interação das possibilidades de equilíbrio e de linearidade. Em lugar de sentidos atribuídos, desponta a indeterminação” (FAUSTO NETO, 2013, p. 45, grifo nosso). As reconexões, como redes de conexão, explicitam o modo regular de ação em redes comunicacionais online. Sem ação de conexão, não há rede. Referências

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Autor Moisés Sbardelotto é doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), na linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais, com estágio doutoral na Università di Roma “La Sapienza”, na Itália. Autor de “E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet” (Editora Santuário, 2012). Colaborador do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Foi membro da Comissão Especial para o Diretório de

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Comunicação para a Igreja no Brasil, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). De 2008 a 2012, coordenou o escritório brasileiro da Fundação Ética Mundial (Stiftung Weltethos), fundada por Hans Küng. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase na interface mídia e religião. E-mail: [email protected].

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Polêmica gera polêmica: uma análise da recepção do vídeo “Biel” do “Não Faz Sentido” Paula FERNANDES1 Joana d’Arc de NANTES2 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ Resumo: A presente pesquisa busca examinar a recepção e ressignificação de um discurso através da análise de comentários em uma plataforma de compartilhamento de conteúdo audiovisual. Para isso, utiliza-se como corpus o vídeo intitulado “Biel” do canal do youtuber Felipe Neto dentro do quadro chamado “Não Faz Sentido”. Discutese ao longo do artigo conceitos e práticas da web 2.0, como ciberespaço e ciberdemocracia bem como fenômenos que se atravessam, como a celebrificação e a celebritização. Além da reflexão teórica e análise do objeto de estudo e sua repercussão no YouTube, aponta-se algumas implicações do meio on-line e como ambiente de pesquisa para os estudos de recepção. Palavras-chave: celebrificação; Felipe Neto; Não Faz Sentido; Biel; estudos de recepção na internet. 1 Introdução A liberação da palavra e, assim, da opinião toma proporções que fogem ao controle quando ambientadas na internet (LEMOS; LÉVY, 2010). A construção e emissão de pontos de vista em rede virtual ultrapassa os limites de compartilhamento de informações, chegando à movimentação de massas em torno de um argumento que pode ser fundamentado ou não (KEEN, 2009). A emersão de plataformas de comunicação multimídia e interativas, na perspectiva de possibilidade de troca de conteúdos e avaliações dos mesmos, revela aspectos cada vez mais evidentes da

Bacharela em Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Viçosa – UFV. Mestranda em Comunicação Social – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 2 Bacharela em Produção Cultural e Bacharela em Estudos de Mídia, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestranda em Comunicação – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 1

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ciberdemocracia (LEMOS; LÉVY, 2010) na sociedade celebritizada (BOYKOFF; GOODMAN, 2009; LEWIS, 2010; DRIESSENS, 2012). O processo de produção midiática de “um para todos” modifica-se para “todos para todos” (LEMOS, 2003) possibilitando a entrada dos receptores no modo de criação e a replicação do lhe é passado. Dessa maneira, o consumidor de conteúdos no meio virtual tem a possibilidade não só de receber e absorver uma ampla gama de variedades de informações mas também de expor seu posicionamento, valores e significados produzidos a partir do produto consumido. Segundo Denise Cogo e Liliane Brignol (2010), é impossível não incluir o ciberespaço nas discussões sobre recepção, uma vez que o meio virtual altera substancialmente as relações entre emissor e receptor. Assim, há uma ampliação da interação e, desta forma, do estudo da absorção e reação do público (COGO; BRIGNOL, 2010). Ainda de acordo com as autoras: [...] o desenvolvimento de sites que ampliam essas possibilidades interativas a partir do aproveitamento da dinâmica do site de redes sociais com a inserção, personalização e compartilhamento de conteúdo produzido ou selecionado por seus usuários, dinâmica ligada ao que se convencionou chamar de web 2.0, com a ampliação das potencialidades colaborativas da web (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 11, grifo original).

Partindo da articulação entre estudo de recepção na Web 2.0 e a emissão e a valorização de opiniões virtualmente, a presente pesquisa busca refletir sobre o processo de construção de significados e valores do público sob a ótica do posicionamento de uma web celebridade a respeito de um acontecimento. Assim, para este estudo, utiliza-se como corpus os comentários do vídeo intitulado “Biel” do canal do youtuber Felipe Neto, dentro do quadro “Não Faz Sentido”3. A partir do recorte das principais discussões no YouTube, foi feita uma análise a fim de compreender a recepção deste conteúdo pelos usuários da plataforma, destacando as principais atribuições ao conteúdo proferido pelo youtuber. A construção desse vídeo deu-se pela repercussão da fala do cantor MC Biel durante uma entrevista a alguns repórteres, na qual ele emite um comentário a uma das entrevistadoras que sentiu-se violentada e registrou queixa contra o jovem artista sob acusação de assédio sexual. Felipe Neto resolveu posicionar-se sobre o acontecumento através do “Não Faz Sentido” seguindo a tradição do quadro, gerando grande repercussão na internet em várias instâncias e sites de redes sociais. A presente pesquisa apresenta uma discussão a partir da análise dos comentários na própria plataforma em que o vídeo foi vinculado primeiramente: o YouTube. Propõem-se a observação da pertinência de determinados tipos de falas dos receptores que se manifestaram na rede e caminhos de compreensão de recepção que podem ser apontados a partir destas repetições. Faz-se também uma reflexão acerca dos fenômenos que atravessam a sociedade contemporânea, a cultura da celebridade e as

É importante destacar que este quadro tem características já consolidadas, como ofensas, críticas severas, vocabulário chulo e exaltado e apontamento de fatos que supostamente justificam a forma como expõe a discussão. 3

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implicações das plataformas e redes virtuais no contexto atual. Por fim, conclui-se sobre o papel dos novos formadores de opinião, da web e das imbricações acadêmicas e sociais partindo da premissa das adequações do receptor em todo o processo da construção de discussões, principalmente no meio virtual. 2 Ciberespaço, ciberdemocracia e algumas possibilidades na Web

Na contemporaneidade, “nossa vida é crescentemente dominada pela web” (BARABÁSI, 2009, p. 158). O meio on-line compõe formas de troca de informação e compartilhamento de conteúdo com artifícios próprios e que fazem desse ambiente propício para asenção de determinados perfis, práticas e comportamentos. Em outras palavras, o fato de a internet e suas diversas formas de uso permearem a vida contemporânea aponta um caminho de modificação de dinâmicas sociais, tanto off-line quanto on-line. O ciberespaço e as ferramentas que o incrementam permitem que haja uma conversação, participação e interação intensificada e facilitada (LEMOS, 2010). De acordo com André Lemos (2010), esse ambiente está “expandindo as fronteiras do espaço público onde diversas entidade independentes das fronteiras nacionais e culturais” (LEMOS, 2010, p. 110). Desta forma, as possibilidades da web são amplificadas e ofertadas a públicos distintos com propostas de atividade e discussões múltiplas fazendo da cultura “um lugar de produção de conteúdo, de conexão livre entre pessoas e grupos e de reconfiguração da vida social, política e cultural” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 29). Nesse contexto de mobilização do ciberespaço, a ciberdemocracia, também discutida por Lemos na companhia de Lévy (2010), faz com que a abertura da internet para o envolvimento e participação amplificada dos usuários da rede gerem discussões e fenômenos. Assim, “quanto mais podemos livremente produzir, distribuir e compartilhar informação, mais inteligente e politicamente consciente uma sociedade deve ficar” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 27). Ainda de acordo com os autores (2010), “a cultura contemporânea, do digital e das redes telemáticas, está criando formas múltiplas, multimodais e planetárias de recombinações” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 27). Sob essa perspectiva, Di Felice (2008) argumenta que a ascensão de um novo espaço social de discussão, tal como é o ciberespaço, acontece não só como um meio ligado aos aspectos socioculturais mas também como algo relacionado diretamente a produtos técnicos, a mídia e a tecnologia comunicativa (DI FELICE, 2008, p. 28). Todos esses aspectos permitiram, então, “a formação de um espaço imaterial de discussão, fomentando ao mesmo tempo a difusão de informações e conteúdos para tais produtos” (DI FELICE, 2008, p. 28). A ampliação de possibilidades dentro do ciberespaço também indica outras formas de absorção e replicação dos conteúdos virtuais. Cogo e Brigdol (2010) afirmam que “é inegável que o ciberespaço altera substancialmente as relações entre emissor e 284

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receptor, fazendo com que as próprias categorias tenham que ser revisadas” (COGO; BRIGDOL, 2010, p. 14). As autoras questionam ainda a forma como os indivíduos se apresentam e participação de relações no meio virtual. De acordo com elas, a respeito do usuário de uma rede on-line, é difícil denominá-lo de receptor, uma vez que é evidente suas experimentações, bem como suas produções de conteúdos e signifcações na web (COGO; BRIGDOL, 2010, p. 14). O fato de ser possível publicar e tornar visível diversos tipos de conteúdo a partir de qualquer usuário da rede que tenha acesso às tecnologias necessárias aponta para o atravessamento entre a liberdade de exposição de opiniões, cotidiano ou quaisquer que sejam as informações, a visibilidade que alcança e a ressignificação que adquire nas dinâmicas sociais. Dessa forma, nota-se que “a mídia está estilhaçando o mundo em um bilhão de verdades personalizadas, todas parecendo igualmente válidas e igualmente valiosas” (KEEN, 2009, p. 20). Nesta perspectiva, de acordo com Keen (2009), “a verdade de uma pessoa torna-se tão ‘verdadeira’ quanto a de qualquer outra” (KEEN, 2009, p. 20). Entretanto, tem-se que considerar e até destacar outros elementos além da mensagem em sua unidade somente. Faz-se aqui a pontuação de que seja qual for o conteúdo publicado, os fatores que o cercam e perpassam são fundamentais para a compreensão das informações, uma vez que “[...] o contexto de uma mensagem é favorável para uma determinada informação, os receptores tendem a avaliar de forma mais positiva o que está sendo transmitido” (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 21), assim como acontece ao corpus do presente artigo. 3 Entre o YouTube e a sociedade contemporânea, a celebrificação

Dentro do ciberespaço, novos sites de rede social e novas plataformas de compartilhamento de conteúdo surgem e ascendem de maneira relevante. No caso de materiais audiovisuais, o YouTube se destaca. Criado em 2005 e com aparição notável no Brasil a partir de 2010, o site tem dados e números que chamam atenção: há mais de um bilhão de usuários, o que compõe quase um terço das pessoas que usam a internet atualmente e a cada dia aumenta o número de horas que essas pessoas permanecem conectadas e assistindo a vídeos, gerando bilhões de visualizações aos diversos canais existentes. Na amplitude de possibilidades dentro da plataforma, propiciou-se ao internauta que tornasse-se sozinho um canal de comunicação. Quando um usuário da rede posta um vídeo, permite-se a ele ser um potencial formador de opinião ou influenciador na rede, dependendo do tipo de conteúdo que se propor a produzir. Este indivíduo é denominado youtuber e já assume um caráter profissional na contemporaneidade. Em suma, esse produtor de conteúdo posta vídeos de acordo com

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a frequência que lhe convém, e seu conteúdo pode ser assistido por qualquer usuário da rede. Em outras palavras, O youtuber é um sujeito anônimo, no sentido de que não tem presença midiática nos meios de comunicação de massa, que se apropria de informações da mídia e as repassa para um grupo de sujeitos conectados a ele por meio do YouTube, de acordo com critérios de relevância estabelecidos no perfil de seu canal (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 7-8).

Ser encontrado, assistido, comentado e compartilhado dá ao youtuber uma roupagem não só de fornecedor de conteúdo ou de comentarista da atualidade ou do cotidiano, mas também de ditador de pontos de vista e de tendências de pensamento. Sob essa perspectiva, a lógica de produção de conteúdo de um usuário comum da rede é diferenciada, porque para isso o youtuber que se propõe a falar sobre assuntos diversos primeiro consume outras mídias sobre determinado tópico, depois filtra as informações a partir de sua ótica e, por fim, produz seu vídeo (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014). Assim, “a informação apresentada é manipulada pelo Youtuber por meio de memórias e sensações, uma vez que a audiência dos canais estabelece com eles uma relação de interesse” (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 20). Os atravessamentos da mídia nos usuários das diversas formas de compartilhamento de conteúdo virtual também influenciam no processo de transformação de um receptor de informações em replicador e produtor. De acordo com Cogo e Brignol (2010): As mídias penetram todas as instâncias da vida social, estão no foco das discussões sobre globalização, mundialização da cultura e aceleração dos fluxos informacionais, sendo apontadas como protagonistas de mudanças nas interações sociais e nas formas de reconhecimento (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 1).

Dessa forma, os demais usuários da plataforma consomem não só o tema central da postagem mas também uma opinião analítica, trazendo a mídia em presença dupla nesse processo: a de fornecedora de material base e a de transformadora desse indivíduo em formador de opinião ou influenciador contemporâneo. Porém, “apesar disso, apresenta-se como sujeito anônimo [...] o que lhe proporciona certa legitimidade perante os assinantes de seu canal (é uma pessoa anônima falando para outros anônimos)” (MOTTA; BITTENCOURT; VIANA, 2014, p. 8). Crescendo na plataforma, angariando seguidores e fidelizando um público, o youtuber é legitimado pela sociedade na web e adquire status de celebridade midiática na internet. Esse processo, atravessado por contextos sociais e mudanças nas dinâmicas comunicacionais, pode ser aproximado da celebrificação (DRIESSENS, 2012). Aqui interpreta-se esse fenômeno como quando ocorre a ascensão inesperada de indivíduos na sociedade contemporânea e midiatizada, e acontece a sua

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transformação em celebridade, celetóide4 ou microcelebridade5, de acordo com a forma como se dá. Tratando-se do YouTube, a celebrificação dos produtores de conteúdo os transforma em celebridades do “faça-você-mesmo”6, como afirma Driessens (2012). O autor ainda complementa que o status de celebridade não se mantém sozinho e que a mídia, não só como tecnologias de informação ou indústria isolada, aproveita das novas faces representativas na web para também alavancar discussões, tendências e até mesmo polêmicas. 4 A polêmica: Biel, assédio, Felipe Neto e YouTube

O corpus de análise da presente pesquisa tem dois protagonistas e alguns detalhes que o compõem e o definem como algo polêmico. Em junho de 2016, o youtuber Felipe Neto7 produziu e compartilhou um vídeo intitulado “Biel”8 dentro do quadro “Não Faz Sentido” do seu canal. A postagem foi produzida principalmente por dois motivos: o caso de assédio sexual proferido pelo cantor de funk MC Biel a uma repórter durante uma entrevista coletiva9 e a troca de provocações10 entre ambos no site de rede social Twitter. O canal de Felipe Neto existe desde 2010 e o youtuber é considerado um dos pioneiros da plataforma no Brasil. Com caráter assumidamente crítico, rígido, irônico e debochado, o jovem, que além de trabalhar com seus vídeos é ator e escritor, prioriza como assuntos para suas postagens temas que estejam em destaque na sociedade. Ao longo da carreira dele no YouTube já houve divergências com outras celebridades de vários segmentos, como atores, cantores, bandas e até mesmo outros youtubers. O “Não Faz Sentido” tem grande carga opinativa, apesar de em alguns momentos apresentar de fato informações que corroborem para a argumentação de Felipe e façam com que sua fala possa assumir o caráter de correto ou verdadeiro por conta do suporte em outras fontes de conteúdo. Especificamente no caso do vídeo “Biel”, as motivações da produção do conteúdo se apresenta como um híbrido de discussão sobre a questão social e polêmica referente à acusação de assédio feita contra o MC Biel e à postura do cantor com relação ao desenrolar do caso com a disputa pessoal do youtuber com o jovem artista. Felipe Neto se expõe abertamente com relação à sua opinião a respeito da carreira e da vida de Biel, desviando em certo ponto da proposta

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C.f. ROJEK, C. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

5 C.f. SENFT, Theresa M. Microcelebrity and the branded self. In: HARTLEY,

John; BURGESS, Jean; BRUNS, Axel. A companion to new media dynamics. Oxford: Wiley-Blackwell, 2013. 6 Da expressão em inglês “do-it-youself” (DIY). 7 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016. 8 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016. 9 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016. 10 Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2016.

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principal, que seria discutir o caso específico da postura do funkeiro com relação à repórter assediada. O vídeo foi publicado no dia seis de junho de 2016, tem onze minutos e cinquenta e dois segundos de duração, ultrapassa sete milhões de visualizações11, um milhão de likes12 e mais de cento e trinta mil comentários13. Ao longo do seu discurso, Felipe explica o caso que envolveu Biel e seu interesse em falar sobre o artista. Antes da produção da postagem, o youtuber diz ter sido questionado a respeito do cantor pelo seu público e que não tinha uma opinião formada. Porém, após o ocorrido e com o desenrolar das trocas de tweets, Felipe Neto resolveu então montar o vídeo em questão. A postagem no YouTube deu ampla visibilidade ao conteúdo e foi vinculada em outras discussões sobre o assunto, principalmente no meio virtual. Além disso, a fala e a postura de Felipe Neto com relação aos assuntos que cercam a polêmica, como o comportamento do MC, o estilo musical, a vida pessoal, as declarações públicas, a carreira e, principalmente, a forma como o cantor lida com questões que circundam mulheres bem como as discussões feministas em geral, fizeram com que o youtuber assumisse lugar de destaque na mídia, estando diretamente ligado ao que diz respeito ao cantor e à polêmica central. 5 Um olhar sobre os comentários: algumas implicações

Para traçar um caminho de compreensão da recepção de um conteúdo audiovisual disponibilizado em rede virtual, optou-se por analisar e categorizar os comentários feitos no próprio espaço reservado a isso na plataforma do YouTube e que tiveram mais repetição e likes de outros usuários. Destaca-se aqui a importância da temporalidade do vídeo com relação ao contexto em que foi postado, o histórico do youtuber em questão bem como o perfil de fãs tanto de Felipe Neto quanto do MC Biel. Tratando-se dos protagonistas e das questões que perpassam a polêmica, surgem outras discussões a partir da repercussão alcançada. Portanto, para esta pesquisa, foi necessário o recorte. Por causa de sua postura e da sua proposta de fala, Felipe não carrega consigo um reconhecimento totalmente positivo da comunidade virtual. A recepção habitual com relação às postagens do ator é negativa e de reprovação. De acordo com observação e verificação prévias, os comentários em qualquer que for o site de rede social em que o youtuber esteja presente e compartilhando seus conteúdos, a resposta do público mostra-se majoritariamente contrária aos conteúdos. Desta forma, a análise dos comentários especificamente do vídeo do Felipe não revela-se tendenciosa ao proprietário do canal. Pode-se considerar que a escolha de análise apresenta um espectro de estudo apropriado. Em 17 de agosto de 2016 o vídeo contava com 7.400.490 visualizações. Em 17 de agosto de 2016 o vídeo contava com 1.141.242 likes e 43.775 deslikes. 13 Em 17 de agosto de 2016 o vídeo contava com 136.915 comentários. 11 12

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Para fins de reflexão acerca da observação do volume e pertinência dos comentários, categorizou-se de forma generalista a natureza das respostas. Com base na leitura das postagens e verificação de seus conteúdos chegou-se aos seguintes principais segmentos de postagens no vídeo “Biel”: 1) Felipe Neto x Biel (fãs em defesa); 2) concordância com o discurso apesar de não aprovar Felipe Neto; 3) apropriação do discurso de Felipe Neto; 4) inscrição no canal após o vídeo; e 5) argumentação negativa com relação à quantidade de deslikes. 5.1 Felipe Neto x Biel

As manifestações referentes diretamente aos protagonistas do vídeo se destacam em relação a quantidade de vezes que se repetem. Fãs e defensores do Felipe Neto e do MC Biel comentam ofensas trocadas ou discursos em defesa da postura e da personalidade de cada artista. Destaca-se que para exaltar um denegra-se o outro. Em outras palavras, as manifestações dos seguidores objetivam não enaltecer seu artista de preferência, mas sim rebaixar e causar desconforto nos fãs daquele que se é contra. Observando-se somente essa natureza de comentários, a discussão em relação à polêmica do assédio assume caráter secundário. A proposta deixa de ser debater uma questão contemporaneamente destacada por diversos veículos midiáticos e passa a ser uma guerra entre admiradores das celebridades envolvidas. O propósito que inicia a postagem se perde da mesma forma que a argumentação do youtuber ao longo de sua fala no vídeo: o conteúdo caminha de uma apresentação e crítica de comportamentos repudiados pela sociedade para um ataque pessoal assim como as respostas ao vídeo. 5.2 Concordância com o discurso apesar de não aprovar Felipe Neto

Uma das principais características do youtuber é nutrir um grupo de seguidores contrários a ele, os chamados haters14. Desta forma, a natureza de resposta deste tópico destaca-se não só pela repetição e corroboração de outros usuários da rede, mas pela negociação de valores que acontece. Neste caso, o comentarista claramente se posiciona contra a postura habitual de Felipe Neto, mas concorda, defende e assume como seu o discurso proferido especificamente no vídeo “Biel”. A concessão que acontece revela um aspecto contrário ao evidenciado no tópico 5.1: esses comentaristas valorizam a argumentação construída pelo youtuber, seja sobre a polêmica de fato ou pelo ataque ao MC. Destaca-se aqui a estrutura discursiva dos comentários, que primeiramente ofendem, minimizam e denigrem a imagem de 14 BERTOLIN,

J. Eu, internauta, confesso! Aplicando Freud e Foucault para pensar recalques e revelações obscuras de si em comentários de internet. Temática. Ano XII, n. 02, fev 2016.

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Felipe Neto, mas o exaltam e corroboram com seu posicionamento na discussão em questão na postagem. Essas respostas também trazem outro ponto de observação: a união de pessoas que não gostam somente do cantor com o de ambos os protagonistas da polêmica para enaltecer a fala de Felipe e aproveitar da abertura de discussão proporcionada pelo ator para realizarem essa negociação de princípios. 5.3 Apropriação do discurso de Felipe Neto

O vídeo apresenta uma disparidade relevante entre a ferramenta de likes disponibilizadas pela própria plataforma do YouTube. A aderência à opção positiva em relação à postagem destaca-se frente à negativa, superando-a em quase vinte e cinco vezes15. A partir disso pode-se considerar uma aceitação e reconhecimento da fala de Felipe Neto. Para corroborar com esse aspecto, evidencia-se a existência de um grande volume de comentários que assumem claramente para si a postura e a argumentação do youtuber. A aparição pertinente de respostas dessa natureza revela uma legitimação da postura de Felipe Neto e de sua argumentação com relação não só ao caso mas também com os detalhes que perpassam a discussão do vídeo. Os comentaristas ao elegerem o youtuber como representante do seu ponto de vista por meio tanto dos comentários quanto dos likes na postagem revelam a característica que Felipe Neto começa a assumir na sociedade contemporânea: o de formador de opinião e influenciador social. 5.4 Inscrição no canal após o vídeo

O envolvimento de Felipe Neto na discussão sobre a acusação de assédio contra o cantor pode ser considerado como um dos momentos que geraram mais repercussão ao youtuber desde os vídeos que deram o primeiro impacto de visibilidade da sua carreira na plataforma em 2010. Com mais de sete milhões de visualizações no YouTube e linkagens em outras mídias digitais, o vídeo deu a Felipe uma notoriedade em discussões contemporâneas de caráter sociopolítico, no caso questões feministas e que firam a integridade física, psicológica, emocional e moral das mulheres. O youtuber diz em seus vídeos e postagens em sites de rede social ter entrado em uma nova fase de sua carreira e de seus pensamentos e posicionamentos sociais, principalmente. Com a premissa da proposta de melhora política de suas falas e críticas, podese considerar o vídeo “Biel” como um divisor temporal e de discurso. Afirma-se isso com base na repetição elevada de comentários onde os usuários da rede revelam que após assistir àquele conteúdo se renderam à proposta de Felipe Neto e se inscreveram no canal do youtuber a fim de continuar a consumir suas postagens. Pode-se, então, 15

Com relação a dados coletados em agosto de 2016.

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inferir que ao posicionar-se nessa polêmica, mesmo que gerando outras discussões acerca da rivalidade gerada entre os protagonistas, e ainda seguindo o padrão crítico proposto para o “Não Faz Sentido”, o ator consegue persuadir o público a seu favor. 5.5 Argumentação negativa com relação à quantidade de deslikes

A disparidade entre likes e deslikes na postagem é grande, sendo a maioria em prol do vídeo. Porém, a quantidade de repostas contrárias nesse mecanismo do YouTube é repreendida pelos comentaristas. Os usuários mostram-se surpresos com o volume de reações negativas, mesmo que o das positivas sejam maior. A repetição dessa natureza de comentários aponta para uma indignação do público e para o reconhecimento do posicionamento de Felipe Neto como correto. Entretanto, apesar da validação dos argumentos proferidos pelo youtuber, há uma controvérsia nos comentários relacionados aos deslikes. Os comentaristas atribuem essa reação negativa às fãs do MC Biel usando de discursos pejorativos, ofensivos e depreciativos. Esta postura mostra-se contraditória no contexto em que o vídeo foi produzido, uma vez que vai contra justamente ao assédio e abuso com relação a mulheres. Com palavras chulas e que farem referências de cunho sexual, as respostas ao mesmo tempo que repreendem a reação negativa, defendendo o posicionamento de Felipe contra o assédio a mulheres, pratica o que é condenado no vídeo. 6 Considerações Finais

Sob olhares dos estudos de recepção, atravessamentos sociais e das discussões geradas sobre o assunto em outras mídias, pode-se afirmar que há uma negociação de valores e a formulação de opiniões a partir da fala do youtuber. Felipe Neto não é, de fato, especialista em nenhum dos pontos apresentados no vídeo ou em nenhuma das discussões por ele geradas. A ciberdemocracia e todas as ferramentas proporcionadas tantos por novas tecnologias e pela própria Web 2.0 facilitam e expõem a possibilidade de que cada usuário da rede possa de fato fazer parte não só de interações e trocas de informação mas também de produção de conteúdo. Entretanto, há de se salientar que a participação aberta também possibilita a proliferação de conteúdo com base argumentativa duvidosa, informações erradas, discursos de ódio, distorções e apropriações inadequadas justamente por não ser necessária nenhuma qualificação para a postagem na web. No caso de Felipe Neto, por se propor a comentar e construir opiniões e ter se estabelecido na sociedade midiatizada como emissor de discursos polêmicos e severamente críticos, acaba por se inserir nos embates midiáticos acerca de assuntos que recebem destaque na sociedade e ser legitimado como formador de opinião e influenciador. Para aplicar estudos de recepção para o meio virtual não pode-se considerar a internet como algo homogêneo. 291

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[...] é pertinente aos pesquisadores da recepção refletir sobre a internet em suas múltiplas dimensões, partindo da sua concepção como um ambiente comunicacional que permite a produção, circulação e troca de conteúdos e informações, a aproximação entre diferentes formatos e lógicas de mídias, a interação interpessoal e o diálogo, o estabelecimento de vínculos, a construção de projeções das identidades de seus usuários, a configuração de uma memória compartilhada, o estabelecimento de lógicas colaborativas (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 12).

Como afirmam Cogo e Brignol (2010), há muitos fatores imbricados quando trata-se do ambiente on-line por conta da amplitude tanto temporal quando espacial que proporciona aos usuários. Desta forma, vale exaltar que “em função da impossibilidade de tratar da internet de forma homogênea, precisamos entendê-la como um ambiente comunicacional que combina elementos, processos e lógicas diversos” (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 10). As possibilidades da web em termos de pesquisa ao mesmo tempo que maximizam as análises e abrem caminhos de pesquisa, dificultam recortes e compreensões de processos devido justamente à variedade de fatores envolvidos, como corroboram as autoras (2010): Poderíamos falar de várias internets com características diferentes, que combinam apropriações que se aproximam da lógica midiática, às vezes muito próxima às mídias tradicionais, e outras que se relacionam a um meio de comunicação interpessoal, pelo seu caráter interacional (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 10, grifo original).

Questões éticas, contexto e oportunidades de visibilidade atravessam esse tipo de postagem e é complexo rotular o que de fato acontece para que tais postagens ocorram. Uma possibilidade de análise é de que esses fatores estão interligados na dinâmica ditada pela sociedade midiatizada e celebritizada, bem como a própria lógica de trabalho assumida pelo youtuber e pela plataforma. Uma vez que um usuário da rede se propõe a alimentar uma fonte de conteúdo e torna-se uma celebridade, a própria sociedade que o legitima espera que haja seu posicionamento e sua participação no que perpassa discussões que ganham destaque midiático. Ou seja, espera-se que tenham opinião publicamente compartilhada a todo momento. A valorização do posicionamento de celebridades, o destaque e a espera pelo seu ponto de vista é uma das representações da equiparação de ponto de vista e da argumentação de web celebridades a especialistas acerca das discussões em destaque. A sociedade contemporânea começa a apontar caminhos para uma redefinição de modelos, ícones, parâmetros e referências, não no que diz respeito a qualidade artísticas ou relevância dos produtos culturais com os quais as celebridades se relacionam, mas sim do destaque que assumem em assuntos e polêmicas sociopolíticas que compõem o cotidiano. Referências

BARABÁSI, A. Linked: a nova ciência dos networks. São Paulo: Leopardo, 2009.

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DI FELICE, M. Das tecnologias da democracia para as tecnologias da colaboração. In: DI FELICE, M (org). Do público para as redes: a comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul: Difusão, 2008.

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Paula Fernandes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem como principal área de interesse pesquisas envolvendo estudos culturais online, cibercultura (como consumo e produção colaborativa), redes sociais e seus desdobramentos, cultura pop contemporânea e interferências de novas formas de comunicação no cotidiano da sociedade como um todo, fãs e sua importânica no cenário atual e celebridades e suas interações virtuais. E-mail: [email protected] Joana d’Arc de Nantes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem

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interesse nas seguintes áreas de pesquisa: estudos culturais; recepção; telenovela; cultura fã; dentre outros temas. E-mail: [email protected]

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Audiências em trânsito na internet: desafios e possibilidades dos estudos de recepção na contemporaneidade1 Ronei Teodoro da SILVA2 Mônica PIENIZ3 Ludimila Santos MATOS4

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS. Resumo: Este artigo traz uma reflexão inicial sobre as dissertações e teses que envolvem receptores na internet, realizadas entre os anos 2010 e 2015, nos programas de pós-graduação em Comunicação do Brasil. O objetivo é analisar os aspectos teóricos, metodológicos e empíricos (públicos, espaços, gêneros, temas, etc.) envolvidos nestes trabalhos, de modo a fazer um mapeamento e identificar tendências de pesquisas na área. Os resultados parciais desta pesquisa apontam que as dissertações e teses que relacionam recepção e internet revelam mudanças no estatuto do receptor. Isso traz o desafio da análise das diferentes camadas do processo de comunicação e, consequentemente, as diferentes possibilidades de recepção. Palavras-chave: recepção; internet; convergência midiática; teses; dissertações; 1

Este artigo traz resultados parciais de uma parte do trabalho do grupo de pesquisa do Núcleo de Recepção: Comunicação e práticas culturais, coordenado pelas professoras Nilda Jacks e Elisa Piedras da UFRGS. Esta é uma pesquisa que está em andamento e, por isso, alguns dados podem sofrer alterações. 2 Ronei Teodoro da Silva – Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos. Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS. Professor da Universidade de Caxias do Sul – UCS. 3 Mônica Pieniz – Doutora pelo PPGCOM/UFRGS. Professora Adjunta da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação – Fabico/UFRGS. 4 Ludimila Santos Matos - Mestre em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC-Rio. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGCOM/UFRGS.

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1 Introdução Este artigo traz uma reflexão inicial sobre as dissertações e teses que abordam receptores na internet, defendidas entre os anos 2010 e 2015, nos 44 programas de pós-graduação em Comunicação do Brasil. O objetivo é analisar os aspectos teóricos, metodológicos e empíricos (públicos, espaços, gêneros, temas, etc.) envolvidos nestes trabalhos, de modo a fazer um mapeamento e identificar tendências de pesquisas na área. Esta investigação dá continuidade à reflexão trazida por duas publicações anteriores, intituladas “Meios e Audiências: a emergência dos estudos de recepção no Brasil” (JACKS, PIEDRAS e MENEZES, 2008) e “Meios e Audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil” (JACKS et al., 2014), as quais se preocupam com a análise das pesquisas na área dos estudos de recepção e consumo da década de noventa e início dos anos 2000, respectivamente. Os estudos no âmbito acadêmico envolvendo internet começaram a surgir na última década, tendo em vista a popularização de sites institucionais e de redes sociais na internet e já apontaram para o cenário de trânsito das audiências (OROZCO-GOMEZ, 2011). Este trânsito, que define o atual patamar da mediação estrutural da tecnicidade (MARTIN-BARBERO, 2010), constitui-se como um grande desafio a ser apreendido cientificamente pelos estudos de recepção. Outro importante desafio é o volume de dados gerado nos ambientes digitais, o qual demanda procedimentos metodológicos que valorizem o quantitativo, sem distanciar-se da reflexão da densidade teórica que compõem as pesquisas acadêmicas. Os receptores, conforme analisado por Wottrich e Pieniz (2014), antes observados a partir de uma dinâmica de recepção massiva, adquirem a possibilidade de estreitar contatos, ampliando a percepção sobre o recebido. Estas transformações, quando vistas historicamente, mostram que o que antes era circunscrito a um ambiente de interação presencial, está ampliado para o círculo de contatos no âmbito digital – em meio a centenas e até milhares de manifestações dos públicos, materializadas na forma de postagens em blogs e redes sociais na internet. A partir desta reflexão inicial, na sequência, dividimos a parte de desenvolvimento do artigo em três partes. A primeira parte trata dos procedimentos utilizados pelo grupo de pesquisa para a coleta dos trabalhos, os critérios de recorte e a classificação dos estudos que envolvem a relação dos sujeitos com os meios. Já na segunda parte, o foco é a reflexão sobre as possibilidades de categorização das dissertações e teses que envolvem receptores na internet. Após essa contextualização, na terceira parte, expõe-se um exercício analítico a partir dos dados iniciais coletados nos trabalhos considerados na categoria “conversações em rede”.

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2 Procedimentos de coleta e classificação dos trabalhos a serem analisados A base de dados desta pesquisa constitui-se com teses e dissertações defendidas na área de Comunicação, no Brasil, de 2010 a 2015, nos 44 Programas de Pós-Graduação. Para isso, o nosso grupo de trabalho foi dividido por universidades e cada integrante ficou responsável por dois programas. O primeiro passo da coleta incluiu a busca por resumos5 e, em seguida, a análise e separação destes resumos para uma classificação inicial. Nesta etapa, interessava a separação dos trabalhos que envolvem pesquisa empírica de consumo ou recepção, ou seja, que envolvem a análise, em alguma medida, da relação entre meios e sujeitos. Além disso, foram separados os trabalhos que trazem alguma reflexão sobre os sujeitos, sem, no entanto, chegar até estes com a coleta de dados nos procedimentos metodológicos de pesquisa. Já os que abrangem somente análise de produto ou produção, foram descartados do corpus. Após esta classificação inicial, foi feita uma reorganização dos arquivos, a fim de agrupar os trabalhos de todo o país por aspectos em comum e, não mais por universidade. De modo geral, têm-se, até o momento, as seguintes classificações, e suas respectivas subdivisões (as quais foram determinantes para a nova divisão da equipe de trabalho. Há duplas ou trios dedicados à análise dos trabalhos que compõem cada uma destas subdivisões), a saber: a) Meios – nesta classificação os trabalhos estão separados pelo meio que analisam, o que abrange as subdivisões de televisão, rádio, cinema e mídia de modo geral (estudos que veem o consumo midiático de forma ampla, sem focar em algum meio específico); b) Gêneros – aqui classificamos os gêneros midiáticos, o que abrange os trabalhos sobre publicidade/propaganda, jornalismo e telenovela; c) Públicos – quando os trabalhos dão destaque a algum público específico, como crianças, fãs, idosos e jovens; d) Temas – neste grupo foram agrupados os trabalhos que enfatizam noções de classe, gênero e identidade, por exemplo; e) Internet – para pensar a diversidade de trabalhos que abrangem objetos oriundos da internet, decidimos separá-los dos demais (e não deixa-los classificados como ‘meio’, por exemplo), mesmo que os mesmos também sejam incluídos nas outras classificações citadas acima.

Deste modo, cada dupla ou trio de trabalho do nosso grupo de pesquisa está analisando as teses e dissertações do ponto vista do assunto que as reúne. Porém,

Para isso foram utilizados os dados dos sites dos programas e informações fornecidas por suas secretarias. Após, os dados foram cruzados com as referências obtidas na plataforma Sucupira, portal de periódicos da Capes e site das bibliotecas das próprias universidades. É importante compartilhar que houve diferenças no total de trabalhos defendidos a cada ano em todas essas instâncias.

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muitos trabalhos são analisados em diferentes perspectivas. Por exemplo: uma tese que se dedica a estudar os jovens e a publicidade na internet será observada destas diferentes perspectivas, pelas três duplas ou trios de trabalho. Em seguida, examinaremos como os jovens estão sendo estudados do ponto de vista da recepção, ou consumo midiático, e quais as inter-relações com gêneros, meios e temas, e assim, consecutivamente, com outras possibilidades de inter-relações entre as diferentes divisões classificatórias. Tal procedimento já foi adotado nas duas obras anteriores citadas na introdução do artigo. 3 Categorias de análise dos trabalhos que envolvem internet

A partir deste recorte - dos trabalhos que analisam meios e audiências - as dissertações e teses que envolvem internet foram divididas em dois grandes grupos: um abrangendo os estudos realizados somente na internet; e, outro com os estudos que envolvem a convergência midiática6, ou seja, a relação entre internet e outros meios de comunicação. Com base nesta perspectiva, diferentes classificações foram consideradas para tentar abranger a diversidade de trabalhos neste recorte. O maior desafio com o qual nos deparamos foi o de conseguir contemplar os diferentes níveis de institucionalização envolvidos nos estudos de recepção ou consumo no ambiente da internet. Se nas redes sociais na internet, por exemplo, toda e qualquer interação pode se dar a partir de emissões e recepções de mensagens com visibilidade midiática, o que seria então o recorte dos estudos de recepção? Se tudo envolve um processo de emissão e recepção, tudo deveria ser pauta de reflexão dos estudos de recepção? Desse modo, o papel desta pesquisa é classificar estas diferentes possibilidades de recepção na - e da - internet, tendo em vista os atores envolvidos, do nível mais pessoal ao mais institucionalizado. Então, aqui não desconsideramos os trabalhos que envolvem pessoas ordinárias com espaço de visibilidade na web, mas, sim, alocando-as em outra categoria de discussão, na qual possam ser melhor contempladas. Diante disto, a proposta é partir das categorias demonstradas abaixo para refletirmos as diferentes nuances das possibilidades de estudos de recepção e consumo envolvendo a internet: a) Recepção ou consumo da internet: categoria que abrange trabalhos que analisam a recepção de algum site, por exemplo, no âmbito de recepção de um site institucionalizado, no sentido midiático tradicional (estes são minoria no corpus). b) Convergência midiática: categoria constituída por trabalhos que se preocupam com a recepção ou consumo de algum conteúdo de outra mídia na internet (mídia tradicional na internet). Estes, necessariamente, estarão 6

Com base no conceito de Jenkins (2009).

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também sendo pensados por outros colegas do grupo, em suas respectivas classificações, especialmente em alguma subdivisão de “meios” e “gêneros”. c) Usos e competências comunicacionais em plataformas: categoria dedicada a refletir sobre as pesquisas que tratam de estudos de casos de pessoas/grupos – não vinculados a mídia massiva tradicional - que se apropriam da internet como mídia. São pesquisas que analisam o ponto de vista da produção e interação nestes espaços que antes eram ocupados somente por organizações midiáticas. É o uso estratégico das possibilidades da internet, a apropriação para emissão e visibilidade. d) Conversações em rede: categoria que agrupa as teses e dissertações que não tratam diretamente de recepção de algum conteúdo midiático tradicional específico, nem mesmo a recepção de um site de mídia tradicional, mas de conversações entre pessoas sobre assuntos diversos (organizações, política, vida pessoal, fatos do cotidiano, esporte, tragédias, etc). Aqui também entram os trabalhos que analisam comentários de receptores de espaços de comunicação protagonizados por pessoas ordinárias (que ficaram, ou não, famosas via internet), como YouTubers7, por exemplo. Aqui é importante a discussão quanto ao patamar de legitimação e sucesso quantitativo e qualitativo da repercussão destes espaços, do seu patamar até de institucionalização na internet.

Partindo destas categorizações, buscamos refletir sobre as diversas perspectivas de análises presentes nas teses e dissertações que compõem o corpus desta pesquisa. Sem dúvida, há trabalhos que mesclam diferentes perspectivas, tomando por base esta divisão apresentada. Por isso, entendemos esta proposta como uma divisão inicial que permite, sobretudo, a identificação de diversos níveis de apropriação da internet, da institucionalização destes diferentes espaços, da circulação de diferentes mensagens e, consequentemente, das diferentes camadas que a pesquisa de recepção e consumo deve atentar diante deste cenário. 4 Exemplo de análise – trabalhos conversações em rede

Após os trabalhos terem sido agrupados na categoria Conversação em Rede, separamos todos os resumos numa pasta específica para tal. O passo seguinte foi buscar os trabalhos completos. Para tanto, serviram como base de dados os sites dos programas de pós-graduação em comunicação, o portal de periódicos da Capes, a plataforma Sucupira e as bibliotecas de cada universidade, seguindo o mesmo

Também conhecidos como creators, do inglês, criadores, ou produtores de conteúdo para plataformas de mídia na web, a exemplo de vídeos para YouTube, podcasts (programas de áudio) para sites e blogs, entre outros. 7

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procedimento feito para a busca dos resumos. Se não era possível localizar o trabalho em nenhuma dessas fontes, fazíamos uma busca direta no Google, acrescentando a busca o termo “pdf”. Se mesmo assim não obtivéssemos sucesso em encontrar o texto completo, realizava-se a pesquisa somente pelo nome do autor ou trabalho. Apenas quatro trabalhos, dos 37 resumos, não foram encontrados em sua forma completa. O passo seguinte foi realizar uma análise prévia, que servirá como um teste para a organização da forma como demais equipes realizarão suas respectivas tarefas. O trabalho foi resumido a apenas algumas categorias de análise, divididas entre: a. Ano – separação dos trabalhos de acordo com o ano de sua publicação; b. Universidade – a qual universidade aquele trabalho pertencia; c. Tipo – se eram dissertações ou teses; d. Autor – identificação do autor; e. Título – identificação do título da obra; f. Orientador – identificação dos orientadores do trabalho; g. Principais autores abordados – para tanto, o seguinte procedimento foi adotado: separação num arquivo único de todos os autores citados, de acordo com as referências de cada trabalho; organização em ordem alfabética dos mesmos; contagem de quais autores eram mais citados (a partir dos nomes repetidos na lista); e identificação nos trabalhos da presença dos autores mais citados. h. Principais conceitos abordados – verificou-se de que forma os trabalhos apresentavam os conceitos dos principais autores citados; i. Métodos – quais os principais métodos citados e a forma como eram apresentados; j. Técnicas – quais as técnicas utilizadas dos métodos citados e a forma como elas eram apresentadas; k. Corpus – quais eram os corpus escolhidos para serem analisados; l. Meio – quais eram os meios escolhidos para obtenção dos dados; m. Gênero – quais eram os gêneros abordados;

Nesse artigo, iremos apresentar os dados preliminares de análise dos itens principais autores abordados, principais conceitos abordados e métodos utilizados. O que pudemos observar neste exame prévio dos trabalhos categorizados como Conversação em Rede foi a confirmação daquilo que outros pesquisadores já haviam apontado sobre a questão da mediação. Há um claro distanciamento na conceitualização do termo entre as pesquisas fundamentadas nos Estudos Culturais dos Estudos Ciberculturais8. Embora ambos os campos investigativos produzam Denominamos aqui Estudos Ciberculturais todos aqueles que englobam conhecimentos de diversos âmbitos de pesquisa, como internet, convergência, comunicação mediada por computador, etc. Não é objetivo desse artigo, no entanto, nomear a área de forma definitiva, já que não há consenso nem sobre o próprio termo 8

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trabalhos que relacionam temas como os processos de comunicação na internet, a falta de integração gera resultados isolados, sem que haja uma coerência teórica. Segundo Knewitz (2010), os pesquisadores da áreas referidas encontram dificuldades em aliar as temáticas da cultura e tecnologia. Scolari (2008) também já havia assinalado esse problema, afirmando não haver uma aproximação das teorias de comunicação às totalmente focadas no mundo virtual. No campo dos Estudos Culturais, os trabalhos tendem em deixar o envolvimento dos atores sociais com o conteúdo online em segundo plano, focando-se mais em aspectos como a ritualidade e a sociabilidade no processo de recepção midiática. Já as pesquisas embasadas nos Estudos Ciberculturais parecem não dar a devida atenção ao contexto socioeconômico e cultural dos processos comunicacionais. De acordo com Davallon (2007), é possível observar a utilização do termo mediação, na área dos Estudos Ciberculturais, como um coringa teórico, capaz de englobar dimensões sociais, semióticas, culturais e técnicas. Os trabalhos realizados nesse âmbito tendem a ignorar a avançada discussão sobre a questão da mediação nos Estudos Culturais, que relacionam-o com a produção de significados e a interpretação dos sentidos. Os estudos em Conversação em Rede preocupam-se em analisar as práticas sociais e os processos de comunicação na internet, principalmente no que se refere à convergência das mídias, à transformação e tendências dos meios tecnológicos e ao fluxo de informações na rede. Apesar desses trabalhos terem produzido pesquisas que avançaram sobre diversos tópicos na área da Cibercultura, há ainda uma falta de complexificação em torno da questão da mediação na internet. Ao termo, nesse campo de pesquisa, é atribuído normalmente a noção de interação intermediada, numa lógica behavorista de estímos e respostas, ou a ideia de meio, numa espécie de enfoque condutivista da informação, onde o computador e/ou a internet assumem puramente o papel de mídia. O problema é que o fenômeno da mediação – principalmente na perspectiva dos Estudos Culturais – tem desdobramentos mais amplos do que os previstos nas dissertações e teses observadas. As noções de interação intermediada e meio serviram de base para pavimentar o pensamento sobre mediação de forma isolada, sem levar em conta a transversalidade do processo. Por mais que o receptor assuma um papel exclusivamente passivo (em termos de produção de conteúdo), o trânsito de informações que envolve os meios e a audiência é complexo, o que refletirá nos tipos de mediações que poderão ser acionadas. Por isso, torna-se necessário problematizar a noção de mediação trabalhada nos Estudos Ciberculturais. É importante ressaltar que isso não invalida as concepções já estruturadas dessas pesquisas, pelo contrário, cibercultura. Fizemos essa escolha apenas para facilitar a compreensão daquilo que observamos nesse conjunto de trabalhos.

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ao complexificarmos o conceito, novos desdobramentos e conexões poderão ser feitas, ampliando a visão da área sobre suas próprias conclusões. A produção já realizada pelos Estudos Culturais, especialmente na perspectiva da Recepção, onde há uma extensa bibliografia dedicada quase que exclusivamente a conceitualizar o fenômeno da mediação demonstra uma preocupação em analisar profundamente os fenômenos socioculturais a partir dos sentidos dados pela recepção no seu ambiente doméstico e cultural. Essa orientação colaborou para que se rompesse com o pensamento funcionalista, questionando-se a passividade do receptor, sendo múltipla a produção do sentido sobre a mensagem, independente do significado dado na emissão. A esta negociação, nos diversos polos da sociedade, se atribui o conceito de mediação. Aqui vê-se claramente uma lacuna a ser explorada pelos próximos trabalhos na área de Conversação em Rede, pois ao incluirmos uma perspectiva multidimensional, que partilha influências com acontecimentos de outras esferas da sociedade, evitamos presunções que se assentam demasiadamente no tecnicismo. Desse modo, um ponto de intersecção torna-se fundamental para uma visão menos unilateral, assim como defendido por Natansohn (2007, p. 3) “uma compreensão ampla do fenômeno dos usos, das leituras e do consumo da Web exige [...] aproximar tradições de pesquisa bastante diversas”. A incorporação da noção de mediações de cunho tecnológico nos Estudos Ciberculturais possibilitará um aproveitamento teórico-metodológico que resultará num avanço para ambas áreas. Nesse sentido, observamos pouquíssimas referências a autores como MartínBarbero (2013), Orozco (1996) – na âmbito latino-americando – ou até mesmo ao Hall (1973) e Williams (1974) – no âmbito dos estudos britânicos. Ao invés, a quase que totalidade dos trabalhos giram em torno de conceitos cunhados por Recuero (2012, 2012b, 2009, 2007, 2004 e 2003) , Primo (2003), Lévy (1999), Jenkins (2009) e Castells (2011). As teorias são repetidamente usadas, numa retórica que pouco se preocupa em ampliar os conceitos da área para além das pesquisas produzidas por esses autores. Muitos trabalhos em Cibercultura usam o termo como um ponto de partida para complexificar outras questões. Nesse sentido, observamos referências às publicações de Raquel Recuero (2012, 2012b, 2009 e 2007), sobre a noção de mediação na internet a partir das discussões sobre capital e laços sociais presentes nas redes (2012), conexões entre os atores sociais no ambiente online (2012b), processos de conversação praticados nos computadores e mídias sociais (2009) e sobre como a informação fragmentada disposta no ambiente virtual permite contínuo acesso a dados postados em outros locais ou momentos (2007). Também são bastante citados Primo (2003), no que se refere à categorização dos processos de comunicação em interação mútua e reativa; Stefik (1997), que organiza os usos do computador pelo usuário em quatro formas (biblioteca digital, meio de comunicação, 302

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comunidade virtual e mercado eletrônico); Jungblut (2004), no que se refere à atemporalidade da informação na internet; Marcuschi (2004) que volta seu pensamento para questões como os limites tecnológicos que a interação enfrenta na internet; e Herring (1999) fala sobre as construções linguísticas específicas proporcionadas pelas ferramentas conversacionais disponíveis na comunicação mediada pelo computador. Os trabalhos atribuem ao termo a noção de intermediação, algo que, de acordo com Signates (2003), não dá conta de expor toda complexidade que o conceito possui. Segundo o autor, esse enfoque resume a mediação ao papel do computador de intermediar a comunicação entre grupos e instituições sociais. Algumas pesquisas avançaram tanto na lógica tecnicista que sequer consideram o indivíduo: falam, por exemplo, em taxa de mediação, referindo-se à capacidade do meio de proporcionar um ambiente mais ou menos interativo; ou ainda como o meio reconfigura a cultura, como se fosse algo separado do mundo social. A controvérsia parece ser uma característica presente no campo dos Estudos Ciberculturais não estando apenas presente na questões que envolvem o termo mediação. O trabalho de Lévy (1999), por exemplo, é bastante citado, sendo usado principalmente como base teórica para definição de cibercultura. O conceito é apresentado na maioria dos trabalhos como o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores, permitindo a criação de um repositório de memória coletiva. Os autores procuram fazer uma relação de como um lugar amplificado e virtual remete a um local comum partilhado por pessoas que não estão fisicamente lá, mas consideram-se moradores e com isso, tratam de tal assunto como uma reunião, unidos pelo interesse comum. No entanto, foi possível verificar o quanto essa noção é criticada. As pesquisas que seguem nessa linha, baseiam seus argumentos principalmente nos trabalhos de Macek (2004) e Felinto (2011). Macek (2004) afirma que a visão de Lévy é extremamente otimista ao representar uma das mais famosas e poderosas definições sobre cibercultura. O autor explica que Lévy (1999) acredita que com a abrangência alcançada pela internet, novas formas de conhecimento e distribuição surgiram, e que esse fenômeno não muda apenas a forma como manipulamos as informações, mas a própria sociedade. Macek (2004) argumenta que essa é uma visão utópica e afirma não existir um senso de formação unificada, e mesmo no nível de difusão de conteúdo cultural, seria relativo falar em formação de uma cultura homogênea. Para ele, o termo cibercultura pode ser facilmente identificado como um dos mais frequentemente usados de forma generalista e sem precisão de significado. O autor afirma que a definição do termo normalmente está relacionada a tópicos cibernéticos, tais como informática, revolução digital e a incorporação da tecnologia no corpo humano. Sendo assim, ele considera o termo ambíguo e confuso, que incorpora diversos assuntos, não sendo portanto, claro.

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Da mesma maneira, Felinto (2011) alega que o sentido atribuído ao termo é maior do que a capacidade de delimitá-lo, cumprindo – principalmente desde a década de 1980 – uma dupla função. De um lado, ele abrange temas que relacionam questões culturais com tópicos cibernéticos apontados por Macek (2004). Já na outra ponta, incorporaria a ideia de um saber teórico dedicado a estudar criticamente os fenômenos desse conjunto. Para o autor, ambos sentidos são muito amplos e talvez esse seja o motivo pelo qual a utilização do termo, em pesquisas acadêmicas, tenha caído nos últimos anos. Felinto (2011) afirma que, embora o termo cibercultura ainda goze de certo prestígio em alguns meios, parece que cada vez mais ele torna-se menos apto a definir um domínio epistemológico na comparação com outras expressões recentemente usadas pelos trabalhos na área, tais como nova mídia ou estudos de internet. O autor levanta a hipótese de que o termo cibercultura foi cunhado num período fortemente dominado pela questão da automação, e que atualmente o problema da transferência do trabalho do homem para a máquina já não é mais tão central, mas sim a “a expansão do potencial criativo do homem através das tecnologias de informação e comunicação” (FELINTO, 2011, p. 2). Já Macek (2004) reconhece no cerne da ideia de cibercultura um ponto de confluência de todas as narrativas que procuram refletir sobre as características de um processo de informação avançada e as tecnologias de comunicação. Como esses três termos foram adotados, segundo o autor, pela maioria da sociedade e tornaramse usuais no cotidiano político e econômico, a ideia de tecnologias informacionais assume um importante papel na hierarquização do mundo das novas tecnologias. Porém, para Felinto (2011), existem indícios de que a expressão “estudos de mídia” deverá assumir um papel mais abrangente, capaz de dar conta também dos estudos de internet. A definição de nova mídia seria limitadora, pois, toda mídia foi nova em certo momento da história. O autor afirma que na Alemanha já existe a consciência de se ter um olhar mais distribuído por toda a extensão temporal da dinâmica tecnológica, com termos como “ciência do meio” ou “teoria dos meios”. Felinto (2011) acredita que, ao ampliarmos a visão dos estudos de mídia, estaríamos flexionando o campo, permitindo assim, reconfigurarmos continuamente suas fronteiras e problemas. Atualmente, mesmo as mídias mais tradicionais vêm sofrendo transformações, fazendo que com essa separação do mundo cibernético numa só área, torne-se irrelevante. Porém, nem tudo é controvérsia. Pudemos identificar nos trabalhos analisados nessa primeira fase da pesquisa um certo consenso de como o espaço de comunicação online organiza-se de forma a estimular a interação por uma corrente cultural unida pelos conteúdos de interesse. As comunidades virtuais organizam-se pelas afinidades de conhecimento, em um processo de cooperação, que ao ser assimilado pelo grupo, passa a ampliar o saber de todos. Noções como o interesse de partilhar são 304

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abundantes nos trabalhos observados até então. As conversações em rede parecem ser um terreno fértil quando o assunto é manifestar o íntimo e social, o privado e público. Muitas pesquisas dedicam-se em verificar a participação como forma de demarcar o território no ciberespaço, sentir-se representado, identificado. Para aquele que produz o conteúdo, a possibilidade de ser identificado e ter de si, as impressões produzidas pelos demais, que interagem com o autor e com os demais elementos de uma determinada comunidade virtual, o compartilhamento do saber, a aprendizagem coletiva e os processos de colaboração são assuntos bastante debatidos pelas pesquisas dos últimos 5 anos. Os trabalhos mostram que o poder de escolha, a capacidade de colaboração de forma ativa nos assuntos que mais gosta, expande a mediação e incorpora os demais meios numa relação produção, reapropriação e negociação. Por fim, gostaríamos de tratar sobre a questão das abordagens metodológicas escolhidas pelas pesquisas analisadas neste artigo. Para tal, propusemos dividir os trabalhos em quatro grandes grupos. O primeiro seria daqueles que explicitam os procedimentos de uma forma clara, capazes de fazer uma boa relação entre teoria e prática. Não só apresentam os conceitos teóricos, mas os articulam com o objeto estudado. Definem e apresentam detalhadamente as delimitações de seus trabalhos, preocupando-se em explicar cada passo metodológico que será tomado e as razões pelas quais as escolhas foram traçadas daquela forma. Os autores parecem ter conseguido alinhavar ambas as pontas do método: um embasamento teórico e técnico sólido com uma aplicação clara e bem definida dos procedimentos. Infelizmente, pouquíssimos trabalhos formaram essa categoria. Na segunda categoria, temos as pesquisas que se preocuparam em descrever, detalhadamente, somente as delimitações do objeto estudado e o passo-a-passo da captação, categorização e análise dos dados. Não houve um grande investimento na relação teórica, sendo apresentado, de forma superficial, algum conceito ou método, seguido das informações “baseado no método tal”, ou “inspirado no método tal”. Apenas algumas linhas dedicadas a explicar o embasamento teórico, como se fosse algo que tivesse que constar para cumprir um objetivo institucionalizado pelo prérequisito acadêmico. Ainda, dentro dessa categoria, foi possível observar trabalhos que não apresentavam esforço em citar um método, embora descrevessem todas as decisões tomadas minunciosamente – desde o recorte metodológico até a forma de análise e tratamento dos dados. Nessa categoria encaixaram-se mais trabalhos do que a primeira e a quarta categoria. A terceira refere-se aos estudos que se preocuparam mais em descrever a teoria metodológica do que em explicar as delimitações, procedimentos e escolhas empíricas da pesquisa. Basicamente, funcionam quase como manuais metodológicos, agrupando informações de diversos métodos e apresentando-os de forma bastante aprofundada. Detalham os conceitos de cada autor, explicitando toda a teoria e 305

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relacionando-a com outras similares. Por vezes, alguns trabalhos preocuparam-se, inclusive, em fazer uma espécie de resgate histórico daquele método, contextualizando cada etapa e técnica que o compunham. No entanto, não faziam relação de como aquelas informações foram aplicadas em suas pesquisas. Há uma explicitação dos procedimentos apenas em nível teórico. A maioria das dissertações e teses que compuseram o corpus desse artigo encaixaram-se nessa categoria. Por fim, o quarto grupo de trabalhos é formado por aqueles que não se preocuparam em apresentar ou embasar seus trabalhos em um método. Seja por omissão, ou por simplesmente falta de clareza, não foi possível identificar descrição de procedimentos ou definição de delimitações. Os textos desses trabalhos apresentavam objetivos extensos e confusos, que pareciam também tentar dar conta de explicar o que compreendemos com um pseudo-método. Porém, essa característica não se aplica a todas as pesquisas que essa categoria engloba, pois, não é possível identificar uma noção de método mesmo nos objetivos. Esta é a terceira categoria em relação à quantidade de trabalhos que a compõem. 5 Considerações A partir do exercício reflexivo que as análises aqui apresentadas nos permitiram, concluímos que há um longo caminho de discussão adiante. Os pesquisadores da recepção são interpelados a recorrer à sua experiência em pesquisas empíricas e reflexão densa sobre os dados para analisar a complexidade e a diversidade do atual cenário da relação dos sujeitos com os meios. Os resultados iniciais do nosso estudo, aqui compartilhados, revelam que as dissertações e teses que relacionam recepção ou consumo e internet apontam para mudanças no estatuto do receptor. Isso traz o desafio da análise das diferentes camadas do processo de comunicação e, consequentemente, das diferentes possibilidades de atuação das audiências em trânsito entre os papeis de emissor e receptor na internet (OROZCOGOMEZ, 2011). Diferentes meios podem estar em relação no cenário da convergência, o que demanda diversas formas de análise da recepção. Diante disso, confundem-se as fronteiras de delimitação entre espaços midiáticos institucionalizados e espaços midiáticos emergentes. Tal realidade traz à tona as seguintes questões: as pessoas que interagem nas redes sociais digitais em torno de pautas jornalísticas, por exemplo, ao mesmo tempo que são emissoras, são receptores de quê? São receptoras do conteúdo de outros receptores que emitiram opiniões nas redes sociais digitais e/ou receptoras de conteúdos jornalísticos vinculados a grandes empresas de comunicação? Quais os limites da mídia alternativa no contexto da internet? Pode-se considerar como mídia os espaços com emissão de conteúdos não vinculados a meios de comunicação 306

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institucionalizados? Estas e outras perguntas motivam e direcionam a análise envolvida nesta pesquisa e, sobretudo, instigam a reflexão do nosso grupo quanto aos limites e desafios dos estudos de recepção na contemporaneidade. Referências CASTELLS, Manuel. The rise of the network society: The information age: Economy, society, and culture. Vol. 1. John Wiley & Sons, 2011.

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Mônica Pieniz Professora Adjunta do Departamento de Comunicação da FABICO/UFRGS; Integrante do grupo de pesquisa “Comunicação e práticas culturais” desde 2009; Relações Públicas e Mestre em Comunicação pela UFSM; Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS, com estágio de doutorado sanduíche na Roskilde University, Dinamarca (RUC-DK). Tem interesse de pesquisa nas áreas de estudos de recepção e práticas culturais, identidades culturais, cultura local/global, convergência midiática, apropriações tecnológicas, relações públicas, comunicação e cultura organizacional. E-mail: [email protected]

Ludimila Santos Matos Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação, da UFRGS. Mestre em Comunicação - PUC-Rio (2011). Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo - UFMA (2008). Experiência na área de Comunicação, atuando principalmente nas seguintes áreas: jornalismo e editoração, jornalismo, cibercultura, vídeos amadores, YouTube, novas tecnologias, produção e direção de produtos audiovisuais, estética, cinema e fotografia, redação e roteiro jornalísticos e publicitários, blogs e desenvolvimento de conteúdo para o ambiente digital. E-mail: [email protected]

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ARTIGOS COMPLETOS #2 Ficção Audiovisual e Literária

Das Telas aos Cabides: Circulação e Consumo da “Moda da Novela” Camila MARQUES1 Sandra DEPEXE2

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo: A temática que guia esse texto é a das relações existentes entre os figurinos das telenovelas da Rede Globo e o mercado da moda, com o objetivo de refletir como as caracterizações de alguns personagens tornam-se tendências e ganham as ruas através do consumo material e simbólico de produtos de moda, pelos receptores. Partimos da circulação da telenovela para captar, em notícias veiculadas na internet e postagens de blogs e redes sociais digitais, indicadores empíricos que associem os figurinos das tramas ao consumo de moda. Como recorte, investigamos duas personagens da atriz Giovanna Antonelli - Helô (Salve Jorge) e Atena (A Regra do Jogo) - que nos permitiu mapear o caminho percorrido pelos “modismos” lançados por essas duas personagens até a chegada às vitrines e guarda-roupas de receptoras/consumidoras. Palavras-chave: telenovela; moda; consumo, circulação. 1. Introdução A temática que guia esse texto é a das relações existentes entre os figurinos das telenovelas da Rede Globo e o mercado da moda, tendo como objetivo refletir como as caracterizações construídas para alguns personagens tornam-se tendências e ganham as ruas através do consumo material e simbólico (GARCÍA CANCLINI, 1995) de produtos de moda, pelos receptores. Para observarmos essas relações partimos da circulação da 1

Camila Marques - Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Sandra Depexe - Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Docente do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2

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telenovela, “que começa na produção/emissão e se espraia ao consumo” (JACKS et al, 2011, p.299), para captar em notícias veiculadas na internet e postagens de blogs e redes sociais digitais indicadores empíricos que associem os figurinos das tramas ao consumo de moda. Como recorte, optamos por investigar duas personagens da atriz Giovanna Antonelli – Helô (Salve Jorge, 2012/2013) e Atena (A Regra do Jogo, 2015/2016) –, a fim de mapear o caminho percorrido pelos “modismos” lançados por essas duas personagens, desde a saída das telas até a chegada às vitrines e guardaroupas de receptoras/consumidoras. Metodologicamente, buscamos aporte através de estudos dedicados às relações entre mídia televisiva e consumo (VELHO, 2000; ALMEIDA 2001; NAVARRO, 2007; PIMENTEL, 2008; DEPEXE, 2015; MARQUES; ROSA, 2015) e tomamos a circulação acerca das personagens Helô e Atena como pesquisa documental, em que recorremos a técnicas de coleta de dados na internet (FLICK, 2009). Conforme Flick (2009) as páginas da internet “podem ser vistas como uma forma especial de documento ou texto, e analisadas dessa forma” (FLICK, 2009, p.249). O autor ressalta o caráter dinâmico da web e a necessidade do pesquisador traçar um plano de coleta dos dados, visto que os mesmos podem ser alterados ou retirados do ar a qualquer momento. Nessa perspectiva, nos apropriamos de técnicas de coleta de dados pelo uso da ferramenta de monitoramento Google Alerts e realizamos a seleção dos materiais que consideramos pertinentes aos nossos propósitos. Inicialmente nos dedicamos a compreender e explorar a circulação da telenovela Salve Jorge de modo amplo. De outubro de 2012 a outubro de 2013, foram verificadas, selecionadas e coletadas 423 notícias e postagens em blogs, das quais, as referências à personagem de Giovanna Antonelli são extensivas. Notamos que muitas matérias eram réplicas daquelas veiculadas originalmente no site da Rede Globo ou no site GShow e ainda que a maioria das postagens em blogs não traz conteúdo criado pelas blogueiras e, sim, apenas recortes de imagens. A partir destes apontamentos e da percepção de que a Rede Globo passou a dar maior ênfase na promoção dos modismos de suas tramas, como, por exemplo, com a criação do CAT (Central de Atendimento ao Telespectador) que oferece o serviço de identificação dos produtos usados em diversas programações da emissora. Através do mapeamento de alguns itens de figurino mais solicitados pelas receptoras, optamos por uma segunda estratégia de observação e coleta de dados. Nesta, passamos ao enfoque daquilo que a própria Rede Globo busca publicizar e qual a repercussão no CAT acerca da composição das personagens. Igualmente, optamos por firmar as observações do campo da moda em um blog destinado a comentar a “moda da novela”, por uma fã curadora - o Novela Fashion Week3, que apresenta conteúdos exclusivos sobre figurino, caracterização e marcas de moda utilizadas nas novelas da Rede Globo. Dessa forma, buscamos mapear o caminho percorrido pelos “modismos” lançados por essas duas 3

http://novelafashionweek.com.br.

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personagens, desde sua saída das telas até a chegada às vitrines e guarda-roupas de receptoras/consumidoras. 2. Moda de novela

A representação social, buscando “dar conta das interações que colocam em jogo indivíduos, significados e contextos” (FRANÇA, 2004, p. 18), é responsável por dar sentido ao mundo ao qual pertencemos. Na ficção, é principalmente através do figurino elemento fundamental para a transformação do ator em personagem - que esse sentido se constrói. A caracterização “parte de uma ideia que se materializa pelo objeto roupa e tudo aquilo que se relaciona com a atitude de se ornamentar”, incluindo desde “penteados até intervenções feitas diretamente sobre o próprio corpo, constituindo um sistema de representação” (LEITE, GUERRA, 2002, p. 29). Por esse motivo, lançamos mão das contribuições de Bezerra e Miranda (2014, p. 2), que versam sobre o figurino de produções audiovisuais ficcionais funcionarem como “uma importante ferramenta de transmissão de valores e significados para o público que consome essas narrativas”, já que a principal característica do processo de interação que a telenovela desenvolve com os receptores é “emocional, a partir de identificações e projeções com os personagens” (JUNQUEIRA, 2009, p. 22). Concebendo que a construção das identidades/estilos de vida esteja entrelaçada não só pelas práticas de consumo, mas também pela identificação com as representações midiáticas, é possível atentarmos para estas como um espelho que, em grande medida, funciona justamente através do corpo dos personagens, atravessando a experiência cotidiana dos receptores de forma ainda pouco estudada. Salientamos que, nesse artigo, não temos contato com receptores e consumidores, porém, iniciamos um caminho fundamental para pensarmos sobre as interfaces entre telenovela/figurino/moda/consumo. Nos concentramos, assim, 1) no processo de circulação dessas informações e 2) na possibilidade de consumo desses bens, ancorados na vertente teórica que entende o uso e apropriação de produtos (incluindo vestuário e itens de beleza) como conformadores de “certos atos de definição do self e de definição coletiva” (MCCRACKEN, 2003, p. 11). Rocha (1995, p. 154) discorre sobre o desejo de consumo impulsionado pelos meios de comunicação de massa, refletindo sobre o papel de “operador, gerenciando a distribuição de valores (sensualidade, saber, poder, bom gosto, cultura, sofisticação, beleza e tantos outros” (Ibid., p. 154) que ajudam a posicionar “grupos e objetos no interior da ordem social” (Ibid., p. 154). Para o autor, o sistema da mídia recorta os produtos sob a forma de desejo, oferecendo significados para além de sua forma de utilitária (ROCHA, 2000, p. 22), sendo o papel predominante dos meios de comunicação de massa a transformação de “produtos e serviços em necessidades, desejos, utilidades” (Ibid., p. 35). O autor alerta, entretanto, para a necessidade de percebermos que os motivos que governam as escolhas “entre lojas e shoppings, marcas e grifes, estilos e 313

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gostos - longe de desejos, instintos ou necessidades - são relações sociais que falam de identidades e grupos, produtos e serviços” (ROCHA, 2000, p. 19). Por investigarmos as estreitas relações entre mídia e consumo - mais especificamente, entre telenovelas/figurinos/produtos de moda - torna-se necessária a reflexão sobre as conexões estabelecidas nessa tríade. Partimos da premissa de que “moda e mídia se retroalimentam, se sustentam e se identificam. Novelas (...) criam e se inspiram em estilos, divulgando-os” (CASTILHO; MARTINS, 2007, p. 3). Aquino (2009, p. 78) vai além e reflete sobre as relações entre a mídia televisiva e o consumo de moda, afirmando que “a televisão é considerada um dos meios de comunicação que mais interferem na cultura das sociedades”, sendo também “reconhecida como um meio de grande influência no modo de vestir da população, divulgando e padronizando estilos”. Entendendo o figurino como componente de construção de personagens, marcando “a época dos eventos, o status, a profissão, a idade do personagem, sua personalidade e sua visão de mundo” (LEITE, GUERRA, 2002, p. 62), defendemos que, se o vestuário funciona como elemento na construção de identidades no plano cotidiano, o figurino funciona como sistema de representação no plano do mundo narrado. Há, assim, uma relação dialética entre o “figurino da TV” e a “roupa da vida real” em “um jogo teatral” (Ibid., p. 36) estabelecido pela ficção e cotidiano, no qual o vestuário utilizado em produções ficcionais audiovisuais funciona como “uma importante ferramenta de transmissão de valores e significados para o público que consome” (BEZERRA; MIRANDA, 2014, p. 2) essas mensagens, ao mesmo tempo em que a ficção busca no cotidiano elementos para compor sua narrativa. Em busca de verossimilhança, as telenovelas têm aproximado seus textos do “cotidiano vivido fora da tela” (PROJETO MEMÓRIA GLOBO, 2010, p. 15), e o modelo de criação de figurino inaugurado por Marília Carneiro na década de 1970 é exemplo disso. Na novela Pecado Capital (1975-1976), a figurinista fez uso de uma estratégia até então inédita para os moldes de criação de figurinos, realizando a troca de peças novas do acervo por outras velhas e usadas, com os próprios moradores do bairro onde era gravada a história, para que os atores vestissem trajes mais realistas em cena. [...] Sob outro prisma, ao mesmo tempo em que a ficção televisiva se inspira no cotidiano, ela também condiciona o espaço social. Quando “relações de projeção por idealização” (BEZERRA; MIRANDA, 2014, p. 2) são estabelecidas entre audiência e personagens ficcionais, aquela tende “a ancorar os significados associados à trama [...] no traje de cena, que acaba se legitimando como modelo estético” (Ibid., p. 2) a ser seguido. (MARQUES, ROSA, 2015, p. 6).

Estudos anteriores dedicados às relações entre mídia televisiva e consumo (VELHO, 2000; ALMEIDA 2001; NAVARRO, 2007; PIMENTEL, 2008; DEPEXE, 2015, MARQUES, ROSA, 2015) constatam que a caracterização de alguns personagens presentes nas telenovelas brasileiras “possuem certa legitimidade e tornam-se tendências de moda, saindo das telas e repercutindo no mercado de consumo” (MARQUES, ROSA, 2015, p. 7). Segundo o próprio Guia Memória Globo (2008), as telenovelas “refletem e lançam muitas das tendências que vemos nas ruas” (2008, p. 5). 314

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Indicativos empíricos e pesquisas documentais também servem como reforço para o entendimento de que a telenovela possui importante papel não apenas de divulgação, mas também de disseminação de alguns estilos e modismos, funcionando como um meio de comunicação que dá suporte à moda (ALMEIDA; WAJNMAN, 2002). Uma maneira de facilitar o acesso à informação dos produtos e marcas utilizados nas tramas globais foi criado pela própria Rede Globo. O CAT (Central de Atendimento ao Telespectador) é um canal direto estabelecido com a audiência, tanto pelo telefone quanto por e-mail. Ao entrar em contato com a central, se descobre desde o esmalte usado por Clara (Giovanna Antonelli) em Em Família até o site que vende as capas de celular usadas por Atena em A Regra do Jogo. As informações dos principais itens de moda e beleza pedidos pelo CAT ficam disponíveis também no site Globo.com, em uma seção especial intitulada “Também quero!”. Essa estratégia, entretanto, é recente. No ano de 2012, quando a novela Salve Jorge foi a ar, a única maneira de se ter acesso aos mais pedidos da emissora era por notícias veiculadas por sites dedicados à temática. Outro estratagema utilizado pela Rede Globo é criação de um setor especializado que transforma os elementos dos figurinos em mercadorias. Através da Loja Globo, são realizadas vendas de itens exibidos em sua programação como roupas e acessórios inspirados em suas principais produções. Há também a existência de menus específicos no site do GShow, como o “Moda” e “Estilo”. Blogs diversos dedicados à temática também são outra esfera da circulação da “moda da novela”. Dentre eles, destacamos o site Novela Fashion Week, disponível na Internet desde 2011 e idealizado pela jornalista gaúcha Inez Gularte Gouvea. A existência de caminhos como esses não deixa dúvidas quanto à relação existente entre o que é usado na ficção e o que é desejado no dia-a-dia, não apenas aproximando os figurinos das telenovelas do cotidiano dos receptores, como possibilitando o consumo material (e simbólico) desses produtos. 3. De delegada à vilã

De acordo com Marques e Rosa (2015),

Desde a década de 1970, uma série de figurinos saem das telenovelas e ocupam (nossos) guarda-roupas. Os turbantes de Porcina (Regina Duarte) em Roque Santeiro (1986), as polainas e meias de lurex de Júlia Matos (Sônia Braga) em Dancing´ Days, por exemplo, viraram febre após aparecerem na tela da maior rede de televisão do Brasil. Podemos destacar outros exemplos de tendências que saíram das telas e ganharam as ruas, como as miniblusas e tamancos usados por Babalu (Letícia Spiler), de Quatro por Quatro (1994); a microssaia pregueada de Darlene (Deborah Secco) e o lenço no pescoço de Laura (Cláudia Abreu) em Celebridade (2004); os pares de brincos de tamanhos diferentes usados por Bebel (Camila Pitanga) em Paraíso Tropical (2007) e a correntinha do divino espírito santo de Teresa (Lilia Cabral) em Viver a Vida (2009) (MARQUES, ROSA, 2015, p. 8).

Percebe-se, ademais, que algumas atrizes como Giovanna Antonelli - que possui uma relação muito próxima com a criação dos figurinos de suas personagens 315

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emplacam um número maior de tendências lançadas através de seus figurinos. Os brincos de argola e as pulseiras usadas pela personagem Capitu, de Laços de Família (2000); os braceletes, brincos e o anel de corrente de Jade, em O Clone (2001); os cabelos curtos e platinados de Bárbara em Da Cor do Pecado (2004); e os bodies e o esmalte azul usados por Clara, em Em Família (2014), ilustram bem isso (Figura 1).

Figura 1 - Tendências lançadas por algumas personagens de Giovanna Antonelli Fonte: GShow

A relação entre o figurino das personagens e itens que se tornam “modismos”, nos indica a forte vinculação entre mídia e consumo de moda. Para além das peças de vestuário, maquiagem e cortes de cabelo, é importante atentarmos para as semelhanças e divergências nas trajetórias de lançamento, afirmação e declínio da aceitação destes produtos nas receptoras de telenovela. No caso de Giovanna Antonelli, a recuperação das tendências lançadas por suas personagens Capitu, Jade, Bárbara, Clara - além de Helô e Atena, que analisaremos a seguir –, nos parece bastante indiciária de uma possível articulação entre a figura pública da atriz como endossante dos itens de moda que compõem o figurino de suas personagens. Em entrevista publicada no site GShow sobre a telenovela A Regra do Jogo, Giovanna Antonelli conta que se envolveu no processo de criação do figurino de Atena: “Participo do processo, sou muito palpiteira. Isso é muito importante para criar meus personagens”, explica a atriz. Ela ainda ressalta: “Tenho sorte de elaborar os figurinos, e eles virarem moda”. Em outra matéria publicada no Gshow, Gilvete Santos, responsável pela caracterização do elenco, conta que a técnica negative space adotada para as unhas de Atena , que consiste em deixar uma parte sem pintar ou colocar apenas base, tinha como ideia inicial “alternar as cores dos esmaltes entre as unhas, uma com desenho em branco, outra, em preto”, mas, depois da sugestão da própria Giovanna, optou-se por pintar todas as unhas de preto, mudando “apenas a forma geométrica de uma pra outra”. Giovanna possui uma relação estreita não apenas com o figurino de suas personagens, mas também com produtos de moda, beleza e cosmética. Garota propaganda da Rommanel há cinco coleções, Giovanna já assinou coleções de esmaltes para a Hits Specialitta e Colorama, é proprietária da rede de clínicas de depilação a laser GioLaser e já assinou uma linha de óculos escuros junto à Triton Eyewear e bolsas para a Le Postiche, além de ter sua própria coleção de fast fashion, feita para a Leader. 316

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Segundo McCracken (2012) as propriedades simbólicas de uma celebridade funcionam como endossantes de bens de consumo que a ela se vinculam. Dessa forma, “usando uma perspectiva de ‘transferência de significados’, essas propriedades são mostradas como pertencentes à celebridade e então transferidas da celebridade para o bem de consumo, e do bem de consumo para o consumidor” (MCCRACKEN, 2012, p.109). Pensando nessas possibilidades e trajetórias, nos dedicamos, neste texto, a mapear o percurso das personagens Helô e Atena, para compreender os vínculos entre telenovela e consumo de moda, os quais são lidos a partir da circulação na internet. Em Salve Jorge (2012\2013), Giovanna Antonelli deu vida à personagem Heloísa, que ficou conhecida pelo apelido de Helô, uma delegada de polícia civil, separada e mãe de uma jovem (Mariana Rios). Ao longo da trama, Helô estuda e passa em um concurso da Polícia Federal, ganha simpatia do público e ao final da telenovela se casa novamente com seu ex-marido, o advogado Stênio (Alexandre Nero). A composição estética da personagem, segundo entrevista da própria atriz à revista Estilo, recebeu alguns acessórios por sua sugestão, tais como os dois cintos e a capinha de celular em formato de soco inglês, os quais tornaram-se itens de desejo e consumo na recepção. Para entender a relação entre moda da telenovela e o consumo, pelo viés da circulação, recorremos à estratégia de monitoramento com uso da ferramenta Google Alerts, que incluiu a varredura de blogs, notícias ou “tudo” o que fosse publicado na internet que vinculasse a telenovela Salve Jorge à temática da moda. De outubro de 2012 a outubro de 2013, foram verificadas, selecionadas e coletadas 423 notícias e postagens em blogs, das quais, as referências à personagem de Antonelli são extensivas. É notável que os acessórios, o corte de cabelo e as peças de vestuário de Helô, a medida que a trama se desenvolvia, passaram a ganhar relevância perante o público e se tornam itens mais pedidos no CAT. De dezembro de 2012 ao fim da trama, em maio de 2013, Giovanna conquistou as primeiras posições, conforme notícias publicadas pela própria Rede Globo. Dentre os mais pedidos estão a cor e o corte de cabelo, o esmalte marrom (cor Ímpeto da linha Gio Antonelli), uma calça jeans (Le Lis Blanc), as camisas e um macacão azul com estampa de cobra (Alphorria), um anel de São Jorge (Romannel) e o case para celular. Cabe ressaltar que não apenas seus itens de figurino, quanto a própria personagem passou a ter uma espécie de fandom ativo no Twitter (DEPEXE, 2015). Provavelmente esse apelo junto ao público tenha servido como motivação para que os blogs de lojas de roupas e marcas de acessórios, por exemplo, se apropriassem da personagem para ofertar seus produtos. Em nossa avaliação, esse tipo de apelo ao consumo reforça o papel da telenovela como produto de mídia que incentiva o mercado de produtos de moda. A inspiração no look aparece repetidamente em postagens do blog da loja Rabush e da marca Prata Fina. Já em matéria das revistas Caras, Contigo e Marie Claire, blogs de lojas e de shoppings, nos portais como Terra e UOL, além de uma infinidade de blogs escritos por jovens e adolescentes autodeclaradas receptoras da trama, o figurino de 317

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Helô é dissecado e a leitora é ensinada a “copiar o estilo” nas calças pantalonas, peças com estampa animal print, os dois cintos, a capa de celular em formato de soco inglês ou no uso de braceletes e acessórios com a imagem de São Jorge, itens que se tornaram marcas da personagem. Cabe pontuar que muitas dessas postagens não mencionam as marcas originalmente usadas pela atriz na novela, e se destinam a uma “inspiração” sobre o figurino. Entretanto, há postagens e matérias destinadas a “desvendar” quais marcas compõem o visual de Helô. Nessas, são reveladas a presença de marcas como Le Lis Blanc, Alphorria, camisas da A.Cult, Dudalina e Fill Sete, pantalona Cholet, sandália Luiza Barcellos, anéis e brincos da Rommanel, esmalte da linha Gio Antonelli, e, em alguns casos, são indicados a faixa de preço dos produtos. A relação com o consumo pela recepção é explícito especialmente nos textos em que as blogueiras relatam seus hábitos de assistência da telenovela, comentam a trama e qualificam o figurino usado por Giovanna Antonelli como objeto de desejo. É válido apontar que as postagens apresentam, muitas vezes, indicações de lojas em que se pode encontrar peças de roupa ou acessórios similares àqueles expostos na trama, em que há referência a lojas de fast-fashion, por exemplo. O consumo, nesses casos, mesmo que não efetivado, revela-se como elemento de identificação (GARCÍA CANCLINI, 1995) pelo desejo de semelhança com a personagem e aquilo que ela representa em termos de modismos: chique, elegante, “perua”, extravagante, “baphônica”, “poderosa” para usar alguns dos termos recorrentes nos textos encontrados na internet. Na circulação da moda de Helô encontramos indicações de que as peças de roupa utilizadas pela personagem serviriam “a todas as mulheres”, independente de faixa etária. A aceitação e versatilidade é comprovada quando uma marca de roupas plus size criou um editorial de moda inspirado no figurino, o que reforça os sentidos do consumo como elemento de distinção e comunicação: todas querem e podem ser Helô. Para além da internet, observamos, ao acaso, em vitrines de lojas de bijuterias, situadas na cidade de Santa Maria\RS, cartazes anunciando a chegada de produtos semelhantes àqueles utilizados por Helô e outras personagens de Salve Jorge (Figura 2). Esse apelo à trama ficcional no “mundo real” dos bens de consumo serve-nos como mais uma prova da importância da telenovela e da personagem ao mercado da moda e ao simbólico contido nos atos de consumo.

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Figura 2 - Vitrines em Santa Maria Fonte: as autoras, março e maio de 2013

Em A Regra do Jogo, Giovanna Antonelli deu vida à personagem Atena, cujo nome verdadeiro era Francineide dos Santos. Segundo o site GShow, Atena era uma mulher “disposta a tudo” para levar uma vida luxuosa e glamourosa, e logo que conhece Romero (Alexandre Nero) - protagonista da trama, se envolve com ele em uma relação de amor e ódio/desejo e desconfiança. Conforme as figurinistas, a personagem foi construída para ser “toda assimétrica, desde as roupas até os desenhos das unhas. Tem cortes que você não sabe para onde vão, nem de onde vêm”, conta Mariana4. “Vimos várias referências lá fora e chegamos aos decotes compridos, saias enviesadas e outros elementos que também valorizassem o corpo”. Como a ideia inicial era que a personagem tivesse um estilo atual, a equipe de figurino conta que foi necessário prever tendências para não vestirem Atena com roupas que já estariam fora de moda quando a novela estreasse. Além de um estilo ousado nas unhas, Atena também traz acessórios inusitados, como o anel que desce para a mão, como uma pulseira: “eu falei que queria algo que desse a ideia de estar escorrendo e daí surgiu essa peça”, explica Marie. A personagem usava também muitos brincos pequenos, um piercing e uma coleira com um pingente. O uso das formas assimétricas, tanto para as roupas como para os acessórios de Atena, evidenciam uma assimetria também em seu caráter: o look da vilã, que ao mesmo tempo era carismática e engraçada, conquistou os receptores, apesar das mentiras e golpes que aplicava, ficando em primeiro lugar das mais pedidas de 2015 segundo dados do CAT. Outro sinal de que os itens usados por Atena fizeram sucesso entre as receptoras/consumidoras foi percebido em uma visita à Rua 25 de Março um mês após a estreia da novela. Foi possível encontrarmos as gargantilhas usadas pela personagem 4

Entrevista concedida a uma das autoras por intermédio do apoio à pesquisa da Globo Universidade.

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em várias lojas, inclusive sendo anunciadas como “a gargantilha da Atena”. Outras traziam ainda uma foto da personagem ilustrando a embalagem (figura 3).

Figura 3 - Comércio na Rua 25 de Março Fonte: as autoras, outubro de 2015

A caracterização de Atena já ganhava mais destaque no próprio site da emissora mesmo antes da novela ir ao ar, com várias matérias sobre o figurino usado pela vilã da trama sendo divulgadas. Em matéria publicada pelo site Gshow no dia 20 de agosto - 11 dias antes da novela estrear - referente ao figurino de A Regra do Jogo, a relação entre o que seria usado para compor a personagem e o que seria desejado - segundo a aposta da emissora - pelas consumidoras fica clara já no título: Giovanna Antonelli começa a lançar tendência com figurino sexy e atual de Atena. A própria atriz revelava: “Atena veste tendências, coisas novas e releituras. É um estilo para todas as mulheres, de todos os gostos”. As figurinistas da trama explicam: “ela é muito carismática, e isso é muito legal. [...] A Giovanna foi uma das primeiras a começar a gravar, então já saíram muitas fotos da personagem na imprensa. A impressão que dá é que a partir disso já está virando moda”. No dia 1 de setembro - um dia após a estreia - o GShow divulgou a matéria Giovanna Antonelli usa seis diferentes looks na estreia de 'A Regra do Jogo'. Dona de uma visual único, Atena já mostra que vai virar tendência com suas produções extravagantes; confira as fotos! Seu conteúdo sugeria “as 6 produções de Atena exibidas na estreia que vão virar um must have” no dia a dia das receptoras: vestido de couro tomara que caia, com cortes assimétricos e gargantilha de ouro; look total black; maiô vazado; muitos acessórios; unhas assimétricas e cores fortes. No dia 9 de setembro, o Gshow publicou: Unha decorada de Giovanna Antonelli na novela 'A Regra do Jogo' é tendência para 20161. Conforme a matéria, desde o primeiro capítulo da novela, “o figurino da vilã foi um dos assuntos mais comentados não só pelas roupas modernas e estilosas, como também pelas unhas decoradas”. Gilvete, caracterizadora responsável pela trama conta que a assimetria usada no figurino da personagem, presente nas roupas, no corte de cabelo e nos acessórios, acabou se 320

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estendendo também para as unhas. “Eu, junto com a Marie (figurinista), idealizamos como seria o estilo da personagem. Nós trabalhamos em conjunto. A caracterização tem sempre que acompanhar o figurino”, conta a caracterizadora. No dia 16 de setembro, o Gshow divulgou a matéria Unha da Giovanna Antonelli: atriz ensina como fazer! Unha decorada da personagem Atena, em 'A Regra do Jogo', faz a cabeça da mulherada. Para o site, Giovanna Antonelli está “bombando” na pele de Atena, e um dos motivos para o seu sucesso entre as receptoras é a unha “superfashion” usada pela personagem: “É rápido, é fácil, e quem já sabe pintar a unha é melhor ainda”, garante a própria atriz. No conteúdo publicado, Giovanna parecia já “acostumada a lançar tendências com os looks das suas personagens”, sendo copiada nas ruas “com o estilo descolado, moderno e assimétrico da estelionatária da trama das nove”. O site ensinava, através de um vídeo com um passo a passo, como as receptores podiam replicar as unhas da personagem, e terminava a matéria perguntando: “está esperando o que para copiar esse look supermoderno e arrasar por aí?” A Regra do Jogo apresentou merchandising comercial de duas empresas do ramo da moda: uma delas, a marca de joias Rommanel, que, junto a Globo Marcas, licencia e desenvolve coleções que levam os nomes das novelas da emissora. A parceria que teve início com o desenvolvimento do pingente de cara metade da novela Começar de Novo em 2004, passou por Alma Gêmea, Caminho da Índias, Fina Estampa, Aquele Beijo, Av. Brasil, Amor Eterno Amor, Salve Jorge, Flor do Caribe, Império e Babilônia já está na sua 16ª parceria com a Rede Globo, sendo a 5ª coleção dedicada à personagens da atriz Giovanna Antonelli. Através de uma pesquisa exploratória, destacamos que as postagens do site e Facebook do GShow podem ser dividas em: 1) trama (fotos, vídeos, enquetes e comentários relacionados aos figurinos das tramas, seja elogios ou críticas) e 2) extra trama (dicas de estilo, maquiagem, cabelos e cuidados com o corpo de atrizes e atores globais, merchandising, informações sobre marcas e preços de determinados produtos utilizados nos figurinos e comentários que explicitam ou uma desidentificação ou o desejo de se consumir alguns desses modismos). De modo geral, a temática da moda e do figurino das telenovelas da Globo repercute em postagens no Facebook sendo vinculadas, na maioria das vezes, ao site do GShow. Algumas dessas publicações fazem referência a termos do “mundo da moda”, como look, fashion, it girl, tendência e estilo. Há a presença de postagens específicas sobre a moda das novelas, que “apresentam” o “look” de determinados personagens, inclusive com as figurinistas responsáveis contando sobre o processo de caracterização e apontando algumas possíveis tendências a serem lançadas através desses figurinos. Percebemos um esforço da própria emissora não apenas divulgando as tendências desejadas pelas receptoras/consumidoras, mas principalmente “ditando” os modismos que compõem o figurino da personagem Atena, antes mesmo da novela estrear. Entretanto, essas apostas de tendências estavam presentes também em alguns sites que não possuem vínculos comerciais com e a Rede Globo. É o caso do blog Novela 321

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Fashion Week (figura 4), que apenas duas semanas após a o inicio da novela, já possuía cinco matérias destinadas às personagens de A Regra do Jogo - quatro delas, dirigidas à Atena. Segundo publicação da curadora do site, “não tem jeito, quando Giovanna está na novela, sua personagem lança tendência, dita moda nas ruas, e acaba emplacando muuuuitas vezes aqui no blog”. Entre as matérias, estão: 1) Atena usa anel triplo de mais de 12 mil em A Regra do Jogo; 2) Atena usa joia H.Stern que leva assinatura de Costanza Pascolato; 3) Veja quem assina a gargantilha ‘Atena’ de Giovanna Antonelli na novela; 4) Body é peça-chave no figurino de Atena. Veja onde encontrar. Em todas as postagens, são oferecidas muitas informações sobre as marcas das joias e acessórios usados por Atena,

com valores e endereços de onde podem ser encontrados. Figura 4 - capa Novela Fashion Week. Fonte - Novela Fashion Week.

Recorremos à Mungioli para o fechamento de nossas análises, pois, para a autora, o movimento entre o que é veiculado pela mídia e o que é desejado pelos receptores/consumidores ocorre principalmente porque “o público se identifica com a trama, o que ajuda a construir sua visão de mundo”. Destacamos, ainda, que a estreita relação estabelecida entre figurino e moda, como os já citados exemplos das coleções de esmaltes e das lojas de varejo de produtos de moda - que lançam coleções baseadas nas novelas ultrapassa a mera apresentação de tendências sobre o que vestir ou como se pentear/maquiar. Nela, há, sobretudo, uma conexão explícita entre figurinos/caracterizações e marcas de roupas/calçados/cosméticos/acessórios, tornando a aproximação entre o que se usa na tela e o seu consumo fora dela ainda mais evidente e possível.

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4. Considerações finais Através do percurso teórico e documental percorrido e análise aqui empreendida concluímos que os figurinos das telenovelas acabam criando ícones que se transformam em referência e modelo para a moda fora das telas, tendo, dessa maneira, importante papel no comportamento dos receptores/consumidores. No caso de Helô e Atena, percebe-se que a caracterização de ambas as personagens se transformam em modismos desejados e consumidos cotidianamente pelos receptores. Inferimos também que as postagens em blogs e redes sociais digitais, e as notícias sobre moda veiculadas em sites são uma esfera de circulação da telenovela vinculada ao consumo. No próprio site da Rede Globo, que funciona como um canal que aproxima de forma mais rápida receptores/consumidores dos produtos, é possível distinguirmos dois tipos de publicações: aquelas que contém dicas de maquiagem, cortes de cabelo e peças usadas pelas personagens, sugerindo a transformação desses itens em tendências passíveis de desejo pela audiência, e também conteúdos que mostram personagens levando para seus figurinos peças e produtos que já são tendências de moda usadas nas ruas. Nesses lugares, o apelo estético desfragmenta as personagens em partes - cabelo, pele, unhas, silueta – e desvenda os “segredos” de tratamento, coloração, maquiagem, esmaltação e manutenção da forma física, ao passo que despe esses fragmentos em marcas de roupas, acessórios e cosméticos. Logo, não apenas a produção ficcional, mas também os conteúdos midiáticos a ela associados, expõem constantemente vários estilos de vida e oferecem serviços e produtos - materiais e simbólicos - a serem apropriados pelos receptores. No caso das personagens de Giovanna Antonelli, analisadas neste texto, nos parece nítido o endosso da atriz à suas personagens e a sensação de uma repetição de “fórmulas de sucesso” do mercado de consumo. Entre Helô e Atena não só o par romântico (Alexandre Nero) se mantém, mas uma série de itens que ganharam vitrines e lideraram pedidos no CAT. Em outras palavras, evidencia-se que a persona (ALMEIDA, 2012) da atriz faz de suas personagens modelos ao consumo, não importando se ela é a delegada ou a bandida da trama. Referências AQUINO, Agda Patrícia Pontes de. Telejornalismo e Consumo: o papel dos apresentadores de telejornal no consumo simbólico de moda. In: XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Curitiba, 2009. Disponível em: . Acesso em 10.04.2014. ALMEIDA, A. J. de; WAJNMAN, S. Moda, comunicação e cultura. São Paulo: Arte & Ciência: Nidem/Unip/Fapesp, 2002.

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CASTILHO, K.; MARTINS, M. M. Discursos da moda: semiótica, design e corpo. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2005. DEPEXE, S. Distinção em 140 caracteres: classe social, telenovela e Twitter. Tese (Doutorado em Comunicação Social). Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, 2015. FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

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GARCÍA CANCLINI, N. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995.

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____________________. Guia Ilustrado TV Globo: novelas e minisséries. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. NAVARRO, E. F. Configurações Estéticas e Figurino da Telenovela O Clone. Dissertação

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(Mestrado em Comunicação). Universidade Paulista - UNIP, São Paulo, 2007.

PIMENTEL, K. D. G. O merchandising da moda na telenovela: o espetáculo como publicidade em “Belíssima”. 2008. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Universidade Paulista – UNIP, São Paulo, 2008. ROCHA, E. P. A sociedade do sonho: comunicação, cultura e consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.

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VELHO, B. A. A moda brasileira e a telenovela: um estudo exploratório. Dissertação. (Mestrado em Administração), Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, Rio de Janeiro, 2000. Autores

Camila Marques: Doutoranda em Comunicação Midiática, linha Mídia e Identidades Contemporâneas, pela Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisadora do grupo de pesquisa Usos Sociais da Mídia (UFSM\CNPq) e do grupo do Obitel (Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva) de Santa Maria (UFSM) 2014/2015-2016/2017. E-mail: [email protected]. Sandra Depexe: Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Docente do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM e vice-líder do grupo de pesquisa Usos Sociais da Mídia (UFSM\CNPq). Pesquisadora do grupo do Obitel (Observatório Iberoamericano da Ficção Televisiva) de Santa Maria (UFSM) 2016/2017. E-mail: [email protected]

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Panorama dos Estudos de Recepção sobre LGBTs em Telenovelas Fernanda NASCIMENTO1 Joana Maria PEDRO2

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina Resumo: Os estudos de recepção produzidos em nível scricto sensu no Brasil sobre Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBTs) nas telenovelas brasileiras têm se centrado, majoritariamente, nas leituras de receptores cisgêneros heterossexuais sobre estas representações. O presente artigo apresenta um mapeamento das características de teses e dissertações que versaram sobre a temática, destacando escolas teóricas do campo da comunicação social, perspectivas dos estudos de gênero, metodologias de estudos e conclusões obtidas pelas pesquisas. O texto também aponta as contribuições e lacunas das pesquisas, que sinalizam para as possibilidades de estudos no campo. Palavras-chave: Comunicação Social; Estudos de Recepção; Telenovelas; LGBTs. 1 LGBTs e telenovelas: uma temática de estudos recente Os estudos sobre a temática de LGBTs nas telenovelas são recentes na pesquisa scricto sensu brasileira. Ao investigar os portais de dissertações e teses da Capes3, da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)4 e do Núcleo de Pesquisas em Informação, Tecnologias e Práticas Sociais (Infotec)5 da Universidade Federal do Rio

1 Fernanda Nascimento - Mestra, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina – PPGICH UFSC. 2 Joana Maria Pedro – Pós-doutora, Université dAvignon. Professora nos programas de pós-graduação em História e Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. 3 cesso em 10/5/2014. Disponível em: http://bancodeteses.capes.gov.br (CAPES, 2014). 4 Acesso em 1/6/2016. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/ (BDTD, 2014). 5 O Infotec abriga resumos de dissertações e teses defendidas em todo o Brasil entre 1992 e 2008 (INFOTEC, 2014).

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Grande do Sul (UFRGS) verifica-se que dez dissertações e duas teses abordaram o tema, desde 20026. O número é mais reduzido quando se analisa os estudos de recepção: são quatro dissertações, realizadas por Luiz Eduardo Neves Peret (2005), Joseana Burguez Tonon (2005), Silvia del Valle Gomide (2006), Welton Trindade (2010) e a tese de Plábio Marcos Martins Desidério7. Tendo em vista as diferentes vertentes teóricas dos estudos de recepção contemporâneas, pretende-se destacar como a escolha por determinadas perspectivas faz com que os resultados sejam diversos. O artigo também sinaliza para as lacunas das pesquisas realizadas, como a ausência de apontamento sobre as diferenças de gênero, sexualidade, raça e classe social nas representações e a invisibilidade das leituras dos próprios sujeitos envolvidos no processo de representação, tendo em vista que a maioria das pesquisas de recepção sobre as representações da homossexualidade são realizadas a partir da leitura dos outros, de cisgêneros heterossexuais sobre LGBTs. Para observar estas similitudes e discrepâncias, o presente artigo propõe apresentar os estudos e descrever suas principais características. A constituição do presente panorama de estudos pesquisa nos portais foi realizada da seguinte forma: leitura de todos os resumos de teses e dissertações defendidas no país até 2000, através das informações disponíveis no Infotec. A partir de 2000, busca no site da Capes e BDTD através do cruzamento de palavras-chaves: telenovela/recepção x homossexualidade; homossexualismo8; homossexual; gay; lésbica; lesbianidade; lesbianismo; LGBT; travesti; transexual; masculinidades; queer e sexualidade (palavras consideradas correlatas à temática em estudo). Neste sentido, pesquisas que não apresentam estas palavras-chaves e versem sobre o tema podem não ter sido incluídas no presente levantamento.

Destaca-se que foram encontradas algumas pesquisas cuja temática LGBT esteve presente de forma tangencial. Em A cultura espetacular das telenovelas: recepção, sexualidades e subjetividades em “Paraíso Tropical” - 2007, Dulcina Tereza Donati Borges investiga a construção da sexualidade a partir de uma pesquisa de recepção de telenovela. Como a narrativa de Paraíso Tropical tem a participação de personagens homossexuais, o público comenta o tema. A discussão nesta pesquisa é de tal maneira superficial que a pesquisadora utiliza palavras como “homofobismo” e contrapõe casais homossexuais aos “casais normais”. 7 As outras pesquisas centralizam-se em estudos sobre o texto das narrativas e as representações disponibilizadas a partir do mesmo. Destaca-se que, dentre as dissertações de mestrado, quatro pesquisadores são da Comunicação Social (TREVIZANI, 2002; MARQUES, 2007; FERNANDES, 2012); NASCIMENTO, 2015), um da área de Letras (SOARES, 2009) e uma da Psicologia e Educação (KRAUSS DE LIMA, 2007), já a tese sobre o tema é da Psicologia (BORGES, 2008). 8 Esta palavra está em desuso por remeter a um período em que a homossexualidade era considerada uma doença, mas é mantida dentre as palavras-chave em decorrência da indexação de algumas bibliotecas ainda utilizarem-na. 6

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Premissas teórico-metodológicas e objetos de estudos

Ao analisar o corpus de estudo do presente artigo, verifica-se que as pesquisas têm premissas teórico-metodológicas distintas. A primeira dissertação a abordar com a recepção das telenovelas e LGBTs é de Peret (2005), que realiza o estudo a partir da telenovela Mulheres Apaixonadas, escrita por Manuel Carlos e exibida em 2003 na Rede Globo. Ancorado em uma perspectiva da semiótica, a partir da proposta de Antonio Moreno (2001)9, o autor utiliza a técnica de Análise de Discurso Crítica da narrativa, desenvolvida por Van Dijk. Quanto a recepção, a mesma é realizada a partir do modelo estabelecido por Maria Immacolata Vassalo de Lopes em Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficionalidade (2002). A técnica de pesquisa utilizada é a entrevista em grupos focais, com adolescentes de ensino médio da rede pública de ensino do Rio de Janeiro. A segunda pesquisa sobre temática é de Tonon (2005) e também analisa a telenovela Mulheres Apaixonadas. Com o mesmo objeto de estudo, a pesquisadora percorre um caminho diverso de Peret (2005): a pesquisa tem como premissas teóricas os Estudos Culturais e propõe uma análise de recepção tendo como norteador a proposição do consumo cultural do pesquisador Nestor Garcia Canclini. Através do consumo cultural, o receptor pode revelar, em seu cotidiano, diferentes usos sociais às mesmas mensagens e conteúdos simbólicos veiculados pela mídia (...) interferindo na constituição da identidade e da subjetividade dos receptores de telenovelas (TONON, 2005, p.11).

Tonon propõe a articulação entre as notícias veiculadas na mídia sobre a telenovela e a recepção de professores, alunos e funcionários da Faculdade de Educação São Luís, de Jaboticaba, São Paulo. A pesquisadora analisou as representações selecionando diversas amostras, de acordo com a identidade dos 12 entrevistados na pesquisa. Entre as variáveis apresentadas estão a escolaridade, as posições ocupadas na instituição de ensino (docentes, alunos e funcionários), o gênero e a faixa etária. Gomide (2006) realiza a terceira pesquisa sobre a temática, analisando a telenovela Senhora do Destino, escrita por Aguinaldo Silva e exibida em 2005, na Rede Globo. Sob a perspectiva dos Estudos Culturais, a pesquisadora propõe uma Análise de Conteúdo (AC), nos termos propostos por Laurence Bardin. A AC é utilizada tanto para analisar o texto da narrativa, quando a recepção das integrantes de uma comunidade no site de relacionamentos Orkut: o grupo Eleonora & Jenifer Antonio Moreno é autor de um dos primeiros livros sobre personagens homossexuais na mídia: A personagem homossexual no cinema brasileiro (2001). Sua proposta é de estudar as personagens em três níveis: “sintático (relativo ao objeto), semântico (relativo ao signo), pragmático (relativo ao interpretante)” (PERET, 2005, p.113). 9

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(personagens da novela analisada, interpretadas por Bárbara Borges e Mylla Christie, respectivamente) que reunia, principalmente, mulheres homossexuais e disponibilizava o conteúdo da telenovela para debate do grupo online. A última dissertação a abordar a temática foi realizada por Trindade (2010). Diferentemente das pesquisas anteriores, que utilizaram métodos qualitativos, o autor utiliza uma análise quantitativa para compreender a recepção. Outra distinção é o fato de que o pesquisador não analisa uma novela em específico, mas um conjunto de narrativas: Senhora do Destino, América, Páginas da Vida, Paraíso Tropical, Duas Caras e A Favorita – seis novelas exibidas às 21h, na Rede Globo, entre 2003 e 200810. A escolha aconteceu em decorrência da proximidade do período de aplicação do questionário da pesquisa – metodologia de pesquisa escolhida pelo autor para realizar o estudo. O pesquisador é o único a realizar uma revisão bibliográfica sobre os estudos de recepção no campo da Comunicação Social e a apresentar de forma explicita sua filiação teórica à perspectiva da teoria das mediações, de Jesus MartínBarbero, utilizando o modelo das multimediações de Guillermo Orozco Gómez. Já na tese de Desidério (2013) a análise acontece a partir do processo de construção de discursos sobre homossexualidades suscitados pela telenovela Insensato Coração, estabelecendo relações entre a narrativa e a recepção de internautas em sites de notícia e redes sociais. A narrativa de Gilberto Braga foi exibida em 2011, pela Rede Globo. O estudo utiliza como perspectiva metodológica a Análise de Discurso de linha francesa, seguindo os postulados de Michel Pêcheux, e a teoria das representações de Serge Moscovici. A recepção é realizada a partir da análise de fragmentos discursivos presentes em uma comunidade da rede social Orkut, voltada especialmente para discussão da telenovela, e comentários de internautas em sites de notícia que visibilizaram as temáticas da homofobia e de homossexualidades em Insensato Coração. A descrição acima demostra que os pesquisadores utilizaram perspectivas distintas para realizarem os estudos de recepção sobre telenovela e LGBTs. Ainda que os Estudos Culturais sejam predominantes como perspectiva teórica, os auores articulam métodos e metodologias diferenciadas para percorrer os caminhos da recepção. Na próxima seção, serão apresentadas as duas principais vertentes teóricas de gênero explicitando as escolhas de cada uma das pesquisas analisadas.

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do Destino foi escrita por Aguinaldo Silva e exibida em 2005; América é de autoria de Glória Perez e também foi exibida em 2005. Páginas da Vida foi escrita por Manuel Carlos e exibida em 2006; Paraíso Tropical é de autoria de Manoel Carlos e foi exibida em 2007; Duas Caras foi escrita por Aguinaldo Silva e exibida em 2007; e A Favorita é de João Emanuel Carneiro, com veiculação em 2008.

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2 Estudos de Gays e Lésbicas e Estudos Queer – olhares sobre a homossexualidade Os estudos envolvendo gênero e sexualidade podem ser realizados a partir de múltiplos posicionamentos teóricos, com implicações diretas nas perspectivas de análise adotada pelos pesquisadores. Em termos gerais, é possível destacar que os estudos sobre a LGBTs se dividem em Estudos de Gays e Lésbicas e Estudos Queer. Para entender as implicações da adoção de cada uma das perspectivas – e as diferenças entre ambas – será apresentado um breve panorama sobre os estudos e como se posicionam diante de uma sociedade heteronormativa11. O primeiro campo de pesquisa emerge com os chamados Estudos de Gays e Lésbicas12 e apresenta uma ênfase nas discussões sobre homossexualidades – em detrimento de debates a respeito das demais orientações sexuais e identidades de gênero. Contemporâneos à segunda onda feminista, apresentam em sua formação a refutação do “essencialismo e fervor causal presentes nas primeiras incursões da chamada sociologia da homossexualidade nos anos 1950 e 1960” (SANTOS, 2006, p.2). Emergentes em um período histórico no qual a militância LGBT eclodia em busca de direitos igualitários, após séculos de preconceito, os teóricos deste momento tinham uma agenda de luta extensa. Denilson Lopes (1999) destaca como preocupação inicial deste grupo a recuperação da trajetória da homossexualidade como “uma voz esquecida, a afirmação do afeto entre duas pessoas do mesmo sexo como experiência comum na história da humanidade” (LOPES, 1999, p.121). Guacira Lopes Louro (2001) aponta que a partir dos anos 1970, intelectuais e militantes identificados com estes estudos passaram a se perceber como um modelo ‘étnico’. Gays e lésbicas eram representados como ‘um grupo minoritário, igual mas diferente’; um grupo que buscava alcançar a igualdade de direitos no interior da ordem social existente. Afirmava-se, discursiva e praticamente, uma identidade homossexual (LOURO, 2001, p.543).

Por heteronormatividade ou heteronormativo entende-se como um regime que “expressa às expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e, portanto, fundamento da sociedade. “(...) A heteronormatividade é um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até mesmo aqueles que não se relacionam com pessoas do sexo oposto. Assim, ela não se refere apenas aos sujeitos legítimos e normatizados, mas é uma denominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior e ‘natural’ da heterossexualidade” (MISKOLCI, 2009, p.156). 12 Também denominados como estudos de homoerotismo, em obras como A inocência e o vício, de Jurandir da Costa Freire (1995) e A forma estranha — ensaios sobre o homoerotismo, de Wilton Garcia (2000). 11

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A afirmação desta identidade era uma questão política e uma fronteira demarcada. “Imagens homofóbicas e personagens estereotipados exibidos na mídia e nos filmes são contrapostos por representações ‘positivas’ de homossexuais’” (LOURO, 2001, p.543). Conforme Richard Miskolci (2009), o discurso de transformação da homossexualidade em algo positivo teve como consequência um efeito de normatização baseado na heterossexualidade. O pressuposto heterossexista do pensamento sociológico era patente até nas investigações sobre sexualidades não-hegemônicas. A despeito de suas boas intenções, os estudos sobre minorias terminavam por manter e naturalizar a norma heterossexual (MISKOLCI, 2009, p.151).

Louro (2001) aponta que o discurso acabou questionado por adotar ideias convencionais e uma concepção de identidade homossexual única, sem compreender as especificidades de homossexualidades relacionadas com outros aspectos da identidade, como a classe social, identidades étnicas e identidade de gênero, por exemplo. Além disso, centraliza-se na temática de homossexualidades – negligenciando estudos que incluam bissexuais, travestis e transexuais, que posteriormente vieram a ser inseridos na mesma agenda enquanto movimento político. Este momento de questionamento oportuniza o surgimento da segunda perspectiva teórica: os Estudos Queer. Também criados nos Estados Unidos, no final dos anos 1980 – e, portanto, diretamente relacionados à terceira onda feminista – surgem como movimentos de contestação à perspectiva iniciada nos anos 1960. Com uma proposta de subversão da lógica binária, que regulava as fronteiras sexuais e de contestação ao enquadramento dos comportamentos dentro da heteronormatividade, os Estudos Queer iniciam se apropriando de um termo pejorativo para demonstrar sua disposição em manter-se como uma crítica na marginalidade: Queer pode ser traduzido como “estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordinário” (LOURO, 2001, p.546) ou “‘veado, puto, bicha’” (FERREIRA, 2014, p.65), e ainda como “teoria cu”, na proposta de decolonização do saber de Larissa Pelúcio Louro (2001) explica que a emergência de teóricos dispostos a questionar a heteronormatividade vigente e a própria política dentro dos movimentos sociais foi possível graças a uma perspectiva pós-estruturalista, na qual se vincula esta corrente de pensamento, e do diálogo com a formação de sujeito e das identidades na pósmodernidade. A perspectiva dos Estudos Queer tem como uma das premissas o questionamento dos binários homem/mulher e heterossexualidade/homossexualidade como identidades opostas e de caráter fixo. Após esta breve apresentação, destaca-se que, dentre os estudos analisados no presente artigo, três proposições estão mais alinhadas aos Estudos de Gays e Lésbicas 331

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(PERET, 2005; TONON, 2005; TRINDADE, 2010) e dois afirmam se alinhar aos Estudos Queer (GOMIDE, 2006; DESIDÉRIO, 2013). A diferença pode ser observada nos modelos de análise. Um exemplo é o estudo de Peret (2005), na qual o pesquisador classifica as personagens LGBTs em três enquadramentos: dentro de um modelo “pejorativo”, “não pejorativo” ou “dúbio” de acordo com a performatividade de gênero. Ou seja, personagens mais próximas de uma afetação, que poderiam ser classificados como “bichas” são compreendidos como “pejorativos”. Os modelos de representação não pejorativa são aqueles nas quais as personagens estão mais próximas de uma heternormatividade. As análises de Tonon (2005) e Trindade (2010) seguem o mesmo caminho dos Estudos de Gays e Lésbicas ao concluírem que há uma integração maior de homossexuais dentro das telenovelas ao destacar que as personagens deixaram de ser percebidas como “caricatas”, nos últimos anos. Nos três trabalhos, não há uma discussão sobre a utilização da perspectiva, que é possível identificar a partir das análises e pressupostos teóricos dos estudos. Apesar de afirmar que realizará a tese a partir dos Estudos Queer, Desidério (2013) produz uma análise que não condiz com os pressupostos estabelecidos por estes estudos. Ao mesmo tempo em que aponta a heteronormatividade presente em comentários que criticam a visibilidade de personagens LGBTs nas novelas, o pesquisador realiza críticas às personagens que não se enquadram dentro deste modelo, utilizando termos como “estereotipados” e “afetados”, para personagens que, dentro de uma perspectiva Queer poderiam ser considerados como desestabilizadores das normas de gênero e sexualidade. Percebe-se também esta contradição em termos utilizados pelo autor, como “homoafetividade” - rejeitado por autores dos Estudos Queer por higienizar identidades. A exceção é o trabalho de Gomide (2006). A pesquisadora se posiciona claramente dentro de uma perspectiva Queer. O resultado é um questionamento do enquadramento das personagens da novela analisada dentro de um modelo heteronormativo, bem como das leituras realizadas pelos receptores sobre a narrativa. Esta breve apresentação sobre as diferenciações entre os Estudos de Gays e Lésbicas e Estudos Queer e as posturas adotadas pelos pesquisadores nas pesquisas de recepção sobre LGBTs nas telenovelas demonstram uma hegemonia da primeira perspectiva teórica. Na próxima seção, serão apresentados os resultados obtidos nos estudos de recepção. 3 As leituras sobre LGBTs – os resultados

A maioria dos estudos sobre recepção e telenovela articula as leituras dos receptores com outras esferas da comunicação, como o texto e contexto. Neste sentido, esta seção apresenta os resultados gerais obtidos pelos pesquisadores em 332

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seus estudos, tanto no que se refere ao texto/contexto quanto no que se refere aos estudos de recepção. Após analisar um conjunto de cenas de Mulheres Apaixonadas, Peret (2005) identifica que as personagens lésbicas têm sua participação centralizada na sua sexualidade. Nas palavras do pesquisador: “o cotidiano das duas, do ponto de vista da telenovela, aparentemente se resume às questões ligadas à homossexualidade”, pois, ao contrário das personagens cisgênero heterossexuais da mesma idade, “elas não ficam doentes ou se machucam, não fazem seminários, nem provas em sala de aula, nem entregam pesquisas ou realizam trabalhos em grupo, raramente estudam em casa, não fazem compras em lojas ou mercados” (PERET, 2005, p.152). No que se refere à recepção, o pesquisador avalia que mais do que a sexualidade das personagens, o público adolescente de seu estudo detinha-se no fato do casal ser constantemente vítima de preconceito em decorrência da homossexualidade. Ao apresentar suas conclusões, afirma que “os resultados indicam que vários elementos conspiraram para que os telespectadores tivessem uma empatia positiva pelas personagens” (PERET, 2005, p.183) e que a telenovela tem importante papel na modificação da percepção social sobre a homossexualidade. Tonon (2005) tem conclusões diversas das de Peret (2005). Entre os resultados obtidos está o indicativo de que, apesar de todos os entrevistados afirmarem não terem preconceitos com relação aos homossexuais, mais da metade classificou a homossexualidade como uma “sexualidade desviante” – tanto a pesquisadora quanto os participantes do estudo não se referem à bissexualidade, a população de travestis e a transexualidade. Para alguns, a homossexualidade feria os princípios da família, enquanto outros eram utilizaram a religiosidade como justificativa. Aqueles que disseram ter dificuldade em aceitar a orientação sexual homossexual com naturalidade, alteraram suas posições-de-sujeitos, pois como telespectadores legitimaram a representação da homossexualidade na ficção, mas como membros da sociedade, professores, mães e católicos, demonstraram resistência. (TONON, 2005, p.149). Tonon (2005) relaciona a recepção com um clipping de textos de revistas e jornais a respeito da telenovela. A conclusão é de que “a homossexualidade ganhou visibilidade na mídia através da telenovela Mulheres Apaixonadas, que estimulou seu agendamento e a conquista de espaço na mídia, despertando a atenção do público sobre o assunto” (TONON, 2005, p.153). A autora também aponta que apesar de ter se tornado assunto legitimado pelos entrevistadores e tema de debate nacional, as “concepções sobre o tema (dos receptores) não foram modificadas em detrimento da representação da novela” (TONON, 2005, p.160). Destaca-se que, apesar de terem realizado estudos de recepção a partir da mesma narrativa, Tonon (2005) e Peret (2005) chegaram a resultados distintos em 333

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relação à interpretação dos receptores. Enquanto Tonon (2005) percebeu maior resistência dos espectadores, Peret (2005) identificou uma aceitação por parte do público em relação à temática. A discrepância pode ter sido ocasionada pelos grupos distintos com os quais se realizou a pesquisa. No trabalho de Peret (2005), alunos de uma escola pública, com idade semelhante à das personagens da trama analisadas, tiveram suas leituras analisadas. Enquanto no estudo de Tonon (2005) a faixa etária foi distinta das personagens. A identificação com as situações vividas – ainda que não diretamente com as da homossexualidade – pode ter sido um fator determinante para a maior aceitação dos adolescentes. Outro aspecto que pode ter tornado os resultados distintos é que, ainda que trabalhem com a recepção, os textos trabalham com âmbitos diferentes do processo de comunicação: enquanto Peret (2005) articula a recepção com o texto da telenovela, Tonon (2005) realiza um diálogo com o contexto de publicações sobre o assunto nos jornais e revistas. O primeiro consegue analisar e concluir as representações disponíveis para circulação a partir de Mulheres Apaixonadas. A segunda sinaliza para a reverberação destas representações nos demais produtos da mídia. Já os resultados obtidos pela pesquisa quantitativa de Trindade (2010) são reveladores. Entre os dados estão o que, por exemplo, 40,4% das pessoas entrevistadas acredita que as telenovelas são favoráveis à homossexualidade e ainda que, 39,4% avalia que passou a atribuir mais qualidades boas aos homossexuais do que anteriormente. O pesquisador aponta, em suas conclusões, que “a telenovela se configura como provocadora de debates, sem poderes demais nem poderes de menos, mas com influência significativa” (TRINDADE, 2010, p155). E ainda que “não fosse a telenovela, muitos dos telespectadores que hoje já se ‘relacionam’ com personagens LGBTs não teriam tido essa experiência, já que rejeitariam assistir a um filme de temática homossexual” (TRINDADE, 2010, p.156). No estudo realizado por Gomide (2006) destacam-se dois aspectos das conclusões: o grande temor das integrantes da comunidade virtual de que as personagens tivessem o mesmo destino das lésbicas de Torre de Babel13 e a concepção de que a adoção de uma criança pelas personagens foi ruim para o casal, na medida em que reduziu as cenas de afeto, alteradas pela rotina da sociabilização de uma criança14. Em linhas gerais, Gomide (2006) afirma que a telenovela apresentou o relacionamento entre o casal lésbico dentro de uma perspectiva de amor romântico, associado aos casais heterossexuais e de que a dupla não ameaça o status quo da moral vigente. Mas ainda significa um avanço nas representações de homossexuais 13 Telenovela de Silvio de Abreu, exibida em 1998, na qual o casal lésbico formado por Rafaela (Christiane Torlone) e Leila (Silvia Pfeiffer) foi retirado da trama, em uma explosão de shopping center, em decorrência de uma alegada rejeição do público com a relação homossexual. 14 O casal lésbico da trama adota uma criança que havia sido abandonada em uma caçamba de lixo.

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nas telenovelas. A análise de Gomide demonstra de forma significativa sua filiação aos Estudos Queer, na medida em que mesmo considerando importante a ampliação da visibilidade, realiza ponderações sobre esta inclusão. A novela Senhora do Destino representou personagens homossexuais de maneira discriminatória. Ainda assim, apesar de estar longe de ser uma representação pura e simples de um relacionamento amoroso humano, a forma como foi mostrado um romance lésbico nessa ficção seriada brasileira representou uma inovação na representação social de lésbicas do Brasil. (GOMIDE, 2006, p.194).

Desidério (2013) realiza alguns apontamentos distintos dos demais estudos: o autor é o único a sinalizar a importância da recepção da audiência para a construção de uma narrativa aberta como as telenovelas. O pesquisador indica que as reações do público – via redes sociais e comentários em portais de internet – podem ter contribuído para mudanças na trama. O autor aponta para formações discursivas distintas na recepção, categorizadas em três variáveis “favoráveis à homossexualidade e contrários à homofobia”; “favoráveis à homossexualidade e contrários à homofobia, mas discordantes da exibição íntima de homossexuais”; “contrários à homoafetividade”. Uma sinalização interessante é a de que a heteronormatividade atravessa não apenas o discurso das pessoas contrárias à homossexualidade, mas também de pessoas que se dizem favoráveis a esta orientação sexual, mas contrárias à visibilidade nas telenovelas. Ao destacar o merchandising social, o autor aponta que a novela promove uma discussão amplificada de temas considerados polêmicos e necessários para a construção de novas formas de cidadania e visibilidade. Estes resultados permitem concluir que, de maneira geral, as pesquisas de recepção sobre LGBTs nas telenovelas apontam a ampliação de uma perspectiva favorável do público sobre a temática, ainda que dentro de determinados limites e com algumas controvérsias nas leituras. Na próxima seção, serão apresentadas algumas considerações sobre os trabalhos apresentados ao longo do presente artigo.

4 Alguns caminhos para um estudo de recepção e LGBTs

Os estudos de recepção de LGBTs nas telenovelas são recentes e bastante diminutos. Realizados em apenas cinco estudos, todas datadas dos últimos nove anos, as pesquisas têm sido realizadas, em sua maioria, por pesquisadores alinhados a perspectiva teórica dos Estudos Culturais. À exceção de Peret (2005) e de Desidério (2013), os demais utilizam os Estudos Culturais, citando tanto a tradição originária desta perspectiva teórica – os estudos britânicos – quanto a vertente latinoamericana. O método de pesquisa qualitativa é uma constante, ainda que haja a 335

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exceção da pesquisa de Trindade (2010) – que também se vale de premissas qualitativas para interpretar os dados coletados a partir de sua pesquisa quantitativa. Em relação aos estudos de gênero e sexualidade, observa-se que as pesquisas estão, majoritariamente, enquadradas dentro de uma perspectiva de gênero e sexualidade dos Estudos de Gays e Lésbicas. Via de regra, estes trabalhos não refletem sobre qual posicionamento político e teórico adotam com relação ao gênero e sexualidade, mas é possível constatar a perspectiva adotada a partir das conclusões dos autores – que celebram a maior visibilidade de gays e lésbicas, mesmo que altamente regulada, como analisa Stuart Hall (2013) a respeito do deslocamento da invisibilidade de minorias para uma visibilidade que segue as normas. Destaca-se que, ainda que sejam importantes para a construção de um campo de pesquisa sobre telenovelas e a população LGBT, os estudos de recepção analisados apresentam lacunas. As pesquisas apresentam poucas reflexões sobre os estudos de recepção e a metodologia utilizada, assim como quase nenhuma ponderação com relação aos estudos de gênero e sexualidade. Outro problema verificado ao se analisar o conjunto de pesquisas realizados é o de que, ao centralizarem a sexualidade como objetos de estudos e não relacionarem-na com outros aspectos que compõe a identidade, tais como gênero, classe social, raça e faixa etária, as pesquisas acabam por silenciar diversas nuances. Discrepâncias que existem nestas formações de identidade como, por exemplo, na representação/leituras de homossexuais de classes populares e homossexuais de classes média/alta ou entre mulheres e homens homossexuais. Além disso, os estudos centralizam-se na discussão de homossexualidades, sem refletir sobre sujeitos bissexuais, travestis e transexuais. Outra ausência, esta talvez ainda mais fundamental, está nas leituras de LGBTs sobre as representações desta parcela da população nas telenovelas. O único trabalho a realizar esta pesquisa, de Gomide (2006), é o mais falho no que se refere a pesquisa de recepção. A própria pesquisadora admite que, em decorrência do tempo escasso, não se dedicou as especificidades de um estudo de recepção na internet e interpretou, da mesma forma que o texto da telenovela, o discurso de uma comunidade virtual. Os demais trabalhos, ainda que falhos em metodologia, apresentaram protocolos para realizar seus estudos através de grupos focais, entrevistas ou questionários. Neste sentido, é possível afirmar que os estudos sobre a recepção de personagens LGBTs nas telenovelas apresentaram, hegemonicamente, resultados das leituras de cisgêneros heterossexuais sobre representações apenas da homossexualidade. São leituras do outro, que desconsideram as múltiplas variáveis das identidades, isolando-a como caráter único da personalidade. Estudos importantes para o campo ainda em expansão, mas que deixam lacunas para que pesquisas futuras aprofundem aspectos ainda não revelados.

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Para além da televisão: o WhatsApp como extensão de diálogos de telenovelas mexicanas no Brasil Joana d’Arc de NANTES1 Paula FERNANDES2

Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ Resumo: O presente artigo se propõe a analisar a recepção de telenovelas mexicanas no aplicativo de celulares WhatsApp. A pesquisa tem como corpus o grupo “Drama Mexicano – DM”, que é composto atualmente por vinte e um jovens e adultos entre 18 e 31 anos, homens e mulheres, residentes em diferentes regiões do Brasil. Como metodologia deste estudo realizou-se uma etnografia virtual no grupo, bem como a aplicação de um questionário e entrevistas com os membros. Dessa forma, buscou-se demonstrar que o WhatsApp tem se consolidado como um ambiente comunicacional para interação de grupos que compartilham interesses em comum, como, por exemplo, produtos midiáticos tal qual telenovelas mexicanas. Palavras-chave: WhatsApp; telenovela mexicana; recepção. 1 Introdução Na década de 1980, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) iniciou a prática de compra e exibição de telenovelas mexicanas no Brasil. José Salathiel Lage – responsável pelo núcleo de dublagem do SBT naquele período – justifica em entrevista para Arlindo Silva, que se optou pelas telenovelas mexicanas pelo preço. Segundo ele, essas tramas custavam 25% menos que as produções nacionais e obtinham mais audiência. Lage destaca que nessa fase inicial, cerca da metade das telenovelas que ia ao ar era importada e a outra metade era produzida pelo SBT (SILVA, 2000, p. 111).

Bacharela em Produção Cultural e Bacharela em Estudos de Mídia, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestranda em Comunicação – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 2 Bacharela em Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Viçosa – UFV. Mestranda em Comunicação Social – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 1

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De acordo Bronosky (1998), a escolha por produtos mexicanos também tinha como objetivo atingir as camadas mais populares (BRONOSKY, 1998, p. 34). Em conformidade com essa perspectiva, Luciano Calegari, diretor superintende do canal na época, declarou para a Veja que o SBT iria começar com um apelo popular para criar o hábito e depois iriam se sofisticar. Dessa forma, segundo ele, fariam o mesmo caminho que a concorrente TV Globo. Contudo, a estratégia de aproximação com as camadas populares não se constituiu como uma fase provisória, mas como uma marca da emissora do Silvio Santos. Ainda que tenha se atualizado no decorrer dos anos e extinguido programas ditos “popularescos” – tal como “O Povo na TV” –, a emissora manteve o caráter popular e a valorização nas classes C e D (MIRA, 2001). Nesse contexto, as telenovelas mexicanas permaneceram na grade da emissora e conquistaram telespectadores brasileiros. Nos anos 2000, por exemplo, 65%3 das telenovelas transmitidas pelo SBT eram mexicanas e, em 2010, as tramas importadas ganharam um horário fixo na grade da emissora no período vespertino. A partir da década de 1990, outras emissoras no Brasil também passaram a importar telenovelas estrangeiras. A Rede Bandeirantes4, por exemplo, exibiu atrações de distintas nacionalidades, dentre elas: a telenovela venezuelana “Maria Celeste” (1997), a mexicana “Traição” (1997) e a portuguesa “Olhos de Água” (2004). Em 2015, a Band começou a transmissão de produções turcas5, apresentando “As Mil e Uma Noites”, “Fatmagul: A Força do Amor” e, em 2016, “Sila: Prisioneira do Amor”. A emissora Rede TV! também aderiu a prática de importação, entre as tramas destaca-se a telenovela colombiana “Betty, a Feia” (2002), que garantiu durante sua exibição a terceira posição na audiência, conseguindo, eventualmente, ocupar o segundo lugar (MATTOS, 2003). Mesmo que de forma não muito expressiva, as telenovelas estrangeiras também foram incorporadas a TV por assinatura no Brasil. De 2011 a 2013, a operadora OI TV transmitiu o TLN Network – canal de televisão por assinatura da Televisa – que apresentava produtos ficcionais mexicanos dublados em português. Já no ano de 2014, o canal fechado +Globosat exibiu a trama “A Rainha do Tráfico”, uma coprodução da rede de televisão americana Telemundo e da colombiana RTI. Salienta-se que com avanço tecnológico o acesso às tramas importadas não se restringiu ao meio televisivo. Tornou-se possível a difusão de telenovelas estrangeiras e de tantos outros produtos ficcionais pela internet, via streaming, Netflix, sites como YouTube, Dailymotion e outros. Devido as transformações digitais e a evolução da internet alguns teóricos defendem que seja o fim da televisão,

Dado coletado em pesquisa monográfica da autora intitulada Audiência da telenovela mexicana no Brasil: o caso de A Usurpadora, defendida na Universidade Federal Fluminense em 2016. 4 A Rede Bandeirantes também é conhecida como Band. 5 As produções turcas exibidas pela Rede Bandeirantes são originalmente séries com distintas temporadas, mas no Brasil são apresentadas no formato diário de telenovelas. 3

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contudo, argumenta-se, neste trabalho, que a televisão deve se adaptar, mas está longe do fim. Assim como apontam Orozco e Miller: “Não podemos prever o futuro da TV na América Latina – mas podemos dizer com confiança que as reivindicações de sua morte são exageradas”6 (OROZCO; MILLER, 2016, p. 99, tradução nossa). Nota-se, nessa conjuntura de mudanças tecnológicas, que os próprios telespectadores passaram a compartilhar tramas on-line e algumas emissoras fizeram o mesmo. No decênio de 2010, o SBT começou a distribuir no meio digital a íntegra dos conteúdos que compõem sua grade (dentre eles as telenovelas brasileiras e estrangeiras). De mesmo modo, a rede de TV mexicana Televisa também chegou a disponibilizar seus materiais, mas os retirou após criar a sua plataforma on-demand paga, intitulada Blim. Assim como se propagaram os dispositivos nos quais é possível ver esses produtos ficcionais, os debates sobre as telenovelas também passaram a circular por diferentes meios. Se antes as discussões se concentravam majoritariamente no cotidiano familiar, atualmente observa-se que ele tem se deslocado muito para o ambiente virtual. Como pontua Campanella (2010), novas tecnologias como blogs, fóruns on-line e o Twitter são adotados pela audiência para debater conteúdos que lhe pareçam pertinentes. Neste contexto, destaca-se o aplicativo para dispositivos móveis WhatsApp Messenger, ambiente virtual usado para a realização desta pesquisa. Objetiva-se neste trabalho demonstrar que essa ferramenta tem se consolidado como um espaço onde o público interage, troca informações e constrói laços em torno de interesses em comum, como, por exemplo, telenovelas mexicanas. Para o embasamento das ideias aqui propostas, realizou-se uma etnografia virtual no grupo “Drama Mexicano – DM”, bem como a aplicação de um questionário e entrevistas on-line com os membros. 2 O WhatsApp

Criado em 2009 por Brian Acton e Jan Koum, o WhatsApp é um aplicativo para celulares do tipo smartphones que possibilita a troca de mensagens sem custos por SMS (mensagem de texto convencional), sendo necessário para a utilização da ferramenta estar conectado à internet. Através dele é possível enviar textos, imagens, vídeos, áudios e arquivos para uma pessoa ou grupos, que podem ser compostos por até 256 pessoas. Também é possível utilizá-lo por meio de um computador, porém, exige que o celular esteja ligado simultaneamente. O WhatsApp apresenta diversas aplicabilidades no contexto contemporâneo, facilitando a troca de informações e o acesso a pessoas e a redes de contatos independente da natureza de relação entre eles. Desta forma, pode ser empregado em

Texto original: “We cannot predict the future of TV in Latin America – but we can say with confidence that the claims for its demise are overstated.” (OROZCO; MILLER, 2016, p. 99).

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conversas diárias, sobre inúmeras questões, com quem tem-se um relacionamento próximo, como amigos e familiares, por exemplo, mas também com pessoas desconhecidas, uma vez que para estabelecer um diálogo é preciso somente o número de telefone que está conectado ao aparelho celular. Desse modo, muitos usuários dessa ferramenta têm criado grupos na plataforma e divulgado em sites de redes sociais para que outras pessoas deixem os números telefônicos e possam ser adicionadas, formando novos espaços de contato e interação. As motivações para a criação desses grupos são variadas, entre elas alguns se reúnem para conversar sobre produtos midiáticos que gostam, como é o caso do grupo “Drama Mexicano – DM”, que compõe o corpus de análise deste trabalho. Na perspectiva deste estudo, esses grupos criados podem ser considerados comunidades virtuais de associação (RECUERO, 2014), uma vez que carregam características semelhantes desses agrupamentos. Segundo Recuero (2014), esse tipo de construção grupal não necessita de interação direta ou formação de laços prévios entre seus integrantes para se constituírem como comunidades. Ainda de acordo com a autora, “[...] comunidades de associação parecem agregar-se em torno de interesses comuns voltadas para a identificação e o “estar junto” mais independente da interação social mútua entre os atores” (RECUERO, 2014, p.162). Nessas comunidades as interações sociais são reativas, não pressupõem interação direta entre os atores ou mesmo interação social no sentido de conversação. Compreende-se ainda, neste trabalho, que de acordo com a dinâmica desses grupos no WhatsApp, com o aumento do nível de interação e proximidade dos membros, é possível que se tornem comunidades virtuais emergentes (RECUERO, 2014). Para isso é necessário que haja reciprocidade entre os atores sociais, bem como trocas comunicativas constantes. 3 Drama Mexicano – DM: o grupo de análise

Em 2012, foram criados a página no Facebook “Drama Mexicano – DM”7 e o grupo no mesmo site de rede social, intitulado “Drama Mexicano – O grupo”8. A página conta com mais de 37 mil curtidas9 e veicula informações relacionadas com produtos midiáticos de origem latino-americana de maneira geral, não restritos ao México. Tendo em vista as limitações de interações na página do Facebook, uma vez que as postagens são de um para muitos (LEMOS, 2003) e os espaços de interação se restringem aos comentários, os administradores decidiram criar o grupo. O “Drama Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2016. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2016. 9 Dado coletado em 5 de junho de 2016. 7 8

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Mexicano – O grupo”, que possui mais de 15 mil membros10, foi criado para que houvesse uma maior interação entre os admiradores de produtos latino-americanos. Inicialmente, nele eram criados diariamente tópicos com o título do capítulo da telenovela que estava sendo exibida no SBT para que pudessem ser comentados, porém com o passar do tempo essa prática foi abandonada. Observa-se, então, como característica do grupo postagens de notícias relacionadas com a temática do espaço. Em 2013, com o objetivo de criar mais um espaço para comentar sobre as telenovelas mexicanas que estavam sendo transmitidas pelo SBT, a administradora do DM fez um grupo no aplicativo WhatsApp chamado “Drama Mexicano – DM”. Para entrar nele é necessário deixar o número de celular em um tópico fixo no grupo do Facebook e para se manter como membro no aplicativo a pessoa deve ser ativa, participando das discussões e compartilhando conteúdo constantemente, caso o contrário ela é excluída. No período da pesquisa11, o grupo do “Drama Mexicano – DM” era formado por 2 homens e 19 mulheres, entre 18 e 31 anos, residentes nos seguintes estados do Brasil: Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. No que se refere ao grau de escolaridade, mais da metade possuía o nível superior incompleto, em andamento ou concluído. Em relação à renda familiar, 8,3% recebia até um salário mínimo, 58,3% tinha uma renda de dois a três salários mínimos e 33,3% possuía uma renda de quatro a seis salários mínimos. 4 Metodologia

De acordo com Hine, “uma etnografia na internet possibilita que se observe em detalhes as formas pelas quais a tecnologia é experienciada em uso”12 (HINE, 2000, p. 4, tradução nossa). Visando compreender os usos, as apropriações e as interações feitos pela recepção de telenovelas mexicanas no aplicativo WhatsApp, optou-se como metodologia deste estudo a realização de uma etnografia virtual (HINE, 2000) no grupo “Drama Mexicano – DM”. No que tange ao método empregado, acredita-se que é fundamental a imersão na comunidade estudada para que se entenda as suas particularidades. Dessa forma, buscou-se constantemente interagir no grupo. Porém, havia uma preocupação de manter um certo afastamento, tendo em vista o lugar de pesquisadora e, em determinados momentos, – especialmente em casos que ocorreram discussões ou que os assuntos traziam opiniões muito contrárias dos integrantes – evitou-se participar. Vale ressaltar também que duas pesquisadoras integraram este estudo e enquanto

Dado coletado em 5 de junho de 2016. A pesquisa foi realizada nos meses de abril e maio de 2015. 12 Texto original: “An ethnography of the Internet can look in detail at the ways in which the technology is experienced in use.” (HINE, 2000, p. 4). 10 11

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uma estava inserida na comunidade, a outra se manteve fora, com um olhar mais distanciado, analisando apenas os dados coletados. A entrada no grupo ocorreu em fevereiro de 2015 por uma das autoras desta pesquisa para a realização de um trabalho anterior voltado para o estudo de fãs da telenovela “A Usurpadora” no Brasil. Para integrar a comunidade no WhatsApp foi contatado diretamente um dos moderadores através de mensagem privada no Facebook, explicitado a condição de pesquisadora e solicitada a participação. Apesar da inserção na comunidade ter ocorrido em 2015, o trabalho de etnografia virtual para a realização deste estudo concentrou-se nos meses de abril e maio de 2016 e culminou na coleta de 3804 dados13, distribuídos em 3609 mensagens textuais (incluindo os emojis), 183 imagens, 3 vídeos e 9 áudios. Em paralelo a essa coleta de dados foram feitas anotações relativas as interações observadas dentro do grupo. O desenvolvimento desta pesquisa abarcou também a aplicação de um questionário composto por 26 perguntas abertas e fechadas distribuído on-line para os membros do grupo e entrevistas estruturadas. 5 Análise dos dados

Todas as vezes que um membro entra no grupo ele é saudado pelos participantes com a expressão “seja bem viado(a)”. Trata-se de um hábito na comunidade que começou a ser usado após o corretor ortográfico do celular de uma das pessoas trocar “seja bem-vindo” por “seja bem viado”. Geralmente após algumas saudações alguém se prontifica a explicar ao novo integrante o motivo do uso da expressão, como eles dizem “O Bem Viado é tradição”. Dessa forma, o primeiro contato é sempre informal e por todos se apresentarem e cumprimentarem o novo participante a impressão é de um ambiente receptivo. Durante a pesquisa observou-se que a interação no grupo é constante. Na maioria dos dias os diálogos eram longos e com diversos assuntos. Poucas vezes as conversas se restringiram apenas a saudações como, por exemplo, “Bom dia!”. Nos momentos que o grupo estava com um menor volume de conversa havia uma cobrança, como ilustra a fala de um dos membros: "Boa tarde povo ocupado. Bora prosear que esse grupo tá mais parado que jogo de série C". Através da análise averiguou-se que embora o grupo tenha sido criado inicialmente com o intuito de comentar sobre as telenovelas mexicanas, os assuntos discutidos e os conteúdos compartilhados são variados. Entre eles identificou-se uma regularidade de temáticas que foram categorizadas da seguinte forma: a) telenovelas mexicanas; b) atrizes e atores mexicanos; c) músicas latino-americanas; d) programação do SBT; e) programação da Televisa; f) telenovelas nacionais; g) séries;

Os dados foram coletados através de captura de tela das conversas no aplicativo. Em acordo com os membros essas imagens não serão divulgadas para preservar a privacidade do espaço. Para exemplificação serão apresentados apenas alguns trechos transcritos sem identificação dos membros. 13

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h) futebol; i) comida; j) assuntos sobre a vida pessoal. Em meio a esses tópicos, os mais recorrentes são os que estão relacionados com a cultura mexicana, especialmente com as telenovelas. Enquanto as discussões de cunho pessoal não são muito frequentes e também não são aprofundadas nas conversas. Mediante os dados quantitativos constatou-se que 100% dos membros assistem telenovela pela televisão e às vezes utilizam de outros dispositivos como o celular e o computador. Mas independente do meio, eles afirmam sempre buscar comentar sobre as tramas, frequentemente em tempo real, como se estivesse assistindo juntos fisicamente, como retrata o diálogo abaixo: Pessoa 1: Tô vendo mcet14 Pessoa 2: Eu tmb Pessoa 1: A velha tem um fogo no rabo que dá licença kk Pessoa 2: Cena de coração indomável 15 em mcet (sequência de emojis de coração) Pessoa 1: Eu vi. A cena épica da lama

Para os integrantes, assistir e comentar no WhatsApp é algo “prazeroso”, eles podem saber a opinião dos outros membros. Além disso, segundo eles, não haverá julgamentos, pelo contrário, todos têm interesse por telenovelas mexicanas. Nesse sentido, eles descrevem o aplicativo como um espaço mais próximo e seguro para se discutir uma temática que não é valorizada enquanto um produto midiático: A gente tem um gosto em comum que é novela mexicana e esse gosto não é muito bem aceito para a maioria das pessoas. Geralmente a gente é zoado, porque a gente gosta de telenovela mexicana. E lá todo mundo gosta, então, eu acho que por causa disso, tudo o que a gente fala que a gente gosta, ninguém julga. (Mulher, 22 anos de São Paulo, em entrevista).

De fato, por intermédio da observação participante foi possível notar que os participantes se sentem à vontade para abordar todo o tipo de assunto. Por exemplo, o sexo, que poderia ser considerado um assunto tabu e é tão velado nas tramas mexicanas, era citado com naturalidade e por vezes reclamavam sobre o corte deles nas cenas desses produtos audiovisuais. Além da segurança descrita sobre o aplicativo, para os membros, o WhatsApp é um espaço rápido e instantâneo, diferente de outras mídias sociais. Nesse sentido, é necessário destacar que a ferramenta apresenta formas de interações diferente de sites de redes sociais. Sem a possibilidade de “curtir” o que outra pessoa fala, como existe, por exemplo, no Facebook, os membros de grupos na plataforma são colocados MCET é a sigla usada para a telenovela mexicana “Meu coração é teu” que foi exibida no SBT em 2016. 15 “Coração indomável” é uma telenovela mexicana exibida no SBT em 2015. 14

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em situações de diálogos constantes, o que, em certa medida, corrobora com a criação de laços entre eles. Relacionado ao aspecto instantâneo do aplicativo, pontua-se que muitos comentários feitos simultaneamente enquanto assistem às tramas são pontuais e só fazem sentido naquele momento específico. Assim, exigem uma interação imediata do outro, o que ocorre com frequência no grupo. Notou-se que mesmo que nem todos participem, ao menos um dos membros irá responder e comentar a cena. Ao questioná-los se havia diferença em conversar sobre telenovelas mexicanas pessoalmente e através do aplicativo, 58,3% afirmou que não e 41,7% disse que sim. Para os que disseram haver diferença, as justificativas indicaram que o WhatsApp trazia mais liberdade e que pelo aplicativo “as conversas fluíam mais”, uma vez que mais pessoas interagiam ao mesmo tempo. As discussões sobre os dramas mexicanos não se restringiam aos que estavam sendo exibidos pelo SBT, muitas vezes os diálogos tratavam de tramas que ainda não foram transmitidas no Brasil e eles estavam assistindo on-line ou que já haviam sido exibidas e eles relembravam. As telenovelas mexicanas também aparecem através das imagens compartilhadas no grupo, a maior parte delas são memes16 que fazem referência à alguma trama, imagens de elenco ou print screen17 de notícias vinculadas no Twitter sobre as telenovelas. Além disso, a imagem principal do grupo é trocada toda a sextafeira e contém sempre a foto de um ator ou atriz mexicano(a). Pontua-se que em relação aos vídeos, nenhum deles estava associado com os dramas mexicanos. No que se refere às categorias identificadas como distantes dos produtos midiáticos mexicanos, tais como: séries; futebol; comida; assuntos sobre a vida pessoal. Assinala-se que as três primeiras estavam associadas com o momento e a instantaneidade do diálogo sobre os tópicos, uma vez que eram assuntos quando a pessoa estava assistindo uma série ou quando estava sendo exibido um jogo de futebol ou quando estavam comendo algo. Tratava-se sempre de assuntos no instante em que o fato estava ocorrendo. Já os assuntos ligados a vida pessoal, eles eram raros e variados, por exemplo, algumas vezes os participantes comentavam sobre estar doente, as vezes falavam sobre a vida profissional, mas sempre de forma rasa, sem aprofundar nessas temáticas. O grupo é o descrito positivamente por todos os membros, tanto nas entrevistas, quanto nos questionários. Eles retratam o grupo como um ambiente “ótimo”, “legal”, de “entretenimento” e os classificam como uma “família”. Assim, mesmo não havendo relevante exposição da vida privada, os membros se veem como amigos e o espaço do WhatsApp é tido por eles como um espaço que permite uma maior proximidade do que sites de redes sociais. 16

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Imagens com caráter cômico que são compartilhadas no ambiente virtual. Captura de tela.

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Pontua-se que apesar da convivência ser descrita nas falas como harmoniosa. Observou-se que existem conflitos entre os membros. Em alguns momentos os embates foram claros, porém, em outros a ironia era sutil, com o uso de emojis, por exemplo. Algumas vezes os embates estavam relacionados com as telenovelas. Porém, notou-se que os conflitos geralmente estavam relacionados a algum assunto ligado diretamente a algum aspecto da vida pessoal dos membros. Em relação a essa questão, destaca-se a diferença do modo como os integrantes reportam o grupo e como o pesquisador percebe a dinâmica, só foi possível alcançar essa contradição devido a imersão na comunidade, a qual permitiu averiguar as particularidades do espaço e comparar com as respostas apresentadas pelos integrantes. 6 Considerações finais

A presente pesquisa foi realizada a partir do entendimento da recepção como um processo que antecede e prossegue o ato de assistir televisão (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002). Neste trabalho, compreende-se que “o sentido primeiro apropriado pelo receptor é por este levado a outros cenários em que costumeiramente atua” (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002, p. 40). Tratando-se dos dias atuais, frente aos avanços tecnológicos e o constante surgimento de novas mídias, destaca-se a afirmação de Orozco (2011) de que a mudança nos processos de recepção está na localização das audiências, presentes em diferentes telas (OROZCO, 2011, p. 381). Dessa forma, de mesmo modo que a recepção não se inicia no grupo do WhatsApp, ela não se encerra na ferramenta. O aplicativo refere-se a um ambiente no qual ela perpassa e, portanto, merece ser analisado. Observou-se que assim como as telenovelas fazem parte do cotidiano dos membros, o grupo no WhatsApp também passa a fazer parte. Eles criam o hábito de debater sobre os produtos midiáticos mexicanos naquele ambiente. Porém, isso não quer dizer que as conversas pessoalmente se esgotaram, eles apenas ampliaram o espaço de discussão. Constatou-se também que o grupo no aplicativo se configura no local em que os integrantes criam laços a partir do consumo em comum. Eles partilham valores (representados nas tramas), interesses, gostos, preferencias, entre outras coisas. Em relação ao WhatsApp, salienta-se que é importante complexificar a questão do espaço enquanto de maior proximidade. A internet ao mesmo tempo que aproxima – no que se refere ao seu caráter instantâneo e simultâneo –, ela também distancia – no que diz respeito a distância física e/ ou territorial. Dessa forma, a proximidade deve ser relativizada, tendo em vista que sempre será marcada pela distância física. Por fim, é importante acrescentar considerações acerca da pesquisa no ambiente virtual, que apresentou vantagens e desvantagens. Em relação aos benefícios, destaca-se o fato de não haver a necessidade do deslocamento. Desse 347

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modo, pode-se ampliar o escopo e alcançar pessoas distantes e de diferentes regiões. Enquanto, como desvantagem tem-se o aspecto das respostas poderem ser mais facilmente manipuladas. Mesmo que as pessoas utilizem seus números de telefones celulares no grupo do WhatsApp, não há garantia de veracidade, o mesmo se aplica as respostas ao questionários e entrevistas, que neste estudo foram realizadas on-line. Referências

BRITTOS, Valério Cruz. A televisão no Brasil hoje: a multiplicidade da oferta. In: XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 21., 1998. Recife. Anais eletrônicos do XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Disponível em . Acesso em: 2 de junho de 2016.

BRONOSKY, M. E.. As Telenovelas do SBT. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 1998, Recife. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 1998. Disponível em: . Acesso em: 2 de junho de 2016. CAMPANELLA, Bruno. Novos desafios teóricos para os estudos do consumo televisivo. Revista Eco-Pós (Online), v. 13, p. 5-13, 2010. COMO Funciona. WhatsApp Messenger. . Acesso em: 5 jun. 2016.

2016.

Disponível

em:

ESTILO Mexicano. Veja, Abril, ed. 708, p. 90, 31 mar. 1982. Disponível em: . Acesso em: 14 de junho de 2015. HINE, Christine. Virtual Ethnography. London: Sage, 2000.

LEMOS, A. Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época. In: LEMOS, A; CUNHA, P (org.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003. LOPES, M.I.V.; BORELLI, S.H.S. e RESENDE, V.R. Vivendo com a telenovela. Mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus Editorial, 2002.

MATTOS, Laura. Rede TV! engata "namoro" com grupo venezuelano Cisneros. Folha de São Paulo, 29 jun. 2003. Disponível em: . Acesso em: 2 de junho de 2016. MIRA, Maria Celeste. Circo eletrônico: Silvio Santos e o Sbt. 1ª ed. São Paulo: Loyola, 2001.

OROZCO, Guillermo. La condición comunicacional contemporânea. Desafíos latinoamericanos de la investigación de las interacciones en la sociedad red. In: JACKS, Nilda (Coord.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito: CIESPAL, 2011. p. 377-408.

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OROZCO, Guillermo; MILLER; Toby. Television in Latin America Is “Everywhere”: Not Dead, Not Dying, but Converging and Thriving. Media and Communication, v.4, ed.3, p.99-108, 2016. RECUERO, R. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2014.

SILVA, Arlindo. A Fantástica História de Silvio Santos. 5ª ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2000.

Autores

Joana d’Arc de Nantes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem interesse nas seguintes áreas de pesquisa: estudos culturais; recepção; telenovela; cultura fã; dentre outros temas. E-mail: [email protected] Paula Fernandes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem como principal área de interesse pesquisas envolvendo estudos culturais online, cibercultura (como consumo e produção colaborativa), redes sociais e seus desdobramentos, cultura pop contemporânea e interferências de novas formas de comunicação no cotidiano da sociedade como um todo, fãs e sua importânica no cenário atual e celebridades e suas interações virtuais. E-mail: [email protected]

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Reflexões Sobre Identidade na Obra de Mia Couto: Uma Análise do Conto “O Adiado Avô” Lourdes Ana Pereira SILVA1 Maria Auxiliadora Fontana BASEIO2 UNISA, São Paulo, São Paulo

Resumo: Este artigo objetiva analisar o conceito de identidade no conto “O adiado avô”, de Mia Couto (2009), publicado na obra O Fio das Missangas. Do ponto de vista metodológico, este trabalho é de natureza bibliográfica e busca evidenciar, pela revisão de literatura, o conceito de identidade. A questão que se coloca é como compreender o conceito de identidade no contexto de produção moçambicano e como ele pode ser lido em outros contextos? No conto em análise, é possível verificar diversos demarcadores identitários, tanto simbólicos, quanto sociais, a exemplo dos ditados populares, classe, raça, geração, gênero e linguagem, corroborando, desse modo, que a identidade é uma das temáticas importantes abordadas por Mia Couto e capaz de ser compreendida e fruída em outros espaços culturais. Palavras-chave: Identidade; Literatura; Mia Couto; Estudos de Recepção. 1 Introdução

Toda estória se quer fingir verdade. [...]. Toda verdade aspira ser estória. Os factos sonham ser palavra, perfumes fugindo do mundo. Se verá neste caso que só na mentira do encantamento a verdade se casa à estória. (Mia Couto).

1 Lourdes Ana Pereira Silva – Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Docente do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e do Curso de Comunicação da Universidade de Santo Amaro - UNISA. 2 Maria Auxiliadora Fontana Baseio – Doutora pela Universidade de São Paulo – USP. Docente do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e do Curso de Letras da Universidade de Santo Amaro - UNISA.

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A

formação

da

identidade

inseparavelmente

está

relacionada

ao

reconhecimento, ou ainda, à ausência dele. Nas últimas décadas do século XX, a compreensão

desse

conceito

foi

profundamente

afetada

pelas

tendências

multiculturalistas que se intensificaram a partir dos anos 80. As questões de

identidades supunham um sujeito fixo, com raízes, costumes, territórios, tempo longo

e de memória simbolicamente densa. Nos dias atuais, identidade implica, também, transformações perceptivas e expressivas do presente, migrações e mobilidades, redes de fluxos, instantaneidades, fluidez, raízes móveis ou raízes em movimento. A

identidade é caracterizada, atualmente, a partir de palavras como complexa, mutável, impalpável. No entanto, apesar dessas caracterizações acerca da identidade e do

sujeito, em um mundo que se transforma rapidamente, algumas identidades ainda

permanecem.

[...] as identidades são uma espécie de garantia de que o mundo não se desfaz tão velozmente como às vezes parece. São uma espécie de ponto fixo do pensamento e do ser, um fundamento da ação, um ponto ainda existente no mundo em mudança. (HALL, 2010, p. 343, tradução nossa).

A identidade transforma-se não somente nos contextos sociais onde ela se dá,

mas também a partir dos sistemas simbólicos que oferecem e dão sentido à nossa existência. Assim, o conceito de Ortiz nos parece esclarecedor ao definir identidade

como uma construção simbólica, o que elimina, portanto, possíveis dúvidas sobre a veracidade ou a falsidade do que é produzido (ORTIZ, 1994), ou ainda, do que é narrado.

Especificando identidade na perspectiva familiar, o conceito de identidades

coletivas é bastante elucidativo. Hall (2010) afirma que estamos sempre inscritos e implicados nas práticas e nas estruturas da vida dos demais. É desse modo que as

identidades vão se constituindo paulatinamente e vão produzindo sentidos (o que é

sempre parcial, dado seu caráter relacional) de continuidade aos indivíduos, que, por sua vez, adotam posicionamentos para os demais membros da família.

Para Hall (2010), a relação com o passado se constrói a partir da memória, da

fantasia e do mito; ou seja, as histórias têm seus efeitos reais, materiais e simbólicos.

É necessário ressaltar que essas narrativas estão em contexto, ou seja, o discurso está

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situado desde um lugar e um momento determinado, desde uma história e uma cultura específica.

Assim, a identidade é vivenciada como construção individual e a família é um

modo de identidade coletiva. Entretanto, a lógica da identidade é a da profundidade interior em que o sujeito pode se reconhecer e isso é um elemento de continuidade.

Do mesmo modo, a constituição das identidades individuais configura-se na

complexidade da vida social, suscitando necessidade de agrupamentos de modo coletivo, isto é, supõe vários discursos que se cruzam (HALL, 2010). De tal modo, a

aptidão de um indivíduo de pensar como indivíduo e de poder qualificar suas

individualidades é determinada por suas interações, experiências sociais e modos de

compreender o mundo. O eu se constrói e é construído por meio de negociações consigo mesmo e também em suas interações com o outro.

O estudo sobre identidade implica múltiplos níveis de análise. Geralmente,

uma das primeiras classificações a que os estudiosos do assunto recorrem para distinguir o fenômeno é a identidade pessoal e a social (CASTELLS, 1999). É nessa ótica que “não existe uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de identidades,

construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos” (ORTIZ, 1994, p.8).

2 Identidades e narrativas Diversos autores abordam a questão da identidade relacionando-a à narrativa,

destacando-a como construção discursiva. Hall alerta para o fato de que, como discurso, a cultura produz sentidos que influenciam “tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 2006, p. 51).

Para Barthes, “a narrativa está presente em todos os tempos, em todas as

sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade” (BARTHES,

2001, p.103), o que demonstra que a capacidade de narrar é inerente ao ser humano e

ele necessita dessa forma de organização da experiência para se constituir, à medida da reelaboração como possibilidade de reviver e recriar o vivido.

É desse modo que a noção de narrativa mostra-se fundamental para entender

o conceito de identidade. Segundo Paul Ricoeur, uma narrativa é

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uma história [que] descreve uma sequência de ações e de experiências feitas por um certo número de personagens, quer reais, quer imaginários. Esses personagens são representados em situações que mudam ou a cuja mudança reagem. Por sua vez, essas mudanças revelam aspectos da situação e das personagens e engendram uma nova prova (predicament), que apela para o pensamento, para a ação ou para ambos. A resposta a essa prova conduz a história à sua conclusão. (RICOEUR, 1994, p. 214).

Para o autor, a identidade pessoal não está determinada previamente, como se

fosse possível a objetivação definitiva, mas é continuamente reconstruída a partir da referência ao outro.

Martín-Barbero resgata J.M. Marinas e Homi Bhabha para enfatizar que “a

relação da narração com a identidade é constitutiva: não há identidade cultural que

não seja contada” (MARTÍN-BARBERO, 2006, p.63). García Canclini afirma que “a

identidade é uma construção que narra” (2005, p.129). “Ao se tornar um relato que

reconstruímos incessantemente, que reconstruímos com os outros, a identidade torna-se também uma co-produção” (GARCÍA CANCLINI, 2005, p. 136). Silva (2006)

também concebe a identidade como resultado de atos da criação linguística, isto

significa dizer que a identidade é criada por meio de atos de linguagens, necessitando, portanto, ser nomeada. Os sentidos de identidade se dão também por meio da

linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais são representados (WOODWARD, 2000).

A produção de narrativas sobre o eu e sobre o mundo é cada vez mais parte

constitutiva dos modernos processos de construção de identidades. Ao fazer a

narrativa do quem sou eu, os indivíduos e grupos fazem memória do seu passado, sistematizam, dão sentido a suas experiências e vivências e dão forma à sua vida

social. Disso decorre a necessidade da representação para ajudar a compreender o

mundo e suas complexas relações. A noção de linguagem implica tanto as palavras,

como os modos de expressão com os quais o indivíduo e os grupos se definem por meio da interação com os outros.

Sendo a literatura uma construção cultural permeada pelo imaginário, em que

histórias, memórias e sonhos se imbricam e manifestam percepções sobre si, sobre o outro, sobre o lugar e tempo em que se vive, torna-se possível, por meio dela,

compreender não só a cultura, como também as identidades que desfilam nesse 353

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espaço de encenação que compõe o jogo textual. Como fenômeno de linguagem e

prática simbólica, a literatura constitui-se como um sistema semiótico que faz dialogar o estético e o histórico. Cada escritor opera com aquilo que se projeta como

eleição de sua sensibilidade para compor seu projeto artístico, capturando e

organizando ficcional e intencionalmente a realidade à sua maneira, constituindo-se uma espécie de palco a pressupor, em seus bastidores, três instâncias: a produtiva, a

receptiva e a comunicativa. No dizer de Iser (2011, p.107), “os autores jogam com os leitores e o texto é o campo do jogo”.

A partir de sua inserção em um lugar e tempo, o escritor prefigura e configura

seu “mundo encenado”, selecionando e articulando elementos que o constituirão e, de acordo com o referido autor (ISER, 2013), ele nem sempre tem controle do que

ocorrerá na recepção, no processo de transfiguração realizado pelo leitor. Esses elementos se combinam no jogo textual e abrem espaço para a recriação por parte do

leitor. Pela qualidade polissêmica do texto literário, a interpretação demanda uma

multiplicidade de significados que ultrapassam o horizonte de expectativas de sua origem. Exatamente por essa qualidade de interlocução apresentada pelo objeto ficcional,

podem-se

operacionalizadas.

tecer

reflexões

que

engendram

as

análises

aqui

3 Reflexões sobre a identidade no conto “O adiado avô”, de Mia Couto No conto do autor moçambicano Mia Couto, a identidade do avô aparece na

voz do narrador, o filho, que apresenta o descontentamento de seu pai ao se tornar avô e da tentativa de sua mãe Amadalena em mediar o conflito existencial do marido, conforme se verifica no trecho abaixo:

Nossa irmã Glória pariu e foi motivo de contentamentos familiares. Todos festejaram, excepto o nosso velho, Zedmundo Constantino Constante, que recusou ir ao hospital ver a criança. No isolamento de seu quarto hospitalar, Glória chorou barbas e aranhas. Todos os dias seus olhos patrulharam a porta do quarto. A presença do nosso pai seria a bênção, tão esperada quanto o seu próprio recém-nascido. (COUTO, 2009, p. 33).

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Quando Glória dá à luz”, Zedmundo sente-se perdido em sua identidade. Nesse

sentido, a identidade depende da diferença encontrada nas relações sociais que

resultam um processo simbólico e discursivo. O nascimento do neto desloca a

identidade de Zedmundo e surgem novas construções simbólicas e sociais que se

misturam, impregnadas por um novo contexto.

Zedmundo não foi ao hospital visitar o neto e nem deu importância ao

pequeno quando este chegou a casa. O neto cumpriu o primeiro aniversário sob rejeições do avô.

A avó ameaçou, estava farta, cansada. Desta vez, dada a quentura do assunto, Amadalena preferiu escrevinhar num papel. Em letra gorda, ela decretou: ou o marido se abrandava ou tudo terminava entre eles. Ele que saísse, procurasse outro lugar. Ou era ela mesma que se retirava. (COUTO, 2009, p.35).

O sentimento do personagem Zedmundo, a negação em ser avô, permite

pensar, conforme Hall (2010), em uma “crise de identidade” ocasionada pelo

nascimento do neto. Essa identidade conflituosa carrega, no seu bojo, as mudanças familiares, que interferem diretamente no Ser Zedmundo. As identidades construídas

pelo viés familiar são contestadas, marcadas pela perda das certezas. Além da

identidade individual, surgem os deslocamentos do sujeito, dos quais novas identidades emergem: além de ser marido e pai, também é avô, mesmo e contra sua vontade, ou seja, não existe mais um centro, mas vários centros.

Ser avô para Zedmundo sugere produzir novas formas de representação de

acordo com o meio social em que atua, exercendo diferentes papéis. Nesse contexto, as diferentes identidades entram em movimento de acordo com a situação ou restrição apresentadas.

Não saiu ele, nem ela. Quem se mudou foi Glória. Ela e o marido emigrados na cidade. E com eles o menino que era o consolo de nossa mãe. Ela mais emudeceu, em seu já silencioso canto. Não passaram semanas, nos chegou a notícia - o genro falecera na capital. Nossa irmã, nossa Glorinha perdera o juízo com a viuvez. Internaram-na, desvalida como mulher, desqualificada como mãe. E o menino, mais neto agora, chegava no primeiro machimbombo. O menino entrou e meu pai saiu. Enquanto se retirava, já meio oculto no escuro ainda disse: - Tudo o que você não falou, está certo, Amadalena, mas eu não aguento. O nosso pai saiu para onde? Ainda

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nos oferecemos para o procurar. Mas a mãe negou que fôssemos [...]. Voltou dias depois, dizendo-se agredido por bicho feio, quem sabe hiena, quem sabe um bicho subnatural? Surgiu na porta, ficou especado [...]. Meu velho emagrecera abaixo do tutano, e em seus olhos rebrilhavam as mais gordas lágrimas. (COUTO, 2009, p.36).

Hall define as identidades como pontos de apego temporário às posições-de-

sujeitos que as práticas discursivas constroem para nós (HALL, 2000). As identidades para o autor são o “resultado de uma bem-sucedida articulação ou "fixação" do sujeito ao fluxo do discurso”. (HALL, 2000, p. 111).

Como as identidades são móveis e “fluídas”, pode-se verificar que algumas

personagens do conto também modificam seu comportamento individual na

perspectiva familiar. A personagem da avó, em meio à crise familiar, assume a paternidade do neto e do marido e se configura como a grande heroína do conto.

A avó Amadalena, mesmo com a limitação da linguagem, transgride o seu

comportamento e representa a força do matriarcado:

Amadalena se assustou: Zedmundo estreava-se em choro. Seu marido perdera realmente o fio do aprumo, sua alma se havia assim tanto desossado? Depois, toda ela se adoçou, maternalmente. E se aproximou do marido, acatando-o no peito. E sentiu que já não era apenas o espreitar da lágrima. O seu homem se desatava num pranto. Vendo-o assim, babado, e minguado, minha mãe entendia que o velho, seu velho homem, queria, afinal, ser sua única atenção (COUTO, 2009, p. 36).

O retorno de Zedmundo a casa é marcado por um perfil psicológico que

evidencia o ciúme pelo neto, uma vez que imaginou que perderia seu lugar, que

perderia o reconhecimento da sua esposa. A representação da personagem feminina na construção do conto assinala que as diferenças entre a avó e o avô não ocorrem

apenas no aspecto de gênero ou da linguagem, em que o avô é representado como

aquele que fala e a avó como muda, “com a voz adormecida”, mas também no campo afetivo, nas atitudes, uma vez que a avó é quem conduz a todos, oferecendo abrigo e proteção em meio à crise familiar. Nesse contexto, a avó representa a conciliadora em

meio às dificuldades e busca garantir o bem estar dos seus.

Ainda que o nome da personagem Zedmundo Constantino Constante faça

alusão ao que não muda, ao inalterável, invariável e fixo, a narrativa da sua identidade 356

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é marcada por contradições (característica peculiar no recente conceito de

identidade) daquilo que cultural e socialmente é esperado de um avô. Há uma espécie

de ruptura entre: quem é e quem devia ter sido, conforme evidencia o avô ao reivindicar sua identidade: “[...] primeiro, não fomos nós porque éramos filhos.

Depois, adiámos o ser porque fomos pais. Agora querem-no substituir pelo sermos

avós” (COUTO, 2009, p.35).

No conto, as relações estabelecidas no contexto familiar em suas diferentes

gerações é um espaço de multiplicidades, onde diferentes valores, concepções, experiências, crenças e relações sociais se compõem e fazem do cotidiano familiar

uma rica e complexa estrutura de sujeitos. Embora o cotidiano de Zedmundo esteja organizado em função de um “aqui”, sua realidade não se esgota nessas presenças imediatas, uma vez que engloba fenômenos que não se encontram presentes no “aqui

e agora” (BERGER; LUCKMANN, 1985), isso evidencia quão múltipla é a realidade, mesmo a do universo literário. Essas relações se confrontam com uma estrutura social que está fundamentada num padrão de família e de sociedade. Assim, é

imprescindível considerar o sujeito contextualizado no tempo e no espaço – pais e filhos, avós e netos – atuantes no cenário familiar. É desse modo que a pluralidade da família tem também relação com as dinâmicas de cada indivíduo, de cada membro

que dela faz parte, ou seja, tanto o comportamento individual, quanto o social são considerados na constituição familiar.

Nesse jogo textual em que se fazem presentes as reflexões sobre as várias

identidades, Mia Couto deixa refletir sua cosmovisão, seu estilo, bem como os

diálogos que estabelece com a história de seu país. Amadou Hampâte Ba (apud

MATOS,2005, p.79) costumava dizer que “na África é contando histórias que se constrói

a aldeia”. O escritor assume a voz do contador transcriada em letra na página do livro

para se solidarizar com as diversas vozes que compuseram a história moçambicana. É

legível no texto a denúncia das marcas deixadas pela colonização. A emergência das

identidades tanto do colonizador, quanto do colonizado, é histórica, pois está situada em um ponto específico no tempo. “Uma das formas pelas quais as identidades

estabelecem suas reivindicações é por meio do apelo a antecedentes históricos”. (SILVA, 2000, p.11).

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Cabe-nos analisar os processos de significação que se interpõem entre a fala e

o silêncio das personagens nesse impulso de trazer à memória a história da colonização.

A narrativa “O adiado avô” se tece pelo contraponto entre a

possibilidade da fala e sua recusa, assim como entre a impotência do silêncio e sua eloquência.

E repetia a infinita e inacabada lembrança, esse episódio que já conhecíamos de salteado. Mas escutamos, em nosso respeitoso dever. Que uma certa vez, o patrão português, perante os restantes operários, lhe intimou: - Você, fulano, o que é que pensa? Ainda lhe veio à cabeça responder: preto não pensa, patrão. Mas preferiu ficar calado. - Não fala? Tem que falar, meu cabrão. Curioso: um regime inteiro para não deixar nunca o povo falar e a ele o ameaçavam para que não ficasse calado. E aquilo lhe dava um tal sabor de poder que ele se amarrou no silêncio. E foram insultos. Foram pancadas. E foi prisão. Ele entre os muitos cativos por falarem de mais: o único que pagava por não abrir a boca (COUTO, 2004, p. 36)

O silêncio manifesta-se como exercício de resistência por parte de uma voz

social que construiu sua identidade a partir da dominação colonial, de maneira que a comunicação entre as personagens se reforça pelo silêncio. Mia Couto dá voz ao

homem comum, entretanto este recusa a fala. Nesse sentido, o autor é eloquente,

empresta sua voz e fala pelo personagem, fazendo do conto um exercício de linguagem em favor daqueles destituídos desse poder.

O autor declara, em entrevista à Revista Via Atlântica, não ser “tanto um

construtor de narrativas”, mas um “construtor de personagens”: “depois eu vou

inventando histórias para que essa personagem tenha sentido” [...] o que se acende,

aquilo que se ilumina, são personagens, são pessoas. [...] Acho que o prazer da escrita está aí, é tu saberes que estás a inventar histórias para pessoas que não têm história”.

(COUTO, 2005, p.216). Ou mesmo para aquelas cujas narrativas de vida não referendam as aspirações hegemônicas.

Na construção dessas personagens se faz possível refletir sobre a problemática

da identidade. A negação do direito à palavra implica a negação do direito de ser, a

rejeição da identidade. O conto é permeado por essa recusa, uma vez que negar a palavra é negar a existência. O próprio espaço doméstico é caracterizado pelo

silêncio. O avô, quando desconsidera o balbuciar do neto, consequentemente faz 358

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ficção audiovisual e literária

referência ao patrão português que lhe concede a voz em uma espécie de armadilha. Zedmundo cala-se por saber que, caso se pronunciasse, não seria levado a sério pelo

patrão. Se o homem moçambicano já sofria ao se sentir impotente, a mulher

certamente sofria mais. Assim, a comunicação de Amadalena com os demais

personagens ocorre principalmente por meio da linguagem não-verbal (gestos,

suspiros, abracejos, resmungos, etc.) e, somente ao final do conto é que ela se expressa com a linguagem verbal, ao escrever o bilhete ao marido. “Dona Amadalena

sempre falara suspiros. Porém, em tons tão precisos que aquilo se convertera em língua. Amadalena suspirava direito por silêncios tortos”. (COUTO, 2009, 34-35).

Em geral, o velho, nas narrativas de cultura oral, representa a voz da

experiência, o portador da sabedoria, o guardião da memória a ser compartilhada

com o mais novo, a fim de assegurar valores e a unidade do grupo. Para ter assegurada a identidade, nas culturas colonizadas, é necessário, ter voz para contar

histórias. E o velho Zedmundo adia essa tarefa. A única memória que compartilha é a do silenciamento.

O adiado avô, na tentativa de postergar esse encontro com a criança que nasce

– metáfora da esperança – resiste ao contato físico e afetivo assegurador da

transmissão da experiência, qualidade de conhecimento que pode ser partilhado na

reinvenção de um novo modo de ser-estar moçambicano. Como afirma Laura

Cavalcanti Padilha:

[...] não se pode esquecer que o novo caminhava com o velho, mostrando-se que só pelo ou com o passado o futuro se pode construir. (PADILHA, 1995, p.44).

O futuro implica uma nova identidade: “Seja meu filho, Zedmundo, me deixe ser

sua mãe. E vai ver que esse nosso neto nos vai fazer sermos nós, menos sós, mais avós”.

(COUTO, 2009, p. 37). O título “O adiado avô” sugere o adiamento da construção da moçambicanidade.

Para Mia Couto, o escritor tem compromisso com a transformação da

sociedade, por isso sua literatura posiciona o leitor entre o velho e o novo, a memória e as possibilidades do vir-a-ser. Declara o autor em Pensatempos:

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Os escritores moçambicanos cumprem hoje um compromisso de ordem ética: pensar este Moçambique e sonhar outro Moçambique.[...] esperamos pelo reacender do amor entre a escrita e a nação enquanto casa feita para sonhar. (COUTO, 2005, p.63).

Ao escolher a narração como forma de organização textual e o conto como

gênero, o autor retextualiza a magia da palavra do contador, valorizando uma

sociedade para a qual o gesto vocal é portador de uma força capaz de enlaçar os homens, na medida em que recompõe a memória. Essa escolha apresenta-se como uma espécie de libertação afetiva. Para ele, o conto assim se define:

O conto é feito com pinceladas. É um quadro sem moldura, o início inacabado de uma história que nunca termina. O conto não segue vidas inteiras. É uma iluminação súbita sobre essas vidas. Um instante, um relâmpago. O mais importante não é o que revela, mas o que sugere, fazendo nascer a curiosidade cúmplice de quem lê. No conto o que vale não é tanto o enredo mas o surpreender em flagrante a alma humana. No conto (como em qualquer gênero literário) o mais importante não é o seu conteúdo literário, mas a forma como ele nos comove e nos ensina a entender não através do raciocínio mas do sentimento. (COUTO, 2005, p.46).

Contar implica interação presencial e afetiva entre narrador e leitor por meio

da performance, tal como propõe Paul Zumthor (1993). Por meio de um narrador que

se reveste de contador, o escritor resgata as formas artesanais da narração

reveladoras de uma experiência que se projeta pela escuta. Sabemos que a fala implica a condição do que em nós se direciona para o outro. A escuta pressupõe

acolher e abrir-se ao diferente. Os dois necessários movimentos, falar e escutar,

compõem-se como duas maneiras de se aproximar afetivamente do outro. Essa troca que as personagens principais não conseguem realizar por força de sua trágica história é o que realiza o narrador-contador. O conto revela-se como um texto de linguagem sobre a recusa da linguagem. E nesse sentido, o silenciamento é eloquente.

Antes, eu jurara contar esta história à minha irmã. Mas agora, lembro as palavras de meu pai sobre o aprender a calar. E decido que nunca, mas nunca, contarei isso a ninguém. Minha mãe que é muda que conte. (COUTO, 2009, p.40).

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Assim, vale analisar o modo como o autor africano opera com os recursos de

linguagem de maneira a denotar a singularidade de seu projeto estético. Várias são as

marcas de oralidade a compor ludicamente o corpo do texto. É recorrente a

intertextualização dos provérbios e ditos populares, como “chorou babas e aranhas”; “já não restava sombra de glória”; “Amadalena suspirava direito por silêncios tortos”, entre outras com as quais dá vida a seu plano de retecer o tradicional no moderno, resgatando, nas marcas da letra, o gesto vocal tradutor da experiência.

Como “ideogramas de uma narrativa”, ou “ruínas de antigas narrativas”, no

entender de Walter Benjamin (1994), os provérbios, formas sintéticas de sabedoria

popular, resgatam tradição e, retecidos às avessas, servem de recurso para

questionar, verdades estabelecidas. Rita Chaves (1999, p.160) elucida: “se num mundo movido pelo dinamismo das mudanças sociais, o provérbio pode ser encarado como uma expressão de conformismo, num universo calcado na imobilidade e na

exclusão, a fala popular ganha tons de subversão”. É inegável a preocupação do

escritor moçambicano em operar com esses ditados não apenas para fixar, na

memória, a experiência vivida, mas também para subvertê-la, dando voz a essa cultura silenciada e desvalorizada ao olhar hegemônico. Mia Couto opta por colocar

em contiguidade, no seu projeto estético, tessituras que se reconhecem como ‘falescrita’ ou ‘oralitura’. Desse modo, o autor “afirma uma estética da

moçambicanidade, caracterizada pela convergência dos modelos da tradição oral com os da escrita”, orientando-se fundamentalmente “por um espírito de afirmação da identidade cultural e da identidade de uma literatura que, sendo jovem, percorre ainda os caminhos de sua definição, ou seja, por uma necessidade de construir uma

imagem de moçambicanidade e conferi-la às suas obras.” (MATUSSE, 1998, p.158159).

A língua portuguesa, seu instrumento de comunicação, é tratada como um

sistema aberto e afetivo ao criar interessantes diálogos entre a tradição oral e a

tradição literária. Dessa maneira, evidenciam-se as trocas linguísticas, “os encontros e

desencontros entre valores culturais”. Mia Couto (2005, p.208-209), em entrevista à Revista Via Atlântica, afirma: “O que me fascina são as margens onde essas coisas se

convertem em uma só coisa, onde essas identidades se misturam, convergem”. Com

essa mistura de registros e projeção de identidades, o autor amplia a possibilidade de 361

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encantamento do leitor, que ali se reencontra, fazendo de sua recepção criativa uma oportunidade de leitura de si mesmo. Considerações Finais Compreender o conceito de identidade no contexto de produção moçambicano

torna-se tarefa desafiadora e de extrema importância a partir da constatação de que a

temática é das mais recorrentes na ficção do escritor, tendo em vista a necessidade

histórica de afirmação da identidade cultural daquela nação pós-independência, bem como da definição da identidade de uma literatura que ainda se apresenta iniciante,

embora passível de ser compreendida e fruída não apenas em Moçambique, mas em outros espaços culturais.

Mia Couto extrai do contexto social, histórico e cultural moçambicano o

substrato para sua produção artística e o faz com consciência de linguagem,

inserindo, em seu texto, recursos estéticos que dão forma à sua cosmovisão, tanto no

plano do conteúdo, quanto no plano da expressão. Nesse sentido, o autor gestualiza

ou griotiza o texto, de forma a criar possibilidades de convivência entre identidades

diversas. O velho e o novo se abraçam; ‘griot’ e escritor se enredam costurando tradição na modernidade. O que se projeta no fingir estético de Mia Couto é uma forma de traduzir a realidade moçambicana em letra.

É inegável que a verdade se tece para cada pessoa, cada cultura, em cada

tempo e lugar da história humana. Assim, o que se apresenta como verdade para o escritor pode ser recebido de forma diversa pelo leitor.

Sabemos que ficcionalizar é uma atividade eminentemente humana e também

partilhamos da ideia de que a matéria narrável é sempre a vida humana e seus complexos enigmas. Nesse sentido, é preciso tomar em conta as possíveis interações entre o texto, o autor e o leitor. Não cabe exclusivamente ao escritor o poder de guiar

a leitura, mas ao leitor a habilidade em completar os vazios do texto, recriando-o em

diferentes locais e tempo, porque a matéria prima de que se faz a arte literária é de

alta plasticidade, ultrapassando atemporalmente seu contexto de produção. A experiência estética não se reconhece apenas no polo de sua produtividade, mas se

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entrevê, também, no âmbito de sua receptividade, em uma espécie de “aceitação em liberdade” (JAUSS, 1979, p.83)

Entendemos que a experiência estética compõe-se como uma práxis que

envolve a compreensão fruidora, bem como a fruição compreensiva, reafirmando a

literatura como um fenômeno interativo e, como toda arte, atemporal. A busca da identidade sempre foi um exercício tão antigo e atemporal quanto a própria narração engendrada na aventura humana.

À guisa de conclusão, cumpre ponderar sobre o caráter interpretativo singular e

jamais único que se estende no âmbito da recepção desse texto, bem como ressaltar

que a polissemia dessa análise engendra uma dinâmica interdisciplinar, visto se desdobrar e fazer comunicar diferentes áreas do conhecimento - Estudos Culturais e a

Literatura -, em cujas bordas torna-se possível elaborar reflexões sobre a condição do homem contemporâneo considerando toda sua complexidade. Referências

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ficção audiovisual e literária

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Autores Lourdes Ana Pereira Silva - É professora Titular da Universidade de Santo Amaro (UNISA) no Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e nos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda. Possui doutorado em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. É Bacharel em Comunicação - Publicidade e Propaganda pela Universidade Ceuma. Realizou estágio de mestrado no exterior junto à Universidade de Coimbra, em Portugal. É uma das líderes do Grupo de Pesquisa Processos Metodológicos. Integra o Obitel - Observatório Ibero Americano de Ficção Televisiva. Atua na área de Comunicação, com ênfase nas interfaces entre comunicação, mídia, recepção, ficção televisiva, identidade e metodologia. Email: [email protected] Maria Auxiliadora Fontana Baseio - Professora Titular do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade de Santo Amaro (UNISA), com Doutorado em Letras – Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa - pela Universidade de São Paulo (Entre a magia da voz e a artesania da letra: o sagrado em Manoel de Barros e Mia Couto - 2007). Possui Mestrado em Letras também pela Universidade de São Paulo (No vaivém da lançadeira: o retorno do sagrado na literatura infantil/juvenil de língua portuguesa - 2000). É Bacharel em Letras pelo Centro Universitário Ibero-Americano (1989), com Licenciatura Plena em Português-Inglês e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1992). É líder do grupo de Pesquisa: Arte, Cultura e Imaginário e pesquisadora do grupo Produções Literárias e Culturais para Crianças e Jovens, vinculado à Universidade de São Paulo. Email: [email protected]

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O Velho e o Novo: As Apropriações de Fãs de Telenovela em Tempos de Convergência das Mídias Otávio CHAGAS ROSA1 Gustavo DHEIN2 Camila MARQUES3

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

Resumo Este artigo resulta de uma pesquisa de caráter exploratório cuja finalidade é analisar as apropriações da trama por parte dos fãs da telenovela Velho Chico no que diz respeito a questões referentes a gênero. Valemo-nos, para tanto, das publicações e comentários produzidos pelos receptores do referido produto ficcional em um grupo dedicado especificamente a ele no Facebook. Teoricamente, é apresentado um tensionamento a respeito das implicações das mudanças tecnológicas nos estudos de recepção, em diálogo com a perspectiva dos Estudos Culturais. Quanto ao protocolo metodológico adotado, aproximamo-nos da perspectiva da Teoria Fundamentada como método (FRAGOSO, RECUERO E AMARAL, 2011) e classificamos as publicações e comentários coletados por meio do processo de codificação aberta, o que possibilitou o reconhecimento de padrões e elementos relevantes para a análise em questão. Palavras-chave: Recepção; Convergência; Telenovela; Gênero. 1. Introdução “A recepç~o televisiva deixou seu claustro histórico: o quarto de ver televisão na casa cada vez mais se localiza em qualquer parte” (OROZCO, 2011, p. 381). Este enunciado do notável intelectual mexicano dá a tônica do que será abordado nas linhas que seguem. Cada vez mais a experiência de ver televisão tem se transformado no contexto da cultura da convergência. 1

Otávio Chagas Rosa - Mestrando, Universidade Federal de Santa Maria– UFSM. Gustavo Dhein - Doutorando, Universidade Federal de Santa Maria– UFSM. 3 Camila Marques - Doutoranda, Universidade Federal de Santa Maria– UFSM. 2

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Ao observarmos produtos culturais tradicionalmente transmitidos pela televisão e a circulação de suas audiências pelos sites de redes sociais digitais, nos impressionamos com a riqueza empírica presente nas manifestações de recepção coletiva de grupos em torno de determinada novela, filme ou noticiário. Essa audiência compartilhada tem permitido a muitos pesquisadores uma observação sistemática acerca dos modos de apropriação da televisão e nos fornecem pistas, em outro nível de investigação, sobre as negociações de sentido de determinadas temáticas sociais. Isto posto, o presente artigo pode ser compreendido como uma pesquisa de caráter exploratório, cuja finalidade consiste em analisar as apropriações de fãs de telenovela em um ambiente online no propósito de averiguar como questões de gênero são apresentadas e/ou problematizadas nas publicações e comentários produzidos pelos receptores do referido produto ficcional. O objeto eleito para esse estudo compreende um grupo criado por aficcionados em Velho Chico, da Rede Globo, na rede social Facebook. A escolha por problematizar gênero a partir da telenovela surge alicerçada nos pressupostos de que: a) esse produto midiático ainda ocupa papel de protagonista no cotidiano dos brasileiros, especialmente as produções da Rede Globo; b) é na trajetória dos personagens, assim como nas representações do amor e da sexualidade, que se expressa de maneira mais bem acabada a capacidade das telenovelas em congregar experiências públicas e privadas (LOPES, 2009, p. 28); e c) no contexto atual, a produção de identidades, tanto como a de cidadanias, passa necessariamente por diferentes telas (OROZCO GÓMEZ, 2011, p. 392). Assegurado isso, apresentaremos um breve tensionamento a respeito das implicações das mudanças tecnológicas nos estudos de recepção. 2. A recepção e as novas mídias A abordagem dos estudos de recepção retratada neste trabalho dá-se em diálogo com a perspectiva dos Estudos Culturais – com uma maior ênfase na vertente latinoamericana. Com isso, compartilhamos da proposição que compreende o receptor, desde antes do fenômeno da internet, como um sujeito ativo, dotado da capacidade criativa de reelaboração, ressignificação e ressemantização dos conteúdos massivos. Por essa ótica, o consumo midiático não é apenas reprodução de forças, mas também produção de sentidos, uma vez que aquilo que se consome passa decisivamente pelos usos que lhe dão forma social (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 292). Sublinhado esse potencial autônomo – e isso se faz necessário como um contraponto ao pensamento dos demasiado entusiastas da cibercultura – compreendemos, todavia, que a dimensão do receptor como produtor de sentidos ganha maior amplitude e palpabilidade no atual contexto da convergência, em que as audiências compartilham, comentam e produzem conteúdo na internet. Cogitamos, em 367

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consonância com Lopes (2013, p. 13), a hipótese de que talvez nunca tenhamos acompanhado tamanho fluxo de conteúdos que perpassem as diversas mídias e que, ao reinventarem-se a partir de cada uma delas, tais conteúdos tornem-se um produto passível de trânsito em todas elas. Ao trazermos o termo convergência para o debate, adotamos o conceito cunhado por Henry Jenkins, no qual os conteúdos das novas e das velhas tecnologias tornam-se híbridos, reconfigurando a relação entre indústria, mercados, gêneros e públicos. Na concepção do autor, o fenômeno da convergência não ocorre apenas por meio de aparelhos, por mais sofisticados que eles sejam. Ele se d| “dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros” (JENKINS, 2009, p. 30). Em virtude disso – e também na medida em que os consumidores são impelidos a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de diferentes mídias – “a convergência representa uma transformaç~o cultural” (JENKINS, loc. cit.). Uma aproximação possível a essa formulação pode ser observada nos desdobramentos da mediação tecnicidade, sugerida por Martín-Barbero em Ofício de Cartógrafo. No citado trabalho, o intelectual pronuncia que o lugar da cultura na sociedade muda quando a mediação tecnológica da comunicação deixa de ser meramente instrumental para se converter em estrutural: a tecnologia remete hoje não à novidade de alguns aparelhos, mas a novos modos de percepção e de linguagem, a novas sensibilidades e escritas, à mutação cultural que implica a associação do novo modo de produzir com um novo modo de comunicar que converte o conhecimento em uma força produtiva direta (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 228-229).

Reconhecer a importância da tecnicidade hoje, não mais como apenas um instrumento, mas como algo inscrito na estrutura do conhecimento e da vida cotidiana (LOPES, 2014, p. 74), nos possibilita vislumbrar novos caminhos para os estudos de recepção. Um deles, e que reflete uma significativa transição, insere-se no reposicionamento do sujeito, “que ya no es m|s ‘o lado oscuro de la recepcíon’” (OROZCO GÓMEZ, 2011, p. 378). As audiências cada vez mais se fazem visíveis e vão tomando forma e presença amplificada em diversas publicações. Neste contexto, os avanços tecnológicos, em particular a internet, significaram uma mutação na combinação de acesso dos atores individuais à discursividade midiática, produzindo transformações inéditas nas formas de circulação e nos próprios circuitos por onde circula a informação (Id. 2014, p. 131). A despeito dessas novas perspectivas de compreender a circulação, atentamos para o fato de que ela deixa de ser um elemento “invisível ou insond|vel” no processo de comunicação para ser concebida como um dispositivo com claros níveis de evidência, organizando novas possibilidades de interação entre a mídia e a recepção (FAUSTO NETO, 2010, p. 55). Frente a isso, faz-se perceptível a transição do receptor por diferentes mídias, rompendo zonas clássicas de fidelização com vários dispositivos. “É a ameaça de sua permanência em uma ‘zona de solid~o’, provocada pela circulaç~o, que 368

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leva as mídias a redesenhar seus produtos e, sobretudo, seus protocolos de interação com os seus consumidores” (Ibid., p. 64). Restringindo a discussão para o âmbito das telenovelas brasileiras, produto midiático abordado neste texto, percebemos modificações no contexto de produção, circulação e consumo, sendo a internet um importante meio para difusão e construção de narrativas, que antes ficavam restritas ao meio televisivo. Consequentemente, outras formas de assistir as telenovelas se fazem possíveis. Essa realidade, por exemplo, já foi constatada pela Rede Globo (JACKS et al., 2011, p.309), que tem investido em estratégias de divulgação e circulação de suas telenovelas em diferentes plataformas midiáticas. Frente a essas constantes mudanças, nas quais a fragmentação e diversificação das audiências configuram-se como forte tendência, os estudos de fãs tornam-se cada vez mais importantes. O nosso entendimento sobre “f~” dialoga com a proposiç~o de Maria Carmem Jacob (2007, p. 4), que os compreende como consumidores assíduos de telenovelas e de produtos associados. Para além disso, eles tendem a participar de rodas de conversa sobre as tramas, de grupos e fóruns de discussão para trocarem informações sobre a elas e a respeito da experiência da fruiç~o. Muitos também “manifestam a experiência apaixonada de consumo e participam ativamente de redes sociais para compartilhar sensações, sentimentos, sentidos gerados nos modos de “ver e usar” as telenovelas” (Ibid. p. 5). Com isso em vista, empreenderemos uma reflexão sobre os possíveis atravessamentos das telenovelas na conformação das identidades de gênero. 3. Telenovelas e gênero

A produç~o televisiva ficcional funciona como “recurso comunicativo”, ativando a correspondência entre o habitus do mundo narrado e o habitus vivido pela recepção (LOPES, 2009) e isso permite processos de identificação/desidentificação da audiência com os personagens das tramas. Ademais, ela oferece aos receptores parâmetros para novas formas de pensar e sentir. Somando-se a isso, o reconhecimento público da telenovela como um dos mais importantes e amplos espaços de problematização nacional, “convertendo-se em figura central da cultura e da identidade do País” (Ibid., p.22), consegue explicar o relevo dado e esse produto midiático no âmbito das pesquisas em Comunicação desenvolvidas no país. De acordo com o levantamento organizado por Nilda Jacks (2014), foram produzidos 24 trabalhos de recepção de telenovela nos 44 programas de pós-graduação em Comunicação na década de 2000, no Brasil. Desses, no entanto, apenas quatro trazem um recorte a partir das relações de gênero. Já os estudos que abordam tal problemática, independentemente do objeto de estudo, foram identificadas 12 pesquisas. De forma geral, esses trabalhos procuraram compreender o papel dos meios de comunicação na configuração e no reforço das identidades, com ênfase no processo de negociação de sentidos entre produção e recepção. Em contrapartida, apesar de os 369

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referidos estudos serem agrupados a partir da categoria “identidade de gênero”, constatou-se que são poucos os que realmente problematizam essa dimensão (WOTTRICH, 2014, p. 253). Embora gênero possa ser abordado por variados ângulos, existe um consenso – compartilhado entre diferentes estudiosos – de que o termo refere-se { “construç~o social do masculino e do feminino” (SAFFIOTI, 2004, p. 45). Assim, para fins deste texto, interessa-nos problematizá-lo como uma “institucionalizaç~o social das diferenças sexuais” (OKIN, 2008, p.306). Kathryn Woodward (2012, p.15) evidencia que o corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento de fronteiras que definem quem somos, servindo de fundamento para a identidade. Os homens, de acordo com a autora, tendem a construir posições-de-sujeito para as mulheres tomando a si próprios como ponto de referência (Ibid., p. 10). O sociólogo Pierre Bourdieu reitera esse pensamento ao explicar que as diferenças biológicas entre os corpos masculino e feminino são vistas como justificativas naturais para a disparidade socialmente construída entre os gêneros (BOURDIEU, 2012, p. 20). A partir dessa “verdade”, a dominaç~o masculina converte as mulheres em objetos simbólicos e as coloca em um permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência também simbólica: elas existem primeiro pelo – e para o – olhar dos outros. Espera-se das mulheres que elas sejam ‘femininas’, isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas, discretas, contidas ou até mesmo apagadas (Ibid., p. 82). Há de se pontuar que essa estrutura de dominação impõe pressão aos dois termos da relação. Dessa forma, o homem também pode ser considerado vítima da representação de sua dominação: ele tem de, constantemente, provar sua “masculinidade” por meio da demonstraç~o de força, da violência e da virilidade, sendo testado e avaliado por seus pares (Ibid., p. 36-37). Tendo em vista que as relações e identidades de gênero não são naturais, mas construtos sociais, podemos inferir que a mídia tem a capacidade de contribuir para construções simbólicas, apropriando-se de elementos que já circulam na cultura, constituindo, dessa forma, representações hegemônicas de gênero. “A televis~o, especialmente os programas mais vistos são também parte das construções de gênero em nossa sociedade” (ALMEIDA, 2013, p. 113). 4. Percurso metodológico

Neste estudo, a ênfase está nas dinâmicas entre a ficção televisiva, sua repercussão na ambiência digital e a construção de sentidos por parte dos receptores. Entendemos a circulação como um modelo híbrido e participativo (JENKINS; FORD; GREEN, 2014), em que os fluxos de mídia não são determinados apenas por um número reduzido de produtores. Nessa chamada “zona de passagem”, o público n~o é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como um conjunto de “pessoas que est~o moldando, compartilhando, reconfigurando e 370

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remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter sido imaginadas antes” (DEPEXE, 2015). Partindo desse cenário no qual os receptores que integram redes de comunidades, produzem sentidos e propagam conteúdos muito além de sua vizinhança geográfica (JENKINS; FORD; GREEN, 2014, p.24), e entendendo a internet como um panorama comunicacional que pressupõe a interatividade e a participação, buscamos identificar as interações estabelecidas pelos sujeitos receptores e apreender as diferentes leituras sobre as relações de gênero presentes na telenovela Velho Chico. A escolha por uma produção do horário nobre justifica-se por esse ser o bloco da grade de programação que reúne o maior número de telespectadores, ou seja, a maior audiência da emissora (TONDATO, BACCEGA, 2013). Com a finalidade de explorarmos a experiência online dos receptores, nos dedicamos a observar o que circulou sobre as relações de gênero presentes na trama por meio do grupo fechado VELHO CHICONovela da Globo4 do Facebook. Esse é o maior grupo dedicado à trama, possuindo 5.812 participantes. A eleição por um grupo fechado, e não por uma página dedicada à telenovela em questão, decorre do fato de ele viabilizar a participação de membros sem a aprovação prévia por parte de administradores/criadores, assegurando, portanto, condições para todos realizarem suas próprias postagens. Para a sistematização da coleta de dados da etapa exploratória, foi definido aleatoriamente um período de oito dias seguidos de monitoramento: 6 a 13 de junho. A fim de realizarmos uma análise dos sentidos produzidos pelos receptores, nos aproximamos da perspectiva da Teoria Fundamentada como método, “que apresenta um modo de iniciar um trabalho de pesquisa a partir de uma quest~o fundamental” (FRAGOSO, RECUERO, AMARAL, 2011). A TF, enquanto protocolo metodológico, se baseia nos dados obtidos em campo, através de procedimentos variados. No presente artigo, a fim de classificarmos as publicações e comentários, nos valemos da decodificação aberta, que possibilita o reconhecimento “de padrões e elementos relevantes para a an|lise e para o problema” (Ibid., p. 92). O protocolo analítico que segue foi efetuado através de um exame dos conteúdos produzidos pelos receptores, com o objetivo de identificar “similaridades, padrões e particularidades” (FRAGOSO, RECUERO, AMARAL, loc. cit.) que permitiram a categorização dos dados coletados. 5. O Grupo

O monitoramento do grupo fechado VELHO CHICO - Novela da Globo no período antes mencionado resultou na identificação de um total de 170 publicações na semana analisada: 85 elaboradas por perfis femininos e 85 por perfis masculinos. Esse montante foi produzido por 51 integrantes. Desses, nove (seis perfis masculinos e três perfis 4

https://www.facebook.com/groups/1541728412821703/?fref=ts.

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femininos) foram responsáveis por 59% das postagens que compuseram o corpus da análise. O número significativo de postagens oriundas de perfis masculinos - convém ressaltar que o grupo também foi criado por um perfil masculino - nos convida a dialogar com Silvia Borelli (2000), cujo estudo indica que a audiência masculina das telenovelas é bastante próxima àquela do público feminino desde os anos 1970 (Ibid., p. 9). De acordo com a autora, uma das razões para essa equiparidade é a aproximação do melodrama “cl|ssico” a outros territórios da ficcionalidade, como a comicidade, a narrativa policial, a aventura, o western e o erótico (BORELLI, loc. cit.). O recorte quantitativo também indica que 52% das publicações ocorreram fora do horário em que a novela foi exibida na televisão. Isso vai ao encontro da premissa de que a recepç~o “n~o est| circunscrita ao momento de estar vendo a tela” (OROZCO, 2005, p. 37), mas começa antes e termina depois, fundindo-se com as práticas cotidianas dos receptores. Já o expressivo número de publicações/comentários feitos durante a transmiss~o da trama na televis~o (48%) reforça o argumento de que “os velhos meios de comunicaç~o n~o est~o sendo substituídos” (JENKINS, 2009, p. 41-42), mas sim interagindo de formas cada vez mais complexas com outros. Foi encontrado também um caso em que uma participante do grupo VELHO CHICO – Novela da Globo manifesta descontentamento por perder um capítulo e informa ao demais integrantes que irá assisti-lo “pela internet”. A pesquisa exploratória realizada também possibilitou a categorização das publicações realizadas, segregadas nas seguintes categorias: 1) trama: compartilhamentos de revistas, sites, resumos, enquetes, vídeos, manifestações autorais relacionadas à trama em questão; e 2) extratrama: postagens sobre outras novelas, correntes de autoajuda, publicidade, notícias sobre atores desvinculados dos personagens. Em um segundo momento, dividimos as postagens em: 1) autorais – publicações exclusivamente realizadas pelos integrantes do grupo; 2) compartilhadas – conteúdos compartilhados de outras mídias, como sites de revistas e portais de entretenimento); e 3) mistas – conteúdos compartilhados de outras mídias juntamente com comentários autorais. A partir disso, foi possível constatarmos (figuras 2 e 3) que a maioria das postagens são restritas à trama. Além do mais, as publicações autorais são realizadas, em sua maioria, por perfis femininos.

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Figura 2: comentários perfis femininos Fonte: elaborado pelos autores

Figura 3: comentários perfis femininos Fonte: elaborado pelos autores

O recorte quantitativo sinaliza alguns dados significativos sobre as interações e comportamentos dos receptores no ambiente online. Muitas das publicações e comentários demonstram o quanto eles gostam da novela, através de elogios aos personagens, atores, direção e autores. Além da grande interação e debate entre os participantes do grupo sobre as cenas, o roteiro e os capítulos futuros, que dialoga com Bielby, Harrington e Bielby (1999, p. 35) quando dizem que “ver televis~o é um comportamento relativamente privado. Ser um fã, no entanto, é participar de uma série de atividades que se estendem para além do ato privado de ver”, percebemos um grande “envolvimento emocional reforçado com a narrativa da televis~o" (Ibid, p. 247), tanto nos momentos de crítica aos vilões quanto na torcida pelo final feliz dos mocinhos. 373

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Consideramos essa audiência como ativa não só pelo fato dos receptores participantes do grupo demonstram interesse em buscar em outras mídias informações sobre a trama que acompanham na televisão, como também pelo engajamento e compartilhamento de informações realizado por essa comunidade de fãs, que dividem gostos, objetivos e sentimentos comuns em relação a determinado programa (LOPES et al, 2011, p 248). Para além da amostragem quantitativa, sentimos a necessidade de um olhar qualitativo, na intenção de alcançarmos aquilo a que nos propusemos no início desse empreendimento – a análise dos sentidos construídos pelos receptores sobre as relações de gênero presentes na trama. Do total das 170 postagens, 40 tangiam (ou motivaram a discussão sobre) gênero na - ou a partir da - trama. Após o exame de todas as postagens e comentários que compõem nosso corpus, encontramos elementos para uma possível problematizaç~o de gênero a partir da “leitura” feita pelos receptores sobre os personagens da novela em questão. Para o presente texto, optamos em dar destaque para os três mais citados nas falas dos fãs durante a semana de análise. Foram eles: Luzia (Lucy Alves), Cícero (Marcos Palmeira), Afrânio (Antônio Fagundes). O objetivo, a partir desse recorte, foi analisar como os receptores reproduzem ou contestam o discurso hegemônico heteronormativo, machista e androcêntrico em suas considerações sobre o comportamento dos protagonistas, nos principais eventos do melodrama, abordados nas postagens no grupo do Facebook. Luzia, na trama, é a mulher de Santo, o herói da história. Conseguiu casar-se com ele ao ocultar as cartas amorosas enviadas por Tereza (a mocinha), fazendo-o crer que a protagonista o havia abandonado. As impressões manifestas pelo público sobre a personagem no grupo do Facebook, convergem com a descrição feita pela própria emissora (GSHOW, 2016) sobre ela: “sedutora, provocante e ardilosa, colocando seus desejos em primeiro lugar”. H| um forte julgamento moral em relação às suas práticas, traduzido em adjetivos selecionados pelos fãs para descrevê-la, que incluem “chata”, “descontrolada”, “desmiolada”, “ciumenta”, “cobra”, “safada” e “puta”. Cícero, por sua vez, é a representação do homem viril e de classe baixa, submisso aos desígnios do patrão, mas capaz de qualquer ardileza em prol de seu amor platônico por Tereza. Seu empenho constante no sentido de acabar com o rival (na disputa amorosa) é malvisto pelos f~s em raz~o de ele n~o lutar com “honradez” pelo seu interesse sentimental, valendo-se de artimanhas e violência para alcançar os seus fins. Por isso, os adjetivos empregados para descrevê-lo, pelos fãs, são predominantemente negativos e passíveis de distribuição em dois grandes grupos: o primeiro inclui os que se referem a uma “pouca masculinidade” em raz~o de evitar a o embate direto com Santo, como “mariquinha”, “submisso”, “covarde”; o segundo concentra termos que remetem a caraterísticas normalmente associadas às mulheres no discurso hegemônico, como “fofoqueiro”, “invejoso” e “mal-amado”.

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Por fim, Afrânio, o coronel da região, dono de boa parte das riquezas e do poder, é tratado por “covarde”, “tirano”, “carrasco” e “infeliz” pelos receptores que se manifestaram no grupo no período analisado. Na trama, segundo descrição da própria Rede Globo (GSHOW, 2016), foi “criado cheio de rigor e de cuidados, sufocado pelo zelo extremado da m~e”, depois esteve “perdido em cima de belas mulheres”, foi obrigado a casar-se depois de desonrar aquela que viria ser m~e de seus filhos” e é “irascível e controlador”, tendo obrigado a filha a um casamento infeliz. Percebe-se que quando o objetivo é desabonar as personagens “ruins” masculinos ou femininos, o padrão de gênero constituído hegemonicamente se manifesta nos desagravos. Cícero e Afr}nio s~o maus em raz~o de sua “covardia” e “fraqueza”, ou seja, por n~o agirem “como homens” ao negarem-se a enfrentar as adversidades de peito aberto e/ou os antagonistas cara a cara. Ao mesmo tempo, seu mau caráter é associado às emoções descontroladas, atributo normalmente imputado às mulheres. Já Luzia erra também por valer-se de seus poderes de sedução e ludibriação, de enfeitiçar e enganar, o que também é normalmente condenado socialmente: o comportamento esperado de uma mulher é o de recato, e n~o os de “atrevimento” ou de exacerbação d sensualidade. Considerações A fim de analisarmos as apropriações por parte dos fãs da telenovela Velho Chico no que diz respeito a questões referentes a gênero, tomamos como pano de fundo as implicações das mudanças tecnológicas nos estudos de recepção. Partimos da premissa de que através da circulação transmidiática surgem novos modos de se ver e interagir com o texto da telenovela, em que receptores usufruem das novas e velhas mídias de forma simultânea (JENKINS, 2009). Em consonância com Orozco (2014, p. 132), ratificamos que ser “audiência significou e significa muitas coisas ao mesmo tempo, mas, principalmente, significa interagir com a informação e com o mundo externo de modo sempre mediado por meios e dispositivos tecnológicos de comunicaç~o”. A audiência no ambiente online se apresenta como um vai e vem complexo: se por um lado, as mídias digitais oferecem novos meios e formas de se “ver em outra tela o que foi originalmente produzido e transmitido em uma tela diferente” (OROZCO, 2014, p. 142), os comunicantes nem sempre se apresentam como receptores críticos ou criativos. Isso fica evidente ao inferirmos que os receptores reconhecem – e fazem a leitura da telenovela a partir de – “padrões” de gênero masculino e feminino legitimados socialmente. Através da corrente teórica dos Estudos Culturais concebemos o receptor como um sujeito ativo, dotado de capacidade criativa de reelaboração, ressignificação e ressemantização dos conteúdos massivos. Entretanto, através do levantamento realizado sobre os processos de recepção em um contexto de convergência, percebemos 375

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que um maior controle ou personalização do consumo midiático não se traduz necessariamente em um ato produtivo, inovador e transcendente, nem carrega uma mudança de consumidor receptor a produtor emissor, pois os novos trajetos de assistência não implicam necessariamente em novas leituras acerca das representações de gênero presentes na narrativa ficcional. Referências ALMEIDA, H. B. de. As mulheres e as imagens da televisão. In: GODINHO, T.; VENTURI, G. Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado: uma década de mudanças na opinião pública. São Paulo: Editora Fundação Perseu, 2013.

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VELHO CHICO – Novela da Globo [grupo no Facebook]. Disponível em https://www.facebook.com/groups/1541728412821703/?ref=ts&fref=ts. Acessado em: 6 de junho de 2016

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Gustavo Dhein: Bacharel em Comunicação Social - Habilitação Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria (RS). Especialista e mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero (SP). Doutorando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Integra o grupo de pesquisa Usos Sociais da Mídia coordenado pela Profª. Drª Veneza Mayora Ronsini. Email: [email protected]

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Otávio Chagas Rosa: Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria (RS). Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (RS). Integra o grupo de pesquisa Usos Sociais da Mídia (UFSM/CNPq), coordenado pela Profª. Drª. Veneza Mayora Ronsini e o grupo do Obitel (Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva) de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected] Camila Marques: Bacharela em Comunicação Social – Habilitação Relações Públicas, pela Universidade Federal de Santa Maria (RS). Mestra m Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (RS). Especialista em Comunicação e Projetos de Mídia pelo Centro Universitário Franciscano. Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).Integra o grupo de pesquisa Usos Sociais da Mídia (UFSM/CNPq), coordenado pela Profª. Drª. Veneza Mayora Ronsini e o grupo do Obitel (Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva) de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected].

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Recepção e Cidadania Comunicativa: Visibilidade das Mulheres Latinas na Série Devious Maids Paulo Júnior Melo da LUZ1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul

Resumo: a proposta deste texto é pensar os conceitos de recepção, identidades culturais e cidadania comunicativa a partir de uma pesquisa que objetivava compreender de que forma são apropriadas as construções identitárias das mulheres latinas propostas em Devious Maids por sujeitos que assistem a série e como se relacionam com a cidadania comunicativa. Desse modo, realizo um movimento de articulação teórica a fim de entender os conceitos de recepção, identidades culturais e cidadania comunicativa, pensando-os no âmbito da problemática dos usos e apropriações de mídias, especificamente das séries de televisão em um contexto de midiatização e transformações epistemológicas da pesquisa em recepção. Palavras-chave: cidadania comunicativa; identidades culturais; receptividade comunicativa; séries; mulheres latinas.

1 Introdução Pensar

a

cidadania

comunicativa

na

contemporaneidade

exige

um

comprometimento do pesquisador na problematização de temáticas que levem em conta as transformações nas quais os sujeitos se inserem, em um contexto de

midiatização, redes sociais e luta por reconhecimento através de esferas midiáticas.

Com identidades que não são fixas ou estáveis, cada pessoa carrega consigo um repertório de preferências, gostos, culturas, misturas e crises, como reflete Hall

(2005). Aos trabalhadores da pesquisa em recepção de audiovisual, cabe refletir

sobre o que Pavan e Veloso (2011) apontam, ao dizer que as trajetórias e histórias de 1

Paulo Júnior Melo da Luz – bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), e mestrando no Programa de pós-graduação em Ciências da Comunicação (PPGCC) da mesma instituição. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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cada indivíduo devem ser retomadas na investigação, recuperando movimentos de memória de forma significativa e epistemológica. Para elas, “quem conta sua história

reconstrói sua memória, percebe a dimensão do que realizou e reafirma a capacidade de decidir e participar da história de um lugar”. (PAVAN; VELOSO, 2011, p. 325). É

nesse contexto, de entender uma série de televisão cuja narrativa se faz em torno de

protagonistas mulheres latinas, que realizo uma reflexão que objetiva compreender

de que forma são apropriadas as construções identitárias das empregadas latinas propostas em Devious Maids2 por sujeitos que a assistem e como se relacionam com a cidadania comunicativa3.

Grau Rebollo (2005), ao trabalhar o audiovisual na perspectiva da

antropologia, trata os filmes como um documento para se compreender a sociedade

em suas diferentes épocas e contextos. O antropólogo reflete que a ficção pode servir

como um meio de manipular intencionalmente os eventos socioculturais, reconstruindo situações às quais não se recorrem a partir da observação direta, ou

seja, o audiovisual ficcional seria uma estratégia narrativa que parte da realidade

para dar a ver a sociedade ou criar metáforas sócio-ideológicas que façam referência

ao universo do real. Por sua capacidade de penetração ideológica, os audiovisuais

poderiam gerar referentes simbólicos e interpretativos, funcionando também como

elemento etnográfico, que torna visíveis universos culturais e envolve a audiência narrativamente, incidindo em suas opiniões.

No caso de Devious Maids, a realidade das mulheres latinas residentes nos

Estados Unidos é “distorcida”, de modo a criar uma história cômica e, ao mesmo

tempo, dramática. Esse gênero híbrido, já pensado por Eco (1994)4, Lopes, Borelli e Resende (2002)5 e Dantas (2014)6 possibilita criar algumas matrizes de sentido que Série estadunidense transmitida pelo canal Lifetime. Sua estreia ocorreu em 2013. Teve três temporadas completas exibidas (em 39 episódios) e atualmente encontra-se na quarta temporada. Traz como personagens protagonistas cinco empregadas latinas trabalhando para moradores ricos de Beverly Hills, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Essa série traz uma linguagem que se aproxima das telenovelas mexicanas, explorando em sua temática o drama, o mistério e a comédia. Devious Maids também foi o objeto empírico de referência da investigação proposta em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado em 2015 para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo. 3 As reflexões aqui propostas estão relacionadas ao meu trabalho investigativo realizado durante o TCC, chamado “Identidades culturais e cidadania comunicativa: usos e apropriações das personagens latinas entre o público da série Devious Maids” repensado e articulado a novas perspectivas teóricas abordadas na disciplina de Mídias, Identidades Culturais e Cidadania. 4 Umberto Eco trabalha a perspectiva da narrativa literária. 5 Lopes, Borelli e Resende pensam os gêneros na perspectiva das telenovelas brasileiras. 2

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oferecem ao público uma aproximação às personagens e suas histórias. A partir das

identificações que criam com as mulheres retratadas na série e das leituras que fazem sobre suas nacionalidades, culturas e comportamentos, os sujeitos que a assistem passam a entender o “outro” na perspectiva da ficção, imergindo em um universo

ficcional que os faz refletir sobre o real, pensar quais as verdadeiras demandas das

latinas que residem nos Estados Unidos, inseridas num contexto de migração, de trabalho subserviente e choque cultural.

Metodologicamente, Grau Rebollo (2012) ainda aponta que os audiovisuais

podem servir como uma estratégia para coletar dados sobre determinada época ou contexto social. Segundo ele, os marcos ideológicos e sociais estão presentes em muitas narrativas fílmicas que permitem identificar elementos antropológicos e

pensar como os seres humanos se desenvolvem em seus imaginários, valores e

adaptações no entorno sociocultural de forma heterogênea. Em Devious Maids ocorre

essa heterogeneidade desde a própria adequação ao gênero, que não se distingue por

categorias formais rígidas. A narrativa se desenvolve de modo a construir a vida das

empregadas, dando a ver alguns fenômenos sociais que elas manifestam em determinados eventos ou situações, como é o caso de Rosie, uma das mulheres cujo

filho está no México e não tem documentos para entrar nos Estados Unidos, ou de Marisol, professora universitária que se passa por empregada para descobrir o assassinato de outra empregada. Ou seja, transitando por cenas de suspense, drama,

comédia e aventura, a trama da série não se classifica de forma única, possibilitando

que a “vida real” seja refratada7 no âmbito da ficção, como propõe Grau Rebollo (2005).

O caráter documental da série, assim, se relaciona ao conceito de cidadania

comunicativa, uma vez que é possível problematizar como as mulheres latinas se

constroem enquanto sujeitos de demandas e direitos a partir das identidades

culturais que são demonstradas no universo ficcional da série. Mesmo que tenha viés 6 7

Dantas estuda as séries televisivas, especificamente as produzidas no Brasil. O conceito de refração proposto pro Grau Rebollo (2005) indica que um audiovisual opera da mesma forma que um prisma, se deixando penetrar por um feixe de operações simbólicas, modificando sua trajetória e alterando sua natureza essencial. Ou seja, um filme ou série pode receber diferentes referências e se modelar além da proposta inicial de um produtor ou diretor, oferecendo múltiplos repertórios e perspectivas àqueles que assistem. O entendimento do audiovisual, assim, depende das competências dos sujeitos comunicantes e do modo como usam e apropriam o material a eles oferecido.

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comercial, os audiovisuais podem constituir documentos sobre como se percebem

certas situações sociais ou como se conceitua a alteridade sobre determinadas circunstâncias. Nessa perspectiva é importante também refletir sobre as identidades culturais, principalmente no contexto da migração, já que as empregadas trazidas na

série são latinas vivendo nos Estados Unidos. Por isso, o próximo movimento deste texto é problematizar as identidades culturais e suas relações com a cidadania comunicativa.

2 Reflexões sobre as identidades culturais e a cidadania A diáspora é configuradora de novas formas de constituição de identidade.

Stuart Hall (2003) aborda essa problemática falando da presunção comum de que a

identidade cultural esteja fixada no nascimento, como parte da natureza e dos parentescos genéticos. No entanto, não são essas características biológicas que

formam as mudanças e os anseios humanos. Pelo contrário, as condições de vida podem levar à migração, ao espalhamento e à dispersão.

Hall (2003) utiliza como exemplo para seu argumento o caso das migrações

caribenhas na Grã-Bretanha, mas esse contexto pode ser utilizado como referência

para outros processos que ocorrem ao redor do mundo, como a relação mexicanaestadunidense. Entre as fronteiras dos países, ocorrem trocas e combinações,

apropriações e acentuações de diferenças. Aspectos históricos e sociais se misturam e afetam os povos do México e dos Estados Unidos, incidindo diretamente na construção das identidades culturais. Devious Maids carrega em sua narrativa um

pouco dessa amostra de constituição nas personagens. É necessário, porém, levar em

conta que as migrações são envoltas por processos históricos, que os povos se

formaram por misturas de várias etnias e raças. Hall (2003) também considera esta questão, ao pensar a identidade cultural na diáspora: “Nossas sociedades são

compostas não de um, mas de muitos povos. Suas origens não são únicas, mas diversas. Aqueles aos quais originalmente a terra pertencia, em geral, pereceram há muito tempo [...]”. (HALL, 2003, p. 30).

Falar da diáspora e sua relação com as identidades culturais requer uma

abordagem subversiva dos modelos de cultura tradicionais orientados para a nação.

Hall (2003) afirma que a globalização cultural é desterritorializante em seus efeitos, 382

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que os espaços temporais são comprimidos e impulsionados pela tecnologia. Dessa forma, ocorre certa “frouxidão” nos laços entre cultura e lugar, por meio de

“disjunturas” que levam a um reconhecimento do local de onde certa cultura se originou, mas sem poder detectar que local é esse. Os processos se misturam e se

reconfiguram formando novos significados. Tomando a cultura como uma forma de

produção simbólica, deve ser pensado como ela se constrói e qual a finalidade dela na formação das identidades.

Conforme o autor, nossas identidades culturais estão à nossa frente, sempre

em processo de formação, fazendo-nos não apenas ser um sujeito, mas se tornar sujeito constantemente. A nação se encontra como parte fundadora desse ser, que também vive em comunidades que o identificam e classificam. Aí então se origina

uma identidade grupal, uma “comunidade”. Por meio dela, ocorrem relacionamentos pessoais entre os povoados, com significados homogêneos e fronteiras estabelecidas, que direcionam os laços e a união entre as pessoas. No entanto, nessas comunidades,

as culturas acabam se misturando por meio da diáspora e da migração, dando origem a processos híbridos.

Um termo que tem sido utilizado para caracterizar as culturas cada vez mais mistas e diaspóricas dessas comunidades é o hibridismo. Contudo, seu sentido tem sido comumente mal interpretado. Hibridismo não é uma referência à composição racial mista de uma população. É realmente outro termo para a lógica cultural da tradução. Essa lógica se torna cada vez mais evidente nas diásporas multiculturais e em outras comunidades minoritárias e mistas do mundo pós-colonial. Antigas e recentes diásporas governadas por essa posição ambivalente, do tipo dentro/fora, podem ser encontradas em toda parte. (HALL, 2003, p. 74).

É necessário pensar nas relações entre as diferentes culturas, se elas se

identificam por pertencerem a uma sociedade ou apenas por estarem assimilando

culturas e dividindo um território. Segundo Cortina (2005), o debate sobre essas

questões deve levar em conta a riqueza humana, que diz respeito ao valor de cada

cultura, de que cada uma contribui para a construção de um pensamento social. O que propõe a autora é um diálogo intercultural, que ponha em discussão as contribuições

de cada sujeito, nas culturas com as quais se identifica, para “tomar consciência de que nenhuma cultura tem soluções para todos os problemas vitais e de que pode aprender com outras, tanto soluções das quais carece como a se compreender a si mesma”. (CORTINA, 2005, p. 143).

383

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Com o reconhecimento e respeito às diferenças, a partir da compreensão do outro como semelhante e não diferente, é possível então pensar em uma ética intercultural, que promova um diálogo entre as culturas, esclarecendo em conjunto o que consideram crucial para que haja justiça e felicidade entre todos, levando em conta que é o diálogo na convivência que permite a autocompreensão. O fato de que em uma mesma sociedade convivam pessoas com bagagens culturais diferentes pode ser tomado unicamente como um fenômeno gerador de conflitos que é preciso resolver ou como uma ocasião para crescer em humanidade pessoal e socialmente. (CORTINA, 2005, p. 146).

Para que a ética intercultural se estabeleça, de acordo com Cortina (2005), é

necessário que as culturas não sejam meramente assimiladas, mas incluídas na

diversidade, contemplando as multiplicidades das identidades dos sujeitos. Além disso, não se pode apenas aceitar a diferença pela diferença, mas conviver

autenticamente, compreendendo pontos de vista, sem discriminação quanto a condições sociais, sexo, etnia ou idade. O respeito às diferentes culturas também deve levar em conta a identidade, já que ela é, em parte, escolhida pelos sujeitos em suas

culturas, pensamentos e ideologias. É preciso compreender outras culturas para

compreender a própria cultura. As perspectivas humanas se formam através do

diálogo enriquecedor, que possibilita novos pontos de vista e entendimentos sobre o outro.

No entanto, para que esta proposta ética e política da cidadania cultural seja

possível, ainda há que se discutir os problemas que se apresentam no desenvolver

desse projeto intercultural. Primeiramente, a caracterização de cultura precisa ser

pensada. Segundo Cortina (2005, p. 148), ela é vista como um “conjunto de modelos de pensamento e de conduta que dirigem e organizam as atividades e produções

materiais e mentais de um povo, em sua tentativa de adaptar o meio em que vive a suas necessidades [...]”. Além disso, é a cultura que pode diferenciar um povo de

qualquer outro. A cultura inclui também repertórios de conduta, que seguem normas e valores que legitimam os sujeitos.

As autênticas diferenças culturais são, portanto, diferenças no modo de conceber o sentido da vida e da morte, nascidas de distintas visões do mundo, que justificam a existência de diferentes normas e valores morais. Diferenças que uma geração adulta quer legar, todas, a seus descendentes. (CORTINA, 2005, p. 148).

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Os sujeitos devem ser reconhecidos, além das suas identidades culturais, em

seus direitos cidadãos. Em uma série como Devious Maids, que traz duas culturas (estadunidense e mexicana) convivendo em relações estreitas, como as afetivas,

românticas e trabalhistas, as diferenças se mostram bastante acentuadas. As mães

latinas, por exemplo, exigem de seus filhos um comportamento sério. Na trama, das quatro empregadas protagonistas, três são mães e uma delas é filha (Valentina). Zoila cobra de Valentina que não se apaixone pelo filho da patroa, pois “garotos ricos não

se apaixonam pela empregada”8. Marisol faz de tudo para inocentar seu filho, acusado injustamente de cometer um crime na festa de seus empregadores, a família Powell.

Rosie é uma mãe amorosa que, após conseguir trazer seu filho do México para os

Estados Unidos, está sempre a ensiná-lo boas maneiras e transmite a religiosidade católica, já que é devota da Virgem de Guadalupe. Os valores culturais das latinas são

transmitidos a seus filhos mais intensamente que os valores culturais dos patrões a

seus filhos. Por exemplo, Genevieve (patroa de Zoila), que cria seu filho, Remi, com todo o conforto e mimo, torna o jovem uma pessoa egoísta. No desenvolver da

primeira temporada, Remi acaba se apaixonando por Valentina, que demonstra ser madura e compartilha seus valores com o menino.

Essa tensão de etnias é um dos principais pontos narrativos de Devious Maids,

sendo também um dos “autênticos problemas multiculturais” dos quais trata Cortina (2005). Nessa linha reflexiva, cabe então discutir como a cidadania pode incluir novos

modos de vida, condizentes a uma realidade múltipla e diversa dos sujeitos. Desse modo, a identidade cultural é um ponto crucial para o estabelecimento dessa cidadania, principalmente seu reconhecimento e respeito. Cortina (2005) discute que

apenas com o reconhecimento público da cultura com a qual alguém se identifica pode haver garantia de força e autoestima às identidades. A partir de então, cada pessoa pode se manifestar de forma segura, com aceitação por parte dos outros, que

também são significativos. Cabe a cada sujeito escolher e redefinir sua própria identidade, que ele mesmo entabula de forma livre e, dessa mesma forma, pode

romper. Uma das reivindicações para o estabelecimento da cidadania cultural deve

ser essa, de reconhecer a multiplicidade das identidades culturais. Em uma sociedade justa, os grupos culturais devem ser protegidos de agressões, tendo liberdade e 8

Fala da personagem Zoila em um dos episódios da série.

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pertencendo às coletividades com as quais se identificam. Ao Estado, caberia proteger

a autonomia de seus cidadãos. Além disso, é necessário desvincular a ideia de uma cultura pura, pois “cada cultura é, na verdade, multicultural, assim como cada um de nós é, na verdade, multicultural”. (CORTINA, 2005, p. 163).

Em Devious Maids, é preciso enxergar se existem formas de visibilizar culturas

distintas não somente em convivência, mas também em misturas, em um olhar multicultural. Pensar se as perspectivas que se abrem do diálogo intercultural proposto pela série funcionam no sentido de ver tradições e culturas que se

transformam no entorno não apenas geográfico, mas também dos elementos que formam e dão significado à cultura estadunidense e à cultura latina. É relevante observar se a narrativa da série possibilita o diálogo intercultural e a constituição de

uma ética intercultural. De acordo com Cortina (2005), essa é a ética que leva em conta as diferentes bagagens culturais dos interlocutores, constituindo os signos de sua identidade. Apenas através dela é possível aceitar as condições que conferem

esses sentidos, garantindo possibilidade de se expressar sem estabelecer superioridades ou inferioridades. É por isso que “manter e fomentar o diálogo

intercultural, de modo que não se perca a riqueza humana, é um dever de qualquer

sociedade que leve em conta seus próprios cidadãos e os cidadãos do mundo”. (CORTINA, 2005, p. 164).

Para que seja constituída, além de uma cidadania cultural, uma cidadania

comunicativa, é também necessário refletir sobre como os produtos midiáticos oferecem visibilidade aos grupos sociais. García Canclini (1997) pensa que o consumo

possibilita um meio de fazer serem vistos os direitos e as demandas dos sujeitos. No entanto, nem sempre o olhar oferecido a alguns abre um diálogo intercultural ou

cidadão. Retomando um contexto histórico, desde os processos de colonização europeus nas Américas, García Canclini (1997) levanta a discussão sobre a

importância de reconhecer culturas como heterogêneas, de livrar o pensamento homogeneizador trazido pelo cristianismo, a doutrinação e uniformidade colonial.

Segundo o autor, essa ideia “desenvolvimentista” apenas atrasou as culturas,

estabelecendo obstáculos para a sua disseminação e livre expressão. Ele propõe a

heterogeneidade multitemporal e multicultural como forma de desenvolver e integrar

os grupos e as nações. Porém, esse pluriculturalismo enfrenta um grande problema 386

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na contemporaneidade, pois as formas de pensamento e de vida que se constituem

nos territórios locais e nacionais são apenas uma parcela do desenvolvimento cultural.

[...] a maioria dos bens e mensagens que se recebe em cada nação não foi produzida em seu próprio território, não surge de relações peculiares de produção nem traz em si, portanto, signos que a vinculem exclusivamente a regiões delimitadas. Bens e mensagens procedem agora de um sistema transnacional desterritorializado, de produção e difusão. (GARCÍA CANCLINI, 1997, p. 207).

O acesso aos bens culturais se dá, hoje, principalmente pelos meios de

comunicação eletrônicos, uma tendência que García Canclini (1997) já apontava na

década de 1990. Na América Latina dessa época, a televisão era tida como um dos

maiores meios de disseminar a informação. Porém, uma tendência a priorizar os

entretenimentos provenientes dos Estados Unidos tornaria a representação da

diversidade das culturas limitada em todas as noções, destacando-se nesse contexto os países latino-americanos.

A partir daí, reforça-se o potencial de Devious Maids para abrir o diálogo

intercultural, atravessando fronteiras geográficas, multiplicando-se em canais (televisão e internet) e atingindo públicos diferentes, sujeitos comunicantes que fazem usos e apropriações e passam a refletir sobre o produto que estão consumindo.

São os sentidos construídos por esses sujeitos que puderam revelar se a série é capaz de colaborar para a constituição da cidadania cultural e comunicativa.

As estratégias de internacionalização dos mercados estão relacionadas a essa

proposta de García Canclini (1997). Uma vez que Devious Maids é uma produção

estadunidense, mas voltada a um público latino, captam-se aí linguagens e

movimentos específicos dessa cultura. No entanto, é necessário verificar se há

realmente uma proposta transnacional, integradora e, principalmente, cidadã. De

acordo com o autor, há que se desenvolver de forma democrática as condições para que as rádios e televisões se expandam, dando visibilidade aos grupos étnicos e minorias, oferecendo tempo a programas destinados a eles, mas de forma expressiva, dando ênfase ao interesse público coletivo e não aos lucros e rentabilidade comercial.

Moglen (2012) reflete sobre a necessidade de desvincular o poder burguês e

hegemônico dos meios de comunicação e informação. Para que haja livre expressão e 387

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visibilidade de diferentes culturas e povos, é preciso que se liberte o conhecimento e democratize o acesso à tecnologia, tornando-a livre de lógicas capitalistas. Um espaço que desponta para que os sujeitos expressem suas opiniões de forma mais liberta,

mesmo que ainda atrelado a lógicas comerciais, são as redes sociais, nas quais as ideias de cada indivíduo se tornam públicas e podem colaborar à construção de diálogos ou debates.

3 Problemáticas para se (re)pensar a pesquisa em recepção As redes sociais da internet têm se mostrado como um ambiente de

visibilidade e manifestações dos sujeitos. Castells (2013) pensa nelas como formadoras de espaços de construção da autonomia, onde é possível conceber projetos a partir de sentidos de vida, modos de experimentação da sociedade e

múltiplas formas de se conectar com as preocupações reais das pessoas. Em uma época de crise transclassista, é necessário encontrar novas formas de se relacionar enquanto sociedade, pensar nas múltiplas possibilidades de exigir transformações, mudanças e fazer os direitos serem respeitados e exercidos.

Nesse contexto, os movimentos em rede serviriam como um ambiente para

desenvolver autoconsciência coletiva e individual, em que seria possível transformar medo em indignação e indignação em esperança. Com a crescente desconfiança que se cria sobre as produções da mídia, as redes sociais despontam como um espaço de ato comunicacional, em que é possível compartilhar significados e trocar informações. (CASTELLS, 2013). Mesmo que os contextos problematizados por Castells (2013)

sejam dos conflitos de países como Tunísia, Islândia e Espanha, é possível também

trazer as reflexões para se pensar as demandas do povo mexicano e latino-americano,

apresentados ficcionalmente na série Devious Maids. Cabe se questionar se no

universo desse programa são criadas possibilidades de reaprender a conviver e, se no

âmbito dos sujeitos que assistem e ressignificam a narrativa, inseridos nas redes

sociais, ocorre a construção de espaços públicos e comunidades que questionem os poderes simbólicos e políticos que podem (ou não) serem abordados pela série.

É interessante pensar também como refletem os sujeitos em suas

lógicas e ideologias, se eles apresentam diferentes perspectivas em função de seus

modos de vida e gostos pessoais, se realmente problematizam as instituições 388

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midiáticas e os poderes que elas exercem na condução de programas que retratam

ficcionalmente identidades culturais, como é o caso de Devious Maids. Nos espaços dos grupos do Facebook9 destinados à discussão da série, por exemplo, coube

investigar aquilo que os sujeitos comunicantes demonstram sobre seus pensamentos

sociais e como entendem as identidades das latinas. Foi pertinente também avaliar as trajetórias

midiáticas

desses

sujeitos,

as

“padronizações

e

configurações

esquemáticas”, como diria Maldonado (2014), que eles formulam. Os processos aos quais eles estão envolvidos abarcam marcas de continuidades culturais, formatos

preferidos, estratégias, gêneros, modelos de programas, etc. Adentrar nessas

perspectivas requer competências e referenciais que compreendam não apenas o que é a identidade cultural das latinas para eles, mas sim o seu repertório midiático, que condiciona seu gosto e sua relação com a série.

[...] os públicos seguem padrões estéticos que correspondem às suas situações de classe; paralelamente também comprovamos que não, já que, nas suas vivências e processos, os sujeitos receptivos adotam e misturam formatos, vertentes e possibilidades estéticas diversas. (MALDONADO, 2014, p. 18).

Com base no que propõe Maldonado (2014), é pertinente também verificar

quais aspectos chamam a atenção aos sujeitos acerca da trama de Devious Maids,

entender se a série dialoga com eles mais por seu mistério e exotismo ou pela sua

narrativa social, preocupada em tornar visíveis as demandas das mulheres latinas nos Estados Unidos. Enxergar e analisar a identidade cultural das empregadas latinas se mostra um trabalho que exige certa percepção da produção de sentido, uma vez que

as culturas são possivelmente diferentes daquelas da recepção, se mostrando complexas, com crenças, rituais, organizações e modos de viver alheios à realidade dos sujeitos comunicantes que assistem Devious Maids.

Essa riqueza cultural gera sentidos em quem olha, desestabilizando os

pensamentos e configurando novos olhares sobre os sujeitos. O repertório cultural deles entra em choque a partir do momento em que se observam novos horizontes

midiáticos, novas histórias e narrativas. Cabe então questionar se os padrões 9

Aqui me refiro aos grupos “Devious Maids – Brasil” (https://www.facebook.com/groups/495633613844981/?fref=ts) e “Devious Maids, HQ – All Things Deviously Delicious” (https://www.facebook.com/groups/186295644878225/?fref=ts), trabalhados durante a pesquisa exploratória realizada para meu TCC.

389

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estéticos formulados na mídia confluem ou confrontam o repertório dos receptores. Os sentidos se produzem de acordo com cada realidade e, pensando assim, o

pesquisador deve entender com a maior profundidade possível a história dos sujeitos

comunicantes com os quais se relaciona e pensar em parâmetros lógicos de análise a partir de suas colocações e exposições sobre o produto estudado.

Penso os sujeitos comunicantes também como exploradores da temática

televisiva, longe da passividade ou de uma visão meramente técnica. Tento enxergá-

los como construtores de um pensamento social, que contrapõem os poderes midiáticos e as formulações ideológicas da mídia. É necessário adentrar no seu pensamento sobre a construção identitária das empregadas latinas, ver como eles a

concebem a partir da série e observar as suas reflexões acerca da realidade que observam também fora da ficção. A potencialidade cidadã somente será possível se as

suas ideias também avançarem no sentido de perceber canais políticos, não repressivos e que expandam diálogos sobre visibilidade, direitos e demandas.

Os sujeitos/cidadãos em processos de receptividade comunicativa contemporâneos experimentam modos e formas de inter-relação sociocultural simbólica que combinam mídias, culturas, realidades, sensibilidades e subjetividades de maneira intensa, contínua e desestabilizadora para gerar comunicações múltiplas. Noções, conceitos, ideias, categorias, estratégias e projetos de pesquisa precisam considerar essas mudanças para dar conta da multiplicidade, da diversidade e da complexidade comunicativa atual. (MALDONADO, 2014, p. 21).

O acesso à informação e ao conteúdo, principalmente midiático, está facilitado

pelo uso das redes sociais, da internet de alta velocidade e dos smartphones e tablets, que permitem conectar os sujeitos e reduzir as distâncias. Em uma complexidade tão

grande quanto a que se inscreve a contemporaneidade, marcada pelo transmídia, pela convergência e pelos novos aparatos eletrônicos, não é simples conseguir dar conta

de compreender como as relações entre os sujeitos comunicantes e as mídias se

estabelecem, principalmente em função da falta de estabilidade dos meios e da efervescência possibilitada pelas inúmeras séries de televisão produzidas anualmente.

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Devious Maids foi lançada para a televisão fechada, disponibilizada para

download e já se encontra no catálogo do Netflix10. O acesso, por assim dizer facilitado, permite que brasileiros, estadunidenses, mexicanos e toda uma comunidade global

possam utilizar e fazer apropriações da narrativa, suas personagens, sua trilha e toda

a produção envolvida. É por isso que a identidade cultural das empregadas deve ser pensada em conjunto com as sensibilidades, a subjetividade e o repertório de cada

receptor. A recepção mostra-se como o caminho para vê-los como “cidadãos que têm questões importantes para falar, ensinar, aprender, questionar e produzir”.

(MALDONADO, 2014, p. 23).

Para dar conta dessa grande teia de relações entre pesquisador e receptor,

contemplando uma pesquisa em recepção comprometida com a construção de

conhecimentos pertinentes ao campo da comunicação e à sociedade, a interdisciplinariedade se mostra como uma saída para abranger diferentes áreas do saber e problematizar com maior profundidade os conceitos teóricos e

metodológicos. Penso em Devious Maids como um produto midiático envolto por processos que contribuem para o pensamento dos receptores. O que interessa é

pensar se as reflexões oriundas da apropriação dos sujeitos comunicantes possibilita uma contribuição que afete as suas vidas de tal forma que se sintam motivados a

repensar estratégias e formas de enxergar a América Latina como um terreno fértil de cultura, mas sem um viés limitador e subserviente.

As descobertas a partir da recepção me permitiram encontrar pistas para

pensar como seria narrada uma série que trouxesse elementos para captar a atenção do telespectador, mas auxiliando a ver cidadania nesse processo comunicativo. As

identidades culturais, afetadas por um contexto de migração feminina, de estratégias de internacionalização de produtos, de mercados televisivos e produções que

apropriam linguagens típicas dos dramas mexicanos para alcançar um público-alvo, se constroem na percepção dos sujeitos comunicantes de formas variadas e complexas. O intuito de entender o processo que aí se estabelece transcende uma

única disciplina, um único método ou uma única teoria, ela avança para um campo transdisciplinar, na qual se inscreve uma pesquisa com o compromisso de

de vídeos por streaming, disponibilizados online. Funciona como um canal por assinatura para assistência de filmes, documentários, séries e outros produtos na internet.

10Serviço

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compreender sujeitos complexos com características históricas, sociais, culturais, políticas e psicológicas.

É por isso que se faz necessário pensar não apenas em “recepção”, mas em

receptividade comunicativa que, como propõe Maldonado (2014), é uma atividade

que pensa a produção de sentido, as ressignificações, as apropriações socioculturais de bens imateriais, a produção de processos de interpenetração psicológica, a

organização de temporalidades e espacialidade sociais, fruição estética que revitaliza, aliena, entusiasma, comove, ensina e desestabiliza11.

4 Considerações finais

Na perspectiva das redes sociais, como os grupos e coletivos do

Facebook, por exemplo, os sujeitos são capazes de se organizar na criação de grupos

de interesse, coletivos que visam discutir e problematizar situações que digam

respeito ao seu papel no mundo, suas identidades e direitos, enquanto humanos e

partes da sociedade. Narrativas como a da série Devious Maids são capazes de oferecer visibilidade a uma alteridade, a um “outro” que está presente e vive no

mundo, em realidades diferentes daquela da audiência. Essa percepção do outro é

possível ou não dentro da ficção, dependendo de questões mercadológicas e interesses dos produtores, roteiristas e do próprio canal em que a série é veiculada.

No entanto, as marcas apropriadas pelo público vão além das propostas iniciais do

produto, incidindo em seus repertórios, histórias e trajetórias, que são capazes de confrontar ou não as mídias e as significações que elas geram.

Santos (2008) problematiza que a cidadania deve pensar a igualdade e

a diferença, sendo necessário reconhecer as culturas por suas especificidades, mas

procurando valorizar o outro. Uma cidadania comunicativa, para que fosse exercida no âmbito da série Devious Maids, deveria reconhecer a necessidade de políticas de

diferença. As mulheres latinas deveriam ser vistas e reconhecidas em suas

Muitas das reflexões aqui construídas me levaram a reestruturar o projeto da dissertação no mestrado, que agora terá como objeto empírico de referência a série Queen of the South, produção estadunidense do canal USA Network, baseada no romance A Rainha do Sul, do escritor Artur PérezReverte, que também inspirou a telenovela colombiana La Reina del Sur em 2011. Para a nova investigação, tentarei compreender como os sujeitos comunicantes que assistem a série constroem a identidade da personagem mexicana Teresa Mendoza, protagonista interpretada pela atriz brasileira Alice Braga, em um contexto de narcotráfico, e como essa construção é potencial formadora de uma cidadania comunicativa no âmbito da narrativa. Os delineamentos do novo projeto ainda se encontram em construção, em diálogo com a orientadora, Profa. Dra. Jiani Adriana Bonin.

11

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alteridades, sem marcas de xenofobia, de discriminação ou racismo. As repercussões

da narrativa deveriam promover um impacto sócio-político concreto, que realmente

beneficiassem as latinas, incentivando o diálogo e a reflexão sobre a diversidade, a necessidade de confluências, junções e misturas no convívio em sociedade.

Por mais que a trama dê protagonismo a essas mulheres, ainda assim

ocorre o que Santos (2008) aponta como “sociologia das ausências”, quando as

experiências e concepções amplas acerca de uma cultura ou identidade são suprimidas, silenciadas. Para tornar visíveis os problemas dos sujeitos, é necessário

trabalhar as existências e mergulhar nos mundos empíricos e das culturas, utilizando a mídia como uma forma de exercício cidadão. É preciso combater a negligência da

igualdade e da cooperação, buscando a prática da solidariedade nos espaços que

existem para discussão dos produtos de mídia, seja nas redes sociais ou nas organizações físicas. O direito a ter direitos deve ser pauta das narrativas que visam

abordagens cidadãs, a fim de valorizar a mestiçagem, as pluriculturalidades de “Nossa

América”, como diria Santos (2008). Nessa perspectiva, a da Nossa América, o sujeito precisa se dotar de um conhecimento genuíno, construir fortalezas de conhecimento

que levem em conta o valor sócio-histórico da América Latina, inspirando-se nos povos oprimidos, mas sem sair do lugar e do contexto. O pesquisador também precisa promover a cidadania científica, contribuindo para a reflexão social, indo além das fronteiras12 nos seus modos de ser e viver.

Ainda é possível pensar no viés cidadão de narrativas como a Devious

Maids ao problematizar a comparação que Santos (2008) faz acerca do ethos barroco, uma perspectiva de que a crise e a transição social podem favorecer uma sociabilidade

turbulenta,

mas

libertadora,

incitando

à

transformação.

As

dramatizações podem se manifestar por meio desse ethos barroco, sendo a série uma forma de trazer pensamentos humanos e utópicos, proporcionando a imaginação de

novos modos e possibilidades de se viver a realidade existente, mostrando alternativas para as situações problemáticas atuais. Com o aumento das interações transfronteiriças, seja pela internet ou pelo meio presencial, o século XXI oferece

maiores possibilidades de construir conhecimentos situados e contextualizados,

12

Aqui as fronteiras são pensadas como zonas dinâmicas em movimentos, não linhas que separar um lugar do outro. Elas não têm estabilidade, mas proporcionam multiplicidades de pensamento e articulam-se entre si promovendo diálogos e criações conjuntas, como na proposta de Nuestra América, de Santos (2009).

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valorizando os conjuntos de culturas contra exclusões. As pesquisas em comunicação podem ser expoentes de manifestos para que os reconhecimentos ocorram, para que as pluralidades sejam vistas e que novas políticas de cidadania sejam promovidas.

No entanto, para que haja realmente um exercício de cidadania, é necessário

participação e reconhecimento do público. Os sujeitos que assistem Devious Maids são

capazes de colaborar para uma visibilidade cidadã das mulheres latinas caso encontrem saídas coletivas para superar antagonismos de classe e de gênero, inclusive no âmbito da internet, como aponta Peruzzo (2012). Para a pesquisadora, é

necessário que haja um processo de organização-ação para que se compreenda a

realidade e se possa agir sobre ela. No processo comunicacional contemporâneo, é possível integrar sujeitos num processo de partilha, caracterizando uma

“comunicação comunitária ou participativa”. Assim, os sujeitos que assistem Devious Maids e compartilham suas perspectivas sobre a série nos canais em que participam

no Facebook também podem figurar enquanto parte de um processo no qual, conforme também reflete Peruzzo (2012), a comunicação corresponderia a um

processo amplo, no qual o exercício da cidadania estaria imbricado não apenas a dimensões civis, políticas e sociais, como também de culturalidade e cidadania. Referências

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ficção audiovisual e literária

Paulo Júnior Melo da Luz Paulo Júnior Melo da Luz é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo também pela Unisinos. Integra o grupo de pesquisa Processos Comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção (Processocom) e a Rede Temática de Cooperação: comunicação, cidadania, educação e integração (Rede AmLat). Tem interesse por temáticas voltadas à recepção, identidades culturais, cidadania comunicativa e metodologias de pesquisa em comunicação. E-mail: [email protected].

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Recepção audiovisual: percepções de famílias acerca da violência contra a mulher a partir do filme Sonhos Roubados Priscila da SILVEIRA1 Rejane Beatriz FIEPKE2

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul Resumo Este trabalho propõe uma análise da recepção do filme Sonhos Roubados (2009), de Sandra Werneck, sob a perspectiva dos estudos de violência contra a mulher. Para a compreensão desta recepção foram analisadas três famílias da cidade de Frederico Westphalen, interior do Rio Grande do Sul, dividas por áreas e renda familiar. O estudo foi realizado em duas etapas, sendo a primeira de entrevista e a segunda de exibição do filme e, posteriormente, a apresentação das leituras dos sujeitos acerca do filme. Os resultados levaram a concluir que muitos dos sujeitos têm dificuldade para identificar a violência proferida contra a mulher. Esse estudo classifica-se como de extrema importância para fomentar as discussões e o amadurecimento das famílias quanto ao tema. Palavras-chave: cinema; estupro; gênero; recepção; violência contra mulher. 1 Introdução

Este artigo consiste em um estudo da recepção a partir das percepções e

significações obtidas por meio do filme nacional Sonhos Roubados, dirigido por

Sandra Werneck, gravado em 2009, que traz o retrato da vida nas periferias sob a

ótica feminina. Para situar o leitor, cabe antes fazer um breve resumo da história que passa nos dias atuais. O Filme Sonhos Roubados tem como elenco Nanda Costa,

1

Priscila da Silveira – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Graduada em Comunicação Social, Hab. Jornalismo, e Especialista em Comunicação Organizacional pela Universidade de Passo Fundo. 2Rejane Beatriz Fiepke – Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Graduanda de Comunicação Social, Hab. Jornalismo.

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ficção audiovisual e literária

Amanda Diniz, Kika Farias, Marieta Severo, Daniel Dantas, Nelson Xavier, Ângelo Antônio, Lorena da Silva, Guilherme Duarte, Silvio Guindane e Zezeh Barbosa.

A narrativa gira em torno de três amigas: Jéssica (Nanda Costa), Sabrina (Kika

Farias) e Daiane (Amanda Diniz). Moradoras da periferia carioca e menores de idade,

as adolescentes são marcadas por diversos tipos de violência. Por vezes, para sobreviver ou satisfazer seus sonhos de consumo, elas se prostituem.

A personagem Jéssica tem uma filha pequena, o que marca a trama de luta pela

guarda da menina com a família do pai, que não aceita o ambiente familiar em que a

criança está sendo criada, pelo fato de Jéssica se prostituir. Outra parte marcante da trama acontece quando a personagem aparentemente aceita realizar um programa

com dois homens, mas quando percebe que um deles é o ex-namorado de sua amiga ela desiste; então Jéssica é obrigada a entrar no carro e é estuprada com uma arma apontada em sua boca.

Daiane é a mais jovem das personagens, com 14 anos de idade tem uma

história marcada por constantes estupros, que acontecem há anos pelo tio que a cria

como filha. A jovem é rejeitada pelo pai biológico desde que nasceu e, mesmo após inúmeras investidas, pouco consegue se aproximar do pai.

A personagem Sabrina sobrevive com dinheiro da prostituição, do trabalho em

uma lanchonete e do namorado. Após relatar ao companheiro sua gravidez, ele exige que Sabrina faça um aborto, proferindo ameaças de que não terá mais casa para

morar ou o dinheiro dele. Esta personagem traz consigo uma história de abandono, da mãe que não a aceita e do namorado que a abandona grávida.

A perspectiva teórica deste estudo de recepção está fundamentada nas ideias

de Orozco (2005), sendo o caminho metodológico desenvolvido por meio de duas

fontes de mediação: situacional e individual. As entrevistas foram elaboradas de acordo com Duarte (2009), em que a abordagem em profundidade compreender situações e problemas:

serve para

A entrevista em profundidade é um recurso metodológico que busca, com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer. (DUARTE, P. 62, 2009)

O trabalho também busca realizar o estudo sob o ponto de vista do cotidiano

familiar, definido por Martín-Barbero (1997, p. 293) “... com uma filosofia que atribui 398

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ficção audiovisual e literária

à televisão uma função puramente reflexa, começa a se estabelecer uma concepção que vê na família um dos espaços fundamentais de leitura e codificação da televisão”.

2 Cenário da Violência Contra a Mulher

A cidade, que é a base deste estudo, fica localizada no extremo norte do Rio

Grande do Sul, na microrregião do Médio Alto Uruguai. De acordo com dados do IBGE

2016, Frederico Westphalen possui uma população estimada de 30.699 habitantes.

A escolha da temática tem sua relevância fundamentada em dados estatísticos.

Conforme a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul,

Frederico Westphalen está classificada em 25º lugar no ranking da violência contra a mulher no Estado, o que ressalta a urgência de levar essa discussão para todos os âmbitos da esfera social.

A Secretaria de Segurança Pública desenvolveu uma pesquisa detalhada sobre

a violência contra a mulher no Rio Grande do Sul, no período de 2012 a setembro de

2015. De acordo com os registros, os casos de violência contra a mulher neste período chegam a 266.174 mil, sendo que 873 destes casos foram registrados em Frederico

Westphalen. É configurado como violência contra a mulher ameaça, lesão corporal,

estupro, femicídio consumado e femicídio tentado. Os casos de estupro registrados foram de 4.208, sendo 13 casos em Frederico Westphalen.

De acordo com estudos de Cerqueira e Coelho (2014), com base em dados do

Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), estima-se que por ano 527

mil pessoas são estupradas no Brasil. Apenas 10% destes casos chegam ao

conhecimento da polícia, sendo que mais de 70% das vítimas são crianças e adolescentes. Entre as vítimas 88,5% são do sexo feminino e 24.1% dos agressores são pais ou padrastos das vítimas.

É preciso, no entanto, reconhecer o efeito político da violência doméstica. Lesões corporais, tentativas de homicídio e homicídios cometidos por maridos ou companheiros são, sem dúvida, as expressões mais dramáticas e convincentes da opressão de que as mulheres são vítimas e da importância do trabalho das instituições voltadas para medidas punitivas ou para procedimentos de proteção às vítimas. (DEBERT; GREGORI, P. 170, 2008)

A maioria dos agressores é do sexo masculino, revelando que as mulheres são

autoras em 1,8% dos casos de estupro envolvendo crianças. “No geral, 70% dos 399

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ficção audiovisual e literária

estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o

que indica que o principal inimigo está dentro de casa e que a violência nasce dentro dos lares.” (Cerqueira; Coelho, 2014)

3 Frederico Westphalen e Estudo de Gênero De acordo com Marson (1995/1996, p.97), o “movimento feminista

organizado”, que se manifestou no Brasil e em outros países desde a década de 1960,

vem contribuindo para a desconstrução de estereótipos de gêneros, em que:

Falar de gênero em vez de falar de sexo indica que a condição das mulheres não está determinada pela natureza, pela biologia ou pelo sexo, mas é resultante de uma invenção, de uma engenharia social e política. Ser homem/ Ser mulher é uma construção simbólica que faz parte do regime de emergência dos discursos que configuram os sujeitos. (STREY; CABEDA; PREHN, 2004, p.29)

Frederico Westphalen cresceu sob as leis da Igreja, em que o Padre ditava as

normas e era fonte a ser consultada antes de qualquer atitude política ou social. No livro Painéis do Passado (1969), Monsenhor Vitor Battistella conta como era a rotina em Frederico Westphalen.

No período áureo de 1940 a 1955, chegamos a contar com perto de 100 catequistas, distribuídas em 27 centros, dotadas de regular formação, animadas, via de regra, de invejável zelo e apaixonada dedicação. Catequistas tive que continuaram no cargo de 15 até 18 anos. Mas, apesar de tantas e tão boas auxiliares, jamais me esquivei a ensinar pessoalmente a doutrina em todas as oportunidades, fossem quais e quantas fossem as ocupações, consciente de que nada possui tanta força e autoridade como a palavra de um pároco. (BATTISTELLA, P.180, 1969).

Com rigidez, Monsenhor Vitor Battistella agia na luta do que para ele eram

“elementos corruptores”. Sponchiado (p.117, 1989) cita a repreensão de uma das associações paroquiais para mulheres, as “Filhas de Maria”, as quais recebiam

punições caso frequentassem bailes de carnaval e, também, relata sua severidade quanto aos trajes das mulheres. “Outro inimigo que deu muito serviço ao Monsenhor,

foram as modas indecentes. Amparado em circulares da Cúria Diocesana, combatia tenazmente os trajes inconvenientes de senhoras e moças, no recinto da Igreja.”

Quando entramos no meio cultural, percebemos o quanto alguns discursos

pretendem legitimar certas normas da sociedade patriarcal; além de destacar o 400

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ficção audiovisual e literária

homem como superior à mulher, mantém outras categorias que produzem um sistema de desigualdade.

A categoria gênero se articula com outros marcadores sociais para produzir seus reais efeitos de poder, inclusive construindo hierarquizações no interior de um mesmo gênero, onde o homem branco é superior aos negros, latinos, asiáticos, muçulmanos etc. Nesse sentido, o homem, além de seu pertencimento étnico/racial, se for rico e cristão encontraria ai outras vantagens culturais para exercer o poder de marcação e definição de “outros” corpos, e “outras” identidades. (PRADO; DI GIORGI; RIBEIRO, P. 80, 2015)

4 Cinema Brasileiro e a Personagem Feminina

A figura feminina é representada em todas as esferas de manifestações

artísticas, e no cinema não poderia ser diferente. Atravessada por diferentes períodos, a produção cinematográfica brasileira têm constantemente atrelado a personagem

feminina ao contexto histórico vivenciando pelo país, como afirmam Cardoso; Rossetti; Santos

O papel da mulher no cinema produzido no Brasil reflete situações vividas pela população feminina do país, em diferentes períodos históricos, localizações geográficas e grupos sociais. As contradições femininas também são foco das produções cinematográficas. (ROSSETTI; SANTOS; CARDOSO; 2014, p.74).

Até a segunda metade do século XX, que trazia consigo grandes mudanças

políticas e sociais, a mulher ainda se encontrava totalmente sujeita às normas de uma

sociedade patriarcal em que a figura masculina predomina sob todos os aspectos que

dizem respeito aos direitos e à vida pública. O papel concedido à mulher nessa época se limitava a cuidadora do lar e progenitora, cabendo a ela apenas as ocupações da

portapara dentro de casa, o que retrata a crença da inferioridade feminina que predominava no pensamento da sociedade.

E essa realidade era reescrita no universo cinematográfico, em que as

mulheres tinham seus papéis condizentes com o que lhes era permitido fazer no

contexto cotidiano, e segundo Galetti (2012, p.554), “as posições que essas ocuparam

nos filmes, era um reflexo de como a sociedade patriarcal via as mulheres, como gostaria que elas se comportassem perante a sociedade ou uma crítica à situação da mulher na sociedade, ocupando uma posição marginal”.

Albuquerque (2003, p.32) afirma que o padrão instaurado, em que

predominavam as ideias do homem, seja como macho, ou como pai, não poderia ser 401

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contestado. E desse modo, toda a organização social deveria se dar em torno da figura

do patriarca, não permitindo que qualquer função considerada importante fosse concedida às mulheres.

A respeito da posição que as mulheres ocupavam, o que era esperado delas, é possível perceber o porquê elas eram retratadas no cinema sob olhar masculino, pois esse considerado “olhar masculino” no patriarcado, tem capacidade de dominar e reprimir a mulher, por seu poder controlado sobre o discurso e o desejo feminino (GALETTI, 2012, p.554).

A partir de 1960 se observa uma ruptura no modelo tradicional de

representação feminina no cenário cinematográfico, pois se inicia um processo de

questionamento às regras patriarcais e a condição submissa da mulher. Crê-se que

esta mudança nas narrativas ficcionais brasileiras teve a sua inspiração em diversos movimentos desta década que ocorreram em vários lugares do mundo, visando desconstruir as ideias da dominação masculina e proporcionar voz às mulheres.

Conforme a figura feminina conquistava o seu espaço, também exercia aos

poucos o seu direito à liberdade. Kaplan (1995, p.23) afirma que estes movimentos

propiciaram coragem à mulher para tomar posse de sua sexualidade, o que se tem tornado uma verdadeira afronta para a sociedade masculinizada. A representação feminina no cinema permitia aos poucos uma personagem ousada, dono do seu corpo, no entanto ainda prevalece a erotização da mulher, como objeto do desejo masculino.

Adentrando no cenário do cinema do século XXI, observa-se a representação

de uma personagem vivenciando um contexto social que já proporciona uma igualdade de direitos maior, mas que ainda apresenta uma infinidade de barreiras

que precisam ser transpostas, como os diversos problemas sociais que atingem atualmente ambos os sexos. Como afirmam Cardoso; Rossetti; Santos

No final da primeira década do século XXI, a imagem da mulher no cinema brasileiro é, até certo ponto, reflexo das inquietações e angústias que atormentam a mulher contemporânea. Mais do que ser a esposa submissa, a mocinha romântica, a matriarca tradicional ou o objeto sexual, a mulher apresenta-se como uma cidadã que sofre as mesmas injustiças sociais e culturais que muitos homens. (CARDOSO, ROSSETTI, SANTOS, 2014, p.7).

Situação que se denota no filme, Sonhos Roubados, escolhido como objeto

deste estudo, em que as três principais personagens femininas se deparam com as

poucas perspectivas de uma vida melhor. Apesar do contexto de pobreza da vida em

uma zona periférica, ainda estão sujeitas a violência que marca as suas histórias, mas

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ficção audiovisual e literária

não as impede de sonhar com o que faria seus dias mais felizes, como condições melhores para os filhos, casa própria, o reconhecimento do pai.

Lançando um olhar mais amplo sobre o cinema brasileiro, Rosália Duarte

(2009) ressalta que apesar de toda a transformação social ocorrida nas últimas

décadas, a imagem de uma mulher independente e determinada dificilmente está atrelada à feminilidade.

A mulher é, quase sempre, coadjuvante. De um modo geral, o protagonismo feminino em narrativas fílmicas é fortemente marcado por definições misóginas do papel que cabe às mulheres na sociedade; casar-se, servir ao marido, cuidar dos filhos, amar incondicionalmente. Mulheres livres, fortes e independentes são frequentemente apresentadas como masculinizadas, assexuadas, insensíveis e traiçoeiras. São comuns as situações em que elas atuam como o elemento desestruturante, como a força de ruptura na narrativa. (DUARTE, 2009 p.46-47).

5 Cinema e Estudos de Recepção

Ao contrário do que pensavam os filósofos da chamada Escola de Frankfurt, o

receptor também é um produtor de sentidos. Ele não recebe a informação dos meios e

ignora os conflitos e as contradições que vão contra sua cultura, pelo contrário, o

receptor interpreta os fatos de acordo com sua realidade e seu meio social. É o que

tem demonstrado os Estudos de Recepção, que no Brasil iniciaram entre 1950 e 1960, com pesquisas de audiência voltadas ao mercado.

Orozco (2005, p.31) afirma que a recepção implica em diversos graus de

envolvimento e processamento de conteúdo, “Essa sequência começa com a atenção, passa pela compreensão, seleção, valoração do que foi percebido, seu armazenamento

e integração com informações anteriores, e finalmente se realiza uma apropriação e produção de sentido”.

Em relação a recepção do filme Sonhos Roubados, devemos compreender que o

estudo não se passa em uma sala de cinema, mas sim na residência familiar dos sujeitos. Por isso, é preciso esclarecer que, neste estudo, nossos receptores não se encontram em uma “situação fílmica” que, segundo Fragoso (apud SILVA, 2009,p.90),

trata-se de “[...] uma experiência marcada pela imobilidade, escuridão, silêncio,

distanciamento das pressões do cotidiano, de modo que tudo isso produzisse uma

condição onírica [...]”,mas o telespectador possuí uma experiência perceptiva diante

da televisão, onde ela “[...]encontra-se tipicamente inserida no ambiente doméstico, é 403

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ligada casualmente e enuncia significados que se misturam a estímulos da vida dita real.”

Denominamos esta situação de “recepção doméstica”. Nos interessa

compreender a leitura do filme pelas famílias sob a perspectiva de dois modos de

mediação: a situacional e a individual. A mediação situacional lida com o ambiente em

que o filme é exibido, neste caso o ambiente familiar, no local onde a família se reúne para ver filmes, assistir noticiários e formar opiniões a cerca do que é transmitido. Segundo Migliora(2008),

Mediação situacional é aquela que considera as situações nas quais se processam as relações entre o receptor e a mídia, como por exemplo, o lugar onde a televisão é vista (sala/quarto; casa/escola etc.), com quem se vê (sozinho, com adultos, com outras crianças etc.), modos de ver (horários programas prediletos, hábitos etc.). (MIGLIORA,2008,p.4)

Outra forma a ser analisada é a mediação individual, que leva em conta o

contexto socioeconômico em que o individuo se encontra, além de sexo e faixa etária.

Nesta mediação podemos observar se a idade, sexo e classe social influenciam no modo de ver do sujeito comunicante. 6 Metodologia

Como interlocutores da pesquisa, optamos por selecionar três famílias

oriundas de distintas classes sociais, no intuito de analisar como a realidade do

contexto sócio-cultural interfere na constituição da opinião dos sujeitos, e quais as suas leituras acerca do tema violência contra a mulher.

A escolha das famílias participantes do estudo foi realizada por meio da classe

social, com base na tabela de renda familiar do IBGE, e da localidade onde elas residem, dividindo a cidade em três zonas. Assim, as famílias selecionadas foram: uma

da classe E, residente em bairro periférico da cidade; da classe C, residente na zona

rural; e uma família de classe B, residente no centro da cidade; assim, acreditamos

que contemplamos as principais realidades das famílias do município.

O processo de constituição do corpus para a posterior análise ocorre por meio

da aplicação de uma entrevista com perguntas referentes à violência contra a mulher, antes da exibição do filme, e posterior à exibição do mesmo, tendo em vista constatar como o produto audiovisual implica na opinião, reação e argumentação dos sujeitos

sobre a temática, com destaque especial a o que entendem por violência e suas 404

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situações. As perguntas, conforme Duarte (2009), são classificadas como semiabertas (roteiro base semiestruturado) e de abordagem profunda. E, ainda, perguntas fechadas, como item complementar.

A perspectiva metodológica deste estudo de recepção está fundamentada nas

ideias de Orozco (2005), sendo o caminho desenvolvido por meio de duas fontes de

mediação: situacional e individual. Mesmo a classificação indicativa do filme sendo

para maiores de 16 anos, o estudo da recepção foi realizado apenas com os membros maiores de 18 anos, por entender que o sujeito já é totalmente responsável pelas suas ações na sociedade. 7 Análise

A primeira fase da pesquisa foi desenvolvida com base em perguntas sobre o

papel do homem e da mulher na sociedade e na família, percepções dos sujeitos acerca da violência contra a mulher, família, estupro, incesto, sexo e se acreditam que o estupro pode estar relacionado a maneira de se vestir e se comportar. Para

fomentar a discussão no seio familiar, optamos por voltar alguns dias depois para assistir o filme e realizar as perguntas da segunda fase. Para melhor compreensão dos sujeitos comunicantes, vamos dividi-los em zonas: urbana, rural e periférica.

A Família (A) reside na zona urbana, constituída por um casal de empresários.

A mulher tem 27 anos e possui o terceiro grau incompleto. O homem tem 33 anos e

possui graduação completa. Essa família tem o hábito de assistir pelo menos três filmes por semana.

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Imagem 01 – Ambiente da recepção e residência da Família A

A Família (B) reside na zona rural, constituída por um casal de agricultores e

dois filhos, de 4 e 17 anos. A mulher tem 39 anos e estudou até a 7ª série do ensino fundamental. O homem tem 42 anos e estudou até a 4ª série do ensino fundamental.

Essa família não tem o hábito de assistir filmes, sendo que a televisão está instalada no ambiente da cozinha.

Imagem 02 – Ambiente da recepção e residência da Família B

A Família (C) reside na zona periférica, constituída por um casal e um filho

adotivo de 12 anos, sobrinho do homem. A mulher tem 37 anos e estudou até a 3ª

série do ensino fundamental, no momento desempregada. O homem tem 54 anos e

estudou até a 2ª série do ensino fundamental e trabalha como pedreiro e carpinteiro.

O homem não tem o costume de assistir filmes, no entanto a mulher relatou que 406

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assiste os filmes que passam em rede de canal aberto, sendo a única que afirmou já ter assistido o filme objeto de análise.

Imagem 03 – Ambiente da recepção e residência da Família C

Na primeira fase do estudo, em relação as perguntas sobre a visão da mulher

no contexto social e familiar, a Família (A) da Zona Urbana respondeu que a mulher é

fundamental em todos os processos, no trabalho e família. A mulher da Família (A)

frisa que as características de dona de casa foram se perdendo; e o casal destaca o papel empreendedor da mulher. Para o homem da família (B) da Zona Rural, a mulher

desempenha o papel de mãe, ao lado do homem nas decisões; e ela acredita que hoje o espaço da mulher é maior, com o papel de mãe, professora e política. O Homem da

família (C), da Zona Periférica, acredita na mulher como mãe e dona do lar; e ela descreve a mulher como mãe e excluída da sociedade e do trabalho.

Quando perguntados sobre violência contra a mulher, a famílias (A) relatou

nunca ter vivenciado esse tipo de violência. Na família (B) o homem percebe essa violência como uma atitude de deixar apenas a mulher realizando o trabalho e ‘deitar

nas costas’; ela acredita que tem que dar cadeia e acha injusto quem bate, mas que em alguns casos a mulher procura. Para o homem da família (C), esse tipo de violência é

realizada por drogados, relatando que sua irmã foi assassinada pelo companheiro; já

a mulher tem a visão de que essa forma de violência está em proibir a mulher, xingar e bater.

Em relação ao estupro, todas as famílias mencionaram que no Brasil deveria

existir pena de morte para esses casos, por considerar um crime de extrema

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gravidade. Ao serem questionados se casos de estupro podem estar relacionados com a maneira da mulher se vestir ou agir, as opiniões divergem.

Para a mulher da família (A) as vestimentas ou atitudes não influenciam o

estupro, relatando que “a vestimenta é do estilo de cada um”. O homem da família (A)

acredita que isso não deveria estar relacionado, por mais que muitas vezes escute

relatos de homens ou notícias que falem sobre isso. Na família (B) ambos acreditam

que o estupro possa estar relacionado com a maneira de se vestir ou agir; a mulher

expressa que “hoje em dia, eu quero dizer, 100% não, mas 50%, 60% tá na maneira da mulher se vestir, porque tu vê por aí tanta coisa que não tem nem cabimento né”.

Na família (C) o homem relata que “não, isso ai ta na maneira de se comportar, porque

a roupa não é defeito, porque é o cara sem vergonha, que não presta. Se fosse isso aí

não estupravam as crianças também, porque a maioria dos casos são crianças.” Já para a mulher da família (C) atitudes e roupas podem estar relacionadas ao estupro

“eu acho que a roupa sim, que chama a atenção pro estupro. Tem gente que anda quase pelada, dai chama atenção mesmo”.

Na segunda fase os membros da família assistiram ao filme Sonhos Roubados.

As famílias (B) zona rural e (C) zona periférica não costumam assistir filmes, sendo as

que mais se distraiam durante a exibição. Os membros da família (C) chegaram a sair até a varanda, em ocasiões diferentes, por cerca de 2 a 3 minutos. A família (A) zona

urbana é a que mais assiste a filmes, sendo a única que permaneceu com total atenção no filme.

As reações das famílias foram comedidas durante a exibição. A família (A)

permaneceu com o olhar atento a tela, sendo que um dos únicos momentos de fala

durante a exibição foi quando a mulher disse “altos programas”, em relação à cena em

que a personagem Jéssica vai até o presídio fazer programa e cortinas de lençóis separam as camas. Na família (B) em algumas cenas de sexo o olhar era desviado para o chimarrão ou para o lado de fora da residência; as expressões de maior comoção

foram em relação à personagem Daiane, reprovando cenas de estupro e demonstrando alegria ao ver o pai de Daiane participar da valsa de 15 anos da filha. A família (C) iniciou o filme comentando os personagens conhecidos das telenovelas brasileiras e expressando reprovação as cenas de estupro.

A segunda etapa da entrevista foi desenvolvida com base nas cenas do filme.

As famílias (A) e (C) disseram não se identificar com nenhum personagem; no entanto 408

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a família (B) comentou que se identificou com a personagem Daiane, pelo sentimento de se colocar no lugar da menina que é abusada pelo tio e rejeitada pelo pai. A mulher

da família (C) relata que se identifica por “se colocar no lugar dela. A mãe abandonou e o pai não queria, restou fazer o que ela fazia.”

Novamente as famílias foram questionadas sobre o posicionamento diante da

violência contra a mulher. A mulher da família (A) diz que “o filme mostra uma

realidade, é uma periferia, é uma favela, é uma classe social diferente. Que nem eu

disse antes, é revoltante, mas tipo assim, é uma cultura de favela essa eu acho. Acredito que falta educação, enfim.” O homem da família (A) complementa dizendo

que vai além da educação “É bem complicado, é uma situação estranha e revoltante, é uma realidade que tá bem longe de nós”.

A família (B) falou que as únicas atitudes justicáveis seriam de Daiane, por ser

muito nova e ter um tio que a estuprava desde cedo, assim a mulher afirma seu

posicionamento dizendo: “o que mais me chamou atenção foi a menininha, mas o

resto, elas que provocavam. Se uma pessoa decente caminha na rua, ninguém te pega a força. As outras faziam por querer, não tinham problema nenhum, podiam ir procurar um trabalho, não aquilo.”

Para o homem da família (C) esse assunto é muito sério e ruim, porém ele

acredita que aquela era a vida delas. A mulher fala que “aquilo ali aconteceu porque elas não tinham família, eram só elas e isso ali.”

Em relação às cenas que mais comoveram no filme, a família (A) Zona Urbana,

relatou que foi quando Jéssica perde a guarda de sua filha “a que mais me comoveu foi a retirada da filha da Jéssica, porque independente da classe social, tirar o filho da

mãe é doído”. Outra cena comovente para a mulher seria a da menina que é estuprada

pelo tio, pois segundo ela “é chocante saber que um tio, que deveria te cuidar e te proteger, faz isso”.

Para a Família (B) Zona Rural, a cena mais comovente foi a da cabeleireira

ajudar Daiane a denunciar o tio que constantemente a estuprava “aquela me deixou

mais aliviada, por uma pessoa pegar a frente e ajudar denunciar”. O homem da família (C) Zona Periférica, relata que a cena que mais o comoveu foi a da personagem Jéssica

sendo agredida por dois homens; e para a mulher foi a cena em que Daiane era abusada pelo tio.

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Em relação a cena que mais os incomodou durante o filme, a família (A) disse

que foi a de Jéssica sendo estuprada por dois homens, sendo violentada mesmo desistindo do programa. O homem relata que “foi uma cena bem chocante, até a forma como foi feito, de largar ela em qualquer lugar, como se fosse um objeto.”

Para a mulher da família (B) a cena em que Sabrina revela sua gravidez ao

namorado e ele ameaça tirar ela de casa, se não fizer o aborto, é a que mais lhe incomodou. E para o homem foi no momento em que Jéssica é barrada na porta do

Conselho Tutelar “Seria de incomodar por ela não ser atendida, mas do jeito que ela tava vestida eles tinham razão também. Fazer o que né”

O homem da família (C) aponta que a cena que mais incomodou foi a das

prostituições “de elas venderem o corpo né, ali também é ruim, mas de certo elas não

têm outro meio.” Para a mulher o filme todo incomoda, sendo que as únicas cenas que não incomodam são as da cabeleireira que ajuda Daiane a denunciar o tio.

Outro questionamento foi em relação a oportunidades da mulher no mercado

de trabalho. Para a mulher da família (A) as oportunidades são as mesmas e o homem afirma que “ainda tem muito espaço pra mulher crescer. Mas como em qualquer profissão, quem tiver competência, seja mulher ou homem, vai ganhar a vaga.”

A família (B) acredita que as oportunidades no mercado de trabalho são iguais

para todos. O homem da família (C) também acredita na igualdade de oportunidades,

no entanto a mulher da família (C) relata que as oportunidades não são iguais

“Acredito que não. Porque assim, a gente vê, a gente vive isso, eu mesma fui ver emprego, tem pra homem e pra mulher não”.

Em relação à personagem Daiane no filme, a Família (A) zona urbana, mostra-

se indignada perante a situação “é bem chocante, parece que fica evidente que a falta

de dinheiro e condições, porque ali parece que falta tudo, leva as pessoas a fazer as coisas mais absurdas. Que em uma sociedade com educação, comida na mesa e família estruturada não deveria acontecer. Ali dá a entender que a desestruturação geral causa um caos geral”.

A família (B) zona rural, comenta que a reação foi de espanto com as

constantes cenas de estupro. Os presentes que Daiane recebia do tio ela aceita por não ter outra opção do que fazer “aceitava por obrigação, porque não tinha o que ela fazer, porque o pai nem queria vê-la, ai se ela bagunçasse ele [tio] jogava na rua”.

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ficção audiovisual e literária

Para a família (C) sentimento é ruim ao ver as cenas da personagem Daiane,

relatando que os presentes que ela aceitava não mudam o fato de a personagem ter

sido abusada “acho uma coisa ruim ser abusada pelo próprio tio. Ali ela fez certo, tem que ir pra cadeia e a tia que encobria a sujeira do tio dela também”.

Em relação a cena em que a personagem Jéssica é levada por dois homens após

desistir de um programa, os sujeitos divergem nas opiniões, sobre o fato de haver ou não violência contra Jéssica. Para a família (A) as cenas claramente mostram um caso de violência grave “Ela escolheu fazer e depois escolheu não fazer, e esse ato da

mulher decidir que não quis mais isso se caracteriza uma violência. A mulher pode mudar de opinião, todo mundo tem esse direito, eu posso dizer que eu quero um café e depois dizer que não quero um café.”

O homem da família (B) acredita que houve violência contra Jéssica na cena, no

entanto a mulher afirma que não, pois “acho que mais culpa é dela que dos outros, porque ela sabia, independente se eram conhecidos ou não, ela sabia que eram dois,

tinha até feito o preço para os cara”. Na família (C) o casal avalia que as cenas de

Jéssica no carro com os dois homens são de muita violência, porque a personagem desistiu do programa e acabou sendo agredida.

As famílias também foram instigadas a refletir se houve algum tipo de

violência contra a personagem Sabrina, que no filme violência doméstica, com

ameaças ligadas a questão financeira. Para a mulher da família (A) existiu violência, fruto de um relacionamento ameaçador, sendo que para o homem a história relata a vida de uma jovem que quer sair da extrema pobreza e acaba sendo mandada embora

quando o personagem do namorado percebe que não terá mais prazer com ela, condição que o fazia manter financeiramente a Sabrina.

A mulher da família (B) disse que nas cenas de Sabrina não houve violência,

“quem procurava era elas. Nenhuma vez foi um cara lá tentar agarrar elas a força. Só

na hora do aborto, aí não sei se era violência ou não. Acho que não houve violência.” O homem da família (B) identificou violência no momento em que o namorado de Sabrina a ameaçou tirá-la de casa se ela não abortasse.

O homem da família (C) não conseguiu identificar nenhum tipo de violência

contra Sabrina, porém a mulher relatou que houve violência “do cara ter mandado ela tirar o bebê, ali foi uma violência, porque ele deu dinheiro”.

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ficção audiovisual e literária

8 Considerações Finais Em relação à maneira com que respondiam as perguntas, no caso da Família

(A), da Zona Urbana, houve preocupação em não expressar preconceito, sendo as

respostas respondidas com certa cautela. Na família (B), da Zona Rural, as respostas

do homem eram curtas e sem muito aprofundamento, no entanto as da mulher eram

mais diretas e espontâneas. A família (C), da Zona Periférica, respondeu a entrevista

de maneira bem aberta, sempre relacionando os questionamentos com as vivências pessoais, inclusive relatando duas situações de violência contra a mulher que vivenciaram com parentes próximos.

É notável que alguns sujeitos não conseguiam distinguir e identificar os

diversos tipos de violência contra a mulher. A única família que ambos distinguiram,

com certa facilidade a violência exibida no filme, foi a família (A). De modo geral, as

famílias não se identificaram com o filme. Mesmo a família (C), que relatou ter adotado três meninos, cuja mãe foi vítima de violência, disse não se identificar com o filme e o classificou como ruim, demonstrando claro desgosto quanto ao filme.

O ambiente em que a família costuma assistir televisão já denotava, antes

mesmo das perguntas, qual era a frequência com que os sujeitos assistiam filmes. A Família (B), que possui a televisão na cozinha, já demonstrava que não possuía o

habito de ver filmes ou novelas. O relato desta família, que reside na zona rural, revela

desinteresse pelo audiovisual, estando ligados ao rádio e as atividades ao ar livre. O ambiente da família (A) foi o mais propício para a exibição do filme, com local mais escuro e o sofá de frente para a televisão, sendo a família que mais assiste filmes.

O que permanece, do estudo da recepção do filme Sonhos Roubados, é a

importância da família conversar acerca das questões levantadas antes e após a exibição. Desta forma, fica estabelecida uma abordagem mais aprofundada no seio

familiar e na sociedade, sobre assuntos relacionados a violência contra a mulher,

fomentando as discussões e o amadurecimento das famílias.

A televisão tem o poder, não somente de aproximar, mas de levar muitos

assuntos, que antes se quer seriam mencionados, para as discussões familiares.

“Moralista ou sensata, fragmentada ou sistemática, informada ou reacionária, a

mediação familiar manifesta-se de maneira efervescente como as audiências assistem

à televisão.” (Orozco, 2014).

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ficção audiovisual e literária

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ficção audiovisual e literária

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As fanfictions nas pesquisas brasileiras: uma metaanálise Wesley Pereira GRIJÓ1 Gabriel ARAÚJO2 Taluana PANIZZA3

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, RS

Resumo: O objetivo do estudo é mapear como as pesquisas brasileiras abordam o fenômeno das fanfictions, tendo como objeto de análise dissertações e teses produzidas em Programas de Pós-Graduação brasileiros. Para efetivar tal objetivo, o estudo é de abordagem qualitativa, com a coleta de dados direcionada pelas pesquisas exploratória e bibliográfica. Posteriormente, foi realizada a meta-análise das informações no sentido de entender como as narrativas dos fãs foram problematizadas nas pesquisas brasileiras. Ao todo foram encontrados 20 estudos, entre dissertações e teses, defendidas entre os anos de 2013 e 2016. Palavras-chave: Fanfictons; Pesquisa; Meta-análise. Introdução

A partir da crescente presença da comunicação digital no cotidiano da sociedade

contemporânea, emerge também o maior número de pesquisas que tentam compreender o novo cenário de produção, circulação e recepção dos produtos midiáticos. No contexto comunicacional de convergência dos meios, dos mercados e

das inteligências coletivas (JENKINS, 2009) e, mais recentemente, das conexões entre instituições midiáticas e sujeitos (JENKINS; FORD; GREEN, 2015), a audiência, que

1 Wesley Pereira Grijó – Doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor da Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Coordenador do Núcleo de Audiovisual, Imagens técnicas e Práticas socioculturais (CNPq/UFSM). 2 Gabriel Araújo – Graduando do curso de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Bolsista Fipe/UFSM/2016. 3 Taluana Panizza - Graduanda do curso de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM.

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ficção audiovisual e literária

outrora apenas consumia o conteúdo dos meios, passou a resignificá-lo das mais diferentes formas como é caso da experiência da produção de fanfictions.

Segundo Sá (2002), as fanfictions são histórias de ficção escritas por fãs a partir

de narrativas e personagens já existentes na literatura, no cinema ou na televisão. Johnson (2001) considera-as como um novo gênero literário típico da cultura das

interfaces, em que os usuários não estão mais preocupados, exclusivamente, em narrar novas histórias, mas também contá-las a partir de suas perspectivas.

Dentro dessa perspectiva, este trabalho tem como objetivo mapear como as

pesquisas brasileiras abordam o fenômeno das fanfictions, tendo como objeto de

análise dissertações e teses produzidas em Programas de Pós-Graduação brasileiros. Para efetivar tal objetivo, o estudo é de abordagem qualitativa, com a coleta de dados

direcionada pelas pesquisas exploratória e bibliográfica. Posteriormente, foi realizada a meta-análise das informações no sentido de entender como as narrativas dos fãs foram problematizadas nas pesquisas brasileiras.

Assim, este artigo está dividido em três grandes seções: conceito de fanfictions;

meta-análise das dissertações e teses, subdividida em três partes: análise dos

trabalhos de outras áreas, análise dos trabalhos da comunicação e informação; e, por

fim, as considerações finais.

A emergência das fanfictions Segundo Jenkins (2008), a fanfiction é uma expressão da cultura popular e

uma forma do leitor cultivar contato com os personagens e histórias de sua obra preferida com mais intensidade que um leitor tradicional. Se em outros contextos

comunicativos, os sujeitos enquanto fãs restringiam-se apenas ao papel de leitor, ouvintes ou espectadores, com as possibilidades oriundas da comunicação digital esta função foi aumentada devido à possibilidade destes poderem realizar produções a

partir daquelas às quais manteve afeto. Especificando melhor essa ideia, Souza e colaboradores (2015) acrescentam que:

[...] as fanfictions podem explorar ficcionalmente desde os possíveis relacionamentos imaginados entre os membros de uma banda de pop japonês até supostos casos homoeróticos entre Spock e o Capitão Kirk (Star Trek), havendo mesmo fusão de elementos oriundos de experiências culturais distintas, como reescrituras de Cinquenta Tons de Cinza que trazem Justin Bieber como protagonista.” (SOUZA et al., 2015, p. 108)

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ficção audiovisual e literária

Além disso, no processo de integração das tecnologias midiáticas com a digital,

graças ao desenvolvimento da Web 2.0 (O’REALLY, 2007), a interação do usuário com

a informação é o grande diferencial desta geração, possibilitando aos sujeitos a

produção e o compartilhamento de conteúdo, transformando-os no que Toffler

(1980) chamou de prosumer, ou seja, o indivíduo que produz algo para consumo

próprio. Expandindo esse sentido inicial de prosumer, Santaella (2003) considera que

o usuário assume o papel tanto de produtor da informação quanto de consumidor da

mesma. No atual cenário, os sujeitos podem tornar-se produtores, criadores, compositores, montadores, apresentadores, difusores de seus próprios produtos, utilizando como suporte material o que Manovich (2001) denomina de “novas

mídias” para a distribuição desses materiais4. Com isso, “uma sociedade de

distribuição piramidal começou a sofrer a concorrência de uma sociedade reticular de integração em tempo real. Isso significa que estamos entrando numa terceira era midiática, a Cibercultura” (SANTAELLA, 2003, p.82).

Entre as materialidades potencializadas a partir da atuação dos prosumers na

cultura da convergência estão as fanfictions. Assim, os sujeitos receptores de conteúdos produzidos pela indústria cultural - no caso deste estudo do conteúdo

televisivo - têm a iniciativa de manifestar suas impressões sobre esses produtos, de recriá-los e disponibilizá-los em meio eletrônico para compartilhar em comunidades virtuais suas experiências de recepção, produção e fruição. Martin (2007) considera

que poderíamos incluir as fanfictions como “metaficções”. Esse prosumer no contexto de produção de fanfictions é denominado de ficwriters: são sujeitos comunicantes em quem os papeis de papeis de autor e leitor/ouvinte/espectador assumem posições

híbridas. Além disso, na sua essência, os ficwriters buscam ganho financeiro com suas produções, apesar de já existirem alguns caso em que devido à grande repercussão

tiveram seus direitos comprados por grandes empresas como é o caso de Master of The Universe, uma fanfiction derivada da Saga Crepúsculo que deu origem a série de livros Cinquenta tons de Cinza, com grande retorno financeiro nos mercados editorial

e cinematográfico. Na maioria dos casos, os ficwriters resignificam suas obras

Nesta pesquisa consideramos "novas mídias", conforme a concepção de Lev Manovich (2001), ou seja, são textos distribuídos em computador, websites, livros eletrônicos, etc., representando a convergência de duas trajetórias históricas: a computacional e a das tecnologias midiáticas.

4

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preferidas e criam outras histórias derivadas destas e, em alguns casos, acrescentam personagens e narrativas de diferentes universos narrativos.

Alguns pesquisadores já observam o fenômeno das fanfictions há alguns anos

contribuindo para uma melhor compreensão da cultura participativa em relação aos

produtos midiáticos. Dentre esses trabalhos destacamos, entre livros, artigos científicos, teses e dissertações: Vargas (2005), Martin (2007), Siqueira (2008), Sachs (2012), D´Oliveira e Romanelli (2013), Magnoni e Miranda (2013), Bezerra (2014) e

Santiago (2014). Esses estudos têm como objeto empírico de pesquisa o processo de

reescrita da versão original de produtos televisivos, principalmente, séries norte-

americanas. Cabe ressaltar que recentemente, Souza e colaboradores (2015)

realizaram pesquisa exploratória sobre as ficções criadas por fãs a partir de

telenovelas brasileiras no triênio 2010-2013 e concluíram que a circulação dessas produções ocorre em uma variedade de plataformas (sites repositórios, blogs e redes

sociais online) a partir das múltiplas maneiras como os autores das fanfictions reinterpretaram as narrativas televisivas.

Na visão de Vargas (2005), as produções dos fãs são textos que fãs criam

inspirados em um enredo original, aumentando ou modificando o roteiro das

histórias, acrescentando novos personagens e alterando as relações entre os já

existentes. Os escritores/fãs são chamados de ficwriters ou fanfiqueiros.

[...] a produção da fanfiction começou justamente pela iniciativa de fãs que sentiam necessidade de estender o contato com o universo ficcional por eles apreciado para além do material disponível, como o capítulo semanal de um seriado televisivo”. (VARGAS, 2005, p. 21)

Conforme Santiago (2014), a fanfiction pode ser entendida como a realização

de uma integração tecnológica das várias formas de produção e venda de um produto. Assim, permite aos consumidores o uso de um grande número de recursos e tem

como base o conceito de “cultura participativa”, segundo o qual a participação dos fãs

numa nova plataforma de interação, possibilita trocas rápidas de conteúdo e o acréscimo de novas ideias ou de recursos narrativos. Magnoni e Miranda (2013) acenam ainda que, atualmente, o público desafia e questiona concepções de

propriedade intelectual e industrial à medida que faz circular material midiático comercial em redes de compartilhamento, principalmente, quando os bens culturais 418

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distribuídos são resultados da apropriação e da alteração desse conteúdo midiático, como ocorre regularmente no caso das fanfictions, dos fanfilms ou das fanzines.

Em comunidades presenciais e também nas virtuais, os consumidores

defendem seus desejos e pontos de vista acerca do conteúdo midiático. A própria

mídia comercial transfere autoridade para o público e o convida a interferir em seu

conteúdo com o uso de votações, enquetes, promoções facilitadas pelos novos recursos instantâneos e interativos permitidos pelos dispositivos digitais.

Ao tratar da relação entre convergência dos meios de comunicação, cultura

participativa e inteligência coletiva, Jenkins (2008) aponta que vivenciamos um processo de transformação cultural, uma vez que os consumidores são incentivados a

procurar novas informações e a fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos. O público que ganha poder com as novas tecnologias presentes no espaço

de intersecção entre os velhos e novos meios de comunicação, agora solicita e faz questão do seu papel de participante. Os chamados fãs, ou seja, sujeitos atuantes e

com forte vínculo de afeto com a produção midiática ganham nomenclaturas e abordagens diferentes entre os autores: no que concerne à televisão, Jenkins (2008)

apresenta os fãs como “zapeadores”, “casuais” ou “fiéis”; num âmbito mais amplo, Sandvos (2013) divide-os em “adoradores” e “entusiastas”; e, por fim, Sullivan (2013)

pondera que a vinculação desses sujeitos ao conteúdo midiático passa por uma escala de desenvolvimento que inicia em “consumidor”, depois por “entusiasta”, “fã” e culmina com a posição de “produtor”.

Este atual contexto televisivo, em que os fãs recriam narrativas a partir das

obras originais e disponibilizam em sites, converge com a ideia difundida por Jenkins (2008) de “cultura participativa”. Inclusive, o estudo sobre fandom (comunidade de

fãs) iniciou oficialmente com a publicação de Textual Poachers por este pesquisador

(JENKINS, 1992). O termo deve ser compreendido como mais abrangente do que a

simples condição de fã, mas sim deve ser concebido como uma estratégia coletiva, uma união coletiva para constituir “comunidades interpretativas” sobre determinado

assunto (GRAY; SANDVOSS; HARRINGTON, 2007). Gee (2000) denomina de “affinity

groups” esse agrupamento de sujeitos em torno de um interesse comum que no

ambiente online não se vê mais limitado por barreiras físicas, visto que essa afiliação desenvolve-se em rede.

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Ainda na visão de Jenkins (2008), o usuário comum pode apropriar-se dos

artefatos culturais do nosso tempo, a partir de seus próprios termos, provocando

seleções, inflexões, justaposições e mensagens de recirculação. Assim, um novo público produtor/consumidor de conteúdo emerge, trazendo mudanças na forma como a mídia é feita e consumida. Pensando esse cenário, Shirky (2011) aponta que

as novas tecnologias permitem aos seus usuários criarem de forma colaborativa entre seus pares. Nesse sentido, o acesso a ferramentas baratas e flexíveis remove a maioria das barreiras para tentar produzir coisas novas, pois já não precisa de

supercomputadores para direcionar o excedente cognitivo. Além disso, as novas

mídias possuem uma característica tripla, pois as pessoas gostam de consumir, produzir e compartilhar, e isso, segundo Shirky, era algo que as mídias tradicionais

não possibilitavam e que veio a ser fortalecido agora, com o desenvolvimento tecnológico e que vem cada vez mais criando uma infraestrutura coletiva e recíproca.

Cabe ressaltar que antes do cenário atual da “cultura da convergência”, essa

relação dos fãs na ressignificação das produções midiáticas já existia com outras proporções. Vargas (2005) aponta que as primeiras experiências ocorreram quando

da exibição do seriado de TV norte-americano Star Trek (Jornada nas Estrelas) em 1967. O sucesso do produto televisivo fez surgir comunidades de fãs que passaram a

produzir suas próprias versões do seriado, que passaram a circular em meios não

profissionais e em convenções de fãs. Com o advento da rede mundial de

computadores a partir dos ano 1990, a produção de fanfictions deixou seu caráter

restrito e adquiriu contornos mais abrangentes como os que apresentam atualmente. Meta-análise das pesquisas sobre fanfictions

Neste estudo de abordagem qualitativa (FLICK, 2004), em que a coleta de dados

foi realizada por meio das pesquisas exploratória (ISER, 2006) e bibliográfica (LIMA; MIOTO, 2007) com o intuito de produzirmos uma meta-análise dos estudos brasileiros

e assim entendermos como as narrativas dos fãs foram problematizadas nas pesquisas brasileiras. Para isso, adotamos a perspectiva de Bicudo (2014) que

concebe esse procedimento como uma investigação que vai além daquela ou daquelas

já realizadas. Além disso, a pesquisadora entendo a meta-análise como uma retomada

da pesquisa realizada, mediante um pensar sistemático e comprometido de buscar 420

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ficção audiovisual e literária

dar-se conta da investigação efetuada. No caso dos estudos de cunho qualitativo, em

que são produzidas sínteses interpretativas, possibilitada pelas análises e interpretações dos dados primários, a meta-análise efetua “interpretação das interpretações” das pesquisas elencadas como constitutivas dessa análise. (BICUDO, 2014)

Para acesso às pesquisas brasileiras, o Banco de Dissertações e Teses da Capes foi

utilizado para a coleta dos dados a partir da palavra-chave “fanfiction” como critério de busca. Ao todo foram encontrados 20 estudos, entre dissertações e teses,

defendidas entre os anos de 2013 e 2016. O maior número de trabalhos concentra-se nos programas de pós-graduação em Letras, totalizando sete pesquisas; nos programas em Linguística, foram encontrados quatro; nos programas em Estudos da

Linguagem, três; e um trabalho em programa de Informática na Educação. Já os outros quatro estudos foram defendidos em programas da área da Comunicação; e um na área da Informação. Para melhor ilustrar os trabalhos analisados neste artigo

produzimos Quadro 1 abaixo, entretanto para nossa análise fizemos a divisão entre a) trabalhos de outras áreas e b) trabalhos da área da Comunicação e da Informação: AUTORIA Elenice Koziel Anamaria Pantoja Massunaga Cristiane de Mendonça Fontenele Adriana de Figueiredo Nicolle Lemos de Almeida Pinheiro Anelise Schroeder dos Santos Aline Maria Ferreira dos Santos Guimarães Waldineia Lemes da Cruz Elizabeth Conceição de Almeida Alves Patrícia da Silva Campelo Costa

NATUREZA

ANO

ÁREA

UF

TEORIA PRINCIPAL Cibercultura Letramento digital

MÉTODO PRINCIPAL

Dissertação Dissertação

2015 2013

Letras Linguística

PR RJ

Dissertação

2015

Letras

CE

Dissertação

2015

Linguística

SP SP

Comunidades discursivas Cultura de fãs

Dissertação

2015

Letras

MS

Criação literária

Dissertação

2015

Letras

BA

Filosofia da linguagem

Dissertação

2015

MT

Dissertação

2014

Estudos da Linguagem

Práticas de letramento

Qualitativo interpretativista

Tese

2013

Mineração de textos

Qualitativo interpretativista

Dissertação

2014

Letras

Estudos da Linguagem

Informática da Educação

421

MT RS

Letramento digital

Práticas de letramento

* Qualitativo interpretativista Pesquisa ação Análise de discurso Análise da estrutura editorial Pesquisa empírica

Pesquisa exploratória

Qualitativo interpretativista

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Bianca Jussara Borges Clemente Noara Bolzan Martins Maria Denise de Oliveira Larissa Giacometti Paris Flávia Gonçalves de Moura Estevão Adriana Correa Silva Porto Georgia Geogletti Cordeiro Dantas Alexandre Honório da Silva Cláudia Pontes Freire Theane Neves Sampaio

Dissertação

2013

Linguística

RJ

Dissertação

2015

Letras

RS

Dissertação

2015

Letras

Linguística

SE

SP

Dissertação

2013

Comunicação

PE

Dissertação

2014

Comunicação

Tese

2015

Tese Tese

Dissertação

Dissertação

Letramento digital

Quantiqualitativo

Perspectiva dialógica

Pesquisa exploratória Estudo de caso e pesquisa-ação

RJ

Cultura de fãs

Estudo de caso

Informação

MG

Cultura participativa

Quantiqualitativo

2015

Comunicação

PE

Estudo da mídia

Etnografia virtual

2015

Comunicação

SP

Epistemologia da comunicação Estética da recepção

Quantiqualitativo Análise de discurso

2016

2013

Comunicação

RJ

Gramática SistêmicoFuncional Multiletramento

Cultura da convergência

Quadro 1 – Dissertações e Teses analisadas Fonte: Banco de Dissertações e Teses da Capes.

Quantiqualitativo

Quantiqualitativo

a) Análise dos trabalhos de outras áreas

A dissertação Práticas de Leitura na Cibercultura e a Formação do Leitor

Crítico: Fandom e Transmidialidade na Série Percy Jackson e os Olimpianos, de Koziel

(2015), foi desenvolvida na Universidade Estadual de Maringá (UEM) com o

propósito de refletir sobre a prática da leitura dos jovens atualmente, tendo como objeto de pesquisa a fadom vinculada à série de livros Percy Jackson e os Olimpianos

(Rick Riordan). Além disso, utiliza a produção de fanfictions para debater sobre as relações que os centros e agentes educacionais exercem sobre os jovens no processo

constituinte de leitura de produtos literários e como os jovens prosumers constituem uma “reflexão crítica”, uma maior criatividade e interatividade no espaço virtual.

Oposto aos outros, esse foi o único trabalho em que não foi possível identificar o método de pesquisa empregado pela autora.

Partindo da perspectiva do letramento digital, a dissertação de Massunaga

(2013), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulada Construções discursivas situadas sobre práticas sociais de fãs em ambientes virtuais, investiga por 422

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ficção audiovisual e literária

meio de três fãs específicas como elas compreendem e relacionam o seu cotidiano

com o mundo ficcional e de que maneira constituem seus produtos discursivos,

fazendo também referência à “cultura participativa” a partir da discussão teórica

sobre fãs, criação e consumo de produtos contemporâneos. Deste modo, a pesquisa de cunho qualitativo interpretativista constata que as práticas de fãs são diversificadas,

sendo participativas: com possibilidades de participação, colaboração e conflito entre as fãs (MASSUNAGA, 2013), como reforça a autora.

Na dissertação Letramento digital, práticas de leitura e escrita no ensino de

língua portuguesa do nono ano do ensino fundamental: o gênero fanfics do consumo à produção, a autora Fontenele (2015), da Universidade Federal do Ceará (UFC), também utiliza os fundamentos do letramento digital em proposta de atividades de

aprendizagem. A pesquisa é voltada para entender os ensinamentos técnicos de estrutura de texto e leitura entre estudantes do último ano do Ensino Fundamental,

por meio da disciplina Língua Portuguesa. Utiliza os procedimentos metodológicos da

Pesquisa-ação e constata que a proposta foi bem-sucedida pelos alunos, e classificada

por eles como prazerosa, ao criarem, revisarem e avaliarem produtos textuais apropriados à ideia de produção de fanfic.

Figueiredo (2015), da Universidade de Franca, em sua dissertação Ethos

discursivo e escrita de si: a constituição de uma comunidade discursiva em torno do gênero fanfiction tem como objeto de pesquisa a fic intitulada A Saga Crepúsculo – Lua

Azul, “seu enredo tem como tema central as aventuras vividas pela jovem Renesmee, a filha de Bella e Edward, protagonistas da “Saga Crepúsculo”, de Stephenie Meyer.

Diante disso, por meio de análise do discurso busca-se compreender a subjetividade adolescente dos discursos desse produto. A consequência desse estudo resultou na

compreensão e a percepção de hábitos ou crenças da “comunidade” adolescente nos discursos utilizados na fanfic.

A pesquisa desenvolvida na Universidade Presbiteriana Mackenziede, por

Pinheiro (2014), intitulada Do sonho à publicação: o alcance literário das fanfics, é fundamentada pela Jornada do Herói, de Christopher Vogler, com intuito de avaliar os meios e táticas literárias que os adolescentes utilizam no desenvolvimento do

produto, considerando “o contexto externo que norteia a produção e publicação das

fanfics, bem como as relações existentes em seu processo de emissão e recepção e 423

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ficção audiovisual e literária

suas possíveis origens históricas”, deste modo, por meio de análise da estrutural e editorial do produto.

Tendo como ambiente de pesquisa de campo a criação literária de fanfics de

estudantes da Escola Máxima de Campo Grande/MS, Santos (2015), da Universidade

Estadual de Mato Grosso do Sul, em sua dissertação Fanfictions: Possibilidades, Alcance e Limites dos seu Uso na Escola, busca averiguar técnicas de leitura e escrita juvenil, o porquê das fancitions serem produzidas e de que forma isso pode contribuir

para contexto escolar e incentivar a “ação pedagógica contemporânea”.

Guimarães (2015), partindo do pressuposto de filosofia da linguagem em sua

dissertação na Universidade Estadual de Santa Cruz, denominada Os Ficwriters e a Escrita no Suporte Digital: a constituição do escritor/leitor nas fanfics busca averiguar a capacidade de escrita do aluno do Ensino Fundamental, “como ele se constitui como autor” de fanfiction, o aproveitamento dessa prática de criação textual e

compartilhamento em modo digital, a “construção de sentido nos discursos” e de que maneira isso é reaproveitado nos centros educacionais. Metodologicamente a pesquisa exploratória aplicada no objeto de pesquisa educacional digital, resulta no surgimento de novos produtores e consumidores de produtos autorais.

Em sua dissertação intitulada Letr@Mento no Universo Fanfiction: do Impresso

à Tela, Cruz (2015), da Universidade Federal de Mato Grosso, objetiva a investigação

e análise dos “movimentos de leitura e escrita de fanfictions na comunidade virtual Nyah! Fanfiction”. A pesquisa é feita com o método qualitativo interpretativista observando

desse

modo

a

comunidade.

Por

conseguinte,

ressalta-se

o

reconhecimento da produção e consumo desses produtos autorais disponíveis nessa

comunidade que é gratuita, disponível para qualquer usuário da rede, deste modo, alcançando um grande compartilhamento e envolvimento de escritor/leitor. Além disso aponta-se que o site é “um ambiente de letramento” fazendo com que o

indivíduo contemporâneo se envolva à “eventos sociais e interacionais reais de leitura e escrita de maneira ativa e dinâmica para o contexto digital”.

Alves (2015), da Universidade Federal de Mato Grosso, em sua dissertação

denominada Fanfiction e Práticas de Letramentos na Internet fundamentada nas práticas de letramento, busca investigar a escrita realizada por adolescente no meio

digital, como no site Fanfictions e/ou outras comunidades virtuais. Na parte 424

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ficção audiovisual e literária

metodológica, a pesquisa é construída a partir de uma abordagem qualitativa interpretativista analisando diálogos recolhidos com entrevistados. Os resultados

obtidos foram de que no meio digital a escrita é constituída “de forma dinâmica, colaborativa, permeada por valores afetivos, e mediado pela tela”.

Seguindo a fundamentação teórica de mineração de textos, Costa (2013), da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em sua dissertação intitulada Mineração textual e produção de fanfictions: processos desencadeadores de oportunidades de

letramento no ensino de língua estrangeira busca investigar “como o letramento em

língua estrangeira (LE) pode ser apoiado pelo uso de um recurso digital passível de

auxiliar os processos de leitura e produção textual”. A “extração dos termos mais

recorrentes em um texto” com a ferramenta Sobek, foi feita por seis discentes de Graduação em Letras e seis constituintes de um curso de extensão, ambos da UFRGS,

em fanfics disponíveis na web, conseguinte formando “grafos com os termos mais recorrentes da história” e então produzindo uma “imagem em rede (grafo) que representasse termos recorrentes nesse gênero textual (tais como o uso de tempos

verbais no passado e adjetivos para caracterizar personagens e contexto)”, que depois fora repassado para outro colega que realizou a constituição baseada nos grafos

(imagem). Os resultados observados foram de que esse meio digital auxiliou na produção textual em língua estrangeira, sendo posta o letramento autoral, gerando então uma fanfiction.

Em sua dissertação, Clemente (2013), da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, intitulada O uso do Fanfiction nas aulas e produção textual no Ensino Médio, debate a adaptação da leitura e escrita aos meios digitais, impulsionados pela Internet, destacando a relevância da produção de literatura digital midiática para que

possa ser usufruída por alunos e professores de moto leitor e escritor interativo, buscando o entendimento de que maneira, na língua nativa, os letramentos digitais

contribuem nas aulas da produção textual. Utilizando o método de pesquisa quantiqualitativo a autora analisou o “juízo” dos alunos de língua materna na produção e leitura textual no âmbito digital “de acordo com a categoria de interesse propostas na tela do computador e mediado pelo gênero digital fanfiction”.

Martins (2013), da Universidade Federal de Santa Maria, busca em sua

dissertação intitulada Fluxo de informação e Fanfiction: uma proposta de análise 425

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ficção audiovisual e literária

sistêmico-funcional, fundamentado em conceitos gramáticas e sistêmico-funcionais,

analisar a constituição de unidade e sentido dos gêneros textuais de fanfictions, compartilhados na web. Com o método quanti-qualitativo a pesquisa resultou

“designadamente a progressão e o desenvolvimento temáticos e remáticos e, de um modo geral, a construção da estrutura textual”.

A partir da linha teórica do Multiletramento, a dissertação de Oliveira (2015),

da Fundação Universidade Federal de Sergipe, denominada Blog, reescrita e referencição: idas e vindas na construção dos sentidos aplicando a criação e o

compartilhamento de um blog com fanfictions produzidas por alunos, tem como objetivo expandir o conhecimento e a competência da escrita e da produção textual

dos participantes fazendo “a partir das atividades de reescrita e da exploração das

estratégias de referenciação presentes nos textos produzidos”. Para a metodologia foi utilizado a pesquisa exploratória aplicada no objeto de pesquisa, o blog e suas produções, obtendo resultado positivo, pois, ao fim do método aplicado os alunos apresentaram um melhor rendimento e crescimento na sua produção e escrita final,

“exploração de estratégias de referenciação” e também de troca de ideias entre os indivíduos colaborando na construção do conhecimento de ambos. A autora elenca a criação de um caderno pedagógico, produto que traz ensinamentos de escrita,

“estruturado com concepções teóricas que balizaram a pesquisa, sequência de módulos e atividades que foram aplicadas em sala e sugestões de outras propostas que podem ser otimizadas envolvendo o gênero blog”.

Em sua dissertação, Paris (2016), da Universidade Estadual de Campinas,

denominada Oficina de fanfictions na escola: uma análise das práticas de revisão e

reescrita, parte dos fundamentos perspectivos dialógicos para analisar como as operações linguísticas e as revisões de modo reescritas são aplicados nos diálogos

criados pelos alunos. Metodologicamente, esse estudo de caso foi realizado a partir de pesquisa-ação investigando o produto reescrito pelos indivíduos. As conclusões dadas

à pesquisa destacam “correções higienizadoras e resolutivas” nas reescritas dos

alunos e o interesse por eles em reescrever adequadamente o que foi revisado e classificado como desapropriado.

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ficção audiovisual e literária

b) Análise dos trabalhos da Comunicação e Informação Estevão (2013), da Universidade Federal de Pernambuco, em sua dissertação

chamada A Telenovela e o Diálogo online com o Fandom tem como objetivo a reflexão

sobre o diálogo da produção de telenovela no Brasil com a audiência emocional em

modo virtual por parte dos produtores para com os fãs, seguindo o pressuposto

teórico da cultura da convergência. Na metodologia, a pesquisa é construída a partir de uma abordagem quanti-qualitativa resultando na valorização de “conteúdos oficiais de produção o relacionamento com o fandom online” por parte dos fãs, dando uma certa potência ao produto consumindo e reproduzindo.

A dissertação de Porto (2014), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

denominado O culto no universo fandom: dinâmicas afetivas e sociais em comunidades

de fãs no ciberespaço utiliza como fundamentação teórica a cultura de fãs, para conhecer e entender como fãs se manifestam em relação “a um produto de

entretenimento contemporâneo, assim como as motivações e desdobramentos de tal prática”. Metodologicamente, é realizado um estudo de caso sob um fórum onde fãs

debatem sobre a série americana Game of Thrones (HBO), o trabalho também apresenta uma discussão sobre os fãs, o espaço virtual da comunidade, cultura fandom e material, o gênero do produto, entre outros aspectos, um deles destacados

pelos fãs que seria ruptura da obra audiovisual com o modelo narrativo Jornada do Heroi, contribuiu “para a manutenção e/ou recrudescimento do culto”, em

decorrência disso relata-se os avanços que a pesquisa resultou e indica opções de estudo sobre isso.

Dantas (2015), da Universidade Federal de Minas Gerais, em sua tese

intitulada A cultura informacional e participativa de fãs: análise da rede e processo de

criação, tem como aporte teórico a cultura participativa com o intuito de “identificar,

sistematizar e analisar a cultura informacional e a produção de fãs produsers em meio à cultura participativa dos fandoms” e suas produções multimídias. Utilizando métodos quantitativos e qualitativos a autora destacou análise em redes sociais,

críticas, observações e entrevistas, obtendo como resultado a percepção de que mulheres com uma boa escolaridade são maioria de produtoras de fandoms, diferentes interpretações feitas dos produtos pelos fãs e que esses consumidores

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ficção audiovisual e literária

utilizam recursos de multimída e transmídia para produzir e compartilhar o conteúdo.

A tese de Silva (2015), da Universidade Federal de Pernambuco, denominada

Scans e o entorno hipertecnológico e midiático-colaborativo de um artefato cultural expandido, busca baseada em conceitos de estudos da mídia, observar e analisar

“blogs, grupos e comunidades online” de Histórias em Quadrinhos digitalizadas e preservadas. A pesquisa, de cunho virtual-etnográfica observou a rotina dessas

comunidades, os “processos e modos de atuação/fazer” e realizou coleta de dados

sobre a prática e a manifestação dos usuários, resulta a “espécie de estímulo a uma reflexão possível e que lance outras luzes sobre 20 fenômenos e artefatos que

compartilhem das mesmas particularidades tecnológico-culturais que envolvem os scans e seu entorno midiático-colaborativo expandido”.

A tese intitulada Método de monitoramento de redes sociais. Epistemologia,

técnicas e propostas de mineração de banco de dados para conteúdos gerados por fãs de

telenovela em redes sociais, de Freire (2015), da Universidade de São Paulo, busca por

meio de caráter epistemológico da comunicação, refletir sobre a maneira que os pesquisadores do Campo da Comunicação monitoram redes sociais e apresentar

“limitações e implicações práticas sobre aplicações de técnicas de monitoramento em pesquisas de recepção da telenovela no Brasil”. Utilizando métodos quantitativos e qualitativos a autora destacou tal qual: análise de hiperlinks, análise de conteúdo, estudo de caso descritivo. Essa pesquisa concluiu que foram extraídos

aproximadamente 1.579 links e 2.139 técnicas de monitoramento “identificadas privilegia citações de técnicas revelando graus de autoridade entre algoritmos de monitoramento de conteúdos gerados por usuários em sites de redes sociais”.

A dissertação de Sampaio (2013), da Pontifícia Universidade Católica Do Rio

De Janeiro, intitulada Universos Alternativos: literatura e produção de sentido em sites de fanfictions, busca compreender baseado em teorias de estética da recepção, como esse processo ocorre sobre histórias de duas sagas, Harry Potter e Crepúsculo.

Utilizando a análise de discurso para averiguar comentários e extrair entrevistas de produtores e consumidores de fanfic foi possível concluir que os indivíduos dessa comunidade estão valorizam as produções autorais, sem plágios, mesmo que sem

direitos reservados, constatando também uma grande presença de mulheres nesse 428

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ficção audiovisual e literária

espaço e “observou-se o caráter de ampliação do sentido da obra e de construção coletiva de sentido através das interações entre autores e leitores”. Considerações finais Os estudos da das áreas da Letras, Linguística, Estudos da Linguagem e

Informática na Educação abordam o advento das fanfictions a partir da concepção de

letramento digital, prática no ambiente escolar e da escrita colaborativa. Para isso,

tomam como objeto de análise a experiência de jovens com produtos da literatura contemporânea ou da mídia tradicional comercial e massiva. Em todas as pesquisas

foi privilegiada a abordagem qualitativa, pesquisa do tipo experimental, com entrevista e observação.

Nos estudos das áreas da Comunicação e da Informação, as fanfictions são

analisadas a partir de suas relações com produtos midiáticos como telenovela, seriados e história em quadrinhos, a partir de conceitos como cultura da

convergência e cultura participativa. Além disso, estes estudos abordam as narrativas dos fãs como atualização das pesquisas que articulam as relação entre emissão e recepção do processo comunicativo, tendo como sujeito protagonista dessa relação o fã.

Metodologicamente,

tais pesquisas

predominantemente

alicerçam-se

na

perspectiva qualitativa, com técnicas de observação e entrevistas, além de abordagens de etnografia virtual.

No geral, percebe-se que os estudos das áreas da Letras, Linguística, Estudos da

Linguagem e Informática na Educação identificam as produções dos leitores com um novo gênero literário; sendo que na Comunicação e na Informação, essas narrativas ainda são vistas apenas como uma produção de fãs especializados do conteúdo midiático.

Referências

BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. Meta-análise: seu significado para a pesquisa qualitativa. REVEMAT. Florianópolis (SC), v. 9, Ed. Temática (junho), p. 07-20, 2014. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2016. FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman, 2004.

GEE, J. Identity as an analytic lens for research in education. Review of Research in Education, v. 25, p. 99–125, 2000. 429

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ficção audiovisual e literária

GRAY, J.; SANDVOSS; C.; HARRINGTON, C. Fandom: identities and communities in a mediated world. New York: New York University Press, 2007. ISER, Fabiana. Pesquisa exploratória: a relevância da aproximação empírica para as definições da pesquisa. In.: MALDONADO et. al. Metodologias da pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, p. 193-216, 2006.

JENKINS, H. Textual poachers: television, fans and participatory culture. New York: Routledge, 1992. JENKINS, Henry. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e novos meios de comunicação. São Paulo: Aleph, 2009.

JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2015. JOHNSON, Steven. A Cultura das Interfaces. Como o computador transforma a nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2001.

LIMA, Telma CS; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katálysis, v. 10, n. 1, p. 37-45, 2007. . Acesso em: 19 jun. 2016. MANOVICH, Lev. What comes after remix. Remix Theory, v. 10, p. 2013, 2007. . Acesso em: 19 jun. 2016.

SÁ, Simone P. Fanfictions, comunidades virtuais e cultura das interfaces. XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Anais... Salvador/BA, 2002. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2016.

Autores

Wesley Pereira Grijó – Doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor da Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Coordenador do Núcleo de Audiovisual, Imagens técnicas e Práticas socioculturais (CNPq/UFSM).

Gabriel Araújo – Graduando do curso de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM. Bolsista Fipe/UFSM/2016.

Taluana Panizza - Graduanda do curso de Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen – UFSM.

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ARTIGOS COMPLETOS #3 Juventude, Adolescência, Infância e Mídias

ficção audiovisual e literária

Recepção de documentário pelos alunos do Projeto Vídeo Entre-Linhas: o representar e o reconhecer Cláudia Herte de MORAES1 Eduarda WILHELM2

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul

Resumo: Essa pesquisa de recepção foi feita a partir da exibição de vídeos locais aos jovens de comunidades rurais e periféricas na cidade de Frederico Westphalen. O objetivo foi compreender de que forma os vídeos realizados também por jovens das localidades, em 2008, foram percebidos em 2016. A proposta também reflete sobre o gênero documentário, o qual este público mostrou ter pouco conhecimento e acesso. Realizamos uma observação não-participativa durante a sessão e, após, conversa com o público em questão. Como conclusão, aponta-se a identificação com personagens, histórias e locais apresentados no vídeo e sentimento de valorização da história na recepção, aproximando a experiência do audiovisual e do documentário aos jovens participantes. Palavras-chave: recepção, documentário, representação, Vídeo Entre-Linhas. 1 Introdução

Este trabalho é resultado de uma pesquisa de recepção junto aos jovens participantes das oficinas do Projeto Entre-Linhas, em relação a exibição dos vídeos produzidos na localidade em que vivem. O Vídeo Entre-Linhas é um projeto de extensão da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen, que busca a capacitação audiovisual de jovens do interior e periferia de Frederico Westphalen e região por meio de oficinas e produção de vídeos pelos alunos das escolas. Frederico Westphalen é um município do interior do Rio

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Cláudia Herte de Moraes - Doutora em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Eduarda Wilhelm – Graduanda de Comunicação Social – Hab. Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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Juventude, AdolescÊncia, InfÂncia e Mídias

Grande do Sul, localizado no noroeste do estado e possui cerca de 30 mil habitantes. Duas das escolas em que as oficinas de 2016 estão sendo realizadas já foram contempladas com o projeto em 2008. Sendo assim, surgiu a ideia de apresentarmos os vídeos feitos na oficina anterior para esse novo grupo de jovens e realizar uma pesquisa a partir disso. As instituições de ensino têm em comum o fato de serem localizadas em comunidades afastadas do centro de maior concentração urbana do município e seus estudantes moram, na grande maioria, nas denominadas “linhas” do interior. Eles estudam entre o 7º e 9º ano e possuem entre 12 e 15 anos. Os vídeos apresentados têm características de documentário e contam a história da comunidade em que foram realizados, trazendo entrevistas de moradores e muitas vezes retratando a escola em que os alunos estudam. Como objetivo geral, buscamos compreender a experiência fílmica de documentário dos alunos das oficinas em curso do Projeto Vídeo Entre-Linhas, que vivem a realidade apresentada nos vídeos feitos na oficina anterior. A partir disso, elencamos objetivos específicos como: identificar o perfil dos alunos; observar a forma que reagem à exposição em vídeo de situações e pessoas que fazem parte do seu cotidiano; refletir sobre a identificação com os personagens do documentário; e a compreensão do significado e papel do documentário para esses jovens. Durante a exibição dos vídeos, foi realizada uma observação nãoparticipativa, utilizando-se da documentação por meio de notas de campo sobre as interações das pessoas, reações, comentários e outros fenômenos que chamaram a atenção. Também realizamos a gravação do momento por meio de vídeo, para que pudéssemos rever e perceber situações que não foram notadas na hora. Após, realizamos uma conversa com o grupo de alunos norteada por um roteiro semiestruturado, abordando aspectos sobre documentário e a temática dos vídeos, a fim de compreender melhor os seus conhecimentos, percepções e opiniões. Além disso, utilizamos as informações preenchidas pelos jovens em questionário realizado na primeira aula, a fim de identificar seus perfis e opiniões sobre determinados assuntos. Optamos por não realizar entrevistas individuais devido à dificuldade de aproximação com os alunos, que se demonstraram tímidos ao participar de conversas com as monitoras, já que era apenas a primeira aula da oficina. A construção da significação de um filme não se dá individualmente pois, segundo Duarte “esse é um processo eminentemente coletivo, no qual o discurso do outro é tão constitutivo de nossas idéias e opiniões quanto o nosso próprio discurso” (2002, p. 75). Esse também foi um dos motivos de optarmos por uma entrevista com todo o grupo, para que as observações de cada aluno pudesse incentivar a fala do outro e provocar novos apontamentos. 2

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Durante o trabalho, o perfil e recepção dos alunos são analisados separadamente por escola, estabelecendo uma relação em comum apenas na conclusão da pesquisa. 2 Documentário e estudos de recepção

O documentário é um gênero de audiovisual que na televisão comercial ainda tem pouco espaço na grade de programação, sendo os canais públicos os seus principais fomentadores. Apesar de não ser um gênero popular e não estar muito presente na vida das pessoas, é uma importante forma de reflexão sobre a formação cultural e da construção de identidades que, por sua vez, atuam na compreensão e circulação da cultura. As possíveis temáticas de documentário envolvem a cidadania, a participação da comunidade e possibilitam retratar diferentes culturas e o pluralismo de ideias, valorizando os indivíduos e suas identidades. Penafria (1999), estabelece a relação do documentário com a realidade dizendo que o gênero busca mostrar diferentes pontos de vistas acerca de situações cotidianas, dando uma nova forma de ver o que acontece ao nosso redor. O gênero permite que o espectador crie associações mais palpáveis do que na ficção, pois assim ele tem a oportunidade de ver o seu cotidiano retratado em situações reais e culturas comuns. “O documentário é uma poderosa ferramenta educacional, não só na transmissão do conhecimento como na formação da consciência crítica e fomentação de reflexão a respeito dos temas que apresenta” (BAROUKH, 2002, p. 111 apud ZANDONADE; FAGUNDES, 2003, p. 41). Acreditamos que são essas características peculiares do documentário o que levam os alunos do Projeto Vídeo Entre-Linhas a optarem, na maioria das vezes, por produzir esse gênero. Para pensarmos na recepção, não basta considerar os indivíduos que recebem as mensagens midiáticas isoladamente, é preciso levar em conta o contexto em que eles estão inseridos e os processos de mediação envolvidos. Martín-Barbero (1987), que trabalha o conceito de mediação social de forma abrangente, enumera diversas características deste processo. Ronsini (2010), retoma a trajetória dos conceitos introduzidos por Martín-Barbero, desde “De los medios a las mediaciones” até as proposições atuais, para apontar que a perspectiva teórica vem sendo elaborada ao longo do tempo e ainda se encontra em processo de construção. Ela traz um modelo de articulação entre as atualizações de mediações trazidas pelo autor ao longo de suas obras. Guiados por esses fundamentos, nossas perspectivas de análise surgem a partir das mediações ritualidade e socialidade, localizadas em função de nosso 3

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objeto. Buscamos recortar a experiência do consumo cultural, olhando para a cultura audiovisual em sua relação com as mediações e entender como isso se relaciona com a maneira em que os jovens recebem os vídeos apresentados. A ritualidade diz respeito às formas de consumo dos meios e processos que envolvem seus costumes, hábitos e usos sociais. A socialidade se relaciona com questões como classe, instituições e construção identitária. Está associada “às relações cotidianas [...] e à identidade, aos modos de ser e de definir o que se é no embate entre o consumo de representações midiáticas e a experiência para além dos meios de comunicação” (RONSINI, 2010, p. 11). Assim como a ritualidade, segundo Ronsini, está relacionada com o “triunfo da apresentação sobre a significação de modo que a simbolização do espaço (o lugar), a importância imediata dele em nossas vidas” (2010, p. 12). Sendo assim, trabalharemos com as relações e hábitos culturais e consumo dos meios de comunicação e produtos audiovisuais como questões de ritualidade, e com o local em que os receptores residem, suas características e constituições familiares como aspectos de sociabilidade.

3 Perfil dos receptores

Por meio da aplicação de um questionário na primeira aula da oficina, pudemos conhecer o perfil dos alunos que participaram da pesquisa de recepção. O questionário aplicado continha 28 perguntas, que buscavam identificar o perfil social desses jovens, seu envolvimento com a cultura, meios de comunicação e acesso aos produtos audiovisuais. Ele foi elaborado por todos os participantes do Projeto Vídeo Entre-Linhas buscando atender às demandas dos temas de pesquisa geral do grupo, além de trazer importantes subsídios ao próprio andamento das oficinas. Destacamos neste artigo apenas os resultados que se relacionam com a abordagem de observação a partir da recepção, conforme explicitado na definição de nosso objeto e metodologia. Os questionários sobre o perfil e seus resultados dizem respeito ao total de alunos participantes de cada oficina, no entanto, no dia da exibição dos vídeos, nem todos estavam presentes. 3.1 Escola Joaquim Nabuco – Linha Pedras Brancas

Na Linha Pedras Brancas, comunidade rural de Frederico Westphalen, o projeto Vídeo Entre-Linhas realizou encontros semanais na Escola Municipal de Ensino Fundamental Joaquim Nabuco, no turno inverso às aulas dos participantes, que pertencem ao sétimo e oitavo ano.

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A turma é composta por 17 alunos, mas foram 16 questionários, pois um dos participantes optou por não responder. Os resultados apontam que participam da oficina oito meninas e oito meninos, que estudam entre o 7º e 8º ano e possuem de 12 a 15 anos. Quanto à cor da pele, a maioria se considera branco (63%), seguido de pardo (25%) e amarelo (6%), sendo que um dos jovens não soube ou não respondeu. A comunidade em que residem se mostra diversa, mas a maior parte mora na Linha Pedras Brancas e Linha 21 de Abril (33% em cada localidade). Essa diversidade acontece devido à grande quantidade de comunidades de interior existentes nas proximidades. O grupo familiar desses estudantes é composto, na maioria, por 4 a 6 pessoas (75%) e, em seguida, aparece grupo familiar de mais 6 pessoas (19%). A maior parte das mães dos alunos são donas de casa (38%), seguido por agricultoras (31%) e faxineira (13%). Quase todas têm como escolaridade apenas o ensino fundamental incompleto (62%), sendo que três o tem completo (19%) e outros três não souberam ou não responderam. A profissão dos pais dos alunos varia, principalmente, entre agricultor (44%) e pedreiro (37%), com predominância de ensino fundamental incompleto (75%). Chama a atenção que, segundo as respostas dos alunos, nenhum dos pais chegou a cursar o ensino médio, predominando o perfil de baixa escolaridade. Esses dados vão de encontro às estatísticas nacionais, que dizem que quanto menor o grau de instrução maior é o tamanho das famílias. Os meios de comunicação que os alunos mais têm acesso são a internet (43%) e a televisão (38%). Revistas apareceram em apenas 11% dos questionários e jornais em 8%. Metade dos alunos (50%) disse assistir mais de três horas de televisão por dia e outros quatro (25%) responderam que cerca de 2 horas diárias. A questão sobre que tipo de programas assistem na televisão era de múltipla escolha, sendo a opção mais marcada novelas, por 14 alunos (30%, entre 8 opções de múltipla escolha). Seguindo, encontram-se as opções filmes (24%), esporte (17%) e programas de música (11%). Oito dos alunos (50%) dizem assistir televisão pela diversão e outros quatro (25%) para se manter informados, seguido de qualidade dos programas (13%) e por não ter outra forma de lazer e entretenimento (12%). Dez dos alunos (65%) dizem ter assistido mais de cinco filmes no último mês, sendo os gêneros preferidos comédia (26%), terror (26%) e ação (24%). Das sete opções de gêneros incluídas no questionário, as únicas que não foram marcadas nenhuma vez são a de filmes nacionais e documentário. A próxima pergunta visa saber se os alunos já assistiram um documentário. Sete (44%) dizem que não, seis não sabem ou não responderam (37%) e apenas três (19%) afirmam já ter assistido. 5

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Os meios de comunicação mais acessados, televisão e internet, deveriam favorecer o contato com o gênero de documentário, possibilitando maiores chances de os alunos conhecerem esse formato. Isso reforça um pouco como a cultura audiovisual está presente na nossa sociedade, e é um dos formatos mais consumidos pelo público jovem. No entanto, o gênero documentário ainda se encontra bem distante desses jovens. 3.2 Escola Duque de Caxias – Bairro São Cristóvão

A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Duque de Caxias está localizada no Bairro São Cristóvão, em Frederico Westphalen, e possui cerca de 18 professores e 120 alunos. Também nessa oficina, um dos alunos não respondeu ao questionário, tendo dados de 32 respondentes dos 33 participantes. A turma é composta por estudantes do 7º, 8º e 9º ano, que possuem a faixa etária entre 12 e 15 anos, sendo metade do sexo masculino e a outra metade do sexo feminino. Dezenove (59%) consideram sua cor da pele branca, seis pardos (19%), cinco não sabem ou não responderam (16%) e dois se consideram negros (6%). Além dos estudantes que residem no próprio Bairro São Cristóvão (38%), eles são moradores de diversas comunidades do interior do município, como Linha Alto Alegre (22%), Linha Dal Canton (16%), Linha Volta Grande (6%), entre outros. Apenas dois (6%) residem em bairros próximos ao centro da cidade. O número de integrantes do grupo familiar da maior parte varia entre 4 a 6 pessoas (66%), seguido de família de 1 a 3 pessoas (31%) e mais de 6 pessoas (3%). Novamente a maioria das mães desses alunos são donas de casa (35%), seguidos de agricultoras (13%) e faxineiras (9%). 28% não soube ou não respondeu a questão. Grande parte não soube responder a profissão do pai (48%), os que souberam citaram agricultor (21%), motorista (7%), empresário (7%), entre outros. Em geral, as mães e os pais desses estudantes possuem apenas o ensino fundamental incompleto (47% das mães e 37% dos pais) e nenhum tem formação em nível superior. Sobre os meios de comunicação que mais têm acesso, predominou novamente a televisão (40%) e a internet (39%), citados por quase toda a turma. Os jornais apareceram em 15% das respostas e revistas apenas em 6%. A quantidade de consumo televisivo diário marcado com mais frequência foi de três horas diárias (28%), seguido de mais de três horas (25%). Os programas mais assistidos são, em ordem, filmes (34%), novelas (28%), esporte (11%) e desenho animado (8%). Dezenove dos alunos, correspondendo a 56%, dizem assistir televisão pela diversão e sete (20%) pela qualidade dos programas. O pesquisador 6

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televisivo Guilhermo Orozco Gómez (2002) considera que é preciso deixar de ver a televisão apenas como entretenimento e usá-la como dispositivo de educação, cultura e política, refletindo sobre seu conteúdo. O consumo de filmes do grupo se mostra grande. 38% diz assistir de dois a três filmes por mês e 34% mais de cinco filmes. Os gêneros mais citados são ação (34%), terror (20%) e comédia (17%), os mesmos da Escola Joaquim Nabuco. O que surpreende aqui é que seis alunos (8%) citaram o gênero documentário. A maioria (53%) dos alunos diz já ter assistido a um documentário, 28% não sabe ou não respondeu e 19% dizem nunca ter assistido. Esses resultados demonstram um conhecimento um pouco maior sobre esse gênero na Escola Duque de Caxias. Os dados de perfil coletados são semelhantes nas duas escolas, não havendo nenhuma discrepância significativa, com exceção da citada no parágrafo anterior. Eles demonstram que os alunos de ambas as escolas provêm de famílias de escolaridade baixa, que residem predominantemente no interior e que os pais possuem ocupações consideradas de classes com menor poder aquisitivo. Os meios de comunicações que mais tem contato são a televisão e a internet, o consumo de filmes está muito presente, mas grande parte desconhece ou não tem contato com o documentário. 4 Exibição dos vídeos

4.1 Escola Joaquim Nabuco – Linha Pedras Brancas O primeiro vídeo exibido é intitulado “Pedras Brancas: Uma História Ao Norte Do Rio Grande” e retrata a história da comunidade, que fica localizada a 8km de Frederico Westphalen e foi fundada em 1930 por descendentes de italianos. O documentário traz entrevistas com os primeiros moradores, que contam como era a localidade no início, sobre a construção da igreja e escola e o cotidiano do século passado. Os alunos permaneceram bastante atenciosos nesse primeiro vídeo, principalmente no começo. Com o passar das cenas, eles foram reagindo ao que era retratado. Alguns esboçavam sorrisos, demonstrando gostar do que se passa na tela. Tentaram reconhecer os locais de filmagens. “Onde é?”, indagou um dos alunos buscando a resposta com os colegas ao lado. Seguiram alguns comentários sobre os locais que aparecem no vídeo. Algumas conversas entre os alunos em que não é possível compreender o assunto. Alguns alunos parecem reconhecer um dos entrevistados do vídeo, falando com o colega ao lado. Os comentários se intensificam quando a escola aparece no vídeo, há uma inquietação maior. Quando aparece a imagem de uma estrada da comunidade um dos alunos comenta “Aquela 7

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estrada ali tá melhor que a de hoje”, e todos caem na risada. Aparentemente, todas as conversas e comentários durante a exibição se referiram ao vídeo, demonstrando uma atenção maior desse grupo de alunos. Na hora dos créditos de produção do vídeo, reconheceram os nomes de alguns alunos da época. O segundo vídeo se chama “Rio das Pedras” e trata da poluição oriunda do centro da cidade que segue o curso do Rio Pedras Brancas, dificultando as práticas de pesca, antes frutos de alimentação para toda a população local, e também, tornando imprópria a utilização do rio como forma de lazer e descontração para os jovens. O documentário mostra um pouco da vida do campo e alerta a população para os perigos que a poluição do rio faz a essas pessoas. No início deste segundo vídeo, os alunos estavam conversando e demoraram um pouco para prestarem atenção quando o vídeo começou. Pararam para assistir apenas após começar a locução do narrador. Uma aluna fez um comentário, o qual não conseguimos ouvir, que fez parte da turma rir. O vídeo começa apresentando a comunidade e alguns jovens questionaram algumas informações, como o número de famílias que residem no local. Quando se fala da tranquilidade e pouco movimento de Pedras Brancas, os alunos começam a rir. Em seguida, aparece uma entrevista com uma professora da escola. Os alunos a reconhecem e se agitam bastante. “Ó a prof.!”. Demoram para voltar a prestar atenção no vídeo, parando somente quando um dos alunos, interessado no que se passa na tela, chama a atenção dos colegas. Um grupo tenta identificar o cenário em que ela está sendo entrevistada, que parece com a mesma biblioteca em que se encontram. Dois meninos comparam os livros da estante e outros alunos também percebem e comentam. O pai de um dos alunos é um dos entrevistados, o que gera bastante comentários e risadas, com algumas falas do vídeo. Um grupo começou a conversar bastante nos últimos minutos, havendo demonstrações de impaciência de alguns. Novamente reconheceram uma das alunas que produziu o vídeo.

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Figura 1 – Exibição Escola Joaquim Nabuco

Após os vídeos, iniciamos a conversa com o grupo. “Será que nosso nome vai tá nesse vídeo um dia?”, indaga uma aluna logo após os créditos. Quando questionados se já conheciam o que é um documentário a turma ficou bem dividida, alguns disseram sim, outros não e mais ou menos. Alguns disseram já ter assistido algo do tipo, outros não. Confirmando o resultado do questionário, a maioria demonstrou não conhecer. Percebe-se que, a partir da exibição, alguns conseguiram identificar já terem assistido algo em formato semelhante, por mais que no questionário tenha dito que não ou que não sabia. Sobre a definição de documentário e qual a diferença dele para filme, uma menina diz que “o documentário fala da onde a gente vive”. Outro menino acrescenta que “a duração do documentário é mais curta”, pois levou em conta os vídeos que apresentamos, que possuem uma média de 10 minutos. Assim, introduzimos o conceito de documentário, comentando sobre as respostas que deram e falando sobre as características mais comuns do gênero. Quando indagados sobre se sentiram-se identificados com os vídeos e se gostaram, todos acenaram com a cabeça afirmativamente. “Porque a gente não conhecia a escola como era antes”, diz uma menina. Um menino comenta que chamou muita atenção no vídeo “o tempo em que os que foram entrevistados já moravam aqui”, se referindo ao primeiro vídeo. Outra menina diz que lhe chamou a atenção “como era antigamente”. Vários dos alunos conheciam pelo menos um dos entrevistados e começaram a conversar entre si sobre quem ainda está vivo hoje e onde moram. Deixamos que comentassem por um tempo e voltamos as provocações. A maioria dos alunos nasceu na Linha 9

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Pedras Brancas, em localidades próximas ou moram já há algum tempo lá, o que suscita uma grande curiosidade em relação a poder ver sua comunidade retratada. Sobre se já ouviram histórias antigas da comunidade alguns disseram que não, outros que sim. “Sim, minha mãe conta todo dia pra nós”, diz uma aluna. Um dos meninos arriscou dar palpites sobre o que faria de diferente no vídeo, dizendo o que contaria. “Quantas diretoras, tipo, passou pelo colégio. Que nem um exemplo, a diretora que agora tá ali, acho que tá há 27 anos, acho que fez quarta-feira passada.” Uma aluna comentou sobre data de fundação do colégio, há cerca de 80 anos. Sobre o segundo vídeo, também disseram que o rio sempre foi poluído e é assim até hoje. Assistir um filme, seja uma produção cinematográfica ou um vídeo comunitário, em um espaço específico para a sua exibição, seja em cinema ou projetor, é uma experiência que se difere de assistir na televisão. Isso acontece pois com a televisão estamos condicionados a um ambiente doméstico e repleto de distrações. Até mesmo pelo fato de que assistir televisão significa entretenimento para a maioria dos alunos e uma forma de passar o tempo, como respondido nos questionários. O cinema “pulveriza os olhos e ouvidos no espaço para construir com eles, e entre eles, uma sintaxe, ou seja, uma intricada rede de relações” (MACHADO, 2007, p. 95). Existem especificidades em cada meio, diferentes modos de ver e construção de significados. Com a exibição desses vídeos, possibilitamos que os jovens tivessem uma experiência diferente do habitual. Na nossa sessão, os jovens estavam inseridos em um contexto de educação e reflexão, espaço pedagógico. Eles sabiam que a oficina tinha o objetivo de formação audiovisual e estavam inclinados a problematizar e refletir sobre o que estavam assistindo. 4.2 Escola Duque de Caxias – Bairro São Cristóvão

Nesta localidade, foram exibidos os três vídeos realizados na oficina de 2008. O primeiro se chama “Um Time de Futebol Diferente”, sobre um grupo de meninas do Bairro São Cristóvão que fundou um time de futebol feminino. As jogadoras contam como conciliam o futebol com os estudos e família e falam sobre os preconceitos e desafios de ser mulher em um meio predominantemente masculino. O apoio da família é um importante incentivo para que elas mantenham essa atividade, que se torna um momento de descontração e incentivador de amizades. Logo no começo do vídeo, risadas e comentários entre as meninas, que demonstraram conhecer alguns personagens. Alguns alunos se mostraram inquietos e distraídos. Um grupo de meninos fez comentários durante toda a exibição, apontando para a tela e conversando com os colegas ao lado, mas não foi possível entender exatamente sobre o que falavam. Houve oscilação entre 10

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momentos de muita atenção e momentos de distração, com alunos se espreguiçando e bocejando. O som deste primeiro vídeo estava ruim, pois na época não havia microfone para gravar e as entrevistas foram em um ginásio, ocasionando muito eco. Isso dificultou o entendimento das falas dos entrevistados e pode ter sido um motivo para a pouco atenção dos jovens. Quanto mais se aproximou do final do vídeo, mais a inquietação aumentava, o mesmo observado na Escola Joaquim Nabuco. O segundo vídeo tratava da história do Bairro São Cristóvão. Por meio de relatos de antigos moradores, busca-se retratar os primórdios da comunidade, como as famílias obtiveram as terras em que moram, a história da escola, a construção do ginásio esportivo. A realidade atual do bairro se mostra muito diferente da de 40 ou 50 anos atrás. Houve bastante distração no início e logo surgiram comentários sobre a identidade dos personagens. Uma menina reconhecer uma entrevistada como sendo tia de um amigo e outra entrevistada é vó de um dos alunos, sendo que sua tia-avó também aparecia no vídeo. Buscaram reconhecer os locais que aparecem no vídeo e comentaram sobre os proprietários das casas das imagens. Duas professoras participaram dessa primeira aula, fazendo bastante comentários com os alunos que estavam ao seu lado, buscando identificar os locais de filmagens. Houve risada em alguns momentos. Repetindo o observado com o outro grupo de alunos, quando a escola é menciona e sua imagem aparece os alunos se demonstram empolgados. Ao ver os nomes nos créditos finais, demonstraram conhecer os alunos que produziram os vídeos. O terceiro vídeo é uma mistura de documentário e ficção, pois mistura um relato real com encenação de atores, podendo ser classificado como docudrama. Ele conta a história de um grupo de amigos do bairro que encontraram um poço enquanto brincavam, assustando a todos devido a um misterioso barulho. Os jovens demonstraram conhecer o local em que se encontra o poço do vídeo. Também reconheceram algumas pessoas. Fizeram comentários com uma das professoras. Assistiram com bastante atenção, demonstrando interesse, já que o vídeo é uma espécie de suspense e terror, que foi apontado nos questionários como um dos gêneros preferidos da turma.

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Figura 2 – Exibição Escola Duque de Caxias

Ao contrário da turma da Linha Pedras Brancas, os alunos dessa turma se mostraram tímidos a participar da conversa após o vídeo. Ficaram em silêncio na maioria das perguntas e comentários realizados pelos oficineiros. As professoras tentaram incentivar, mas ficaram trocando olhares e não responderam. Com o pouco que falaram, pude constatar que eles nunca tinham visto um vídeo sobre a sua comunidade e com pessoas conhecidas. Disseram gostar de ver o bairro retratado. Quando questionados se já viram um documentário ou se sabem o que é, ninguém se manifestou. Sendo assim, demonstraram desconhecer o que é um documentário, tendo dificuldade de identificar se já viram um. Também desconhecem o objetivo dele e afirmaram nunca ter assistido um vídeo nesses moldes. Apesar disso, gostaram dos vídeos. Sobre o primeiro vídeo, um grupo de meninas disse jogar futebol. Uma delas comenta que foi importante mostrar aquela temática, já que existe muito machismo no meio e é preciso valorizar as mulheres. Já sobre o segundo vídeo, um aluno comenta que são legais para poder mostrar para os filhos anos depois e também para deixar aquela história registrada. É importante ressaltar que a significação do filme não é imediata, e sim um processo de reflexão por parte do expectador. É o chamado tempo de incubação da vivência comunicacional, conceito trazido por Marcondes Filho (2016). Sendo assim, o que foi registrado nos jovens da oficina são apenas as suas primeiras impressões, até mesmo superficiais. “Parece haver um certo entendimento do filme quando o vemos pela primeira vez (em geral, quando o revemos damos a ele novos 12

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significados), que é o que possibilita a compreensão e o acompanhamento da trama” (DUARTE, 2002, p. 74-75). Por mais que a maioria desses jovens ainda desconheça o gênero, o documentário vem ganhando cada vez mais visibilidade. Somos atravessados diariamente por produtos audiovisuais constituídos de imagens reais, seja na televisão, internet, cinema ou outros meios. A intensificação dos usos dos meios audiovisuais provocou debates sobre identidade social e étnica de grupos minoritários, a ponto de os próprios ‘sujeitos da experiência’, o ‘outro’ das produções documentais, engendrarem processos de constituição de auto-representações [...]. (LINS; MESQUITA, 2008, p. 40).

É isso que os vídeos apresentados aos jovens buscam retratar, pois se inserem em comunidades periféricas que muitas vezes ficam a margem do pouco de cultura disponibilizado no município, dos quais tem acesso facilitado os moradores do centro. A produção documental tem um papel importante para despertar o desejo de autorrepresentação e construção de narrativas que demonstrem diversidade social. 5 Considerações finais

A pesquisa realizada junto aos jovens das comunidades frederiquenses, no âmbito do projeto Entre-Linhas demonstrou o interesse deste público no audiovisual, mesmo que o gênero documentário não esteja entre os principais acessados pelos mesmos. A metodologia da recepção permitiu pensarmos de que forma eles sentem-se ou não representados e se o reconhecimento tanto de locais, culturas ou pessoas incentiva que estes busquem também a construção de narrativas próprias. Com a observação tanto do questionário sobre o perfil dos jovens quanto sobre a relação destes com o gênero documentário, podemos afirmar que a maioria dos alunos não conhecia o gênero documentário ou não soube identificá-lo. No entanto, todos demostraram empolgação ao ver sua comunidade retratada, dizendo que nunca tiveram a oportunidade de assistir um vídeo com pessoas e lugares que conhecem. Houve identificação com personagens, histórias, localidade. Nos comentários percebemos que os jovens valorizam a história do lugar e, no geral, sentiram-se representados. A atenção durante a exibição dos vídeos oscilou entre concentração e entre momentos de agitação e comentários sobre o que acontecia na tela. Destaque para momentos em que identificavam os personagens e quando apareceu a escola em que estudam. Relacionando essa observação da recepção, com o que é midiatizado e assistido por eles (especialmente novelas e filmes de ação e terror) podemos 13

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pensar que este consumo midiático encaminha também as percepções, pois auxilia nas definições do que eles reconhecem como audiovisual e, ainda, nas próprias representações construídas, que nem sempre são consideradas adequadas pelos jovens. Este estudo contribui para compreender a importância do documentário como representação social e também na identificação e reconhecimento local, com sentido de pertencimento à região. Para os jovens, ver a sua comunidade do interior retratada e conhecer melhor sua história, se mostrou um incentivo para a permanência na oficina visando também representar suas ideias com o audiovisual. Referências

DUARTE, R. Cinema e educação. 2. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

GÓMEZ, G. O. Mediações e televisão pública: A desconstrução múltipla da televidência na era da vassalagem mediática. In: RICÓN, O. (Org.). Televisão pública: do consumidor ao cidadão. São Paulo: Friedrich Ebert Stiftung, 2002, p. 233-266. LINS, C.; MESQUITA, C. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. MACHADO, A. O Sujeito na Tela: Modos de Enunciação no Cinema e no Ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007.

MARCONDES FILHO, C. Sobre o tempo de incubação na vivência comunicacional. In: ENCONTRO ANUAL COMPÓS, 25., 2016, Goiânia. Anais eletrônicos... Goiânia: UFG, 2016. Disponível em: http://www.compos.org.br/biblioteca/textocomautor_3350.pdf. Acesso em: 2 ago. 2016.

MARTÍN-BARBERO, J. De los medios a las mediaciones. Barcelona: Gustavo Gili, 1987.

PENAFRIA, M. O filme documentário: história, identidade, tecnologia. Lisboa: Cosmos, 1999.

RONSINI, V. A perspectiva das mediações de Jesús Martín-Barbero (ou como sujar as mãos na cozinha da pesquisa empírica de recepção). In: ENCONTRO ANUAL COMPÓS, 19., 2010, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1548.pdf. Acesso em: 27 jul. 2016.

ZANDONADE, V.; FAGUNDES, M. C. de J. O vídeo documentário como instrumento de mobilização social. 2003. 73f. Monografia (Bacharelado em Comunicação Social – Jornalismo). Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis/Fundação Educacional do Município de Assis, Assis, 2003.

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Autores Cláudia Herte de Moraes é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação (Unisinos); Doutora em Comunicação e Informação (UFRGS). Professora na UFSM, campus Frederico Westphalen. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Midiação - Educomunicação e Meio Ambiente, com pesquisas em jornalismo, jornalismo ambiental, educomunicação audiovisual. Coordena projeto de extensão contemplado pelo Proext 2016, “Video Entre-Linhas: formação de jovens realizados em Frederico Westphalen e Região”. E-mail: [email protected]. Eduarda Wilhelm é graduanda de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen. Bolsista do projeto de extensão “Video Entre-Linhas: formação de jovens realizados em Frederico Westphalen e Região” e participante do Grupo de Pesquisa Midiação - Educomunicação e Meio Ambiente. Email: [email protected].

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Jovem e Consumo Midiático: um comparativo entre as práticas juvenis da região sul e sudeste Daniela SCHMITZ1 Alexia Oliveira BARBIERI2 UFRGS, Porto Alegre, RS

Introdução Este artigo apresenta e discute dados produzidos na pesquisa nacional “Jovem

e consumo midiático em tempos de convergência”, da Rede Brasil Conectado3. A

investigação foi desenvolvida entre os anos de 2012 e 2015 e valeu-se de um grande

esforço integrado de pesquisa a fim de mapear o consumo midiático juvenil brasileiro no atual contexto de convergência tecnológica, cultural e midiática.

De uma forma resumida, o trabalho de campo se deu em três etapas: a

primeira buscou os dados contextuais (históricos, econômicos, demográficos,

culturais, midiáticos, etc.) dos estados e suas respectivas capitais, incluindo o Distrito Federal. A segunda fase esteve focada nos jovens das capitais e regiões

metropolitanas e combinou um estudo piloto (aplicação presencial de um

questionário com 168 perguntas para 10 jovens de cada estado), com uma pesquisa exploratória (observação de uma semana de perfis no Facebook de outros 10 jovens

de cada estado)4. Os procedimentos visavam mapear o consumo cultural e midiático de universitários entre 18 e 24 anos, de classes populares. Já a terceira etapa

Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGCOM/UFRGS, bolsista PDJ - CNPq. 2 Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Mestranda em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGAS/UFRGS. 3 A rede é coordenada pela Dr.ª Nilda Jacks e conta com pesquisadores nos 26 Estados brasileiros mais o Distrito Federal. Mais informações sobre a rede disponível em redebrasilconectado.wordpress.com 4 Nos dois procedimentos buscou-se trabalhar com cinco garotas e cinco garotos. 1

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consistiu na aplicação de um questionário online, orientado pelos dados construídos

nas etapas anteriores, buscando aprofundar questões e insights, bem como explorar importantes eixos da pesquisa. Este questionário era composto por 31 perguntas e foi respondido integralmente por 6.471 jovens entre 18 e 24 anos de todo Brasil.

O foco deste artigo recai especificamente neste último instrumento utilizado

na investigação, apresentando alguns dados e análises comparativas entre as práticas de jovens da região sul e sudeste do país, economicamente as mais desenvolvidas e

que contavam com número de respondentes muito próximo, o que amplia as possibilidades de comparação entre os dois grupos.

Antes de apresentar os dados, traz-se parte do panorama teórico que guiou a

investigação, para então focar nas estratégicas metodológicas empregadas,

especialmente na utilização de um software de análise qualitativa, o NVivo, que ampliou as possibilidades de análise do material empírico. Juventude e consumo midiático A juventude é um conceito plural em que aspectos sociais e culturais

instauram diversidade e impossibilitam uma uniformidade de vivências (Feixa, 2004 e 1999; Groppo, 2000; Margulis & Urresti, 2008). Não há consenso entre os

pensadores sobre o que caracteriza o período, mas toma-se em conta a posição dos autores supracitados para entender que no país coexistem distintas formas de ser e de vivenciar tal período que se interpõem entre a infância e a adultez. Isso porque,

para além da situação social e cultural que é historicamente constituída, as épocas, o gênero e as diferentes gerações interferem, edificam e possibilitam diferentes formas de ser jovem. Margulis & Urresti (2008) argumentam ainda que a classe marca a

forma e o tempo em que se estende a juventude, pois nos setores sociais de menor poder aquisitivo, habitualmente, os jovens aceleram sua entrada no mercado de

trabalho, antecipam a saída da casa dos pais e vivenciam precocemente outros ritos que acompanham a transição, como a manutenção de um relacionamento estável e a chegada de filhos.

Portanto, destaca-se o fato de que é uma construção histórica e social que

ultrapassa uma condição imposta pela idade, diferentemente do que foi postulado por Bourdieu (1990) em um artigo clássico sobre o tema. Para o autor, a juventude como 448

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categoria está inscrita em um limite etário que só faz sentido na contraposição:

juventude e velhice são construções sociais oriundas justamente da luta entre os dois.

Mesmo admitindo ser uma construção cultural, para Margulis e Urresti (2008), a discussão de Bourdieu desvincula os condicionantes históricos e materiais que ajudam a construir a noção de juventude, como já se apontou.

Aqui parte-se do princípio de que a juventude pode ser tomada como uma

categoria social (Groppo, 2000) e, assim, ultrapassa uma delimitação marcada apenas

pela faixa etária, sendo também uma representação simbólica e uma situação social.

Porém, na argumentação do mesmo autor, não é possível desconsiderar por completo o critério idade, uma vez que ele acompanha – expresso ou subjacente – as definições sobre o período juvenil. E é por isso que, na construção do grupo pesquisado, acabou-

se por definir um critério de idade (18 a 24 anos), embora se entenda que a juventude é muito mais do que um intervalo etário que antecede o que se convencionou chamar de fase adulta.

Ainda no panorama teórico edificado, o entendimento que se tem do consumo

midiático toma por base a argumentação de García Canclini (2006) e sua proposta de análise sociocultural do consumo. De um modo sintético, o autor coloca sua

abordagem do consumo como sendo “um conjunto de processos socioculturais em

que se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (2006, p. 80). E, para o autor, todo o consumo é cultural, pois o ato de adquirir qualquer bem é muito mais amplo

do que a ação de posse. Independente do que se consuma, o processo inclui distinção

simbólica, assim como integra e comunica, objetiva desejos e ritualiza a satisfação. Sendo assim, é o próprio quem lança a questão do porquê da necessidade de se

distinguir entre consumo e consumo cultural – empregado no caso de determinados bens ou atividades, principalmente nas artes e nas ciências. Sua argumentação para

tal separação vai no seguinte sentido: a independência e autonomia dos campos artísticos e intelectuais na modernidade acabou criando circuitos independentes para produção e circulação da arte, literatura e conhecimento. E, para o autor:

Os produtos denominados culturais têm valor de uso e troca, contribuem para a reprodução da sociedade e às vezes para a expansão de capital, porém neles os valores simbólicos prevalecem sobre os utilitários e mercantis. (GARCIA CANCLINI, 2006, p. 88).

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O autor não caracteriza o consumo midiático como uma modalidade específica,

pois integra-o ao consumo cultural. Contudo, destaca algumas especificidades do

consumo de meios, pois os produtos midiáticos possuem uma determinada

autonomia que diz respeito à dinâmica própria de produção, estilo, circulação e

consumo, além de uma maior implicação econômica, o que permite pensar sobre o

consumo midiático como uma vertente do consumo cultural. E é esta a perspectiva aqui adotada.

O questionário e a metodologia de análise O questionário online foi o último instrumento aplicado na pesquisa Jovem e

Consumo Midiático em Tempos de Convergência, fez, portanto, parte da terceira etapa

de produção de dados empíricos. Era composto de 31 questões, das quais seis abertas, que estiveram online por sete semanas (entre agosto e outubro de 2014). Um total de 9.072 jovens de todo o país respondeu ao questionário, sendo que 6.741 (71%) o fizeram por completo. Tratou-se, portanto, de uma amostragem não aleatória, por conveniência.

O questionário explorou o acesso à internet, a produção de conteúdos neste

ambiente, o uso de redes sociais e a comunicação via web, a posse e uso de

dispositivos, a importância dos meios e seus usos convergentes, além de perguntas relativas ao perfil do jovem.

Aqui serão explorados dados de quatro questões especificamente, duas

fechadas que eram seguidas de perguntas abertas que contribuíam para compreender

sentidos atribuídos aos usos e práticas de consumo midiático juvenil. São elas: a)

Quais meios de comunicação não fazem falta pra você hoje? (Marque até 3)5; b) Por

que os meios marcados não fazem falta pra você?; c) De todos os meios abaixo

listados, marque os que você dedica atenção exclusiva, ou seja, você só presta atenção

em um deles por vez (Marque até 3 opções)6; d) Por que você dedica atenção exclusiva a esse(s) meio(s) quando o(s) utiliza?

As perguntas fechadas foram tratadas no software SPSS (Statistical Package for

the Social Sciences), que facilitou a organização, sistematização e análise do material

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As opções de resposta eram: celular, internet, jornal impresso, jornal online, livros, rádio, revista impressa, revista online, smartphone, tablet, TV e a opção de nenhum meio. 6 As opções de resposta eram: rádio, TV, computador, celular, tablet, jornal impresso, revista impressa, livros e sempre uso mais de um meio ao mesmo tempo.

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de cunho quantitativo7. As abertas foram trabalhadas no NVivo, software CAQDAS

(Computer Assisted Qualitative Data Analysis Software)8 que permitiu organizar,

explorar e interpretar a extensa base de dados qualitativa construída com o discurso juvenil sobre suas práticas de consumo midiático, além de relacioná-lo com as

questões precedentes, de caráter fechado. Tal potencialidade está de acordo com a

argumentação de Creswell (2007) que indica as ferramentas informacionais são mais

úteis em grandes bancos de dados, mas também podem ser bem aproveitadas em pesquisas menores.

Para o tratamento das questões abertas, inicialmente, a metade das respostas

dos jovens de todas as regiões foi lida de forma exploratória a fim de criar categorias

indutivas que contribuíssem para a interpretação de tais questões. Definidas as categorias, parte deste material foi categorizado manualmente no NVivo (cerca de

100 respostas para cada categoria) para então empregar o recurso de codificação

automática (com uso de Inteligência Artificial) das cerca de 9000 respostas restantes com base nos padrões das respostas manualmente codificadas. Uma amostra de,

aproximadamente, 30% deste material foi auditado, exercício no qual foi possível perceber que a codificação automática com base em inteligência artificial atingiu um índice de confiabilidade de cerca de 92% do total de respostas9.

Na sequência, foram geradas nuvens de palavras com o cruzamento dos dados

das respostas fechadas e as categorias indutivas identificadas em cada questão aberta, destacando os termos mais proeminentes no discurso juvenil, conforme se verá mais a frente, na apresentação dos dados.

Logo após, foram eleitos alguns termos-chave de cada nuvem para criação de

árvores de significado. Este material traz um panorama do “campo de sentidos” que envolve determinada palavra, ou seja, ele aponta algumas recorrências no discurso dos

O software possibilita que um conjunto de dados quantitativos possa ser explorado em correlação, regressão, comparação, análise de variância, entre outras ações que facilitadas possibilitam grande número de inferências (Teixeira e Becker, 2001). 8 Originados nos Estados Unidos na década de 1960, esses programas tinham funções limitadas inicialmente como “recorte de fichas, codificação de textos por meio de sublinhados ou a reunião de dados em um documento mestre” (Orozco e González, 2011, p. 194). Em meados dos anos 1980, com os avanços da informática e da tecnologia, os programas começam a se desenvolver, tornando-se cada vez mais atraentes a pesquisadores que investem em abordagens qualitativas. 9 A categorização de algumas questões abertas precisou ser refeita com base na auditoria realizada. 7

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jovens, tendo como centro a expressão eleita. À esquerda são frases e expressões que precedem tal palavra e à direita a fala que a sucede10. Consumo midiático entre jovens do sul e sudeste Para o presente artigo, foram analisadas respostas de 1.527 sulistas e 1593

jovens do sudeste11, para focalizar as semelhanças e distinções de suas práticas e

rituais de consumo midiático a partir das quatro questões recortadas do questionário online que já foram apresentadas. Dentro do possível, a intenção é realizar um

comparativo entre as práticas de jovens das duas regiões do país, economicamente as mais desenvolvidas12. Abaixo um quadro com a distribuição por estado dos jovens respondentes.

Tabela 1. Número de jovens investigado em cada estado do sul e sudeste Sudeste

Sul

Espírito Santo

434

Minas Gerais

244

Rio de Janeiro

365

São Paulo

550

Paraná

316

Santa Catarina

471

Rio Grande do Sul Fonte: dados da pesquisa, 2014

740

Inicia-se com o perfil destes sujeitos. Como já foi adiantado, todos

respondentes têm entre 18 e 24 anos, contudo, nas duas regiões a idade mais

proeminente é de 21 anos. A proporção entre homens e mulheres é idêntica, em ambas as regiões 66% dos informantes são garotas (em números absolutos: 741 no sul e 750 no sudeste).

Já no nível de instrução tem-se o seguinte panorama.

Em função dos limites do artigo, apresentar-se-á apenas uma nuvem de palavras e uma árvore de significados, para que seja possível compreender a metodologia de análise utilizada. Os demais dados serão apenas descritos. 11 Porém nem todos responderam ao questionário por completo. Portanto o dado da totalidade de respondentes varia em cada questão. 12 O número de entrevistas, bem como o de respostas das duas regiões se assemelha muito. Por esse motivo é possível tecer algumas semelhanças e diferenças entre as respostas e o perfil desses jovens. 10

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Em termos percentuais, o índice de graduados é o mesmo 79%, portanto a

maioria nos dois casos. No investimento em pós-graduação, os sulistas alcançam quase o dobro: 7% em comparação aos 4% do sudeste.

Dentre os graduandos e graduados, os cursos majoritariamente estão

concentrados nas Ciências Sociais Aplicadas (ambos com 63%), mais especificamente nos cursos de comunicação. Sabe-se que, pelo fato de a Rede Brasil Conectado ser

formada por pesquisadores desta área, acabou-se criando um viés na pesquisa justamente pelo fato de que o link do questionário ter circulado em maior medida nas

redes destes professores. Ainda assim, há presença de quase 40% de jovens de outras áreas, sendo que as Engenharias estão em segundo lugar com 9% nas duas regiões, seguida das Ciências da Saúde com 5% no sul e 7% no sudeste.

A maior distinção no perfil dos entrevistados vem do aspecto laboral: 63%

(707) sulistas trabalham em comparação aos 44% (498) que se declararam trabalhadores no sudeste.

Na questão da renda, em ambas as regiões a maior concentração está entre

R$2.655 e R$ 5.241, mas na sul há um maior equilíbrio entre os de maior e menor

renda, já no sudeste há uma leve tendência à concentração nas rendas mais altas. O que poderia explicar a distinção na situação laboral destes jovens, contudo é apenas uma hipótese.

Quanto ao consumo midiático destes jovens, tem-se a situação descrita a

seguir na questão que explorava a importância de cada meio no cotidiano. Na região sul o total de jovens que respondeu a esta questão é de 1.007, enquanto na região

sudeste o total é de 1.009. Contudo, foi a partir das respostas dos jovens de todo o país que foram criadas categorias indutivas que evidenciavam os motivos pelos quais determinados meios não fazem falta: a) Não possuo: em que o consumo do meio é 453

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condicionado ao acesso ou à posse; b) Não uso/ não gosto: o jovem possui ou teve

acesso ao meio, mas prefere não utilizá-lo, caracterizando a falta de contato com o meio; c) Foi substituído: o meio foi trocado por outro. Essa troca é motivada por alguma evolução: performance, custos, interatividade, etc. d) Prefiro outro: os

hábitos, as práticas e preferências dos jovens são determinantes para o consumo ou não do meio.

Os quatro meios que menos fazem falta aos jovens da região sul são: rádio

(54,9%), jornal impresso (53,8%), revista impressa (47%) e tablet (46,5%)13. No

sudeste os mesmos meios ocupam as quatro primeiras colocações, mas com posições

distintas para o primeiro e segundo lugar: jornal impresso (53,32%), seguido pelo rádio (47,57%), revista impressa (40,03%) e tablet (29,03%)14.

No cruzamento dos meios com as categorias indutivas tem-se o seguinte

quadro para a região sul15.

Tabela 2. Meios que não fazem falta e motivos indicados – região sul

TV Tablet Smartphone Revista online Revista Impressa Rádio Nenhum, sinto que preciso de todos Livros Jornal Online Jornal Impresso Internet Celular

prefiro outro 27,5% 20,1% 12% 33% 23,3% 21,2% 0%

não gosto 28,6% 26,5% 35,7% 25% 26,7% 34,3% 0%

13,9% 38,15% 23,31% 0% 24,56%

21,8% 29,4% 22,32% 24% 30,02%

uso-não

não possuo 5,2% 20,3% 29,3% 14,1% 9,7% 10,9% 0%

foi substituído 38,5% 32,9% 22,8% 27,8% 40,1% 33,4% 0%

6,9% 11,51% 10,6% 0% 8,75%

57,2% 20,93% 43,77% 76% 36,66%

O meio mais dispensável para os jovens da região sul, como já ressaltado, foi o

rádio. Entre os principais motivos estão “não uso – não gosto” e “foi substituído”. A justificativa “foi substituído” se repete no jornal e revista impressos. Além disso, o

tablet também leva as duas justificativas. Já na região sudeste, a categoria “foi Os demais meios obtiveram os seguintes resultados, na ordem: revista online (29,7%), TV (21,7%), smartphone (9,7%), jornal online (9,3%), celular (50), livros (20) e internet (3). Contudo, 144 jovens admitem que precisam de todos os meios. 14 Os demais meios obtiveram os seguintes resultados, na ordem: Revista Online (34,3%), TV (25,3%), Smartphone (10,8%), Jornal online (10,4%), Celular (6%), Livros (3,9%) e Internet (1,7%). Contudo, 146 jovens admitem que precisam de todos os meios. 15 Em função dos limites do artigo, apresentar-se-á apenas as tabelas completas da região sul e os dados do sudeste serão apenas descritos em comparação a esta região. 13

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substituído” é a mais relevante como justificativa para a renúncia aos meios apontados. Há ainda que destacar que o discurso dos entrevistados destoa nas

respostas abertas, sendo que os sulistas apresentaram justificativas mais longas e elaboradas que os jovens do sudeste.

Ao gerar uma nuvem de palavras com as respostas dos jovens do sul que

indicaram não sentir falta do rádio dentro da categoria “não uso/não gosto”, tem-se a seguinte imagem.

Nuvem de palavras 1 – Meio Rádio – Categoria Não uso / não gosto

De forma resumida, a grandeza das palavras mais proeminentes como “nunca”,

associadas a “costumo”, “utilizo” e “ouvir” indicam que no discurso dos jovens o rádio

aparece como desnecessário. A nuvem de palavras também permite inferir que a “internet”16 e as práticas “online”17 podem ser os substitutos do rádio, embora tais palavras sejam menos presentes nas respostas, como indica a nuvem.

A leitura conjugada da categoria “não uso/não gosto” na nuvem de palavras e

na árvore de significados, relativa ao rádio nas respostSa do sul, permite perceber o contexto discursivo em que algumas das palavras da nuvem se insere.

16 17

Localizada no quadrante inferior esquerdo, na horizontal. No quadrante inferior direito, na vertical.

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Com este material, pode-se verificar o quanto o rádio é desnecessário, pois do

lado esquerdo da árvore tem-se a recorrência de expressões: “não tenho”, “nunca fui adepta”, “nunca senti necessidade”, “nunca gostei”, “nunca tive paciência para

escutar”, “eu não escuto músicas no rádio”, entre outras. No lado direito é possível ter 456

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indicações das motivações para o baixo consumo do meio: “podem ser substituídas

por outras”, “faço minha própria playlist”, “acesso pela internet”, “prefiro minhas

próprias MP3”. Ou seja, a árvore de significados revela que o jovem prefere ter maior

autonomia no seu consumo musical e que o alto índice de rejeição ao rádio, já que ele foi indicado como o meio que menos faz falta para os sulistas, pode estar relacionado à falta de “customização” do meio.

O rádio foi apontado pelos jovens do sudeste como o segundo mais

dispensável. A categoria mais proeminente é “foi substituído”. A análise da nuvem de palavras indica que o consumo não é muito presente no cotidiano juvenil. A grandeza

de palavras como: “substituídos”, “obsoletos” e “desnecessários” corroboram a hipótese. Além disso, assim como no sul, as palavras mais proeminentes da nuvem

“internet” e “online” permitem inferir que esses recursos podem ser substitutos ao

rádio. Na árvore de significados cujo o termo central é “internet” tem-se expressões que refirmam as hipóteses de que outros meios substituíram o rádio.

O segundo meio que menos faz falta aos jovens da região sul é o “Jornal

impresso”. O mesmo meio teve o primeiro lugar para os jovens da região sudeste.

Assim como o registrado no rádio, a justificativa “foi substituído” aparece para as duas regiões. No caso dos jovens sulistas, é possível perceber através da

proeminência de termos como “online”, “jornal”, “substituídos”, “digitais” e “portais”,

que eles possivelmente substituíram o jornal impresso pelo equivalente online. Na

árvore de significados, que tem como centro a palavra “internet”, percebe-se que custo, atualização e velocidade são motivos para a troca.

Já no caso da região sudeste, o “jornal impresso” foi apontado pelos jovens

como sendo o que menos faz falta. Assim como na região sul, os termos “online”, “jornal” e “impresso”, “substitui”, “digitais” e “conteúdo”, denotam essa mudança. A

árvore de significados apresenta justificativas semelhantes às usadas pelos sulistas.

Com o adendo da “diversidade/facilidade” do meio como umas das justificativas. Além disso, outra diferença nas respostas das duas regiões foi que, no caso do sul, os

jovens evidenciaram outra dimensão não exposta pelos jovens do sudeste, sobretudo, nas expressões que apontam para a consciência que os entrevistados têm das

mudanças decorrentes do acesso digital: “os dispositivos móveis substituem”, “parece conseguir substituir a experiência”. E indicam as vantagens dessas mudanças: “de 457

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forma muito mais fácil”, “já supre eles pra mim”, “o acesso é mais fácil” e “a internet consigo acessar”.

O segundo bloco de questões que será aqui tratado explorava a atenção

dedicada aos meios, no intuito de compreender os usos convergentes ou ainda as

habilidades multitarefas dos jovens. A partir das respostas dos jovens de todo o país foram criadas categorias indutivas que evidenciam os motivos pelos quais, determinado meio merece atenção exclusiva: a) Conteúdo: quando o tipo de conteúdo

requer maior atenção; b) Contingência: quando as circunstâncias de uso/acesso são determinantes; c) Interlocução: quando a necessidade ou desejo de comunicação

interpessoal demandam maior atenção; d) Perfil: devido a preferências, gostos ou

mesmo hábitos individuais; e) Performance do meio: as características do meio

determinam o grau de atenção e f) Tipo de tarefa: devido à complexidade da tarefa.

O número de entrevistas, bem como o de respostas das duas regiões se

assemelha: dos sulistas, 923 responderam à questão e 940 do sudeste18. No sul, os quatro meios aos quais os jovens dedicam atenção exclusiva são: livro (73%), jornal

impresso (29%), revista impressa (26%) e computador (24%). Na região sudeste os

meios citados foram os mesmos, mas há uma pequena diferença em relação à posição

do computador, no sudeste ele aparece em segundo com 24%, em primeiro também está o livro (69%), terceiro a revista impressa (23%) e na sequência o jornal impresso (20%).

O principal meio escolhido pelos jovens da região sul e sudeste foi o livro. E os

fatores verificados para tal escolha, conforme as categorias indutivas, foram, no caso

do sul “perfil” e “performance do meio”, e no sudeste “perfil”. As respostas desta

última categoria se assemelham nas duas regiões. Em ambas é possível perceber, com base na leitura da nuvem de palavras, a proeminência dos termos “atenção” e “concentração”. Na região sul, sobretudo, é possível ter o reforço do quanto o livro

demanda concentração em função de características pessoais dos jovens investigados,

com base nas expressões da árvore de significados, que revelam certo esforço para a

manutenção da “concentração”, com expressões como “para manter”, “para melhorar”, “para conseguir”, “para não perder”, “preciso de”, “para ter 100% de”

Interessante demarcar que está questão era posterior à anteriormente apresentada na ordem de aplicação do questionário e percebe-se que uma parte dos jovens já havia abandonado o questionário neste ponto. 18

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entre outras. Na região sudeste o perfil do jovem também é determinante na escolha do meio que receberá atenção exclusiva, mas as expressões principais que giram em

torno no termo concentração são distintas: “não consigo fazer isso paralelamente”, “não consigo me concentrar em” reafirmam que o meio demanda atenção dos jovens.

Na região sul, no cruzamento do meio livro com a categoria “performance do

meio”, as palavras “atenção” e “concentração” também aparecem bem destacadas.

Porém, para um entendimento além dessas expressões procurou-se olhar para outras palavras de menor proeminência, que contribuíssem para demais explorações. Termos como “exigem”, “requer”, “precisa” e “necessitam”, indicam uma demanda do

meio por atenção e concentração. Ou seja, alguns jovens atribuem a concentração que dedicam a um ou outro meio ao seu perfil de uso e outros depositam tais exigência nas performances do meio.

Em função do grande destaque das palavras “atenção” e “concentração” que se

repetiram como principais em todas as nuvens geradas nesta questão sobre atenção exclusiva, optou-se por suprimir as respostas que continham estes termos a fim de

explorar novas justificativas à atenção dedicada e assim foram geradas novas nuvens

de palavras e árvores de significado. Estas por sua vez, no caso do sul, demonstraram grande destaque aos termos “livro”, “revista” e “texto”, oque pode ser indicativo de

que os meios impressos e/ou a linguagem verbal demande maior concentração no entendimento dos jovens.

O segundo meio mais citado pelos sulistas foi o “jornal impresso”19, enquanto

que este meio foi citado em quarto lugar pelos jovens da região sudeste. Assim como

no caso do livro, as categorias “perfil” e “performance do meio” foram as mais

registradas entre os jovens do sul. Entre os entrevistados do sudeste as mesmas categorias foram assinaladas. No caso do sul, na categoria “perfil”, suprimindo-se “atenção” e “concentração” da nuvem, verifica-se uma pluralidade de termos em que

“consigo” se sobressai, ratificando a descrição da categoria perfil que está relacionada a gostos e hábitos individuais. No caso do sudeste, o mesmo se verifica.

Foram escolhidos os dois primeiros meios mais citados de cada região, por apresentarem respostas distintas que enriquecem o comparativo.

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Considerações finais Acerca dos resultados, o perfil dos jovens é bastante similar, destoa apenas no

aspecto laboral, em que os sulistas estão mais inseridos no mundo do trabalho. As

práticas de consumo midiático entre os dois grupos também são bastante próximas,

ao menos no recorte de questões aqui tratado. Há que se destacar que os jovens da

região sudeste foram mais sucintos em suas respostas, o que restringe maiores interpretações. Ainda assim, identificou-se algumas nuances como o fato do rádio ser

o meio de menor consumo entre os sulistas, enquanto os jovens do sudeste apontam que o jornal impresso é o meio de menor participação em seu cotidiano.

Os meios impressos recebem mais atenção exclusiva dos dois grupos, mas

entre os sulistas essa dedicação é um pouco mais acentuada, muito em razão do perfil

dos respondentes. E embora não se tenha tratado dos meios que não fazem falta aos jovens no presente artigo, os dados desta questão (que também foi explorada

qualitativamente) revelam que os impressos, no geral, com exceção do livro, são os meios que eles menos sentem falta. Ou seja, curiosamente, alguns dos meios que os

jovens indicam necessitar de maior atenção no consumo estão entre os que eles menos sentem falta. O que pode sugerir uma menor predisposição ou interesse em meios que exijam mais concentração ou que quebrem com a lógica do uso simultâneo, já que a grande maioria demonstra estar inserido na cultura da convergência, seja no consumo simultâneo ou na migração dos meios tradicionais para os digitais.

Aponta-se ainda que o perfil dos jovens é bastante determinante da forma

como se relacionam com os meios, seja com atenção exclusiva ou não, muito mais do que a tarefa que executa ou o meio que utiliza. O que indica a importância da

subjetividade e competência cultural nos processos de consumo cultural e midiático (MARTÍN BARBERO, 2003).

Por fim, o emprego dos softwares, especialmente o Nvivo, possibilitou a

análise das questões abertas sem que fosse necessário ler a totalidade das respostas

que ultrapassa a marca de 9 mil jovens. Esta exploração foi inovadora para o grupo de

investigadores e a experiência foi bastante positiva, ainda que alguns limites possam ser apontados, como o fato de algumas respostas figurarem em mais de uma categoria a partir da codificação automática realizada. 460

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A INTERAÇÃO DOS LEITORES COM A OBRA DE LITERATURA INFANTIL NA SOCIEDADE MIDIATIZADA: APONTAMENTOS TEÓRICOS Evelin de Oliveira Haslinger1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo (RS). Resumo: A proposta aqui apresentada resulta de primeiras inferências acerca do objeto empírico que compõe a proposta de pesquisa de mestrado, ainda em curso, no Programa de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), intitulada: “Os Clássicos da Literatura Infantil na Sociedade em Midiatização”. Pretende-se, em especial neste artigo, efetivar uma análise dos clássicos da literatura infantil na sociedade em vias de midiatização e como estes livros vêm se configurando nesta nova ambiência, estabelecendo novas relações entre o leitor e a obra. Nesse processo de coprodução, o leitor ora é receptor e ora é produtor, o que o torna, igualmente, um partícipe do processo de circulação de conteúdos, um dos pilares da estrutura da sociedade midiatizada. Tratando-se de uma pesquisa em andamento, a análise está mais direcionada para o cotejamento de aportes teóricos do que a apresentação de resultados do material empírico. Palavras-chave: literatura infantil – leitor – circulação - midiatização. 1. Introdução Quem nunca foi criança e se deleitou com os livros infantis? Cheios de mistérios, de beleza narrativa, de encantamento nas personagens e de sonhos, os livros infantis encantam crianças pelo mundo todo, desde tempos imemoriais. E mesmo hoje, na sociedade altamente informatizada em que nos encontramos, eles ainda têm o poder de despertar o interesse de leitores mirins. Mas não são mais os mesmos, não são mais aqueles livros que nossos avós e pais leram e com os quais se encantaram. Os livros infantis mudaram. Conservaram-se as histórias, mas muitos dos seus aspectos se adaptaram, se 1

Mestranda em Ciências da Comunicação no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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modernizaram, para atender a um novo leitor, um leitor de uma sociedade em vias de midiatização, que, como afirma Gomes (2013 p. 137 -138), vive imerso em uma “nova ambiência”. Nesse sentido, nossa preocupação epistemológica se centra numa inquietação acerca da natureza dos atuais livros infantis e sua pretensa midiatização. Até que ponto os livros infantis estão midiatizados? E, em estando, quais os aspectos dessa midiatização? Foram essas algumas das questões que nos impeliram à investigação desse campo empírico. Outra justificativa de interesse foi a motivação pelo contato com o livro “Meu Diário Secreto – Cinderela”, de Kees Moerbeek (2012), obra apresentada por uma criança de nosso convívio e que, à primeira vista, chamou nossa atenção, quando a criança mostrava, entusiasmada, as imagens em 3D presentes no livro. A sua motivação também despertou o nosso interesse pela obra. Por que tal livro chamava tanto a sua atenção?

Numa análise preliminar, pudemos observar vários aspectos vinculados ao contexto da digitalização e que trazem uma adequação ao público infantil contemporâneo, formado por nativos digitais2. Para Michel Serres (2013, p. 19), as crianças de hoje “... habitam o virtual”, “Não têm mais a mesma cabeça”, “Não habitam mais o mesmo espaço”. De fato, os leitores de hoje não são mais os mesmos de épocas passadas. E como o livro infantil vem acompanhando este processo de digitalização e midiatização da sociedade? Por meio de uma pesquisa exploratória, realizada em visitas de campo em livrarias, feiras de literatura infantil, sebos, bibliotecas e em buscas na internet, em movimento abdutivo (VERÓN, 2013 p.23), pudemos perceber as marcas da midiatização nos livros infantis. Cabe destacar que, nesse conjunto, os clássicos ou contos de fadas são os que mais se destacam, alguns como Cinderela, A Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e a Bela Adormecida são os que mais aparecem na pesquisa exploratória. Histórias que parecem ter um fluxo adiante (BRAGA, 2012): Multiplicam-se nas livrarias as edições e reedições dos contos de fadas ou contos maravilhosos, lendas, mitos, clássicos antigos e modernos. O mercado oferece, em sedutoras edições ilustradas, toda uma literatura que parecia perdida no tempo (...). Livros que parecem anacrônicos ao serem confrontados com este nosso ciberespaço (dinamizado pelas multimídias e transformando pelas conquistas da eletrônica e da informática), mas que são verdadeiras fontes de sabedoria (COELHO, 2012, p. 17).

Para fugir deste “anacronismo”, de que nos fala Coelho (2012), percebe-se certo movimento, por parte dos produtores, em especial pela Disney, para tornar o Denominamos nativos digitais aquelas pessoas já nasceram em um ambiente altamente relacionando com as tecnologias de comunicação. (PRENSKY, 2001)

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livro infantil mais atrativo3. Tudo isso para se adaptar ao interesse de uma criança localizada em um novo tempo, para o qual já existe, inclusive, a denominação: Geração Alfa (CORRÊA JÚNIOR et al 2016). 2. O leitor e o livro infantil

Os livros infantis acompanham a infância desde há muito tempo. Na tentativa de localizar no tempo o início de uma literatura infantil, afirma Zilberman (2003, p. 15), “Os primeiros livros para crianças foram produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII. Antes disso, não se escrevia para elas porque não existia a ‘infância’”. E, para construir um contexto social, o autor escreve ainda: Entre os gêneros literários existentes, um dos mais recentes é constituído pela literatura infantil, que a apareceu durante o século XVIII, época em que as mudanças na estrutura da sociedade provocaram efeitos no âmbito artístico, mudanças que vigoram até os dias atuais. (ZIBERMAN, 2003, p. 33)

Dentre a literatura infantil, há que se destacar os clássicos. Mas, afinal, o que é considerado um clássico? Segundo Zilberman (2003), a história da literatura, guardiã dos clássicos, dominou os estudos literários no século XIX e, sobretudo em nosso país, passou do âmbito especializado para o universo da escola. Aquilo que consideramos "contos de fadas4” e relacionamos exclusivamente com o universo infantil, na verdade, eram textos de tradição oral e tinham passado de boca em boca, por gerações. Os contos são clássicos porque são antigos e não porque sejam eruditos. São considerados clássicos da literatura infantil aquelas histórias que passaram por várias gerações e que continuam vivas na contemporaneidade, sofrem adaptações e inspiram outras histórias.

De acordo com Corso (2006), historiadores têm encontrado variações dos contos há séculos e séculos; como é o caso da Cinderela, em que há variações de narrativas em quase todas as culturas, já sendo documentada uma versão chinesa do século IX da nossa era. As mais conhecidas são, claro, as versões de Perrault (1697), Walt Disney (1950) e a versão alemã dos Irmãos Grimm (1812). Ainda de acordo com Corso (2006, 303), as histórias trazem em si um importante ingrediente de positividade:

De acordo com Darnton (2010, p. 40), a história do livro sofreu uma série de mudanças tecnológicas, o que configura um processo evolutivo neste dispositivo, até chegar ao que temos hoje – este formato híbrido, misto de impresso com tecnológico, que este autor denomina de “...comunicação eletrônica, a quarta grande mudança”. 4 Em algumas referências, encontraremos contos de fadas para denominar clássicos da literatura infantil, como, por exemplo, em: Corso (2006), Beltelhein (1980), Coelho (2012). 3

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Histórias não garantem a felicidade nem o sucesso na vida, mas ajudam. Elas são como exemplos, metáforas que ilustram diferentes modos de pensar e ver a realidade e, quanto mais variadas e extraordinárias forem as situações que elas contam, mais se ampliará a gama de abordagens possíveis para os problemas que nos afligem.

Historicamente, essas narrativas vêm se reinventando através do tempo, mantendo, a despeito das suas inovações em termos de formato e elementos de mídia, a essência dos seus elementos fundantes:

Até os distraídos já puderam notar que, entre as muitas curiosidades deste nosso tempo caótico, dinamizado pela cultura cibernética, vem-se sobressaindo a crescente onda de interesse pela literatura alimentada pela magia, pelo sobrenatural, pelo mistério da vida, das forças ocultas. E, no rastro desses interesses, também as fadas estão de volta, entrando não só nos lares, mas também nas escolas.

As histórias infantis são obras que se reinventam para atrair a atenção da criança leitora, que já nasce neste novo cenário, agora midiatizado. Alguns exemplos: as editoras investem, cada vez mais, em livros com áudio e leitor de código QR, que direciona o leitor para o site da editora; existem livros com cenas de capítulos projetadas em um miniprojetor de imagens; livros que vêm acompanhados de brinquedos como uma câmera de animação, microfone, jogos de quebra cabeça; a presença da a gamificação do livro, por meio do elementos como o ‘faça você mesmo’ e ‘crie o cenário da história’. 3. O leitor na sociedade midiatizada

Para fins desta pesquisa, conceituaremos midiatização, conforme sugere Gomes (2015, p. 34), como um conceito plurívoco, ou seja, que carrega em si várias definições, a partir de diferentes olhares dos pesquisadores, carregando múltiplas vozes de um mesmo conceito: A midiatização tornou-se cada vez mais um conceito chave, fundamental, essencial para descrever o presente e a história dos meios e a mudança comunicativa que está ocorrendo. Desse modo, se se tornaram parte do todo, não se pode vê-los como uma esfera separada. É necessário desenvolver uma compreensão de como a crescente expansão dos meios de comunicação muda nossa construção da cultura, da sociedade e das diferentes práticas sociais. Nessa perspectiva, a midiatização é usada como um conceito para descrever o processo de expansão dos diferentes meios técnicos e considerar as inter-relações entre a mudança comunicativa dos meios e a mudança sociocultural.

Desta maneira, encontraremos diferentes olhares sobre o fenômeno da midiatização, segundo perspectivas dos teóricos brasileiros, argentinos e nórdicos. Isso se dá, entre outras questões, por ser ele um conceito em formação, como afirma Fausto Neto (2006).

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Do grupo argentino, o autor de base que acionaremos, ao longo da pesquisa, será Eliseo Verón, um dos principais pesquisadores sobre midiatização daquele país, que faz uma relação semiótica a partir da produção de sentido e de gramáticas de produção e reconhecimento e entende a midiatização como uma perspectiva antropológica, compreendendo que

A midiatização certamente não é um processo universal que caracteriza todas as sociedades humanas, do passado e do presente, mas é, mesmo assim, um resultado operacional de uma dimensão nuclear de nossa espécie biológica, mais precisamente, sua capacidade de semiose (VERON, 2014, p. 14).

Os nórdicos, como Stig Hjavard, apresentam uma visão mais sociológica e institucionalista da midiatização, contribuindo com nossos aportes, principalmente, quando abordamos a midiatização de instituições, como a escola, imersa neste cenário dos livros infantis. Para Hjavard (2014, p.16, com grifos do autor), a midiatização é vista como processo de transformação da cultura e da sociedade: Não são os meios de comunicação apenas tecnologias que as organizações, os partidos ou os indivíduos podem optar por utilizar ou não utilizar conforme julguem conveniente. Sua presença tornou-se uma condição estrutural das práticas sociais e culturais, quer em esferas culturais, particulares, quer na sociedade em geral (Livingstone, 2009). Parcela significativa de sua influência decorre de um fenômeno bilateral em que a mídia se torna parte integrante do funcionamento de outras instituições, ao mesmo tempo que alcança certo grau de autodeterminação e autoridade, obrigando tais instituições, em maior ou menor medida, a submeter-se a sua lógica.

O conceito de midiatização, a partir de Gomes (2013) e Fausto Neto (2008), entende a sociedade midiatizada como um caldo cultural, em que diversos processos sociais acontecem simultaneamente, potencializando renovadas formas de ser e estar no mundo. E, como uma das consequências desta nova ambiência, há uma reconfiguração do leitor, que se transforma num leitor mais ativo, coprodutor, que não é mero repetidor, mas sim é convidado a criar a partir do texto lido. Neste circuito, os dispositivos de mídia efetivam o convite ao leitor, para que interaja com as narrativas e participe como coprodutor – que é, justamente, o que ocorre com o ato de leitura dos contos de fadas atuais. É o que afirma Cagneti (2013, p. 12-13), ao escrever:

A literatura infantojuvenil, não só brasileira, como os textos endereçados a crianças e jovens, de diferentes lugares e aqui trazidos, vem pedindo ao leitor uma atitude de complementação, associação, recriação e redimensionamento, a partir dos próprios pontos de vista, das leituras e dos conhecimentos anteriores, das buscas particulares e do preenchimento dos vazios propositais que dependerão das novas leituras que cada um será capaz de encontrar e fazer.

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Nesse processo de coprodução, o leitor ora é receptor e ora é produtor, o que o torna, igualmente, um partícipe do processo de circulação de conteúdos, um dos pilares da estrutura da sociedade midiatizada. Segundo Fausto Neto (2010, p. 06), na sociedade midiatizada, os processos de circulação de mensagens e, de modo especial, de produção de sentidos, organizam uma nova arquitetura comunicacional, afetando as condições de vínculos entre produtores e receptores: Na “sociedade em vias de midiatização” estamos diante de um novo cenário sócio-técnico-discursivo que constitui as novas interações entre produção/recepção. Estas resultam diretamente, de novas formas de organização de circulação dos discursos. A problemática dos efeitos de sentido assume uma nova complexidade, requerendo dispositivos analíticos, especialmente procedimentos refinados que possam descrever como a circulação deixa se mostrar em novos cenários. Nesta, a circulação re-situa além das interações, conceitos clássicos ao processo da comunicação, como por exemplo, o de notícia e o de acontecimento.

Esse leitor torna-se mais autônomo, à medida em que não é mais indispensável a presença do “mediador de leituras”, que tinha um papel mais ativo na sociedade dos meios/mediações, marcada pela presença de um leitor intermediador da narrativa contida no livro e o seu público leitor – a criança. É aquela clássica imagem que temos do adulto, geralmente um parente ou o professor, lendo para a criança, que, por seu turno, mantinha uma posição de atenção e imobilidade diante da leitura. É o que registra Rubem Alves, numa bela crônica sobre a importância da leitura: Isto é verdadeiro também sobre aprender a ler. Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a história. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando alguém lê e a criança escuta com prazer. A criança volta-se para aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro! Deseja autonomia: ser capaz de chegar ao prazer do texto sem precisar da mediação da pessoa que o está a ler.

Num primeiro momento, as delícias do texto encontram-se na fala do professor. Usando uma sugestão de Melanie Klein, o professor, no acto de ler para os seus alunos, é o "seio bom", o mediador que liga o aluno ao prazer do texto. (...)

Os suportes técnicos, como a presença de áudios na narrativa e de jogos, além das próprias histórias projetadas a partir de animações, rompem com esta ritualidade de o adulto contar as histórias para as crianças. O livro impresso, então, reconfigura-se, para estabelecer com o leitor relações próximas às estabelecidas pelas mídias digitais. Para Ferreira (2013, p. 140), “o lugar do digital no campo da comunicação enquanto processo social já atinge uma reestruturação do mercado das mídias no Brasil”. Nesse cenário é que a circulação surge como um objeto que permite pensar 467

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o âmbito das relações intra e intermidiáticas. Conceituando, a partir de Ferreira e Rosa (2011), circulação intramidiática é aquela que acontece dentro do dispositivo e circulação intermidiática é aquela que acontece entre os dispositivos. Como forma de exemplificação, podemos relacionar: a) Circulação Intramidiática: um livro infantil que traga, no seu interior, outro dispositivo, que irá acionar outras técnicas – como um projetor de imagens ou uma imagem em 3D, que “salta” das páginas do livro (um castelo, uma paisagem, cartas e demais objetos), ou ainda um áudio que narra a história para a criança, como ilustra a figura abaixo: Figura 1: livro infantil com imagens em 3D

Fonte: http://www.iocomunica.com.br/voce-sabe-o-que-e-um-livro-pop-up/

b) Circulação Intermidiática: quando uma história de um clássico infantil pode estar presente em um seriado, como é o caso do Once Upon a Time5,

Série de TV norte americana lançada em 2011 que aborda o gênero conto de fadas. Na narrativa, a personagem principal, filha da Branca de Neve, chega à cidade de Storybrooke, no interior do Maine, para mudar a cidade aonde os contos de fadas são reais. Fonte: http://onceuponatimebrasil.net/serie/ 5

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ou o livro configurando-se em games, ou ainda em um parque temático, como o da Disney, como na figura abaixo: Figura 2: Seriado Once Upon a Time

Fonte: http://www.castelonerd.com.br/#!Once-upon-atime/c2011/557041790cf219f1772539bc

Por fim, cabe ainda ressaltar que este novo leitor está inserido em um mundo com um novo formato; um mundo em que a sua própria percepção muda. São novas crianças, como defende Serres (2015, p. 19):

Essas crianças, então, habitam o virtual. As ciências cognitivas mostram que o uso da internet, a leitura ou a escrita de mensagens com o polegar, a consulta a Wikipedia ou ao Facebook não ativam os mesmos neurônios nem as mesmas zonas corticais que o uso do livro, do quadro-negro ou do caderno. Essas crianças podem manipular várias informações ao mesmo tempo. Não conhecem, não integralizam nem sintetizam da mesma forma que nós, seus antepassados. Não têm mais a mesma cabeça.

É também o que Santaella identifica na sua pesquisa sobre o novo padrão de leitor do século XXI, vinculado às novas tecnologias e à internet, que ela denomina de “leitor imersivo” (SANTAELLA, 2004).

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4. Considerações finais No percurso teórico que este artigo se propôs a fazer, cabem algumas considerações, a título de conclusões preliminares – tendo em vista a natureza processual do estágio atual da pesquisa, que vai redundar na produção da dissertação de mestrado “Os Clássicos da Literatura Infantil na Sociedade em Midiatização”, que vai analisar quais os aspectos da midiatização estão presentes em livros clássicos infantis: a. O livro infantil acompanha a trajetória da criança, desde o momento em que se instituiu a concepção de infância, como ficou registrado por Zilberman (2013). Desta forma, trata-se de um dispositivo de formação e informação para este público, adicionado a outros aspectos, como o lazer, a relação com o lúdico, a ativação da imaginação deste leitor. O livro infantil acompanha a criança, então, na sua trajetória de vida; b. Este livro, cabe dizer, não ficou anacrônico. Pelo contrário, ele vem se desenvolvendo e se adaptando às conjunturas espaço-temporais e sociais, para atender ao leitor de cada época. Mudam as sociedades, ele também muda para agradar ao seu leitor mirim. O livro se adapta para não morrer, como afirma Umberto Eco (2010, p. 17): “O livro venceu seus desafios e não vemos como, para o mesmo uso, poderíamos fazer algo melhor que o próprio livro. Talvez ele evolua em seus componentes, talvez as páginas não sejam mais de papel. Mas ele permanecerá o que é”. c. Mas o que o faz fascinante, muito mais do que a sua adaptação, é o que ele traz de conteúdo e narrativa. As histórias, os valores, a fruição da imaginação que ele encerra se mantêm. Isso se dá por conta da necessidade que o ser humano tem de dar sentido a sua vida por meio das narrativas. Em última análise, são as narrativas que conferem sentido à vida humana. Uma ótima metáfora para esta relação está no mito da Sherazade e suas Mil e Uma noites. d. Na sociedade em vias de midiatização, o livro infantil mantém sua força, como dispositivo interacional, como afirma José Luiz Braga (2011). Entretanto, passa por modificações sócio-técnico-discursivas, o que lhe dá suportes midiáticos e institui uma relação de coprodução de conteúdo com este novo leitor. Câmeras, áudios, games, imagens em 3D e outras tecnologias que os livros infantis apresentam não são apenas brinquedos acessórios, mas instrumentos que estabelecem uma nova forma de interação e, por conseguinte, de estabelecimento de um novo vínculo entre produção e reconhecimento de sentidos.

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Apropriações de conteúdos midiáticos pelo público infantil: da construção de identidade ao caso MasterChef Júnior Vitória SANTOS1

Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS. Resumo: A proposta desse texto é refletir teoricamente sobre os processos de recepção do público infantil. Tendo como objeto empírico de referência o programa Kids MasterChef Júnior (Rede Bandeirantes de Televisão), proponho uma reflexão sobre as formas pelas quais as crianças estão sendo inseridas nesse mundo adulto – processo de adultização da infância –, e como isso impacta na construção da identidade infantil. Reflito, também, sobre as práticas de ensino formal (escola) e não formal (mídias). Ademais, penso conteúdos midiáticos que reforçam estereótipos e modos de ser e estar no mundo, pensando como o ensino de Mídia, Gênero e Direitos Humanos pode auxiliar no entendimento do público infantil acerca dos produtos por e para eles produzidos. Palavras-chave: Recepção Infantil; Mídia, Gênero e Direitos Humanos; Adultização e Identidade Infantil; MasterChef Júnior. Introdução [...] As histórias de uma aspirante a miss de 13 anos, de uma cozinheira de 12 e de uma funkeira de 9 trouxeram à tona as diversas formas pelas quais crianças são hipersexualizadas e causaram a ira de coletivos feministas, que debatem os problemas que esse comportamento traz para o desenvolvimento dessas meninas. (Isabela Moreira, 2016)

Vitória Brito Santos – Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mestranda em Diversidade Cultural e inclusão Social, na Universidade Feevale (Feevale), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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A infância foi durante muitos anos uma parte insignificante da vida dos

sujeitos. Com a criação das Escolas enquanto espaço de socialização do público

infantil, passamos a dar maior visibilidade a essa fase da vida tornando-a a etapa principal da constituição do ser humano. É a partir do século XVIII que o sujeito

infantil vai se tornar a pessoa mais importante da família, pois começamos a enxergar a criança como o futuro da nação. Deste modo, a proteção do sujeito infantil, a

garantia dos seus direitos e zelar pela sua formação integral, tornou-se prioridade, já que assim criaríamos cidadãos de bem.

Antes do século XVIII a criança só recebia atenção enquanto bebê, e após uma

determinada idade as crianças passavam a conviver com os adultos e tudo que

aprendiam era com eles – aos meninos eram ensinados os ofícios familiares e às

meninas as tarefas do lar. A construção da identidade desse sujeito infantil ficou

muito tempo relegada ao esquecimento. (ARIÈS, 1981). Para a sociedade, todas as crianças eram iguais e não tinham vontades próprias, deveriam apenas observar e

obedecer, seguindo os exemplos familiares. Ademais, eram tratadas e se vestiam como mini adultos, conforme podemos observar na Imagem 1.

Imagem 1 – Traje de crianças da França e Alemanha no início do século XVI

Fonte: Beatriz (2012).

Havia por parte da sociedade um processo de adultização do sujeito infantil, ao

tratarem todas as crianças com mais de quatro anos como extensões do adulto. 474

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Quando me refiro a adultização da infância, o faço nas instâncias elencadas por Ferreguett (2014, p. 70), onde o processo de construção dessa identidade do sujeito é

feito com base em um modelo adulto: “Não associamos o processo de adultização à morte ou fim da infância. Compreendemos que a criança, normalmente, tem o adulto

como um modelo a ser seguido, uma espécie de artifício de sobrevivência num mundo predominantemente adulto”.

Com o passar do tempo, no século XVII, as crianças da nobreza começaram a

utilizar roupas feitas especialmente para elas. Iniciava-se, assim, um processo de separação dos sujeitos infantis que traria o brincar pela primeira vez como um

momento da infância. Deste modo, a criança passa a ter seus momentos próprios e não fica mais junto somente dos adultos, começa a viver e socializar com outras crianças.

Ir para a escola iniciou o processo de construção de identidades infantis, às

crianças foi mostrado o mundo e as possibilidades que nele havia. Porém, isso não se

deu de forma imediata para todas as crianças – inicialmente somente os meninos

podiam estudar, as meninas ainda serviam apenas para o lar. A educação é o ponto

principal da emancipação da criança enquanto ser social. Será através dela que o sujeito infantil irá perceber seus direitos e deveres, e aprenderá sobre a vivência em

sociedade, bem como, irá utilizar essas experiências em confluência com as

adquiridas na família primária para ir construindo sua identidade, isso se dará tanto na educação formal como na não formal.

Os processos de adultização do sujeito infantil pela forma do vestuário

deixaram de fazer parte da vida das crianças como algo obrigatório. Porém, o surgimento das mídias (principalmente a televisão, na década de 50) inseriu as

crianças de volta no mundo do adulto, já que as informações são fornecidas a todas as pessoas. (POSTMAN, 1999). Sendo assim, voltamos a ter um processo de adultização

do sujeito infantil quando esse passa novamente a se espelhar nas vivências adultas e as toma para si como uma parte de sua identidade.

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Imagem 2 – Criança do Século XXI

Fonte: Nery (2012).

A proposta deste artigo é refletir sobre essa relação que se estabeleceu entre a

criança e a mídia, pensando a forma como tem se dado a recepção desses sujeitos como seres em formação. Irei abordar, de forma teórica, como as crianças compreendem os processos midiáticos, tendo como ponto de partida os programas

considerados Kids. Programas Kids são os programas adultos feitos em formato infantil (MasterChef Júnior e The Voice Kids, por exemplo). Nesses tipos de programas

as crianças/adolescentes são produtores e receptores de conteúdos e acabam sendo

expostas ao que chamo de adultização da infância. Deste modo, o presente texto está

estruturado da seguinte forma: primeiramente, reflito sobre os programas Kids e o impacto que eles têm na construção da identidade infantil, dando maior ênfase ao

programa MasterChef Júnior, o qual utilizo como objeto de análise para o referido trabalho; após, faço o entrelaçamento teórico com os processos de recepção do

público infantil; reflito, então, sobre a importância de um olhar mais atento às

crianças, tendo como premissa o ensino de Mídia e Educação nas escolas, bem como, um ensino que valorize os Direitos Humanos e que tenha enfoque nas questões de Gênero; finalizo com considerações sobre o que foi exposto no texto. 476

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Da Adultização da Infância à Identidade Infantil: MasterChef Júnior Autores como Hall (1999), Castells (1999) e Bauman (2005) compreendem

identidade dentro de pressupostos diferentes, mas com muitas vertentes em comum. A principal delas é que a identidade é um processo de construção histórica pela qual o

sujeito irá passar ao longo de toda a sua vida e que irá tomar forma e se reformular constantemente de acordo com as experiências e vivências adquiridas, seja dentro de

um coletivo, nos espaços culturais, e/ou nas suas múltiplas dimensões de vivência enquanto ser humano.

Castells (1999) vai definir três origens de construção da identidade como

construção social, a saber: identidade legitimadora, que seria a identidade imposta

pela sociedade em uma noção hierarquizante de dominação em relação aos sujeitos;

identidade de resistência, proposta por atores que estejam fora do padrão determinado hegemônico, buscando uma afirmação e sobrevivência com bases em seus próprios ideais – política de identidade; identidade de projeto, construção de

uma nova identidade para modificar os padrões e a estrutura da sociedade – lutas

feministas.

No caso específico da temática deste artigo, retomando a construção da

infância proposta por Ariès (1981), podemos perceber que tanto o sujeito feminino como o sujeito infantil (sujeito feminino infantil) passaram por estes três processos de construção identitária ao longo dos anos. Desde uma construção de identidade padrão normativa, imposta pela sociedade sobre o que era ser uma criança do sexo feminino, até o levante proposto pelas lutas feministas, e que dão suporte para a

proposta dos Direitos Humanos pensadas nesse texto2, já que, a identidade de projeto

é que irá constituir os sujeitos, estes pensados aqui na definição elencada por Bauman (2005) de sujeitos como agentes de sua própria história.

A mídia tem ocupado um papel fundamental na construção da identidade

infantil, “No Brasil, a influência da mídia torna-se ainda mais poderosa em virtude de

um sistema educacional precário que possibilita, em muitas ocasiões, que a televisão

tenha o poder “soberano” de informar, educar e distrair [...]”. (BORUCHOVITCH, 2003, 2

O conceito de adultização da infância, apresentado nesse artigo, e pensado como parte de uma construção identitária infantil feminina, faz parte dos conceitos trabalhados na minha Dissertação de Mestrado intitulada “Ela se juntou com um cara! Um estudo sobre Cultura, Direitos Humanos e o Casamento Infantil no Brasil”, em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Universidade Feevale, orientada pela Professora Dra. Saraí Schmidt.

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p. 27). Esse processo de recepção e significação do público infantil quanto aos

programas midiáticos precisa ser revisto – precisa-se ter um olhar atento ao que está sendo produzido e consumido por estas crianças.

Os programas Kids têm tido aceitação no cotidiano brasileiro, principalmente

pela sua inserção na grade de programações de canais abertos (Rede Globo e Rede

Bandeirantes). O último episódio de MasterChef Júnior deixou a Band em 1º lugar no indíce do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) por 10 minutos, e se manteve na vice-liderança por 40 minutos.

O Prgrama que foi exibido pela emissora Rede Bandeirantes de Televisão, no

período de 20 de outubro de 2015 a 15 de dezembro de 2015 (com um total de nove

episódios), na faixa de horário das 22h30min, contou com 20 participantes, com idades entre nove e 13 anos e foi apresentado por Ana Paula Padrão. Na época de

lançamento do programa a emissora disse em coletiva que “as eliminações do

programa seriam em duplas para tornar a experiência mais leve”. (AGORA..., 2015).

Nesses tipos de programas as crianças/adolescentes são produtoras e receptoras de conteúdos e acabam sendo expostas a essa adultização da infância. Ser eliminado em dupla mostra como é complicado lidar com o psicológico de uma criança,

[...] Silvio coloca que “temos que tomar cuidado quando fazemos uma criança ‘jogar’ o jogo do adulto, cuidar a exposição e comercialização midiática, discutir a erotização do infantil, os pais precisam estar conscientes até que ponto isso é saudável ou não”. [...] há uma dosagem para tudo, e as crianças precisam ter sua formação psíquica garantida, pois não possuem maturidade para o ‘jogo’ dos adultos. (SANTOS, 2015, p.1).

A epígrafe que abre esse artigo foi extraída da reportagem “A novinha é apenas

uma criança”, matéria de capa da revista Galileu, de maio de 2016, que traz a

importância de a ciência debater assuntos relacionados à erotização, à sexualização e

à exposição midiática pelas quais as crianças vêm passando. Os moldes nos quais esses programas são feitos e seu alastramento nas redes sociais geram novas formas

de compreender a recepção e os receptores. (BONIN, 2013). O sujeito infanto-juvenil

que participa e assiste a esses determinados programas pode vir a entender que a “fama” é uma forma de felicidade, além de construir sua identidade com base na

vivência proposta incialmente para um adulto. A forma de ressignificação dos conteúdos é diferente nesse público, e a inserção no mundo adulto antes do tempo 478

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pode prejudicar o desenvolvimento da criança, além de expô-las a julgamentos sociais.

Essa exposição da criança/adolescente, tanto como receptora como produtora,

tem sido contestada pelos órgãos da sociedade civil, que vem travando grandes batalhas no campo jurídico no que diz respeito ao teor dos novos programas

destinados às crianças, já que em sua maioria fazem um processo de convencimento

sobre as possíveis formas de ser e estar no mundo, além de tratarem o corpo – principalmente o feminino –, de forma sexualizada.

Um levantamento do site Pornhub mostra que “teen” (adolescente, em inglês) é um dos termos mais procurados do (sic) em pornografia na internet. Fora das telas versões menores das roupas de adultas são fabricadas para meninas pequenas que, antes mesmo de desenvolverem sua identidade, entendem que só têm valor se corresponderem a padrões de beleza e sensualidade. Como consequência, a autoestima delas diminui, ao passo que o número de assédios — o primeiro ocorre, em média, aos 9,7 anos, segundo o coletivo Think Olga — e de abusos sexuais [aumenta]. (MOREIRA, 2016, p. 1, grifo nosso).

Já é de entendimento de todos que a recepção não é um processo passivo, e

não o é também para o público infantil.

Segundo o pressuposto da mediação, o receptor-criança não se constitui mais um elemento passivo do processo comunicacional, mas um produtor de cultura e de práticas cotidianas, uma vez que seu repertório simbólico é apropriado e com significado em outras instituições mediadoras. (COLVARA, 2008, p. 37).

Crianças ressignificam conteúdos midiáticos por e para elas produzidos, e,

como já colocado, isso ocorre de forma diferente do adulto: “o universo cognitivo

infantil é formado por uma mistura entre imaginação e realidade”. (LAURINDO; LEAL, 2008, p. 155). Após os primeiros anos da infância, as crianças começam a ter maior

“bagagem” cultural, e deste modo vão “abandonando” a fantasia. Essa “bagagem” é o

que as auxilia no entendimento sobre os processos midiáticos, porém ainda são suscetíveis aos agentes externos.

O que é visto na TV adquire um caráter polissêmico no tratamento de ressignificação e no processo de recepção, em contato com as múltiplas mediações que cercam a criança. A aquisição de significado ou a “formação de hábitos de simples apreensão” está relacionada à “precisão e distinção” e “consistência ou estabilidade de significado”. (COLVARA, 2008, p. 39).

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Um exemplo recente desses processos de adultização ocorreu durante o

primeiro episódio do MasterChef Júnior, no qual a candidata Valentina (uma menina de 12 anos) foi alvo de comentários machistas no Twitter. Sua aparência foi comentada pelos seguidores do programa – comentários com teor sexual e pedidos

de fotos nuas estiveram entre as manifestações dos usuários. Esse comportamento

dos “adultos” em relação a uma criança mostra que precisamos falar sobre a exposição do sujeito infantil na mídia. Quando um homem mais velho se sente no direito de fazer esse tipo de comentário precisamos falar do machismo e da cultura do estupro.

Quando o primeiro episódio da versão brasileira do Master Chef Jr. foi ao ar, a internet entrou em polvorosa. Não só porque o reality show é um dos mais assistidos em duas telas — em que se acompanha pela televisão e pelas redes sociais —, mas pela repercussão que teve online. Percebeu-se que vários dos comentários sobre o programa eram relacionados com uma participante de 12 anos. Ou melhor, com a aparência dela. “Sobre essa participante: se tiver consenso, é pedofilia?”, escreveu um dos usuários. (MOREIRA, 2016, p. 1, grifo do autor).

O assédio sofrido por Valentina deu origem a uma campanha promovida por

Juliana De Faria, fundadora do coletivo feminista Think Olga, na Rede Social Twitter

chamada #primeiroassedio (Primeiro Assédio), onde com o uso da hashtag mulheres contavam/compartilhavam histórias de como haviam sofrido seu primeiro assédio (o primeiro dia de campanha teve mais de 50 mil twittes). A potencialidade de disseminação das Redes Sociais faz com que muitos assuntos não debatidos

anteriormente sejam colocados como pautas sociais. Esse processo de ressignificação

de informações por parte do adulto – que faz uso de temas que ferem os Direitos Humanos – auxilia na construção de discursos que beneficiam o sujeito infantil.

Porém, as crianças ainda não conseguem se apropriar da mesma maneira do que está sendo ofertado/produzido por e para elas.

Em um dos episódios do MasterChef Júnior é possível ver a apresentadora Ana

Paula Padrão tentando acalmar uma menina, que estava chorando pois havia feito seu prato culinário de forma errada, ou seja, não é somente a sexualização, é também as formas de opressão. Adultizar as crianças não é benéfico, e essa adultização da infância tem estado presente nos programas e comerciais todas as vezes em que

temos uma sexualização desse sujeito infantil, ou uma réplica de um adulto em

miniatura. (FERREGUETT, 2014). No caso citado foi informado pela assessoria de 480

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impressa da emissora que os comentários na rede social não haviam sido lidos pela Valentina, mas e as demais crianças que leram os comentários?

Em virtude de que entendo a recepção midiática como um processo

constituinte da formação indenitária na infância, e que esta recepção é o inicio e o fim de um caminho de entrelaçamentos percorridos por estes sujeitos durante seu

processo de ressignificação de informações (MARTÍN-BARBERO, 2002), compreendo

que um olhar mais atento e cuidadoso precisa estar voltado a esse público, tendo em

vista que sua natureza infantil é suscetível aos agentes externos – de forma diferente dos adultos. (VIGOSTSKY, 2005).

Ensino de Mídia, Gênero e Direitos Humanos O papel identitário feminino atualmente se configura em instâncias muito

diferentes das do séc. XV, porém ainda é tolhido e sofre com os preconceitos de

gênero3 ao qual a mulher sempre está atrelada. A construção dessa identidade como

fator determinante para o sentimento de pertença a uma sociedade iniciou para o

sujeito feminino infantil na conquista do direito de ir à Escola, esse empoderamento de sociabilização potencializou a construção de identidades plurais.

A criança, ao ganhar espaço na sociedade, iniciou seu processo de construção

identitária de forma individual – deixou de ter sua identidade pautada pela sociedade,

pôde então construir significados para as ações vivenciadas e torná-las partes constituintes do seu “eu”, uma construção de singularidades e particularidades múltiplas e históricas. (VYGOTSKY, 2005). Sendo assim, precisamos auxiliar nesse

processo de recepção pelo qual o público infantil tem passado, para que não estejamos prejudicando a construção da sua identidade.

As instituições de ensino possibilitaram a construção da identidade dos

sujeitos infantis. Foi a partir do seu surgimento que as crianças passaram a interpretar de forma crítica o mundo em que vivem. Paulo Freire dizia que

precisamos ensinar o aluno a ler o mundo, ou seja, a escola precisa colocar os

3

“Gênero tem sido o termo utilizado para teorizar a questão da diferença sexual, questionando os papeis sociais destinados às mulheres e aos homens. A categoria de gênero não se constitui numa diferença universal, mas permite entender a construção e a organização social da diferença sexual.” (COLLING, 2004, p. 28).

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assuntos do cotidiano em debate, e a partir deles construir ideais que sirvam a todas as pessoas, afinal é na escola que se prepara o aluno para a vida em sociedade.

Não é uma tarefa fácil, e atualmente tem se mostrado um grande desafio o

ensino do diverso da “transitoriedade e instabilidade” que se tornaram marcas do nosso contemporâneo. (LOURO, 2011). Ensinar sobre o mundo requer cuidados, mas

é necessário fugir a norma. O ensino de Gênero, Mídia e Direitos Humanos, se faz

primordial se queremos estruturar uma sociedade onde se pensa no bem comum.

Uma noção singular de gênero e sexualidade vem sustentando currículos e práticas de nossas escolas. Mesmo que admita que existem muitas formas de viver os gêneros e a sexualidade, é consenso que a instituição escolar tem obrigação de nortear suas ações por um padrão: haveria apenas um modo adequado, legítimo, normal de masculinidade e de feminilidade e uma única forma sadia e norma de sexualidade, a heterossexualidade; afastar-se desse padrão significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se o excêntrico”. (LOURO, 2011, p. 44).

Está na hora de os professores construírem o excêntrico. O padrão normativo

de identidade feminina tem se perpetuado ao longo de muitos anos, e, como podemos perceber ao longo deste texto, tem contribuído para práticas perversas em relação ao

sujeito feminino infantil.

[...] excêntrico é aquele ou aquilo que está fora do centro; é o extravagante, o esquisito; é, também, o que tem um centro diferente, um outro centro. Jogar com as acepções dicionarizadas de palavras pode se mostrar um exercício interessante: pode nos ajudar a pensar sobre as formas como se estabelecem as posições-de-sujeito no interior de uma cultura – e, consequentemente, pode nos ajudar a pensar sobre as formas como a escola e o currículo realizam sua parte nesse empreendimento. (LOURO, 2011, p. 44).

A inserção de disciplinas que contemplem essas temáticas possibilitariam uma

emancipação dos sujeitos4, e principalmente faria com que conseguissem criticar os modelos e padrões dominates as quais são impostas, bem como a entender como se

dá o discurso midiático no que se refere a essas questões. (SOARES, 2011). Os currículos escolares não são estruturados pensando o diverso, quando o fazem,

incluem essas temáticas em formatos de projetos extracurriculares5. Essa falta de Aqui pensada nas instâncias elencadas por Santos (2003), como o processo de ter direitos e demandas, de se auto reconhecer e conhecer o lugar do Outro. 5 Que atualmente ocupam um lugar importantíssimo na educação brasileira, tendo em vista a falta de disciplinas no currículo regular. Práticas governamentais como o Programa de Educação Integral (instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e pelo Decreto n° 7.083, de 27 de janeiro de 4

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espaço para outras discussões no ensino regular acaba por universalizar uma ideia

hegemônica de estabilidade onde a identidade dominante continua sendo a do

homem branco heterossexual, “todas as produções da cultura construídas fora desse

lugar central assumem o caráter de diferente e, quando não, são simplesmente

excluídas dos currículos, ocupando ali a posição do exótico, do alternativo do acessório”. (LOURO, 2011, p. 45). Deste

modo,

continuamos

banalizando

as

formas

de

sexualização/erotização/opressão do sujeito infantil nas mídias. Perpetuamos, assim, a cultura machista e preconceituosa na qual o Brasil foi alicerçado.

Não há mais novidade em tais afirmações. Já há algumas décadas o movimento feminista, os movimentos negros e também os movimentos das chamadas minorias sexuais vêm denunciando a ausência de suas histórias, suas questões e suas práticas nos currículos escolares. (LOURO, 2011, p. 45).

Essas ausências são vistas tanto na educação formal (Escola) como na não

formal (Mídia). A falta de ensino e de cobertura midiática sobre pautas que defendam

os Direitos Humanos nos fazem perceber que estamos negligenciando uma grande

parcela da sociedade, e essa parcela é composta também por crianças. Tanto a educação como a comunicação são indispensáveis à construção da cidadania. A junção de ambas agrega transformações significativas e leva a “mudanças

substanciais nas relações sociais e no modo como os grupos humanos interagem”. (SOARES, 2011, p. 11).

Martín-Barbero (2006) vai colocar que precisamos pensar a hegemonia

comunicacional, pois ela é o atual motor de inserções culturais. Porém, primeiramente temos que compreender e pensar o impacto que isso vem gerando na

configuração identitária e principalmente na heterogeneidade. A recepção se

reconfigurou com a tecnologia, e, como já citado, as novas lógicas de tempo e espaço auxiliam na disseminação de informações e entendimentos, porém também impactam o mundo infantil quando há um acesso sem “controle” de todos esses meios e espaços.

2010) corroboram no ensino do diverso, com oficinas que tratam de Direitos Humanos, Meio Ambiente, Artes (música, dança, teatro, pintura, circo, entre outras), Mídia e Educação, Esportes e Promoção da Saúde.

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[...] o que a revolução tecnológica introduz em nossa sociedade não é tanto a quantidade inusitada de novas máquinas, mas, sim, um novo modo de relação entre os processos simbólicos – que constituem o cultural – e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços: um novo modo de produzir, confusamente associado a um novo modo de comunicar, transforma o conhecimento em uma força produtiva direta. (MARTÍNBARBERO, 2006, p. 54).

Ou seja, o problema não está no programa MasterChef Júnior, está na forma

como ele é produzido e pensado, bem como na falta de ensino às crianças na escola,

que auxiliariam para que elas compreendessem e conseguissem ressignificar informações do mundo que as cerca. Esse ensino faria com que as meninas

compreendessem desde cedo que casos como o da Valentina não são culpa delas, e sim da sociedade em que elas estão inseridas.

Precisamos prestar atenção às estratégias públicas e privadas que são postas em ação, cotidianamente, para garantir a estabilidade da identidade “normal” e de todas as formas culturais a ela associadas; prestar atenção às estratégias que são mobilizadas para marcar as identidades “diferentes” e aquelas que buscam superar o medo e a atração que nos provocam as identidades “excêntricas”. (LOURO, 2011, p. 51).

Ao pensar na TV, e na forma como se constrói a programação com e para a

criança, precisamos pensar nas teias que envolvem seus discursos e práticas, suas funções e significados, “já que essa ocupa várias lacunas no cotidiano da criança. Em determinadas situações a criança fica entregue aos cuidados da tecnologia da TV

(babás eletrônicas)”. (COLVARA, 2008, p. 40). Nunca antes a necessidade de modificar

as práticas educativas esteve tão presente no cotidiano escolar. (RAMAL, 2002). A busca por uma educação de qualidade, que consiga fazer do aluno um sujeito crítico,

capaz de compreender o mundo que o cerca, trouxe mudanças no dia-a-dia da sala de aula. As disciplinas básicas do currículo escolar já não estão mais dando conta de abranger o mundo em que vivemos, quando pensamos o diverso. Considerações finais

As ideias propostas nesse texto servem para refletir sobre como estamos

pensando a recepção infantil, e de que lugar estamos fazendo isso, pois o que posso ver é que nem a educação: tanto formal como não formal, tem se preocupado em

ensinar/dialogar e construir processos de recepção para/com esse público comunicante. Acredito que a recepção desses programas possa ser balizada pelos 484

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ensinamentos educomunicativos pelos quais devem passar esses seres infantis na

busca de uma maior compreensão por parte deles do que está sendo apresentado. (SOARES, 2011).

Isso não exime as entidades fiscais de regularem a forma como esses

programas têm sido direcionados e produzidos pelas crianças, tendo em vista que há leis vigentes no país sobre esse tema. (ABAP, 2013; BRASIL, 1990). Assim como não

exclui o caráter emergencial de se inserir disciplinas curriculares que deem conta de ensinar esses processos.

Vivemos uma época muito complicada no país, com os recentes

acontecimentos políticos6 que trouxeram a tona uma “onda” de pensamentos

conservadores, como o Projeto Escola sem Partido (PLS 193/2016), que diz (em seu site oficial) estar preocupado com “o grau de contaminação político-ideológica das

escolas brasileiras". Paulo Freire colocava que a escola humaniza. Os processos

pedagógicos de ensino não são doutrinários há muitos anos (BBRASIL, 1996) –

mesmo no que se refere ao Ensino Religioso, disciplina não obrigatória a qualquer estudante, e que nas escolas públicas trata do ensino de valores (amizade, amor, autoconfiança, respeito, etc.) e não de pressupostos religiosos (ideologia: católica,

evangélica, budista, etc.) -, ou seja, é responsabilidade do professor ampliar as noções de respeito dos alunos, e fortificar seus valores e entendimentos acerca do mundo.

Deste modo, precisamos do ensino de Gênero, Mídia e Direitos Humanos (além de

tantas outras temáticas que envolvem a vida em sociedade) nem uma delas é e nem será posta como doutrina, pois nas escolas o Projeto Político Pedagógico (PPP) é

pensando nas mais diversas inserções sociais, e pensado com intuito de ensinar uma

emancipação ao sujeito. (OLIVEIRA; MORAES; DOURADO, 2009).

Ademais, projetos como o do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de exclusão

da classificação indicativa na televisão, são péssimos para os entendimentos dos processos de recepção do púbico infantil, afinal há conteúdo específico para cada idade, justamente por as crianças não conseguirem compreender ainda determinadas

atitudes sociais. A Band informou, em comunicado oficial, que não haverá uma

segunda temporada do Programa MasterChef Júnior, pois está muito difícil de lidar

com as normas de proteção à infância.

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Refiro-me aqui às manifestações iniciadas em junho de 2013, bem como, o recente afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff, em maio de 2016.

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O Brasil assinou ao longo dos anos diversos tratados sobre a proteção integral da infância. Modificar a classificação indicativa, deixando a cargo das emissoras escolherem o horário em que os programas irão ao ar, fere muitos destes direitos assegurados. Segundo alguns ministros, que participaram do debate do processo em novembro de 2015 (suspenso a pedido de vistas do presidente do supremo Teori Zavascki), o dever de proteção moral das crianças e o direito a ampla liberdade de expressão não são incompatíveis. (SANTOS, 2016, p.1).

A condição permanente de sujeito midiático faz das crianças alvos potenciais

de consumo. (BAUMAN, 2008; GARCÍA CANCLINI, 1998). Sendo assim, precisamos

avançar muito na educação sobre a mídia que estamos destinando a esse público, já

que sozinhas as famílias não têm condições de ensinarem seus filhos sobre esses processos de recepção, também devido à forte inserção da mídia dentro dos lares. É quase uma luta desleal.

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Juventude, AdolescÊncia, InfÂncia e Mídias

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Autora Vitória Brito Santos é mestranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Universidade Feevale (Feevale) na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias, com apoio de bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Possui licenciatura em Pedagogia – (2015) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), graduanda de Jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Integrante do Grupo de Pesquisa Processos Comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção (PROCESSOCOM), da Rede Temática de Cooperação Científica: Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina (Rede AMLAT), da Associação Brasielira dos Pesquisadores em Educaomunicação (ABPEducom), e da pesquisa Filhos da Sociedade de Consumo: uma análise sobre a relação mídia e a criança-cliente (Feevale) E-mail: [email protected]

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ARTIGOS COMPLETOS #4 MÍDIA E CIDADANIA

Juventude, AdolescÊncia, InfÂncia e Mídias

Dinâmicas nos Grupos do Facebook de Migrantes Brasileiros na Suécia e a Mediação da Tecnicidade FOLETTO, Laura Roratto1

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo: Este artigo é um recorte dos resultados da pesquisa de mestrado, portanto, o objetivo é entender os usos sociais que migrantes brasileiros na Suécia realizam acerca das questões de identidade e diferença relacionadas às dinâmicas nos grupos do Facebook atravessadas pela mediação da tecnicidade. Metodologicamente foi realizada uma pesquisa qualitativa com a combinação de diversos procedimentos metodológicos. Dessa forma, observamos que uma plataforma da internet como o Facebook implicam diferentes usos socais, os quais implicam uma tecnicidade, uma vez que as ferramentas técnicas moldam os discursos e as formas de nos relacionarmos com a própria plataforma, em que esses espaços dos grupos contribuem para construírem suas identidades enquanto brasileiros e migrantes.

Palavras-chave: brasileiros na Suécia; migrantes; grupos do Facebook; tecnicidade 1 Introdução

Este artigo é proveniente dos resultados de pesquisa da dissertação de mestrado intitulada: “Usos sociais do Facebook por migrantes brasileiros na Suécia: identidades, diferenças e dinâmicas interculturais nas redes sociais online”, cujo objetivo foi analisar os usos sociais que migrantes brasileiros na Suécia faziam de grupos do Facebook. Os grupos estudados na dissertação e que também contemplam o artigo são dois grupos fechados do Facebook de migrantes brasileiros na Suécia Brasileiros na Suécia e Brasileiros na Suécia/Svenskar i Brasilien. 1

Laura Roratto Foletto, Mestre, Universidade Federal de Santa Maria, UFSM.

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Neste artigo procurou-se entender os usos sociais que migrantes brasileiros na Suécia realizam acerca das questões de identidade e diferença relacionadas às dinâmicas nos grupos do Facebook e da mediação da tecnicidade. Dessa forma, partese do entendimento dos usos sociais do Facebook atravessados pela mediação tecnológica para entendermos de que maneira as questões de identidade e diferença são tensionadas e negociadas nesses espaços comunicacionais. Mediante a isso, realizou-se uma pesquisa qualitativa com a combinação de diversos procedimentos metodológicos, tais como formulário online via Google Drive, com 30 respondentes, e entrevistas por Skype com 10 membros dos grupos. Além de analisar as postagens e comentários nos grupos acerca das questões estudadas. Dessa forma, enteemos que a pesquisa qualitativa segundo Fragoso, Recuero e Amaral (2011) tem por objetivo a compreensão “aprofundada e holística dos fenômenos em estudo e, para tanto, os contextualiza e reconhece seu caráter dinâmico, notadamente na pesquisa social”. 2 Identidades e Diferenças Com a globalização, as identidades e as culturas estão sempre em fluxo e em constante atualização. Por isso que “falar de identidades hoje implica também falar de migrações e mobilidades, de rede de fluxos, de instantaneidade e fluidez” (MARTÍNBARBERO, 2006, p. 61). Os sujeitos podem assim pertencer, ao mesmo tempo, a vários grupos ou subgrupos, sem que a sua identidade entre em conflito, pois as nossas associações, enquanto sujeitos dotados de vontade, se dão de acordo com as necessidades individuais de pertencimento profissional e pessoal. Precisamos entender que as nossas identidades individuais são construídas por meio das identidades coletivas, dos grupos aos quais pertencemos, das identidades culturais e das identidades nacionais. Isto é: somos “sujeitos fragmentados” em busca de representatividade e reconhecimento na sociedade (WOODWARD, 1999, p. 14). Portanto, a produção de uma identidade depende de um sujeito individual ou coletivo e se dá no reconhecimento com o outro. No momento em que o sujeito reconhece o outro como diferente de si, ele passa a se reconhecer, construindo, dessa forma, a sua própria identidade única ou coletiva baseada em escolhas, no diálogo e no intercâmbio com as demais identidades, aproximando-se daquelas com as quais se reconhece e afastando-se das outras em que há um estranhamento. Diante disso, “a identidade depende de um sujeito individual ou coletivo, e, portanto, vive do reconhecimento dos outros” (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 65-66). Compreendemos, dessa forma, que as identidades são fluidas e intercambiáveis ao logo de nossa vida e que na situação de migração as identidades 491

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estão em constante transformação. Dessa forma, a identidade “ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social” (WOODWARD, 1999), pois, “a diferença é aquilo que separa uma identidade da outra, estabelecendo distinções, frequentemente na forma de oposições” (WOODWARD, 1999). Nesse sentido, percebemos que o processo de reconhecimento se dá na diferenciação com o outro, os suecos, e com a identificação com os semelhantes, os brasileiros. Enquanto que a tecnicidade vai moldar os modos desses sujeitos atuarem em rede e se inter-relacionarem socialmente, e que também vai impactar nos modos de uso dos grupos do Facebook. 3 Usos Sociais das Mídias e Mediação da Tecnicidade As TICs têm cada vez mais adentrando nosso cotidiano e nossas práticas sociais e culturais e também nos usos sociais em que ora se acompanha a programação, ora se subverte o uso tradicional das mídias. Nessa perspectiva de fragmentação cultural proporcionada pelas tecnologias, os “velhos” meios de comunicação de massa e os “novos”, mais participativos, horizontais e heterogêneos coexistem (MARTÍN-BARBERO, 2004). Nesse sentido, percebemos que a tecnologia, hoje, remete “a novos modos de percepção da linguagem, a novas sensibilidades e escritas” (MARTÍN-BARBERO, 2006; 2010). Portanto, segundo Martín-Barbero (2009), a tecnicidade vai se referir a operadores perceptivos e destrezas discursivas do que a aparatos tecnológicos. Diante disso, as mídias tradicionais, assim como a internet, impacam nos usos sociais dos sujeitos que estão ligados a uma situação sociocultural que contribui para “reelaborarem, ressignificarem e ressemantizarem” os conteúdos massivos que recebem. Isto é, de acordo com sua experiência cultural, que suporta e orienta os meios de apropriações e de sentidos produzidos por esses sujeitos (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 66). Os usos sociais da internet impactam na maneira que esses sujeitos constroem as diferentes posições identitárias. Os “usos da internet são percebidos como responsáveis por um modo de atuação social, de busca de informações, de lógica de interação, de visibilidade de demandas, de organização em redes de relações que podem ser entendidos como uma renovada forma de cidadania” (BRIGNOL, 2010, p. 16) (BRIGNOL, 2012, p. 125-126). Dessa forma, as redes sociais online, como o Facebook, têm aberto as fronteiras para que receptores e produtores possam interagir. Reconfigura-se, dessa forma, a lógica tradicional de emissão e recepção, na qual os receptores “adquirem a possibilidade de estreitar contatos, aproximar distâncias e travar mais diálogos, ampliando a percepção sobre o recebido” (PIENIZ; WOTTRICH, p. 74, 2014). 492

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Reconfiguram-se, também, os usos, os quais passam a ser dinâmicos e mutáveis de acordo com o dispositivo pelo qual a audiência se conecta às redes. Assim, a mediação da tecnicidade vai moldar as práticas sociais e culturais dos sujeitos por meio da tecnologia. A revolução tecnológica não introduziu apenas uma quantidade de novas máquinas, mas um novo modo de se relacionar simbolicamente com os processos culturais e com a forma de produção e distribuição dos bens e dos serviços. Não há, diante disso, uma nova forma de comunicar. Pelo contrário, há uma transformação do conhecimento numa força produtiva (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 54). 4 Dinâmicas nos Grupos do Facebook e a Mediação da Tecnicidade O Facebook torna-se um espaço de diversas dinâmicas sociais atravessadas pela mediação da tecnicidade, em que os sujeitos se expressam, criam conteúdo e compartilham suas experiências, seus valores e suas crenças com aqueles que fazem parte da sua rede de contatos, ou com aqueles que possuem interesses em comum, como é o caso dos grupos aqui estudados do Facebook. Algumas dessas questões podem ser evidenciadas nos grupos a partir das suas maneiras de organização, objetivos e dinâmicas de postagens. Além de algumas percepções da pesquisadora, realizadas no período de monitoramento sistemático – de 31 de outubro de 2014 a 31 de março de 2015, e com o formulário e com as entrevistas. Quanto à forma ou aos níveis de participação nos grupos, tomamos como base nos formulários online, a partir dos quais vimos que a maioria dos respondentes “lê, comenta, curte, compartilha e cria postagens”, seguida de “apenas lê”.

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Gráfico 1: porcentagem dos tipos de participação nos grupos do Facebook dos respondentes do formulário online2.

Os vários modos de participação em uma rede social online, a exemplo do Facebook, não se limitam simplesmente a ler, curtir, comentar, compartilhar ou criar postagens. Mas sabemos que a participação se dá e se cria de vários modos, sem que essas formas de participar sejam excludentes e se constroem a partir de um interesse em comum. Diante disso, percebemos que o Facebook e as experiências individuais e coletivas compartilhadas contribuem para a criação de redes de apoio e cooperação e nos ajudam a pensar quais usos são acionados nesses espaços. Portanto, a participação desses migrantes não se dá apenas na esfera online das discussões acerca das motivações que os ensejam a postar ou comentar, mas ela perpassa o offline, em que esses encontros culturais promovem a sociabilidade, a integração cultural e a interação de uns com os outros. Dessa forma, plataformas da internet como o Facebook implicam diferentes usos socais, os quais implicam uma tecnicidade, uma vez que as ferramentas técnicas moldam os discursos e as formas de nos relacionarmos com a própria plataforma. Assim, os dois grupos aqui pesquisados compreendem grupos fechados do Facebook, em que só é possível participar mediante aceitação do administrador. A pesquisadora foi aceita em ambos os grupos. Antes disso, não era possível visualizar nenhuma informação, a não ser quais eram os seus membros. O grupo “Brasileiros na Suécia/Svenskar i Brasilien” possuía, no mês de agosto de 2016, 1.937 membros3. Esse grupo, nesse período, possuía dois administradores Nesta pergunta, também havia as opções: “apenas comenta”; “apenas curte”; “lê, comenta, curte e compartilha”; “apenas compartilha”; e “apenas cria postagens”. 2

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que organizavam as dinâmicas do grupo, controlando as postagens de forma a manter a ordem. Em sua descrição, eram apresentadas as regras, segundo as quais só era permitida a entrada no grupo de brasileiros que estão ou que pretendem ir para a Suécia. Observamos que o caráter mais organizado do grupo se reflete nas postagens em que há pouca propaganda e venda de produtos. Outros fatores que contribui para esse caráter é a forma que os novos membros são abordados ao solicitarem participação, em que um dos administradores entra em contato, indagando os objetivos da participação no grupo e a capa de entrada do grupo, como podemos observar a seguir:

Gráfico 2: capa de abertura do grupo “Brasileiros na Suécia”

Já o grupo “Brasileiros na Suécia” possuía, no mês de agosto de 2016, 2.186 membros4. Esse grupo, no mesmo período, possuía três administradores que pouco intervinham nas dinâmicas do grupo ou exerciam algum tipo de controle sobre as postagens publicadas. Em sua descrição, foi possível observar as regras que, assim como o outro grupo, informavam que era permitida a entrada de brasileiros que estão ou que pretendem ir para a Suécia, embora isso não funcionasse na prática. Observamos que o caráter mais informal do grupo se reflete nas postagens que contêm muita propaganda e venda de produtos. Outros fatores que contribuiu para esse caráter era o fato de os novos membros não serem abordados ao solicitarem a participação, ou seja, eram aceitos sem nenhuma intervenção, se comparado ao outro grupo e a foto de capa do grupo que podemos visualizar a seguir:

3 4

Dados atualizados para o artigo. Dados atualizados para o artigo.

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Gráfico 3: capa de abertura do grupo “Brasileiros na Suécia/Svenskar i Brasilien”

Durante os meses de observação mais intensa dos grupos, pode-se perceber que o grupo “Brasileiros na Suécia” possuía uma dinâmica mais intensa de postagens do que o outro - “Brasileiros na Suécia/Svenskar i Brasilien”. Além disso, no dia 11 de dezembro de 2014, criou novas regras, alterando sua descrição. As regras foram fixadas no feed de notícias do grupo, como uma postagem5 permanente. No entanto, parece que as regras no grupo não ficaram claras, sendo preciso reforçar em uma nova postagem, na mesma data, que o grupo era destinado para brasileiros que vivem na Suécia, e não para outros propósitos. Isso se repete em várias outras postagens, de modo a reforçar o objetivo do grupo. Essa questão é possível, também, de ser observada, quanto aos limites e problemas apresentados nos grupos, em relação às suas próprias regras e ao controle sobre os novos pedidos de participação no grupo. Todavia, isso parece não ser considerado um problema pela administração do grupo “Brasileiros na Suécia”, pois a ideia inicial era que o grupo fosse autogerido pelos próprios membros, sem regras. No entanto, esse sistema de autogestão não funcionou e foi necessária a reorganização de algumas informações para boa convivência e organização, pois o objetivo do grupo é ser mais descontraído, e não tanto uma “central de informações” da Suécia ou de como viver no país. Almejava-se que as postagens tivessem um viés de “***ATENÇÃO*** SE VOCÊ NÃO MORA NA SUÉCIA, FAVOR INGRESSAR NO GRUPO “QUERO MORAR NA SUÉCIA: https://www.facebook.com/groups/1519032041699976/1519034045033309/?notif_t=group_comment&refid =18ATENÇÃO MEMBROS E DO GRUPO E PESSOAS INTERESSADAS EM INGRESSAR NO MESMO PARA AS NOVAS REGRAS:1- Este é um grupo destinado a pessoas que moram ou estão com data marcada para se mudar para a Suécia. Caso vc tenha apenas curiosidade, interesse ou sonho de morar aqui, dirija-se ao grupo "QUERO MORAR NA SUÉCIA", lá você terá todas as suas dúvidas sanadas por pessoas que já moram aqui. A divisão se dá unica e exclusivamente para manter o foco e a ordem.2- Todo e qualquer assunto que seja de interesse de brasileiros residentes na Suécia serão permitidos. Pedimos apenas que opiniões divergentes sejam respeitadas. 3- Propagandas que sejam de utilidade para nós brasileiros será permitida, mas deverá ser feita as segundas-feiras. Em casos especiais, consulte os administradores. 4- Não será tolerado, de maneira alguma, ofensas, uso de palavras de baixo calão e afins.- Salientamos que as regras são as mais simples possíveis e q, o não cumprimento das mesmas acarretará em advertência ou exclusão do grupo. Agradecemos desde já a compreensão de todos. Atenciosamente, A Administração”. 5

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compartilhamento de experiências migratórias, do dia-a-dia na Suécia. Como Luiza, uma das administradoras do grupo, destacou:

(...) na verdade no nosso grupo a gente não queria te regra, entendeu, a gente queria que as pessoas tivessem no grupo pra se diverti, pra se descontrai, entendeu, na verdade o objetivo do grupo não é ajuda, tá a gente ajuda as pessoas também, entendeu, mas assim é uma questão mais descontraída. Lógico, a Carla6 teve que escrever regras e tudo mais, porque tava meio samba do criolo doido, o pessoal tava entrando, postando foto de si mesmo, perguntando o que achavam do cabelo da pessoa... a gente já viu muita coisa (risos), [...] e daí assim, tem umas coisas muito sem noção, entendeu, e perde a credibilidade do grupo sabe. [...] então a gente teve que vim com umas regras, porque, e outra coisa propaganda também, era uma coisa que tinha muito no grupo, e isso incomoda, ninguém que entra no grupo pra vê propaganda... então a gente teve que delimita um pouquinho isso. Problemas, então, mas o nosso grupo é diferente [...]. A nossa ideia do grupo é conversa com gente brasileira, entende que vive aqui, dividi nossos problemas, não é uma questão de informação, lógico que a gente ajuda também, mas o objetivo do grupo não é esse. Ali você pode chega e conta pra gente que você teve um dia terrível no trabalho, e alguém vai comenta “putz mas meu dia hoje também foi dose”, entendeu (Luiza).

Ainda acerca dos problemas e dos limites que os grupos apresentam, observamos, que a maioria dos membros considera a falta de educação de algumas pessoas como um problema que gera conflitos desnecessários, como podemos observar na fala abaixo: Problema maior é a falta de respeito, é muito grande, foi um dos motivos de eu me afastar do grupo, as pessoas postam coisas lá, não leem direito o que pode, e extrapolam o limite e respeito (Jussara).

De forma a entender quais eram os usos sociais feitos por esses sujeitos migrantes nos grupos do Facebook, implicados por uma tecnicidade, foi possível observar que há integrantes que participam dos dois grupos, gerando distinção em relação às mesmas postagens que publicam em cada um dos grupos, pois geram interações diferentes, o que pode ser visto pela variação na quantidade de comentários. Um dos fatores que pode levar a isso é o fato de o grupo “Brasileiros na Suécia” ter um volume maior de postagens, o que contribui para que algumas delas passem despercebidas pelos demais membros; enquanto o outro grupo, por ter

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Nome fictício.

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menos postagens e menos propagandas de serviços prestados, existe uma interação mais facilitada. O apoio e a informação dados ou recebidos nos grupos, a exemplo da busca dos migrantes para alugar ou comprar imóveis é bastante frequente, o que é manifestado tanto pelo pedido de dicas de como encontrá-los, como por interesse em ceder ou dividir um local. Além disso, percebemos que todas as postagens, independentemente da temática, têm um viés de ajuda mútua, de cooperação e de o apoio aos demais membros na obtenção do que desejam, criando-se uma rede de solidariedade. Portanto, diante do contexto da internet os receptores passam também a produzirem conteúdo nas redes, reformulando a partir da tecnicidade suas práticas sociais e culturas. Construindo, assim, uma cultura participativa, em que os sujeitos engajados nesse processo de construção de sentidos criam, coletivamente, outras formas de compartilhamento de informação e conteúdo. Dessa maneira, a interatividade mediada pela tecnologia e pelos sujeitos proporciona relações sociais, das quais presenciamos por meio do Facebook e seus grupos. 5 Considerações Finais O contexto da internet faz com que os receptores tornem-se produtores de conteúdo e sentidos socialmente partilhados. Assim, o ambiente das redes sociais online contribui para que receptores e produtores possam interagir, em que os usos no Facebook acabam, também, por se tornarem dinâmicos e mutáveis. O Facebook é tido como um espaço dinâmico que possibilita a criação, a circulação e o compartilhamento de conteúdo e informação, sendo atravessado por uma tecnicidade que molda os usos que esses migrantes fazem, ao mesmo tempo em que, em alguns casos, os migrantes passam a subverter as lógicas de uso dos aparatos técnicos, que utilizam não só de maneira a trocar informações, mas também de experienciar a migração por meio dos grupos do Facebook. Dessa forma, os migrantes brasileiros na Suécia utilizam o Facebook para compartilhar suas experiências e vivências na Suécia, em um espaço comunicativo alternativo - os grupos do Facebook -, em que os modos de atuar como usuários e emissores na produção comunicativa, na qual a criação e a interatividade predominam, significa uma transformação nas formas pelas quais esses sujeitos comunicantes estão atuando nos grupos, e os usos que fazem, impactando os modos de estar no mundo, suas identidades, bem como de se comunicar em rede.

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Referências FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de Pesquisa para a Internet. Porto Alegre: Sulina, 2011.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, Identidades, Alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. IN: MORAES, Denis de. Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

_____. Convergencia Digital y diversidad cultural. IN: MORAES, Denis de. Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital. – 1 ed. - Buenos Aires: Paidós, 2010. _____. Dos Meios às Mediações: mediações, comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.

_____. Ofícios de Cartógrafo: travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 1º ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

Autores

Laura Roratto Foletto; Relações Públicas pela UFSM; Mestre em Comunicação Midiática pela UFSM; [email protected]

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Cidadania Comunicativa e Educomunicação: imbricações e tensionamento teóricos Lívia SAGGIN1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, Rio Grande do Sul

Resumo: O artigo destina-se a discutir e tensionar abordagens teóricas, problematizando os conceitos de educomunicação, midiatização e de cidadania comunicativa. O entrelaçamento dos mesmos procura abordar como as modificações oriundas dos processos de penetração das lógicas e sistemas de comunicação na esfera social, têm, aceleradamente, oferecido renovadas formas de acesso, criação, circulação e produção comunicacional aos sujeitos contemporâneos, – reconhecidos nesta perspectiva como sujeitos comunicantes –, reconfigurando suas habilidades e capacidades comunicacionais em distintas dimensões (socioculturais, socioeconômicas, ideológicas, políticas, educacionais e cidadãs). Palavras-chave: Educomunicação; Cidadania Comunicativa; Midiatização. 1 Introdução

Observamos a transformações na esfera dos vínculos dos sujeitos com as

mídias, na constituição das identidades culturais e dos movimentos sociais que tem

vinculações com os processos de midiatização. No cenário contemporâneo, essas mudanças ganham novos dinamismos com o advento da comunicação digital.

Progressivamente, dissemina-se o domínio de recursos e de práticas de produção

tecnológica de comunicação e inauguram-se renovadas formas de participação,

compartilhamento e criação de produtos culturais digitalizados que levam a uma

redefinição do lugar dos sujeitos, tradicionalmente denominados de receptores, nos processos midiáticos.

Lívia Saggin - Doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). 1

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Neste bojo, emergem formas organizativas de ativismo e de movimentos

configurados em redes digitais de comunicação, que reconfiguram as maneiras como

se efetiva a ação social e a luta pela cidadania. Complexificam-se os processos de constituição das identidades culturais quando vinculados à vivência dos sujeitos em ambiências multimidiatizadas. A problemática da cidadania é regada por novos contornos

no

âmbito

desses

processos,

exigindo

ser

pensada

em

multidimensionalidades. Essas transformações colocam desafios à pesquisa

comunicacional, entre eles o da formulação de perspectivas teórico-metodológicas que possam colaborar produtivamente para a sua compreensão.

Nesse trabalho, temos o objetivo de oferecer elementos para alimentar o

debate teórico sobre as inter-relações entre mídias, identidades culturais,

movimentos sociais contemporâneos e a cidadania, levando em conta a contribuição

de autores cujo pensamento consideramos fecundo para esta empreitada. Preocupamo-nos, também, em contribuir com discussões de ordem teóricometodológica e epistêmica, de modo a fomentar reflexões sobre as exigências colocadas às construções de pesquisa cujo conhecimento científico construído

perpassa pelo âmbito dos sujeitos e suas vinculações, tensões, apropriações e construções de sentidos junto às mídias. Deste modo, é parte dos propósitos do

trabalho elaborar concepções teórico-metodológicas e epistêmicas que possam orientar investigações preocupadas com estes desafios.

2 Desconstruir o receptor para construir o sujeito comunicante: possibilidades para pensar as apropriações das mídias digitais Pensando

contemporâneo,

a

problemática

consideramos

das

algumas

apropriações

perspectivas

midiáticas que

nos

no

contexto

revelam

a

substancialidade de realização de um questionamento profundo em relação a uma dimensão investigativa que tem presença marcante na área da investigação científica

em comunicação, a pesquisa em recepção. Em perspectiva histórica, a própria constituição do campo da comunicação é perpassada por esforços de investigação que

se preocupavam em compreender o âmbito das audiências e suas produções de

sentido junto às mídias. As formulações teóricas que se formaram, desde então,

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contribuíram para a constituição de entendimentos que modificaram a configuração do paradigma comunicacional, antes orientado por uma perspectiva linear.

A crítica que se constrói repousa, justamente, sobre a denominação de

receptor. Ao longo da trajetória de formulações teóricas da comunicação, a correspondência do receptor em comunicação se alimenta na perspectiva que considera o esquema da comunicação linear proposto pelo funcionalismo, no qual a noção de receptor é concebida no âmago da pesquisa administrativa. Nessa perspectiva, o sujeito é situado numa relação de alteridade, como parte de um público afastado das esferas de produção da comunicação.

No prosseguimento do desenvolvimento de conhecimento nos estudos de

recepção, a vertente dos estudos culturais gerou, em suas propostas mais prolíferas, uma complexificação da compreensão do lugar dos sujeitos nos processos comunicacionais. A partir delas, os sujeitos foram concebidos como produtores de

sentido nos processos de recepção e situados em contextos socioculturais concretos, reconhecidos como constitutivos de suas significações. Em contrapartida, esta

vertente também gerou, em desdobramentos de suas proposições, a ideia do “receptor” soberano, com poder integral de decisão sobre suas formas de consumo.

Atualmente, as possibilidades de escolha entre as diversas opções midiáticas abertas pela internet potencializaram esse tipo de concepção, ainda que à ela caibam diversos questionamentos, como engendramos no decorrer do texto.

A concepção que procuramos construir se nutre desta historicidade dos

estudos em recepção alicerçada cientificamente, articulando-se a perspectivas e compreensões que vêm sendo descortinadas em nossos movimentos de investigação

na área2, bem como, por pensadores cujos esforços têm-se voltado à compreensão dos movimentos de apropriação dos sujeitos junto às mídias, e que consideram e problematizam as características destas esferas no universo contemporâneo.

Contemporaneamente, acompanhamos a um processo de midiatização que

penetra e reconfigura os diversos campos sociais constituindo, também, as culturas e identidades dos sujeitos que se apropriam das mídias. É preciso reconhecer, no

Aqui faz-se referência à pesquisa realizada no mestrado em Ciências da Comunicação cuja investigação intitulada “Educomunicação, mídias digitais e cidadania: apropriações de oficinas educomunicativas por jovens da Vila Diehl na produção do blog Semeando Ideias” (SAGGIN, 2016), apresentou resultados que apontam para trabalhos de apropriação dos sujeitos que desconstroem tanto a dimensão do receptor passivo, quanto soberano, apontando para uma renovada configuração, pensada enquanto “sujeitos comunicantes”. 2

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entanto, que sua incidência e suas consequências se dão de formas distintas nos

diversos campos sociais e domínios da experiência (MALDONADO, 2014). Avistamos

um processo que extrapola as fronteiras midiáticas, entrelaçado nas práticas de

apropriação comunicativa dos sujeitos que potencialmente criam e recriam,

reconstroem e modificam práticas sociais mais variadas a partir dos contextos concretos em que vivem.

Em termos metodológicos, salientamos a imprescindibilidade de concepção

dos processos de apropriação midiática a partir da perspectiva de que o mundo da

produção de sentidos não é mecanicamente ordenado, senão múltiplo, vasto, caótico,

marcando distanciamento com a matriz estruturalista de ideia de recepção passiva.

Consideramos que os processos de digitalização da comunicação, como condição de

produção simbólica, são fundantes para uma ruptura e desarticulação com a ideia clássica e formal do receptor a partir do estabelecimento de renovadas condições de produção comunicativa para os sujeitos.

Nesse sentido, pesquisas que têm em seu escopo o interesse pela investigação

das apropriações midiáticas necessitam considerar que as relações existentes entre os sujeitos e suas vastas gamas de configurações sociais não se dão de maneira direta.

Realizam-se, contrariamente, em uma complexidade, conformando sujeitos com

singularidades. Por consequência, públicos/sujeitos necessitam ser pensados conjecturando uma multiplicidade de dimensões constitutivas de suas realidades:

histórica, cultural, social, ética, política, tecnológica, psicológica e semiótica, como sugere a proposta ampliativa de Maldonado (2014).

O risco que investigações correm ao não problematizar as multimediações

formadoras de seus públicos/sujeitos compreende um movimento analítico incompleto, raso e pouco aprofundado no entendimento dos sujeitos contemporâneos

reconfigurados como sujeitos comunicantes. Na compreensão medular desta

proposta, sujeitos contemporâneos em comunicação não são nem receptores reprodutores de lógicas hegemônicas, nem dotados de soberania integral sobre as

mesmas.

Configuram-se,

entretanto,

num

jogo

dialético

e

transitoriedade, como inventores e transgressores comunicacionais.

complexo

de

A proposta de vislumbramento ampliado sobre os trabalhos de significação e

os papeis desempenhados pelos sujeitos em comunicação, especialmente dentro das 503

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potencializações ofertadas pelas mídias digitais, possibilita interlocução com compreensões voltadas à cidadania. Compartimos com Moglen (2012) uma

perspectiva crítica, que enxerga no universo comunicacional digital aberturas à

participação, criação e compartilhamento culturais e comunicacionais, mas que

também pode ser seletiva e excludente.

Para o autor, o cenário contemporâneo é atravessado por interesses político-

sociais hegemônicos, detentores de poder de cerceamento e subjugação das

potencialidades ofertadas pelos meios digitais de comunicação. Em termos de participação e produção midiática, os condicionamentos impostos por grandes

plataformas, por movimentos de controle e espionagem, forçam uma limitação das possibilidades de formação de sujeitos autônomos, comunicantes e cidadãos. Nesse

cenário, uma mesma tecnologia digital se coloca como detentora de funções distintas: uma primeira, que poderia contribuir para movimentos de conquista da cidadania

comunicativa; e uma segunda, que realimenta uma estrutura baseada em

antagonismos de classes, interessante à elite político-social e comunicacional, mas que cerceia e restringe a participação, produção e cooperação cidadã dos sujeitos.

3 Repensar a cidadania: movimentos sócio-comunicacionais e a comunicação digital O controle imposto pelas elites político-sociais-econômicas em relação aos

movimentos sócio-comunicacionais contemporâneos pode ser entendido ao retomarmos as análises realizadas por Manuel Castells (2013). As argumentações do

autor revelam que os processos de comunicação digital abrem, possibilitam e impulsionam formas de participação dos indivíduos nos movimentos sociais contemporâneos.

Entretanto, ao avistarmos o cenário contemporâneo e os processos

desencadeados por distintos movimentos sócio-comunicacionais, compreendemos que o desenvolvimento das tecnologias de comunicação digital não detêm papel protagônico exclusivo no desencadeamento dos mesmos. Embora o desenvolvimento

das tecnologias de comunicação digital tenha inegável contribuição para as conquistas populares das últimas décadas, é necessário que se considere e retome os

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contextos socioculturais e políticos como despertadores de determinados processos organizados em rede.

Nesse âmago, avistamos como parte da motivação às movimentações sócio-

comunicacionais de ordem transformadora elementos que advém de um esgotamento da crença na democracia liberal representativa; pela crise da representação e

legitimação política; pelo fracasso do modelo baseado em um fundamentalismo do

mercado, propulsor de graves crises financeiras; pela percepção, por parte do conjunto social, da cumplicidade entre elites financeiras e políticas, entre outras. Diante destes cenários de perecimento, emergem consciências coletivas que

compreendem que parte das dificuldades e obstáculos cotidianos evidenciam a presença de um conjunto sistêmico, profundo e enraizado que conforma uma

estrutura social em entropia. Essas condições econômicas, sociais e políticas enfrentadas são formadoras de um contexto no qual novas redes sociais

proporcionadas pelo ambiente digital ganham proeminência nos processos revolucionários, podendo ser catalisadoras de movimentos de transformação.

Em “A sociedade em rede”, Castells (2011) compreendia a natureza da

sociedade contemporânea como conturbada, configurada por mudanças drásticas nas dinâmicas econômicas, pelo advento irrefreável do capitalismo, da economia

criminosa, da globalização, pela aproximação e interpenetração de culturas distintas,

por choques culturais, etc. Esses elementos acabavam gerando uma sensação de

desorientação, que se confrontava, ainda, com o surgimento e vivência junto a um

novo paradigma comunicacional, a partir da passagem da comunicação de massa a modelos em rede, mais horizontais e dissipados.

Frente a isso, as experiências socioculturais possibilitadas pela comunicação

digital modificam profundamente nossa realidade, a partir da virtualização, das

alterações nas noções de espaço-tempo, das formas de viver e conceber o real. A configuração dos espaços digitais potencializa a chance de uma multiplicidade participativa, a partir da arquitetação de um espaço no qual diversidades, posturas, visões de mundo, distintas formas entender a organização sociopolítica podem confluir, coexistir e debater de maneira mais horizontal. Ao

observar

movimentos

sócio-comunicacionais

contemporâneos,

compreendemos nos mesmos uma competência apropriativa sobre as lógicas das 505

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redes de comunicação digital, de modo a estruturar planejamentos, ações e mobilizações de distintas ordens a partir da organização em rede. É importante salientar que esta capacidade é originada em perspectiva histórica, sendo construída progressivamente desde uma cultura ciberativista forjada em meados da década de

1960, e que já concebia a comunicação como direito humano fundamental ao

desenvolvimento integral, coletivo e promotor da cidadania. Avistamos nos processos

desencadeados por movimentos sócio-comunicacionais contemporâneos o resgate de

elementos já propostos por uma cultura ciberativista de longa data, readaptando

pressupostos e ações dentro das dinâmicas despertadas e oferecidas pelo âmbito da comunicação digital.

Ao focalizarmos nossos esforços interpretativos nos sujeitos partícipes de

movimentos sócio-comunicacionais, avistamos a emergência de sujeitos mais engajados, atravessados por elementos de uma nova cultura cívica, política e cidadã. Nesse sentido, as argumentações construídas por Castells (2013, p.14) corroboram

com nossa concepção, destacando que no cerne das movimentações sóciocomunicacionais “a verdadeira transformação estava [está] ocorrendo na mentalidade das pessoas”, ou seja, na construção de uma nova cultura política e cidadã, fomentada pela participação, discussão e organização possibilitada pelas redes digitais de comunicação.

Retomando as proposições de Moglen (2012), pensar a internet e os avanços

possibilitados desde a sua expansão apenas pelo viés integrador e voltado à cidadania

é arriscado e prejudicial à pesquisa científica em comunicação. A internet contribuiu

significativamente para que o direito à informação e à comunicação, como

necessidade humana, social e política, fosse expandido, mesmo que ainda não tenha possibilitado acesso a todas as pessoas de maneira igualitária. São consideráveis,

também, os movimentos em direção à quebra das restrições impostas às informações

confidenciais, protegidas por direitos autorais, políticas e econômicas – e que são estratégicas – embora estes sejam passos que se ampliam lentamente e que se encontram em constante embate com poderes hegemônicos socialmente perenes.

Em um movimento crítico profundo a certa euforia que gira em torno dos

avanços da internet, especialmente pelas práticas de comunicação digital proporcionadas pelas novas redes, Mattelart (2009) fortalece algumas das 506

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argumentações de Moglen (2012) ao argumentar que vivemos em um mundo vigiado no qual o controle, onipresente e constante, é potencializado pelas tecnologias de informação e de comunicação postas a serviço cotidiano. O alerta do autor tem como

foco as políticas de controle e de espionagem impostas principalmente pelo governo estadunidense, embasadas por aparatos judiciais, legislações e até mesmo pelo

incentivo e fortalecimento de iniciativas privadas nesse âmbito. Essas ações de vigilância e de controle afetam as práticas comunicacionais cotidianas dos sujeitos ao

redor do mundo. Com base nisso, para pensar a comunicação e suas imbricações com

a cidadania julgamos ser necessário, também, considerar obrigatoriamente que os movimentos de mudança social, de empoderamento e de visibilização das minorias

culturais/sociais ao redor do mundo estão sob a vigilância e potenciais tentativas de controle por parte desses poderes.

Os contrapontos elaborados por Moglen (2012) e Mattelart (2009) são

fundamentais para pesquisas cujas problematizações delineiem e/ou abordem a

temática da cidadania. Os movimentos de cerceamento às possibilidades de

participação, interação e produção sócio-comunicacional são limitadoras às práticas cidadãs desempenhadas pelos sujeitos. Em Cortina (2005), a perspectiva de cidadania

necessita considerar tanto dimensões vinculadas à esfera dos sujeitos, concebendo suas

múltiplas

heterogeneidades

(culturais,

sociais,

econômicas,

políticas,

psicológicas, etc.), quanto à forma como eles interagem entre si e com as suas

comunidades. A isso, acrescentamos a ideia que um conceito de cidadania deve ser alimentado por problemáticas transversais, que abordem tanto potencialidades comunicacionais quanto suas restrições.

A cidadania é um conceito mediador porque integra exigências de justiça e, ao mesmo tempo, faz referência aos que são membros da comunidade, une a racionalidade da justiça com o calor do sentimento de pertença. Por isso, elaborar uma teoria da cidadania ligada às teorias da democracia e justiça, mas com uma autonomia relativa diante delas, seria um dos desafios de nosso tempo. Por que uma teoria como essa poderia oferecer melhores argumentos para sustentar e fortalecer uma democracia pós-liberal também no nível das motivações: uma democracia em que se encontrem as exigências liberais de justiça e as comunitárias de identidade e de pertença (CORTINA, 2005, p. 27-28, grifos nossos).

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Nosso entendimento sobre a construção teórica do conceito de cidadania

compreende o mesmo como em construção, na medida em que renovadas posturas,

atividades, produções, formas organizativas de geração de relações e comunicação em redes são criadas, atravessadas e problematizadas por contextos múltiplos. Nesse sentido, em perspectiva histórica, a complexificação e sofisticação do conceito de

cidadania já demonstra seu avanço na direção dialética, de confrontação e agregação de pressupostos para além do campo jurídico, de modo a incorporar dimensões socioculturais, econômicas, educacionais, e, também, comunicacionais.

Na direção problematizadora do conceito de cidadania, compreendemos a

noção de pertença a uma sociedade, como mencionado por Cortina (2005), como uma

via à criação de sentido e reconhecimento comunitários, reconhecendo-os como

fatores que necessitam ser trabalhados dentro do tecido social de forma que os

sujeitos entendam que as suas participações dentro da comunidade onde existem são

importantes para o desenvolvimento da mesma, desvinculando-se de uma postura

estreitamente hedonista.

É nesse sentido que em Cortina (2005) a consideração sobre as identidades de

maneira não redutora, de modo a considerar a existência de identidades plurais,

tendo no horizonte a igualdade na dignidade e não somente na esfera econômica ou jurídica. Isso se vincula à busca por uma cidadania intercultural que reconheça,

respeite e assuma as diferenças no cerne de suas dinâmicas. Avistando as realidades contemporâneas, visualizamos a necessidade urgente do respeito às alteridades,

outras formas de expressão, ideias, culturas, e à integralidade humana nas suas mais variadas manifestações.

Procurando construir um conceito de cidadania plena, Cortina (2005)

perspectiva que o mesmo deva englobar um conjunto de direitos legais, de

responsabilidades morais e também identitários. Avistando as proposições da autora

de maneira crítica, parece-nos produtivo, ainda, conceber que a cidadania necessita ser pensada como um conceito mediador complexo, no qual múltiplas dimensões precisam se encontrar em uma confluência-movediça, de modo a permitir

atravessamentos, entradas e saídas de perspectivas, produzindo, inclusive, rearranjos epistêmicos na sua concepção. Nesta compreensão que propomos, o conceito de

cidadania estaria permeado por dimensões outras, como a ética, a dimensão 508

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multicultural, a acadêmica, a científica, a educativa, e, de maneira singular, a comunicativa.

Retomando algumas das formulações de Castells (2011; 2013), argumentamos

que, no cenário contemporâneo da sociedade multimidiatizada, o direito à comunicação, potencializado através dos dispositivos tecnológicos e das redes digitais, se configura como um dos elementos principais para o desenvolvimento da cidadania, sendo pauta de discussões realizadas pela Unesco desde a década de 1960.

Como enfatiza Peruzzo (2012), a comunicação é uma dimensão fundamental

para o exercício da cidadania de todos os sujeitos. Aos indivíduos partícipes destes

processos, o surgimento das redes digitais de comunicação possibilita a criação de

laços de pertença com suas comunidades, de afetações dentro dos cenários

constitutivos dos sujeitos, de modo que os mesmos sintam-se comunicativos, importantes e participantes no interior das dinâmicas decisórias de suas comunidades, configurando o que se tem compreendido por movimentos de construção e exercício da cidadania.

Nossa proposta de concepção à noção de cidadania comunicativa caminha no

sentido de aproveitar discussões elencadas por Cortina (2005), avançando sobre as

mesmas e concebendo-a como um exercício e um direito humano essencial de requerer e reelaborar planos de vida, através da utilização refletida dos universos comunicacionais e midiáticos e suas estratégias de produção e circulação de sentidos

(SAGGIN, 2016). Desse modo, a comunicação se coloca como elemento vital à cidadania por viabilizar exercícios de visibilização na esfera pública por parte de

sujeitos cujas realidades nem sempre são parte das construções midiáticas hegemônicas.

Defendemos a ideia de que democratizar a comunicação é um passo

imprescindível para a constituição de construções midiáticas nas quais coexistam

processos de abertura e reconhecimento às diferenças, de modo a contribuir para a construção de uma cidadania comunicativa. No processo de democratização integral

que apoiamos, grupos minoritários, de formações multiculturais híbridas, novas,

contra-hegemônicas, não poderiam mais ser colocados em setores periféricos da representação midiática, dividindo espaços com as demais construções hegemônicas

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de maneira a sustentar e fomentar suas presenças e importâncias dentro no tecido social contemporâneo.

4 Concebendo a constituição de uma nova cultura política e cidadã Alimentamo-nos dos pressupostos trabalhados por Santos (2008), ao

avistarmos nas possibilidades de construção de sentidos contra-hegemônicos capacidades e potencialidades para o estabelecimento de renovadas relações entre os sujeitos, entre sujeitos e mídias, e, mais amplamente, entre as mídias e as formações

socioculturais. Ao defender o ideal de um movimento de globalização contrahegemônica, o autor pensa numa proposta de desenvolvimento baseado nos princípios da igualdade e do reconhecimento.

Desse modo, avistamos a necessidade de ruptura com processos da

globalização hegemônica, marcadamente seletiva e excludente, que nega a diversidade sob o prisma da dominação e subjugação sociocultural. A construção

dessa contra-hegemonia passa, necessariamente, pela constituição de uma nova cultura política que oriente à sociabilidade e à constituição dos sujeitos, de modo a permitir que se construam subjetividades próprias de emancipação.

Dentro desta concepção, a constituição de uma nova cultura política perpassa

integralmente o âmbito da comunicação e suas tecnologias, pois é através dela que novas dimensões políticas, subjetivas, emancipatórias, críticas, novas posturas

participativas e cidadãs podem ser trabalhadas e desenvolvidas na esfera sociocultural e comunicacional.

Compreendemos que é na prática cotidiana comunicacional que estas

esferas oriundas de uma emancipação crítica devem ser laboradas, a partir de

práticas comunicativas e educomunicativas que propiciem o debate, a reflexão e a

transformação social; que levem os sujeitos a desenvolverem possibilidades de

emancipação política, cultural e social, bem como viabilizem seu direito à expressão, à informação e à comunicação, construídos de forma dialógica e democrática.

Enxergamos em Santos (2008) uma produtiva vinculação da comunicação com

processos de conquista e exercício da cidadania. Os processos de comunicação e de

educomunicação voltados à cidadania necessitam almejar a transformação social e devem ser concebidos e realizados de maneira a tornar as pessoas partícipes dos 510

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mesmos, possibilitando seu crescimento integral, como já argumentava Peruzzo (2012).

Retomando pressupostos elencados por Castells (2013) em consonância com

Cortina (2005), avistamos nas atividades de movimentos sociais, interligados à

comunicação, práticas desencadeadoras de transformações socioculturais profundas. Argumentamos isso compreendendo que ao suscitar a construção de uma consciência crítica

coletiva

nos

sujeitos,

tais

práticas

viabilizam

que

os

processos

transformadores ocorram nas mentalidades dos dos mesmos, fazendo com que se

processe um aprendizado cidadão, atravessado pelo reconhecimento de si como sujeitos críticos, reflexivos, partícipes e compostos de autonomia social, cultural, comunicacional e política.

5 Educomunicação: uma via produtiva à cidadania Compreendemos as práticas e pressupostos relacionados ao campo da

educomunicação

como

detentoras

de

objetivos

centrais

vinculados

ao

reconhecimento das variadas construções de mundo editadas pelos meios de comunicação; a melhoria das capacidades expressivas, de relacionamento em

comunidade e formação de identidades; o incentivo a processos de ensino-

aprendizagem por meio da utilização e apropriação inventiva, criativa e comunitária

dos meios de comunicação bem como, a democratização do acesso dos cidadãos às práticas de produção e circulação da informação (BACCEGA, 2009; SOUSA SANTOS,

2008; CITELLI, 2011). Ou seja, são práticas que se configuram no âmago das discussões e reflexões promovidas pela concepção da cidadania comunicativa.

Pensamos nos meios de comunicação como espaços para a constituição e o

exercício da cidadania. Nesse sentido, compreendemos que as práticas apropriativas

dos sujeitos em relação aos meios de comunicação, especialmente os digitais, se configuram, entre outras dimensões, como formas de possibilitar e potencializar a existência pública dos sujeitos e de suas comunidades, a partir do estabelecimento de

um processo no qual o acesso e conhecimento sobre as diferentes etapas da construção da informação se colocam como formas de aumento do poder social dos sujeitos (MATA, 2006).

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Alimentamo-nos da concepção de que a cidadania e seu exercício se configura

como um direito humano essencial, que pode ser realizado a partir da inserção dos sujeitos em processos comunicacionais. Desse modo, as articulações em torno da

compreensão de cidadania comunicativa elaboradas por Mata (2006) enriquecem as

problematizações que realizamos para entender os processos apropriativos dos

sujeitos sobre elementos comunicacionais trabalhados à luz da educomunicação, compreendendo a comunicação como elemento central à cidadania por possibilitar, entre outros aspectos, exercícios de visibilização, expressão e presença emancipadora dos sujeitos junto à esfera pública.

Peruzzo (2005, p. 34), corrobora com a perspectiva de cidadania

comunicativa que nos interessa ao referenciar que “o ciberespaço é um novo

ambiente para se exercitar a cidadania comunicacional (sic), facilitado pelas possibilidades oferecidas pela interatividade, pelo intertexto e pela comunicação de

todos com todos” e complementa que “é uma possibilidade sem igual para o exercício

da liberdade de comunicação, cerceada apenas pelo impedimento do acesso às

infraestruturas necessárias e a educação para o uso das novas tecnologias”. Nesse sentido, a participação na comunicação por parte dos sujeitos se torna uma estratégia para ampliar o “status da cidadania”. Nessa linha de raciocínio, o direito à

comunicação e participação popular como exercício da cidadania é um processo educativo na medida em que a participação direta na comunicação contribui para o desenvolvimento dos sujeitos em diversos âmbitos.

Compreendemos, também, que a cidadania comunicativa não pode colocar-se

como uma construção que por si só “dá voz aos sujeitos”. Os sujeitos são atores que

tem voz, que tem competências e capacidades oriundas de suas culturas, seus

contextos históricos, familiares, de relações de longo tempo com a mídia e seus

produtos, bem como, com o próprio ambiente da internet. Com isso, reiteramos a

necessidade de olhar para os processos educomunicativos analisando, para além dos produtos midiáticos produzidos pelos sujeitos, os processos de discussão, diálogo,

reflexões, debates e mobilizações por eles realizados, em suas realidades cotidianas. Os usos das tecnologias de comunicação a serviço de exercícios cidadãos, as práticas

colaborativas, comunitárias e solidárias que podem manifestar-se nessa imbricação,

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são elementos importantes e produtivos para a compreensão dos fenômenos educomunicativos contemporâneos.

Nesta perspectiva, a argumentação de Huergo (2001) é cara à proposta teórica

construída na medida em que problematiza o espaço e a utilização das tecnologias de

comunicação e informação dentro dos processos educativos. Aproximamo-nos do pensamento do autor ao avistar no mesmo movimentos de interrogação sobre o lugar

das ferramentas de comunicação inseridas nos contextos educativos, no sentido de

que suas meras utilizações podem reproduzir e fortalecer uma educação tecnológica, deixando de aproveitar as produções de conhecimentos socioculturais provocadas nos sujeitos a partir das mesmas.

A perspectiva crítica de Huergo (2001) nos desestabiliza e provoca a

pensar se as ferramentas de comunicação e informação colocadas como alternativa à crise educativa avistada contemporaneamente não estão se transformando em novos

“livros”, mantendo intactos os regimes tecnocráticos e disciplinares vinculadas à

concepção transmissional do conhecimento. Deste modo, apenas abordagens pedagógicas voltadas a pensar o uso das tecnologias comunicacionais pelos sujeitos não seriam suficientes para romper com as dificuldades e necessidades de adaptação

dos processos de ensino-aprendizagem aos contextos multimidiatizados e às características dos sujeitos contemporâneos envolvidos neles.

Compreendemos o pensamento do autor como desestabilizador, de modo que

questiona profundamente movimentações de natureza interventoras a partir de

tecnologias comunicacionais no campo educativo. Nossa concepção sobre as mesmas se baseia, portanto, em pressupostos advindos de nossa compreensão sobre a cidadania

comunicativa.

Desse

modo,

compreendemos

que

práticas

educomunicativas necessitam se afastar de abordagens tecnocratas, instrumentais,

relacionadas à transmissão unilateral do conhecimento, nas quais abordagens educomunicativas pouco aprofundadas epistemicamente e teoricamente frágeis correm o risco de se desenvolver.

A presença gradativamente mais ampla das tecnologias comunicacionais

dentro dos processos educativos, nas práticas sociais, coletivas e criativas é evidente

e configura um processo sem volta. Entretanto, nossas observações e análises

destacam que a natureza sedutora e por vezes excludentes da tecnologia, não 513

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problematizada e não tensionada aos propósitos de uma comunicação cidadã, empobrece práticas e projetos educomunicativos, deixando de trabalhar questões fundamentais para a conquista e experimentação da cidadania comunicativa.

Diante destes horizontes, construímos uma concepção que considera que uma

teoria da cidadania não pode ser realizada somente pela racionalidade em termos de

justiça, de direitos civis, de concepções advindas do campo jurídico. Nosso conceito

construído para pensar a cidadania comunicativa e a forma como ela se manifesta nos

sujeitos e suas práticas cotidianas tem como elemento central a ideia de que a

comunicação é componente propulsor e despertador de práticas cidadãs nos sujeitos, oportunizando que os mesmos sintam-se participativos, afetados, empoderados, motivados, enfim, comunicativos dentro de suas comunidades (SAGGIN e BONIN, 2016).

Nossa proposta de abordagem educomunicacional se alimenta, portanto, na

concepção de que para o desenvolvimento de práticas e processos de comunicação

problematizados dentro da perspectiva cidadã são necessárias suas fundamentações em elementos que compõem o cerne das dinâmicas sociais concretas. Neste sentido, o

comprometimento com as dimensões política, social e comunitária, relacionadas às

histórias de lutas e avanços socioculturais e socioeconômicos de cada contexto, é formador de horizontes epistemológicos de referência à nossa concepção. Desta maneira, concebemos que as práticas e os processos educomunicativos realizados

necessitam ser pensados nos sentidos gerados nos sujeitos a partir das dinâmicas sociais potencializadas, e não somente nas transformações técnicas possibilitadas.

Compreendemos, também, que perpassa o âmbito da cidadania comunicativa a busca

pelo desenvolvimento de ações que potencializem o bem comum e que transcendam os ambientes escolares formais, podendo ser carregados e repensados nos mais vastos horizontes cotidianos dos sujeitos (SAGGIN, 2016).

Por fim, entendemos práticas e experiências em educomunicação têm

oferecido diferentes perspectivas de constituição emancipadora, a partir de tentativas de inclusão sociocultural e comunicacional de comunidades em distintos cenários

econômicos, políticos e culturais. Estas movimentações concebem o que temos

pensado como potencialidades de desconstrução dos modelos de distribuição e representação hegemônicos experenciados, possibilitando a reconstrução de 514

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alternativas outras, fundamentadas em princípios mais heterogêneos, horizontais e democráticos.

Referências

BACCEGA, Maria Aparecida. Construindo a cidadania nas interrelações comunicação, educação e consumo. Conexiones. Revista Iberoamericana de Comunicación, v. 2. p. 2029, 2010. CAMACHO, Carlos Azurduy. El derecho a la información como práctica de formación y desarrollo de la ciudadanía comunicativa. Revista Probidad. n. 24, set 2003. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: a linguagem em movimento São Paulo: Senac, 1999.

CORTINA, Adela. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005.

HUERGO, Jorge. Comunicación/Educación. Ámbitos, prácticas y perspectivas. La Plata: Ed. de Periodismo y Comunicación, 2001.

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MALDONADO, Alberto Efendy. Perspectivas transmetodológicas na pesquisa de sujeitos comunicantes em processos de receptividade comunicativa. In: MALDONADO, Alberto Efendy (Org.). Panorâmica da investigação em comunicação no Brasil. 1. ed. Salamanca Espanha: Comunicación Social y Publicaciones, v. 1, p. 17-40, 2014.

MATA, Maria Cristina. Comunicación y ciudadanía. Problemas teórico-políticos de su articulación. Revista Fronteiras – estudos midiáticos. VIII(1): 5-15, jan-abril, São Leopoldo: Unisinos, 2006. MATTELART, Armand. Un mundo vigilado. Barcelona: Paidós, 2009.

MOGLEN, Eben. El manifiesto puntoComunista. In: LAGO, Silvia (Org.). Ciberespacio y Resistencias. Exploración em la cultura digital. Buenos Aires: HekhtLibros, 2012.

PERUZZO, Cicilia M. K. A comunicação no desenvolvimento comunitário e local, com cibercultur@. In: XXI Encontro Anual da Compós, 2012. Anais do XXI Encontro Anual da Compós. Juiz de Fora, MG: Compós, 2012. P. 1-15. PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania. Revista Alaic Ciencias de la comunicacción. n. 3, jul-dez 2005.

SAGGIN, Lívia Freo. Educomunicação, mídias digitais e cidadania: apropriações de oficinas educomunicativas por jovens da Vila Diehl na produção do blog Semeando Ideias. 2016. 348f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, 2016.

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SAGGIN, Lívia Freo; BONIN, Jiani Adriana. Problematizações para pensar as apropriações/produções digitais de jovens. XXV Encontro Anual da Compós, Grupo de Trabalho Recepção: processos de interpretação, uso e consumo midiáticos. Goiânia, 2016. SOUSA SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma epistemologia do sul. In: A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Porto: Edições Afrontamento, 2008.

Autora Lívia Saggin é Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Mestra em Ciências da Comunicação pela mesma universidade, desenvolvendo suas investigações na linha de pesquisa Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação. Possui bolsa de estudos financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). É integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação Processocom – epistemologia, midiatização, mediações e recepção; e da Rede Amlat – rede temática de cooperação: comunicação, cidadania, educação e integração latinoamericana. Tem intensificado suas pesquisas na compreensão dos fenômenos comunicacionais contemporâneos, sobretudo na intersecção entre os campos da comunicação e da educação e suas vinculações com as culturas populares juvenis. E-mail: [email protected].

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Entre as redes sociais e as ruas: usos e apropriações das redes sociais digitais por movimentos sociocomunicacionais de Porto Alegre Marina Zoppas de ALBUQUERQUE 1 Unisinos, São Leopoldo, RS RESUMO: O presente texto traz um recorte das problematizações relativas à rede de conceitos desenvolvida para fundamentar a construção da pesquisa em desenvolvimento que objetiva investigar os usos e apropriações das redes sociais digitais dos movimentos sociocomunicacionais (MS) Bloco de Lutas pelo Transporte Público e Defesa Pública da Alegria e suas articulações com outras práticas comunicativas, relacionadas às ações coletivas junto aos espaços públicos. Os MS investigados têm desenvolvido processos midiáticos nas redes sociais digitais para a mobilização, organização e articulação em ações públicas, transformando as lutas sociopolíticas e de reivindicação de direitos. Os usos e apropriações desses ambientes digitais são entendidos como potenciais mediadores de encontros, a fim de horizontalizar a comunicação e mobilizar diferentes indivíduos para as ações coletivas.

PALAVRAS-CHAVE: Usos e apropriações de redes sociais digitais; movimentos sociocomunicacionais; Processos midiáticos.

1. Aspectos do cenário sociopolítico de Porto Alegre para pensar as ações dos movimentos sociocomunicacionais Desde 2012, inúmeras foram as ocupações do espaço público de Porto Alegre

por movimentos sociocomunicacionais2. Essas ocupações tornaram públicas as Mestra e doutoranda, no PPG em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista CAPES/PROEX. E-mai: [email protected]. 2 Para a nossa investigação compreendemos movimento sociocomunicacional como o resultado da articulação e conexão de vários sujeitos políticos (vários coletivos), que por sua natureza e forma de organização estão voltados a enfatizar os processos presenciais de ação coletiva nos espaços públicos. Contudo, o sociocomunicacional diz respeito a um conjunto de sujeitos cujos interesses se materializam também nos processos comunicacionais e digitais, amparados em estratégias e táticas de caráter sociopolítico, cultural e comunicacional específicos. Evidenciam modos de propor, relacionar, negociar, nos quais a participação dos sujeitos nestes movimentos é importante, mas não precisa ser 1

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insatisfações e os desejos de mudança em relação aos modos de se viver na cidade. Reivindicam o direito à cidade através da mobilidade, atrelada a outras pautas constitutivas da questão urbana, vinculadas ao tema da Copa do Mundo e às suas

lógicas de limpeza social. O foco é a cidade, o que determinou como tática a ocupação da rua em ações coletivas criativas, de resistência, de expressão, na busca de outros

modos de viver, de articular e de vivenciar os espaços sociais. Contudo, não se restringem a ela.

Sabemos que esta tática de luta não é inédita. No entanto, as estratégias com

que as ocupações se dão, na relação com os usos e as apropriações dos processos

midiáticos e digitais, tomam visibilidade e importância, configurando-se como uma expressão própria deste tempo, e que é indissociável dos movimentos sociocomunicacionais que as impulsionam, com seus fluxos e refluxos.

Nesse sentido, percebemos há alguns fatores que se constituem como

fundantes para os que movimentos sociocomunicacionais ocupem as ruas e praças

como uma expressão de fazer política de revolta, indignação e resistência, pois estão afastados dos processos decisórios e de cidadania. Ocupar os espaços públicos é uma

decisão sobre seus próprios destinos porque esta é feita com seus corpos por meio da

ação direta (HARVEY, 2014). As formas de organização e organicidade dos movimentos socioculturais apontam para outros modos de fazer política na

perspectiva de renovação das práticas, de experimentar estruturas e organizações mais horizontais e com menos representação.

Isso se deve, entre outros fatores, à crise dos fundamentos da democracia

representativa, marcada pela ausência de participação popular efetiva nos rumos da

vida pública e, de certa forma, representa uma crítica ao sistema capitalista. Essa

crise está diretamente vinculada à crise de representatividade, que alcança desde os partidos políticos a outras organizações intermediárias. Há um esgotamento das instituições tradicionais e de suas práticas, apontando para a necessidade de serem

revistas e avançarem para formas mais colaborativas e de participação democráticas.

Entre os elementos que parecem motivar os sujeitos comunicantes3 a se integrarem

necessariamente presencial. Aponta para uma dinâmica efêmera e fragmentada na sua atuação. Tratam de temáticas que surgem dos conflitos sociais urbanos. 3 As pessoas que atuam e participam ativamente nesses MS são entendidas por nós como sujeitos comunicantes. Nesta linha, concebemos que os sujeitos participam dos processos de produção, circulação, mediação e interação sociocomunicacionais que operam como recurso efetivo de ação,

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aos movimentos sociocomunicacionais estão a indignação contra as formas tradicionais de representação, a conjuntura política e social, as prioridades das

administrações públicas em favor das empresas/capital e as políticas econômicas

(GOHN, 2014) por não alterarem de fato o status quo e porque mantém a mesma maneira de atuar e a população sob controle.

Frente a essas questões, os movimentos propõem outros modos de fazer

política nos espaços dos movimentos sociais. Os movimentos sociocomunicacionais focalizados nesta investigação podem ser considerados laboratórios ao proporem

espaços de debate para o fortalecimento de ideias conjuntas, convivência política baseada em esforços de unidade de luta e ação, negociando e mantendo acordos e

deliberações que fortalecem o conjunto de vozes e os sujeitos participantes dos processos.

Nesse sentido, os espaços de participação sociopolítica de Porto Alegre se

reconhecem na democracia brasileira em que os direitos civis (o direito às liberdades

pessoais) e os direitos políticos (na garantia do voto e da representação) são

consolidados. Contudo, o Defesa Pública da Alegria e o Bloco de Lutas4 apontam para a

necessidade de avanço e ampliação dos direitos sociais – o direito à cidade, à

mobilidade urbana, bem como a necessidade de se repensar os modos de participação, colaboração e exercício da cidadania nos espaços públicos. Esses

movimentos sociocomunicacionais produzem no espaço urbano ações coletivas que afetam as diversas dimensões econômicas e administrativas, que passam a ter sentido

para atingirem a população de modo a sensibilizar, difundir ideias, discutir e debater as demandas populares.

As ações coletivas diretas constituem tentativas de transformação que

apontam as injustiças sociais, associando-se em redes de apoio e solidariedade, denunciando os abusos. Entendemos que essas ações podem ser compreendidas

como acontecimentos sociopolíticos (ARAUJO, 2008) nos quais, por meio da elaboração da denúncia pública, o fato ganha uma dimensão política que se torna uma

organização e intervenção sociocultural. Esta participação se relaciona com o exercício da cidadania junto aos processos comunicacionais que questionam o status quo, adotando como tática a construção coletiva, com vistas à realidade social por meio da inclusão cultural, sociopolítica (MATA, 2006; MARTÍN-BARBERO, 2009; PERUZZO, 2012). O Defesa Pública da Alegria e o Bloco de Lutas pelo Transporte Público são os coletivos que fazem parte do objeto empírico da pesquisa em desenvolvimento.

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causa. Corroborando com essa ideia, a militante do coletivo Defesa Pública da Alegria,

em entrevista desenvolvida durante a pesquisa de campo5, Luz, afirma que as ações coletivas no espaço urbano chamam a atenção tanto do poder público, quanto da iniciativa privada. Contudo, “a função mais importante e mais potente”, segundo ela,

“é chamar as pessoas que estão indiferentes, para que possam assumir sua

responsabilidade para a coisa pública, para a cidade”. E que também remete e pode reformular a crise de representatividade ao potencializar a rua como um espaço de

debate e livre participação, na qual não é preciso estar inserido em instituições

formais para se discutir sobre a cidade: “Tu podes estar na rua. Tu podes estar na cidade discutindo sobre isso” (LUZ, 2016, s/p).

O uso da internet por manifestantes trouxe outras realidades vivenciadas nas

ações ao produzirem vídeos, imagens, textos e fazerem-nas circular, compartilhandoas nas redes sociais digitais (Facebbok e Twitter). O que evidencia um conflito,

apontado por ela, entre o discurso midiático e o do Estado (incluindo a polícia) acerca

da violência, que são confrontados com outros discursos que resignificam os atos públicos como forma legítima de ação política.

As demandas trazidas pelo Defesa Pública da Alegria e pelo Bloco de Lutas são

problemas enfrentados pelas populações urbanas, consequências de um modelo de

desenvolvimento econômico-social de exploração do trabalho e de concentração de renda que desfavorece a classe trabalhadora, deprecia os bens públicos e os privatiza.

São demandas relacionadas ao direito à cidade, pois são nelas que se dão a produção e as relações de trabalho e sociais.

Os movimentos sociocomunicacionais apontam para um modo de perceber a

vida urbana de forma alternativa, mais significativa e criativa, em meio aos conflitos e dialéticas junto aos embates sociais. São sensibilidades que surgem das ruas devido à

derrubada de árvores, remoção de famílias alterando bairros inteiros. Estes Durante os meses de novembro de 2015 à abril de 2016, desenvolvemos nossa pesquisa exploratória e de campo. Nesse momento nos aproximamos dos coletivos investigados com o objetivo de contato com a realidade concreta, “um movimento de aproximação ao fenômeno concreto a ser investigado buscando perceber contornos, suas especificidades, suas singularidades”. Suas ações são compostas de “planejamento, construção e a realidade de sucessivas aproximações ao concreto empírico a partir das várias angulações possíveis que interessam ao problema-objeto em construção” (BONIN, 2006, p. 39). Em nosso caso, ela nos auxiliou na reelaboração de vários aspectos do nosso problema-objeto. No desenvolvimento dessa processualidade metodológica, trabalhamos com mapeamento e aproximações aos ambientes digitais, observação das ações dos coletivos entrevistas semi estruturadas exploratórias com sujeitos comunicantes.

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movimentos ajudam a moldar reivindicações políticas e culturais. Propõem outras lógicas, quando o capital assume a forma do fetichismo de mercadoria, nichos de

mercado e consumo cultural urbano. (HARVEY, 2014). Entretanto, pensar em condições de vida plena nas cidades exige políticas públicas urbanas relativas a transporte, moradia, saneamento, iluminação pública, coleta de lixo, educação, saúde,

lazer, cultura. A cidade, como propõe Maricato (2013), não é apenas um lugar para a reprodução social e sua forma faz diferença para as realizações.

É importante dizer que a rua é o lugar de reivindicação e resistência popular,

no qual as ações coletivas se constituem como espaço de política, evidenciando um tipo de modernidade reflexiva que se caracteriza pela autonomia dos sujeitos

múltiplo e diverso. Reflexividade propiciada e, ao mesmo tempo, exigida pela sociedade atual. Assim, as decisões de participar das ações coletivas na rua podem parecer seguir modelos de comportamento que resultam de um contexto mais amplo.

Por isso, as ações coletivas em Porto Alegre, desde 2012, podem ser

percebidas, nesse contexto, como o compartilhar de significações, nas quais cada

participante pode ser reconhecido para a construção de um acontecimento comum, num registro de participação política e social de reconhecimento de opinião, um espaço politicamente organizado e de relações de poder. Essa forma de compreender

as práticas sociais e de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o

indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade,

impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele (FOUCAULT, 1995).

Em vínculo com as ações coletivas, a rua é o lugar também onde os sujeitos

comunicantes, mesmo com restrições de uso, operam na produção, circulação, mediação e interação nos processos comunicativos a fim de agregar e acolher ideias,

sujeitos, propostas. Lugar também em que o uso e a apropriação da comunicação digital se torna potência para a construção de uma outra realidade social, integrando

espaços geográficos a espaços das redes sociais. Dessa forma, os processos midiáticos

digitais podem ser tensionados a partir da compreensão de que os movimentos sociocomunicacionais Defesa Pública da Alegria e Bloco de Lutas tem como base a multiplicação do conhecimento produzido para ser apropriado pelo bem comum. Os

sujeitos comunicantes produzem informações e conhecimentos para os assuntos 521

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serem discutidos. Assim, relacionamos as ações dos coletivos (as ruas) aos processos midiáticos digitais (as redes).

2. Os processos midiáticos digitais: para pensar os usos e as apropriações das redes sociais pelos coletivos Defesa Pública da Alegria e Bloco de Lutas Com as transformações da sociedade no sistema capitalista e a relação com as

tecnologias da informação e da comunicação, percebemos que muitas mudanças são

potencializadas nos processos midiáticos ao visibilizar e circular diferentes realidades.

As

mudanças

também

ocorrem

nos

próprios

movimentos

sociocomunicacionais nas práticas, na noção dos processos comunicativos e de formação. Essas práticas e modos de atuar estão relacionados ao modo de se

construir e relacionar com o mundo, entrar em contato com o seu contexto. As práxis

advêm das experiências individuais que são retroalimentadas nas coletivas, somandose aos outros sujeitos, compondo histórias com significados sociopolíticos, comunicacionais e culturais (PAVAN, 2011).

Nesse sentido, desde 2011, diferentes cidades e sociedades têm sido palco de

uma nova onda expressões de indignação, provocadas por reivindicações diversas, confrontadas com violência. Desde os países árabes do norte da África, com a

primavera árabe, até as reações à crise econômica na Europa, a exemplo do

movimento dos indignados, ou 15M (Espanha), a geração à rasca (Portugal), entre

outros. Nos Estados Unidos, o Occupy Wall Street surge sob a bandeira “Unidos pela

Mudança Global” e reivindica justiça social e democracia, mobilizando 951 cidades de 82 países (CASTELLS, 2013). Grande parte dos autores que refletiram sobre o tema aponta que esses movimentos são deflagrados a partir da crise econômica de 2008,

por ter atingido países e continentes de diversas formas, mas principalmente, por ela ter atingido o núcleo orgânico do capitalismo e dar as condições a um comportamento

político desempenhado pelas classes médias e populares (ALVES, 2012). Desde 2013, presenciamos no Brasil outras formas de expressões, com outros atores sociais e coletivos que se diferenciam daqueles já institucionalizados, apontando para outros modos de convocação e mobilização popular.

Duas características que se apresentam nesses movimentos internacionais e

no Brasil, são a ocupação do espaço público, em especial as ruas e as praças, como

estratégia popular de luta e resistência e os processos midiáticos digitais, 522

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principalmente por meio das redes sociais digitais, em redes de comunicação multimídia para a construção simbólica de significados em diversidade.

Para nós, é relevante entendermos os processos midiáticos a partir da

perspectiva do digital e dos movimentos possíveis que a cultura da internet possibilita aos sujeitos coletivos. A internet comporta uma diversidade de ideias,

integra modalidades multimídias (linguagens escrita, oral e audiovisual), interage de pontos múltiplos (em tempo real, ou não) e muda, fundamentalmente, os modos de

comunicação. A comunicação molda a cultura, pois nos permite ter uma perspectiva da realidade relacionada às nossas linguagens. Assim, a cultura é mediada e determinada pela comunicação, as culturas em seus sistemas de códigos e crenças produzidas são transformadas pelo sistema tecnológico (CASTELLS, 1999).

Desde o seu surgimento, a internet tem como proposta ser um espaço de

difusão de informação global, de modo a possibilitar a criação de ambientes que

ofereçam diversas maneiras de comunicar, transmitir, fixar, criar, inovar, transformar

sociabilidades, reconfigurar práticas, formas de expressar valores e crenças, entre muitas outras (CASTELLS, 2010). Ela permite acesso a diferentes conteúdos em

diferentes ambientes, possibilitando associações livres e simultâneas, reconhecidas

como hipertextuais. Essa dinâmica de atravessamentos, confluências, diversidade de

leitura de mundo, tem como potencialidade espaços mais participativos, democráticos e expressam uma multiplicidade de percepções.

Manuel Castells (1999) aponta para as transformações intensas que a

sociedade vem passando, principalmente as econômicas com a globalização. Estas se evidenciaram com as aproximações, as combinações e os choques culturais. Geraram mudanças determinantes nos processos comunicacionais, especialmente com as tecnologias da comunicação e informação. A passagem dos meios de comunicação de

massa para os ambientes digitais em torno da internet produziu novos

comportamentos na cultura, tornando-se uma dimensão essencial da realidade cotidiana para os indivíduos. Druetta (2009) afirma que ao entendermos a internet

como um meio de comunicação complexo e diferente dos seus antecessores, com particularidades, devemos considerar a existência de duas funções combinadas que devem ser consideradas nas análises sobre os processos midiáticos digitais: a

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primeira, ser um canal de distribuição para os meios tradicionais, e a segunda, um espaço de expressão para os indivíduos nas suas diversidades.

Relacionado a isso, a internet tem como potencialidade a ampliação do acesso

à produção de informação, antes restrito apenas às empresas de comunicação.

Apontamos como potencialidade porque a produção de informações e as estratégias

de comunicação dependerão mais das “competências intelectuais, científicas, técnicas e artísticas” dos sujeitos que podem romper com pontos de vista e lógicas nos oligopólios, monopólios e conglomerados de comunicação (MALDONADO, 2002), o

que também está relacionado à capacidade econômica de pagar por esse acesso (DRUETTA, 2009). Nesse sentido, o acesso à internet ainda não é possibilitado para

todas as pessoas de maneira igualitária e democrática. É restrita a um conjunto de

pessoas que tem disponibilidade econômica (investir em pacotes de dados móveis ou

fixos, dispositivos tecnológicos) e que possui certa alfabetização digital, pois solicita

um manuseio dos recursos hipertextuais para, então, poder construir seus conteúdos e constituir suas fontes informativas.

É importante dizer que as mudanças sociais, culturais e comunicacionais

apontam, também, para conflitos políticos, e que estes estão relacionados às formas

de compreender o papel do Estado no sistema capitalista, porque “os mesmos

instrumentos de comunicação e cultura que estabelecem modalidades, também permitem resistências” (MOGLEN, 2012, p. 72), que se voltam contra a burguesia (que

sustenta e mantém o Estado e o sistema capitalista), dando condições sociais às estruturas de antagonismo de classes.

Os ambientes digitais tornaram-se espaços disputados na expressão dos

protestos e conflitos sociopolíticos. A apropriação das redes sociais digitais nos movimentos como os Indignados (Espanha) são estruturantes da própria mediação,

numa dinâmica de concepção e articulação de estratégias comunicativas (CASTELLS, 2013). Essa apropriação permite aos movimentos sociais ações coletivas que buscam

transformar valores, instituições, culturas e que se manifestam na e pela internet. Nesse sentido, os processos midiáticos digitais operam como chave de acesso para o poder “ser e fazer”, no qual os usos e as apropriações6 nos importam mais do que as

Conforme pesquisa da pesquisa desenvolvida por Juciano Lacerda sobre os conceitos de usos e apropriações, adotamos o entendimento de “uso” como o “emprego habitual” de um objeto ou de uma tecnologia ou de um tipo de discurso; como “aplicação de algo de acordo com sua finalidade”, ou seja, 6

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configurações (LACERDA, 2012), porque são realizados pelos movimentos sociais e seus sujeitos nos ambientes digitais ao demonstrarem competências comunicativas, culturais, políticas e de cidadania.

Castells (2003) afirma que desde meados da década de 1990, movimentos

sociais já se manifestavam na internet. Percebemos que as ferramentas como as listas de discussão, fóruns, e-mails e grupos de e-mails, aplicativos para dispositivos móveis e as redes sociais digitais possibilitaram uma expansão nas estratégias

comunicacionais e organizativas. As práticas cotidianas nos movimentos sociais são integradas pelos ambientes digitais e auxiliam na expansão da mobilização, alcance, troca de conteúdos, qualificação dos seus membros, formação de outras redes, tomada de decisões, entre outras (SCHERER-WARREN, 2006).

Dessa forma, uma característica particular, presente nos processos midiáticos

digitais dos movimentos sociais relacionada ao ativismo é ser coletivo em redes7. Os coletivos em rede, ao se apropriarem dos ambientes digitais, estabelecem relações, articulações, mediações que potencializam as ações coletivas e suas práticas democráticas por a) aglutinar interesses, interpretar a própria situação em relação a

outros grupos e construir identidades coletivas; b) constituir esfera pública (extensão

do diálogo e da troca de argumentos para listas de discussão e fóruns virtuais); c) promover ativismo político, embates institucionais e partilha de poder; d) estabelecer e acompanhar processos de prestação de contas (MAIA, 2006, p. 337-346).

O uso da internet para a ação coletiva contribui para as inovações

sociopolíticas, renovando processos democráticos, uma vez que os movimentos sociocomunicacionais resignificam a cultura ciberativista, ao desenvolver novas

estratégias de comunicação por meio das redes sociais digitais. Há um ambiente favorável ao ciberativismo, pois a forma como os grupos usam a rede pode

segundo um conjunto de regras e procedimentos para o uso, que requerem certas habilidades e competências de codificação e decodificação (Thompson apud LACERDA, 2012). Enquanto que “apropriação” seria toda e qualquer forma de resistência, de ressignificação de práticas, de tecnologias, de estruturas dominantes que produzam processos de negação da heterogeneidade cultural (MartínBarbero apud LACERDA, 2012). 7 Conforme Ilse Sherer Warren coletivo em rede pode ser entendido pelas conexões estabelecidas através dos processos comunicacionais, de vários atores sociais e ou coletivos, que buscam criar redes comunicacionais solidárias, apoios, articulações ou mesmo estabelecer estratégias de ação conjuntas. Coletivos em rede pode ser a instrumentalização das redes de movimentos, digital ou não, sendo propulsoras de movimentos específicos. Não definem por si um movimento social, mas é parte constitutiva do mesmo (SHERER-WARREN, 2003).

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comprometer as empresas de comunicação quanto à produção das informações e o

apoio ao uso da violência (policial) contra os manifestantes, como foi possível acompanharmos nas ocupações ocorridas em Porto Alegre.

Com a possibilidade de midiatizar as lutas, há uma aderência às redes sociais

digitais, propondo formas de usos e apropriações, em ações de ativismo digital, ou

ciberativismo, nas quais “o ciberespaço traz novas possibilidades, que estão começando a ser utilizadas e cujos efeitos estão começando a aparecer” (MEDEIROS, 2011, p. 14). O ciberativismo é uma forma de ativismo pela internet, na qual sua

principal utilização acontece na divulgação de causas, reinvindicações e na

organização de mobilizações.

Compreendemos as redes sociais digitais como potência para a mediação de

encontros, pois através delas é possível horizontalizar a comunicação e mobilizar

diferentes indivíduos para as manifestações e ocupações dos espaços públicos, ou

seja, a composição e articulação de coletivos através do uso das redes de comunicação

digital para a ação coletiva na ocupação das ruas. Os ambientes digitais das redes sociais, como o Facebook, possibilitaram que sujeitos comunicantes e coletivos, como

o Defesa Pública da Alegria e o Bloco de Lutas, ampliassem os processos comunicacionais sociopolíticos, pois passaram a produzir, distribuir e compartilhar

informações de maneira autônoma, promovendo ações coletivas de resistências e

ocupação dos espaços públicos (MACHADO, 2007; MAIA, 2008). Nesse sentido, os processos midiáticos e as redes sociais digitais têm como potência o engajamento, a

mobilização e a sensibilização dos sujeitos com a coisa pública, marcados pela velocidade e amplitude dos ambientes digitais em que estão inseridos.

Para Castells (2013) as redes sociais digitais possibilitaram ao ativismo

sociopolítico “espaços vivos que conectam todas as dimensões da vida” (CASTELLS,

2013, p. 159). Raquel Recuero (2014) aponta que as trocas se intensificaram: desde a

participação e a legitimação dos discursos, até a natureza dos laços sociais. O espaço para esse tipo de ambiente digital aumentou e se diversificou. O capital social, os processos sociais e os fluxos de comunicação e informação se alargaram.

Os coletivos que compõem a investigação têm em comum com outros

movimentos sociais os usos e apropriações dos ambientes digitais e apresentam

algumas características apontadas por Castells (2013) para esses tipos de 526

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movimentos: a) são concentrados em redes múltiplas; b) tornam-se um movimento

ao ocupar o espaço urbano; c) são locais, mas também globais; d) são espontâneos em

sua origem, geralmente desencadeados por uma centelha de indignação; e) são virais,

não só pelo caráter viral de difusão das mensagens e imagens, mas pelo efeito demonstração de outros movimentos que brotam por toda parte; f) tendem a rejeitar liderança, pela profunda desconfiança em relação a qualquer forma de delegação de poder.

Dessa forma, é importante problematizar os movimentos sociais e as ações que

acontecem no desenvolvimento dos coletivos em rede, bem como os processos midiáticos desenvolvidos nesse ambiente. A ideia de um ambiente como uma

estrutura que potencializa a descentralização de relações, articula grupos e sujeitos comunicantes que estão inter-relacionados diante de uma luta, para pensar as ações

coletivas, em movimentos sociais como O Defesa pública da Alegria e o Bloco de Lutas,

nos provoca a pensar sobre as práticas das construções desses coletivos. Porque “os efeitos das redes podem ser percebidos fora de seu espaço, nas interações com o

Estado, a sociedade ou outras instituições representativas” (MARTELETTO, 2001, p. 81).

Os usos dos sites de redes sociais8 possibilitam que as redes sociais dos MS

fomentem e apoiem as ações coletivas, promovam intercâmbios, tanto realizados pelo

próprio coletivo, quanto por sujeitos apoiadores, simpatizantes, militantes, entre outros. As ferramentas e configurações desses ambientes digitais propiciam a

mobilização em rede, disseminando informações e contrainformações, denunciando violências, entre outros.

Os ambientes digitais dos sites de redes sociais são construídos e elaborados

com configurações e aspectos específicos a fim de expor publicamente conexões entre os usuários e seus interesses. As conexões estabelecidas vão decorrer do próprio uso dos sujeitos comunicantes. As possibilidades dos ambientes digitais abertas para as

É importante dizer que as redes sociais existem muito antes do surgimento da internet, nos diz Castells (2003, p. 7) “foram suplantadas como ferramentas de organização capazes de congregar recursos em torno de metas centralmente definidas”. Pensar as redes sociais a partir da internet é buscar entender os laços estabelecidos entre os sujeitos comunicantes, na perspectiva dos processos sociais, na possibilidade de ampliar vínculos, com maior abrangência, maior ou menor grau de horizontalidade para fins determinados, passando a ser vistas sob o aspecto de uma comunicação global e multifacetada (CASTELLS, 2003).

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redes sociais podem configurar um espaço alternativo para fomentar a participação e

o interesse pela coisa pública, pelas questões sociopolíticas e culturais, pois depende de como cada sujeito comunicante inserido faz uso e se apropria do seu perfil.

Entendemos que pode ser problematizado como um espaço potencial de

aperfeiçoamento dos processos democráticos e como um auxílio aos laços e ambientes sociais pré-existentes, “no sentido de abrir mais uma modalidade de

comunicação que contribui para a formação discursiva da vontade” (MARQUES, 2006, p. 181).

Nesse sentido, há a possibilidade de pensarmos esses ambientes como um

meio que disponibiliza espaços públicos de mediação, por “permite que as informações sejam armazenadas, replicadas e buscadas” (RECUERO, 2009, p.118). As

redes sociais na internet constituem espaços relevantes para a transmissão, configuração e troca nos processos comunicativos fundamentais para os grupos, coletivos e movimentos sociais que delas fazem parte. 3. Algumas Considerações Compreendemos que as ações coletivas propostas pelos MS na

ocupação dos espaços públicos, nos processos comunicacionais e digitais, permitem modificar os fluxos, redefinindo os lugares, recriando condições sociopolíticas

culturais, produzindo novas significações e valores. As táticas de luta, por meio das ações coletivas (como o trancaço de ruas, pular a catraca dos ônibus, recompra do Cais Mauá, desabraço à Prefeitura Municipal de Porto Alegre, entre outras)

observadas e acompanhadas durante o período exploratório em campo, nos

permitem entender que estes “eventos” mudam a ordem das coisas, transformam as rotinas, dando-lhes novas características na tentativa de evidenciar os conflitos, num

espaço social que é construído e que define “fins estranhos ao lugar e a seus habitantes” (SANTOS, 2002, p. 63), que se compõem de fluxos diversos e amplos.

Pensamos que essas táticas de luta podem ser entendidas, também, como

processos comunicacionais dos coletivos, nos quais buscam transmitir informações junto à população ao afetar o espaço social. Expressam e se caracterizam na intenção

de atingir, provocar e sensibilizar as pessoas, a fim de provocar determinadas reações e aderência às mobilizações. Também expressam a construção de uma referência, 528

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uma identidade aos coletivos, que se caracteriza pelos modos de ação, de

posicionamento que os sujeitos comunicantes têm em relação à luta. Ainda evidenciam o contexto sociopolítico e cultural em que as lutas acontecem e se dão.

Observamos que nas interações dos sujeitos comunicantes com as pessoas nas

paradas de ônibus, nas ruas, ou com aquelas que se aproximavam dos atos,

buscavam-se vínculos na tentativa de confiança. O sentimento de partilhar da mesma

luta nos parece dar legitimidade às ações coletivas do Bloco de Lutas. Fomentam a

participação da população, a partir dessas táticas de luta e processos

comunicacionais, numa relação de aproximação e engajamento, entendendo que esta é a forma adequada de resistir e reivindicar os direitos à cidade.

Os coletivos investigados têm, hoje, como meio de comunicação principal, o

Facebook. Entrevistas com sujeitos comunicantes e observações do perfil do Defesa Pública da Alegria apontam que todos os membros do coletivo são responsáveis pela

produção de conteúdo e podem publicar em nome do movimento. A produção do

conteúdo e as publicações não identificam o participante, mantendo o anonimato do sujeito que produz, principalmente porque entendem que é importante para quem os lê, a fim de afirmar uma posição de identidade coletiva. Não interessa identificar

representantes do coletivo, e sim, o que pensam, pelo que lutam, o que reivindicam e como problematizam as questões da cidade. Muitas das mobilizações e

sensibilizações para as ações coletivas foram através do Facebook, contudo, não há uma preocupação de uma interação, de conversação com as pessoas que comentam as

postagens. Em casos específicos produzem materiais impressos, como os cartazes e panfletos, para apoiar ações coletivas, embora não seja uma prática constante.

As observações do perfil e as entrevistas com sujeitos comunicantes do Bloco

de Lutas nos permite alguns entendimentos, que levam a algumas considerações. O Bloco de Lutas tem em sua proposta de ação de luta a organização do trabalho

distribuído em comissões, sendo uma responsável pela comunicação. Esta é

responsável pelas publicações e atualizações nos ambientes digitais (Facebook, Twitter e blog). A rotatividade dos sujeitos que atuam na comissão possibilitou que diferentes meios fossem desenvolvidos, mas com a saída de algumas pessoas, as

estratégias não tiveram continuidade. Também eram produzidos conteúdos para

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outros processos comunicacionais: materiais gráficos, como cartazes e panfletos, faixas de rua, cartas de opinião, releases para imprensa, entre outros.

Entendem o Facebook como um suporte, uma ferramenta e, como tal as

possibilidades estão “em colocar em circulação rapidamente as informações para um

grande número de pessoas, de uma cidade para outra, ou de situações de criminalização do MS ou dos sujeitos” que estão envolvidos nas ações coletivas,

comenta a militante do Bloco de Lutas, ao mesmo tempo em que possibilitou que a polícia mapeasse sujeitos do MS e que estes fossem indicados em processos. Outro

limite apontado pelos entrevistados é relativo a criar a cultura de fazer MS apenas

nos ambientes digitais, no qual muitas pessoas se contentam em dar opinião apenas pelo Facebook e não se engajam nas marchas, nos protestos nas ruas. Antes desses

ambientes digitais, avaliam, as pessoas participavam nas instituições sociais, ou

aderiam às manifestações nas ruas. Para Glória9, é no trabalho de base que a esquerda pode se fortalecer e propiciar que as pessoas se envolvam com as questões da cidade e não se acomodem com a participação apenas nas redes sociais digitais. Essas

questões fazem com que os usos se modifiquem, porque também alteram a capacidade de mobilização e o ânimo político do próprio MS.

Sobre as outras estratégias comunicacionais, vinculadas às ações coletivas

desde as assembleias até as ações diretas, estão todas relacionadas com a própria

forma de funcionamento do MS na relação com a sociedade, através da entrega de panfletos para a população nos atos; de conversas face a face explicando os motivos

para aquela atividade; do uso carro de som no momento das marchas para falar com

as pessoas que acompanham ao dar o “tom” da manifestação; das faixas de rua carregadas que trazem o tema da luta; das artes para serem usadas nos ambientes digitais. Estar nos ambientes digitais possibilitou também relações com outros MS do

tema do transporte, com troca de materiais e informações, e ajudou a constituir outros MS em cidades do interior do Estado, como Santa Maria e Caxias do Sul.

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Militante do Bloco de Lutas que participa da nossa investigação.

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Severinas: significações do bolsa família por meio do relato de usuárias do programa em Palmeira das Missões-RS Naiumy ROANI1 Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul. Resumo: A pesquisa pretende entender e analisar as percepções de beneficiárias do Programa de Transferência de renda do Governo Federal – Bolsa família, residentes em Palmeira das Missões – Rio Grande do Sul acerca de sua participação no mesmo. Busca-se identificar a presença de relatos de processos de autonomia ou empoderamento ligados ao benefício, e também mapear a partir da relação entre as falas das entrevistadas e o minidocumentário Severinas (2013), que foi exibido a elas durante a conversa, relações e semelhanças no cotidiano de cada uma. Para melhor compreender os sentidos produzidos por elas, levando em consideração as mediações presentes em suas realidades, orientamo-nos pelos estudos de recepção, com o auxílio de teorias de gênero e cidadania.

Palavras-chave: Bolsa Família; Recepção; Cidadania; Autonomia; Gênero. 1 Introdução

O Brasil se tornou referência no combate à pobreza extrema e na redistribuição de renda, tendo, em 2014, saído do mapa da fome da Organização das Nações Unidas-ONU. De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário2, entre 2002 e 2013, o índice de brasileiros em situação de subalimentação caiu em 82%. Programas de transferência de renda começaram a se tornar realidade no país ainda em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, por meio do Bolsa Escola, Auxílio-Gás, Bolsa Alimentação e etc. Mas foi no governo Lula (2003) que, com a Naiumy Roani – Graduanda de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen – UFSM. 2 Antigo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Devido ao andamento do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o governo interino fundiu dois ministérios num só. 1

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implementação do Programa Fome Zero e a efetivação da medida provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003, houve a unificação dos benefícios e o surgimento do Bolsa Família, em 2004. O programa é destinado a famílias em situação de pobreza, que tenham renda per capita de R$ 77,00 a R$ 154,00, e extrema pobreza, com uma renda inferior a R$ 77,00 por pessoa. A condicionalidade para se manter no programa consiste em manter as crianças e adolescentes das famílias atendidas com frequência escolar regular, diminuindo a evasão escolar e dificultando a exploração do trabalho infantil, ainda é realizado periodicamente o acompanhamento do desenvolvimento físico e de saúde das mesmas, bem como das gestantes incluídas no cadastro. Objeto midiático de referência deste artigo, o minidocumentário Severinas3, foi produzido pela Jornalista e documentarista independente Eliza Capai e financiado pelo projeto Microbolsas da Agência Pública4. O minidocumentário foi produzido em Guaribas, cidade localizada no estado do Piauí e que foi o município piloto do programa fome zero, possuindo, em 2002, o segundo menor IDH (Índice de desenvolvimento humano) do país. A cidade de Palmeira das Missões, localizada no noroeste do Rio Grande do Sul e escolhida para realizar a pesquisa de campo deste projeto possui 34. 328 mil habitantes e atualmente, segundo dados do Programa Bolsa Família de 2015 e da Prefeitura do município, possui cerca de duas mil e quatrocentas famílias inscritas no programa. A escolha desta cidade se deu devido a fatores como o fácil acesso a informações no Centro de Referência em Assistência Social. Também se levou em consideração a formação sócio-histórica do município desde a sua colonização, da acumulação de riquezas e em especial de terras por uma minoria explica a desigualdade social e econômica existente em quase dois séculos de história. Para análise destes dados coletados, norteamo-nos pelos estudos de recepção, que segundo Escosteguy e Jacks (2005), deve levar em consideração não apenas a mensagem, mas também as mediações, o contexto e relações nos quais os sujeitos estão inseridos, ainda, elementos identitários servem de referência no processo de recepção. Ronsini (2011) também nos diz que a recepção é uma forma de produzir teorias por meio do encontro desse conhecimento já existente com a realidade. Da mesma forma, teorias sobre as relações de poder entre os gêneros se mostram pertinentes para a pesquisa, pois Poynton (1989) afirma que a identidade submissa é inerente ao sexo feminino desde seu nascimento, e que ao seu redor formam-se cenários de sentidos que só virão para reforçar estereótipos que farão parecer mais natural sua posição de inferior. Igualmente, conceitos de cidadania e https://www.youtube.com/watch?v=vt62puheABw Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo sem fins lucrativos, que financia reportagens que tenham um cunho social e de interesse público. Fundada em março de 2011 pelas jornalistas Natália Viana e Marina Amaral, a agência se mantém através de doações e apoiadores, como a Fundação Ford. http://apublica.org/quem-somos/

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autonomia relacionados ao Bolsa Família são relevantes para a problematização teórica da investigação, pois de acordo com Rego e Pinzani (2014, p. 215) o programa “pode ser visto como política de urgência moral, capaz de estabelecer as condições mínimas para o desenvolvimento de autonomia ética e política” de seus beneficiários. 2 Referencial Teórico

2.1 Gênero e Relações de Poder

Pode-se dizer que o sistema patriarcal é inerente a uma sociedade – considerando o Brasil – onde a religião predominante é a cristã, cujo seguidores se baseiam na crença de que a mulher, feita da costela de um homem, se não for inferior a ele, é menos capaz, precisando da figura masculina para conduzir uma família, ou a ela mesma. o problema universal da subordinação da mulher ao homem onde de fato ele se encontra, ou seja, nas relações sociais entre homens e mulheres e não nas mulheres, como uma categoria à parte, do mesmo modo que não nos homens. O problema social da subordinação da mulher não está na mulher, assim como o problema étnico não está no negro ou no índio, nem o problema da terra ou de moradia está no agricultor ou no sem-terra. Está nas pretensas formas de organização e de convívio, isto, é, de exploração e dominação criadas, mantidas e atualizadas pelas sociedades que, através dos tempos, legitimam a ‘superioridade’ e a consequente dominação dos homens sobre as mulheres, dos brancos sobre os negros e índios, e da classe dominante sobre a classe popular (VIEZZER apud LOPES, 2000, p. 94).

A ideia de que o homem é a figura central num núcleo familiar vem sendo perpetuada há séculos, a formação social brasileira é fruto de uma cultura escravocrata, com detenção de bens e acumulação de riquezas por poucos privilegiados, caracterizando a inferiorização de etnias e gênero, onde a ordem imposta era de superioridade pelo poder de produzir e manter a existência. Somente depois de muito tempo os papéis começam a ser questionados, quebrando alguns estereótipos que de tão banalizados, já eram considerados naturais na estrutura social e nos papéis desempenhados no núcleo familiar e na sociedade. Há uma grande contradição em determinados períodos da história, sendo possível verificar uma variação entre as políticas aplicadas em relação aos direitos sociais e o espaço que a mulher ocupa na sociedade, se por um lado, é perceptível a preocupação com a defesa da autonomia e valorização do trabalho, mesmo que de forma precária ou só no papel, por outro, se sobressaia o interesse relativo à defesa da família tradicional onde a mulher é submissa e com um papel de cuidadora do lar e dos filhos, neste sentido:

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Atuar em grupos feministas implicava, então, o deslocamento da mulher do espaço privado e controlado de seus lares para o espaço público e dominado por forças que nem sempre se encontravam sobre o controle dos personagens que exerciam poder direto sobre elas, como o pai, o marido ou o patrão. As mulheres com maior acesso e poder para a mobilização e a ruptura com os padrões tradicionais de dominação foram as consideradas classes médias e intelectualizadas. Isso instigava um tipo de crítica da esquerda sobre o movimento: o de que as possibilidades de transformação do mundo impulsionadas por essas mulheres passavam por uma dimensão de classe que nem sempre iria ao encontro da alteridade popular feminina. (MÜLLER, 2013, p.123).

A entrada em vigor da atual Constituição da República, década de 1980, significou larga ruptura com o modelo de Estado Autoritário que vigorava até então e a reconquista plena dos direitos fundamentais, inaugurando-se um novo modelo de Estado denominado “Estado Democrático de Direito”, fundado em valores democráticos e que consagra a dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos, trouxe a tona toda a problemática de gênero e foi nos anos 1980 que “o movimento feminista especializou-se, passou a militar em organizações não governamentais e absorveu uma postura mais técnica” (Müller, 2013, p.124). Assim as mulheres passam a reivindicar direitos e conseguem estrategicamente interferir na Constituição Federal de 1988 na tentativa de conquistar igualdade de condições de trabalho e remuneração entre mulheres e homens, ainda conquistaram políticas publicas que atendessem as necessidades e especificidades do gênero. Na intenção de refletir nas políticas públicas essa “ascensão” da mulher na sociedade, os programas de transferência de renda do governo federal, como o Bolsa Família são de titularidade5 das mulheres, conforme previsto pelo Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Ao optar pela mulher como responsável por receber o benefício, o Bolsa Família se transformou num importante instrumento de autonomia e “empoderamento” das mulheres. Esse gesto simples representa independência, autonomia e cidadania para muitas delas (MDS, 2007).

2.2 Cidadania e Comunicação

Num país com histórico de desigualdade social que é resultado de séculos de descaso e da não aplicação de politicas públicas, onde cerca de 30% da riqueza pertence a menos de 1% da população, fornecer serviços básicos e de qualidade a parcela menos privilegiada da população não é uma tarefa fácil. “Para além da dimensão dos direitos previamente reconhecidos com as conquistas legais, a Art. 23-A. O titular do benefício do Programa Bolsa Família será preferencialmente a mulher, devendo, quando possível, ser ela previamente indicada como responsável pela unidade familiar no ato do cadastramento. (Decreto n. 7013, de 19 de novembro de 2009). 5

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cidadania também diz respeito ao processo de lutas específicas e de práticas concretas que possibilitam ao sujeito se tornar um cidadão” (GUINDANI, et al.,p, 96). E, mesmo o país estando em um patamar avançado em sua legislação e nas propostas de políticas sociais, a década de 1990 foi um período em que o Brasil passava por crises econômicas e sociais, consequências de crises políticas e governamentais que agravaram a miséria, o desemprego, a falência da saúde pública e do sistema de ensino causando grandes danos à sociedade brasileira. O alto índice de analfabetismo culminava com a estagnação do crescimento econômico agravando a miséria e as desigualdades sociais. Considerando que: Nas sociedades modernas, a pobreza não é somente o estado de uma pessoa que carece de bens materiais; ela corresponde, igualmente, a um status social específico, inferior e desvalorizado, que marca profundamente a identidade de todos os que vivem essa experiência (PAUGAM, 2003, p. 45).

Não se pode deixar de problematizar, que a cidadania trata-se não apenas de um conjunto de direitos e deveres que são impostos aos sujeitos, mas também de todas as suas relações que contribuem na construção e identificação do indivíduo em grupos que o façam sentir integrados neste “conceito”, pois como nos diz Albuquerque (2012, p. 63) “a cidadania precisa ser percebida como resultado de um produto composto que vai do individual ao coletivo, numa dimensão política, social e cultural”. Partindo do pressuposto de que a informação é essencial para a emancipação dos cidadãos, temos que os meios de comunicação tem um papel essencial nessa promoção, é função do jornalismo servir ao interesse público e ir de encontro às pautas que contribuam para a construção de uma sociedade menos desigual e mais justa. como a sociedade espera do jornalismo o relato veraz dos acontecimentos, e a explicação isenta de fatos e contextos, exige-se que os comportamentos do jornalismo tenham motivos vinculados não a algum dos interesses particulares em jogo, mas ao tão falado interesse público - para que, no dia seguinte, a própria atualidade tenha desdobramentos convenientes à sociedade (CHAPARRO, 2012, p.1-2).

Pensando num modelo de comunicação que atenda ao interesse público, trazemos para nossa pesquisa o minidocumentário Severinas, financiado pela Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo, que tem apostado em temas de interesse público e que estejam ligados aos direitos humanos. A agência oferece

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bolsas para que jornalistas contem histórias6 e através disso, produzam material que contribua com as pautas de uma parcela da população. É importante pensar que, devemos formar cidadãos cientes de seus direitos e deveres, levando em consideração suas particularidades como indivíduos, suas diferentes concepções de mundo, realidades grupos e etc, para que possam assim ser protagonistas de sua própria emancipação. 2.3 Estudos de Recepção

Durante muito tempo nos estudos da comunicação, os sujeitos envolvidos nos processos midiáticos foram considerados passivos. Um claro exemplo disso é a teoria hipodérmica, que surge na década de 1930 nos Estados Unidos, com intuito de analisar os efeitos que propagandas causavam nos públicos, acreditando que tudo aquilo que os meios mostravam era digerido da mesma forma por todas as pessoas, sem que fossem levados em considerações fatores externos – como classe, etnia, sexo e etc. – que envolvem o receptor da mensagem. Eles apenas reagiriam aos estímulos, sem questionar aquilo que era recebido, movidos por suas experiências individuais. Mais tarde, Lasswell (1948) propõe modernizar essa teoria, e a partir de então os fatores antes ignorados, como quem diz o quê, onde, por meio de que canal e com que efeito, começam a ser levados em consideração no processo de significação das mensagens, e percebe-se que o receptor decodifica e interpreta aquilo que recebe de acordo com diversos fatores ao seu redor, tendo a capacidade de concordar ou não, movido por suas concepções de mundo, ideologias, opiniões, etc (MALDONADO; FOLETTO; STRASSBURGER, 2014). No ano de 1973, como uma variante dos Estudos Culturais, o jamaicano Stuart Hall vem nos dizer que o problema de teorias como a hipodérmica, está no fato de que se vê a comunicação como perfeita, e questiona essa ideia de linearidade e de que tudo que se diz vai chegar a todas as pessoas com um único sentido, pois o significado não é fixo. De que não existe uma lógica determinante global que nos permita decifrar o significado ou o sentido ideológico da mensagem contra alguma grade. A noção de que o sentido sempre possui várias camadas, de que ele é sempre multireferencial (HALL, 2003, p. 392).

Por seu turno, estudos de recepção de linha latino-americana vêm nos reafirmar que o receptor é ativo, e que mediações são essenciais no processo de significação que indivíduo faz. Cada sujeito interpreta e produz sentidos sobre a mensagem de acordo com seu lugar no contexto social. Nesse sentido, na pesquisa de “Reportagens de fôlego pautadas pelo interesse público, sobre as grandes questões do país do ponto de vista da população – visando ao fortalecimento do direito à informação, à qualificação do debate democrático e à promoção dos direitos humanos.”

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recepção, são necessários procedimentos que “considerem as particularidades dos contextos, das culturas, das linguagens e das modalidades comunicativas dos sujeitos cuja recepção/produção midiática queremos entender” (BONIN, 2014, p. 47). Segundo Escosteguy e Jack (2005, p.67) “as mediações estruturam, organizam e reorganizam a percepção da realidade em que está inserido o receptor, tendo poder também para valorizar implícita ou explicitamente esta realidade”. No Brasil, quando a tais estudos começaram a ganhar espaço, pensava-se muito no processo de recepção puramente ligado à televisão. Atualmente, os estudos vêm sendo feitos e levam em consideração a recepção dos mais diversos produtos midiáticos. A recepção é um processo e não um momento, isto é, ela antecede e prossegue ao ato de ver televisão. Assim, o sentido primeiro apropriado pelo receptor é por este levado a outros “cenários” em que costumeiramente atua (grupos de participação). Imaginamos, então, que a mensagem de telenovela é reapropriada várias vezes e que, portanto, os espaços de circulação da telenovela devem ser metodologicamente incorporados na pesquisa. (LOPES, 2015, p. 10)

Escosteguy e Jacks (2005) argumentam que devemos levar em consideração não apenas a mensagem, mas também as mediações, o contexto e relações dos sujeitos, ainda, elementos identitários, ou seja, características que compõe grupos nos quais os indivíduos estão inseridos, também servem de referência no processo de recepção. Martín-Barbero trouxe a tona à questão da cotidianidade familiar, argumentando que a família é um dos locais mais importantes de mediação no processo de recepção e no sentido que daremos a qualquer mensagem. A cotidianidade é o espaço em que as pessoas se confrontam e mostram como verdadeiramente são, através das relações sociais e da interação dos indivíduos com as instituições. A cotidianidade familiar é uma das mais importantes mediações para a recepção dos meios de comunicação, pois a família representa um lugar de conflitos e tensões que, reproduzindo as relações de poder da sociedade, faz com que os indivíduos manifestem seus anseios e inquietações. (RONSINI, SILVA, WOTTRICH, 2009, p. 3).

Assim, no âmbito da pesquisa de recepção, buscamos cartografar as vozes, percepções, sentidos e visões de mundo de beneficiárias do programa Bolsa Família, mobilizados pelo minidocumentário Severinas, bem como pelas demais mediações que se fazem presentes nos relatos coletados.

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3 Procedimentos Metodológicos Pensando numa pesquisa que busca identificar na fala e nas reações das beneficiárias, inter-relações com o produto midiático de referência, o método qualitativo parece contemplar o objetivo deste trabalho. Segundo Godoy (1995), “a pesquisa qualitativa ocupa um reconhecido lugar entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações sociais, estabelecidas em diversos ambientes”, possibilitando conhecer melhor o indivíduo participante da proposta e qual papel ocupa na dinâmica social e familiar. Muito além de captar dados, o presente trabalho pretende analisa-los sob a luz das teorias já citadas anteriormente. A técnica desta pesquisa consiste em entrevistas semi-estruturadas com beneficiárias do Programa de Transferência de Renda do Governo Federal – “Bolsa Família” residentes em Palmeira das Missões-RS. Para sua execução foi elaborado previamente um roteiro de perguntas, dividido em três blocos: Perfil, mídia e bolsa família. Cabe ressaltar que o terceiro bloco de perguntas foi aplicado logo após a exibição do minidocumentário, intitulado Severinas, que é objeto midiático de referência desta pesquisa, com o intuito de identificar nele pontos de relação com a vida e ao cotidiano dos sujeito entrevistados. As entrevistas foram realizadas na casa de cada beneficiária, em data escolhida por elas, dentro dos limites do cronograma da pesquisa, tendo somente o áudio captado por meio de gravadores e/ou celulares. Um diário de campo também foi escrito logo após cada uma das visitas, a fim de anotar falas que venham com maior expressão, bem como gestos ou situações que não possam ser registradas só pelo áudio. Foram entrevistadas quatro mulheres, Vitória7 (53 anos), Janaína (17 anos), Elena (50 anos) e Karen (25 anos). O critério de escolha levou em consideração a disponibilidade e interesse de cada uma delas em participar desta pesquisa. Procurou-se também entrevistar mulheres com diferentes faixas etárias. Acreditamos que a entrevista semi-estruturada é a técnica utilizada que melhor atende a proposta do trabalho, pois temos que: Entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados. Nesse caso, se forem bem realizadas, elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo, o que, em

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Para preservar a identidade das entrevistadas, optou-se por usar nomes fictícios.

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geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados. (DUARTE, 2004, p. 215).

A análise da entrevista vai além da fala, pois é possível perceber as expressões e gestos que fornecem informações mais amplas sobre os entrevistados, que evidenciam situações e comportamentos implícitos, que não serão expressos em palavras e são informações que devem ser apreendidas para garantir a qualidade do trabalho. Portanto, a entrevista vai além das respostas faladas e possibilita entender a dinâmica e as relações sociais das pessoas envolvidas de forma abrangente.

4 Significações Das Beneficiárias

Analisando atentamente as falas das entrevistadas, decidiu-se categorizar esta análise em três temas, norteando-nos pela frequente presença dos mesmos no relato de ambas, são eles: Expectativas para o futuro; Autonomia e Informação e Consumo de bens. Os temas em questão também aparecem no minidocumentário exibido às beneficiárias. Das quatro entrevistadas, duas são mãe e filha. Neste caso, optou-se por duas mulheres da mesma família, porque, embora façam parte do mesmo ambiente familiar, são nítidas as diferentes experiências e concepções acerca dos mesmos assuntos no contexto em que estão inseridas.

4.1 Perfil das entrevistadas NOME Vitória IDADE 53 PROFISSÃO Doméstica ESCOLARIDADE Nãoalfabetizada ESTADO CIVIL FILHOS BAIRRO

Fonte: Autoria própria.

Divorciada 5 Pro Morar I

Janaína 17 Estudante Cursando ensino médio e magistério Solteira 0 Pro Morar I

Elena 50 Doméstica Ensino fundamental incompleto Casada 2 BR 468 KM-4

Karen 25 Doméstica Ensino médio incompleto

Solteira 2 Santa Catarina

Embora já haja um recorte pré-estabelecido na questão de classes, optou-se por escolher mulheres com diferentes idades e estados civis, para que a pesquisa ficasse mais diversificada em questão de dados das vivências e percepções de cada uma.

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4.2 Expectativas para o futuro

A principal ligação entre o benefício do programa bolsa família e a categoria escolhida, é uma de suas condicionalidades: manter os filhos com frequência escolar regular. Na visão das entrevistadas, isso possibilita que eles tenham chances de construir um futuro mais sólido, diferente do delas. As condicionalidades são necessárias porque é preciso garantir condições e também incentivar as famílias pobres a aproveitarem as oportunidades disponíveis. Mas porque seria necessário incentivar uma família a realizar uma ação que deverá reduzir sua pobreza? A família não deveria agir em benefício próprio? Várias razões podem levar as famílias pobres a nem sempre agirem no sentido de reduzir sua pobreza futura. A mais evidente é a necessidade imediata, que as leva a se comportarem de forma míope, dando uma atenção maior às suas condições de vida atuais que às futuras. [...] Se a família não tomar atitudes nem praticar ações para aproveitar as possibilidades de investir em seu futuro, ela perde o direito à transferência que sua pobreza lhe garantia. Dessa forma, as condicionalidades são um incentivo para que as famílias aproveitem as oportunidades disponíveis. (BARROS, CARVALHO, 2006, p.33).

Pelo relato das pesquisadas, o fato de seus filhos concluírem pelo menos o ensino médio, já é uma grande conquista. Quanto ao ensino superior, parece algo ainda muito distante de suas realidades, embora Vitória tenha demonstrado grande interesse e já vislumbre uma futura graduação para Janaína. Enquanto a mãe, Vitória, 53, é doméstica e não alfabetizada, a filha Janaína, 17, cursa ensino médio e magistério. Vitória se casou aos 15, e teve seu primeiro filho aos 16, Janaína já com 17, ainda não pensa em relacionamentos ou filhos. Ambas têm diferentes concepções sobre seus papéis enquanto mulheres na sociedade, sobre o que o futuro lhes reservou e reserva, e sobre autonomia própria, sem depender de terceiros. Durante a entrevista, realizada com mãe e filha juntas, Vitória dizia que espera que o futuro da filha seja diferente do seu. Durante a exibição do Severinas, em trechos onde as personagens falavam do quanto manter os filhos na escola era importante para a construção de um futuro com mais oportunidades, Vitória olhava repetidamente para Janaína, como se as palavras do vídeo viessem para reafirmar aquilo que ela tenta passar para a filha. Em determinado momento da exibição, Vitória disse: “Tô que nem aquelas moça do nordeste, não quero pra minha filha o que eu já passei”. Da mesma forma, Elena, 50, vê no benefício uma forma de manter os filhos na escola, e mais tarde lhes proporcionar um curso profissionalizante oferecido pelo programa dando-lhes, consequentemente, um futuro melhor do que o seu. Karen, hoje com 25, foi mãe aos 16. Com dois filhos ainda pequenos, ela também percebe a importância de fazer com que eles permaneçam na escola. “Eu mesma, podia ter continuado. Não ia ser fácil, mas nunca pensei que ia precisar tanto. 542

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Eu não reclamo do meu serviço, de jeito nenhum. Mas eu podia ter ido mais longe, eu era inteligente”. A fala das interlocutoras demonstra uma preocupação com o futuro dos seus filhos, encontrando na formação educacional um espação de crescimento pessoal e econômico deles, dialogando com uma das diretrizes do programa Bolsa Família, garantir acesso à educação. 4.3 Autonomia e informação

Durante as entrevistas e a exibição do Severinas, quando questionadas sobre o consumo midiático e que conteúdos recordavam ter visto sobre o Bolsa Família nos meios de comunicação, todas as entrevistadas relataram não ter “lembrança” de algo realmente importante, que as tenha marcado de alguma forma. Desde informações básicas sobre o programa, até mesmo algo mais aprofundado, não foi citado por nenhuma delas. Elena contou que, todas as dúvidas relacionadas ao benefício eram tiradas presencialmente, no CRAS ou no posto de saúde do município: “Não, porque tem a pesagem deles que eu tenho que levar, né. Daí eu sei pela pesagem né. É uma vez por mês. Porque se tu não fizer a pesagem né, daí não.” Podemos constatar aqui, através do relato das beneficiárias, que parte dessa autonomia está pouco ligada com a informação veiculada no que chamamos de “grande mídia”. Por outro lado, temos no exemplo de dona Vitória e de sua filha Janaína, a oportunidade de se informar por meios que não sejam os tradicionais, como a internet. Vitória, há cerca de oito meses, consegue pagar por uma conexão de internet, pois segundo ela era necessário parar ajudar nos estudos da filha. Hoje, Janaína procura notícias por meio de portais, se informa no Facebook. Segundo Rego e Pinzani (2014), o benefício trouxe as mulheres uma forma de autonomia, deu a elas oportunidades de mudar seus próprios futuros e de suas famílias, mas que apesar disso, ainda está muito presente em suas socializações que elas foram feitas para servir, ser a figura secundária da família. Esse pensamento começa a ser rompido na medida em que elas percebem que podem manter a casa sozinhas, sem um marido, como é o caso de Vitória e Karen, e podem ensinar a seus filhos, e principalmente filhas, que seu papel na sociedade está além do de servir a um homem em troca de segurança. Karen, que teve seu primeiro filho com 16 anos, disse que via em seu companheiro certa segurança, mesmo levando em consideração o fato de que o mesmo fazia apenas bicos e costumava gastar com bebida e coisas que não fossem para a casa. Logo que ela recebeu o cartão do benefício, e percebeu que com o dinheiro que conseguia fazendo faxina mais a renda do bolsa família conseguiria viver dignamente, ela “mandou ele pra longe”. Quando perguntada se ela conseguia

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enxergar alguma semelhança entre sua própria vida e os relatos do Severinas, Karen diz

Ah, eu vejo, né? Os homem parece que tudo trata mal a gente. Parece que a gente é bicho, não gente. Ali as coisas são mais difícil um pouco, a casinha mais judiada. Eu, mesmo com dificuldade, tenho um calçadinho fechado pras criança ir na escola. E também por causa desse dinheirinho. Também quero que meus filho estude pra sair dessa vida. Pra não passar necessidade nenhuma igual acontece as vez.

Van Parijs (1995) nos traz um conceito interessante que chama de liberdade real, onde argumenta que ela é composta por três elementos: segurança, domínio de si e oportunidade. Pudemos enxergar na fala de todas as entrevistadas a presença destes três elementos, pensando que, o dinheiro extra do benefício lhes dá certa segurança, pois como disse Elena “Mas eu, me ajudou, e eu trabalho a semana inteira pra fora, e me ajuda. É um dinheiro que vem a mais, né. Que tu pode contar com aquele dinheiro, ele tá ali e não é toda semana que tem faxina né, então esse é garantido todo mês”. Já, com uma fala de Karen, podemos ver que o BF lhe proporcionou certo domínio sobre o próprio destino, já que pode escolher se separar e cuidar sozinha de seus filhos, “Mudou que eu consigo me sustentar sozinha agora, nem de homem preciso mais. Mandei embora. [...] Hoje eu consigo compra a comidinha, umas roupinha, sabe”. Ainda, na questão da oportunidade, como já comentado no item anterior, vemos Vitória incentivando a filha a dar continuidade nos estudos e investindo o dinheiro do benefício para ajudar a filha a conquistar um futuro com mais oportunidades. 4.4 Consumo de bens

Me ajudou, ajudou bastante. Ih, ajudou. Eu sempre usei pra, comprava roupa, sempre usei pra pagar prestação de roupa e calçado deles. Até pra comprar material escolar eu já usei. Era o que eu tinha pra comprar as coisas diferentes, porque eu tinha arroz e feijão. Aí, com o bolsa, as crianças queriam um docinho e eu podia comprar. Comigo também foi assim, e é até hoje. (Vitória, 50).

Somente no ano de 2012, cerca de 3,5 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza8, e o acesso a bens de consumo ficou mais fácil para essa parcela da população. Rego e Pinzani (2014) argumentam que, numa sociedade capitalista, a renda está diretamente ligada com a autonomia dos indivíduos. As entrevistadas relataram que hoje tem acesso a bens além do arroz e do feijão. O dinheiro do benefício se divide entre custear os materiais escolares e uniformes das crianças, e comprar “uma coisinha diferente pra comer”, como relatou Elena.

http://oglobo.globo.com/economia/acesso-bens-cresce-mais-rapido-que-servicos-publicos-diz-ipea10214934 8

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Muitas vezes, para que de fato nos sintamos integrados em determinados grupos, precisamos consumir coisas em comum, nos tornamos sujeitos de determinado grupo social por consumirmos o mesmo que as pessoas ao nosso redor, pois como nos diz García-Canclini (1997), “Ao consumir também se pensa, se escolhe, se reelabora o sentido do social”, e isso, consequentemente contribuiu para que todos os indivíduos se sintam menos a margem e mais parte da comunidade.

Ele já chegou a querer pegar o dinheiro do Bolsa, mas eu nunca dei. Nunca entreguei. Ele nunca sabe quanto que eu ganho, nunca chegou a saber, porque se chegar... Já é um mal sinal ele não comprar as coisas em casa, né? Ele não compra nada. Arroz e feijão às vezes, cada dois mês. É com isso que eu consigo comprar umas coisinhas pra comer fora de horas, e que não seja arroz, feijão e massa. (Vitória, 53)

De acordo com Dagnino (2006, p.403) “Ser um cidadão passa a significar uma integração individual ao mercado, como consumidor e como produtor.” Enxergamos aqui mais uma dimensão do conceito de cidadania, que estabelece espécies de contratos onde indivíduos têm de seguir determinadas regras ou mesmo consumir determinados produtos para que se sintam integrados aos demais. 5 Considerações Finais

Pudemos observar que as percepções de ambas sobre sua participação no programa são bastante parecidas. Que não somente houve relatos de processos de autonomia ou empoderamento que estão diretamente ligadas ao benefício, assim como acontece no objeto midiático de referência, mas que eles foram frequentes nas falas de cada uma delas. Notamos também, ao exibir o minidocumentário, que as mulheres não se veem/sentem representadas no conteúdo jornalístico a que tem acesso – todas disseram assistir ao Jornal Nacional –. Elas se sentem incomodadas com o estigma de que quem recebe o benefício não trabalha, e só vive à custa do governo, e consideram importante que isso seja esclarecido para que elas não sejam vistas como pessoas diferentes do demais. A partir desta pesquisa podemos concluir que o Bolsa Família tem cumprido seu papel no auxilio a famílias na linha da pobreza, possibilitando que tenham, no mínimo, acesso ao básico para sua sobrevivência e como consequência desta permanência, contribuindo para a construção de um futuro com bases mais sólidas para elas e suas famílias. Mas, muito além disso, podemos considerar que o programa tem contribuído para que a perpetuação de uma cultura patriarcal, onde a mulher é subserviente ao companheiro, possa ser questionada e transformada. Ainda, que as beneficiárias entrevistadas em Palmeira das Missões têm alcançado uma autonomia

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individual, dependendo menos de seus companheiros e, consequentemente, tendo uma maior decisão sobre seus destinos. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, M. Z. A comunicação cidadã na mídia digital: concepções e realizações dos sites MNDH, DH NET e Conectas. 2012. 168 p. Dissertação (Mestrado em Ciência da Comunicação) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012. BARROS, R. P.; CARVALHO, M.. Proteção social efetiva com porta de saída. In: LEVY, P. M; VILLELA, R. (org). Uma agenda para o crescimento econômico e a redução da pobreza. IPEA, Texto para discussão, 1234, nov. 2006.

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Naiumy Roani, 22 anos, natural de Pato Branco-PR. Acadêmica do 8º semestre de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen. Desenvolveu o interesse pela pesquisa na disciplina de Metodologia, ministrada pelo Prof.º Dr.º Rafael Foletto. Interesse especial em pesquisas na linha da recepção, com mulheres ou grupos tidos como minorias na sociedade e do jornalismo cultural. E-mail: [email protected]

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A pesquisa de recepção da publicidade com o público idoso: uma introdução1 Ana Luiza ÁVILA2 PPGCOM/UFRGS, Porto Alegre, RS. Resumo Segundo dados do IBGE, o Brasil se tornará um país de idosos em 40 anos. Partindo deste cenário e da importância dos estudos de recepção da publicidade, identificou-se a necessidade do levantamento de um estado da arte da pesquisa em comunicação que considerasse o idoso e suas relações com o discurso publicitário. O objetivo deste trabalho é explorar o estado da arte da pesquisa brasileira sobre a relação entre a publicidade e o público idoso na área da comunicação entre 2010 e 2015. O método utilizado é a pesquisa bibliográfica (STUMPF, 2009), e corpus é composto pelas teses e dissertações produzidas no Brasil entre os anos 2010 e 2015. Palavras-Chave: Publicidade; Recepção; Consumo; Idoso; Terceira Idade. 1 Introdução à pesquisa sobre o idoso e a publicidade A publicidade é o ato de tornar conhecido determinado serviço, produto ou organização, sempre com um fim comercial, incitando à sua adesão ou consumo. Desta forma, pode-se dizer que a prática publicitária está intimamente relacionada ao modo de produção capitalista e funciona como engrenagem fundamental na sociedade de consumo. A publicidade está presente no cotidiano das pessoas e atua no comportamento do consumidor promovendo seus valores sociais e culturais como forma de legitimar o ato da compra (ROCHA, 1995), nessa perspectiva é possível afirmar que o discurso publicitário não cria novos imaginários sociais, mas apropria-se deles para gerar novos hábitos. À medida que a juventude tornou-se a idade-padrão da sociedade contemporânea (BARROS, 2006), tanto as produções acadêmicas, quanto as de

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Trabalho submetido à III Jornada Gaúcha de Pesquisadores de Recepção, na categoria do GT sobre Publicidade.

Mestranda em Comunicação e Informação pela Fabico, UFRGS, email: [email protected].

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mercado, têm seus esforços direcionados a pesquisar e instigar as práticas de consumo deste público, em detrimento de outras faixas etárias. Contudo, o Brasil iniciou um processo de inversão na pirâmide etária, com o aumento da população acima dos 60 anos e diminuição de outros grupos. Em 2030, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de idosos com 60 anos ou mais será maior do que o de crianças com até 14 anos e, em 2055, a participação da terceira idade na população total do país será maior que a de indivíduos com até 29 anos. A expectativa é que esse número triplique nos próximos anos, chegando a 63,2 pessoas com 60 anos ou mais para cada 100 em idade potencialmente ativa em 2060. Partindo deste cenário e da consciência da importância dos estudos de recepção da publicidade, o objetivo deste trabalho é explorar o estado da arte da pesquisa brasileira sobre a relação entre a publicidade e o público idoso na área da comunicação entre 2010 e 2015. Ao se pensar a terceira idade parte-se, inevitavelmente, de modelos de representações sociais que circulam em nossa sociedade, como a existência de sinais físicos e psicológicos de envelhecimento, atitudes que são constantemente atribuídas ao idoso, como ter experiência de vida, entre outras características. Simone de Beauvoir aponta que “não reconhecemos a velhice em nós, nem sequer paramos para observá-la, somente a vemos nos outros, mesmo que estes possuam a mesma idade que nós” (1970 : 40). No Brasil, a delimitação etária desta etapa da vida parte de padrões pré-estabelecidos pela Organização das Nações Unidas, que desde 1982 considera idoso o indivíduo que possuir 60 anos ou mais. No Brasil, a Lei nº 8.842/94, em seu art. 23, inciso I, adota essa mesma faixa etária como entrada na velhice. Apesar desta demarcação cronológica já estar incorporada na sociedade Brasileira no século XX, ela ainda não era tomada como questão social, foi a partir da constituição de um novo campo do saber, a gerontologia, que as representações da velhice foram conformadas, produzindo uma nova categoria social de “idosos” (DEBERT, 1999).

Em 1991, a Assembleia Geral da ONU adotou o Princípio das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas, enumerando 18 direitos das pessoas idosas – em relação à independência, participação, cuidado, autorrealização e dignidade. No ano seguinte, a Conferência Internacional sobre o Envelhecimento reuniu-se para dar seguimento ao Plano de Ação, adotando a Proclamação do Envelhecimento. Seguindo a recomendação da Conferência, a Assembleia Geral da ONU declarou 1999 o Ano Internacional do Idoso4.

Com o direito à aposentadoria, a terceira idade passou a ser representada como um período de gratificação, a “melhor idade”, em que o indivíduo tem a

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8842.htm. Acesso em 18 de agosto de 2016. A ONU e as pessoas idosas. Disponível em https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-idosas/. Acesso em 18 de agosto de 2016. 3 4

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possibilidade buscar o prazer e realização pessoal após anos de dedicação ao trabalho e à família.

[...] a terceira idade substitui a velhice; a aposentadoria ativa se opõe a aposentadoria; o asilo passa a ser chamado de centro residencial, o assistente social de animador social e a ajuda social ganha o nome de gerontologia. Os signos do envelhecimento são invertidos e assumem novas designações: “nova juventude”, ”idade do lazer” (DEBERT, 1999, P. 61).

De certa forma, a aposentadoria proporcionou a este público maior poder aquisitivo e, o entendimento desta etapa da vida como uma idade de gratificações e possibilidades, estimulou a criação de bens e serviços que dessem conta das novas necessidades do idoso. A partir de um processo de mudança na organização social, no qual o consumo pode ser compreendido como um conjunto de processos socioculturais onde realizam-se a apropriação e o uso de produtos e, ao mesmo tempo, se exerce a cidadania (Canclini, 1999), compreende-se que a reconfiguração da vida urbana propicia um reordenamento dos atores políticos tradicionais. Ou seja, ao pensar a terceira idade conforme Debert (1999) e suas potencialidades enquanto agentes consumidores, fica claro que a comunicação tende a modificar-se na mesma proporção. O consumo e sua influência sobre as referências sociais de pertencimento, afeta não somente a identificação dos sujeitos com determinados hábitos culturais, mas também atravessam o modo como atuam enquanto cidadãos. Como consequência de seus novos direitos e de uma reconfiguração social, que propõe uma visão positiva da velhice, o idoso passou a ter um maior poder aquisitivo e de decisão nas compras. Ou seja, à medida em que o país vem se tornando majoritariamente idoso e, considerando a importância da publicidade e da mídia como disseminadores de práticas e valores sociais, fica evidente a relevância e a necessidade de refletir e discutir as relações deste público com a publicidade e suas representações. 2 O estado da arte pesquisa brasileira de recepção da publicidade

A publicidade atua através dos meios de comunicação, divulgando um bem ou serviço, com a finalidade de promover o lucro para determinada organização ou instituição. A prática publicitária é alvo de muitas críticas denuncistas que implicam à ela o título de ferramenta manipuladora do capitalismo, que busca enganar os sujeitos com a finalidade de alimentar a indústria de bens de consumo. Contudo, pensá-la sob esta perspectiva é reduzir os indivíduos a meros receptáculos acríticos, sem considerar seus contextos socioculturais, interesses, gênero, entre diversos outros fatores que influenciam na interpretação e produção de sentido que são atribuídos por eles a qualquer produto midiático. Para compreender a relação dos sujeitos com as mensagens midiáticas, a análise da recepção é imbricada nos Estudos Culturais e “se configura como um 552

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modelo teórico-metodológico para analisar os processos interpretativos de recepção” (JACKS; ECOSTESGUY, 2005, p.101). A pesquisa em recepção da publicidade ainda carece de produção intelectual, uma vez que muitos trabalhos acadêmicos são realizados a partir de uma perspectiva funcional dos meios de produção ou da análise do discurso, sem levar em consideração os processos de significação atribuídos aos anúncios. Em levantamento realizado por Jacks (2001), foi possível identificar a carência de pesquisas na década de 90 que abordassem os estudos de recepção da publicidade em seus temas de estudo: foram somente três trabalhos. Já em levantamento realizado por Piedras (2014) que contemplava a produção acadêmica de teses e dissertações produzidas nos anos 2000, identificou-se um aumento expressivo, sendo 21 trabalhos da área pensando as relações da publicidade e consumidor sob a perspectiva da recepção. Em uma pesquisa prévia, realizada para o presente estudo, foi possível identificar que dos anos 2010 a 2015 foram produzidas seis pesquisas que abordassem a recepção da publicidade e possuíssem os termos “publicidade” e “recepção” em suas palavraschave. Contudo, em nenhum destes levantamento foram identificados estudos que tratassem da recepção ocupando-se do público idoso. Visando uma análise quantitativa e qualitativa da produção dos estudos de recepção da publicidade pelo público idoso dos anos 2010 até 2015, este trabalho irá realizar o levantamento do estado da arte de teses e dissertações produzidas nos programas de pós-graduação em comunicação neste mesmo período. A pesquisa do estado da arte, ou pesquisa da pesquisa, possibilita o mapeamento e discussão da produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, de forma a identificar quais aspectos e dimensões vem sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares (FERREIRA, 2002). O método utilizado neste trabalho é a pesquisa bibliográfica, que vai desde a identificação, localização e obtenção de um bibliografia sobre o assunto pesquisado, até a apresentação de um texto sistematizado ou fichamento (STUMPF 2009). Este método se apresenta como essencial neste artigo, pois colabora revisando a literatura existente sobre nosso tema, evitando a futuros pesquisadores “despender esforços em problema cuja a solução já tenha sido encontrada” (STUMPF in BARROS; DUARTE, p. 52, 2009). O corpus é composto pelas teses e dissertações produzidas no Brasil entre os anos 2010 e 2015. A busca ocorreu nos 45 sites dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação do Brasil filiados a Compós e é filtrada pela combinação das palavras-chave: “idoso”, “recepção” e “publicidade” e/ou ”propaganda”; “terceira idade”, “recepção” e “publicidade” e/ou ”propaganda”; “velhice”, “recepção” e “publicidade” e/ou ”propaganda”; “idoso”, “consumo” e “publicidade” e/ou ”propaganda”; “terceira idade”, “consumo” e “publicidade” e/ou ”propaganda”; e, “velhice”, “consumo” e “publicidade” e/ou ”propaganda”. 553

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O filtro inicial para a pesquisa do estado da arte se deu na busca por trabalhos produzidos entre 2010 e 2015, que possuíssem o termo “publicidade” e/ou “propaganda” em suas palavras-chave e, posteriormente, dentro da amostra obtida realizou-se uma nova busca por trabalhos que contemplassem, também, os temos “recepção”, “velhice”, “terceira idade” e “idoso”. Contudo, a busca continuava incipiente e, mostrou-se relevante a inclusão do termo “consumo” às palavraschave, a escolha por este termo se deu devido ao fato de que diversos estudos de recepção apresentam suas técnicas aplicadas a trabalhos relacionados ao consumo midiático ou de bens e serviços, mas nem sempre apresentam “recepção” em suas palavras-chave. Cabe ressaltar aqui a dificuldade de acesso aos trabalhos em diversos sites e repositórios digitais das próprias universidades, muitos não apresentavam as palavras-chave ou mesmo o resumo, alguns não contemplavam os trabalhos produzidos no período de busca delimitado por este levantamento, além de, por vezes, não possuirmos acesso ao trabalho completo. Desta forma, foi necessário ampliar a busca para outros buscadores, a fim de uma amostra o mais precisa possível. O levantamento do estado arte deste estudo tinha, por intuito inicial, a busca por trabalhos que relacionassem a recepção da publicidade e o idoso, a fim de entender como os estudos de recepção vem atuando junto a este público, pensando criticamente sua relação com os anúncios e campanhas divulgadas na mídia. Não foram encontrados trabalhos que contemplassem os estudos de recepção neste período. Entretanto, duas dissertações trouxeram como problemática a terceira idade e suas relações com a publicidade, defendidas em 2012 e 2013, respectivamente, foram intituladas “A vez da terceira idade: o discurso da publicidade na construção da imagem do idoso na revista”, de Marco Antonio Cirillo e “A velhice na propaganda do ministério da saúde: Subjetividades e Representações de Idosos nos Filmes de Vacinação”, de Viviane Cristina Maia Gomes. Após este resultado, foi-se buscar nas produções dos anos 2000 até 2009 trabalhos que pudessem contemplar nossos requisitos de busca. Utilizou-se como base para pesquisa o levantamento apresentado por Piedras (2014) no trabalho intitulado “Quando o sentido do cotidiano sobre os anúncios ecoa no mundo acadêmico: os anos 2000 e a ascensão da produção científica sobre a recepção da publicidade” e, após acessar os trabalhos completos, também não foi identificada nenhuma amostra de estudos de recepção da publicidade com os termos “idoso”, “terceira idade” ou “velhice” em suas palavras-chave. Desta forma, apesar de não haver nenhum trabalho sobre o tema que utilize das técnicas e teorias da recepção em seus modelos teórico-metodológicos de 2000 a 2015, devido a relevância do tema para a comunicação, optou-se por trabalhar com as duas dissertações

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encontradas inicialmente e, a partir daí, identificar e analisar seus problemas de pesquisa, metodologias, premissas teóricas, objetos e resultados obtidos. 3 Análise das pesquisas identificadas

Explorando essa amostra de dois trabalhos encontrados na pesquisa da pesquisa, foi possível identificar traços em comum, um deles é o que norteia a discussão dos dois autores: as representações do idoso nos anúncios publicitários. Ambos os trabalhos buscam compreender se, em seus objetos de análise, a publicidade aborda a velhice de forma “estereotipada” ou “ressignificada”, remetendo aqui ao conceito da antropóloga Guita Debert (2004). Ambos os autores dissertam sobre a questão do envelhecimento e suas transformações ao longo da história, dos direitos e deveres da categoria, assim como na forma em que seus sujeitos atuam, são compreendidos e representados socialmente. As relações da velhice com a mídia abordadas, propõem que os veículos de comunicação e seus canais de distribuição atuariam não na construção, mas na disseminação destas representações por meio de seus discursos. Entretanto, em nenhum destes estudos o receptor dos textos analisados é abarcado como sujeito ativo na interpretação desses papéis, sejam eles possíveis “estereotipados” ou “ressignificados”. Na dissertação concluída em 2012, intitulada “A vez da terceira idade: o discurso da publicidade na construção da imagem do idoso na revista”, Marco Antonio Cirillo promove uma reflexão sobre a capacidade que a publicidade possui de retratar a figura do idoso por meio de diferentes recursos de linguagem e imagem, dando origem a mensagens midiáticas provenientes de signos que permeiam o imaginário social. Abarcado por teóricos da Antropologia Social, o texto situa leitor sobre a construção da velhice no cenário econômico e social brasileiro, justificando seu atual potencial de consumo. Partindo do pressuposto que o poder de compra da terceira idade vem aumentando e, por consequência, incentivando a comunicação e promoção de diversos produtos e serviços desenvolvidos especialmente para atingir esse público, o estudo em questão analisou anúncios publicados nas revistas Época, Veja e Veja São Paulo, tendo essa publicidade caráter mercadológico ou institucional. O objetivo deste estudo é identificar e compreender como o idoso é representado e a sua relação com o discurso publicitário. Na dissertação apresentada por Viviane Cristina Maia Gomes, defendida em 2013 e intitulada “A velhice na propaganda do ministério da saúde: Subjetividades e Representações de Idosos nos Filmes de Vacinação”, a autora busca compreender as representações da terceira idade na mídia. A dissertação se propõe a analisar as propagandas televisivas da Campanha Nacional de Vacinação de Idosos do Ministério da Saúde e, desta forma, verificar os discursos e as imagens que confirmam ou rechaçam a ideia de ressignificação da velhice nestas propagandas. 555

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Nesta pesquisa, Gomes levanta a hipótese de que o Ministério da Saúde vem apresentando em suas campanhas de vacinação contra a gripe, realizadas há mais de uma década, uma representação ressignificada da terceira idade para, assim, fazer com que aumente o público de idosos aderindo à vacinação. Após esta breve introdução a cada um dos estudos, iremos descrevê-los e analisá-los a partir de seus objetos e problemas de pesquisa, seus modelos teóricometodológicos, suas premissas teóricas e explorações empíricas, assim como seus resultados. Buscar-se-á, também, identificar os pontos convergentes em cada um destes aspectos, afim de identificar possíveis tendências. 3.1 Problemas de pesquisa

A dissertação de Marco Antonio Cirillo (2012 : 19) traz a seguinte questão como problema de pesquisa: “Qual a imagem do idoso que está veiculada na publicidade em revistas de grande representatividade nacional e regional?”. A partir daí seus objetivos são [...] levar a reflexão sobre a versatilidade que a publicidade tem para retratar a imagem do idoso por meio de diferentes recursos de linguagem, dando origem a discursos que povoam o imaginário social, [...] desenvolver o estudo teóricometodológico possibilitando o uso de ferramentas para análise de como a publicidade apresenta a imagem do idoso nos anúncios de mídia impressão publicados em revistas de grande circulação nacional e regional; situar o idoso o atual cenário econômico brasileiro, justificando seu crescente aumento do poder de compra; descrever o significado de imagem e imaginário como representação social do idoso; analisar os anúncios publicados nas revistas selecionadas, identificando, por meio da análise de conteúdo e de discurso, qual a imagem retratada pelos idosos e sua relação com o texto (Idem : 19).

Cirillo compreende a publicidade como uma prática em que “o consumidor se torna vulnerável e atraído pelos sonhos de beleza, realização pessoal, e para o idoso, a felicidade e a busca pela qualidade de vida para o bem-estar próprio” (Idem: 20), defendendo que a terceira idade constitui, na sociedade contemporânea, uma parcela representativa de consumidores ativos. Por sua vez, Viviane Cristina Maia Gomes (2013), apresenta como norte de sua pesquisa a seguinte pergunta: “Quais são as representações de idosos veiculadas nas propagandas de TV da Campanha Nacional de Vacinação de Idosos?” (2013 : 12) e pretende compreender como o idoso é representado nas campanhas que compõem seu corpus de estudo; quais características são atribuídas aos idosos – tanto positivas, quanto negativas -; qual idoso que está sendo representado – tendo em vista sua classe econômica, contexto sociocultural e, até mesmo, faixa etária -; como são atribuídas representações positivas ao idoso e se seriam elas legitimadas como pertencentes ao jovem-adulto. O objetivo geral de Gomes é “compreender as representações da velhice na mídia”, enquanto seus objetivos específicos são 556

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(a) analisar as representações da velhice nas propagandas televisivas da Campanha Nacional de Vacinação de Idosos do Ministério da Saúde”; e (b) verificar os discursos e as imagens que confirmam ou rechaçam a ideia de ressignificação da velhice nestas propagandas (Idem : 14).

Em sua dissertação, a autora justifica a escolha do tema a partir de dados que apontam o crescimento da população acima dos 60 anos no Brasil, e entende a velhice como um fenômeno “histórico, social, cultural, enfim, multifacetado e multidisciplinar [que] perpassa as trajetórias da vida pessoal e social e só pode ser compreendida em determinados tempo, espaço, classe social [...]” (Idem : 17). As relações da mídia com a terceira idade - ou melhor, com as imagens representadas da velhice -, ocorrem com a mídia sendo disseminadora dos discursos que os campos gestores do envelhecimento, como a geriatria e gerontologia, propõem. 3.2 Modelos teórico-metodológicos

Em seu estudo, Cirillo (2012) adota reflexões acerca do conceito de idoso e contextualização da velhice principalmente pela perspectiva Caramano (1999) e Debert (1997), traz dados de pesquisas de mercado que justificam o idoso como consumidor ativo, seguidor tendências e apto a utilizar as novas tecnologias. Utiliza das premissas do casal Berlink (1998) explanando sobre a inserção do idoso nas Instituições de Ensino Superior, sua importância e o cuidado na utilização das novas tecnologias por este público. Cabe ressaltar que a gerontologia constitui um campo importantíssimo na construção do conhecimento sobre o envelhecimento, proporcionando o entendimento de aspectos positivos e negativos vinculados à esta etapa da vida. Neste sentido, autores como Papaléo Neto (2002) e Simone Beauvoir (1990) foram utilizados no estudo de Cirillo. Debert e Kientz deram o suporte necessário ao autor para estabelecer as relações do idoso com a mídia, tais aspectos foram pensados através de uma retomada história e cronológica do aparecimento do idoso nos meios de comunicação. Os principais teóricos utilizados na discussão teórica para basear as noções de imaginário social são Cunha (1997), Bordieu (1999) e Mafesoli (2001), acrescidos por Zepelline Junior (2008) e Chartier (1993), entre outros autores citados em menor proporção, ao abordar representações. As técnicas utilizadas no por Cirillo são a análise de conteúdo (Bardin, 2009) e a análise do discurso (Pêcheux, 2002). Na análise de conteúdo foi realizada a escolha das revistas e anúncios que iriam compor o corpus da pesquisa, o principal critério para a seleção dos títulos foi a incidência de anúncios com discursos elaborados e/ou acompanhados da imagem do idoso, foram elas as revistas: Veja, Época, ambas com circulação nacional, e o caderno regional Veja São Paulo. Por meio de uma categorização dos anúncios encontrados, foi possível facilitar a descrição dos resultados finais da análise. A análise do discurso teve como objetivo trabalhar a interpretação dos enunciados, Cirillo afirma que por 557

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meio desta técnica “procura compreender o enunciado fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, constitutivo do homem e da sua história’, desta forma, pretende verificar como se dá a relação entre o texto e a imagem dos anúncios selecionados em sua pesquisa. Em “A velhice na propaganda do ministério da saúde: Subjetividades e Representações de Idosos nos Filmes de Vacinação” (2013), Gomes também problematiza a velhice e o envelhecimento, buscando compreender a heterogeneidade dentro do próprio público idoso. A autora também faz uma retomada histórica, baseando-se na teórica Simone de Beauvior (1970) e, aponta os conceitos de reprivatização do envelhecimento e reinvenção da velhice, defendidos por Debert, em conjunto a uma contextualização do discurso midiático sobre o idoso. A dissertação de Gomes investe nos conceitos de mídia, cultura, subjetividades e representações sociais. Para ajudá-la na construção e entrelaçamento destes conceitos com seu objeto empírico, a autora explora a fenômeno da midiatização pelas perspectivas de Braga, Sodré e da Mata e, os estudos culturais e consumo utilizando autores como Hall, Martín-Barbero, Bauman, Bosi e Canclini. Para dar conta das teorias das representações, o estudo utiliza da perspectiva de Moscovici, que inspirou os estudos de Durkheim. Metodologicamente, este segundo trabalho utiliza das técnicas de análise de discurso (Orlandi, 1996) e análise fílmica. A análise discurso irá “desmontar para perceber como foi montado” (2013 : 16) e prevê a identificação dos discursos instituídos, que foram incorporados pelo sujeito. Na análise fílmica serão identificados os elementos que compõem cada filme publicitário e, ao serem analisados separadamente, a autora objetiva entender o intuito dos produtores ao trabalhar de maneira cuidada todos estes aspectos (Idem : 16). O corpus desta pesquisa é composto por nove filmes publicitários, que compõem mais de uma década de Campanha de Vacinação Contra a Gripe do Ministério da Saúde. 3.3 Premissas teóricas

Os dois trabalhos partem de premissas teóricas com relação a seus objetos de estudo, entre elas é possível identificar que ambos os estudos categorizam o idoso representado nos anúncios analisados de duas formas predominantes: (a) um idoso ressignificado, fruto de uma visão positivista do processo de envelhecimento e dos direitos adquiridos por este público, tal como previdência social, ou (b) estereotipado, que carrega a herança do termo velhice como pejorativo, que remete a um sujeito por vezes decrépito e decante. Como principal premissa teórica Marco Antônio Cirillo (2012) apoia seu estudo no pressuposto que “todo o idoso brasileiro da atualidade é visto como um ser atuante, com poder de decisão de compra, que sempre uma vida saudáveis e independente” (2012 : 34), neste sentido, o mercado se volta à este público, 558

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reconhecendo-o como consumidor, criando produtos e serviços e, direcionando seus discursos publicitários para ele. Desta forma, (1) o idoso está desempenhando um novo papel social, com maior poder aquisitivo, portanto, o idoso deve ser tratado como agente ativo na economia e na sociedade de consumo; além disto, Cirillo prevê que (2) toda mensagem publicitária é intencional e persuasiva; (3) os anúncios criam um idoso saudável e feliz, em situações através das quais atinge certa realização pessoal; (4) a velhice pode ser abordada por meio de duas perspectivas dominantes, a do idoso rejuvenescido e a do idoso decadente; e (5) os anúncios pertencentes ao corpus são passíveis de mais de um interpretação, em função da diversidade dos indivíduos. Gomes (2013), por sua vez, parte seu estudo do pressuposto que (1) o grupo etário dos idosos é heterogêneo, ou seja, não existe um só grupo de idosos. Fatores como diferenciação por gênero, classe, educação e contexto sociocultural em que os indivíduos estão inseridos formam, dentro desta categoria, diferentes grupos; trazendo os conceitos de reprivatização/reinvenção da velhice (2) pressupõe que o idoso é representado de forma ressignificada e, por vezes, absorvendo características atreladas ao público jovem; (3) a publicidade vem apresentando uma nova imagem do idoso, ligada a aspectos positivos; (4) existem duas perspectivas dominantes pelas quais a velhice pode ser compreendida e representada, uma velhice positiva e reinventada ou a do idoso decadente; (5) o corpus da pesquisa é passível de mais de uma interpretação, uma vez que a velhice recebe significados particulares em casa sociedade. 3.4 Explorações empíricas e principais resultados

Em sua dissertação, Marco Antonio Cirillo (2012) analisou 312 exemplares de revistas, sendo 104 de Época, 104 de Veja e 104 de Veja São Paulo, selecionando 40 anúncios publicitários, não incluindo os anúncios repetidos. Quantitativamente, o autor identificou que o segmento de Instituições Financeiras (22,5%) foi o que mais anunciou nas revistas, seguido de Instituições Governamentais (15%), Entidades e Associações (12,5%) e Higiene, Saúde e Beleza (12,5), seguido de outros segmentos em menor proporção. Já em um primeiro olhar, foi possível para o autor inferir que os anúncios pertencentes a estes segmentos exploram uma imagem do idoso bem sucedido, sempre atrelado a ideia de credibilidade e confiabilidade. O autor interpretou e classificou o corpus de sua pesquisa nas seguintes categorias de análise: (a) categoria imagem atitude; (b) categoria imagem atividade; (c) categoria imagem confiança; (d) categoria imagem saúde; (e) categoria imagem família; e (f) categoria imagem sucesso. Onze anúncios foram classificados como imagem atitude – esta categoria “refere-se a imagem e seu contexto retratando o idoso como atuante e participativo em ações de diversos segmentos [...] ressaltam a inclusão e participação na sociedade” (2013 : 115); seis 559

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anúncios encontraram-se na categoria imagem atividade – “idoso trabalhando ou ‘em movimento’ [...] a presença do idoso é caracterizada por meio de uso de uniformes de trabalho ou em outras situações dançando, passeando em um parque ou praticando esporte” (Idem : 116); três estavam inseridos na imagem confiança – remete a figuras públicas que sejam reconhecidas e carreguem consigo uma imagem de confiabilidade e certa credibilidade; onze anúncios foram incluídos em imagem família – apresentando um afastamento da imagem do idoso inativo, e aproximando-se de um idoso cada vez mais dinâmico; a categoria imagem saúde é constituída por uma amostra de seis anúncios; e, finalmente, a categoria imagem sucesso – traz um idoso com uma carreira bem sucedida, ainda em atividade, simbolizando certo poder aquisitivo – é composta por três anúncios. Ao final, verificou-se que as características mais recorrentes nos anúncios, reproduziam a imagem do idoso como sinônimo de bem-estar, alegria e felicidade. Tal representação, [...] está sendo apresentada para divulgar produtos e serviços tanto para o público idoso quanto para o público em geral e, nesse segundo caso a imagem do idoso representa credibilidade, confiança e sucesso. Essa mesma imagem ora quebra estereótipos anteriormente construídos na sociedade, ora fortalece as concepções estereotipadas existentes e ora cria outros estereótipos, estabelecendo uma nova ditadura do ‘jovem idoso’ (2012 : 13).

Viviane Cristina Maia Gomes (2013), analisou nove filmes publicitários do Ministério da Saúde. A autora inicia sua análise ressaltando o fato de que ao observar os produtos midiáticos – pensando não só a publicidade nesse sentido, mas também o jornalismo informativo e o entretenimento, “parece que os mesmos vem apresentando uma nova imagem do idoso, ligada a aspectos mais positivos, tais como disposição, saúde, vida social, afetiva e sexual, poder de compra [...]” (2013 : 129). Assim como no trabalho anterior, a autora desta dissertação classificou os filmes publicitários a fim de facilitar a análise, são estas categorias: (a) paródias musicais – possuem o roteiro criado a partir de paródias de canções famosas no Brasil; (b) famosos recomendam – a participação de celebridades com tom de autoridade, sugerindo a adesão à vacina; (c) bailinhos – os personagens principais são idosos dançando em um baile; e (d) protagonismo difuso – são vídeos que não se encaixam nas categorias anteriores e se caracterizam pela ausência de música. Na amostra, dois filmes enquadraram-se na categoria (a); dois na categoria (b); dois na (c) e três propagandas contemplaram a categoria (d). Dos nove filmes analisados, quatro podem ter a imagem do idoso compreendida como a da “velhice ressignificada”, pois a autora observou que “houve uma tentativa de representar o idoso livre de estereótipos que envolvem esse grupo etário” (2013 : 146); dois filmes, de acordo com a autora, são interpretados com a “velhice em parte ressignificada”, ou seja, são apresentadas ora um idoso reinventado, ora são reproduzidos estereótipos do mesmo. Diante 560

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destes números, Gomes afirma que a tentativa de representar um idoso sob uma perspectiva positiva e renovada é predominante na amostra analisada,

Foi possível afirmar que é notado um esforço para se apresentar uma representação social ressignificada, fugindo dos estereótipos ligados à velhice. Isso porque dos nove filmes analisados, em quatro deles percebe-se claramente a apresentação de uma velhice ressignifica; em outros dois vídeos existe uma tentativa de ressignificar esse período da vida, porém ainda é possível encontrar características que reforçam a velhice estigmatiza. Em apenas três filmes nota-se uma representação do idoso estereotipada. [...] Percebe-se o cuidado de mostrar que existem idosos diferentes, tanto em questões etárias como de modos diferentes de viver a vida [...] (Idem : 12).

4 Considerações finais

Conforme citado anteriormente neste trabalho, não foi possível identificar nenhuma pesquisa sobre a relação do público idoso com a recepção da publicidade. De certa forma, considerando os resultados obtidos nesta pesquisa, é possível afirmar que as pesquisas em comunicação que pensem a velhice, a mídia e a publicidade de forma conjunta, conformam um campo incipiente de discussão teórica. Cabe ressaltar, novamente, que o presente estudo se ateve somente aos trabalhos dos Programas de Pós Graduação em Comunicação do Brasil que estudassem publicidade e propaganda. Dentro do corpus identificado de dois estudos sobre idosos e publicidade, percebe-se que ambos possuem sua análise voltada apenas para um dos processos dentro comunicação, ignorando todo o ciclo que parte da produção à decodificação dessas mensagens. Apesar de incitarem em alguns momentos, durante a reflexão teórica, um pensamento mais complexo com relação aos receptores (não tratados como receptores nos trabalhos em questão, mas como consumidores), não há nenhum desenvolvimento destes pensamentos na aplicação das técnicas de pesquisa e na análise dos resultados, por ignorarem demais instâncias que vão além do produto finalizado, as próprias subjetividades aplicadas a interpretação ficam de certa forma difusas de sentido. As reflexões epistemológicas das duas dissertações apresentam com clareza os conceitos relacionados à velhice, pontuando a partir de uma perspectiva teórica as mudanças sociais atribuídas a este público. Desta forma, ambos os autores conseguem justificar e apresentar a consistência do tema e sua problemática. Contudo, ao pensar as relações com a mídia, vê-se uma carência de conceitos e até mesmo de uma articulação eficaz que traga ao leitor de seus trabalhos a fluidez com que os meios e seus produtos atuam na sociedade, principalmente pensando a terceira idade. A partir das teorias apresentadas, os autores trazem a mídia como sistema de representação social, e é possível compreender que a mesma assume uma posição privilegiada na construção de significados das práticas sociais e de identidades. Mas, por estas pesquisas darem conta somente de uma das etapas do 561

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processo comunicacional, não fica claro como este público responde a estes estímulos. Os trabalhos estudados não tinham como objetivo abarcar os estudos da recepção e suas técnicas em seu desenvolvimento, mas a possibilidade de ampliar este pensamento horizontal, para um pensamento vertical – que extrapole as fronteiras do olhar do produtor -, apresenta-se como uma alternativa extremamente relevante para entender a comunicação publicitária que utiliza da imagem da terceira idade em sua construção. Ao abordar as representações sociais, Gomes (2013) o faz com muita clareza e articulação entre os conceitos, articulando terceira idade e suas representações sociais na contemporaneidade. Gomes (2013), na tentativa de discutir aspectos da análise do discurso, recorre a Martín-Barbero (2008, p. 31 in Gomes, 2013, p. 101) e sua premissa de que a mensagem midiática “não é um mero instrumento passivo na construção de sentido que tomam os processos sociais, as estruturas econômicas ou os conflitos políticos” e, deste forma, sinaliza que a produção dos sentidos apontam “trilhas percorridas pelas culturas, com conceitos que vão se criando ou se incorporando”. Já Cirillo (2012) traz à tona aspectos relacionados a realidade social do idoso, dados de mercado, além de uma construção teórica na qual percebe-se um esforço em tentar estabelecer relações mais próximas entre o idoso e os objetos midiáticos. Nos dois trabalhos, pode-se dizer que as representações que aparecem nos meios de comunicação são agentes imprescindíveis na construção de novos modos de envelhecer e na disseminação das representações já dominantes. Passando pelos pressupostos teóricos e indo de encontro aos resultados obtidos, como dito anteriormente, os dois autores deste corpus veem o idoso com duas figuras dominantes no imaginário social e, consequentemente, em suas representações midiáticas. Sendo assim, pode-se dizer que ambos entendem a publicidade não como construtora de sentido, mas como produto midiático que se apropria de ideais já introjetados em nossa sociedade. De certa forma, Através dela podemos conhecer a nós mesmos, como quem assiste, no espelho, a pedaços de nossas vidas e seus fragmentos. E muitos deles são curiosos pontos de partida para exercícios de imaginação, que embaralham limites, questionando precárias diferenças, entre os polos da ilusão e da verdade (ROCHA, 1995, p.19).

No trabalho de Gomes (2013), esta máxima se contrapõe ao fato de a autora também apresentar claramente como premissa teórica a heterogeneidade do idoso. De qualquer forma, os resultados de ambas as pesquisas sofrem influência deste pressuposto, e cabe pensar para futuros trabalhos o desenvolvimento da figura do idoso como a de diversos sujeitos, diferenciados até mesmo pela faixa etária em que se encontram, já que um indivíduo de 60 anos de idade não teria, partindo do senso comum, as mesmas aspirações que um de 80 anos. Cirillo (2012) justifica seu estudo no aumento da poder aquisitivo da terceira idade, que com 562

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uma longevidade maior, consome mais bens simbólicos, cuida de sua saúde, preocupa-se mais com o estilo de vida que leva, etc. Ainda assim, é de forma rasa que ele apresenta essa premissa, não tendo como embasamento teórico ou dentro da pesquisa empírica uma posição do idoso, que revelassem as suas preferências ou hábitos de consumo. É possível questionar ao longo do estudo se, realmente, os idosos estão desempenhando o papel de consumidores ativos, que Cirillo propõe, ou se estão a caminho de desempenhá-lo no futuro. A importância de discutir e refletir acerca da imagem do idoso no contexto midiático é latente, contudo, interpretá-lo como um indivíduo “ressignificado” ou “estereotipado” compromete, de certa forma, uma interpretação eficiente dos resultados. Cabe aqui pensar até que ponto este sujeito ressignificado não cria um outro tipo de estereótipo. Apesar da estratégias metodológicas dos dois artigos darem conta do que se propõem, é evidente a necessidade de repensá-las em um contexto mais amplo da comunicação. A partir daí, e da presença dos estudos culturais no trabalho de Gomes (2013) para tentar se pensar as mediações da mídia com a sociedade, podemos posicionar os estudos de recepção como uma alternativa para (a) identificar as representações do idoso nos anúncios, compreendendo sua heterogeneidade social; (b) entender a relação da terceira idade com a publicidade; (c) verificar os hábitos de consumo deste público; (d) repensar as estratégias de comunicação publicitária para os mesmos. Campos como a gerontologia, antropologia social e geriatria, atuam de forma consistente nas pesquisas acadêmicas que buscam compreender a velhice. Pensando a comunicação e, partindo dos dados apresentados nos trabalhos encontrados durante o levantamento do estado da arte da pesquisa, que trazem uma velhice heterogênea - que vem transformando e criando novos textos culturais -; considerando o idoso como cidadão ativo, crítico e em “movimento” social, com maior longevidade, perspectivas de vida e desejo de bem estar; e compreendendo a publicidade como geradora de bens simbólicos, que de certa forma legitimam o ato da compra por meio da criação de subjetividades em seus anúncios, é clara a necessidade e a possibilidade de explorar o campo por meio de outras perspectivas como as da semiótica da cultura, dos estudos do consumo e das audiências e dos estudos de recepção. Referências

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Rio de Janeiro: Edições 70, 1977.

CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.

CIRILLO, Marco Antonio. A vez da terceira idade: o discurso da publicidade na construção da imagem do idoso na revista. São Bernardo do Campo, SP, 2012. DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da Velhice. São Paulo: Edusp, 1999.

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FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas "estado da arte". Eduação e Socidade. N.79, p. 257 - 272, 2002. GOMES, Viviane Cristina Maia. “A velhice na propaganda do ministério da saúde: Subjetividades e Representações de Idosos nos Filmes de Vacinação”. UFG, Goiânia, Goiás, 2013.

JACKS, Nilda; ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e recepção. São Paulo: Hacker editores, 2005.

JACKS, Nilda; PIEDRAS; Elisa. Estudos de recepção da publicidade: explorando as pesquisas da década de 1990.

PIEDRAS, Elisa. Quando o sentido do cotidiano sobre os anúncios ecoa no mundo acadêmico: os anos 2000 e a ascensão da produção científica sobre a recepção da publicidade. ROCHA, Everardo. A sociedade do sonho: comunicação, cultura e consumo. Editora MAUAD, 1995. Beauvoir S. (1990). A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1970.

STUMPF, Ida R. C. Pesquisa bibliográfica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (orgs.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009.

________. BIANCHI, Paula. Brasil vai se tornar um país de idosos já em 2030, diz IBGE. Disponível em: . Acesso em: 25 junho de 2016.

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Recepção da publicidade pela criança: produção acadêmica brasileira entre 2010 e 2015 Kandice Van Gról QUINTIAN1

UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul Resumo: O tema deste artigo é a recepção da publicidade voltada para o público infantil, tendo como objetivo traçar o estado da arte de produções acadêmicas brasileiras (2010-2015) sobre este assunto. O esforço recente em regulamentar este tipo de publicidade propiciou discussões entre diversas entidades, divididos entre os favoráveis a esta medida e os favoráveis à autorregulamentação deste tipo de publicidade. A constituição do estado da arte é necessária, pois através dela conheceremos a produção acadêmica da comunicação sobre o tema e também esperamos identificar áreas carentes neste campo de estudos para delimitação de tema para pesquisa futura. Palavras-chave: Publicidade; Recepção; Consumo; Infância; Estado da arte 1 Introdução

O presente artigo busca traçar o estado da arte de produções acadêmicas sobre recepção publicitária e público infantil entre os anos de 2010 e 2015 no Brasil. Partindo da definição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se criança, pessoas com até 12 anos de idade incompletos. Na sociedade contemporânea brasileira, a relação entre criança e publicidade vem sendo discutida por diversas entidades, tais como: Instituto Alana, Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), Associação Brasileira de Agência de Publicidade (ABAP), Conselho de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), entre outras. Em 13 de março de 2014 foi aprovada a resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente que considera como abusiva toda a publicidade e comunicação mercadológica direcionada ao público infantil, devendo esta ser direcionada aos adultos. A ANDI considera crianças até 8 anos como

Kandice Van Gról Quintian – Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 1

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incapazes de diferenciar a realidade da ficção apresentada nos anúncios, sendo assim, mais suscetíveis ao poder persuasivo da publicidade. A justificativa de algumas entidades é de que a maturidade para discernir tais fatos só ocorre após os 12 anos. Mesmo com a resolução aprovada, diversas entidades mercadológicas não seguem as normas definidas através dela. O Instituto Alana e a ANDI são favoráveis a esta regulamentação, porém os órgãos ligados à publicidade e ao mercado defendem o direito da criança de obter informação e também se valem do CONAR como responsável para autorregulamentar este tipo de anúncio. Sendo assim, a escolha do tema se deve aos esforços e debates recentes a respeito da regulamentação da publicidade direcionada a este público, demonstrando assim a relevância desta pesquisa. Conforme mencionado anteriormente, objetivo deste artigo é traçar o estado da arte de produções acadêmicas brasileiras (2000-2015) sobre a recepção da publicidade pela criança. A delimitação do tema e do período de tempo é ancorada em pesquisas anteriores realizadas por Jacks, Menezes e Piedras (2009) sobre o estado da arte de produções de recepção voltadas para a publicidade na década de 90 e posteriormente por Piedras (2014) sobre o panorama entre os anos de 2000 e 2009. Apesar do aumento significativo de produções na comparação entre os dois trabalhos, houve pouca representatividade em relação às crianças como foco principal dos estudos. Em nosso estado da arte foram identificados 16 trabalhos (entre teses e dissertações) sobre o tema específico de consumo, recepção e infância. Ferreira (2002) discorre sobre a importância e relevância dos estudos sobre estado da arte em diversas áreas do conhecimento e como ele tem sido utilizado pela academia desde o final da década de 80. A constituição do estado da arte busca conhecer o que já foi produzido e construído a fim de delimitar os temas menos explorados. Por se tratar de um levantamento, no âmbito metodológico, o trabalho adota a técnica da pesquisa bibliográfica e o corpus compreende teses e dissertações sobre publicidade, recepção e infância, apresentadas em programas de pós-graduação nacionais entre os anos de 2010 e 2015. A pesquisa se dará em ambiente virtual através de banco de dados destas universidades e também através da plataforma Sucupira. Diante o período estabelecido, filtraremos as pesquisas através das palavras-chave: recepção, receptor, consumo, consumidor em conjunto com infância, infantil e criança. Devido a necessidade de selecionar os documentos pertinentes ao tema e realizar anotações sobre eles visando a identificação destas informações, a técnica de pesquisa bibliográfica é essencial para este procedimento (STUMPF, 2014). Por meio da pesquisa bibliográfica é possível encontrar nos materiais uma contextualização sobre o fenômeno explorado que proporcionam um maior conhecimento sobre o objeto analisado. (LUZ, 2012) A fim de aprofundar a compreensão sobre estes trabalhos acadêmicos, iremos utilizar também o método de análise de conteúdo, pois 566

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este visa descrever e interpretar o objeto de análise com o propósito de conduzir a descrições sistemáticas, qualitativas e/ou quantitativas (MORAES, 1999, p. 7). Após esta breve introdução ao tema e justificativa da importância deste estudo ao campo acadêmico, partiremos para o contexto da pesquisa sobre publicidade, infância e recepção 2 Contexto da pesquisa brasileira sobre publicidade e infância

Partindo inicialmente do estudo de Nilda Jacks, Daiane Menezes e Elisa Piedras (2008) sobre o panorama de estudos de recepção nos anos 90, observou-se que entre as 49 pesquisas dedicadas ao tema, somente três delas traziam a publicidade como objeto. Entre eles estavam uma tese de doutorado com abordagem comportamental e duas dissertações com abordagens socioculturais. Há ainda a abordagem sociodiscursiva, porém a mesma não foi identificada entre os trabalhos desta década. Daniela Schmitz (et al., 2015) classifica a abordagem sociodiscursiva como relativa ao discurso dos sujeitos, que a partir de enfoques teórico-metodológicos se dedicam à análise dos discursos sociais, advindos da mídia e de seus receptores. A abordagem comportamental estuda os impactos derivados dos meios, ou seja, as reações causadas pelos produtos midiáticos em seus públicos. Segundo Escosteguy (2004), o viés sociocultural explora uma visão mais ampla e completa do processo de recepção midiática, onde considera as múltiplas relações sociais e culturais dos sujeitos. Jacks, Menezes e Piedras (2008), ainda afirmam em seu panorama que as crianças utilizam a televisão como “contadoras de histórias”, apropriando-se de suas mensagens e transformando-as conforme sua imaginação e criatividade. As autoras também apontam que as pesquisas demonstram um alerta quanto esta exposição, pois devido ao baixo senso crítico infantil a estas mensagens, é necessária uma mediação de um adulto para que a criança não acredite em tudo que é visto através da mídia. Em seu estudo sobre a produção acadêmica de recepção publicitária dos anos 2000, Piedras (2014) identificou que há uma carência de trabalhos voltados ao público infantil, esta necessidade se dá principalmente devido a convergência midiática dos últimos anos. A autora afirma que uma parcela significativa de crianças e jovens nasceram na era tecnológica, sendo assim fundamental estudar estas relações vinculadas aos processos de mediação e midiatização. Apesar dos estudos desta década apresentarem um predomínio no estudo sobre os jovens, há uma lacuna de estudos sobre a infância, possuindo somente duas teses com este tema durante o período. A primeira tese é de Sérgio Sanches Marin (2000), que utiliza o viés comportamental para estudar a comunicação mercadológica trabalhando a motivação do consumo infantil, já a segunda é de Liriam Yanaze (2005) que através de uma 567

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abordagem sociocultural estuda as representações sociais do receptor infantil em duas escolas de São Paulo através de anúncios televisivos. Em relação à produção acadêmica, os estudos de recepção direcionados à publicidade obtiveram um aumento significativo entre as décadas, passando de três estudos nos anos 90 para vinte e um na década seguinte. 15 dissertações de mestrado e 6 de doutorado, sendo duas delas referentes ao público infantil, conforme mencionado anteriormente. Ao contrário da década de 90 - onde o viés de pesquisas socioculturais foi predominante - nos anos 2000 o viés mais explorado foi o comportamental, com 11 trabalhos com esta abordagem (oito dissertações e seis teses). A abordagem sociocultural obteve sete estudos (quatro dissertações e três teses); enquanto a sociodiscursiva, apenas três estudos, todos dissertações. (PIEDRAS, 2014) A tese de Marin (2000) tinha como objetivo mostrar quais os aspectos motivacionais embasam o comportamento de compra e o consumo infantil, e que por sua vez dão suporte às práticas promocionais dirigidas à criança. Ele também acredita que grupos e fatores sociais influenciam e mediam a atuação da comunicação mercadológica. A técnica utilizada para atingir os objetivos propostos foi de grupos de discussão com crianças de até 12 anos, para identificar a existência de práticas e a atuação de empresas na esfera da comunicação mercadológica direcionada a este público. É importante ressaltar que o orientador desta tese é o Professor Dr. Gino Giacomini Filho, que através de seu livro Consumidor Versus Propaganda (1991) define a criança como “soberana do lar”, devido a sua crescente participação nas decisões familiares. Giacomini Filho classifica a criança como um agente passivo perante as práticas mercadológicas, alertando assim sobre a periculosidade da comunicação direcionada a elas. Como sua conclusão, Marin aponta uma heterogeneidade motivacional em que esta comunicação, que embora possua força, também sofre com a relativização causada por componentes sociais. Em 2005, Yazane explorou em sua tese as representações sociais que as próprias crianças possuiam sobre aspectos de seus cotidianos. A pesquisa também utilizou a técnica de grupos de discussão e a amostra foi de alunos do ensino fundamental de duas escolas em São Paulo. Com base em comerciais de televisão escolhidos pelas próprias crianças, a autora extraiu seus resultados, proporcionando uma reflexão entre o consumo e a infância - os relacionando com comerciais e a realidade social, cultural e econômica dos participantes. Ela considera as “falas” das crianças como principal meio de conhecer seus pensamentos, crenças, valores e opiniões e por meio destas falas, Yazane concluiu que, ao contrário da classificação realizada por Giacomini Filho, a criança não é um receptor passivo e ingênuo, pois ela é capaz de observar, refletir, emitir opiniões e criar. A criança é influenciada pela sociedade que a permeia, porém ela também é capaz de construir seu próprio desenvolvimento e influenciar seu ambiente. Ambas as pesquisas corroboram a ideia 568

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de que os componentes sociais podem influenciar na recepção publicitária infantil. Tendo em vista estes resultados, é necessário obter o estado da arte de produções acadêmicas sobre o tema entre os anos de 2010 e 2015, a fim de identificar carências temáticas e/ou metodológicas.

3 Panorama de pesquisas em Recepção, Publicidade e Infância entre 2010 e 2015 A produção acadêmica sobre o tema publicidade, infância e recepção entre os anos de 2010 e 2015 cresceu em alta proporção em comparação à década anterior, passando de 2 para 16 trabalhos sobre o tema. Os estudos de recepção publicitária tiveram um grande crescimento nos anos 2000, conforme estudo apresentado por Piedras (2014) a produção triplicou em comparação aos anos 90. Um dos principais fatores é devido ao aumento no número de programas de pós-graduação no país, tendo aumentado 45% nos últimos anos, segundo panorama apresentado em uma pesquisa realizada pela USP2. Outro dado importante apresentado é o crescimento em regiões fora do eixo Sul e Sudeste. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste tiveram um aumento superior a 60% no número de pós-graduações, já a região Sudeste se mantem em ascensão com crescimento de 32%. Entre os 16 trabalhos que exploram a temática da recepção publicitária voltada ao público infantil, 13 delas são dissertações de mestrado e 3 teses de doutorado. Em relação às abordagens, 6 delas são sociodiscursivas, 6 socioculturais e 4 comportamentais, tendo uma tese para cada uma delas. Não foi identificado nenhum predomínio entre os tipos de abordagens, somente o crescimento do viés sociodiscursivo em comparação aos panoramas anteriores, onde o mesmo não havia sido explorado até o momento. O estado de São Paulo permanece como primeiro colocado em nosso panorama, sendo o único representante da região sudeste, com 10 trabalhos. Em segundo lugar temos o Rio Grande do Sul com 2 produções, seguido por Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. Tendo em vista o dado apresentado anteriormente sobre a produção entre as regiões, constatou-se que as regiões Nordeste e Centro-Oeste estão representadas com 2 trabalhos cada, demonstrando a ascenção delas na produção acadêmica nacional. Entre os 10 trabalhos produzidos em São Paulo, 9 deles são dissertações. A UMESP é responsável pela produção de 4 deles (3 dissertações e 1 tese); ESPM por 2 dissertações; Faculdade Cásper Líbero, PUC-SP, USP e UNIP produziram uma dissertação cada. O estado concentra a maior produção das abordagens comportamental e sociocultural. O viés sociocultural possui 4 estudos, já o comportamental e o sociodiscursivo possuem 3 estudos individualmente (sendo uma tese com viés comportamental). Tanto a UFRGS, quanto a Unisinos produziram uma USP. Número de programas de pós-graduação no Brasil cresce 45% Disponível em: Acesso em: 18 julho 2016.

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tese cada, sendo uma sociodiscursiva e outra sociocultural, nesta ordem. As universidades federais de Goiás, Pernambuco, Ceará apresentam a produção de uma dissertação cada, sendo a abordagem delas sociocultural, sociodiscursiva e comportamental. A PUC MINAS desenvolveu uma dissertação com viés sociodiscursivo. Partindo deste panorama geográfico inicial, seguimos para a tabela completa das produções: Quadro 1 – Estado da Arte Ano

Comportamental

2012 2013 2014 2014 2010

Sociocultural

2013 2013 2014 2014 2015 2010

Sociodiscursiva

2011 2013 2014 2015 2015

Título A relação dos pré-adolescentes com a mídia de entretenimento – um estudo de caso sobre a comunicação com as crianças e a compreensão dos desafios de comunicação com esse público Alimentação ou diversão? A publicidade contemporânea de alimentos infantis e suas possibilidades de sentidos para as práticas de consumo e hábitos alimentares das crianças Leituras de jovens sobre a publicidade e sua influência nas práticas de consumo na infância e na idade adulta Publicidade e o consumo infantil: uma abordagem crítica

Comunicação mercadológica e apropriações da indústria cultural: Batman e o consumo infantil Muito antes da marca: relações entre recepção de publicidade e o consumo de alimentos por crianças de classes populares Eu não quero ser a mulher saliente! Eu prefiro ser a Isabella Swan! Apropriações das identidades femininas por crianças na recepção midiática A mídia e o impacto dos personagens infantis: as crianças na ordem do consumo e da violência Você gosta de alguém? Representações de amor, erotismo e sexo construídas por crianças em contextos populares a partir da cultura midiática Produção de sentidos na infância: mediações na recepção da série animação Doug Funnie O mundo encantado da comunicação direcionada às crianças: o outro lado das redes de fast food No mundo da imaginação e do consumo: o programa infantil Cocoricó O jornalismo infantil e o desejo de consumo: o discurso da revista Recreio Publicidade e infância: representações e discursos em uma arena de disputas de sentidos CRIANÇA, CONSUMO E PUBLICIDADE: análise dos anúncios veiculados pelo canal Discovery Kids Brasil O Consumidor do Futuro: A ação da publicidade e da propaganda televisiva sobre o público infantil

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Autoria

CARVALHO, Dorama de Miranda/ FCL BAADER, Cinira/ USP MONTEIRO, Maria Clara Sidou/ UFC MACHADO, Alexandre/ UMESP JORGE, Mario Augusto Mancuso/ UMESP

DE PAULA, Fernanda Cintra/ ESPM-SP

QUEIROZ, Marta Maria Azevedo/ UNISINOS SOUZA, Kátia Balduíno de/ UFG SOBRAL, Jaqueline Dissertação/ ESPMSP GENEROZO, Amanda Yara/ UMESP ASSOLINI, Pablo José/ UMESP ARTICO, Maria Goreti Lopes/ UNIP FURTADO, Thaís Helena/ UFRGS GUEDES, Brenda Lyra/ UFP PINTO, Ana Carolina de Lima/ PUC MINAS FERNANDES, Fernanda Idalino/ PUC-SP 6

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Fonte: Elaborada pelo autor.

A partir de agora iremos discutir um pouco sobre os procedimentos metodológicos, os dados empíricos e os resultados obtidos nestes trabalhos. Inicialmente é necessário contextualizar as produções por data, pois a partir de 2014 entrou em vigor a resolução nº 163 do CONANDA, que estabelece como abusiva toda a comunicação mercadológica e publicitária dirigida às crianças. Apesar de muitas entidades não respeitarem a norma estabelecida pela resolução, o debate acerca destas restrições ultrapassou a barreira do legislativo e do judiciário e foi para o mundo acadêmico. A maior parte dos trabalhos de cunho sociocultural foram desenvolvidos após 2014, sendo importante ressaltar que há divergências quanto a relação entre a criança e a publicidade. Se por um lado a criança é considerada um ator social com necessidades específicas e responsável de forma direta como consumidoras e influenciadoras nas compras domésticas, por outro lado, ela é considerada indefesa aos apelos publicitários. É importante ressaltar, conforme Ariès (1981) e Kuhlmann Jr. (2007), que historicamente a criança foi concebida como infante, aquele que não sabe falar, e que teve seus saberes e experiências ignorados. Entender, portanto, suas percepções e pontos de vista é fundamental, pois as crianças tinham que ser ouvidas e entendidas a partir de suas produções, de seus conhecimentos, de sua realidade, assumindo que criança é um sujeito de direitos, um ator social, construtora de conhecimento e cultura. (QUEIROZ, 2013, p. 16)

A partir da fala de Queiroz (2013) podemos perceber o motivo do crescimento de produções acerca de recepção, publicidade e infância. Os estudos de recepção possibilitam tratar o processo de comunicação relacionando as mediações e o consumo. Alguns estudos obtiveram resultados semelhantes, tal como as dissertações de Maria Clara Sidou Monteiro (2014) e de Fernanda Idalino Fernandes (2015). Ambas discorrem sobre o impacto da publicidade na memória do consumidor infantil. O primeiro é focado no estudo de jingles dos anos 1980 e 1990 – época de forte direcionamento de publicidade para crianças – estudando os receptores e se seus hábitos de consumo atuais possuem alguma relação aos jingles que ouviam na infância. Através da dissertação comprovou-se que os hábitos incorporados naquela época permanecem até hoje. Já em “O consumidor do futuro: a ação da publicidade e da propaganda televisiva sobre o público infantil” de Fernandes (2015), a problematização é acerca do impacto futuro, não do passado, conforme o trabalho anterior. Devido a sua produção ser posterior à resolução do CONANDA, a autora evidencia as possíveis consequências da publicidade voltada para este público, concluindo que a televisão é utilizada para “plantar sementes” nas crianças e garantir às empresas os seus fiéis consumidores no futuro. Sua conclusão corrobora com o 571

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resultado de Monteiro (2014), que os hábitos de consumo de adultos são adquiridos na infância através dos apelos publicitários. O discurso apresentado por Fernandes (2015) é semelhante ao apresentado pelo Instituto Alana e pela ANDI, porém diversos estudos discordam da teoria que culpabiliza somente a publicidade como influenciadora do consumo infantil. Estes estudos discorrem sobre a responsabilidade do fator social no processo de mediação. De Paula (2013) afirma que a publicidade está presente no cotidiano das crianças, porém não de maneira determinista. Sua dissertação sobre recepção e consumo de alimentos por crianças de classes populares constatou que a influência publicitária não aparece de forma predominante, pois antes das marcas há uma mediação sociocultural que permeia este público. Sobral (2014) também estudou sobre crianças em contextos populares, porém seu foco foram as representações de amor, erotismo e sexo. Ela identificou em sua pesquisa que as crianças se comportavam através de cultura de pares, de forma a criar um senso de pertencimento social, para isso, portanto, elas se utilizavam de conteúdos disseminados pela cultura de massa. A pesquisa desenvolvida por Assolini (2010) deu início as discussões sobre publicidade de alimentos dirigidas às crianças, pois trata diretamente da comunicação realizada para este público através das redes de fast food. Ele apresenta a ideia de ‘eatertainment’ (comertimento), ou seja, o uso de uma estética de diversão como estratégia para atrair as crianças aos pontos de venda. Posteriormente a este estudo, Cinira Baader (2013) também se apropriou desta temática para explorar as possibilidades de sentido para as práticas de consumo e hábitos alimentares das crianças. Ela concluiu que as mensagens através do ‘eatertainment’ valorizam muito mais um tipo de aprendizado sobre as práticas de interação comunicacionais/promocionais, desta forma ela gera uma provocação acerca da nutrição, se a mesma também não poderia seguir na lógica da diversão ao invés do discurso científico para conscientizar mais as crianças sobre seus benefícios. Queiroz (2013), De Paula (2013) e Generozo (2015) possuem produções de viés sociocultural e afirmam que apesar da publicidade estar presente no cotidiano das crianças, não é somente ela a responsável pelo consumo, pois o mesmo é estimulado por diversas mediações. As autoras ainda ressaltam a importância da educação, pois através dela não seria necessário privar as crianças da mídia, visto que este público não deixará de consumir a programação televisiva. Na visão delas a educação para o consumo prevenirá os possíveis danos causados pela publicidade, pois assim a criança teria uma postura crítica ao estímulo recebido. O principal suporte explorado nos estudos foi a televisão, escolhida por 8 das 13 dissertações de mestrado. A mídia em geral foi o suporte eleito por 3 dos trabalhos, seguido por revista (dois), internet (um), PDV (um). Somente uma pesquisa (tese) não optou por nenhuma mídia específica. O fato da televisão permanecer como o suporte mais utilizado pode ser relativo ao tempo dispendido pelas crianças que, 572

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segundo dados do IBOPE3, ficam em média 5 horas e 35 minutos assistindo sua programação. Entre os veículos selecionados percebe-se uma falta de especificação entre eles, pois apenas o canal Discovery Kids Brasil e a Revista Recreio foram escolhidos. A revista inclusive foi abordada em dois trabalhos diferentes: em uma tese sociodiscursiva e em uma dissertação comportamental. O desenho Doug Funnie e o programa infantil Cocoricó também foram estudados isoladamente, assim como o personagem Batman, sendo este explorado em diversas plataformas. Os estudos culturais foram utilizados como enfoque teórico na maioria dos trabalhos, juntamente com as teorias da comunicação, da cultura do consumo e da infância. Grande parte das pesquisas realizou uma retomada histórica partindo da sociedade moderna e pós/moderna para contextualizar a infância e a relevância de seu enfoque. Diante do panorama geral, 11 trabalhos se utilizam de alguma forma de autores provenientes dos estudos culturais, sendo em sua maioria de autores como Hall e Canclini. O modelo das multimediações de Jesús Martín-Barbero e o de mediações de Guilhermo Orozco Gómez também é muito utilizado, principalmente em estudos de cunho sociocultural. Autores com enfoque em sociedade e infância também obtiveram grande relevância nos trabalhos, principalmente David Buckingham. Ele desenvolveu seu estudo sobre a relação das crianças com a mídia tendo os estudos culturais como abordagem principal - mesmo que esta faixa etária não tenha sido explorada diretamente pela Escola de Birmingham. Lipovetsky, Baudrillard e Campbell serviram como referência para embasar quesitos como sociedade e cultura do consumo, enquanto Ariès, Piaget e Postman embasam infância e o desenvolvimento infantil. O método mais utilizado de abordagem é o qualitativo. Ele está presente em 13 dos 16 estudos, enquanto os restantes fazem uso de pesquisa mista, utilizando técnicas qualitativas e quantitativas. A classificação ficou dividida entre pesquisas exploratórias e pesquisas descritivas, sendo nenhuma delas considerada como explicativa. O caráter qualitativo e exploratório é compatível com as premissas aplicadas nos estudos de recepção, pois eles possibilitam extrair o máximo de informações nestes contextos. A análise de conteúdo é a técnica textual mais utilizada pelos trabalhos, estando presente em 6 deles. Em segundo lugar obteve-se três estudos de recepção com viés etnográfico - todos com abordagem sociocultural. Em ambos os casos, tanto em análise de conteúdo, quanto em etnografias, foram utilizadas mais de uma técnica a fim de aprimorar a complexidade metodológica dos estudos. No caso dos estudos com inspiração antropológica, as técnicas em conjunto mais utilizadas foram as de PROJETO CRIANÇA E CONSUMO. Tempo de crianças e adolescentes assistindo TV aumenta em 10 anos. Disponível em Acesso em: 20 julho de 2016. 3

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questionário e entrevistas em profundidade. Um de seus corpus é composto por 10 crianças de classe popular e 10 mães, posteriormente foram realizadas 4 entrevistas com crianças de classe A e mais 4 com suas mães para realizar um cruzamento entre estas informações. Em outro estudo foram aplicados questionários e técnicas disruptivas em uma amostra de 17 crianças entre 9 e 13 anos. Em relação aos estudos que utilizam análise de conteúdo, a mesma é combinada com grupos de discussão e questionários. Em estudos quantitativos, as amostras foram entre 433 e 180 crianças. A preferência por realização de pesquisas em escolas ou ONGs se dá devido à alta concentração deste público e da maior facilidade de acesso dos pesquisadores. A pesquisa bibliográfica esteve presente na maioria das produções, não sendo explicitada somente nos estudos de: análise de discurso (dois), estudo de caso (um) e análise semiótica (um). Grupos de Discussão e entrevistas em profundidade foram utilizados em dois estudos cada - além dos casos de pesquisa com inspiração etnográfica, que também se valeram destas técnicas. Em duas pesquisas identificouse a análise de anúncios, mesmo não tendo sido citada diretamente, estes estudos poderiam se valer da ideia de fluxo publicitário apresentada por Piedras (2009). As análises ocorreram em faixas pré definidas de horários e canais específicos, compatíveis com os objetivos de cada uma. Tendo em vista este panorama, podemos identificar as semelhanças e diferenças entre as produções acadêmicas sobre recepção, publicidade e infância. 4 Considerações Finais

Em termos quantitativos, os estudos sobre o assunto obtiveram um crescimento em relação à década anterior, passando de 2 para 16 produções. Outro fator interessante foi a ampliação no número de programas de pós-graduação nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que possibilitou estudos em outras regiões fora do eixo Sul-Sudeste. A partir de 2013 o tema ganhou representatividade nas produções acadêmicas, alcançando 12 dos 16 estudos. Conforme lacuna identificada por Piedras (2014) sobre a necessidade de pesquisas sobre recepção publicitária do público infantil, pode-se afirmar que nosso estado da arte comprova a demanda emergente de estudos sobre esta temática. Tendo em vista a realização deste estado da arte com o propósito de explorar este tema e identificar as pautas inexploradas sobre o assunto, percebeu-se uma baixa produção com viés comportamental e uma tendência de diversos resultados que indicam a educação para a mídia com o propósito de preparar melhor este público para estes estímulos, evitando assim a necessidade de proibição total imposta pelo CONANDA. Outro fator identificado foi a respeito do estudo da televisão, apesar dela se manter como a plataforma mais utilizada, outras mídias estão ganhando espaço no cotidiano das crianças e também devem ser exploradas. 574

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Apesar dos trabalhos conceituarem bem os contextos históricos da infância na sociedade moderna e pós-moderna foram identificadas carências em relação aos conceitos mercadológicos e publicitários. Alguns estudos foram muito rasos ao contextualizar a publicidade e a escolha de algumas metodologias não são compatíveis com os objetivos definidos inicialmente. Estudos que se valeram somente de pesquisas bibliográficas e análises documentais não exploram a característica empírica necessárias para obter melhores resultados acerca deste público, o que resultou em conclusões sem embasamento sobre o comportamento infantil. Considerando o predomínio de pesquisas com abordagem qualitativa, em especial as que utilizam técnicas observacionais de pesquisa, percebe-se a importância de ouvir diretamente os atores do processo de recepção: as crianças. Em alguns destes estudos ainda eram realizados questionários (dois) e entrevistas em profundidade (um) com os pais, para identificar traços no comportamento das crianças. É necessário salientar a dificuldade de se realizar a pesquisa no ambiente virtual, tanto por problemas em acessar alguns bancos de dados, como também pela restrição em selecionar os trabalhos baseados somente por meio das palavras-chave. Alguns estudos foram descartados devido à ausência delas, mesmo tratando do assunto em seus resumos. Os estudos se dividem em uma visão dicotômica sobre as crianças, uns defendem que elas são indefesas diante a publicidade e outros defendem a capacidade delas de criação de sentido. Percebe-se que muitos dos resultados apontam para a necessidade de educá-las para uma melhor relação com a mídia em geral. Um dos trabalhos deixa claro que a autorregulamentação é insuficiente, outros, no entanto, criticam os interesses corporativistas dos publicitários que se negam a seguir a resolução do CONANDA. Portanto, há muito o que se explorar no universo infantil em referência à publicidade e a recepção. Referências

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA http://www.andi.org.br> Acesso em: 24 jun. 2016

INFÂNCIA.

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MONTEIRO, Maria Clara Sidou Leituras de jovens sobre a publicidade e sua influência nas práticas de consumo na infância e na idade adulta Fortaleza: UFC, 2014. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Universidade Federal do Ceará, 2014.

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PINTO, Ana Carolina de Lima. CRIANÇA, CONSUMO E PUBLICIDADE: Análise dos anúncios veiculados pelo canal Discovery Kids Brasil Belo Horizonte: PUC MINAS, 2015. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social), Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2015.

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PROJETO CRIANÇA E CONSUMO. Tempo de crianças e adolescentes assistindo TV aumenta em 10 anos. 19 jun. 2015. Disponível em Acesso em: 20 julho de 2016.

QUEIROZ, Marta Maria Azevedo. Eu não quero ser a mulher saliente! Eu prefiro ser a Isabella Swan! Apropriações das identidades femininas por crianças na recepção midiática São Leopoldo: UNISINOS, 2013. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação), Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2013.

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Autores

Kandice Van Gról Quintian: Publicitária graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e atualmente mestranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Já trabalhou diretamente com inteligência de mercado e pesquisas de opinião. Possui experiência em pesquisas qualitativas e quantitativas. Busca no mestrado obter embasamento teórico, metodológico e empírico para desenvolver seus estudos sobre recepção, consumo, publicidade e infância. E-mail: [email protected]

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Anúncios de lingeries sob o olhar das mulheres de São Borja Marta Elaine Vercelhesi MENDES1 Denise Teresinha da SILVA2

Universidade Federal do Pampa, São Borja, Rio Grande do Sul Resumo: Este trabalho apresenta dados de um Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda (2016). A investigação teve por objetivo saber como as mulheres são-borjenses entre 50 e 60 anos vêem a imagem feminina em anúncios de lingeries impressos em revistas. Para isso, elaboramos um questionário estruturado dividido em seis eixos: (1) identificação da mulher entrevistada, (2) acesso aos meios de comunicação, (3) hábitos de compra de lingerie, (4) opinião sobre a publicidade de lingerie, (5) análise dos anúncios e (6) relações de gênero. Estas questões foram dispostas em abertas e fechadas e analisas com base nas mediações múltiplas de Orozco Goméz. As mulheres investigadas, entre outras afirmações, dizem que a publicidade ainda não consegue retratar as diferentes formas de ser mulher. Palavras-chave: Relações de gênero; Publicidade; Revista; Recepção; Mediações. 1 Introdução As mulheres são consumidoras de grande gama de produtos para toda a

família. Segundo uma pesquisa da Sophia Mind3, que tem como foco saber a opinião

feminina através de análises de mercado, aponta que as mulheres possuem o domínio do processo de compra, pois controlam 66% dos recursos para consumo, o que

Marta Elaine Vercelhesi Mendes – Bacharela em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. 2 Denise Teresinha da Silva – Doutora em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, com doutorado sanduíche na Universidad Autónoma de Barcelona, UAB. Professora Associada, Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. 3Disponível em: Acesso em 27 de maio de 2015 às 16h34min. 1

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equivale a R$ 1,3 trilhão. Sant´Anna afirma que “as pessoas, na pós modernidade,

estão mais focadas em si mesmas, com seu bem estar pleno: ético e estético. Querem ser atraentes, preocupam-se com sua aparência pessoal. As mulheres investem mais

em cosméticos, drogarias e supermercados” (2006, p. 14).

As mulheres estão em ação cada vez mais, desde o distante 1920, quando

tiveram o direito ao voto. Wolf (1996), já previa que as mulheres do século XXI,

seriam vencedoras de várias das suas reivindicações, abrindo espaço para ampliar

sua participação política na sociedade. Entretanto, ainda há muito pelo que lutar. A

publicidade tem demonstrado dificuldades para lidar com o tema relações de gênero, vide as constantes denúncias no site do CONAR4. Para entender as representações do

feminino na propaganda, é fundamental compreender o que é gênero.

De acordo com Scott (2008), o gênero é parte da construção social atribuída

aos homens e mulheres. Para a autora, ele é uma referência social das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. Portanto, segundo Salih, (2015, p. 67), Butler

considera gênero como algo não natural, desfazendo a conexão entre sexo e gênero. Gênero, nesta perspectiva, é uma construção social e cultural e não uma norma

biológica. Salih (2015, p. 66), comenta que nenhum destino biológico, psíquico,

econômico, define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto chamado feminino.

Scott (2008) fala que na gramática, gênero é compreendido como um meio de

classificar fenômenos, um sistema de distinções socialmente acordado, mais do que

uma descrição objetiva de traços inerentes. A autora explicita em seu texto as formas analíticas de compreensão do gênero através da história, tal qual o termo era

compreendido pela sociedade no decorrer do tempo. O conceito de gênero utilizado

por ela é uma categoria que indica através de desinências, a divisão dos nomes com base em critérios como sexo e associações psicológicas, definindo, assim, como uma categoria histórica, pois reflete as mudanças comportamentais da sociedade. Não é

um termo que naturaliza as relações entre homens e mulheres, mas que se propõem a entender no contexto histórico como ser homem ou ser mulher é uma construção social.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) é uma organização nãogovernamental da sociedade civil que tem por objetivo impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao público consumidor ou a empresas (ver: conar.org.br).

4

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Para Saffioti (2004), o gênero não está atrelado ao sexo da pessoa, e sim a

identidade de cada indivíduo, de acordo com a autora, estes constroem a sua própria orientação sexual. “Cada feminista enfatiza determinado aspecto do gênero, havendo um campo, ainda que limitado, de consenso: o gênero é a construção social do masculino e do feminino” (SAFFIOTI, 2004, p. 45).

Neste contexto, o presente artigo apresenta alguns dados coletados e

analisados para um Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda, defendido em julho de 2016. A pesquisa teve como objetivo saber como as mulheres

são-borjenses vêem a representação da imagem feminina em anúncios de lingeries impressos em revistas. Para que isso fosse possível, escolhemos os seguintes

anúncios: (1) LOUNGERIE, publicado na revista CLAUDIA em 06/2012, (2) VALISERE, NOVA COSMOPOLITAN, 10/2013, (3) DELRIO, NOVA COSMOPOLITAN, 06/2014, (4)

DELRIO, CLAUDIA, 10/2015 e (5) YOGA, CARAS, 03/2016. A escolha destas revistas

aconteceu por serem direcionadas ao público feminino, possuírem anúncios com o tema pesquisado e serem do conhecimento das mulheres entrevistadas. Esta

investigação

teve

um

caráter

qualitativo,

não

visando

a

representatividade das opiniões, mas o pensar sobre o assunto em debate, pois “a

finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao

contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão” (BAUER e GASKELL, 2008, p. 68). Para isso, elaboramos um questionário estruturado com 52 perguntas. Ele foi dividido em seis eixos: (1)

identificação da mulher entrevistada, (2) acesso aos meios de comunicação, (3) hábitos de compra de lingerie, (4) opinião sobre a publicidade de lingerie, (5) análise

dos anúncios e (6) relações de gênero. Estas questões foram dispostas em abertas e fechadas.

As entrevistas foram realizadas individualmente, em profundidade, sendo

entrevistadas 13 mulheres na faixa etária dos 50 aos 60 anos de idade. Esta idade foi

escolhida porque estas mulheres já têm uma grande experiência de participação na vida social, mas ainda estão envolvidas com as atividades diárias, como o trabalho, ou

se aposentaram recentemente. Esta memória deste período de transição para a chamada terceira idade foi o que definiu nossa escolha.

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O nosso objetivo geral foi analisar o modo como as mulheres são-borjenses

vêem os anúncios de lingerie impressos nas revistas direcionadas ao público feminino para pensarmos a comunicação de um modo reflexivo. Nesse contexto, os objetivos específicos foram: compreender a visão das mulheres entrevistadas sobre os

anúncios selecionados; identificar quais as mediações interferem nesse processo de recepção; analisar os anúncios escolhidos.

Para atingirmos os objetivos deste trabalho, no que se refere ao percurso

metodológico, fizemos um estudo de recepção, coletando os dados com a aplicação de

um questionário estruturado, depois fizemos a análise dos dados para chegarmos a um entendimento sobre a interpretação das mulheres, através de suas opiniões sobre

os anúncios de lingeries, com gravação e transcrição das entrevistas. Para análise dos dados utilizamos as mediações múltiplas de acordo com Orozco Gómez (1997).

Podemos dizer que, de acordo com Gomes e Cogo (1998), estudar a recepção é

também estudarmos o fenômeno da comunicação social, ela é uma relação da

produção de sentidos na vida das pessoas. Portanto, como afirma Silva (2013), para

sabermos o conceito de recepção é necessário conhecermos os processos comunicacionais, saber as teorias que foram elaboradas para desenvolvimento da

comunicação. Neste processo de recepção da mensagem publicitária, temos inúmeros

fatores que estão entre a recepção e a emissão desta mensagem, que são as mediações, mas que não podem ser vistas de forma linear, pois são bastante complexas. Martín-Barbero (2006) afirma que a cultura é a principal delas. Para isso,

Orozco Gómez (1997) propõem as mediações múltiplas (individuais, institucionais,

tecnológicas, situacionais e de referência) como forma de analisarmos este intricado

processo de recepção.

Como nos evidencia Gomes e Cogo (1998), este processo não é de forma

alguma voltado à passividade, mas sim à atividade, à participação do sujeito no

processo de comunicação. Este pensamento, que tem constantemente se

desenvolvido, ganhou notoriedade com grupos de pesquisadores/as existentes na

América Latina que resolveram romper com esquemas tradicionais dos conceitos de comunicação, fazendo abordagens através da recepção a partir da década de 80.

Deste modo, Beltrán propõe uma reformulação na comunicação com estudos receptivos, abolindo os paradigmas funcionais, cuja a finalidade é a persuasão. Já para 582

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Silva (2013), com base em Martín Barbero, o sujeito emissor e o sujeito receptor, não são isolados e sim lugares sociais.

2 Essas mulheres

Para começarmos esta análise, queremos dizer que todas as entrevistadas

foram devidamente informadas sobre esta pesquisa, que visa saber a opinião sobre

anúncios publicitários de lingerie impressos em revistas. Neste artigo, não será

possível apresentar todos os dados obtidos na pesquisa, por isso, optamos apresentar

as mediações de referência (aquelas que incluem as características que situam as entrevistadas em um determinado contexto ou ambiente, como idade, gênero,

raça/etnia, classe social), as institucionais (família, trabalho, igreja, etc.) e a análise das mediações tecnológicas (meios de comunicação), segundo Orozco Gómez (1997).

Todas as entrevistadas costumam ver propagandas de lingeries assim como

comprar lingeries. Essas duas questões foram decisivas para continuar a entrevista, servindo como perguntas de exclusão. Nenhuma das procuradas para a entrevista respondeu negativamente para essas questões.

2.1 Mediações de referência e institucional

Antes de apresentarmos os dados, cabe destacar a cidade onde vivem as

mulheres investigadas. São Borja está localizada a oeste do Rio Grande do Sul, é

considerada o primeiro dos sete povos das missões, por isso seus primeiros habitantes foram os povos indígenas das missões jesuíticas. Vieram para a localidade na segunda fase das Missões Orientais do Rio Ururguai, quando voltaram da Argentina em 1682.

O município é banhado pelo rio Uruguai onde faz divisa com a vizinha cidade

de Santo Tomé na Argentina. A base econômica da cidade está na agropecuária e

agroindústria. Está constituída por dez grandes bairros na zona urbana: Centro, Dr. Florêncio Aquino Guimarães, Maria do Carmo, Bettim, Pirahy, José Pereira Alvarez,

Itacherê, Tiro, Passo e Paraboi. Os municípios limítrofes brasileiros são ao norte

Garruchos e Santo Antônio das Missões, ao sul Maçambará e Itaqui e à leste Itacurubi e Unistalda.

Possui 61.671 habitantes, sendo 55.138 da área urbana, com uma

densidade demográfica de 17,05 habitantes/km². 583

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O primeiro eixo, identificação, do questionário compreendeu estas duas

mediações: de referência e institucional. No quadro abaixo podemos visualizar o perfil de cada entrevistada. Identificação

Idade

Bairro

Escolaridade

Profissão

Estado

Reside

Raça

Religião

Mulher 1

54

Tiro

Ensino médio

Comerciante

Casada

Marido e filhos

Branca

Luterana

Mulher 2

51

Tiro

Ensino médio

Cozinheira

Casada

Marido, outros

Branca

Católica

Marido e filhos

Branca

Católica

incompleto completo

civil

etnia

parentes,

animais de estimação.

Mulher 3

54

Tiro

Ensino médio

Comerciante

Casada

Mulher 4

51

Tiro

Ensino

Secretária do

Divorciada

Marido e outros

Branca

Evangélica

Mulher 5

50

Passo

Chefe de

Divorciada

Outros parentes

Parda

Católica

Negra

Espírita

Mulher 6

53

Mulher 7

55

Centro Tiro

Mulher 8

54

Tiro

Mulher 9

52

Tiro

completo

fundamental completo

Ensino médio completo

Especialização Ensino

fundamental completo

lar

cozinha

Professora

Aposentada

Casada Casada

parentes

e animais de estimação.

Marido e filhos

Marido, filhos e neta

Branca

Católica

Ensino médio

Comerciante

Casada

Marido, filhos e

Branca

Católica

Ensino médio

Autônoma

Casada

Marido, filhos e

Branca

Católica

Marido e neta

Branca

Espírita

completo completo

outros parentes animais de estimação

Mulher 10

60

Tiro

Ensino médio

Aposentada

Casada

Mulher 11

57

Tiro

Ensino médio

Do lar

Viúva

Filhos e animais

Branca

Sem

Mulher 12

58

Tiro

Ensino médio

Aposentada

Solteira

Outros parentes

Branca

Católica

Mulher 13

58

Passo

completo completo completo Ensino

fundamental incomp.

Aux. Serviços gerais

Casada

de estimação e animais de estimação

Filhos e outros parentes

Parda

distinção

Católica

2.2 Mediações tecnológicas Neste item, iremos nos deter somente no que tange à recepção dos anúncios de

lingerie, eixos (4) opinião sobre a publicidade de lingerie, (5) análise dos anúncios. 584

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Sobre a imagem feminina apresentada nas propagandas de lingerie, nove das

entrevistadas concordam com uma boa apresentação da imagem da mulher na

propaganda. Destas, justificaram que o corpo é bonito (6), o corpo é sexy (1), é

interessante para o consumo (1), a mulher é sensual (1). As outras quatro disseram

que a propaganda não apresenta uma imagem adequada da mulher, porque usam

somente modelos com corpos magros “perfeitos”, quando deveriam mostrar todo tipo de mulher, além de uma falar sobre o excesso de exposição do corpo.

Quanto ao tipo de mulher mais apresentado na propaganda, temos: são

mulheres magras e bonitas (6), são mulheres fora da realidade (1), tipo vulgar (1),

são as “barbies” e brancas (1), são mulheres artistas (1), tipo de mulher (2), tipo adequado de mulher (1).

Tratando-se de comerciais ofensivos e abusivos à mulher, as entrevistadas não

lembram de terem visto nenhum comercial que considerem desrespeitoso com relação a imagem feminina (10) e já viram um comercial ofensivo (3). Duas citaram o

exemplo da cerveja Itaipava e uma da loja Lú Representações.

Quanto às imagens nos comerciais, cinco das entrevistadas sentem-se contempladas

nos comerciais de lingerie. Isto porque, gosta porque chama a sua atenção para as lingeries (2), ficar por dentro da moda (1), gosta de ver a propaganda (2). Das oito mulheres que não se sentem contempladas nos anúncios, não há necessidade de usar o corpo da mulher (3), não tem vaidade (1), sente-se insegura no ato da compra (1), compra de acordo com a realidade e não pela propaganda (2), fica bonito para as modelos e não para ela (1). Sobre como poderiam ser os comerciais relacionados ao corpo da mulher e ao

produto, afirmam que está boa a forma de apresentação, não há necessidade de modificações (3), a lingerie deveria aparecer exposta sobre um balcão (1), pode ser

de qualquer forma, menos vulgar (1), deveriam mostrar mais a qualidade e o preço do

produto (1), não tem necessidade de aparecer o corpo da mulher e sim a peça “como fazem com aparelhos eletrodomésticos” (1).

Quanto ao direcionamento das propagandas de lingerie para a sua faixa etária,

quase a metade das mulheres afirma que os anúncios são também para sua faixa

etária de 50 anos de idade (6). Segundo elas, há variedades e para todas as idades (3),

observa mais o produto e não pela propaganda (1), gosta da modernidade (1), não se considera com idade avançada que não possa usar lingeries bonitas (1). Das sete 585

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entrevistadas que não concordam que existam propagandas de lingerie para a sua faixa etária, só fazem anúncios com meninas mais novas (1), a mulher em sua

maturidade não gosta de calcinhas do tipo fio-dental (1), a partir de seus 50 anos de

idade não encanta mais ninguém, não chama mais a atenção (2), não existe comercial

com mulheres gordas e de mais idade (2), jamais apareceria uma pessoa a partir de seus 50 anos de idade mostrando seu corpo (1).

No que se refere à análise dos anúncios, conforme o método utilizado por Silva

(2013), esta foi realizada em dois aspectos: o Campo, os elementos que compõem as

imagens, bem como os cenários, enquadramentos, ângulos, disposição de pessoas e

objetos nos planos; e o Fora-de-campo, consiste na contextualização histórica e

mercadológica das marcas e das opiniões das mulheres entrevistadas ao observarem

as imagens. Aqui, restringir-nos-emos no Fora-de-campo à opinião das entrevistadas

sobre os anúncios que foram selecionados:

Fig.1: Loungerie (Reprodução)

Fig.2: Valisere (Reprodução)

Fig.3: DelRio (Reprodução)

Fig.4: DelRio (Reprodução)

Fig.5: Yoga (Reprodução)

O primeiro anúncio é da marca Loungerie (Revista Claudia, 06/2012).

As mulheres destacam a beleza da modelo e a sua juventude. Algumas

gostaram do anúncio.

Mulher nº 2: “Eu acho ótima! Porque nesta lingerie ela tá bem vestida em termos de sedução e conquista, tá se insinuando”. Mulher nº 9: “Cabelo bunito, tudo bunito, maquiagi bunita, ela tá bem apresentada eu achei linda maravilhosa”. Mulher nº 12: “ Tá legal, tá bunito não tenho muito que fala deste aqui, somente isso, só tem isso, tá legal a moça tá bunita é isso ai”. Mulher nº 13: “É tá lindo aqui né, eu achei lindo essa lingerie”.

Outras se referiram ao tipo de corpo específico para usar a lingerie.

Mulher nº 7: “Ah! Eu acho sexy, mas eu não me animava a usa com liga […] não pra mim usa, acho assim na idade mais nova e é isso ai”.

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Mulher nº 10: “A modelo é uma modelo bunita i o lingerie também tá adequado ao corpu dela têm muitos que, eu no meu caso não seria pra mim, agora é bastante sensual”. Mulher nº 11: “O que chama mais atenção é o corpo da mulher que é perfeito tá tudo certinho, agora a dúvida é ir lá na loja encontra essa lingerie pra um corpo que não seja tão perfeito”.

Houve um destaque para a questão sexual presente nas imagens e a exposição

do corpo da mulher.

Mulher nº 1: “É uma mulher bonita, uma lingerie bonita, então geralmente já usam mulher para esse fim mesmo vender a propaganda e a mulher já fica exposta”. Mulher nº 3: “Não é o tradicional da gente usar dia a dia é mais chamando atenção mais pra sexual”. Mulher nº 4: “Considero uma sedução aqui né! Ela é bem sedutora e a lingerie também, é uma sedução principalmente pros home, não pra mim”. Mulher nº 5: “Esse aqui, esse anúncio é pra moça de programa né! Pra prostituta”. Mulher nº 6: “É chocante mesmo por causo que é uma menina né! […] e convidando as outras menina da mesma idade compra uma coisa que vá usa pra sei lá?! Até pra…tipo sadomasoquismo?! […] Convidada para fazer sexo, a cor, o modelo, a liga indicam isso”.

Mulher nº 8: “Ah! É uma propaganda apelativa né! É uma menina, uma atriz famosa, uma lingerie preta, só que a preta em si é mais sensual […] Ela é com meia, com cinta-liga isso aqui é mais pra um encontro sexual mesmo né! Não é uma peça confortável pra uso isso aqui é mais pra propaganda do corpo mesmo que é mais pra ser mostrada pra outro não pra ser o conforto é pra alguém vê mesmo né”.

O segundo anúncio é sobre a marca Valisere (Revista Nova Cosmopolitan

10/2013).

Muitas gostaram do anúncio:

Mulher nº 3: “Eu achei bonita, só que eu não compraria, não gosto deste tipo de lingerie”. Mulher nº 4: “Eu acho linda as lingeries elas têm um corpo bonito também”. Mulher nº 5: “É essa aqui até o sutiã tá normal né, […] mas cada vez eles vão diminui mais, já tão diminuindo né, mas não tá muito indecente sabe, até que esse aqui dá pra passa ele tá provocante, mas não tanto assim como outras que a gente vê por ai”. Mulher nº 7: “Eu acho muito bonito este daqui porque eu gosto de renda, então pra mim eu usaria assim é bonito”. Mulher nº 10: “É também são sensual, também porque são calcinhas transparentes né, u sutiã também, mas são modelos realmente, eu achu qui também são sensuais”. Mulher nº 11: “Ah! É uma campanha muito bem feita só com modelos lindas e perfeitas, mas em corpo perfeito si… como volto a dizer todas essas propagandas são feitas para o corpo perfeito um corpo que esteja com um pouquinho a mais da medida com certeza a lingerie não vai surtir o mesmo efeito”.

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Outras gostaram, mas disseram não ser para a idade delas ou tipo de corpo:

Mulher nº 2: “Não gosto de lingeries com rendas, na idade que vejo aqui a menina está muito bem, na minha idade já não chama a atenção”. Mulher nº 9: “Hum! Olha só os modelo de calcinha tudo de renda, ó! Não é o tipo de calcinha qui a gente gosta de usa de renda, sutiã sim”. Mulher nº 8: “Muito linda as peça, muito lindas bem delicada com renda, lindíssimas só que na aqui na propaganda tá mais pra jovem não sei se esse tipo de sutiã seria pra mais velha, é mais pra ela tá mais assim pra ser bonita ela não tá assim tão pra ser confortável esses detalhe assim […] eu compraria pra minha filha já não pra mim né, pra mim tem que ser uma coisa mais confortável, mas são muito linda”. Mulher nº 12: “Ela tá bunita, tem bastante variedades, têm pra todos us gostus, mas todos us corpos tão bunito aqui, só tá faltando a gordinha”.

Algumas ainda destacaram a questão da sexualidade como algo negativo:

Mulher nº 1: “Hei! Essa propaganda meio assim… vulgar demais, essa lingerie muito transparente, ai já fica a mulher mais exposta ainda do que a primeira”. Mulher nº 6: “É também! Tudo transparente né! Tudo as menina aparece até o sexo depilado né, o órgão sexual depilado né?! Ó! E um monte de meninas de novo sensualizando não é, não é pra i numa festa isso aqui é pra elas fica dentro dum quarto só mostrando se sensualizando não é pra uma pessoa né, e aliás um monte delas junto também insinua até que seje é pra todos os sexos, não é só pra sensualiza o homem, mas também uma mulher né?! Ela não está vendendo lingerie, está vendendo possibilidade de uma noite bem caliente”. Mulher nº 13: “Desse tipo de calcinha ai ó, não pra mim, já esse ai não deu certo, não o corpo é modelo, mas as lingerie não tá combinando cum o corpu delas […] não sei, tem coisa ai parece… Não gostei do tipo dessa lingerie”.

O terceiro anúncio é da marca DelRio (Revista Nova Cosmopolitan, 06/2014). A grande maioria gostou deste anúncio:

Mulher nº 1: “Esta tá uma propaganda mais comportada eu acho, a lingerie é bonita, uma menina novinha”. Mulher nº 2: “A marca é muito boa veste bem a mulher com conforto e delicadeza, a menina está bem apresentada”. Mulher nº 3: “É bonita, eu acho bonita, bonita e sensual”. Mulher nº 4: “Também né, é uma roupa íntima sexy, sensual é isso ai”. Mulher nº 5: “É esse aqui tá normal né, esse aqui é o tipo que eu usaria, tipo de lingerie assim que eu usaria ó! Ele é todo fechado não é estravagante, não é vulgar sabe, tá uma coisa decente,[…] era desse tipo aqui era mais fechadinho, era mais decente”. Mulher nº 7: “Eu acho essa aqui bem bonita, gosto desse também, ela é bem sexy e não é vulgar, então eu gosto da DelRio, acho bem, bem legal mesmo esse aqui”.

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Mulher nº 10: “É da Delrio é bunita também, sensual”. Mulher nº 12: “Este anúncio aqui, gostei ele é fechadinho”. Mulher nº 13: “Ah! Esse aqui eu gostei tá lindo esse aqui eu gostei dessa lingerie aqui, do corpo dela ó! Combinô tudo aqui ó! Dessa ai ó! Gostei dessa”.

Mas, algumas ainda salientam a questão do corpo e da idade:

Mulher nº 8: “Linda menina linda geralmente botam menina linda né porque a qualquer… eu digo pa minha filha uma menina linda e com o corpo bonito enrolada no jornal ela vai continua linda não é?! E assim é com uma peça de lingerie se ela é linda qualque lingerie vai fica bonita”. Mulher nº 9: “É bunita, é lindissíma eu acho linda, só qui esse tipo de sutiã também eu não uso(risos), a calcinha eu gostu desse tipo de calcinha assim ó, ele fica marcando muito, ah u corpu da modelo, ah ela é linda maravilhosa essa atriz aqui bem bunitinha, bem novinha, tudo natural né, tá muito bunito esse ai também tá lindo”. Mulher nº 11: “É realmente uma menina muito bunita, cabelo perfeito é é bijuterias nas orelhas que chama bastante atenção na verdade a lingerie parece ser perfeita mas volto a dizer que tem que ter esse mesmo corpo porque se não for com esse corpo perfeito a lingerie não vai é dar a mesma aparência”.

Somente uma não concorda com o que é apresentado e tem uma opinião

bastante diferente das demais, enfatizando as diferenças entre homem e mulher:

Mulher nº 6: “A DelRio ainda é mentirosa né, porque diz ali: “Mulheres adoram receber rosas melhor ainda se acompanhada de uma DelRio”, o homem não dá lingerie pra mulher e se ele der alguma lingerie algum dia pra mulher, algum tipo de homem é tipo um convite pra levá pra cama né, não tem isso do home dá, rosas é significa amor, carinho né, a gente recebe, agora dizê que né que vem acompanhada de DelRio não tem nada a vê com a parte sentimental da mulher, esse homem não vê a mulher, ele vê o corpo e qué que ela use aquela peça. É o que tem fetiche ainda, têm outros que nem querem de lingerie”.

O quarto anúncio a ser analisado, também é da marca DelRio (Revista Claúdia,

10/2015).

Muitas gostaram da lingerie e chamaram a atenção do cenário:

Mulher nº 1: “É a mesma menina, mais extravagante né, […] é uma propaganda bonita”. Mulher nº 2: “Tá um luxo, maravilhosa, corpo sexy, com estilo de muita sedução, pronta para atacar”. Mulher nº 4: “Também a mesma coisa que eu acho, eu acho que também é uma roupa muito sexy, sensual né bonita ela é né tem o corpo bonito pra fazer comercial”. Mulher nº 8: “Essa guria é muito bunita olha os olhos é lindo aqui ela já tá mais aqui ela já tá demonstrando uma certa aristocracia né uma pose elegante né […] tá meio requintada então é pra uma ocasião assim mais de gala de festa. Isso ai já seria mais pra minha filha não é o tipo de

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lingerie que eu uso. Mas […] eu gostei muito dessa muito, linda até com luvas né, gostei muito não pra mim, mas gostei” (risos). Mulher nº 10:” Ah é bem bonita principalmente o sutiã, […] não é muito avançado, não é muito ousado também purque ela cobre bastante, ali o sutiã também é um, até parece mais um top né”. Mulher nº 13: “Gostei, gostei dessa lingerie aqui, du corpo, olha coisa linda ó!”.

Outras contestaram o anúncio:

Mulher nº 9: “Essa eu achei feia não gostei! […] pra nós na nossa idade talvez já não sentaria né”. Mulher nº 11: “Pois é essa propaganda então chamou muito mais atenção pras luvas da “pantera” e pra bijuteria que ela usa no pescoço do que a própria lingerie”. Mulher nº 12: “Não gostei desti anúncio porque ela tá de luva e de colar, não gostei tinha qui ser só com a lingerie, purque o colar teria qui ser com a moda, com vistido não com lingerie e a luva também”.

Ainda algumas opiniões retrataram a vulgaridade do anúncio e sua ligação com

a sexualidade e a prostituição, como no segundo anúncio.

Mulher nº 3: “É essa já tá mais vulgarzinha um pouco né, […] esta achei mais bruxinha, mais diabinha”.

Mulher nº 5: “Esse também, esse aqui é pra tipo garota de programa esse aqui, por exemplo, uma dona-de-casa, acho que não iria usar né, ou uma senhora mais não usaria acho que de maneira alguma, só alguém que tenha por exemplo, uma senhora por exemplo como eu de 50 anos que gosta de sê menina-moça, usaria isso aqui, mas eu já no meu caso não usaria então eu acho pelos adereço que ela tem colar, luva é pra programa tá! O modelo é muito bonito gosto muito de vê, mas é muito vulgar”. Mulher nº 6: “É a guria bem novinha também né, nem tem corpo de mulher né, mas tá aqui sensualizada como uma mulher, uma mulher fatal e “para seus dias de luxo”né, de certo é uma coisa exclusiva que tu deva usa só naqueles momento né de luxo mesmo que vai rola sexo, dinheiro, festa né, não é uma lingerie pro dia a dia né?! (…) a Claúdia é uma revista para mulheres que querem informação e ai vem uma coisa no meio da revista sensualizada pra um tipo específico de mulher né, acho que é uma propaganda que tá num lugar errado. E o que mais dá tristeza na gente, elas se prestarem a esse papel né, se elas querem que levem elas a sério como atriz?! Elas não deviam de fazê esse tipo de propaganda porque o que passa aqui que ela é uma pessoa disponível né, e ai ela qué sê respeitada como atriz, “pelo talento”. Mulher nº 7: “Achei mais pra programa, muito vulgar, chamando muito atenção, eu já não usaria, ah! Esse aqui eu acho que é mais para mulher mais nova assim que qué conquista os home de…que gostam de fazer essas, streep tease essas coisa eu já não usaria esse, não gostei desse é…é pra mim não, então pra mim já não senta esse”.

O último anúncio é da marca Yoga (Revista Caras, 03/2016). 590

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Este foi o anúncio mais aprovado pelas entrevistadas:

Mulher nº 1: “É muito bonita essas lingeries também até que tá mais comportada essa ai em vista das outras”. Mulher nº 2: “Modelos muito bonitas, modelo de lingerie bem fechado, mas com cores e modelos de sedução, não são vulgares”. Mulher nº 3: “Pra mim eu não gosto assim, na minha opinião, mas são bonitas tá! O produto é bonito, o corpo das mulheres estão lindos, mas ai eles não tão vulgar né”. Mulher nº 4: “Também são, são bonitas as lingerie, também são muito sexy, também valoriza o corpo também, principalmente essa aqui são lindo eu acho”. Mulher nº 5: “É esse aqui tá favorável né, tá bem decente”. Mulher nº 7: “É esse daqui é bonito eu gostei, esse aqui dexa a mulher bem sexy também e senta no corpo, mas é pra uma pessoa mais magra assim, mas é bonito pra quem não tem barriga e que tem um corpo bonito é legal eu usaria se tivesse um corpo assim eu usaria se tivesse que conquista um homem né fazê uma noite de… uma noite de amor”. Mulher nº 9: “Lindo esses ai,hum rum! Essa tá bunito, essa coleção tá muito bunita”. Mulher nº 10: “Bem diferente bonito muito interessante purqui ela também é firme né essa aqui, principalmente essa aqui da segunda modelo ela ajeita ajusta bem o corpu, ajusta bem o corpu e acredito qui seja confortável também até pra adequadamente pelas ropas qui for usa né cum elas, bem legal”. Mulher nº 11: “É, é uma propaganda realmente um pouquinho mais condizente com a realidade da mulher, mas mesmo assim ainda surti o efeito da beleza do corpo sendo que, a lingerie sempre fica em segundo plano”. Mulher nº 13: “Essa aqui também tá bunita esse aqui essas lingerie aquí”.

Uma opinião diz o contrário do que vinha sendo falado, diz que o anúncio traz

uma lingerie para o corpo que não está dentro dos padrões de beleza, magro, pois a entrevistada vê a peça como modeladora:

Mulher nº 8: “Muito linda essas meninas, super lindas e elas tão demonstrando aqui né a preocupação com o corpo mesmo como modela o corpo a cintura é… não sei se são confortáveis essas peças, mas elas, elas é mais pra modela o corpo, pra acintura, pra, pro seio fica maior a cintura mais apertada elas são bunita mas é pra quem tá meio fora de forma, […] esse modelo não é pra menina que já tem o corpo bonito esse modelo aqui é pra quem tá com as coisa tudo caindo já. […] a ropa é mais pra mim mesmo não pra elas pra mim quando eu for coloca um vestido mais né que eu quera bota uma ropa mais demonstre mais assim acinturada, mais magra né, mas pra elas não é”.

Apenas duas opiniões são contrárias, uma citando o engano no uso do nome da

marca, outra por não gostar do modelo da lingerie:

Mulher nº 6: “Ridícula né! Eles tão apelando também, porque botaram aqui o Yoga uma associada ao Yoga. O Yoga é uma coisa muito interessante, uma prática de meditação né! Né a

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gente jamais iria fazer Yoga com uma lingerie dessas né, a gente iria com uma malha normal pra fazê isso[…] Não combina nada com a lingerie vulgar aqui na propaganda né! […] então acho que é enganosa né, e de más intenções que dai a pessoa…todo mundo que vai fazê yoga, acha que vai tê que compra a lingerie, mas não tem nada a vê”. Mulher nº 12: “Não gostei, é muito transparente, não sei não gostei”.

3 Considerações finais A partir destas falas algumas considerações merecem ser evidenciadas. Temos

consciência de que são muitas as análises possíveis a partir deste material, que pode

constituir um outro trabalho. Neste momento, cabe destacar que poucas opiniões demonstram a preocupação com o uso da figura da mulher em um sentido político, pois o questionamento parte por um ponto de vista mais conservador, da moral, de que as mulheres mais velhas precisam esconder seu corpo, por isso preferem peças

que são maiores, que não mostram tanto, pois isso são feitas para as mais novas. Uma evidencia o tempo todo que as lingeries são para sua filha, não para ela. Além disso, o fato de promover a sexualidade é visto por algumas de forma extremamente

moralista, relacionando, inclusive, com a prostituição, com um prazer proibido para

as demais mulheres, as “sérias”. A questão da escolaridade das entrevistadas, como a econômica e social, é um ponto de relevância para estas opiniões.

A juventude, a beleza das modelos, o corpo magro, que encaminha à perfeição,

também foram pontos fortemente destacados nas opiniões. Embora saibamos que o público aqui definido para esta pesquisa não seja o alvo destas revistas, não podemos deixar de lado estas opiniões que foram facilitadas, enquanto coleta de dados, pelo fato de ser uma revista impressa.

De acordo com estas observações, é que nos propomos fazer uma reflexão dos

processos comunicacionais, para reformulação dos anúncios a partir dos estudos de recepção e de gênero.

Referências BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

GOMES, Pedro Gilberto e COGO, Denise Maria (org). O adolescente e a televisão. Porto Alegre: IEL/UNISINOS, 1998.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. OROZCO, Guillérmo Gómez. La Investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa. Guadalajara: Universidad Nacional de La Plata/Instituto Mexicano para el desarollo comunitario, 1997. Revista Caras. São Paulo: Abril, 2016. Edição 1167, Ano 23, n. 12; março.

Revista Claudia. São Paulo: Abril, 2012. Ano 51, n. 6; jun.

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Revista Nova Cosmopolitan. São Paulo: Abril, 2013. Edição 481, Ano 41, n. 10; out.

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SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. SALIH, Sara. Butler e a teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. São Paulo: Thomson Learning Edições, 2006. SCOTT, Joan W. Género e historia. México : FCE/Universidade Autônoma da Cidade do México, 2008.

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WOLF, Naomi. Fogo com Fogo: o novo poder feminino e como o século XXI será afetado por ele. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. Autoras Marta Elaine Vercelhesi Mendes Bacharela em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. E-mail: [email protected].

Denise Teresinha da Silva Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, com doutorado sanduíche na Universidad Autónoma de Barcelona, UAB. Professora Associada da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA Campus São Borja. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Produção em Fotografia da Unipampa (NEPFOTU), líder do GP Fos, integrante do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UNIPAMPA), vice-coordenadora do GP Comunicação para a Cidadania da Intercom. E-mail: [email protected].

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Práticas de Recepção da Publicidade X Práticas de Consumo: A Produção Científica Brasileira entre 2010 e 2015 Renata do Amaral. BARCELLOS1 PPGCOM/UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Resumo: Este artigo realiza um levantamento da produção científica brasileira sobre recepção da publicidade e práticas de consumo. Deste modo, objetiva mapear o estado da arte da pesquisa brasileira sobre as práticas de recepção da publicidade em relação às práticas de consumo no período entre 2010 e 2015. A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica e o corpus da pesquisa é constituído a partir de busca em sites de programas de pós graduação em Comunicação no Brasil por teses e dissertações que contenham as palavras-chave ”publicidade”, ”recepção” e “consumo” produzidos no período acima referido. Como resultados, apresenta-se o panorama da pesquisa em recepção de publicidade associado às práticas de consumo desenvolvido no Brasil durante este período.

Palavras-chave: recepção; publicidade; consumo; estado da arte. 1 Introdução

A publicidade é um processo de comunicação persuasiva e exerce sua ação a partir da veiculação de mensagens cujas o conteúdo apresenta funcionalidades dos bens materiais articulado com o seu valor simbólico. Segundo a perspectiva de Rocha (2006) podemos pensar que “a publicidade constrói uma representação da natureza plena de sentidos humanos para associá-la a um produto; este sim, anti-humano, por natureza” (ROCHA, 2006, p. 18). Enxergando sob este viés, é necessário levar em consideração que o ato de consumir, seja os objetos de primeira necessidade ou os mais supérfluos, está presente em toda e qualquer organização humana, pois consumir é uma ação extremamente cultural, estando intrínseco nas civilizações modernas e contemporâneas. Deste modo, o consumo é condizente com a reprodução 1

Renata do Amaral Barcellos – Mestranda em Comunicação – PPGCOM/UFRGS - Programa de Pós Graduação em Comunicação e Informação – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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física e social, uma vez que todas as sociedades manipulam artefatos e objetos da cultura material para fins simbólicos de diferenciação, pertencimento, atribuição de status e gratificação individual (BARBOSA, 2004). Evidenciado estas características de publicidade e consumo, é bastante relevante pensar a recepção da publicidade relacionando as suas práticas de consumo, uma vez que consegue dimensionar o seu “efeito [como] consequência do estímulo comunicativo, e define-se em sua relação com opiniões e atitudes, incidindo, em razão disso, diretamente na conduta dos indivíduos (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 26). Quer dizer, os estudos de recepção colaboram sobremaneira para a compreensão da articulação entre práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo, especialmente, considerando a perspectiva de Piedras onde, num estudo citando a perspectiva de entrevistadas, sugere-se que o consumo simbólico da publicidade ocorre ”independente ou associado ao consumo material de bens [...]. Nesse sentido, destacamos a tensão entre a dissociação do consumo com a publicidade” (PIEDRAS, 2006, p. 14). Nesse contexto, o objetivo deste artigo é mapear o estado da arte da pesquisa brasileira sobre a recepção da publicidade em relação às práticas de consumo no período entre 2010 e 2015. A metodologia utilizada neste artigo é a pesquisa bibliográfica e o corpus da pesquisa será constituído mediante busca em sites de programas de pós graduação em Comunicação no Brasil e outras plataformas, os trabalhos de dissertação de mestrado e tese de doutorado que contenham as palavras-chave ”publicidade”, ”recepção” e “consumo”, conjuntamente, produzidos no período que compreende os anos entre 2010 e 2015. Como resultados apresentar-se o panorama da pesquisa em recepção de publicidade associado às práticas de consumo desenvolvido no Brasil no período referido, assim como a discussão dos avanços e carências neste campo científico. 2 Reflexões Teóricas

Em uma perspectiva mercadológica, a publicidade é uma ferramenta persuasiva de comunicação cujo objetivo principal é mobilizar, através da informação e uso de elementos simbólicos, o receptor ao consumo. Todavia, é relevante conhecer quais outros elementos são consumidos nesta dinâmica que também constitui um processo sociocultural, pois o consumo de anúncios não, necessariamente, convertese em consumo de bens. Quer dizer, há especificidades e sutilezas que abrangem o papel social da publicidade, intermediando o consumo de anúncios e o consumo de bens. Por esta razão, é necessário recorrer aos estudos de recepção da publicidade como meio de compreender que outros elementos estão operando nesta relação entre práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo na tentativa de vislumbrar com essa articulação se estabelece. 2

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Recorremos à obra de Jacks e Escosteguy (2005) com o intuito de entender os estudos de recepção, os quais referem-se à compreensão realizada pela audiência aos conteúdos a que são expostos. Quer dizer, busca-se capturar as experiências dos sujeitos em relação àquelas que são transmitidas pelas mensagens publicitárias, tentando justapor e verificar se são correspondentes entre si. O que caracteriza, entretanto, a análise da recepção são os procedimentos comparativos entre o discurso dos meios e o da audiência, e entre a estrutura da resposta da audiência em relação a este conteúdo (JENSEN e ROSENGREN, 1990: 218) (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 42).

As autoras trazem também a noção da teoria sociocultural do consumo, de Garcia Canclini. Razão pela qual, busca-se aferir os impactos causados pelos textos midiáticos no comportamento de consumo dos receptores. Compreender o consumo como uma prática sociocultural é abarcar a dimensão material e simbólica que revelase por traz do ato de consumir. Considerar que outros elementos impactam nas definições de padrões de consumo nos revela quais valores e códigos culturais são encontrados em determinado grupo social. Para enriquecer este estudo, é interessante observar a perspectiva apresentada por Barbosa (2004) com relação ao consumo, a qual caracteriza-o por ser um ato privado e aponta que

No mundo moderno o consumo se tornou o foco central da vida social. Práticas sociais, valores culturais, ideias, aspirações e identidades são definidas e orientadas em relação ao consumo ao invés de e para outras dimensões sociais como trabalho, cidadania e religião entre outros. [...] (2004, p.32-33).

Para colaborar com esta perspectiva de consumo, recorremos ao pensamento de Canclini (1999), o qual acredita que o consumo pode ser compreendido como um conjunto de processos socioculturais onde realizam-se a apropriação e o uso de produtos e, ao mesmo tempo, é um meio pelo qual se exerce a cidadania. Fica claro, então, como o consumo e sua influência sobre nossas referências de pertencimento, afeta não somente a nossa identificação com determinados hábitos culturais, mas também atravessa o modo como atuamos enquanto cidadãos. [...] quando se reconhece que ao consumir também se pensa, se escolhe e reelabora o sentido social, é preciso se analisar como esta área de apropriação de bens e signos intervém em formas mais ativas de participação do que aquelas que habitualmente recebem o rótulo de consumo. (CANCLINI, 1999, p. 54-55).

Deste modo, voltar este estudo para a investigação da relação entre os estudos de recepção e as práticas de consumo é relevante para o campo da comunicação, pois trazem em si, o esforço de destacar e caracterizar como se configuram o consumo simbólico e o consumo de bens, propriamente. Retornamos à Jacks e Escosteguy (2005), as quais destacam que A localização do consumo como parte integrante do ciclo da produção e da circulação dos bens simbólicos tornam mais visíveis seus complexos mecanismos, os quais extrapolam as simples ideias de compulsão consumista”. Entretanto, isso não dá poder total ao consumidor, apenas organiza as razões, condições e cenários em que o consumo é produzido, revelando os sentidos que o constituem (2005, p. 56).

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Para contextualizar a produção acadêmica dos estudos de recepção da publicidade no Brasil, recorremos à obra de Piedras (2014). A autora inicia o artigo apresentando a incipiente trajetória brasileira de estudos acadêmicos realizados sobre recepção de publicidade no campo da comunicação, comparativamente, entre as décadas de 1990 e 2000. Salienta que houve relativo progresso qualitativo, pois se na década de 1990 apenas 3 estudos abordavam a publicidade sobre a ótica dos estudos de recepção, na década de 2000, observou-se um aumento, alcançando 21 trabalhos entre dissertações de mestrado e teses de doutorado. Entretanto, Piedras (2014) destaca uma significativa característica entre o conhecimento produzido acerca da publicidade: uma relativa dicotomia, ou seja, dois olhares. E destaca também que ambas perspectivas enxergam o contexto social como se fosse, indistintamente, determinado pela publicidade, excluindo-se outros fatores que colaboram para a construção do mesmo: [...] um traço marcante do conhecimento produzido sobre a publicidade consiste na dicotomia entre dois olhares, um econômico funcional e o outro crítico denuncista. Em ambas perspectivas parece que o mundo social é unicamente determinado pelas condições criadas pelas atividades publicitárias, desconsiderando-se os outros condicionamentos (2014, p. 26).

Em trabalho anterior (JACKS; PIEDRAS, 2006), as autoras percorrem a produção científica brasileira no campo da comunicação, em nível de pós graduação, analisando as 3 produções existentes. Através deste corpus, foi salientado que muito das perspectivas utilizadas nos trabalhos produzidos durante os anos 1990, dedicamse apenas a uma esfera do processo de comunicação da publicidade, por exemplo, produção ou circulação, ignorando outros fatores que impactam diretamente sobre este tipo de estudo. Nesse contexto acadêmico, as pesquisas em publicidade, além de em geral sucumbirem ao maniqueísmo de adotarem perspectivas defensoras ou denuncistas, tratam do tema por meio de abordagens parciais, ocupando-se de analisar isoladamente os textos, a produção ou a recepção, desconsiderando as relações entre essas dimensões de seu processo comunicativo, bem como sua articulação com o mundo social ( JACKS; PIEDRAS, 2006; p.114).

Sendo assim, consideramos pertinente destacar que dentre os estudos observados em Piedras (2014), a autora destaca a existência de temáticas relacionando a publicidade ao consumo, uma vez que persuadir o receptor a cerca de produtos, serviços e ideias está entre suas atribuições. Contudo, percebe-se que dentre os estudos apresentados há indícios de que a relação publicidade-consumo e os papéis de receptor-consumidor são, de certa forma, interpretados como algo indissolúvel. Em razão disso, por vezes a recepção é tratada sob efeito da publicidade ou sujeita a sua influência. Porém, a autora destaca que apesar de sua ”[…] vinculação ao consumo, a mensagem publicitária constitui um produto midiático e cultural cuja recepção envolve uma riqueza de aspectos que vão muito além da persuasão por uma estratégia comercial […]” (PIEDRAS, 2014, p. 33). Deste ponto de vista podemos pensar o biômio publicidade-consumo tratado em Piedras (2009) dando especial ênfase à importância de pensarmos a articulação ou não que ocorre entre práticas de 4

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recepção da publicidade e práticas de consumo:

A compreensão da diferença entre consumir um anúncio publicitário e consumir o bem por ele anunciado, a distinção entre ser receptor da publicidade e consumidor de bens, a consideração da defasagem recorrente entre o tempo/espaço de ser receptor da publicidade (de determinado anúncio) e o tempo/espaço de ser consumidor do bem (antes observado no anúncio), a qual não exime a publicidade de condicionar o consumo, seja de maneira genérica ou específica (PIEDRAS, 2009, p. 11).

Posto isso, nos dedicamos a mapear a produção acadêmica brasileira no campo da comunicação, em nível de pós graduação, no período que compreende os anos 2010 a 2015, cujos trabalhos contenham em suas temáticas a relação entre publicidade, recepção e consumo, objeto de estudo deste artigo. 3 Metodologia

Para este estudo, utilizamos a pesquisa bibliográfica com o intuito de revisar conceitos fundamentais sobre os temas recepção da publicidade e consumo como meio de subsidiar este empreendimento. Segundo Stumpf (2009), a pesquisa bibliográfica é o primeiro passo na realização de trabalhos acadêmicos, pois ela é constituída pela leitura, análise e interpretação de dados. Eles são obtidos através de livros, publicações virtuais entre outros recursos. Tal pesquisa foi relevante para compreendermos a importância desta abordagem ao campo de comunicação, bem como destacar que ainda carece de estudos que contenham um olhar mais global da processo publicitário que merece ser analisado sob todas as suas esferas, seja produção, circulação, recepção e consumo e as inter-relações que derivam desta interação. O corpus desta pesquisa é constituído a partir da busca em sites de programas de pós graduação em Comunicação no Brasil, por trabalhos de dissertação de mestrado e tese de doutorado que continham as palavras-chave ”publicidade”, ”recepção” e “consumo”, conjuntamente, produzidos no período que compreende os anos entre 2010 e 2015. Utilizando este critério, nos deparamos com uma primeira dificuldade, pois localizamos apenas a produção de um único trabalho. Por decisão metodológica, optamos por incluir a palavra-chave “comunicação” no lugar de “publicidade” desde que esta tivesse sido empregada como substituição de termos como “publicidade” ou “propaganda”. Localizamos quatro produções, porém excetuamos uma delas pelo fato de a palavra “comunicação” referir-se à telenovelas e meios de comunicação, o que foge do nosso objetivo. Conferimos este sentido a partir do título do trabalho, bem como o resumo dos mesmos. Deste modo, localizamos outros dois trabalhos, 5

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ampliando o corpus de nosso estudo, o qual será constituído a partir da análise destes três trabalhos localizados. Adiante nos dedicaremos a compreender como foram constituídos estes três trabalhos, a partir de suas teorias, metodologias e resultados, para identificar lacunas ou fragilidades bem como as contribuições trazidas para entender as inter-relações que se estabelecem entre práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo. 4 Análise dos Resultados

Nesta etapa nos dedicamos a expor as perspectivas propostas pelos autores encontrados neste corpus de pesquisa a cerca dos eixos principais que motivam este empreendimento, quer dizer, a partir das práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo. Para tanto, iremos visitar as matrizes teórico-metodológicas buscando mapear as abordagens escolhidas na tentativa de compreender como esta relação foi tratada academicamente no período analisado. O trabalho de Garcia (2010) intitulado Representações da sustentabilidade na propaganda: uma visão do jovem consumidor propõe uma discussão sobre o entendimento e a percepção de jovens universitários a cerca da temática sustentabilidade e se eles incorporam atitudes sustentáveis em suas vidas. Já o trabalho de Macedo (2010) cujo título é Comunicação, recepção e consumo: interrelações O receptor/consumidor no prime time brasileiro e português aborda as relações existentes entre comunicação, recepção e consumo, comparativamente entre Brasil e Portugal, verificando como se constitui o receptor/consumidor sob a ótica de três categorias televisivas, quais sejam, telejornal, telenovela e publicidade. E, por fim, o trabalho de Oliveira (2014) intitulado A construção das relações de gênero na publicidade da cerveja Skol: uma análise sobre consumo, cultura e criatividade propõe uma reflexão a cerca da construção das relações de gênero, símbolos e códigos atribuídos aos homens e mulheres ao longo da publicidade da cerveja Skol. Explorando este pequeno conjunto de dissertações de mestrado podemos evidenciar algumas recorrências entre os estudos e destacar como o campo da comunicação tem pensado esta temática a partir de 2010.

4.1 Teorias recorrentes aos estudos Em relação às práticas de consumo, evidenciamos aqui a necessidade do consumidor em pertencer a uma comunidade trazido por Garcia (2010) contextualizada a partir da ideia de modernidade líquida, idealizado por Zygmunt Bauman, citado como meio de justificar o enfraquecimento das tradições na dinâmica social que orienta hábitos, costumes e estilos de vida. Assim, Garcia (2010) pondera que a sensação de pertencimento é alcançada a partir da noção de afinidade

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identitária localizada no conceito de comunidade imaginada cunhada por Anderson ou comunidade-nação desenvolvida por Stuart Hall.

A comunidade, que representa a identidade nacional, cria seus próprios símbolos e, a partir da existência na forma de um corpo de ideias, apresenta a lógica da comunidade imaginada (apud Bauman, 2003), que não se constitui de relações de proximidade, por isso [é] tratada como comunidade simbólica, imaginária (GARCIA, 2010, p. 24).

No decorrer deste artigo, localizamos outra perspectiva sobre consumo em Macedo (2010). A autora posiciona seu pensamento da seguinte forma:

Nesse trabalho, procuramos pensar o consumo como elemento fundamental para uma discussão acadêmica, justamente pelo fato de ele ter um peso decisivo em nossas vidas e marcar a sociedade contemporânea. […] Dessa forma a relação com os bens e serviços materiais se faz presente na memória dos sujeitos, seja através do imaginário ou de recordações físicas como a fotografia, por exemplo. (MACEDO, 2010, p. 32).

Além disso, Macedo (2010) traz a perspectiva de Colin Campbell, o qual sugere que o consumo representa grande importância na vida dos sujeitos, pois ele oferece significado e a identidade ao que buscamos. E reitera que é através do consumo que os sujeitos conseguem combater o sentimento de insegurança, de isolamento. A autora recupera a relação intrínseca, dialética e fundamental entre produção e consumo pensada a partir da ótica marxista onde afirma que “Não há, portanto, consumo sem produção [...] nem produção sem consumo, afinal sem a necessidade criada pelo consumo não há o que produzir. Cria-se, então, por meio da produção um objeto para o sujeito e um sujeito para o objeto" (MACEDO, 2010, p. 33).

Assim, Macedo (2010) contextualiza esta trajetória do bem material e apropria-se da perspectiva de Everardo Rocha, o qual destaca que esta dinâmica se estabelece, de produção e consumo, em função da cultura por meio da qual a produção atribui significado aos produtos como meio de capacitá-los para a arena do consumo. E, finalmente, trazemos a perspectiva do terceiro trabalho a cerca do consumo (OLIVEIRA, 2014). Esta autora discute as práticas de consumo dentro de sua problemática por meio de teóricos que dedicaram-se aos estudos culturais, de gênero, da publicidade e da criatividade. Para o nosso estudo, em especial, nos detivemos às áreas de estudos culturais e publicidade por compreender que impactam diretamente nas práticas de consumo, propriamente. Oliveira (2014) reconstitui a trajetória dos estudos culturais, desde Birminghan, e a constatação da cultura não homogênea mesmo tratando-se de meios de comunicação de massa. A autora explica a ruptura que os estudos feministas fizeram a partir da ideia de que não era somente a classe social que impactava na cultura, enxergando o gênero como fator determinante de compreensão dentro deste estudo.

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As feministas trouxeram a subjetividade para a discussão cultural, ou seja, pautaram questões em torno da subjetividade e dos sujeitos. A discussão deixou de ser centrada apenas na classe social como estrutura fundamental de poder e, a partir dos Estudos Culturais, sob influência feminista, passou-se a levar em consideração outras categorias como gênero, raça, etnia e as subjetividades humanas que permeiam as relações sociais (Oliveira, 2014, p. 30).

Oliveira (2014) reitera a importância de considerarmos a cultura de massa produzida pela sociedade contemporânea como marca essencial de uma sociedade que passa a se universalizar, a interagir e a significar-se socialmente através de mensagens midiáticas (OLIVEIRA, 2014). Apoiada em León, Oliveira (2014) revela sua perspectiva a cerca da publicidade como uma narrativa que se utiliza da força midiática do mito, que não tem compromisso com a veracidade, pois trabalha com um imaginário sobre-humano: A publicidade [...] faz uso das histórias míticas para contar suas narrativas e compor os seus personagens, [...] e ela mesma exerce hoje uma função mítica na sociedade contemporânea, misturando sonho e realidade, propondo e apresentando soluções aos problemas (2014, p. 47).

Esta perspectiva contrapõe-se à trazida por Garcia (2010), uma vez que o autor elucida que o sentido de pertencimento é ligado à comunidade e que o consumo pode ser estabelecido a partir do reconhecimento de que consumir algum bem, serviço ou experiência significa pertencer a uma determinada comunidade. O autor recorre a Baudrillard e o pensamento de que a sociedade contemporânea não consome coisas, e sim, signos. Referindo-se a este pensamento, o autor reflete a cerca do consumo contemporâneo: Seu conhecido discurso ‘já não consumimos coisas, mas somente signos’[...] mostra que hoje se produzem, simultaneamente, a mercadoria, os objetos e os signos, apenas como representação do que se gostaria de consumir (GARCIA, 2010, p. 31).

Quer dizer Garcia (2010) localiza a prática de consumo sob a ótica da contemporaneidade como necessidade social do sujeito em integrar comunidades que não precisam ser, necessariamente, próximas ou genéticas, mas devem apresentar afinidade identitária com ele e finaliza com o pensamento de que os sujeitos não possuem total consciência do que os leva ou do porquê consomem, como se este ato não fosse, em sua totalidade, uma decisão privada. Destoando deste pensamento, Oliveira (2014) pondera que a linguagem publicitária, repleta de sarcasmo e humor, fornece ao receptor uma sensação de distanciamento das situações narradas e também de ambiguidade, deixando a cargo dos receptores a interpretação das mensagens. E enfatiza quais são as condicionantes para a consolidação do gênero publicitário: Ou seja, a publicidade é uma consequência da economia capitalista. Em relação aos fatores que influenciam no individualismo publicitário, Pineda

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(2008, p. 47) cita quatro: a matriz capitalista (econômico), a influência dos Estados Unidos (como fator histórico), o pensamento da Nova Direita capitalista (fator ideológico) e a ressonância do individualismo na era pósmoderna como fator cultural (2014, p.48).

Contudo, Oliveira (2014) afirma que a publicidade busca conduzir os receptores à satisfação pesssoal, mesmo que apresente situações coletivas. E pondera que a publicidade não vende somente produtos, mas também estilos de vida e identidades que, associados às mercadorias formam as construções simbólicas com os quais os consumidores são convidados a identificar-se para tentar persuadí-los ao consumo do produto anunciado. Mas, salienta que, “no entanto, ao fornecer modelos de identidade, ela – pelo menos aparentemente - soluciona conflitos e contradições sociais, mantendo a ordem social vigente, trabalhando como o mito […]” (2014, p. 49). Diferente desta perspectiva assinalada por Oliveira (2014), Macedo (2010) reforça a importância de pensar o consumo como processo e não como fenômeno isolado e alerta para a centralidade do consumo, o qual permeia nossas vidas na sociedade contemporânea. A autora defende que é impossível separar o consumo material do consumo simbólico, tratando-os como duas faces de uma mesma moeda e ancora seu pensamento a partir do texto Codificação/Decodificação, de Stuart Hall. E complementa esta ideia dialogando com Néstor Canclini onde defende que: De maneira clara Canclini [...] diz que o valor mercantil não é alguma coisa contida naturalisticamente nos objetos, mas é resultante das interações socioculturais em que os homens os usam (CANCLINI, 2006), ele está, portanto, além daquilo que está contido nos objetos, ele está no âmbito social (MACEDO, 2006, p. 35).

Corroborando com a ideia de Garcia (2010), Macedo (2010) também traz as noções de valor de uso e valor de troca das mercadorias ancorada no conceito do filósofo alemão Anselm Jappe, reiterando que

O dinheiro utilizado como moeda de troca é uma consequência do desenvolvimento da forma econômica, como explica Jappe. Contudo, ele não representa o valor de uso das mercadorias, ele é apenas a forma sensível de abstração social, que é o valor. [...] Toda a mercadoria tem sua parte concreta (valor de uso) e uma quantidade de trabalho abstrato (valor de troca), por isso faz sentido falar em dupla natureza. [...] Ambas as partes se relacionam dialeticamente e somente dessa forma é que se constitui a mercadoria (MACEDO, 2010, p. 36-37).

Macedo (2010) complementa explicando que na contemporaneidade o valor de uso dos produtos, praticamente, desapareceu. E, citando Feathrstone, refere que a predominância do valor de troca sobre o valor de uso faz com que as mercadorias fiquem livres para adquirir uma ampla variedade de associações e ilusões culturais, evocando sentimentos e desejos diferentes em cada sujeito. Quer dizer, através da carga simbólica atribuída às mercadorias é que condiciona-se o estabelecimento de

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relações e experiências também diferenciadas, sendo este um recurso persuasivo fortemente evidenciado na publicidade. A autora afirma que “A utilidade e a função das mercadorias ficam à mercê do significado que elas permitem construir (2010, p. 37). Assim como Oliveira (2014), Macedo (2010) reconhece que o ato de consumo complementa a formação de identidade dos sujeitos: Contudo, deve-se levar em consideração que cada um consome de acordo com a cultura em que está inserido, com o poder aquisitivo, estilo de vida, etc; sendo que todas essas questões são dinâmicas e mutáveis são construídas. E é exatamente aí que a subjetividade atua, permitindo que através dos bens sejam construídas identidades, visões de mundo, afiliações [...] (2010, p. 40).

Da mesma forma que Oliveira (2014), Macedo (2010) cita os estudos de recepção abordando esta temática e sua área precursora, os estudos culturais. Essas idéias trazidas pelos estudos iniciados na Escola de Birmingham serviram de base para os Estudos de Recepção, justamente devido a essa atribuição de poder aos receptores de lidar com as mensagens de acordo com suas práticas culturais, sendo assim também coautores delas” (MACEDO, 2010, P. 23).

Fica claro que os três estudos localizados neste estado da arte, reconhecem que o consumo é uma prática cultural e é um meio de o sujeito suprir a necessidade de pertencimento a determinado grupo social colaborando para a sua própria construção de identidade além de perpetuar a reprodução social que dá através do consumo. 4.2 Metodologias recorrentes aos estudos

Buscando compreender a problemática de gênero na publicidade da cerveja Skol, seu objeto de estudo, Oliveira (2014) utiliza a pesquisa qualitativa como meio de investigação. A técnica escolhida para investigar este objeto foi a realização de três grupos focais com exibição dos filmes publicitários da cerveja Skol. Da mesma forma, Garcia (2010) utiliza-se da pesquisa qualitativa para aferir a produção de sentido referida pelos jovens à campanha de sustentabilidade da marca Natura. Dentre as técnicas de pesquisa, foram escolhidas entrevista em profundidade com o diretor de comunicação da Natura, além de entrevistas com roteiro estruturado com jovens universitários e professores. Também realizou pesquisa descritiva e análise documental da comunicação e site da empresa Natura. Além destes dados primários, foi relatado o uso de dados secundários mediante a pesquisa do Dossiê MTV, realizada em 2008, a cerca das tendências de comportamento da juventude. Do mesmo modo, Macedo (2010) utilizou-se da pesquisa qualitativa para investigar seu objeto de estudo. Primeiramente, realizou uma análise documental das categorias televisivas do prime time brasileiro e português, a saber, telejornal, telenovela e 10

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publicidadde, buscando evidenciar suas similaridades e diferenças. Serviu-se da técnica de pesquisa de questionários com alunos de pós-graduação scricto sensu em Comunicação e Educação da ESPM e USP, respectivamente. Posteriormente, aplicou os questionários aos funcionários terceirizados responsáveis pela limpeza da ESPM e realizou um grupo focal com os mesmos para aferir suas práticas de recepção e consumo cultural. Notamos que nos três trabalhos é recorrente o uso de pesquisa qualitativa e, eventualmente, são utilizadas técnicas complementares na tentativa de refinar os dados buscando uma riqueza maior de informações que auxiliem na compreensão do problema investigado. Dada a complexidade desta intersecção entre práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo e por verificarmos que o seu conteúdo é uma construção muito mais simbólica do que tangível, destacamos a ausência de um método que abarque esta complexidade tornando possível compreender a complexidade do processo de consumo como um todo, dado que ele ocupa uma posição de centralidade na vida dos sujeitos. 4.3 Síntese de resultados alcançados

Em síntese, Macedo (2010) apresenta resultados bastante interessantes, entretanto, cabe destaque:

[…] a mídia, em especial a televisão, dialoga com inúmeras outras vozes da sociedade, bem como aponta o quanto nossa percepção da realidade é influenciada pela cultura audiovisual que consumimos. Ela possibilita a interação social, podendo fazer com que os receptores reflitam sobre aspectos de suas próprias vidas, seja através da identificação ou da diferenciação em relação aos conteúdos da programação midiática. […] Através dele [consumo] é que conseguimos pistas para compreender melhor a relação que os sujeitos têm com a mídia […] seja pela maneira que a consomem, [...] seja pelas atribuições de sentido feitas a partir dos conteúdos que chegam a eles (2010, p. 195-196).

Macedo (2010), deixa claro em seu estudo que a televisão dialoga com diversas vozes da sociedade destacando, em especial, a influência que exerce na percepção da realidade. Deste modo, salienta que a cultura audiovisual permite a reflexão a cerca do modo de vida social e cultural que constitui a maneira como somos inseridos e participamos da vida em sociedade. Já Oliveira (2014) traz os resultados obtidos em sua dissertação destacando que Para responder as inquietações desta pesquisa é preciso […] verificar como os meios de produção, nesse caso, operacionalizados pela publicidade e materializados pelo consumo, juntamente com a linguagem da publicidade, por meio do exercício da criatividade, totalmente calcada na cultura e em meio à realidade sociocultural das relações de gênero em nossa sociedade, consegue responder se a publicidade de cerveja [...] inova na abordagem das

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relações de gênero (OLIVEIRA, 2014, p. 133).

Deste modo, a autora externaliza que há um intervalo subjetivo ou simbólico que, entrelaçado com a publicidade, reflete as incoerências e contradições do próprio campo social. Entretanto, considera que a publicidade é responsável por sugestionar as relações de gênero exibidas nos comerciais da Skol influenciando o modo como as relações entre homens e mulheres configuram-se , além de esteriotipar o modo como a mulher e o homem são retratados. Observando esta colocação, nos perguntamos se esta inspiração do papel do homem e da mulher não seriam subsídios coletados no campo social que reconhece homens e mulheres desempenhando estes papéis e a publicidade executa uma função refletiva desta realidade? E, por fim, Garcia (2010) relata em seus resultados que O resultado desta pesquisa ressalta o desconhecimento do jovem sobre conceitos reais de sustentabilidade, o que pode sugerir que a propaganda e a mídia estão agindo como divulgadores de ideias afins para esse público, sem, contudo, ter papel mais contundente e esclarecedor sobre o tema. Consegue fazer com que o nome da empresa, os produtos e o discurso da sustentabilidade fiquem gravados na mente, sem, necessariamente, aumentar o consumo dos produtos junto a esse público [...] (Garcia, 2010, p.113).

A partir dos resultados apresentados em Garcia (2010), podemos averiguar que a recepção de anúncios não converteu-se, propriamente, em consumo de bens. Apesar de, a partir do estudo realizado, enfatizar que os jovens referem o termo sustentabilidade relacionando-o à marca Natura. Contudo, este dado não gerou diretamente o consumo da marca.

4 Considerações Finais

No percurso deste artigo pudemos constatar algumas contribuições e carências que nos auxiliam a compreender como o campo da comunicação tem pensado temáticas relativas às práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo. Notamos que temas relativos à construção de identidades e estilos de vida são preponderantemente associados à publicidade na tentativa de compreender como se estabelece a dinâmica entre a recepção de anúncios e o consumo de bens. Os aspectos culturais foram recorrentes entre os estudos analisados como meio de justificar comportamentos de consumo. Salientamos também que a temática da contemporaneidade é trazida à luz mediante seus principais autores para compreender nosso comportamento social de consumo como uma prerrogativa dos nossos tempos. Autores de referência dos estudos culturais britânicos e dos estudos culturais latino-americanos são citados como meio de enriquecer esta discussão sobre estudos de recepção com o intuito de conferir a produção de sentido construído pela audiência.

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Identificamos relativa parcialidade na escolha de autores cujo posicionamento político-ideológico revelam um olhar crítico-denuncista à prática publicitária e ao próprio sistema capitalista. Nos questionamos se este viés não deturpa as reflexões e análises de resultados comprometendo as possíveis contribuições que os estudos poderão trazer ao campo. Em relação às metodologias de pesquisa escolhidas para investigar os fenômenos que as três dissertações propuseram-se a investigar, destacamos a predominância do uso de pesquisa qualitativa. Identificamos a forte incidência de técnicas de pesquisa como análise documental, questionário, entrevista em profundidade e grupos focais. Nos inspiramos na riqueza do estudo de Macedo (2010) por identificar o esforço na coleta de dados para enriquecer a análise. Este estudo, em especial, provocou um desejo de desenvolvimento de um modelo metodológico que dê conta à complexidade da relação entre práticas de recepção da publicidade e práticas de consumo. Acreditamos que ficará como desafio ao campo desenvolver um modelo metodológico de apropriação social e cultural da publicidade que abarque todas as influências socioculturais e dimensione-as com o objetivo de compreender porque, algumas vezes, o consumo de anúncios converte-se em consumo de bens e, outras vezes, esta conversão não ocorre e, ainda assim, que sentidos são gestados nesta intersecção. Recorremos à Piedras para reforçar a premência desta necessidade: A distinção entre a recepção da publicidade e os demais aspectos materiais e simbólicos que também condicionam as práticas de consumo é uma contribuição crucial para a compreensão do papel específico, e geralmente supervalorizado, da publicidade nesses processos. [...] Afinal, como explica Schudson (1984, p. 91- 114), o consumo depende do “ambiente de informação” dos consumidores, que é composto por sua experiência pessoal, pela influência de pessoas confiáveis, pelos meios de comunicação, por canais formais de educação do consumidor, pela publicidade de outros produtos [...] (PIEDRAS, 20019, p. 10)

Compreendemos que esta figura ilustra quais são as condicionantes que preenche este intervalo entre o consumo de anúncios, quer dizer, a recepção da publicidade e o consumo de bens, propriamente. Destacamos que nossa intenção é propor esta discussão com o intuito de buscar contribuições do campo da comunicação para melhor compreendermos este fenômeno que articule e esclareça a apropriação social e cultural da publicidade.

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Referências BARBOSA, Lívia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas "estado da arte". Eduação e Socidade. N.79, p. 257 - 272, 2002. GARCIA, Solimar. Representações da sustentabilidade na propaganda: uma visão do consumidor / Solimar Garcia – São Paulo, 2010. 146f.: II. Color. Dissertação (mestrado) apresentada ao Instituto de Ciências Sociais e Comunicação da Universidade Paulista, São Paulo, 2010.

JACKS, Nilda e PIEDRAS, Elisa Reinhardt. Estudos de recepção da publicidade: explorando as pesquisas da década de 1990. In: Comunicação, Mídia e Consumo São Paulo: Vol. 3. N. 7. P.113-130. Julho, 2006.

JACKS, Nilda, ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Comunicação e Recepção, São Paulo: Hacker Editores, 2005. MACEDO, Diana Gualberto de. Comunicação, recepção e consumo: inter-relações: o consumidor/receptor no prime time brasileiro e português. / Diana Gualberto de Macedo. – Sã o Paulo: ESPM, 2010. 227 f. : il., color.

OLIVEIRA, Heloísa Helena de Sousa Franco. As construções das relações de gênero na

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publicidade da cerveja Skol: Uma análise sobre consumo, cultura e criatividade. /Heloísa Helena de Sousa Franco Oliveira. – Brasília: Universidade de Brasília. Dezembro, 2014.

PIEDRAS, Elisa Reinhardt. Sonho de Consumo: a publicidade na intersecção entre o consumo material e o simbólico, pelo olhar do receptor. ANAIS DO XV ENCONTRO DA COMPÓS / GT Mídia e Recepção. 2006a.

______. Consumo e publicidade: Ideias recorrentes e possíveis premissas. ANAIS DO XVIII ENCONTRO DA COMPÓS, GT RECEPÇÃO, USOS E CONSUMO MIDIÁTICOS, 2009.

______. Quando o sentido cotidiano sobre os anúncios ecoa no mundo acadêmico: os anos 2000 e a ascensão da produção científica sobre a recepção da publicidade. In: Animus – Revista Interamericana de Comunicação Midiática. Santa Maria: V. 13. N. 25, P. 25-41. 2014. ROCHA, Everardo. Representações do Consumo – Estudos sobre a narrativa publicitária, Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2006.

STUMPF, Ida R. C. Pesquisa bibliográfica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (orgs.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009.

Autora Mestranda em Comunicação e Informação na UFRGS. É especialista em Marketing – FGV e publicitária - ESPM/RS. É idealizadora da Oh, Ideia! onde dedica-se à produção de conteúdo e ao desenvolvimento de cursos de comunicação e marketing. Possui 10 anos de experiência como analista e coordenadora de marketing em empresas de médio e grande porte nos segmentos de tintas arquitectónicas, futebol e transportes. Contato: [email protected]

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O início do percurso de uma pesquisa: entrando pela Porta do Fundos Taís FLORES DA MOTTA1

Unisinos, São Leopoldo, RS Resumo: O objetivo do texto é relatar os primeiros movimentos metodológicos, para a formulação da problemática, de uma pesquisa de doutorado que está em construção. Pretende-se apresentar os resultados, de parte, de uma etapa fundamental para esse momento, ou seja, a pesquisa da pesquisa. A projeto de tese, tem como temática a produção de sentidos dos sujeitos a partir da oferta de novas lógicas de produção publicitária, identificada nos vídeos humorísticos do Porta dos Fundos. Compreendo esses vídeos, como um tipo de produção privilegiado para abordar as perspectivas da publicidade, especialmente em virtude das lógicas utilizadas nessas produções. Além disso, entendo que seja relevante compreender os usos e apropriações dos sujeitos que passam a consumir a publicidade de outra forma. Palavras-chave: Pesquisa da Pesquisa; Publicidade; Porta dos Fundos; Recepção; Convergência; Youtube.

1 Introdução O objetivo do texto é relatar os primeiros movimentos metodológicos, para a formulação da problemática, de uma pesquisa de doutorado que está em construção. Pretende-se apresentar os resultados, de parte, de uma etapa fundamental para esse momento, ou seja, a pesquisa da pesquisa. A projeto de tese, tem como temática a produção de sentidos dos sujeitos a partir da oferta de novas lógicas de produção publicitária, identificada nos vídeos humorísticos do Porta dos Fundos. Compreendo esses vídeos, como um tipo de produção privilegiado para abordar as perspectivas da publicidade, especialmente em virtude das lógicas utilizadas nessas produções. O foco do trabalho, entretanto, é Taís Flores da Motta – Doutoranda, Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS. Aluna do doutorado e professora da graduação.

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compreender os usos e apropriações dos sujeitos que passam a consumir a publicidade a partir desses vídeos. Para compreendermos no que consiste a etapa que chamamos de pesquisa da pesquisa é importante refletirmos sobre nossa concepção de metodologia. Compartilhamos com a visão de alguns autores (BONIN, 2008; MALDONADO, 2008) que percebem que a metodologia deve ser construída de acordo com o objeto, contexto em que se insere e aspectos teóricos que o cercam. É importante compreendermos, então, que o objeto empírico não deve ser confundido com objetos de referência “Ignora-se que esses referentes do real têm que ser reconstruídos em termos de observação ou experimentação sistemática, com métodos, para obter objetos empíricos, descritos, detalhados, organizados de acordo com determinadas concepções metodológicas e em inter-relação com determinadas teorias científicas” (MALDONADO, 2008, p.39). Além disso, outra reflexão relevante aqui, diz respeito ao campo de conhecimento. Compreendemos a comunicação como um campo de conhecimento e por isso identificamos a importância do pesquisador conhecer este campo antes e durante o desenvolvimento de sua proposta de pesquisa. Nessa perspectiva, Bonin (2008) explana que é importante lembrarmos que a construção do objeto empírico se realiza em um campo científico específico, o da comunicação, entretanto a autora destaca a importância e relevância da articulação com outros campos. “... já que nossos objetos são multidimensionais e complexos, exigentes de formulações também complexas para apreendê-los, nas quais se faz necessária a confluência de saberes disciplinares, apropriados e repensados para responder aos objetos comunicacionais” (BONIN, 2008, p.122). Consideramos que para apoiar no desenvolvimento de um projeto de pesquisa refletido e coerente, a perspectiva de Bonin (2006), é adequada, no que se refere a pesquisa da pesquisa. Para a autora essa etapa consiste em um “revisitar, interessado e reflexivo, das pesquisas já realizadas sobre o tema-problema a ser investigado ou próximo a ele” (BONIN, 2006, p.31). Assim este texto apresenta os primeiros movimentos da pesquisa da pesquisa, ou seja, os locais visitados, as palavras chave escolhidas, bem como os primeiros indícios de contribuição para formulação da nossa problemática. 2 Procedimentos metodológicos

Nesta etapa da pesquisa da pesquisa, nosso foco foi identificar e analisar artigos acadêmicos disponíveis no Portal de Periódicos da CAPES e no site da Compós , produzidos nos últimos 3 anos. As palavras chave escolhidas para a busca foram: publicidade, youtube, porta dos fundos, recepção, mediações e suas combinações. A busca se deu entre os meses de junho e julho de 2016. 610

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No portal de periódicos da CAPES, utilizamos o sistema de busca avançada iniciando com a combinação Publicidade e Recepção. No portal não é possível restringir a busca pelos últimos três anos, então selecionamos os últimos cinco anos. Com essa combinação de palavras, encontramos apenas um artigo – A publicidade que evoluiu com as mulheres? Um estudo de recepção sobre as representações de gênero (WOLTTIRICH e CASSOL, 2012). Com as combinações Porta dos Fundos e Recepção, Porta dos Fundos e Publicidade, Mediações e Publicidade não encontramos nenhum artigo publicado nos últimos cinco anos. Com a combinação, Publicidade e Youtube, encontramos um artigo que abordava as manifestações de 2013 no brasil e sua relação com o consumo nas redes. Usando as palavras Propaganda e Youtube encontramos 14 artigos, todos eles tinham como temática propagandas políticas ou relação com o terrorismo. Levando em conta os resumos destes artigos, não selecionamos para a nossa análise, pois não tinham relação com nosso projeto de pesquisa. Com a combinação Comunicação e Recepção encontramos 33 artigos, publicados nos últimos cinco anos. Inicialmente li cada um dos resumos, buscando identificar a relação com o projeto em desenvolvimento. Identifiquei que 14 artigos podiam apresentar algum aspecto relevante para o estudo. Entre os 33 artigos, 17 deles eram de outras áreas do conhecimento, como a saúde e dois deles já havíamos identificado na busca com as combinações propaganda e recepção. Tendo em vista o pouco material encontrado, desenvolvemos uma busca no site da Compós - Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação – por compreender que este é um espaço atualizado de discussão acadêmica. A busca neste site seguiu uma lógica diferente. Inicialmente usamos o sistema de busca de trabalhos com as seguintes palavras chave: Publicidade, Youtube. Nessa busca, encontramos quatro artigos com Publicidade de 2016, dois de 2015 e um de 2014. Com a palavras Youtube, encontramos dois artigos de 2016, um de 2015 e um de 2014. Os trabalhos que possuem alguma relação com o projeto serão detalhados mais adiante. A seguir, ainda no site da Compós, acessamos o GT de recepção dos últimos três anos, e salvei todos os artigos disponíveis. Sendo, dez de 2016, nove de 2015 e dez de 2014. Após a leitura de todos os artigos, selecionamos 13 artigos que a seguir apontaremos indícios e reflexões que podem contribuir de alguma forma com a formulação do projeto de tese. 3 Indícios e reflexões

O texto a “Circulação e consumo de telenovela: Passione num cenário multiplataforma” (JACKS et al, 2012), tem o objetivo de discutir as práticas dos 611

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sujeitos, focalizando o consumo e as apropriações da telenovela nas seguintes plataformas midiáticas: Twitter, Orkut, Facebook e Blogs. Parte da premissa de que o consumo e as práticas dos sujeitos criam novos fluxos de circulação e reconfiguram o conteúdo produzido pelo emissor e por outras mídias de referência acerca da telenovela. Para isso, apresenta a metodologia desenvolvida e o período de obtenção dos dados nas plataformas já referidas. O texto nos ajuda a pensar na convergência digital, contexto em que também se insere nossa pesquisa, assim, identificamos Henry Jenkins (2008) como autor fundamental para essa reflexão. Além disso, nos chama a atenção a abordagem da circulação, proposta por Fausto Neto (2009) que pode ser importante para pensar a recepção na nossa proposta de pesquisa. Para o autor a circulação deixa de ser um elemento de passagem/invisível no processo de comunicação para ser instituída como um dispositivo com claros níveis de evidência, organizando novas possibilidades de interação entre a mídia e a recepção. Outras reflexões, com autores que trabalhamos no projeto, como MartínBarbero (2003) e, De Certeau (2007), ajudam a pensar a perspectiva dos usos e apropriações midiáticas dos sujeitos. Outros dois textos que somam na reflexão sobre consumo e usos midiáticos na atualidade são “Jovem e consumo midiático: dados preliminares do estudo piloto e da pesquisa exploratória” (JACKS et al, 2014) e “Malhação identidade: a interação juvenil na cultura da convergência” (RONSINI et al, 2012). O primeiro tem a preocupação em compreender o que os jovens consomem na mídia, a forma como se apropriam e o contexto que envolve esses sujeitos. Para isso, desenvolvem um estudo piloto com jovens da região sul. O principal fator que nos chama atenção no texto é o estudo piloto em si, mais que os resultados. Sabemos da dificuldade de empreender uma pesquisa de campo abrangente, como a proposta. No estudo piloto foi possível testar a metodologia de coleta de dados, o questionário, e ainda, refletir sobre alguns indícios. Embora os autores tentem se aproximar do tema da convergência, falando dos resultados sobre o consumo de música e produtos televisivos na web, pouco se reflete sobre o tema, um dos âmbitos que nos levou a selecionar o texto. No segundo texto (RONSINI et al, 2012), os autores buscam refletir sobre a convergência midiática, em alguma medida. Os autores compreendem que o cenário midiático está se reordenando a partir de novas possibilidade de produção e consumo de produtos. E destacam que este contexto fortalece as narrativas transmidiáticas, que podem ser autônomas mas, também colaborativas. A preocupação dos autores, está em torno da formação identitária a partir da convergência, o que se afasta do nosso objeto. Entretanto, o que nos chama atenção é a proposta de categorias de classificação da interatividade propostas por Lopes et. 612

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al.(2009) e mais uma vez encontramos Jenkis como um autor fundamental para pensar a convergência. No artigo “A publicidade que evoluiu com as mulheres? Um estudo de recepção sobre as representações de gênero” (Wottrich e Cassol, 2012), que faz parte de uma pesquisa que visa compreender o papel da publicidade na construção e consolidação das representações do gênero feminino. Através da ótica dos estudos de recepção, em articulação com as teorizações sobre gênero, foi investigado como mulheres adultas se apropriam das representações de gênero veiculadas na campanha “Mulheres Evoluídas” da marca Bombril. O texto traz um resultado de pesquisa da pesquisa, desenvolvido por Jacks et al (2010), bastante relevante para o nosso estudo, uma vez que reforça a escassez dos estudos de recepção e publicidade. Além disso, as autoras apresentam a reflexão de que os estudos de gênero vinculados a publicidade representaram um avanço nos estudos de recepção publicitária. Embora nosso projeto não tenha vinculação com os estudos de gênero, a descrição do processo metodológico serviu de inspiração para pensar minha aproximação com o empírico. A pesquisa apresentada foi dividida em duas fases. A primeira, pesquisa exploratória, com aplicação de um formulário; e a segunda, realização de grupo focal. Desenvolver uma metodologia que nos faça compreender as apropriações dos sujeitos e sua produção de sentido em relação aos produtos publicitários é um desafio, por não se tratar de um produto que se pode acompanhar os sujeitos no momento da recepção. A proposta de um laboratório/experimentação de simulação de recepção é o que torna possível, os estudos de recepção publicitária. Neste sentido, o grupo focal tem se mostrado uma boa alternativa para simulação da recepção de produtos publicitários. Além disso, as autoras tiveram a preocupação de desenvolver uma abordagem de análise do âmbito do produto, que não foi explicitada no artigo. Foi a partir do contato com o produto e com a recepção que definiram o corpus e as categorias de análise. Este texto, assim como outros, além de nos inspirar metodologicamente, apresentou outras produções que podem contribuir com a próxima etapa da pesquisa da pesquisa. Outro texto desconstruído, que nos trouxe perspectivas e elementos para pensar a recepção publicitária, é “Ethé publicitários e consumo: confluências discursivas na circulação midiática” (TRINDADE e SOUZA, 2014). Os autores atentam para o fato de que pensar a recepção publicitária tem se tornado a cada dia mais complexo. Tendo em vista o processo de emancipação do receptor/consumidor, característico da sociedade em que vivemos. Os autores apresentam a noção de circulação (FAUSTO NETO, 2010; 2013) refletindo que os sujeitos no processo de circulação das mensagens passam a 613

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imprimir ativamente seus significados na produção do sentido ressignificando valores no consumo simbólico. “Assim, enquanto conceito que aos poucos se torna mais adequado ao falarmos desse fenômeno, este ator na circulação dos sentidos da publicidade está relacionado mais à constituição de ethé publicitários, do que à definição de um público-alvo” (TRINDADE E SOUZA, 2014, p.4). A noção de Ethos trabalhada no texto, vai ao encontro do conceito de circulação por que compreende que estudo do ethos não pode estar focado somente no orador/autor, nem tampouco no ouvinte/leitor, mas sim na dinâmica persuasiva entre essas partes. TRINDADE E SOUZA, 2014). Ou seja, não podemos mais, ao criar uma mensagem publicitária, pensar em público alvo, existe um processo de circulação que também significa as mensagens e as formas de usos e consumos. Este artigo nos apresentou diversas leituras, que devem ser feitas em um outro momento para entendermos, principalmente, a noção de circulação (FAUSTO NETO, 2010; 2013) e de Fluxo publicitário Piedras e Jacks (PIEDRAS e JACKS, 2006). Na escolha do artigo notas metodológicas para a análise de filmes publicitários e seus contextos produtivos (Aneas, 2015), existia a expectativa de encontrar uma descrição de como foi desenvolvida a análise de filmes publicitários. O texto, embora não apresente o detalhe da metodologia desenvolvida, se mostra interessante ao abordar o contexto de produção, de filmes publicitários, a partir da proposta de Campos sociais de Bourdie (1996). Na reflexão a autora entende a publicidade como um desses campos e reflete sobre o quanto suas lógicas permeiam as construções dos produtos. Nosso projeto, tem a intenção de, em alguma medida, abordar a questão da produção e das suas lógicas, tendo em vista que percebo uma convergência de produtos audiovisuais em alguns vídeos do Porta do Fundos que inserem publicidade. Talvez seja interessante uma aproximação com a obra de Bourdie (BOURDIEU, 1996), pensando a publicidade como um campo, mas, também, as produções de audiovisuais independentes como outro campo. Buscando compreender as influências, tensões e convergências entre eles. Covaleski (2016) apresenta uma discussão muito interessante para os estudos de publicidade e que de certa forma, vão ao encontro do nosso objeto de pesquisa. No artigo, o autor discute sobre as adaptações das estratégias persuasivas da publicidade e das novas retóricas do capital frente ao empoderamento e à maior conscientização dos consumidores. A partir de Jean Baudrillard (2009) ele busca refletir sobre essa nova forma de fazer publicidade, tendo em vista o novo consumidor. O autor discorre sobre a necessidade da publicidade oferecer conteúdo relevante e de interesse para os sujeitos para que se cumpra de fato a comunicação entre a marca e o consumidor. Ele atenta, ainda para o contexto das mídias customizadas. Este texto nos apresenta autores (MARTINUZZO, 2014; HOFF, 2013; CARRASCOZA, 2014), que podem contribuir para nossa pesquisa, sobretudo pelo fato 614

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dos vídeos do Porta dos Fundos, que envolvem algum tipo de publicidade, se mostrarem como uma alternativa à publicidade convencional. Acredita-se que as marcas, quando inseridas nas narrativas dos filmes, criem um vínculo e uma identificação com os sujeitos que buscam e assistem esse tipo de conteúdo. Os artigos “Estudos de recepção e classe social: notas sobre teses e dissertações defendidas entre 2010 e 2014 no campo da Comunicação” “Desenhos animados e estudos de recepção: um breve histórico das principais correntes de investigação” (BRITO e VIEIRA, 2013) e, “Os caminhos da recepção: Uma análise da produção científica” (SOUSA e CASTRO, 2013), se assemelham no objetivo de buscar compreender, por meio de uma análise de pesquisas já desenvolvidas, o campo da recepção. Brito e Vieira (2013), traçam um panorama histórico sobre a recepção de desenhos animados sob a perspectiva das correntes teóricas da Comunicação: Teoria dos Efeitos, Usos e Gratificações, Estudos Literários, Estudos Culturais e Análise da Recepção, com o objetivo de compreender os delineamentos teórico-metodológicos próprios de cada corrente. O aspecto mais relevante do trabalho, para nossa pesquisa, foi retomar o contato com diferentes perspectivas dos estudos de recepção. Já Grohmann (2016), desenvolve um artigo a partir da análise de 16 teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação em comunicação no Brasil que utilizaram a categoria de classe social em um estudo de recepção entre os anos de 2010 e 2014. O autor realizou uma bibliometria dos trabalhos, de forma a compreender como os conceitos de “recepção” e “classe” apareceram, procurando refletir questões de ordem teórica e metodológica que impactam os estudos de recepção. Este texto apresentou dados relevantes sobre os principais autores trabalhados nos estudos de recepção e classe. Além disso, nos permitiu refletir sobre os avanços e desafios presentes na pesquisa de recepção. O próprio autor apresenta perguntas que fazem parte do cotidiano dos pesquisadores como: o quanto avançamos teórica, metodológica e epistemologicamente nos estudos de recepção nos últimos anos e como isso nos permite pensar o campo da comunicação, de forma mais ampla? E quais os desafios teórico-metodológicos da temática “recepção” de agora em diante? Embora o artigo apresente a reflexão em torno das pesquisas que relacionam classe e recepção, nos serviu de inspiração para pensar o campo como um todo. O texto, “Os caminhos da recepção: Uma análise da produção científica” (SOUSA e CASTRO, 2013), é parte de uma pesquisa mais ampla, que tem o objetivo de compreender a produção científica brasileira na área da Comunicação, quando o tema é internet. No artigo, os autores buscam entender como é construída a relação entre internet e recepção. Este tema tem relação direta com nosso projeto de pesquisa, uma vez que, o produto comunicacional que permeia a análise é uma produção disponível, prioritariamente, na internet. 615

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Um ponto que destacamos, que contribui para uma próxima etapa da pesquisa é o recorte metodológico do autor. Ele fez uma análise qualitativa dos artigos coletados nos sete periódicos brasileiros da área da Comunicação mais bem avaliados pelo sistema Qualis, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes). As revistas da que fizeram parte da amostra foram: E-compós, Famecos, Intercom, Galáxia, Matrizes, Contracampo e Comunicação Mídia e Consumo. Ao contrário do nosso movimento que busca a base de dados da Capes, o autor elegeu, baseado nos critérios de qualificação, os periódicos que iria pesquisar. Este movimento nos inspira, para refinamento das buscas futuras. Do ponto de vista da reflexão, o autor apresenta um aspecto relevante e urgente que é discussão em torno das mudanças no âmbito da recepção. Embora o foco seja a recepção de produtos jornalísticos, ele abre a discussão de que, existe na atualidade uma participação dos sujeitos comuns na produção. No caso dos vídeos do Porta dos Fundos, que apresentam publicidade, ou não, por estarem disponíveis em uma plataforma online, perceber-se que ao compartilhar, comentar ou até mesmo recriar determinados vídeos os sujeitos também produzem. Outro aspecto apresentado pelo autor, a partir das pesquisas analisadas é o fato dos usuários da internet desenvolverem uma leitura hipertextual, considerada como uma nova forma de consumo. Isso nos faz refletir sobre, em que medida, as formas/práticas de consumo dos vídeos do Porta dos Fundos devem permear nossa observação? Os dois últimos textos selecionados, (SIFUENTES e ESCOSTEGUY, 2016) (SAGGIN e BONIN, 2016), nos apresentam uma reflexão teórica em torno dos estudos de recepção. O primeiro se concentra em identificar a utilização da pesquisa das mediações, proposta por Jesús Martín-Barbero, mais especificamente, no Mapa das Mediações Comunicativas da Cultura ([1998]2003) e sua utilização na investigação empírica, no contexto nacional. O objetivo do texto, não é criticar o uso da proposta de Martín-Barbero e sim compreender como esta é empregada nas pesquisas. A proposta das mediações tem sido citada, refletida e articulada nos diversos estudos de recepção, principalmente, pelo fato de compreender que, a partir da proposta, o olhar não se invertia no sentido de ir das mediações aos meios, mas sim da cultura à comunicação (SIFUENTES e ESCOSTEGUY, 2016). Permitindo, então uma melhor compreensão dos usos e apropriações dos sujeitos, permeados por matrizes culturais, sem perder de vista o comunicacional. As autoras chamam atenção de que “É nesse novo deslocamento que se ancora uma possibilidade de desenvolvimento de pesquisa empírica que dá conta da integração entre o espaço da produção e da recepção, ao mesmo tempo em que não perde de vista o aspecto comunicacional” (SIFUENTES e ESCOSTEGUY, 2016). No artigo, descrevem a análise de algumas teses e dissertações que utilizaram o Mapa das mediações proposto por Martín-Barbero, não é uma pesquisa que 616

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pretendia esgotar a busca pelos trabalhos que usaram a proposta, e sim um recorte. A intenção era buscar identificar trabalhos que se propuseram a pesquisar a totalidade da recepção. Ou seja, investigar tanto o âmbito do produto quanto da recepção e suas relações. O que se encontrou foi, em grande parte, pesquisas que pretendiam investigar a totalidade da recepção a partir do mapa mas, na pesquisa empírica, o foco não era a relação entre a recepção e a produção, tornando a análise parcial. Para as autoras, embora haja um destaca teórico metodológico em relação a proposta do Mapa das mediações, os estudos ainda precisam avançar neste sentido. Por fim, nos interessou o artigo “Problematizações para pensar as apropriações/produções digitais de jovens” (SAGGIN e BONIN, 2016). O título do trabalho já nos dá um indício da discussão proposta, ou seja, o papel de receptor/produtor atribuído aos sujeitos quando nos referimos, principalmente, as mídias digitais. As autoras refletem sobre a forma como o contexto formado por processos de digitalização, exige novas perspectivas para compreender os sujeitos e suas atividades produtivas. “As renovadas condições de “recepção” se colocam como espaços de participação dos sujeitos nos processos de comunicação digital, abrindo a possibilidade de expressividade de temas, debates e exercícios das pessoas não possíveis nos esquemas tradicionais da comunicação” (SAGGIN e BONIN, 2016). Além de apresentar alguns autores que colaboram com a discussão, compartilhamos com as ideias de que o receptor não é um sujeito passivo, e sim que produz sentido a partir dos produtos comunicacionais que consome. Os processos de digitalização, por sua vez, contribuem para repensarmos esses sujeitos e as formas de comunicação. O texto apresenta, também, uma ideia de sujeitos comunicantes trabalhado por Maldonado (2014) e Bonin (2015), ou seja, sujeitos que fazem parte do processo comunicativo com ação e reação e, muitas vezes, uma participação ativa. Isso nos leva a pensar nos limites do conceito de recepção/receptores, na atualidade, e nos motiva a avançar nessa discussão. 4 Breves considerações

Embora a busca empreendida não tivesse a intenção de esgotar a leitura e reflexão sobre os artigos acadêmicos que, de alguma forma, se relacionam com a problemática do projeto de tese e sim desenvolver um movimento de aproximação com o campo. Acreditamos que a metodologia desenvolvida nos permitiu conhecer pesquisas que estão sendo desenvolvidas, bem como, compreender algumas perspectivas teóricas, ou, ao menos ter contato com autores antes não conhecidos.

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A busca por trabalhos acadêmicos, embora facilitada pela existência de portais e sites atualizados, se mostra em determinado momento, complicada. Muitos links disponíveis levavam para as revistas atuais (do ano de 2016) e não para o artigo ou revista apontados na lista de busca. Com isso, diversas vezes, foi necessário entrar no site da revista e usar o sistema de busca com o autor, para, então encontrar o artigo. Nosso próximo passo é desenvolver uma pesquisa nos bancos de teses e dissertações, usando como referência as mesmas palavras chave. Além disso, pensamos em desenvolver uma nova busca, inspirada na metodologia desenvolvida por (SOUSA e CASTRO, 2013), ou seja, identificar a partir do sistema Qualis, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes), as revistas com maior pontuação e assim buscar, em cada uma delas, trabalhos que tenham relação com o projeto de tese. Por fim, listamos uma série de bibliografias que devem ser consultadas e analisadas nas próximas etapas da pesquisa da pesquisa. Referências

ANEAS. Notas metodológicas para a análise de filmes publicitários e seus contextos produtivos. In: XXIV COMPOS, 2015, Brasília. Anais...Brasília, 2015.

BONIN, Jiani Adriana. Explorações sobre práticas metodológicas na pesquisa em comunicação. Revista Famecos. Porto Alegre, n.37, p.121-127, dez.2008.

BONIN, Jiani Adriana . Nos bastidores da pesquisa: a instância metodológica experienciada nos fazeres e processualidades de construção de um projeto. In: Efendy Maldonado;. (Org.). Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. 1 ed. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 21-39.

BRITO e VIEIRA. Desenhos animados e estudos de recepção: um breve histórico das principais correntes de investigação. Revista Comunicação Midiática. São Paulo, v.8, n.3, p.5671, 2013. COVALESKI. Consumo e Publicidade: Entre interesses responsabilidades. In: XXV COMPÓS, Goiania. Anais...Goiania, 2016.

GROHMANN. Estudos de recepção e classe social: notas sobre teses e dissertações defendidas entre 2010 e 2014 no campo da Comunicação. In: XXV COMPÓS, Goiania. Anais...Goiania, 2016.

JACKS et. Al. Jovem e consumo midiático: dados preliminares do estudo piloto e da pesquisa exploratória. In: XXIII COMPOS, 2014, Belém do Pará. Anais...Belém do Pará, 2014. JACKS, N. et al. A Circulação e consumo de telenovela: Passione num cenário multiplataforma. Comunicação Mídia e Consumo. São Paulo, V.9, n 26, p. 191 – 210, 2012.

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MALDONADO, A. Efendy. A perspectiva transmetodológica na conjuntura de mudança civilizadora em inícios do século XXI. In: Efendy Maldonado;. (Org.). Perspectivas metodológicas em comunicação: desafios na prática investigativa. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008.

RONSINI, OLIVERA-CRUZ e PREDIGER. Malhação identidade: a interação juvenil na cultura da convergência. Contemporânea: comunicação e cultura. Bahia, v.10, n 02, p. 391 – 409, 2012

SAGGIN e BONIN. Problematizações para pensar as apropriações/produções digitais de jovens. In: XXV COMPÓS, Goiania. Anais...Goiania, 2016.

SIFUENTES e ESCOSTEGUY. O mapa das mediações comunicativas da cultura: uma segunda onda na abordagem das mediações de Martín-Barbero?. In: XXV COMPÓS, Goiania. Anais...Goiania, 2016. SOUSA e CASTRO. Os caminhos da recepção: Uma análise da produção científica. Brazilian Journalism Research. Brasília, v. 9, n. 2, p. 246-261, 2013

TRINDADE e SOUZA. Ethé publicitários e consumo confluências discursivas na circulação midiática. Revista Comunicação Midiática. São Paulo, v. 9, n. 1, p.120-133, 2014. WOTTRICH E CASSOL. A publicidade que evoluiu com as mulheres? Um estudo de recepção sobre as representações de gênero. Em questão. Porto Alegre, v. 18, n. 2, p.229-244, 2012.

A autora atua como professora no curso de graduação em Publicidade e Propaganda na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. É doutoranda em Comunicação (UNISINOS). Possui graduação em Relações Públicas (2003) e mestrado em Ciências da Comunicação (2011) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Integra o Grupo de Pesquisa PROCESSOCOM (CNPq 2002-2014). Integra a Rede Temática (AMLAT- CNPq) Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina 2009-2014 (UNISINOS/ Universidad Nacional de Córdoba [Argentina]/ Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez [Venezuela]/ Universidad Central del Ecuador/ UFPB-UFRN-UFSC - IELUSC) (Edital MCT/CNPq Nº 11/2008).

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ARTIGOS COMPLETOS #6 Recepção de Cinema e Documentário

Recepção cinematográfica: a trajetória dos cinemas de rua em Frederico Westphalen por meio das memórias de espectadores Eduarda WILHELM1 Rafael FOLETTO2

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul

Resumo: Este artigo procura traçar a trajetória dos cinemas de rua de Frederico Westphalen por meio da memória dos espectadores. Buscamos compreender o processo de fechamento das salas e identificar os motivos disso, trabalhando com as significações do cinema e com o panorama do consumo cinematográfico dos entrevistados. Para isso, utilizamos a metodologia de pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas. Como perspectivas teóricas, tratamos do conceito de midiatização e reflexões sobre a memória.

Palavras-chave: audiovisual; cinema de rua; memória; midiatização. 1 Introdução

Houve um tempo em que as pequenas cidades do interior gaúcho contavam com projeções de filmes, reunindo um público significativo. Devido as mudanças tecnológicas, mercadológicas, sociais e culturais, a partir dos anos 80 essa realidade se modificou. Muitas salas de cinema de rua foram fechadas nesse período e as poucas que restaram, localizadas nos grandes centros, migraram para os shoppings centers, onde o teor mercadológico da sétima arte se sobressai. Distante de grandes centros onde os cinemas se encontram, os jovens de Frederico Westphalen manifestam o interesse de que haja alguma sala de cinema em seu município e os mais velhos lembram, com saudosismo, a época em que o cinema fazia parte do cotidiano da população. Macedo (2006, p. 50) diz que “pela sua própria estrutura industrial e comercial, o cinema de padrão hollywoodiano não atinge determinadas regiões e segmentos da sociedade, simplesmente porque estes não têm o poder aquisitivo suficiente para remunerar o modelo”.

Eduarda Wilhelm – Graduanda de Comunicação Social – Hab. Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Rafael Foletto - Doutor em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Professor do Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 1

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Os cinemas de rua, também conhecidos como cinemas de calçada, são as salas de projeção cinematográfica tradicionais, que não se encontram em shoppings centers, como a maior parte das salas da atualidade. Elas se localizam em meio aos espaços urbanos, em via pública, e seu acesso se dá diretamente da calçada para a porta do cinema. Essa denominação e diferenciação das salas de cinema só surgiu a partir da nova configuração estabelecida pela popularização dos multiplex3. O cinema é um meio de comunicação de massa e uma das principais áreas de estudo da Comunicação Social, pois permite que a informação seja levada a um grande número de receptores simultaneamente. Os filmes educam e estabelecem uma relação de troca de conhecimento com o espectador, pois refletem a realidade e os aproximam dos acontecimentos ao redor do mundo. Temos como objetivo principal traçar a trajetória dos cinemas de rua em Frederico Westphalen por meio da memória dos espectadores que frequentavam as salas de exibição na época. Para isso, levamos em conta os aspectos comunicacionais, culturais, mercadológicos e sociais que levaram ao cenário atual, buscando compreender o processo de fechamento desses cinemas e identificar os motivos disso, sendo que a cidade já foi referência na região em estrutura e quantidade de salas. Também trabalhamos com as significações do cinema para esses espectadores e com o panorama do consumo cinematográfico desses sujeitos, estabelecendo uma comparação com o século passado e atualmente. 2 Pesquisa documental e entrevista

O estudo de acontecimentos sociais e comunicacionais exige, na maioria das vezes, a aplicação de diferentes metodologias de pesquisa qualitativa e empírica. Para a realização deste trabalho, o estudo qualitativo foi conduzido pelos procedimentos de pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas. A pesquisa documental buscou reunir dados mais objetivos sobre as salas de cinema, como datas de fundação, datas de fechamento, proprietários e demais informações sobre as salas. Foram utilizados documentos de museus, registros de pesquisadores da história do município e o livro Painéis do Passado 4, de Monsenhor Vitor Battistella, primeiro pároco do município. Para Gil (2008, p. 150) esses tipos de documentos “apresentam inestimável valor para a realização de estudos exploratórios, com vistas, sobretudo, a estimular a compreensão do problema e também para complementar dados obtidos mediante outros procedimentos”. Com esses documentos, pudemos compreender a história das salas de cinema e traçar um Os multiplex são caracterizados pela união de diversas salas de exibição em um mesmo estabelecimento, geralmente associados a grandes centros comerciais, como os shopping centers, e que ofertam predominantemente filmes do circuito comercial. 4 BATTISTELLA, M. V. Painéis do passado: a história de Frederico Westphalen em 60 quadros de literatura amena. Frederico Westphalen: Marin, 1969. 3

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breve histórico no capítulo 3, para então buscarmos entrevistados e preencher as lacunas que faltaram. O método de entrevista semiestruturada permite orientar uma conversa para um problema de pesquisa e conduzir as perguntas de uma maneira mais flexível. Para escolher os entrevistados, buscamos pessoas que vivenciaram a época e que mantiveram uma relação muito forte com os cinemas de rua de Frederico Westphalen. A partir da pesquisa da história dos cinemas no município e conversas com frederiquenses, chegamos ao nome de seis pessoas para participar das entrevistas5, como pode ser conferido na tabela abaixo.

Tabela 1 – Dados dos entrevistados Nome

Idade

Profissão

Função no objeto da pesquisa

Delíbio Flores

78 anos

Aposentado

Antigo proprietário do Cine Floresta

81 anos

Comerciante

70 anos

Radialista

Dionísio Binotto Ernestina Girardello Euclides Argenta Marcelino Tranquilo Wilson Ferigollo Fonte: Elaboração própria

74 anos 81 anos 77 anos

Marmorista

Trabalhou no Cine Floresta e Cine Jussara

Aposentado

Trabalhou no Cine Floresta e Cine Jussara

Aposentado

Pesquisador da história do município

Trabalhou no Cine Floresta

Trabalhou no Cine Floresta e Cine Jussara

O roteiro das entrevistas foi elaborado pensando em perguntas que remetem às lembranças da época, para estimular a memória dos entrevistados e fazer com que se sintam à vontade falando sobre o assunto. Foram 29 perguntas, que deram margem para outros questionamentos ao longo da conversa. Essas questões foram divididas em três linhas de assunto, começando com as relações do entrevistado com o cinema, partindo para os cinemas de rua de Frederico Westphalen e encerrando falando sobre as relações do entrevistado com o cinema atualmente. 3 Cinemas de rua em Frederico Westphalen

Frederico Westphalen teve a sua primeira sala de cinema de rua em torno de 1940, quando ainda não era emancipada e se chamava Vila do Barril. O chamado Cinema do Bortoluzzi ficava localizado onde hoje é a Rua do Comércio, nas edificações da Farmácia Panvel. Monsenhor Vitor Battistella, o primeiro pároco do município, estabeleceu um acordo com o dono do cinema, José Bortoluzzi, para que os filmes

Além dos seis entrevistados principais, também colaboraram com relatos parentes que estavam presentes no momento da entrevista. Esse foi o caso da esposa de Dionísio, Anabela, que respondeu várias perguntas juntamente com ele, do filho de Ernestina, Marco, que também auxiliou a lembrar de algumas informações, e de Nelci, esposa de Wilson. Algumas falas dessas pessoas também se encontram presentes na análise das entrevistas, pois contribuem e enriquecem esta pesquisa. 5

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passassem pela sua aprovação antes de serem exibidos. O Cinema do Bortoluzzi fechou em meados dos anos 1950, mas a influência da Igreja Católica na exibição de filmes permaneceu nos cinemas de rua que vieram a seguir. No final dos anos 1940 ou início dos anos 1950, o Padre Orestes Trevisan, juntamente com a Juventude Católica Masculina, criou o cinema paroquial Cine Teatro Recreio, que por vezes também era chamado de Cine Carlos Gomes. Esse cinema de rua era localizado onde hoje é o salão paroquial, nos fundos da catedral. A sala exibia filmes de curta e longa metragem, em 16 milímetros, e possuía cerca de 100 cadeiras. Também no começo da década de 1950, a família de Dinarte Flores Pereira instalou um equipamento de projeção de filmes de 35mm no prédio onde existia o salão do Clube Comercial do município. Surge assim o Cine Floresta, localizado na Rua Tenente Portela, na quadra entre a Rua do Comércio e Rua Monsenhor Vitor Battistella. Entre 1956 até cerca de 1961, existiu também o cinema da família de Achiles Valentin Panosso, cujo o nome não se tem registro. Esse cinema de rua era localizado na Rua Tenente Lira, ao lado do atual Sicredi, em edificação onde hoje funciona uma loja de confecções, mas que conserva as características originais da arquitetura. A família realizava a projeção de filmes mexicanos e de faroestes e o espaço possuía cerca de 250 lugares. Fechou quando a família se mudou para a cidade de Passo Fundo. O Cine Teatro Recreio estava tendo dificuldades em vencer a concorrência do Cine Floresta, que possuía equipamentos mais modernos, melhores acomodações e filmes com temáticas mais livres. A recém construída Catedral Santo Antônio possuía um salão para a realização de festas, recepções, teatro e cinema, com 450 lugares. Sendo assim, o proprietário do Cine Floresta e o Padre Vitor acordaram a união das duas salas de cinema, mediante um contrato que exigia condições como o pagamento de uma porcentagem da renda para os cofres da Igreja e a exibição de filmes que condiziam com a moral católica. Adotando o nome de Cine Floresta, o cinema se mudou para a nova edificação em julho de 1958. No primeiro semestre de 1965, o cinema foi vendido para Arlindo Bragante. Após negociação com o empresário Giusto Damo, dono de uma nova edificação na Rua do Comércio, onde hoje funciona a loja Grazziotin, a sala foi transferida de lugar. Passando a se chamar Cine Jussara, em homenagem a filha de Giusto, a sala foi inaugurada em 1º de maio de 1965 e possuía 900 cadeiras estofadas, sendo uma de suas principais características o conforto e a modernidade dos equipamentos. O Cine Jussara permaneceu durante quase 25 anos levando a sétima arte para o público frederiquense e da região. Encerrou suas atividades em janeiro de 1990 e, desde então, Frederico Westphalen não possui uma sala de cinema comercial.

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Tabela 2 – Dados dos cinemas de rua de Frederico Westphalen Nome do cinema Cinema do Bortoluzzi Cine Teatro Recreio ou Cine Carlos Gomes Cine Floresta

Período de funcionamento 1940-1950

Cinema de Achiles Valentin Panosso Cine Floresta (nova sociedade) Cine Jussara

1956-1961

1950-1958 1950-1958

1958-1965 1965-1990

Fonte: Elaboração própria

Localização

Proprietários

Rua do Comércio (hoje Farmácia Panvel) Salão Paroquial da Igreja Católica

José Bortoluzzi

Número de lugares _

Família Flores

_

Família de Achiles Valentin Panosso

250

Arlindo Bragante e Giusto Damo

900

Rua Tenente Portela, prédio onde existia o Clube Comercial Rua Tenente Lira (ao lado de onde hoje é o Sicredi) Embaixo da Catedral Santo Antônio

Rua do Comércio (hoje Loja Grazziotin)

Igreja Católica

Família Flores e Igreja Católica

100

450

4 Midiatização cinematográfica e memória As modificações e desenvolvimento tecnológico intenso dos meios de comunicação a partir da década de 1960 fizeram com que eles deixassem de ser apenas emissores de mensagens para que tivessem um impacto no cotidiano da sociedade. As mídias passam a ser um agente modificador na produção de sentidos, crenças e modos de vida das pessoas, ou seja, a sociedade e a cultura se relacionam cada vez mais com os meios de comunicação. Para Maldonado (2002) esse processo de midiatização se intensificou no século XX, visando adequar os modelos financeiros, industriais e comerciais ao sistema capitalista. O cinema é parte dessa midiatização, pois também possui a capacidade de modificar o cotidiano de seus espectadores. Esse processo teve grande impacto no campo da cinematografia e contribuiu para modificações sociais e mercadológicas que afetaram os cinemas de rua em todo o país a partir de 1980. Assim como as formas de exibição cinematográficas se modificaram, também modifica-se a forma de recepção das mensagens. Na midiatização cinematográfica, o espetador de cinema [...] pode ser entendido como um ser que em sua vida social compartilha com os outros o sentido dos filmes assistidos, forma competências midiáticas, tem experiências coletivas e individuais de recepção, vivencia diferentes experiências de exibição de filmes, configura identidades a partir do que consome no cinema, etc. No âmbito do processo de midiatização no geral, consiste em um ser que extrapola a experiência de ver filmes, levando essas experiências de uma forma específica de recepção em comunicação para o viver cotidiano, para as relações mais amplas do contexto social. (ARAÚJO, 2008, p. 26).

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Usamos a memória de idosos para trabalhar com a recepção e mediações sociais do contexto histórico dos cinemas de rua em Frederico Westphalen. Nesse sentido, Martín-Barbero (1997) se mostra relevante para as nossas perspectivas teóricas, tendo em vista que trouxe uma nova visão para as pesquisas de recepção, onde o emissor e receptor se relacionam com o meio social e diferentes aspectos mediadores, produzindo novos sentidos e interpretações. Essa relação com os diversos aspectos sociais e culturais é levado em conta ao longo deste artigo. A idade se mostrou um fator muito importante na hora de escolher os entrevistados, pois os idosos viveram o processo de midiatização dos meios. Eles não apenas têm conhecimento sobre a evolução tecnológica, como vivenciaram ela. Suas memórias midiatizadas se relacionam com diferentes experiências midiáticas e isso se mostra importante para compreender a trajetória e processo de fechamento dos cinemas de rua, já que a evolução tecnológica teve grande impacto nesse cenário. Nelas [pessoas idosas] é possível verificar uma história social bem desenvolvida [...], sua memória atual pode ser desenhada sobre um pano de fundo mais definido do que a memória de uma pessoa jovem, ou mesmo adulta, que, de algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um presente que a solicita muito mais intensamente do que a uma pessoa de idade. (BOSI, 1994, p. 60).

Para o sociólogo Maurice Halbwachs, a memória, mesmo sendo algo individual, se apoia no testemunho de outras pessoas e vivências de grupos sociais. A memória coletiva serve “para reforçar ou enfraquecer e também para completar o que sabemos de um evento sobre o qual já tivemos alguma informação” (HALBWACHS, 2006, p. 29). No caso do objeto desta pesquisa, o grupo de memória coletiva é aquele de pessoas que frequentaram ou trabalharam nesses cinemas, tendo um vínculo de acontecimentos para rememorar. Essa relação existe pelas significações que o cinema teve na vida dessas pessoas. Segundo Halbwachs (2006), o ato de rememoração, de trazer à tona lembranças do passado, está ligado aos elos que se tem com determinado grupo. A rememoração acontece com base nos chamados “quadros sociais da memória”. Esses quadros são impostos pelo meio social e funcionam como formas de referências para as lembranças, já que a memória é uma reconstrução do passado modificada por fatores do presente. Sendo assim, O esquecimento também é uma questão a ser citada, já que nem tudo se mostrou claro nos relatos dos entrevistados. Quanto menos se solicita o exercício da rememoração e mais deixamos de dividir nossas recordações com outros, mais as memórias vão se perdendo. “O que obtemos é um relato não da experiência objetiva tal como vivida no seu acontecer, mas das marcas que se inscreveram na memória do sujeito (ou do grupo) e que são evocadas numa situação específica de trabalho de rememoração [...]” (BONIN, 2013, p. 74). A memória é seletiva, pois busca uma conciliação entre experiência individuais e coletivas. 626

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O cinema é um espaço de construção e solidificação de memórias e identidade. As lembranças do grupo social relacionado aos cinemas de rua contribui para solidificar e resgatar os acontecimentos passados. Sendo assim, por meio dos relatos dessas pessoas, se torna possível o resgate histórico e compreensão dessa trajetória.

5 Os espectadores e suas memórias

5.1 Significações do cinema O cinema teve um importante significado na vida de cada um dos entrevistados. Quando questionados sobre o papel do cinema, a maioria citou a sétima arte como uma forma de conhecer o mundo. Ernestina Girardello considera que o cinema foi muito importante nesse aspecto. “O cinema abriu muito a nossa visão, deu uma visão diferente do mundo. A gente só conhecia a nossa região e através do cinema a gente ia vendo coisas diferentes, coisas boas.” Por meio dos filmes, era possível conhecer aspectos da história, de diferentes culturas, hábitos e costumes. Para Alea (1984), o cinema cumpre seu papel por completo quando faz o espectador compreender melhor a realidade. “O cinema foi na época uma demonstração de que existia a possibilidade de você conhecer o mundo através de uma tela. Hoje temos outras formas. Para a época era o máximo, era o suprassumo.” Conta Wilson Ferigollo. Outros interlocutores da pesquisa também destacaram esse poder dos filmes de levar informação em uma época em que eram poucos que tinham acesso ao telefone e televisão, por exemplo, sendo o rádio e o cinema um dos meios de comunicação mais populares. “Hoje tu vê tudo o que acontece no dia a dia, mas na época tu ia ver alguma novidade, alguma coisa diferente no cinema. Era onde tu encontrava, inclusive, instrução né.” Afirma Dionísio Binotto. Euclides Argenta diz que cresceu muito em sabedoria e conhecimento graças ao cinema. “A gente começou a ver o mundo através do cinema, dos filmes que passavam.” O filho de Ernestina, Marco, considera que “o cinema aqui em Frederico fez a parte da cultura quando não existia televisão, não existia internet. Nós recebíamos as coisas através do cinema.” Eram poucas as opções culturais no município, sendo que o cinema supriu essa necessidade nos seus anos de existência. A vida cultural, segundo os entrevistados, se resumia ao cinema e bailes promovidos pelo Clube Recreativo e Cultural Harmonia. Às vezes, a cidade recebia circos e artistas, mas era algo esporádico. Marcelino Tranquilo diz que o cinema foi muito importante, “principalmente pros casais de namorados, que aos domingos não tinha outra diversão pra ir”. Percebe-se que a vida cultural, para os entrevistados, está diretamente relacionada a atividades de lazer e diversão. Segundo Almeida e Gutierrez, o lazer para a sociedade contemporânea é a indústria cultural, “o que leva a um afastamento 627

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ainda maior das suas manifestações não consumistas como o lazer de rua, as relações interpessoais, a recordação das atividades antigas e as festas populares” (2004, p. 54). Para os autores, o lazer está relacionado com o uso da tecnologia e o cinema acabou se tornando uma forma de entretenimento de consumo. No entanto, no depoimento das pessoas é possível notar que elas relacionavam o cinema com uma forma de se encontrar com outras pessoas, e não com o consumo de filmes em si. O papel do cinema como um espaço de sociabilidade também foi comentado pelos entrevistados. O cinema era um espaço de convivência e fazia parte da vida social da cidade, propiciando vivências coletivas. Na primeira metade do século XX, as salas de cinema eram um dos principais meios de encontro e socialização entre as pessoas. O que atraia as pessoas não era apenas assistir ao filme, mas estar em uma sala de cinema e poder usufruir da magia daquele espaço. A chegada do cinema “tem marcado a realidade de forma até então desconhecida, forjando experiências coletivas, que oferecem novas possibilidades de interação à vida social” (SILVA, 2009, p. 30). A esposa de Wilson, Nelci Ferigollo, que também participou da conversa, disse que “o cinema era pra gente um ponto de encontro, os amigos se encontravam todos no cinema”. Delíbio Flores conta que aprendeu muito em aspectos de convivência e educação com o público. Para Dionísio, o principal motivo de ir ao cinema era encontrar os amigos. “Porque a gente chegava ali, ficava batendo um papo muitas vezes até chegar na hora de entrar no cinema. Depois quando saía do cinema continuava batendo papo com os amigos ali [...].” 5.2 Histórias e lembranças Questionados sobre as primeiras lembranças que vem à mente em relação ao cinema e sobre a primeira vez que assistiram a um filme projetado na tela grande, muitas histórias surgiram. Dionísio, que trabalhou no Cine Floresta ajudando na projeção dos filmes quando tinha cerca de 16 anos, conta sobre quando precisou projetar um filme impróprio para menores de idade, pois o proprietário, Delíbio, não estava e ele era o único além dele que sabia mexer no equipamento.

Quando eu fui entrar pra subir e passar o filme o seu Pedro Teston, que era juiz de menor na época, não quis me deixar entrar porque eu era menor né. Daí eu disse ‘olha, se o senhor não me deixar entrar não vão passar filme porque não tem ninguém pra passar’. Aí ele mandou chamar a Dona Ana, que era a mulher do proprietário do cinema, e ela ‘não, se ele não ficar aí eu não tenho como passar o filme, o único operador que tem hoje é ele’. É uma das tantas histórias que aconteceu.

Wilson assistiu o seu primeiro filme quando tinha cerca de 12 anos de idade, no Cine Carlos Gomes (ou Cine Teatro Recreio). “A gente ia meio fugido de casa, porque as mães e a censura que existia no filme não permitia. As pessoas diziam que o cinema ensinava coisas erradas”. Ele conta que ir ao cinema em uma cidade do interior como Frederico Westphalen era algo extraordinário. “A maior recordação é 628

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estar assistindo uma história desenvolvida nos Estados Unidos, Europa ou Japão na nossa cara, vendo e sentindo as emoções daqueles momentos.” Marcelino também recorda da classificação indicativa dos filmes que era, segundo ele, de no mínimo 12 anos. “Quando eu completei 12 anos eu levei a certidão de nascimento e mostrei pra ele ‘tá aqui ó’. Aí me deixavam entrar.” Ele começou trabalhando no Cine Floresta em torno de 1960 carregando os cartazes de divulgação até seus locais de fixação, na Rua do Comércio. Após, passou a ser o operador de máquinas. Permaneceu lá até o fechamento do Cine Floresta, em 1965. Essa experiência lhe abriu as portas para trabalhar como cinegrafista em São Paulo, onde permaneceu por muito anos trabalhando com Amácio Mazzaropi6. De volta em Frederico Westphalen, trabalhou também no Cine Jussara. Sobre sua maior lembrança da época dos cinemas de rua, Marcelino fala sobre as filas que se formavam para as sessões de domingo, algo que sente muita falta de ver. Eu gostaria de relembrar os velhos tempos do cinema vendo aquela multidão de gente, principalmente nos domingos, duas sessões, das sete [19h] e depois às nove [21h] quando saíam da missa, e formavam-se enormes filas pra segunda sessão do cinema. Coisa que hoje a gente não vê mais pois acabou. A gente recorda com muita saudade aqueles velhos tempos.

Em dissertação, Simone Rolim de Moura (2008) traz o ato de ir ao cinema como um evento. “O ir ao cinema enquanto um evento coloca em cena um diálogo entre a história dos cinemas de calçada e a cultura nos centros urbanos [...]” (MOURA, 2008). Um evento não é apenas um acontecimento cotidiano, e sim algo que se relaciona com o contexto em que está inserido e acaba por modificar a sociedade, criando novos sentidos e representações. O cinema tem esse efeito, pois estimula a moldar uma identidade coletiva e construir novas experiências, modificando a sociedade e sua maneira de agir e pensar.

5.3 O funcionamento dos cinemas de rua As salas de cinema de Frederico Westphalen reuniam um grande público. Domingo era o dia em que as salas lotavam, tanto na época do Cine Floresta quanto no Cine Jussara, e o número de sessões dependia da quantidade de público. Se os responsáveis pelo cinema viam que o filme tinha potencial para lotar a sala, eles realizavam uma sessão extra para aqueles que não puderam vir no horário anterior ou que não conseguiram entrar devido a lotação. Já nas sessões em dias úteis o público era relativamente menor, de cerca de 50 pessoas, segundo o dono do Cine Floresta, Delíbio. Questionados sobre a diversidade do público, os entrevistados afirmaram que o principal cinema e maior ponto de encontro da região era em Frederico Westphalen, sendo que as salas dos outros municípios não permaneceram muito Ator, produtor e cinegrafista, é uma importante figura da cultura popular brasileiro, tendo atuado nos ramos do rádio, televisão e cinema. Ainda hoje, os filmes do Mazzaropi passam na TV Brasil.

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tempo. As famílias do interior do município, muitas vezes vinham a cavalo, por não terem outro meio de locomoção. Todos os entrevistados afirmaram que o preço do ingresso era acessível para a época, apesar de não recordarem o valor exato. “Era barato pra que o povo todo pudesse ir”, afirma Ernestina. Argenta acrescentou que, no caso de alguns filmes em que o aluguel era mais caro, os ingressos tinham um valor diferenciado. Ernestina lembra bastante dos filmes de romance e conta que na época eles eram mais discretos e não mostravam cenas tão explícitas como hoje. Ela cita também filmes históricos e diz que predominavam os filmes estrangeiros. Os principais gêneros de filmes lembrados por Wilson foram os faroestes, romance, guerra e mexicanos. Para Marcelino, “quando não agradava um, agradava o outro, então tinha que trazer todos os tipos de filmes”. Flores diz que nos primeiros anos do Cine Floresta os gêneros preferidos do público eram faroeste e filmes nacionais. Wilson ainda conta que haviam sessões especiais de filmes com pornografia. Elas aconteciam tarde da noite, após às onze horas, e poucos tinham conhecimento de sua existência. Era uma espécie de segredo, já que falar de sexo por volta de 1970 era um tabu. A entrevistada Ernestina relembra a influência da Igreja na escolha dos filmes do Cine Floresta. “Os filmes que vinham pra cá eram sempre selecionados, eram bem escolhidos porque não podia ter pornografia no cinema ali do Monsenhor né”. O cinema, principalmente na primeira metade do século XX, era visto pelas instituições como uma forma de educar o público. Para a igreja, os meios de comunicação de massa deveriam ser utilizados para a preservação da moral e dos valores cristãos da sociedade. O cinema era um ótimo instrumento para a propagação desses valores, já que atingia um número grande e cada vez maior de pessoas. (FREITAS, p. 33-34, 2012).

Sendo assim, era conveniente para a Igreja usar a influência que esse meio de comunicação exercia nas pessoas de acordo com os seus interesses. Esse domínio da Igreja perante os filmes que eram exibidos foi citado pelo proprietário do Cine Floresta como uma das principais dificuldades para manter o cinema de rua na cidade. A aquisição dos filmes do Cine Floresta era realizada por meio de um contrato mantido com o proprietário do Cinema Recreio de Carazinho, conforme relato de Delíbio e Dionísio. No Cine Jussara, os filmes eram trazidos de Porto Alegre por Euclides e Arlindo Bragante. “A gente ia buscar os filmes em Porto Alegre em caixas de lata que pesavam mais ou menos uns 20 ou 30 quilos. Geralmente eram cinco partes dentro de uma lata.” Os rolos de filmes eram compartilhados com os outros cinemas da região, para que o custo do aluguel fosse dividido entre eles. Marcelino lembra que, conforme o filme, a distribuidora cobrava por ingresso vendido e não por aluguel dos rolos. “Quando era muito caro, quando o filme era de muito sucesso, vinha sempre um fiscal que ficava na porta pra não haver desvio de ingresso.” 630

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5.4 A última sala de exibição fecha A maior parte dos entrevistados diz que frequentou os cinemas do município até o fechamento da última sala. O que mudou foi a frequência com que alguns costumavam ir, devido a mudanças na rotina diária e ao surgimento de outros compromissos. Ernestina conta que, quando seus filhos eram pequenos, deixou de frequentar tão assiduamente devido ao envolvimento com as crianças. Wilson também diz que depois que casou passou a frequentar menos o cinema. Já Delíbio fala que parou de frequentar depois que vendeu o Cine Floresta. Questionados sobre os possíveis motivos de fechamento das salas, a resposta foi quase unânime: a popularização da televisão. Os interlocutores Binotto e Tranquilo também citam que as despesas e aluguel de filmes ficaram cada vez maiores. Marcelino conta que o cinema começou a dar prejuízo e foi preciso fechar. O pessoal ficava em casa, alugava filmes, assistia os filmes em casa e o cinema começou a diminuir o público e o aluguel dos filmes eram muito caros. Por isso hoje fechou os cinemas de praticamente todas as pequenas cidades que nem a nossa aqui, acabou. Às vezes vinham filmes bons, mas o público não ia mais no cinema.

Wilson também cita que o Cine Jussara estava dando prejuízo, já que o dono tinha outras fontes de renda, se referindo a Giusto Damo. “O cinema foi desaparecendo sozinho. [...] eles simplesmente anunciaram que iam fechar, que o dono não precisava daquilo ali, ele era dono do frigorífico e tinha uma fonte de renda muito grande.” Já Ernestina, amiga da família proprietária, cita como um dos motivos a morte de Arlindo Bragante, que era um dos principais responsáveis por manter o Cine Jussara. Para ajudar a relembrar, chama seu filho, Marco, que diz que Giusto só trabalhava com pessoas que eram de muita confiança sua. Com a morte de seu sócio Bragante, não havia ninguém na família que pudesse continuar o negócio. “Salas menores duraram muito tempo ainda, mas essa tinha esse problema, era uma sala muito grande”, completa Marco. Os entrevistados disseram que não houve algum tipo de incentivo público para manter os cinemas, ou que ao menos desconhecem a informação. As salas tiveram como suporte financeiro, além dos recursos pessoais dos empresários, apenas a Igreja Católica na época do Cine Recreio e Cine Floresta. Argenta diz que a participação financeira da Prefeitura Municipal, por exemplo, poderia ter contribuído para manter o cinema em funcionamento. O surgimento e a manutenção dos cinemas de rua em Frederico Westphalen se caracterizaram como empreendimentos pessoais ou familiares. Outra característica do processo de fechamento do cinema de rua de Frederico Westphalen foi a sua transição para locadoras de vídeos. Esse tipo de comércio se intensificou a partir de 1990, se tornando uma nova opção de consumo de filmes para o público frederiquense. 631

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5.5 Relações com o cinema atualmente Junto com a última sala de exibição de Frederico Westphalen, se extinguiu também o hábito dos entrevistados de ir ao cinema. A maioria não frequenta mais, nem mesmo quando viaja para cidades maiores, onde existem salas. Wilson diz que é raro frequentar o cinema quando vai a Porto Alegre, sendo que faz mais de um ano desde a última vez que foi. “A gente perdeu essa atração pelo cinema, até pelo próprio envolvimento que a gente tem com outras coisas.” Ernestina nunca mais foi ao cinema depois do fechamento do Cine Jussara. Apenas o casal Dionísio e Anabela afirmaram que ainda vão ao cinema. “Quando a gente vai em um lugar que tem [cinema] faz questão de assistir”, diz Dionísio. O consumo de filme dos entrevistados hoje se resume a televisão, na companhia da família. Wilson diz que na TV por assinatura é possível ver qualquer coisa que se deseja. “Os netos aproveitam bem, mas nós de vez em quando. Já no canal aberto é repetitivo demais.” Mas apenas Marcelino e o casal Binotto dizem assistir filmes diariamente. Euclides considera que não precisar se deslocar até o cinema é um ponto positivo de assistir filmes em casa. Hoje, ele prefere a televisão. Se antes ir ao cinema era um evento do qual não se abria mão, hoje, com as novas formas de consumo de filmes, algumas pessoas acabam optando pela comodidade de permanecer no conforto do lar. Por mais que a televisão exiba filmes tanto quanto o cinema, a forma como o telespectador os recebe difere do que é transmitido em uma sala de cinema. Conforme as ideias de McLuhan (1974), uma mudança de veículo implica também em uma mudança de conteúdo. As formas de interação social das pessoas se modificam, já que no cinema de rua é possível se relacionar com diversas pessoas e assistindo em casa as interações se resumem aos vínculos familiares e, muitas vezes, se assiste sozinho. As relações de poder também se mostram diferentes, pois em casa, especialmente utilizando a TV por assinatura, é você que controla o que assistir, podendo interromper o ato a qualquer momento, retomando mais tarde. Já no cinema a relação de poder entre espectador e meio de exibição se torna mais limitada, pois o acesso do público a oferta de conteúdos se torna mais restrito. Pensando no município de Frederico Westphalen atualmente, perguntamos aos entrevistados se eles acham que se abrisse um cinema de rua haveria público satisfatório. Quase todos se mostraram empolgados com a possibilidade e afirmaram, com a ressalva de que não tanto quanto antigamente, mas que sim, haveria público. Eles também falaram que a falta de opções de lazer no município atualmente seria favorável ao sucesso de um cinema. “Olha, eu acho que hoje até um cinema, não de grande porte, mas um cinema ainda agregaria bastante público ainda, porque nós não temo praticamente nada que nos convide a sair”, diz Dionísio. Apenas Euclides disse que não haveria público, pois acredita que a cidade não é grande suficiente para ter um cinema. Ele se mostra pessimista quanto ao futuro da sétima arte. 632

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O cinema em si saiu de uso em toda parte. Resta algumas cidades que voltaram a botar. Porto Alegre, a capital gaúcha, tem alguns cinemas que reabriram. Não sei se com a tecnologia rápida que tá andando a comunicação, começando pelo computador, tablet e outros né, celular... não sei se vai sobrar muito pro cinema continuar.

Ernestina conta que hoje já se acostumou a uma vida sem cinema. “Na época a gente achava falta, reclamava bastante. Porque era bom a gente ir, se encontrar com as pessoas, era muito bom. Mas... passou. Agora tem a televisão né. A gente fica dentro de casa vendo televisão.” Wilson, juntamente com alguns amigos, já fizeram uma tentativa de abrir novamente um cinema no município, mas tiveram dificuldade em encontrar uma sala com pé direito suficiente para comportar uma tela e equipamentos. Ele conta que muita gente está entusiasmada para ressuscitar a sétima arte em Frederico Westphalen. As pessoas que tem a minha idade, 70 anos para cima, reclamam da falta de um cinema e os jovens também estão reclamando e sentindo a falta de um cinema. O problema hoje é o custo, a gente já foi atrás disso. Para instalar não é caro, mas como é que você vai ter um filme? Quanto é que custa pra você ficar rodando aqui? Vai vir da onde?

A transição dos cinemas de rua para os shoppings centers marcou uma modificação significativa no perfil do público. Os multiplex acabam atraindo um público mais jovem, imerso nas novas configurações sociais e de lazer contemporâneas. Estudo do Ministério da Cultura (2010) aponta que apenas 6% da população das capitais brasileiras entre 55 a 64 anos frequentam o cinema, sendo que os mais jovens são os que frequentam em maior número. Esses dados reforçam o que foi constatado nas entrevistas, já que a maior parte dos interlocutores, hoje idosos, não frequentam mais o cinema. O ato de assistir um filme se apresenta para eles por meio da televisão e na intimidade do lar.

6 Considerações finais

Por meio da pesquisa documental e entrevista foi possível atingir os objetivos propostos e traçar a trajetória dos cinemas de rua em Frederico Westphalen. Usando o referencial teórico da midiatização cinematográfica, abordamos as mudanças dos meios e processo de transformação do papel da mídia na sociedade. Nos apoiando em reflexões sobre memória para trabalhar com os depoimentos dos entrevistados, percebemos que o cinema é um espaço de construção e solidificação de memórias e identidade e como é importante resgatar esses acontecimentos passados para manter viva a memória de grupos sociais. Trabalhar com relatos de idosos e suas memórias se mostrou um desafio e ao mesmo tempo um grande processo de aprendizagem. A existência de um cinema de rua em Frederico Westphalen se manteve condicionada a empreendimentos familiares de pessoas que acreditaram na sétima 633

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arte e se esforçaram para torná-la possível em uma cidade do interior gaúcho. Questões pessoais e econômicas tornaram o empreendimento cada vez menos viável. Não foi possível identificar algum tipo de incentivo público para manter o cinema do município na época, o que talvez tenha sido um ponto crucial para culminar no cenário atual. A televisão e as tecnologias digitais que foram surgindo e se popularizando a partir de 1980 levaram a baixa frequência do público, o que foi citado pelos entrevistados como principal motivo para o fechamento das salas. Além disso, a influência da Igreja Católica na escolha dos filmes foi, para o proprietário do Cine Floresta, uma das dificuldades de manter a sala. Não podemos precisar apenas um motivo para não haver mais cinemas de rua na cidade, foi um conjunto de fatores o responsável pelo seu fechamento. São diversas as representações que o cinema tem na vida de cada pessoa e significações que teve na vida dos entrevistados. Essas funções do cinema não se extinguiram, porém eram vistas com mais intensidade nos cinemas de rua do século passado. Hoje, essas relações se modificaram. Mesmo 26 anos após o fechamento do último cinema de rua, eles ainda são frequentemente lembrados e comentados pelas pessoas. A memória social dos cinemas de rua ainda se mostra presente entre os frederiquenses. A tentativa de trazer o cinema de volta a realidade do município mostra que existe o desejo de reviver aquela época, mas esbarra em diversas dificuldades. Mas mesmo com o público jovem que reside na cidade devido as universidades, manter uma sala de qualidade no município é um grande desafio, visto aos valores do mercado de distribuição. Este trabalho contribui para reunir um material concreto sobre a história das salas de cinema em Frederico Westphalen, sendo informações que dificilmente encontram-se documentadas. Isso acrescenta na compreensão da trajetória e o panorama do consumo audiovisual na cidade, buscando trazer respostas que levam a entender o processo de fechamento dos cinemas de rua e o cenário atual no município. Referências

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MOURA, S. R. Entre memória e preservação: uma etnografia sobre a implantação da Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre – RS. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2008, Dissertação de Mestrado. SILVA, A. F. da. A magia do cinema na praça: apropriação do espaço e sociabilidade em Salvador-BA. 2009. 234 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional; Cultura e Representações) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2009.

Autores

Eduarda Wilhelm é graduanda de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen. Bolsista do projeto de extensão “Video Entre-Linhas: formação de jovens realizados em Frederico Westphalen e Região” e participante do Grupo de Pesquisa Midiação - Educomunicação e Meio Ambiente. E-mail: [email protected]. Rafael Foletto é professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria - campus Frederico Westphalen. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected].

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Recepção em radiodocumentário: percepções de gestantes e profissionais da saúde acerca de divergentes opiniões sobre parto Rejane Beatriz FIEPKE1 Jéssica RIGON2 Priscila da SILVEIRA3 Tamires Regina ZORTÉA4

Universidade Federal de Santa Maria, Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul Resumo: O presente artigo consiste em um estudo de recepção referente às percepções obtidas por meio de um radiodocumentário, com foco na análise da opinião das pessoas entrevistadas sobre parto normal e parto cesárea. Trabalhou-se com um grupo de gestantes pertencentes às classes populares, por se tratar de mulheres que estão inseridas na situação que é abordada pelo produto midiático. Também participaram da discussão, profissionais da saúde integrantes do programa Primeira Infância Melhor (PIM). A base teórica está fundamenta no pensamento de Maria Immacolata Vassalo de Lopes (1993). Foi realizado um questionário para ouvir as participantes. Após a apresentação do documentário se repetiu o processo. As três gestantes participantes se identificaram com determinados trechos do radiodocumentário. Uma delas consolidou a sua opinião sobre o tipo de parto que pretende realizar após ouvir o áudio. Palavras-chave: Radiodocumentário; Recepção; Gestantes. 1 Introdução Considerando o constante debate nos meios de comunicação acerca dos tipos de parto e seus respectivos benefícios e contraindicações, pensou-se em levar a

Rejane Beatriz Fiepke - Acadêmica, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Jéssica Rigon - Acadêmica, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 3 Priscila da Silveira – Jornalista e Pós-graduada em Comunicação Organizacional, Universidade de Passo Fundo – UPF. 4 Tamires Regina Zortéa - Acadêmica, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 1 2

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discussão para um grupo de gestantes, beneficiárias de programas assistenciais dos Governos Federal e Municipal, que participam mensalmente de encontros promovidos pela Prefeitura de Frederico Westphalen. Como produto midiático escolhido para a realização do estudo, optou-se por um radiodocumentário produzido para fins acadêmicos e veiculado na web rádio da agência experimental de notícias da universidade, com foco na análise prévia e posterior da opinião de gestantes e profissionais da saúde acerca dos tipos de parto. O radiodocumentário apresenta diversas opiniões acerca dos dois tipos de parto, cesárea e normal, com o depoimento de mães, enfermeiras, naturopata, médica, estudante de medicina, parteira, no intuito de trazer uma pluralidade de pontos de vista. Incialmente foi realizado um questionário com o objetivo de ouvir as participantes, em conjunto, e tomar nota de suas opiniões e percepções sobre ambos os tipos de parto; saber onde buscam informações referentes ao assunto; e se elas obtém informações oriundas de algum meio de comunicação. Após ouvir ao documentário se repetiu o processo, o que permitiu uma análise para verificar se o produto midiático influenciou ou não as opiniões das gestantes. Os questionamentos nesse momento visavam saber quais eram os posicionamentos referentes ao assunto e obter avaliações sobre o radiodocumentário em si. 2 Objetivo O presente estudo objetiva compreender como ocorre a recepção de novas informações e conhecimentos sobre o parto por parte de gestantes e profissionais de saúde integrantes do programa Primeira Infância Melhor (PIM). Buscou-se, desta forma, analisar a reação e as opiniões das referidas gestantes e profissionais antes e após o contato delas com um produto midiático, sendo ele um radiodocumentário, que apresentou novas informações e conhecimentos distintos quando comparados ao conteúdo repassado por profissionais da saúde. 2.1 Objetivos específicos  



Entender se as gestantes já obtiveram algum tipo de informação sobre gestação e tipos de parto a partir de meios de comunicação; Saber a opinião das gestantes e profissionais da saúde sobre os tipos de parto antes da apresentação do radiodocumentário, opinião essa formada por conhecimentos adquiridos a partir da convivência com outras mulheres, mães, médicos, equipe de enfermagem, agentes de saúde, dentre outras formas de aquisição de conhecimento que elas tiveram até o momento da realização do estudo. Compreender se o radiodocumentário, cujo conteúdo é voltado para explicações sobre parto normal e cesárea, pode influenciar na escolha das gestantes sobre o tipo de parto a realizar ou se pode, inclusive, fazê-las mudar de ideia, optando por outra forma de parto.

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3 Justificativa O interesse por compreender como as gestantes recebem novas e diferentes informações sobre o parto originou este estudo. Sabe-se que grande parte das informações que as mulheres adquirem ao iniciar a gestação provém de profissionais da saúde, no entanto, poucos são os relatos de que conteúdos como esse tenham sido obtidos por meios de comunicação. Desta forma, uniu-se a iniciativa da realização de estudo de recepção com a necessidade e interesse em saber se as gestantes e profissionais da saúde, grupos específicos escolhidos para o estudo, obtêm conhecimentos sobre os diferentes tipos de parto a partir de meios comunicacionais ou se sentem carência de conteúdos midiáticos voltados ao assunto. Sabendo da importância do esclarecimento, para as futuras mães, sobre os prós e contras dos partos cesárea e normal e suas diferenças e consequências para a mulher e o bebê, acredita-se na necessidade de maior transmissão de informações às gestantes. Entretanto, é preciso saber se existem produtos midiáticos voltados a esse assunto, se ele é pouco levado em consideração pelos meios comunicacionais, ou mesmo se as próprias gestantes não têm interesse em receber essas informações por esses meios midiáticos. 4 Referencial Teórico Cada cidadão possui ideias e diferentes pontos de vista sobre os mais diversos assuntos. No entanto, conforme a situação social em que se encontra vai se modificando no decorrer da história, suas opiniões também estão sujeitas a modificações, mesmo que sejam mínimas ou que o indivíduo persista em não mudálas. Assistir noticiários, documentários educativos, escutar programas radiofônicos de informação ou ter contato com qualquer outro meio que transmita conhecimento são formas de adquirir novos saberes, para que a opinião e a ideologia seguidas por um indivíduo sejam moldadas. Recepção é o ato de receber novos conteúdos, interagir com eles e, em decorrência disso, modificar o modo de pensar e por vezes até de agir. Maria Immacolata Vassalo de Lopes afirma que A recepção, portanto, não é um processo redutível ao psicológico e ao cotidiano, mas é profundamente cultural e político. Isto é, os processos de recepção devem ser vistos como parte integrante das práticas culturais que articulam processos tanto subjetivos como objetivos, tanto micros (ambiente imediato controlado pelo sujeito) como macros (estrutura social que escapa a esse controle). (LOPES, 1993, p. 85)

A forma como ocorre o processo de recepção de um conteúdo depende, principalmente, do contexto no qual esse indivíduo está inserido, dos processos culturais e políticos com que convive, e não somente do ponto de vista e opiniões que o sujeito possui. A classe social, o modo de convivência, a história e os valores que 638

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carrega consigo modificam o modo como vai receber novas informações, ocasionando em diferentes maneiras de compreender assuntos e fatos sociais. Além do meio onde o receptor se encontra inserido, outros fatores importantes podem, também, modificar o modo como recebe informações e como as compreende e insere em sua vida. Para Grohmann A noção de poder entre emissor e receptor não pode ser desprezada, porque as decodificações se dão dentro dos limites do universo da codificação; a recepção das mensagens não é fixa, determinada, como em teorias funcionalistas, por exemplo. Deste modo, o público é percebido como ativo, que produz seus próprios significados, mas não a partir do nada, pois o significado não circula livremente, não se recebe a mensagem “de qualquer jeito”, ou do “jeito que o receptor quer”. (GROHMANN, 2009, p. 3)

Desta forma, cada receptor, devido a sua história e conhecimentos prévios, significa as informações recebidas de distintas formas. Diferentes indivíduos podem perceber e compreender um mesmo assunto de maneiras diferentes, gerando opiniões diversas e posicionamentos que podem se tornar opostos. Jacks (2008) explica a importância do contexto no qual o indivíduo está incluído para compreender como ele se comportará como receptor e como compreenderá as informações e saberes que recebe.

Há diferentes regimes de institucionalidade, e é ela que faz a mediação entre as lógicas de produção e as matrizes culturais, sendo o cenário, portanto, que constrói a relação mais próxima entre produção e recepção. Essa mediação, obviamente, é transformada por ambos os contextos – o sincrônico das lógicas de produção e o diacrônico das matrizes culturais –, através do processo histórico-cultural. (JACKS, 2008, p.21)

O meio no qual o indivíduo convive, portanto, é o tópico primordial responsável por sua mudança e atuação ao receber novos conhecimentos. No entanto, a mídia, em especial, muitas vezes também é responsável pela forma como ocorre a recepção, por elaborar produtos pensados a partir da observação dos consumidores de seus produtos. Muitas mensagens produzidas pelo enunciador podem ter determinados objetivos de modificar as percepções e ideias do enunciatário, no entanto, para que a mensagem tenha êxito, depende-se também do modo como o enunciatário vai reagir ao que lhe foi exposto, ou seja, depende da forma como vai receber a informação. A recepção que ocorre a partir dos meios comunicacionais também depende de como as informações são transmitidas à população e como esta as acolhe, as compreende. O presente artigo trata da recepção de informações por parte de gestantes, orientada por um produto radiofônico, um documentário sobre as distinções entre o parto normal e o parto cesárea. Produtos de comunicação como o documentário em questão também são responsáveis por modificar opiniões, ideias, gerar conhecimentos adicionais e, por consequência, modificar o modo de conceber assuntos cotidianos, como o parto. Bianchi, ao realizar estudo sobre a recepção a partir do meio radiofônico, explica que Ao elaborar questionamentos referentes à memória radiofônica no âmbito da recepção, estamos falando não de um simples acionamento de uma lembrança marcante, mas da marca de um forte relacionamento histórico e

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vital com o midiático, que possibilita aos ouvintes desenvolver a capacidade de estabelecer relações, de realizar comparações, de configurar competências radiofônicas e matrizes de gosto, fazendo com que passado e presente de referências midiáticas possam dialogar. (BIANCHI, 2010, p. 09)

Ao adquirir informações a partir do meio de comunicação, o sujeito, além de modificar e ampliar seus conhecimentos, pode comparar os dados que possuía com os novos adquiridos. A recepção dos indivíduos a partir do documentário de rádio que escutaram, conforme foi estabelecido nesta pesquisa, fez não somente com que as gestantes adquirissem novos conhecimentos, como também comparassem o que sabiam com o que aprenderam. Desta forma, muito além de serem consideradas ouvintes passivas, as mulheres participantes da pesquisa, bem como outros indivíduos que recebem mensagens e informações cotidianamente, interagiram com os saberes transmitidos pelo documentário radiofônico. Para Grohmann Um ponto importante é que as mensagens são recebidas por indivíduos e grupos situados em contextos sociais e históricos específicos a partir das múltiplas identidades, mas a produção também se dá nesses contextos. A relação bem sucedida na interação do indivíduo com o meio está ligada à capacidade do receptor de compreender e se ajustar às coordenadas espaçotemporais envolvidas na relação. Há aspectos temporais, espaciais e de poder a ser analisados em uma recepção. (GROHMANN, 2009, p. 4-5)

Determinadas informações podem atingir seu objetivo ao serem transmitidas a um receptor. No entanto, não somente seu modo de vida, opiniões e meio onde convive terão relevância para que a mensagem obtenha sucesso ou modifique as ideologias do sujeito, mas também o fato de o indivíduo ser considerado passivo ou não. Apesar da mudança crescente na forma de receber e compreender informações e mensagens com o passar do tempo, grande parte das informações que os indivíduos recebem não são confrontadas, ou seja, são recebidas passivamente. Para Bianchi Em uma perspectiva que pensa o consumo radiofônico em processo, interessa investigar as maneiras como vinculações, permanências, pactos se exprimem nas ‘memórias da recepção’. Memórias essas que possuem uma natureza que não é necessariamente refletida por quem as constrói, mas que são processos que passam a ser constituintes dos indivíduos, vividos, experenciados. (BIANCHI, 2010, p. 104)

Assim, conteúdos adquiridos por meio da recepção passam a constituir o cotidiano do sujeito, sem que muitas vezes ele perceba. Grande parte das informações que o indivíduo recebe passa a compor suas experiências, e os conhecimentos adquiridos por meio da mídia, como neste caso em que se tem como meio de estudo o rádio, são mais facilmente assimilados.

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5 Metodologia O estudo de recepção foi realizado com gestantes e profissionais da saúde do município de Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, no intuito de saber como os diferentes tipos de partos são conhecidos por estas pessoas e quais suas opiniões em relação à cesárea e ao parto normal. Para isso, foi utilizado como base um radiodocumentário produzido no ano de 2015, intitulado Cesárea x Parto normal, que abordou de forma imparcial opiniões de profissionais e mães. O grupo que participou do estudo era formado por gestantes, Agentes Comunitárias de Saúde, profissionais do PIM (Primeira Infância Melhor) e outros profissionais da saúde. Estas mulheres se deparam com situações em que precisam passar orientações às gestantes ou terão de passar pelo momento da escolha do tipo de parto. Este grupo de mulheres participou de um encontro promovido pela Assistência Social de Frederico Westphalen. Muitas das profissionais que estavam presentes no encontro já eram mães, conseguindo contribuir de duas maneiras, como mães e como orientadores das atuais gestantes. A conversa foi baseada na técnica estabelecida por Duarte (2006) como entrevista aberta. Este tipo de entrevista é baseado em uma pergunta inicial ampla, em que as entrevistadas conseguissem expor seus pensamentos de forma espontânea, de acordo com os seus conhecimentos sobre o assunto. Neste sentido, as gestantes e as profissionais corresponderam às indagações realizadas, o estudo fluiu de forma espontânea e as entrevistadas falaram de acordo com os seus conhecimentos e opiniões sobre os tipos de parto. O estudo de recepção foi realizado em duas etapas, a primeira ocorreu antes da transmissão do radiodocumentário, em que as mulheres deram a sua opinião em relação aos tipos de parto e responderam onde buscam informações sobre o assunto. A segunda etapa se deu após as mulheres ouvirem o programa, em que manifestaram suas opiniões em relação aos tipos de parto e também fizeram sugestões para o rariodocumentário, falando se assuntos que foram bem abordados e outros que poderiam ser aprofundados. Para não terem os nomes divulgados, as entrevistadas foram identificadas por letras e números, sendo G: gestante, e P: profissional da saúde, seguidas de números que apresentam a ordem das entrevistas. 6 Análise da recepção do radiodocumentário por parte das gestantes e profissionais da saúde As gestantes participantes do estudo, pôde-se observar, já possuíam alguns conhecimentos sobre os tipos de parto e suas principais características. Com a apresentação do radiodocumentário, porém, muitas demonstraram surpresa e se depararam com novos conhecimentos, devido ao documentário apresentar opiniões diversificadas de profissionais da saúde e de outras mães, com quem as gestantes nunca tiveram contato. A Gestante número 01, cuja opinião foi expressa antes da transmissão do radiodocumentário, deixa perceptível em sua fala o meio pelo qual adquire informações.

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G1: eu prefiro o parto normal, que eu vejo pela minha irmã, que teve recentemente, ela teve cesárea e parto [normal] já, e ela fala que é bem melhor o parto. A fala demonstra a busca da gestante por uma fonte confiável de informação, pois ela se informou com a irmã, que já passou pela mesma fase, para formar uma opinião e ter auxílio na decisão de que tipo de parto escolher. Neste caso, a futura mãe busca informações não só com os profissionais da saúde ou meios de comunicação, mas também com alguém que passou pela experiência e pode relatar com fidelidade os prós e contras dos dois tipos de parto. Entretanto, após ouvir o radiodocumentário a Gestante número 01, cuja primeira opinião foi expressa anteriormente, teve relevante modificação em seu modo de compreender a situação do parto, pois demonstrou maior identificação com o parto normal. G1: Eu estava entre cesárea e parto [normal], e agora penso mais em parto [normal]. A maioria fala que parto [normal] é sempre melhor. A Gestante número 02, por sua vez, também apresentou mudança de opinião após ouvir o radiodocumentário. A aquisição de maiores informações por parte da futura mãe repercutiu em dúvidas sobre qual a forma de parto que minimiza os possíveis problemas no nascimento do bebê. G2: eu tive os dois primeiros filhos de parto normal, e agora eu estava pensando em fazer cesárea, mas fiquei em dúvida agora, porque pra saúde do nenê é melhor parto normal. Acho que vou mudar de ideia. Quanto à recepção das mulheres em relação ao conteúdo e a forma em que foi produzido o radiodocumentário, as profissionais da saúde, também participantes do estudo, demonstraram suas opiniões, falando sobre o que ouviram e ligando suas experiências com experiências de outras mulheres entrevistadas no radiodocumentário.

P1: Uma parte que me chamou atenção foi aquela mulher que o profissional estimulou ela a fazer cesárea né, fiquei bem chocada, que ele disse que se ela não fizesse cesárea não ia nascer saudável. Eu acho que é uma explicação dele bem egoísta. P2: E quando fala que um pré-natal bem feito também não ocasionaria de perder o bebê, eu acho que não é verídico. Porque eu fiz o pré-natal, no meu caso, [...] e mesmo assim quando eu cheguei pra ganhar a minha filha, eu estava com a placenta deslocada, a médica não viu, e faltavam três dias pra eu ganhar ela, eu fui três dias antes, eu não estava bem, se eu tivesse esperado, no caso, eu não estaria com ela ou ela estaria com problemas. E foi um prénatal todo bem feito, acompanhamento os nove meses.

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A Gestante número 03 é mãe de dois filhos e está em sua terceira gestação, antes mesmo de ouvir o radiodocumentário, já havia uma opinião formada sobre os tipos de parto e uma predisposição em relação ao parto do terceiro filho. G3: os dois filhos eu fiz parto normal, e não vou fazer cesárea nunca. Só se não tiver condições. Só se chegasse no final e dissesse ‘não tem escolha, tem que fazer cesárea’, mas eu ganho nenê fácil, meia hora de dor, e a cesárea não é bem assim né. Esta gestante teve parto normal nas duas primeiras gestações e pretende ter o mesmo tipo de parto no nascimento do terceiro filho, optaria pelo parto cesárea somente se não tivesse escolha e realmente fosse necessário para o nascimento da criança. Ela acredita que este parto será tranquilo, assim como os dois primeiros. A gestante possui uma facilidade maior em ter parto normal, sabe que o processo de recuperação do parto cesárea é mais complexo e demorado. Quando as gestantes e as profissionais de saúde foram indagadas a responder sobre suas opiniões em relação ao radiodocumentário e se acrescentou algo em relação à suas opiniões referentes aos tipos de parto, a Gestante número 03 não manifestou opinião. Conclui-se que ela continuou partilhando da mesma opinião, a de permanecer com parto normal para o nascimento do terceiro filho. As profissionais da área da saúde, além de contar suas experiências e expectativas como mães, também aconselharam as gestantes. A Profissional de Saúde número 01, vai ao encontro com um trecho do documentário transmitido, que retrata uma realidade, que acima de tudo, de qualquer tipo de parto, a melhor recompensa é ter o filho em seus braços.

P1: Eu acho que acima de tudo a escolha é da mãe, é muito individual.

A mãe, mesmo contando com o apoio e auxílio do pai da criança, da família, amigos e profissionais da saúde, é a principal interessada com o nascimento do filho. Ela deve se sentir segura quanto à sua escolha, deve saber o que fará melhor para ela e para o bebê. 7 Considerações finais Observa-se, por meio das análises das opiniões, que as três gestantes participantes se identificaram com determinados trechos do radiodocumentário, e trouxeram o assunto para o contexto das suas realidades, resgatando memórias de práticas que conhecem por intermédio de familiares, e situações que vivenciam no cotidiano. Denota-se que a maioria das mulheres participantes do estudo tem preferência pela realização do parto normal, e a principal fonte de informação a respeito do assunto são pessoas próximas, como familiares e amigas, que já vivenciaram a experiência.

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Uma delas, a Gestante número 01, em especial, consolidou a sua opinião sobre o tipo de parto que pretende realizar após ouvir o áudio. Já as profissionais da saúde se mostraram mais críticas com relação a alguns relatos ouvidos, e discutiram o modo pelo qual buscam se informar para posteriormente repassar esse conteúdo para as gestantes sob seus cuidados, demonstrando inclusive, que mesmo atuando profissionalmente algumas mantém crenças e hábitos repassados de geração em geração Referências BIANCHI, Graziela. Midiatização radiofônica nas memórias da recepção: marcas dos processos de escuta e dos sentidos configurados nas trajetórias de relações dos ouvintes com o rádio. Disponível em: http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/tede/GrazielaBianchiComunicacao.pdf. Acesso em: 02/07/2016. DUARTE, Jorge. In.: DUARTE, J. e BARROS, A (Orgs). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2006.

GROHMANN, Rafael do Nascimento. O Receptor como Produtor de Sentido: estudos culturais, mediações e limitações. Anagrama, v. 2, n. 4, p. 1-16, jun./ago. 2009. Disponível em: http://www.usp.br/anagrama/Grohmann_recepcao.pdf. Acesso em: 27 jun. 2016.

JACKS, Nilda. Repensando os estudos de recepção: dois mapas para orientar o debate. Ilha: revista de antropologia, v. 10, n. 2, p. 1-19, 2008. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/2175-8034.2008v10n2p17/15988. Acesso em: 27 jun. 2016.

LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Estratégias metodológicas da pesquisa de recepção. Disponível em: http://portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/revistaintercom/article/view/823/730. Acesso em: 04/04/2016.

Autores Jéssica Rigon nasceu no dia 06 de agosto de 1992, no município de Tuparendi, Rio Grande do Sul. Filha de agricultores resolveu não seguir os passos dos pais, e foi em busca de um futuro melhor e uma profissão que a fizesse feliz, sempre em busca da igualdade e da justiça. Jéssica formou-se Técnica em Comunicação em janeiro de 2012 pelo Instituto Estadual de Educação Visconde de Cairu, de Santa Rosa – RS, hoje está no 8º semestre de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria, Campus Frederico Westphalen. Possui Curso em Radiodifusão com Habilitação para Apresentador, Anunciador, Entrevistador e Noticiarista pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Padre Landell de Moura – Porto Alegre. No campo da comunicação, já atuou na área de assessoria de comunicação e rádio. E-mail: [email protected] Priscila da Silveira nasceu no dia 11 de novembro de 1989, no município de Santa Rosa. É formada em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria e pós-graduada (lato sensu) em Comunicação Organizacional, pela Universidade de Passo

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Fundo. Atualmente trabalha como Assessora de Comunicação da Prefeitura de Frederico Westphalen. Dedica-se à pesquisa na área da recepção, principalmente a cinematográfica. E-mail: [email protected] Rejane Beatriz Fiepke nasceu no dia 21 de janeiro 1995, no município de Novo Machado, Rio Grande do Sul. Atualmente está cursando o 8º semestre de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo. Desenvolve sua pesquisa na área da linguística, com interesse nos temas voltados à política de línguas, línguas de imigração, história, memória e identidade. Trabalha como revisora ortográfica das revistas: Extensão, Experiência e Revista de Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Maria, e atua como estagiária da assessoria de comunicação da Prefeitura de Frederico Westphalen. E-mail: [email protected] Tamires Regina Zortéa nasceu no dia 03 de janeiro de 1995, no município de Caibi, Santa Catarina. Cresceu e viveu, até a conclusão do Ensino Médio, no interior do município e em 2012 passou a cursar Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen. Hoje, no 8º semestre do curso, pensa em seguir carreira acadêmica, devido ao amor por poder ensinar, transmitir conhecimento, bem como adquirir novos conhecimentos por meio da interação com outras pessoas. Em 2016 ministrou palestra sobre Redação formal e Paráfrase na Universidade Federal de Santa Maria, em Santa Maria. No campo da comunicação, já atuou na área de jornal impresso, rádio e, atualmente, desempenha trabalho em assessoria de comunicação. E-mail: [email protected]

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Concepções acerca da recepção cinematográfica e dos sujeitos comunicantes Maytê Ramos PIRES1

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. Resumo: O artigo traz um olhar sobre a recepção cinematográfica e a relação de sujeitos comunicantes com o cinema. Para tanto, trabalha-se com uma perspectiva de natureza teórica que mobiliza os dois conceitos em foco, mas inclui também o conceito de cidadania comunicativa articulada ao campo cinematográfico. Interrelacionados a estes três grandes eixos são discutidos os conceitos de midiatização cinematográfica, cinema, mediações, apropriações midiáticas e identidades culturais. Tais ideias são confrontadas/revistas/ampliadas/tensionadas a partir dos cenários empíricos de referência, que são a Sala Redenção – Cinema Universitário e a Ocupação Pandorga. Palavras-chave: recepção de cinema; sujeitos comunicantes; problematização teórica. 1 Introdução Entendendo que “as perspectivas teóricas necessitam de articulações e de reformulações renovadas e inventivas para dar conta das transformações dos contextos comunicacionais/midiáticos contemporâneos” (BONIN, 2014, p. 44); assim, procuro repensar os conceitos a partir do que percebo iminente no fenômeno empírico investigado. Para tanto, compartilho com Maldonado (2014) a ideia de desenvolver uma perspectiva teórica transdisciplinar, sem restringir meu olhar exclusivamente ao campo em que estou inserida, a Comunicação, mas movimentando-o para dar conta de múltiplos atravessamentos constitutivos do objeto. Este artigo percorre alguns dos saberes que vem sendo problematizados em meu Mestrado, no qual, sob orientação da Profa. Dra. Jiani Adriana Bonin, busco investigar e compreender os sentidos, usos e apropriações construídos por sujeitos Maytê Ramos Pires – Mestranda em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

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comunicantes de sessões de cinema comentadas realizadas na Sala Redenção – Cinema Universitário2 e na Ocupação Pandorga3, na perspectiva da cidadania comunicativa cinematográfica. O presente texto está dividido em 2 momentos: primeiro procuro pensar a recepção cinematográfica e seus atravessamentos e depois trato especificamente dos sujeitos comunicantes e do cinema, encaminhando para considerações sobre o processo de recepção nesse sentido. 2 Perspectivas para entender a recepção cinematográfica

A compreensão do processo de recepção ganha contornos diferenciados de acordo com as perspectivas em que foi trabalhada. De modo simplificado, é possível dizer que, na constituição de perspectivas que pensaram essa problemática, há uma evolução4 da ideia de um receptor passivo, que depois passa a ser entendido como ativo mas, ainda assim, o processo se dá em uma via apenas (do emissor para o receptor), e por fim chega-se às concepções de que faço uso na minha pesquisa nas quais, de maneira simplificada, o receptor é concebido como um sujeito que não apenas recebe a mensagem sem pensar, mas que também é produtor de sentido e age nesse processo. A partir dos ensinamentos de Lopes5 (2002, p. 31) compreendo que as pessoas “[...] Extraem sentidos específicos de textos, gêneros e meios [...]”, sentidos esses que são marcados pela trajetória de suas vivências, relações e fazeres num contexto específico. O processo de recepção cinematográfica não pode ser pensado fora do contexto da midiatização, entendida aqui, como o processo no qual as mídias atravessam as atividades diárias, produzindo percepções, estruturando mercados, constituindo o contexto e o espectador. (MALDONADO, 2002). Assim, penso a A Sala Redenção – Cinema Universitário situa-se na Av. Luiz Englert, s/n – campus UFRGS reitoria, e desde finais de 2008, tendo programação concretamente implementada em 2009, se reestabeleceu a sala como um espaço formativo abarcando tanto filmes recentes como um resgate de “clássicos” do cinema mundial e nacional em mostras temáticas mensais, com sessões gratuitas diárias às 16h e às 19h. 3 A Ocupação Pandorga situa-se na Rua Freitas e Castro, 191, e oferece cerca de cem atividades mensais no espaço ocupado pelo coletivo (imóvel público de posse da Coordenação de Transportes Administrativos). Embora seja um espaço de trajetória recente, com apenas um ano de existência, suas ações concretas buscam uma educação transformadora, oferecem atividades culturais para quem estiver interessado em aderir e, também, para quem quiser propor e ampliar a oferta do coletivo – inclusas sessões comentadas de cinema. 4 De modo simplificado, há um percurso no modo de se pensar recepção no qual existiram diversas vertentes que vem em uma certa evolução: falo aqui das perspectivas limitadas que se iniciaram com a teoria hipodérmica, caminhando para a da persuasão, dos efeitos limitados, dos usos e gratificações, funcionalista, Escola de Frankfurt e estudos culturais, em constante evolução e aprimoramento de ideias até chegar ao que hoje entende-se por estudos de recepção. Esse caminho não necessariamente fora traçado em separado, mas essas vertentes culminaram em uma espécie de cadeia evolutiva, na qual os estudos de recepção se valem dos ensinamentos dos processos anteriores, convergindo com eles em alguns aspectos. (LOPES, 2002). 5 A autora pensa a recepção no contexto da telenovela. 2

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midiatização como processo que atravessa a constituição de sujeitos/identidades, e se constitui concretamente no consumo midiático (cinema, televisão, rádio, etc.). A comunicação se dá de forma complexa. Um âmbito desse processo é a recepção, que deve ser pensada não como uma mera “etapa”, mas como um “lugar” de chegada e partida, lugar de produção de sentido e interação. (MARTÍN-BARBERO, 2002). Este lugar é em si um processo também complexo e não estático, visto que muda suas configurações acompanhando as mudanças sociais, incluindo as tecnológico-midiáticas. Dentre tais configurações, há a constituição de um habitus na relação dos sujeitos com as mídias. Procuro flexibilizar o conceito, então a ideia de habitus é aqui pensada e adaptada para pensar as matrizes constitutivas dos sujeitos no contexto cinematográfico brasileiro. Bourdieu (2007) desenvolve uma ideia mais fixa/rígida6 do que a que será aqui trabalhada por estar situado na sociedade francesa do final dos anos 19707, enquanto a sociedade brasileira atual apresenta uma configuração distinta – deste modo, ressignifico em virtude da relevância do conceito para considerar as questões socioeconômicas dos sujeitos, que configuram seus referentes e determinam suas relações, apropriações e práticas. As condições espaciais do consumo cinematográfico também são determinantes (salas de cinema, sessões ao ar livre etc.), pois as práticas falam do habitus, que, assim, também compõe a recepção. (MARTÍN-BARBERO, 2013, p. 17). O habitus, enfim, é uma padronização da percepção e das linhas de pensamento das sociedades capitalistas (BOURDIEU, 2007) que leva a pensar as matrizes dos sujeitos. Ele determina o gosto do indivíduo, que está inserido em classes8, que agem sobre ele involuntariamente, ligando-o com a sociedade e determinando poder e possibilidades de usos e ações. (MARTÍN-BARBERO, 2002). Entretanto, penso esse habitus com possibilidades de mudança a partir de novas vivências dos indivíduos; no caso da recepção cinematográfica, podem se desenvolver matrizes de gosto não restringidas pelas condições econômicas, como sessões de cinema gratuitas9 ou iniciativas que fogem aos padrões de consumo capitalista.

Originalmente Bourdieu o entende como um esquema de certa forma inconsciente de disposições duráveis de percepção, ação e valoração que as pessoas adquirem ao longo da vida nos processos de socialização e que vão orientar os seus gostos. 7 A primeira edição do livro é de 1979. Como referência utilizo a primeira tradução para o português da obra, publicada em 2007. 8 Para Bourdieu (2007), essa é a questão central determinante do habitus, estruturando as práticas e gostos pessoais, possibilitando ou não contato com bens culturais. Para o autor, é a posição social de classe que acaba por realizar as “distinções” a partir do capital econômico investido. 9 Um exemplo concreto nesse sentido, de grande escala (sessões gratuitas acontecem na cena cultural porto-alegrense, mas geralmente em espaços pequenos e com público restrito, sem muito espaço de divulgação), é a campanha “Ir ao Cinema #issomundaomundo” promovida pelo Itaú Unibanco S.A. e pelo Espaço Itaú de Cinema, que no dia 29 de fevereiro de 2016 ofereceu todas as sessões de seus oito cinemas (um em Brasília, um em Curitiba, um em Porto Alegre, um no Rio de Janeiro, um em Salvador e três em São Paulo) de forma gratuita. A ação ocorreu um dia após a cerimônia do Oscar e muitos dos filmes em cartaz foram vencedores na premiação, o que ocasionou filas e quase todas as sessões lotadas durante todo o dia. Cada pessoa tinha direito a retirar dois ingressos. Em Porto Alegre o Espaço Itaú localiza-se no Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80) e conta com oito salas. 6

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É preciso, ainda, uma educação para a mídia, isto é, uma alfabetização nos meios que crie competências de leitura – senso crítico depende de competência. Nesse sentido, é possível pensar a questão dos gêneros das ficções televisivas e cinematográficas: eles precisam ser construídos na percepção do sujeito de forma que este adquira competência cultural para compreender as narrativas, interpretá-las e reconstruí-las a partir de suas leituras. (LOPES, 2002). Cada novo gênero ou modo de fazer dentro das narrativas ficcionais gera embates no seu público, o que pode ocasionar uma não aprovação10. Por isso, a empreitada de criar novos gêneros deve ser realizada aos poucos, iniciando por uma construção cinematográfica de ambiência para o público, para que ele enxergue o que este novo viés tem a acrescentar em virtude dos modelos já existentes e o que vem problematizar em questões estéticas. As competências cinematográficas para minha pesquisa são reveladas através da trajetória de relação do público estudado com o cinema desde a infância; as salas de cinema que estes sujeitos frequentam e o consumo que fazem da cena cultural portoalegrense para entender as relações desses sujeitos com as ofertas cinematográficas e culturais (seus gostos e usos), e assim poder perceber possíveis caminhos que levam a frequentar os espaços investigados; e assistência fílmica a domicílio para entender o consumo que optam por fazer em casa, seja na TV ou por locação (física e online). Henriques (2014) se propõe a pensar o processo de recepção vivenciado em um contexto específico (Paraisópolis, favela da cidade de São Paulo/SP) e suas relações com o contexto global de produção e recepção de Harry Potter, processo investigativo que relaciono com a minha pesquisa ao pensar recepção e seus atravessamentos. Para tanto, o autor11 mobiliza as teorias para pensar como estão se dando as produções de sentido desenvolvidas pelos sujeitos investigados, definidos como “leitores espontâneos da obra”, atentando para os atravessamentos das múltiplas mediações nos contextos, que devem ser descobertas, (re)construídas e problematizadas especificamente para cada objeto, o que leva a pensar sobre como a midiatização afeta o social (apesar dele não denominar assim) e, também, as dimensões identitárias atravessadas pelas mediações. Henriques (2014) ajuda a pensar os contextos de imersão dos sujeitos investigados e a relação intrínseca de suas apropriações com as leituras serem realizadas em um lugar específico12 e as 10 Penso que isto se dá de forma mais frequente com as telenovelas, visto que seus públicos esperam determinados tipos de produção dependendo da emissora que exibe o programa e do horário que vai ao ar. Com as séries de TV a abertura já é maior, principalmente para produções internacionais. O filme, por sua vez, causa certa estranheza e por ter duração menor sua rejeição é mais comum. 11 O embate desenvolvido por Henriques (2014) refere-se estritamente aos passos dados em pesquisa exploratória no contexto local de recepção, nas questões de consumo da obra e construções realizadas a partir daí, mas trago aqui para pensar atravessamentos na pesquisa como um todo. 12 No caso do pesquisador, o contexto de leitura de obra que ele investiga é a favela, enquanto na pesquisa que venho desenvolvendo se refere a sessões comentadas em diversos lugares. Apesar de não ter a relação direta de lugar de recepção, entendo que a contribuição do autor vem pensar como o lugar atravessa a recepção, tanto quando ele impõe proximidades geográficas de comunidade, como é o caso das favelas e vilas, quanto quando se dá afastado de uma intervenção direta de sujeitos externos,

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marcas de tais contextos, que continuam a atravessar a formação dos gostos dos sujeitos, considerando o cotidiano como parte fundante dos saberes pessoais. A partir das ideias de Hall (2009), entendo que os sujeitos ocupam lugares e tempos históricos e culturais, estando inscritos em uma série de regras sociais por suas posições, relacionando sentidos, práticas e efeitos. Isso atravessa diretamente a minha compreensão da recepção, entendendo que nega uma estrutura hierárquica/vertical na relação produção-recepção, sendo possível que o consumo midiático se estabeleça em diferentes posições13. Também dialoga na construção de minha percepção a proposta de Certeau (1994), que me instiga à compreensão da recepção como um processo de produção de sentido, considerando competências de cada sujeito, que levarão às construções sobre o que consomem. Assim, entendo que as produções midiáticas consolidadas nas leituras realizadas pelos sujeitos não são as mesmas desenvolvidas inicialmente, nem mesmo as apropriadas por outros sujeitos, mas serão outras que expressarão marcas do contexto sócio-histórico e cultural no qual estão inseridos, com marcas pessoais da formação de cada sujeito e como chegaram aos contextos de recepção investigados, que variam amplamente no que se refere a salas “convencionais” e ocupações. Na recepção de cinema entendo que é essencial considerar os sujeitos inseridos em classes, condicionados por e imersos em culturas diversas, que têm histórias de vida constitutivas das suas experiências midiáticas, e matriciados pelas mídias. Para a recepção de cinema, consideramos as competências cinematográficas, matrizes dos sujeitos, visto que o espectador é construído a partir do âmbito da midiatização cinematográfica e das transformações que este processo acarreta. Concebo o receptor como ator/produtor. Nessa linha, é produtivo considerar o conceito certeauniano de apropriação. Retomando Certeau (1994) reflito sobre as possibilidades de desvio dos sujeitos, que dependendo de seu lugar social poderão desenvolver táticas ou estratégias. O caráter tático das produções de sentido dos sujeitos vem de suas experiências cotidianas, criando novos sentidos para o que como é o caso de salas de cinema ou outros espaços. Há, também, uma relação direta das ocupações com as favelas, visto que elas se estabelecem em áreas geralmente irregulares, unindo pessoas em busca de moradia e condições de sobrevivência (espaciais e culturais). É interessante pensar, neste sentido, o surgimento do termo favela, que vem do fim do século XIX em referência à guerra de Canudos, visto que ao redor da localidade situava-se o Morro da Favella e em 1897, quando soldados do Rio de Janeiro retornaram à cidade reivindicando re-incorporação ao exército e acamparam em praça pública lhes fora concedido direito de morar atrás do quartel, sob o Morro da Providência, que apelidaram de Morro da Favella, tal qual tinham conhecido em Canudos. (VAZ; JACQUES, 2002). 13 Elas se diferem entre posições dominante, negociada ou opositora. A primeira refere-se à decodificação que aceita a mensagem transmitida em sua totalidade, mesmo que não a compreenda. A segunda trata de uma negociação de sentido entre os referentes dos sujeitos – tanto tomando a mensagem como referente quanto com outras bagagens de cada um. E a terceira é a contrahegemônica, que se opõe de todo à linha de leitura preferencial, ressignificando a mensagem a partir de outros referentes (alternativos): “[...] uma leitura sistemática do ponto de vista oposicionista, que pode ou não preferir entender o sentido preferido na construção, mas via de regra, retira do mesmo texto exatamente o oposto – entende, por exemplo, o exercício da lei e da ordem como um exercício de opressão, ou de resistência; olha as mesmas figuras e vê o outro lado delas”. (HALL, 2009, p. 370).

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consomem, mas sem ter espaço particular de produção. Os sujeitos operadores de táticas podem realizar apropriações diversas. Por outro lado, aqueles sujeitos/instituições que têm poder de ação podem desenvolver estratégias, ações do dominante14. A tática age dentro da produção oferecida, na performance, no uso é que se faz perceptível. O desvio é uma resistência que vai contra a lógica dominante15. Certeau (1994), ao pensar o cotidiano como constitutivo do sujeito, com uma sensibilidade no olhar teórico, constitui uma proposta de entendimento que critica o atomismo social, pois não são sujeitos soltos, estão em campos de poder com relações assimétricas. Para isso, é preciso pensar questões de apropriação, desvio da dominância e manejo, usando o dado de outro jeito em uma ação tática. Há ainda uma resistência cultural a partir de valores de reciprocidade não medidos desde uma negociação de sentido no cenário cotidiano que leva a produções simbólicas, visto que o sujeito, como apresentado até aqui, é também produtor, não somente receptor. As apropriações se dão de maneiras distintas entre os sujeitos a partir de seus contatos com as mídias e, principalmente, de suas vivências socioculturais cotidianas, visto que nas suas trocas diárias é que eles retrabalham o consumo em novos usos, reordenações, ressignificações e produções, podendo desenvolver desvios de sentido às lógicas de leitura hegemônicas e novas interpretações a partir de resistências a determinadas movimentações (CERTEAU, 1994). Este processo se dá em fluxo, sendo as apropriações dos sujeitos afetadas pelos contextos que os envolvem e relações pessoais, possibilitando mudanças e rearranjos, além de surgimento de resistências e confrontações em resposta a quaisquer novas alterações em seus modos de leitura de mundo. Minha pesquisa também está suscetível a essas transformações nos sujeitos investigados, visto que está inserida nos fazeres deles, descobrindo novas formas de percepção a cada cine debate, aprimorando gostos, tal como desenvolvendo repulsas. É preciso considerar as bagagens e competências dos sujeitos individualmente e que as produções de sentido que estes desenvolverão não serão as mesmas, apesar de eles participarem de coletivos e estarem em um momento de recepção coletiva e debate que potencializa desenvolvimento de novos olhares, eles também se constituem por identidades, marcas e negociações individuais. Os sentidos construídos e as apropriações midiáticas que investigo são aqueles atribuídos às propostas fílmicas e aos debates pelos sujeitos, precisando ser pensados nos múltiplos contextos que os cercam, seja socioeconômicos, políticos e culturais 14 Certeau define estratégia como “[...] o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da pesquisa etc.). Como na administração de empresas, toda racionalização ‘estratégica’ procura em primeiro lugar distinguir de um ‘ambiente’ um ‘próprio’, isto é, o lugar do poder e do querer próprios”. (CERTEAU, 1994, p. 99). 15 Não é objeto do Certeau (1994) olhar o que não é desvio, não trabalha a dominação, mas a considera.

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(REPOLL, 2010), considerando os “contextos de uso”, mas também o que os cercam considerando as particularidades formadoras dos sujeitos (CERTEAU, 1994), que são historicamente situados em contextos específicos, produzidos pelo lugar social, pelas culturas, pelas relações, por relações de poder, pelas suas trajetórias de formação e constituição de gostos, preferências, modos de vida, e pela ação configuradora das mídias, entre outros aspectos. (MALDONADO, 2002; BONIN, 2014). As mediações atravessam os vínculos dos sujeitos com as mídias e agem nas apropriações por eles realizadas. Assim, os sentidos construídos dependem de múltiplos fatores, incluindo elementos culturais, históricos, sociais, econômicos. (MARTÍN-BARBERO, 2013). Ao considerar as mediações16, rompe-se com a ideia de que os meios detinham poder no processo comunicativo, mas atuam valendo-se de relações de poder, apresentando uma leitura preferencial, mas a mensagem não necessariamente seguirá esse caminho, os sujeitos produzem sobre o que consomem. Penso que é preciso pensar quais atravessamentos agem de modo relevante no campo pesquisado. Em se tratando de consumo audiovisual é relevante “considerar o conjunto de mediações que participam da estruturação de ambientes, processos e interações comunicacionais, articulando-as na especificidade das problemáticas investigadas”. (MALDONADO, 2002, p. 13). Assim, para minha pesquisa as mediações que considero relevantes são as competências midiático-cinematográficas e a cultura do cotidiano dos sujeitos, os contextos e os espaços de exibição das sessões. Deste modo, por mediações entendo as dimensões imbricadas na produção de significados e sentidos nas apropriações dos sujeitos e que devem ser criadas para cada objeto, pensando que são múltiplas as dimensões que os afetam, que por sua vez podem não afetar outrem. Há um cenário contextual que envolve as pessoas, o que não retira delas a capacidade de serem agentes da comunicação, mas as coloca num patamar problematizado em termos de relações que também são configuradoras e devem ser consideradas nas investigações com sujeitos: “a recepção é, então, um contexto complexo, multidimensional, em que as pessoas vivem o seu cotidiano. Ao mesmo tempo, ao viverem este cotidiano inscrevem-se em relações de poder estruturais e históricas, as quais extrapolam suas práticas cotidianas”. (LOPES, 2002, p. 32). 16 Autores que trabalham este conceito apresentam propostas de mediações relevantes para pensar os processos de recepção: enquanto Martín-Barbero (2013) define três mediações centrais (cotidianidade familiar, temporalidade social e competência cultural), Orozco Gómez (2014) desenvolve a ideia de “multimediações”, considerando as mediações individuais, situacionais, institucionais e culturais dos sujeitos. Já Maldonado (2002, p. 12) amplia tais noções pensando mediações socioculturais, “conjunturais, circunstanciais, situacionais, interacionais, temporais, (tecno) estratégicas, sociais (macro: estrutura de classes/ micro: grupos de pertença), políticas (poderes, campos de força), institucionais, religiosas, sexuais e econômicas (consumo/produção/trabalho; propriedade/possessão/ despossuir)”. Em outro texto, o autor propõe como mediações produtivas para pensar os sujeitos comunicantes e suas relações com elementos: histórico-sociais, culturais, éticos, estéticos, técnicos e psicológicos (MALDONADO, 2014).

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Os sujeitos precisam ser pensados inseridos nos processos comunicativos, tendo participação ativa e configuradora também dos âmbitos de produção e circulação dos conteúdos, recriando-os nos seus olhares inseridos em diversas mediações, tais como as dimensões históricas e familiares (MALDONADO, 2014). No que se refere à recepção ou receptividade comunicativa, a complexidade do objeto de pesquisa se dará a partir dos objetos empíricos, na concretude da pesquisa de campo. Por outro lado, para pensar a cultura dos sujeitos em relações comunicativas com o cinema, começo trazendo um entendimento inicial de cultura como produção simbólica articulada às estruturas, perspectiva hegemônica do sistema vigente, que sempre tem brechas para desvios. (HALL, 2009). Ela é uma organização de significados e valores de um grupo social (hierarquia/poder), além de campo de luta onde essa organização pode ser modificada, sendo mais democrática e igualitária. Cultura como resistência? Sim e não. Isto se dá porque ela é colonizada, integrada à sociedade, o que em dado momento, geralmente, incluirá as subculturas às culturas dominantes, ou seja, transforma o underground em mainstream17. Mas ao tirar a cultura do pedestal se avança para além da discussão dela própria. É preciso dar valor à história mas não trancá-la em um museu, as culturas têm direito de se modificarem, transformarem, de continuarem vivas e não no passado. (GARCÍA CANCLINI, 1997). O conceito de hibridação esclarece pontos sobre cultura e identidade e é relevante para pensar que as identidades não são puras: El énfasis en la hibridación no sólo clausura la pretensión de establecer identidades “puras” o “auténticas”. Además, pone en evidencia el riesgo de delimitar identidades locales autocontenidas, o que intenten afirmarse como radicalmente opuestas a la sociedad nacional o la globalización. Cuando se define a una identidad mediante un proceso de abstracción de rasgos (lengua, tradiciones, ciertas conductas estereotipadas) se tiende casi siempre a desprender esas prácticas de la historia de mezclas en que se formaron y a absolutizar prescriptivamente su uso respecto de modos heterodoxos de hablar la lengua, hacer música o interpretar las tradiciones. Se acaba, en suma, obturando la posibilidad de modificar la cultura y la política. (GARCÍA CANCLINI, 2003, p. 2).

Somando ao debate inaugurado por García Canclini ao pensar os museus, Fernández Porta (2013) pensa brevemente as fronteiras dos museus a partir do filme Batman (Tim Burton, 1989) no qual há uma cena em que a personagem Coringa “arruina” pinturas jogando tinta sobre elas. O possível ato de vandalismo praticado pelo vilão do filme questiona o que é arte e como as pessoas se relacionam com os “Templos da Cultura”, como define o autor, “un imaginario de las artes creado por los museos y por su difusión popular”. (FERNÁNDEZ PORTA, 2013, p. 75). Ademais, é possível relacionar diretamente a ação da personagem com a intervenção de Rafa Pixobomb (ocorreu no ano de 2010) no Centro Universitário de Belas Artes de São Termos que surgiram ao se referir ao circuito musical das subculturas marginais em relação aos artistas consagrados e aceitos pela sociedade como um todo. 17

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Paulo. Durante a exposição final do curso de Artes, na qual os estudantes deveriam expor seus trabalhos como conclusão de curso, o artista, que fazia parte da turma de formandos, acompanhado de outros pichadores (estima-se cerca de 30), entrou na galeria e pichou diversas obras dos colegas, além das paredes, intencionando dar luz ao movimento estético marginalizado e renegado às ruas que é a pichação, meio de luta/reinvindicação social daqueles situados à margem da sociedade, nas periferias, taxados por criminosos pelas mídias, sem espaço nem perspectiva de serem incluídos ou problematizados ao se pensar “arte”18. Há uma expansão do conceito de cultura possibilitada por García Canclini (1997), considerando o potencial da diversidade com as culturas híbridas, a partir da interculturalidade, complexidade dos fenômenos culturais. Entretanto, falta ao autor considerar as relações de poder assimétricas, não produzidas naturalmente, de um processo histórico e hegemônico, inerentes da sociedade. Ele se mostra preocupado com a lógica capitalista hegemônica mercadológica, resistência dentro da hegemonia. Apresenta também a cidadania através do consumo e espaços de visibilidade numa democratização da cultura a partir das hibridações para pensar os poderes políticos como oblíquos. Além de questionar o que significa ser moderno, García Canclini pensa a relação entre cultura e poder visualizando obstáculos para o desenvolvimento da cultura. É necessário sair da zona de conforto, além de ter um interesse comum na pesquisa – acesso e oportunidades dizem respeito a questões de hegemonia e desigualdades, as mediações geram competências para ver os fenômenos sociais. O conceito de globalização se torna relevante para pensar cultura ao se considerar que esse fenômeno de conexão entre diversas sociedades, diminuindo as distâncias territoriais que as separam, se dá em Porto Alegre e nos ambientes que investigo. Entretanto, é preciso ter cuidado visto que, tal como propõe Mattelart (2004), este não é um fenômeno homogêneo, é necessário pensar as realidades vividas. Então, dialogo com Milton Santos (2002) e Sousa Santos (2002) para pensar que não posso entender globalização como algo totalizante, visto que as diferenças sociais levam as sociedades a se globalizarem de maneiras distintas e com suas próprias temporalidades. Não há uma “aldeia global” porque não há homogeneidade cultural nem política, entre outros fatores, em decorrência de um processo que não ocorre nas bases horizontalmente, mas que se dá de forma vertical a serviço de interesses movidos pelos detentores do capital (poder). García Canclini (1998) também se refere aos processos de desterritorialização dos lugares, através dos quais existem vínculos locais atravessados por diferenças que não são excludentes, pois as comunidades extrapolam as territorialidades e referentes estáticos – os movimentos podem ter bases locais, mas não O próprio Porta (2013) faz uma reflexão sobre a crítica de arte contaminada pela cultura pop, mas creio que seja mais construtivo, nesse caso, pensar as ideias de Jorge Coli no livro O que é arte (1989) para entender essa noção de arte como algo à parte da sociedade como um todo.

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necessariamente são restritos a elas, não são contidos. Sousa Santos (2002) apresenta, ainda, que no contexto da globalização hegemônica temos processos de resistência que compõem a globalização contra hegemônica, materializada em movimentos que buscam redesenhar as relações sociais entre os povos através dos princípios de igualdade e reconhecimento mútuo. Hall (1997) concebe as pessoas e suas vivências diretamente atravessadas pelos meios de comunicação, sendo parte da “revolução cultural”, afetando os modos de ser dentro do cotidiano. As culturas envolvem e formam os sujeitos, mas não são estáticas, são vivas e mutáveis. Para pensar a transformação das culturas, entendo que a sociedade está em constante transformação e reformulação de si, assim como seus “habitantes”. (MARTÍN-BARBERO, 2006). Cada cultura se reedita com o tempo e a seu tempo, sem uma uniformidade social, mas existem múltiplas culturas com suas temporalidades. Ademais, uma cultura é por si só múltipla, pois são diversos os aspectos que a compõe e especifica. Assim, encarando as culturas como mutáveis, é preciso destacar, também, as múltiplas identidades que as formam. As pessoas, no contexto contemporâneo, podem ter várias facetas identitárias (HALL, 2006). Assumir uma identidade não nega outra, elas se complementam na formação do ser, aparecendo como construções simbólicas constituídas em contextos históricos. Formações sociais afetam, mesmo que indiretamente, a integração dos sujeitos em comunidade e com a sociedade como um todo. (GARCÍA CANCLINI, 1997). Isto se deve pela contemporânea transmutação dos modos de se relacionar e da proximidade (mesmo que não física) com outros sujeitos e culturas. As sociedades urbanas se colocam em expansão, adentrando o meio rural ao atravessar suas práticas, e mesmo no contato mais recente com mídias hegemônicas. A interação entre local e global se confunde na esfera da internet e nas possibilidades dos telefones celulares. As sociedades se urbanizam e recebem uma “oferta simbólica” heterogênea que abalam as estruturas tradicionais de uma cultura oral tradicional, antes embasada nas culturas populares e saberes ancestrais. (GARCÍA CANCLINI, 1997). Penso os sujeitos comunicantes como indivíduos que também pertencem a coletivos e a grupos em situação de recepção no mesmo espaço-tempo, no caso nas sessões que investigo, todos constitutivos da sua formação. (GARCÍA CANCLINI, 1997). As identidades se formam culturalmente, a partir de múltiplas mediações que atravessam os cotidianos dos sujeitos e também levam a escolhas pessoais. (HALL, 1997). 3 Os sujeitos comunicantes e o cinema

Alguns estudos voltados ao campo audiovisual têm discutido como denominar o sujeito que consome o filme e o reconstrói a partir de sua interpretação19. Nesse Penso o conceito de recepção de cinema partindo de Mascarello (2010), que destaca que os estudos na área são irrisórios devido ao tipo de investigação que vem sendo desenvolvida na área do cinema, 19

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sentido Arlindo Machado (2007), ao retomar ideias Jonathan Crary (Técnicas do observador, 1992), discute o uso do termo espectador por ele restringir o papel do sujeito, apontando o fato de Crary buscar uma alternativa: Note-se que Crary já não usa o termo ‘espectador’, cuja raiz latina ‘spectare’ restringe a atividade do sujeito apenas a atos relacionados com o olhar, além de carregar conotações específicas, vinculadas à passividade e à mera assistência [...]. Crary prefere substituir espectador por observador, cujo campo semântico é muito mais amplo, embora inclua também o ato de olhar. (MACHADO, 2007, p. 177, grifo do autor).

Entendo a importância de se pensar como as palavras carregam sentidos e que seus usos sem reflexão limitam as pesquisas na área. Por isso, penso ser importante para o campo de estudos em recepção de cinema repensar como os sujeitos estudados são denominados. Assim, prefiro tratá-los aqui não por espectadores ou mesmo observadores, mas por sujeitos comunicantes, que são constituídos por múltiplas complexidades e atravessamentos. Os produtos cinematográficos chegam na recepção e podem ampliar as percepções dos sujeitos sobre o que já conhecem, possibilitar novos olhares sobre “coisas” relativas ao cotidiano, e também descobrir o novo. (MARTÍN-BARBERO, 2013). A partir do consumo de cinema, o sujeito pode desenvolver competências de apreciação e de ação, “[...] no qual não se opõem, mas se conjugam a atividade crítica e o prazer artístico”. (MARTÍN-BARBERO, 2013, p. 84). A não-linearidade da comunicação mobiliza atores nos processos de recepção (MASCARELLO, 2001), o que no caso de cinéfilos se acentua. Compactuando com as ideias de Silva (2009) e Lunardelli (2004), entendo a cinefilia como um fenômeno vinculado ao gosto pelo cinema, ao prazer que isso promove e à identidade criada de “cinéfilo” a partir da assistência fílmica e das trocas intensas por ela proporcionadas. Baecque (2011) define logo de partida que cinefilia é a “vida que organizamos em torno dos filmes” (p. 31), um “amor pelo cinema” (p. 32). As mídias, em especial o cinema e a televisão, apresentam e regram as vivências ao sugerirem ações e noções de “certo” e “errado”, mas na cinefilia os sujeitos possuem repertórios consolidados e tem na experiência da espectatorialidade um momento que é necessariamente reflexivo (mesmo que não esteja debatendo com outras pessoas) em virtude das bagagens cinematográficas que os sujeitos carregam e que colocam em relação interna e pessoal com o que se está sendo consumido naquele momento. (BAECQUE, 2011). Os cinéfilos apresentam “[...] competência para diferenciar o cinema em suas variadas formas estéticas, [inclusive] separando o artístico do comercial”. (LUNARDELLI, 2004, p. 94). Mas a constituição de um cinéfilo também não se dá em pouco tempo, ela é apreendida no contato com obras diversas e com a assistência essencialmente teórica. A recepção de cinema abre o debate sobre o papel dos sujeitos nesse processo. Desde então, esse campo vem crescendo, principalmente em eventos acadêmico-científicos.

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contínua de filmes, sendo que essa experiência de assistência e formação vem se constituindo e se modificando desde os primórdios do cinema: Suas origens podem ser rastreadas na câmara escura de Robertson, nos experimentos do século XIX com a fotografia e o raio X, e, é claro, nas primeiras projeções dos Lumiére, de Félix Mesquich e outros, quando ainda não se sabia como ver essas “visões animadas”, e o público, ao perceber que a locomotiva se aproximava da tela, recuava apressadamente. (GARCÍA CANCLINI, 2010, p. 158-159).

Conforme observa Silva (2009, p. 32-33) “no início do século XX, ser espectador de cinema estava muito distante do que é ser espectador nos anos 2000. Os espaços de exibição e as narrativas fílmicas eram outros, o que implicava distintos modos de recepção”. Se antes o cinema se voltava de modo expressivo para aspectos vinculados à cultura popular20, agora a abertura narrativa e de linguagens possibilita construções de quaisquer origens/referentes. No início do cinema, as cenas eram filmadas sempre em “plano geral”, o que tomava tempo do espectador que no começo da cena precisava percorrer todos os espaços da tela até chegar ao quadro de ação, o que era de fácil entendimento para o público mais popular, pela linguagem que remetia a histórias conhecidas por eles, mas de difícil compreensão para o público de classe média e alta, que estavam adaptados à linearidade do teatro. (SILVA, 2009). A câmera em geral não se movia; ela estava sempre fixa e a uma certa distância da cena, de modo a abraçá-la por inteiro, num recorte que hoje chamaríamos de “plano geral”. Seu eixo ótico era frontal, perpendicular ao cenário, correspondendo ao ponto de vista que Georges Sadoul identifica como o do cavalheiro da platéia (sic), que vê a cena por inteiro, desde a abóboda até a rampa, e cuja localização ideal faz dirigirem-se as linhas de fuga a um ponto no fundo e no meio do cenário. [...] A noção de montagem ainda não havia sido assimilada: mudava-se de cena apenas quando a ação seguinte deveria se passar num outro espaço ou num outro tempo, estando devidamente explicado nos intertítulos ou comentado pelo conferencista no momento da projeção (MACHADO, 1997, p. 93, grifo nosso).

Para conseguir alcançar novo público e ampliar o alcance do cinema, criou-se a figura do “conferencista ‘educativo’, o qual tinha por função explicar os filmes. Nos Estados Unidos, o conferencista era a voz detentora do saber, ele civilizava a sala”. (SILVA, 2009, p. 34). O conferencista era a figura responsável por orientar a atenção dos sujeitos (SILVA, 2009), mas isso também os levava a uma compreensão diferenciada do filme, mediada, o que levou à erradicação21 desse personagem na

As primeiras produções cinematográficas vinham de situações cotidianas que se aproximavam da população por representar as vivências nos filmes. Assim, os modos de fazer cinema se orientavam para o tratamento de aspectos vinculados à cultura popular, que constituía o modo de fazer cinema. 21 Quando falo em erradicação me refiro à figura convencional do conferencista presente para facilitar a produção de sentido sobre o filme, visto que ele guiava a assistência para atentar para determinadas situações que estivessem ocorrendo na tela. Porém, essa figura ainda se faz presente, de maneira distinta – em atividades propostas por cineclubes, ocupações e sessões comentadas em geral, que trazem a figura do mediador de modo diferente do conferencista: o mediador exerce sua função no momento pós-filme, quando é convidado para dar norte aos filmes e auxiliar em suas possíveis leituras. 20

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transição a uma linguagem linear na criação de planos e enquadramentos que facilitassem leituras em geral, sendo mais diretos no que os sujeitos precisam atentar.

O modelo que se apresentou com maior naturalidade e ao qual a maioria dos realizadores se agarrou foi aquele dado pelo romance e pelo teatro oitocentistas. O cinema tinha que aprender a contar uma história, armar um conflito e pô-lo a desfiarse em acontecimentos lineares, encarnar esse enredo em personagens nitidamente individualizados e dotados de densidade psicológica. O novo cinema, que se começava a ensaiar a partir da segunda metade da primeira década, buscava de todas as formas reproduzir o discurso romanesco dos séculos XVIII e XIX e essa reprodução foi levada tão ao pé da letra que, a partir de então, a própria literatura passou a fornecer o material narrativo que seria moldado pelo cinematógrafo. (MACHADO, 1997, p. 84).

Assim, deu-se uma transformação no público que se queria alcançar com as produções – dos de baixa instrução que tinham facilidade com linguagem oral para os que têm uma leitura linear e menos caótica do mundo, que é a classe média e alta. Tais relações podem ser pensadas na atualidade em termos de bagagem cinematográfica dos sujeitos, que têm competências desenvolvidas em alguns âmbitos, mas em outros não conseguirão acompanhar determinadas lógicas fílmicas que requerem maior aprofundamento no campo do cinema. (SILVA, 2009). Assim, quando se trata de recepção é preciso pensar em termos de culturas, relações de poder, sujeitos, competências, tecnologia, políticas públicas, e os múltiplos fatores que cercam tais questões. A recepção precisa ser pensada como o processo complexo que é e que se diferencia a depender dos sujeitos envolvidos no fragmento que se olha e propõe pensar sobre em uma investigação científica. Na investigação que venho desenvolvendo, penso na cidadania inclusiva que se promove através da recepção, mas é preciso destacar que não necessariamente esta relação se dá, o engajamento não é direto, nem de todos. Referências

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Autora

Maytê Ramos Pires é mestranda em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) na linha de pesquisa Cultura, Cidadania e Tecnologias da Comunicação, com apoio de bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Possui graduação em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo (2014) pela Unisinos. Integrante do Grupo de Pesquisa Processos Comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção (PROCESSOCOM) e da Rede Temática de Cooperação Científica: Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina (Rede AMLAT). Suas investigações situam-se no campo do cinema em inter-relações com a cidadania comunicativa, trabalhando questões acerca de espaços, circuitos de exibição, programação/oferta cinematográfica e usos e apropriações de sujeitos comunicantes. E-mail: [email protected]

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ARTIGOS COMPLETOS #7 Recepção e Gênero

Articulações entre o Queer e o Pop: a recepção de notícias do Papel Pop por pessoas LGBTs Christian GONZATTI1

Unisinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul

Resumo: : o trabalho propõe pensar em aspectos da cultura digital a partir de um olhar para sites de redes sociais, para a cultura pop e para a teoria queer, tensionada a partir de novos movimentos feministas, construindo, assim, uma trama teórica capaz de, articulada, movimentar reflexões metodológicas em torno da construção de um grupo de discussão no Facebook, que tinha como objetivo entender a percepção de ativistas LGBTs em torno do Papel Pop, produção jornalística que aciona as tramas trabalhadas no artigo. Fica claro, por fim, que a cultura pop desencadeia performances que conversam com o queer e que a cultura digital amplia as possibilidades metodológicas. Palavras-chave: cultura pop; Papel Pop; queer; metodologia; jornalismo. 1 Introdução A partir da minha vivência em sites de redes sociais, da minha condição fã da cultura pop e ativista LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans), desenvolvi, em setembro de 2015, um grupo de discussão online em torno de questões de gênero e sexualidade a partir do Papel Pop, um veículo jornalístico de cultura pop. Busco, agora, tensionar as discussões para obter considerações em torno das possibilidades metodológicas em espaços digitais, tendo como pressuposto as colocações de Baym (2010), Recuero (2014), Kozinets (2013), Maldonado (2014) e Bonin (2015). A Christian Gonzatti – Mestrando em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de taxa, CAPES.

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primeira parte dedica-se a entender aspectos da cultura digital e suas especificidades, partindo para um breve olhar da cultura pop e das questões de gênero e sexualidade na contemporaneidade. Por fim, articulo os três aspectos, cultura digital, queer (que engloba as questões de gênero) e cultura pop, para justificar a escolha do objeto de referência, o Papel Pop, e partir para a explicação da construção e desdobramentos do grupo de discussão online, que tinha como finalidade entender a percepção de ativistas LGBTs sobre o objeto de referência. Considero, por fim, que a cultura pop desencadeia performances em torno das questões de gênero e sexualidade e que os espaços digitais apresentam potencialidades para o entendimento dessas articulações a partir de metodologias específicas. 2 Sobre as tecnologias e as práticas digitais

Na contemporaneidade, é comum o desenvolvimento de dicotomias em torno da relação com novas tecnologias, pressupondo que elas possuem ou um caráter negativo ou positivo. Ambas as perspectivas veem que o advento dessas tecnologias mudou a natureza das conexões sociais (BAYM, 2010), mas podem se perder ao não considerarem aspectos complexos das relações que emergem de tecnologias digitais em comparação com a comunicação face a face. Entre o lado que vê os novos dispositivos de uma forma mais rasa e que a que vê neles uma forma de tornar a comunicação mais diversa e aprofundar os relacionamentos, a interação aparece como um pressuposto em discussão. Baym (2010), atenta a esses diálogos, analisou alguns aspectos que, aqui, tomo como relevantes para entender como a comunicação mediada pelo computador, da qual também nos fala Recuero (2014), possibilita considerações sobre aspectos sociocomunicacionais. Baym (2010) coloca que é evidente que a convergência permite que a comunicação ocorra em lugares e em situações que não eram possíveis antes. Assim, por exemplo, podemos estar em uma aula no Brasil, assistindo uma professora da Inglaterra e tuítando, simultaneamente, os tópicos da aula para 300 seguidores. Recuero (2014, p. 103) coloca que “a interação [...] é um evento performático, cujo contexto é construído de forma negociada pelos envolvidos e pelas audiências”. A comunicação mediada pelo computador, portanto, da mesma forma que a desenvolvida face a face, ocorre através de negociações através das quais operações de linguagem podem obter sentido. É possível, portanto, iniciar uma conversa pessoalmente e desdobrar ela por ambientes digitais, como o Facebook e o WhatsApp, ou ainda manter amizades que quebram a barreira do espaço. As identidades, nessas processualidades, são outros aspectos que entram em discussão.

No ambiente digital, ainda segundo Baym (2010), questões identitárias não são imediatamente evidentes. É comum, por exemplo, a criação de perfis falsos para a 663

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disseminação de comentários de ódio ou, ainda, por outras questões que, para determinado ator, não permitem que seja a sua verdadeira identidade em evidência. Ao frequentar alguns grupos específicos voltados à cultura LGBT, em meus atravessamentos pessoais, percebo, dentro desse cenário, algumas pessoas que criam contas falsas por não quererem assumirem a sua sexualidade. O ambiente digital, no entanto, não é livre de preconceitos que emergem dessas condições, ou ainda do sexismo, racismo e preconceitos culturais que emergem a partir das diversas variações de linguagem que servem de recurso para a construção de conversações amigáveis ou disputas de sentidos (BAYM, 2010).

Quando buscamos aspectos como os demonstrados por Baym (2010) em sites de redes sociais como o Facebook, é possível perceber que as tendências, sentimentos coletivos, interesses e disputas de sentidos são visíveis através de conversas públicas e coletivas, que influenciam a cultura, constroem fenômenos e espalham memes e informações (RECUERO, 2014). É importante atentar, no entanto, que as forças sociais que levam a emergência desses fenômenos são online e off, podendo, ou não, serem potencializadas por essas mediações em sites de redes sociais. A comunicação digital, nesse contexto, inspira as pessoas a mostrarem seus sentimentos, a performarem suas identidades e a interagirem dentro dos seus contextos, sendo um terreno fértil para práticas em torno da cultura pop. 3 Um breve olhar para as potencialidades sociais da cultura pop

As práticas que se desenvolvem em torno da cultura pop na contemporaneidade trazem em si uma ruptura com o pensamento crítico desenvolvido por autores como Adorno, da Escola de Frankfurt. Para os teóricos frankfurtianos, a cultura seria um lugar de resistência à técnica, assim, mercadorias produzidas visando ao lucro e a uma rápida circulação, pelo que eles denominaram Indústria Cultural, não trariam em si uma cultura letrada, profunda e capaz de movimentar reflexões, pelo contrário, seriam reflexos de tumulto e fanatismo. Para extrair o máximo de lucro possível, a Indústria Cultural desenvolve produtos que buscam atender as mais variadas demandas (MARTINO, 2010). No contexto contemporâneo, o papel industrial da cultura pop confirma a tese do conceito desenvolvido pela Escola de Frankfurt através de uma produção intensa: camisetas, jogos, bonecos, filmes, livros, etc. No entanto, a alienação em torno de produções de culturais, pressupostas por Adorno e Horkheimer, é uma perspectiva refutada por trabalhos de Soares (2015) e Amaral (2014), por exemplo. Soares (2015) coloca que a cultura pop fornece, através de diversas produções, materiais que possibilitam construções identitárias e práticas que se estendem aos propostos pela indústria, em um nível transnacional e globalizante. Esse fornecimento de sentidos evidencia muitas dos comportamentos desenvolvidos em sites de redes sociais, como a criação de grupos e páginas que se apropriam de 664

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conteúdos do universo pop para ressignificarem narrativas. A página Hogwarts Vai Virar Cuba funciona como exemplo dessas potencialidades que emergem da cultura pop; nela, a narrativa da série Harry Potter funciona como motorização para publicações que fazem referência a questões políticas e sociais2. Amaral (2014) coloca que a cultura pop e o entretenimento possuem lógicas que, através da linguagem, ou da sociabilidade e consumo, possibilita a emergência de gostos e afetos que, em determinado contexto, podem ganhar novos significados através das mais diversas práticas culturais. Nesse cenário, entram em cena os memes e o seu papel político evidente, por exemplo, nas manifestação de junho de 2013. Game of Thrones, Harry Potter, Jogos Vorazes, entre outras produções, são apropriadas para desenvolverem sentidos que conversam com as narrativas sociais e políticas de algum movimento social (AMARAL, SOUZA, MONTEIRO, 2014). Esse material que circula nos sites de redes sociais (RECUERO, 2013) e a rua (fanfics, fanarts, fanvideos, etc.), são, geralmente, produzidos por fãs e, precisa ser, como coloca Amaral (2014, p. 7), “[...] pensado como integrante da cultura pop [...]” e como marcador de uma performatização do gosto. A potencialidade da cultura pop em produzir uma mediação e performatização do gosto está em sua flexibilidade e características que são englobadas pela cultura digital (AMARAL, 2014). Através de diversos personagens e narrativas, são abertas portas de sentidos de que permitem, a partir de tecnologias, reverberações que se articulam com problemas sociais e políticos (AMARAL, SOUZA, MONTEIRO, 2014) como as questões de gênero e sexualidades.

4 O queer também é pop: barreiras tecnológicas e de consumo em torno do gênero e das sexualidades

O feminismo, em sua gênese, traz em si os questionamentos aos efeitos de uma cultura machista e patriarcal, o que incluí, portanto, a construção da ciência e da tecnologia que, nesse cenário patriarca acaba excluindo tudo aquilo que foge do dominante, da norma. (MAFFÍA, 2013). A barreira de gênero é uma barreira que afeta o acesso à tecnologia e que se reverbera no consumo da cultura pop. Antes de dar continuidade as articulações entre gênero, sexualidade e cultura pop a partir da problematização e da metodologia levantada, é importante ampliar as concepções em torno dos conceitos que conversam com as questões de gênero. Preciado (2014) parte da colocação, alinhada as ideias de Simone de Beauvoir, de que os gêneros são construídos socialmente e de que as sexualidades, a partir de Foucault, sofrem uma série de controles a partir dos poderes e saberes. Através desses aspectos, a sociedade encontra-se em uma lógica binária de “ou se é isso ou se 2

Fonte: https://goo.gl/9eOyXm Acesso: 30 mai. 2016.

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é aquilo”. O queer, nesse cenário, enquadra, embora a teoria queer despreze o enquadramento, as descrições que interessam no artigo: Queer é, também, tudo isso: estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito das sexualidades desviantes-homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, drags. É o excêntrico que não deseja ser “integrado” e muito menos “tolerado”. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como referência; um jeito de pensar que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, do indecidível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, pertuba, provoca e fascina (LOURO, 2013, pp 7-8).

A heteronormatividade é uma forma de poder social que age, portanto, buscando enquadrar o masculino e o feminino a partir de uma série de signos sociais de consumo e que se relacionam a categorias impostas de gênero: se você nasce com um pênis é categorizado como homem e a heterossexualidade é o caminho normal. O controle não termina nesse campo, pois caso um sujeito seja enquadrado na categoria homem heterossexual, ele também deve gostar de azul, futebol, jogar vídeo-game, sentar de pernas abertas e por aí vai. Logo, o que o feminismo, e incluo aí o queer como um desses movimentos, vem questionar é, não só os efeitos de uma cultura machista, mas como a própria constituição da ciência e da tecnologia exclui determinadas identidades (MAFFÍA, 2013). Este cenário levou a formação de núcleos de preconceito na cultura pop relacionada ao universo de super-heróis, jogos de computador e games, principalmente, através de atores sociais homens que, ao não pressuporem complexidades na produção de conteúdo, acreditam que o protagonismo feminino sempre foi o suficiente. Mas diversos grupos têm se organizado e combatido essas perspectivas opressoras. Como coloca Maffía (2013), hoje há a emergência de um novo feminismo, nerd, geek, constituído por pessoas não se identificavam com os movimentos feministas mais tradicionais. Não isenta de problemas, as atrizes sociais desses movimentos superam a visão tecnofóbica e passam a se apropriar de tecnologias para desenvolverem culturas midiáticas que conversam com os seus ideais e superam barreiras mais conservadoras. Gradualmente, o pensamento patriarcal, que como coloca a filósofa Celia Amorós consiste em um não pensamento sobre as mulheres (MIGUEL, MONTSERRAT, 2013), é questionado e desestruturado. A cultura pop, em certa medida, tem acompanhado essas transformações e desenvolvido produções que conversam com as conquistas sociais dos feminismos como um todo, como Star Wars VII e o novo Caça-Fantasmas, ambos protagonizados por mulheres que descontroem estereótipos de gênero. Miguel e Montserrat (2013) colocam as possibilidades técnicas e dos espaços digitais estão intrinsicamente articulados a construção de cenários subversivos, transgressores e revolucionários em torno das questões de gênero. Algo que Butler (2003) já anunciava ao colocar que seria impossível separar a noção de gênero das intersecções políticas e culturais que a sustentam e mantém. Assim, o que me 666

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interessa aqui é a ruptura que estes corpos fora de uma matriz patriarcal inauguram, a partir de diversas práticas, em sites de redes sociais para, então, olhar para o objeto de referência específico. 5 Além do Vale dos Homossexuais: das culturas pop e digitais que se articulam ao queer

A partir do que foi visto até aqui, em relação à cultura digital, a cultura pop e ao queer, constato, a partir de um olhar exploratório, que a rede desencadeia performances (MONTARDO, ARAÚJO, 2013), em um sentido de colocar, através de signos e conversações em rede, como propõem Boyd (2010) e Recuero (2014), formas de expressão que conversam com a performance face a face. A questão é que a tecnologia e a cultura digital potencializam as possibilidades de performances articuladas a matrizes técnicas e convergentes, ou seja, vídeos, fotos, imagens, memes, gifs, todos esses aspectos podem corresponder a formas de conversação que passam a compor identidades que podem, como veremos aqui, serem pensadas como uma ruptura em relação a pressupostos heteronormativos. No Facebook, existem diversos espaços que a partir de ações coletivas passam a desenvolver conteúdos que buscam espalhar temáticas do feminismo, do ativismo LGBT e de questões raciais através de grupos e páginas. Inspirado por alguns métodos de pesquisa online colocados por Kozinets (2014), como o levantamento de dados, busco, nesse item, trazer algumas linguagens que emergem da minha vivência participante em grupos de cultura pop no Facebook3 nos quais há uma predominância de LGBTs, em destaque gays, que desenvolvem apropriações que sinalizam articulações entre o digital, o queer e o pop. Figura 1- Bicha, a senhora é destruidora mesmo, viu viado

Fonte: levantamento de dados realizado pelo autor. Alguns grupos são secretos e, por não querer quebrar os seus códigos de privacidade, não vou expor eles. Outros são fechados, mas qualquer pessoa pode solicitar participação, como o Vale dos Homossexuais, o Seapunk e o Little Monster da Lady Gaga. Links respectivos: https://www.facebook.com/groups/229737144039000/?fref=ts; https://www.facebook.com/groups/seapunkv3vo/?fref=ts; https://www.facebook.com/groups/lmoflg/?fref=ts Acesso: 18 jul. 2016.

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A imagem faz referência a cena do programa Glitter- Em Busca de um Sonho, da TV Diário de Fortaleza, em que as travestis Rochelly Santrelly e Sangalo discutem entre si e falam a famosa expressão bicha, a senhora é destruidora mesmo, viu viado4. Como sinalizado por Butler (2003), a performatividade queer ressignifica termos pejorativos através da desconstrução, que emerge da “citacionalidade” de um signo. Assim, os termos bicha e viado podem ser ressignificados e passarem de um sentido pejorativo para algo positivo. É o que acontece no programa e que é potencializado pelas linguagens que emergem em nós específicos dos sites de redes sociais, vinculados a páginas e a grupos da cultura pop. Na figura 1, cada celebridade pop substitui um dos termos a partir de estereótipos que os fandoms, grupos de fãs, desenvolvem em torno delas. Assim, Justin Bieber é a bicha, assim como Madonna é a senhora. Figura 2- Vale dos Homossexuais

Fonte: levantamento de dados realizado pelo autor.

A figura 2 faz referência a webcelebridade Inês Brasil5 que, em grupos e páginas que tenho observada, aparece como uma grande referência do público gay. Inês, que a partir de um olhar conservador pode ser lida como uma mulher vulgar devido ao seu vocabulário, que mescla palavras religiosas com outras de teor sexual através de performances, desencadeia movimentos que a exaltam e veem nela, como um todo, um hino de libertação das amarras sociais. Sobre o Vale dos Homossexuais, o termo também foi reapropriado e ressignificado por pessoas LGBTs no Brasil, pois fazia referência ao vídeo de uma pastora evangélica que teria ido e voltado do inferno

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=x35Fyk51Saw. Acesso: 11 ago. 2016. Inês Tânia Lima da Silva (nascida no Rio de Janeiro, em 1969), mais conhecida pelo nome artístico Inês Brasil, é uma cantora, dançarina e webcelebridade brasileira. Inês tornou-se nacionalmente conhecida, através da circulação de um vídeo de inscrição no Big Brother Brasil. Após o espalhamento desse material, continuou postando os outros vídeos peculiares em suas redes sociais. Passou a shows em casas noturnas voltadas ao público LGBTQ e lançou, em 2015, um álbum de estúdio, Make Love, que mescla composições próprias e regravações de clássicos da música popular brasileira. 4 5

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quinze vezes e visto, em sua viagem, o Vale dos Homossexuais6. O termo passou a significar um grupo de pessoas espalhados pela web e que, conjuntamente, desenvolvem práticas de linguagem específicas que se articulam a questões de gênero, sexualidade e a cultura pop. O Papel Pop, um espaço jornalístico voltado a cultura pop aciona, como tenho percebido a partir de pesquisas exploratórios, diversos sentidos que se articulam ao queer a partir de performances específicas, como as vistas na figura 2 e 3, por exemplo. Tendo esse pressuposto, levantei o questionamento de como pessoas LGBTs ativistas viam os espaços e as notícias veiculadas pelo Papel Pop. Para isso, criei um grupo de discussão online no Facebook que, ao mesmo tempo que movimenta considerações sobre as questões do queer na cultura pop, possibilita algumas reflexões metodológicas.

6 A (des)construção de um grupo de discussão para pensar o queer, a partir do Papel Pop, no Facebook

O Papel Pop, objeto proposto pela pesquisa, apresenta-se como um dos maiores e mais importantes veículos de cultura pop7 no Brasil. O site, em sua descrição, também diz que a notoriedade é decorrente da cobertura jornalística bemhumorada das novidades do mundo do entretenimento. Os acontecimentos veiculados pelo Papel Pop apresentam, através dos seus conteúdos e das dinâmicas de espalhamento das notícias, através do Facebook, do Twitter, do Instagram, etc., um campo que desencadeia, como já comentado, os pressupostos colocados ao longo do artigo. Foco, agora, nas etapas metodológicas e nos resultados resumidos do grupo de discussão desenvolvido no Facebook. Bonin (2014) coloca que é preciso repensar a recepção no cenário da cultura digital, levando em conta as competências midiáticas dos sujeitos envolvidos. Buscando, então, entender a relação de atores sociais gays, lésbicas e trans sobre o objeto de referência, optei pela construção de um grupo de discussão no Facebook. Kozinets (2014) coloca que o grupo de foco online é um mecanismo eficiente e econômico para coletar dados, tendo como vantagem a flexibilidade do meio online, como já foi percebido a partir das colocações de Baym (2010). Ele também infere que existem duas possibilidades de obtenção de respostas: a síncrona, que pressupõe interação simultânea, e a assíncrona, que coloca questionamentos que podem ser respondidos em espaços de tempo variáveis pelos entrevistados. Antes de detalhar a formulação do grupo, relato como se deu a seleção dos entrevistados. 6

https://noticias.gospelmais.com.br/pastora-afirma-inferno-15-vezes-homossexuais-34921.html Acesso: 19 jul. 2016. 7 A informação de que “é um dos maiores veículos de cultura pop do Brasil” é disponibilizada pelo próprio Papel Pop. Para finalidades quantitativas, foi verificado, no dia 19 de julho de 2016, que a página no Facebook possuía mais de 848 mil curtidas no Facebook. Fonte: http://www.papelpop.com/sobre/ Acesso: 11 ago. 2016.

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Para a seleção dos entrevistados, parti de uma pesquisa exploratória no Papel Pop entre as duas primeiras semanas de setembro de 2015, visando, assim, a construção do grupo na terceira semana. Assim, selecionei pessoas com as quais não possuía um grande vínculo afetivo, para evitar influências das respostas, mas que já eram conexões da minha rede no Facebook. Importante colocar que, a partir da minha relação com o ativismo LGBT, que emerge da minha condição gay, possuo uma rede de contatos voltadas a essas questões. Essas estratégias e táticas de análise conversam com pressupostos da transmetodologia (MALDONADO, 2014), pois desenvolve diversas aproximações com o objeto de referência, alinhando táticas metodológicas diversas, a fim de responder a uma determinada problemática. Para melhor visualização, coloco as etapas que desenvolvi em itens: -Pesquisa exploratória na página do Papel Pop por pessoas que acompanhem o veículo, na qual era possível, a partir do próprio Facebook, visualizar as conexões que curtiam a página. -Criação de banco com pessoas que poderiam demonstrar interesse. -Filtragem dos entrevistados a partir do grau de interesse, no sentido empolgação e melhor afinidade com a área de sexualidades e gênero, a partir do meu olhar, a partir da seguinte mensagem via chat:

Oi, tudo bem? (Nome da Pessoa), você acompanha o Papel Pop? Estou desenvolvendo uma pesquisa sobre ele: envolve queer (e outras questões de gênero e sexualidade), jornalismo, cultura pop, babado e confusão. Achei que tu poderia se encaixar e trazer colocações relevantes pro trabalho. Daí vou criar um grupo no Facebook pra entrevistar os participantes e pra eles interagirem. Topa?

Assim, foram selecionados os seguintes entrevistados e entrevistadas, cujo as identidades eu manterei em sigilo: Mulher, lésbica, 24 anos, estudante; Homem, gay, 22 anos, estudante; Homem, gay, 21 anos, estudante; Homem, gay, 24 anos, estudante e drag queen; Mulher trans, bissexual, 23 anos, estudante; Mulher, lésbica, 26 anos, estudante; Homem/Mulher, 23 anos, estudante; Mulher, lésbica, 22 anos, estudante. O grupo foi criado em 26 de setembro de 2015, buscando a construção de considerações que pudessem, também, ajudar na elaboração do meu projeto de mestrado. Sigo agora com os questionamentos que foram feitos e com um resumo em torno das respostas, tendo como foco colocar em evidência as considerações que foram tomadas a partir dos comentários dos entrevistados. Segue o texto de descrição do grupo e as publicações com as considerações tomadas: O grupo foi criado para debater questões que articulem jornalismo, cultura pop e questões de gênero e sexualidade a partir do Papel Pop.

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Publicação 1 Oi pessoal, só para situar vocês: eu sou bolsista iniciação científica de um grupo do PPG de Comunicação da Unisinos. Estou desenvolvendo esse trabalho para a disciplina Pesquisa Qualitativa, mas tendo como foco a inserção dele em um projeto maior que vai discutir questões de gênero e sexualidade, jornalismo e cultura pop. Fico muito feliz que vocês tenham aceitado participar. Vai funcionar assim: eu faço uma publicação com algum questionamento, vocês respondem quantas vezes quiserem, podendo debater, também, as respostas dos outros entrevistados. Peço, por favor, que todas as respostas sejam mantidas somente aqui no grupo, pois alguns colegas podem não querer divulgar as suas identidades. Publicação 2 Qual o tipo de matéria (sobre ídolos, filmes, eventos, etc.) e comentário que vocês costumar ler e fazer, respectivamente, no Papel Pop (crítica, elogio, respostas a outros comentários, etc)? Considerações: O Papel Pop, assim como os comentários que outros atores fazem no Facebook e no site, são consumidos sem uma frequência determinada. São poucas as vezes que os entrevistados comentaram na rede do veículo. Publicação 3: O que vocês acham do uso de expressões como “bixa”, “lacradora”, “dona do meu cú” nos comentários, principalmente, do Facebook no Papel Pop? Considerações Todos e todas mostraram-se favoráveis às expressões, mas um entrevistado, gay, disse que elas podem ter um sentido pejorativo para alguns de seus amigos. Publicação 4: Vocês acreditam que o jornalismo está mais aberto a questões de gênero e sexualidade, tendo em vista as matérias veiculadas pelo Papel Pop? Considerações: A maioria criticou as matérias do Papel Pop, disseram que acompanham, mas que os conteúdos são heteronormativos e criam padrões de beleza em torno dos gays, embora exista, sim, um pequeno espaço para questões de gênero se abrindo, principalmente por causa da internet. Publicação 5: Vocês acham que o Papel Pop apresenta alguma peculiaridade no conteúdo e na forma como veiculam as suas matérias? Considerações: A maioria coloca que a linguagem mais gay é a marca do portal, embora um entrevistado, gay, ache o Papel Pop reforça estereótipos. A entrevistada que é mulher trans e bissexual colocou, também, que acha que o veículo deveria assumir que é

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voltado para “as gays” e parar de “cagar regra” nas outras letras, referindo-se a lésbicas, bissexuais e pessoas trans. Publicação 6: Existe alguma matéria do Papel Pop que vocês lembram e que tenha marcado vocês de alguma maneira? Considerações: A maioria respondeu matérias relacionadas aos ídolos, sendo Lady Gaga a mais citada. Também surgiram críticas em relação a informações erradas que foram passadas pelo portal. Aqui, é importante frisar, houve uma diminuição na participação que eu tentei estimular a partir de conversas via chat. Publicação 7: Vocês costumam ler os comentários do Papel Pop no site e nas redes sociais? Se sim, existe algo que chama a atenção de vocês? Considerações: A maioria participante lê os comentários e adoram os memes. Apareceram, também, críticas as brigas de fãs, que contribuem para o afastamento LGBT. Publicação 8 Vocês acham que a cultura pop tem influência sobre uma linguagem social mais LGBT? Justifiquem a afirmação. Considerações: A maioria participante, quatro entrevistados, coloca que sim, e que o Papel Pop é um espaço de vetorização destas linguagens. O pop, segundo uma das entrevistadas, é o meio pelo qual a visibilidade em torno da diversidade pode ser conquistada. Publicação 9 Vocês acham que o Papel Pop contribui para a construção de uma sociedade menos normativa, padronizada? Considerações: Acreditam que, pelo contrário, o Papel Pop é heteronormativo, pois padroniza as belezas e estimula a briga entre fãs e o consumo e que somente uma linguagem gay não pode descontruir a sociedade. Publicação 10: Vocês percebem o uso de linguagens como as do Papel Pop no cotidiano ou em outros portais? Considerações: Percebem, mas afirmam que muito mais nos sites de redes sociais. Acreditam que esse seja um espaço mais aberto para ser você mesmo. Publicação 11 Defina o Papel Pop com uma imagem. Considerações:

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Somente quatro entrevistados responderam. Um com uma imagem crítica, que diz “Direitos gays para gays brancos” (minha tradução), uma com um meme de Grecthen, outro com um print da busca por Papel Pop no Google Imagens e a última resposta com um meme de Lady Gaga rindo. 7 Considerações finais

Algumas das potencialidades e especificidades colocadas por Baym (2010), Recuero (2014) e Bonin (2015) são perceptíveis a partir da construção e desdobramentos do grupos de discussão online. A possibilidade da construção de entrevistas que rompem barreiras de espaço e tempo aparece como uma possibilidade para futuras pesquisas, assim como o uso, não tão explorado aqui, de performances através de linguagens diversas, como memes e gifs. Outros prontos mostraram-se como problemáticos na obtenção de dados, como as perguntas não respondidas por entrevistados. A cultura pop potencializa e desencadeia diversas apropriações que possibilitam movimentos que conversam com questões de gênero e sexualidades em sites de redes sociais. A apropriação de signos que, em um primeiro momento pode parecer de teor apenas humorístico, pode funcionar como uma ferramenta de subversão dos preconceitos sociais e culturais que emergem a partir da imposição da heteronormatividade. Em relação ao consumo do Papel Pop por ativistas LGBTs, percebo que a crítica não é voltada para os acionamentos performativos que são desencadeados pela cultura pop pautada pelo portal, mas sim há cobertura feita pelo veículo, que não exerce um caráter crítico de questões ativistas, mas acompanha os desdobramentos das produções pops pautando o que está em discussão em espaços sociais. É preciso colocar, também, que a metodologia desenvolvida aqui tem um caráter experimental devido ao meu desenvolvimento como pesquisador. No entanto, o método trouxe considerações relevantes em torno do que foi proposto e pode, em futuras aplicações, ser melhor aproveitado a partir de uma melhor sistematização das perguntas e da construção de um maior engajamento entre os entrevistados. Referências AMARAL, A. Manifestações da performatização do gosto nos sites de redes sociais: uma proposta pelo olhar da cultura pop. Revista Eco-PÓS, Rio de Janeiro, v.17, n.3, 2014. Disponível em: . Acesso em: 11 ago. 2016.

AMARAL, A.; SOUZA, R. V.; MONTEIRO, C. “De westeros no #vemprarua à shippagem do beijo gay na TV brasileira”. Ativismo de fãs: conceitos, resistências e práticas na cultura digital. Galaxia (São Paulo, Online), n. 29, p. 141-154, jun. 2015. Disponível em: . Acesso em: 11 ago. 2016.

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BAYM, Nancy. Personal connections in the digital age. Cambridge: Polity Press, 2010.

BONIN, Jiani. Desafios na construção de pesquisas de recepção em mídias digitais em perspectiva transmetodológica. In: BRIGNOL, L; BORELLI, V (orgs.) Pesquisa em recepção (recurso eletrônico): relatos da Segunda Jornada Gaúcha/ organizadoras Liliane Dutra Brignol, Viviane Borelli.- Santa Maria: FACOS- UFSM, 2015. BUTLER, J. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro, 2003: Civilização Brasileira. KOZINETS, R. Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online. Dados eletrônicos. Porto Alegre: Penso, 2014.

LOURO, G.L. Um corpo estranho- ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. 96 p. MAFFÍA, D. Prólogo. In: NATANSOHN, Graciela (Org). Internet em código feminino. Teorias e práticas. Buenos Aires: lcrj futuribles, 2013.

MALDONADO, Alberto Efendy. Perspectivas transmetodológicas na pesquisa de sujeitos comunicantes em processos de receptividade comunicativa. In: MALDONADO, Alberto Efendy (Org.). Panorâmica da investigação em comunicação no Brasil, 1 ed. Salamanca Espanha: Comunicación Social y Publicaciones, v.1, p. 17-40, 2014.

MARTINO, L.S. Teoria da Comunicação: ideias, conceitos e métodos. Editora Vozes, Petrópolis, 2010.

MIGUEL, A; MONTSERRAT, B. Os gêneros da rede: os ciberfeminismos. . In: NATANSOHN, Graciela (Org). Internet em código feminino. Teorias e práticas. Buenos Aires: lcrj futuribles, 2013

MONTARDO, S; ARAÚJO,W. Performance e práticas de consumo online: ciberativismo em sites de redes sociais. Revista FAMECOS. Porto Alegre, v. 20, n. 2, pp. 472-494, maio/ago. 2013 PRECIADO, B. Manifesto Contrassexual; tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014.

RECUERO, R. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e redes sociais na Internet. 2ª edição, 2014. 238 p.

SOARES, Thiago. Percursos para estudos sobre música pop. In: SÁ, Simone Pereira de; CARREIRO, Rodrigo; FERRAZ (orgs). Cultura Pop. Salvador : EDUFBA ; Brasilia : Compós, 2015, 296 p. Christian Gonzatti

Autores

Mestrando em Ciências da Comunicação na linha de pesquisa de Linguagens e Práticas Jornalísticas pela UNISINOS. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela UNISINOS- Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2012-2015). Integrante dos grupos LIC- Laboratório de Investigação do Ciberacontecimento (2012-2015), GPJor- Grupo de Estudos em Jornalismo e CULTPOP- Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias, atuando em projetos de pesquisa relacionados ao webjornalismo, aos ciberacontecimentos e ao estudo de coletivos midiáticos que trabalham com questões de ativismo, Tem interesse nas áreas da cultura pop, sites de redes sociais, jornalismo, publicidade e propaganda, cibercultura, e estudos de gênero e sexualidades. E-mail: [email protected]

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Dos Sentidos Queers em Sense8: a ressignificação da narrativa através dos processos de recepção, remixabilidade e espalhamento em sites de redes sociais Kélliana BRAGHINI1 Christian GONZATTI2

Unisinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul Resumo: Neste artigo pretende-se analisar e entender os sentidos que emergem do movimento de ressignificação da narrativa de ficção seriada protagonizado pelos fãs de Sense8 em sites de redes sociais na perspectiva da recepção (BONIN, 2015), do espalhamento (JENKINS, FORD, GREEN, 2014) e da remixabilidade (MANOVICH, 2014). A partir de uma pesquisa exploratória específica no Facebook, na página Sense8 da Depressão3, tendo como base a metodologia experimental denominada como construção de sentidos em redes digitais (HENN, 2014), foram identificadas algumas processualidades em torno da recepção da série que potencializam os sentidos queers (LOURO, 2013) da narrativa original. Palavras-chave: Sense8; Recepção; Espalhamento; Remixabilidade; Queer.

1 Introdução A Netflix é uma plataforma de streming audiovisual que disponibiliza conteúdo sob demanda para 83 millhões de assinantes em mais de 190 países. A empresa surgiu no mercado oferecendo a possibilidade de acesso ilimitado a um grande acervo de filmes e séries por um valor fixo mensal. Durante seis anos, o catálogo era limitado a produções externas já exibidas anteriormente no cinema ou na TV. Em 2013, a empresa lançou sua primeira produção original a série House of cards, possibilitando

Kélliana Braghini – Mestranda em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de taxa, CAPES. 2 Christian Gonzatti – Mestrando em Ciências da Comunicação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de taxa, CAPES. 3Disponível em:. Acesso: 20 jun. 2016. 1

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então, o consumo de conteúdo inédido diretamente da plataforma. No mesmo ano, também foi lançada a série Orange is the new black, consagrando a Netflix oficialmente como produtora de conteúdo. Hoje estão disponíveis aproximadamente 150 produções com o selo Original Netflix, das quais destacam-se as séries, maiores sucessos de público e crítica. Desde seus primeiros lançamentos a empresa se tornou destaque no Emmy Awards, maior premiação da televisão americana. Só em 2016, foram 54 indicações. Um aspecto que se destaca nessas produções é a abordagem de temas de emergência social, ainda pouco trabalhadas pela mídia hegemônica. Dentre eles, os bastidores da política e os jogos de poder e a realidade de uma população carceraria feminina. Embora não tenha aparecido diretamente como tema em nenhuma das séries, as questões de gênero e sexualidade perpassam por muitas delas, algumas com mais destaque do que outras. Orange is the new black destaca-se pela diversidade racial, cultural, religiosa e de corpos. A nudez feminina evidencia belezas diversas e a sexualidade aflora. A série teve a primeira personagen trans vivida por uma atriz também trans como uma das protagonistas. Em House of cards, a bisexualidade do protagonista, o político Frank Underwood, é revelada. Não como uma informação bombástica, um tabú, mas numa conversa informal, com toda naturalidade. O abuso é problematizado na série Jéssica Jones, ao mesmo em que destaca uma protagonista feminina forte e independente. A sexualidade na velhice é tema de Grace and Frank. Gays, lésbicas, pessoas trans, bisexuais, mulheres, negras, gordas, velhas. Essas são caracteristicas de muitos personages na ficção seriada da Netflix. A presença deles não é o que mais chama a atenção, embora representatividade também seja importante. O que marca é justamente que essas caracteristicas são detalhes da construção do personagem e não algo determinante que os impeça de ser qualquer outra coisa. São personagens fortes, bem construidos, que tem histórias diferentes uns dos outros, marcadas por preconceitos e barreiras, mas também por amor, trabalho e aventuras. Não significa, no entanto, que a Netflix tenha desconstruído todos os esteriótipos e preconceitos, eles permanecem em muitos aspectos, mas há uma ruptura importante aí que merece atenção. A mais recente produção da Netflix que se destaca neste aspecto, é a série Sense8, que estreou em 2015. A trama de ficção ciêntifica conta a história de 8 pessoas que não se conhecem, vivem em países diferentes, mas possuem uma ligação sensório/espiritual muito forte. Eles conseguem ver e sentir uns aos outros, experimentar sensações, sentimentos e acessar habilidades. Na primeira temporada, os sensates tentam entender o que são e livrar-se de alguém que está tentando caçalos. Mas por traz desse enredo fantástico, há uma potência narrativa muito maior, a sexualidade e diversidade de gênero dss personagens. A personagem Nomi, vivida por Jamie Clayton, é trans, lésbica, ativista LGBT, hacker e vive em São Francisco. Lito, interpretado por Miguel Silvestre, é um ator 676

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mexicano que mantém sua homosexualidade em segredo por medo de prejudicar sua carreira. A coreana Sun, interpretada por Doona Bae, é profissionalmente invisível aos olhos do pai, apenas por ser mulher. Todos eles vivem dramas pessoais por conta de sua identidade de gênero ou orientação sexual que são atravessados e compartilhados entre os 8 protagonistas. Will, (Brian J. Smith) é policial em Chicago. Riley, uma islandesa que vive em Londres. Kalah (Tina Desai) é farmacêutica na índia. Wolfgang (Max Riemelt) é arombador de cofres na Alemanha. Capheus, ou “Van Damme” (foi interpretado por Aml Ameen na primeira temporada e substituído por Toby Onwumere para a segunda), é motorista de ônibus em Nairóbi no Quênia. Sense8 foi criada por Lana e Lily Wachowski, conhecidas até pouco tempo no universo do cinema como “os irmãos Wachowski”. As duas assumiram sua identidade de gênero: são duas mulheres trans. A vivência delas é refletida explicitamente no roteiro. A ligação sensorial entre os personages resultou em cenas com grande peso dramático onde compartilham experiências dolorosas, mas também, cenas sensuais onde os pressupostos heteronormativos caem por terra. As irmãs Wachowski já declararam que os sensates podem ser considerados pansexuais e isso deve ficar ainda mais evidente na segunda temporada. A partir da percepção dos acionamentos queers na série, observamos nas redes sociais movimentos de ressignificação da narrativa. Uma iniciativa de fãs no Facebook nos chamou a atenção. A página Sense8 da Depressão se apropria de cenas da série, ou do contexto cultural que a envolve e redistribui, atribuindo diferentes sentidos que conversam com as teorias queer e a cultura pop. As públicações, na maioria das vezes, possuem um cunho humorístico e reconfiguram, através de memes, termos e situações em torno da sexualidade dos personagens. Nos interessa perceber o campo de possibilidades performáticas aberto neste espaço público, que coloca os sujeitos em posição de criadores e transformadores de conteúdo. Neste artigo, apresentamos um olhar empírico sobre a página apoiando-nos em conceitos que ajudam a compreender os processos convergentes que nela se materializam. Na primeira parte do trabalho, contextualizamos a presença de acionamentos das teorias queers na narrativa de Sense8 estabelecendo um diálogo entre Butler (2003), Louro (2013) e Preciado (2014), descrevendo aspectos da série que rompem normatividades vigentes na sociedade. Na segunda parte, tensionamos os processos de recepção de ficção seriada (BONIN, 2015), da estética hibrida das novas mídias, que refletem os conceitos de remix e remixabilidade (MANOVICH, 2013), e do movimento de espalhamento nas redes sociais da internet (JENKINS, FORD, GREEN 2014). Partimos da percepção de que são aspectos complementares e ocorrem de forma interligada no nosso objeto empírico de referência. Na última parte, colocamos em confronto os conceitos até então trabalhados com as coletas realizadas na página Sense8 da Depressão, avaliando qualitavivamente os sentidos que emergem em determinadas postagens. 677

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2 Tudo puta, sapatão, travesti e viado: a presença do queer nas narrativas de Sense8 Partimos, aqui, de uma discussão em torno de teorias queers a partir das narrativas da série Sense8. Mais do que contextualizar as perspectivas teóricas, buscamos desenhar uma relação com a produção audiovisual da Netflix com dinâmicas queers. Esses estudos são potencializados, em grande parte, por Butler (2003), que assume sua posição feminista e lésbica, para reivindicar que o sexo, assim como o gênero, também é uma construção sociocultural. A partir daí, movimentos teóricos e políticos que reivindicam uma perspectiva de alteridades sobre a humanidade, passam a se apropriarem de pressupostos de Butler (2003). Louro (2013) é uma autora brasileira que vai se desdobrar sobre esses estudos, definindo a perspectiva queer como:

Queer é, também, tudo isso: estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito das sexualidades desviantes-homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, drags. É o excêntrico que não deseja ser “integrado” e muito menos “tolerado”. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como referência; um jeito de pensar que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, do indecidível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, pertuba, provoca e fascina”. (LOURO, 2013, p. 7-8).

Louro, portanto, enxerga como queers àquelas pessoas que fogem a heteronormatividade e a heterossexualidade compulsória, outros dois conceitos importantes que buscam explicar a construção dos comportamentos socioculturais em torno do gênero e das sexualidades. A partir de Butler (2003), Louro (2013) e Preciado (2014), a heterossexualidade compulsória pode ser entendida como a imposição de uma matriz normativa de sexualidade, que impõe regras sobre corpos a partir das genitálias: se você tem um pênis, o seu gênero é masculino e você deve, obrigatoriamente, para ser normal, relacionar-se com mulheres, que são aquelas que tem uma vagina. Já a heteronormatividade, é uma matriz, também normativa, que impõe um padrão de comportamento modelo como o correto e natural: se você tem uma vagina, é mulher e pode até ser lésbica, interessar-se por alguém do mesmo sexo, mas deve, para esse sistema, enquadrar-se nos caminhos desenhados para o seu gênero, no caso do feminino, deve gostar de rosa, ser delicada, depilar-se, usar roupas construídas como femininas e por aí vai. Pessoas queers, portanto, rompem com a heterossexualidade compulsória e com a heteronormatividade, desenvolvendo performances sociais que causam estranheza e são, inclusive, passíveis de violência. Buscando aspectos do queer em Sense8, podemos notar nas narrativas da série diferentes questões que remetem aos pressupostos vistos até aqui em relação as questões de gênero e sexualidades. A abertura da série4 já aciona uma visão

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Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=OCI0AkKbqKI Acesso: 05 ago. 2016.

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multicultural da humanidade, a partir de cenas que remetem a diferentes povos e culturas, trazendo cenas com a bandeira do arco-íris, um dos símbolos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans), dois homens se beijando e uma drag queen parodiando Frida Kahlo. Em relação as narrativas, que entendemos como os desdobramentos da história, trazemos algumas cenas que remetem de maneira mais perceptível ao queer: a relação das personagens Nomi e Amanita, uma conversa entre Nomi e Lito e, por fim, a cena de sexo grupal entre alguns dos sensates. A personagem Nomi, uma mulher trans e lésbica, intepretada por Jaime Clayton, já rompe, por si só, com pressupostos da heteronormatividade e da heterossexualidade compulsória. As cenas em torno de Normi remetem a como órgaos sociais e políticos, como a família e os hospitais, tentam, a partir de discursos históricos de opressão, impor normatividades de gênero e sexuais. O núcleo narrativo mais forte em relação a essas imposições, ao nosso ver, emerge do tratamento dado a Nomi por sua mãe, que o tempo inteiro na série trata a personagem pelo nome Mike, referente ao gênero masculino ao qual tentaram enquadrar Nomi por ela ter um pênis. A namorada de Nomi, Amanita, uma mulher negra, é quem a salva, junto com os outros sensates, da intervenção cirúrgica que a mãe de Nomi iria submetê-la à força, a fim de “curá-la” dos seus desvios. E é a partir dessa relação que muitas cenas que remetem ao queer emergem nas narrativas de Sense8. O segundo episódio de Sense8 mostra um discurso de Nomi no qual ela relata os preconceitos que sua família proferia em relação a sua identidade, usando o fundamentalismo religioso como ferramenta para disseminar o ódio em relação as diferenças5. A cena seguinte mostra as duas personagens na parada LGBT, comemorando o seu orgulho, como coloca Nomi e, ao final do desfile, em uma outra conversa, a sensate coloca que queria um termo mais pluralista, que englobasse todas as identidades diferentes em vez do LGBT, o que abre portas para perspectiva do queer colocada por Louro (2013). O diálogo entre Nomi e Lito marca a relação da heterossexualidade compulsória (PRECIADO, 2014) a partir da imposição de performances de gênero específicas para homens e da heterossexualidade como caminho normal do desejo. Lito mantém um relacionamento secreto com Hermano, isso porque a sua personagem é um ator de filmes mexicanos que intepreta personagens que exaltam uma masculinidade construída: o homem agressivo, que sabe lutar, cuspir e que defende a mulher, donzela em perigo. No entanto, a homossexualidade e as subjetividades de Lito não atendem a essas características, pois ele é uma pessoa delicada e sensível, mas que, ao viver em uma sociedade extremamente patriarcal e machista, omite a sua homossexualidade em detrimento de uma heteressexualidade imposta como normal (PRECIADO, 2014). Na cena em questão6, Lito coloca que tem Vídeo da cena no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=uuuRXNWwAXU Acesso: 05 ago. 2016. 6 Vídeo da cena no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=Of0mgHRlB4E Acesso: 10 agor. 2016. 5

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medo de perder tudo aquilo pelo o que sempre lutou, Nomi argumenta destacando a importância de nos aceitarmos como realmente somos e relata para Lito, que por ser um sensate de Nomi consegue ter acesso a sua mente e visualizar a lembrança, uma das violências transfóbicas que sofreu na sua infância: uma turma de meninos a queimou em um vestiário com água fervendo. A cena é uma afirmação da violência que emerge da heteronormatividade e demonstra, a partir de suas narrativas, como é possível o desprendimento dessas imposições corporais e sexuais. A cena do sexo grupal7 vai de acordo com o que coloca Louro (2013, p. 44) ao afirmar que a “[...] oposição heterossexualidade/homossexualidade – onipresente na cultura ocidental moderna – poderia ser efetivamente criticada e abalada por meio de procedimentos descontrutivos”. O sexo entre Nomi, Amanita, Lito, Hernando, Wolfgang e Will quebra barreiras de tempo e espaço a partir de corpos suados, pênis, peitos, pêlos e vaginas, exaltando a pansexualidade dos sensates, que se atraem por pessoas, independente do gênero e sexualidade delas. Desconstrói, portanto, um modelo normativo de comportamento sexual imposto a partir de padrões heteronormativos. Deixando os desdobramentos da cena para o imaginário, é possível lembrar do que coloca Preciado (2014, p. 32): “"pelo ânus, o sistema tradicional da representação sexo/gênero vai à merda". A próxima parte do trabalho detalha como as narrativas de Sense8 são acionadas em sites de redes sociais e remetem a processos específcos de recepção, espalhamento e remixabilidade. 3 Sense8 da Depressão: recepção, remixabilidade e espalhamento em sites de redes sociais 3.1 Sense8 da Depressão

A página Sense8 da Depressão está disponível no site de redes sociais Facebook há cerca de um ano. O total de likes até o momento da coleta era de 371, 2718 mil, um número significativo considerando que não há nenhum vínculo institucional. As postagens giram em torno da narrativa da série Sense8, e abusa da prática do meme, montagens de tom humorístico que mesclam diferentes conteúdos e estéticas ressignificando seus sentidos. “Os memes servem como temas para contínuas conversas e alimentam a atividade criativa, em que cada variação demonstra um conhecimento cultural particular” (JENKINS, FORD, GREEN, 2014, p. 55). Além de divulgar fotos, vídeos e informações sobre a série e as gravações, a página se comunica com o público através de uma linguagem muito própria de comunidades mais LGBTs, conforme identificamos, um público muito ativo que interage nos comentários gerando novos desdobramentos.

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Vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=Mr0MGppmedM Acesso: 10 ago. 2016. Dia 16 de agosto de 2016

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Há dois exemplos de situações criadas pela página que repercutiram dentro e fora dela. O primeiro foi a popularização do termo suruba, referindo-se a cena do sexto episódio em que os personagens fazem sexo grupal. O segundo é o uso do termo tromba, quando a postagem se trata do ator Max Riemelt, que interpreta o Wolfgang. O personagem aparece completamente nú em vários momentos da série e por ter um membro avantajado, ganhou esse apelido dos fãs brasileiros. Em maio deste ano, o elenco esteve em São Paulo realizando gravações na Parada do Orgulho LGBT para a segunda temporada. Ainda no Brasil, os atores e atrizes fizeram dois vídeos, divulgados na página oficial da série. No primeiro vídeo, eles e elas pronunciam a palava suruba, e a própria página oficial comenta Algo me diz que o Sense8 da Depressão vai gostar desse vídeo. No segundo a atriz Tina Desai, que interpreta Kala, par romântico de Wolfgang, manda recado aos fãs do Brasil dizendo: “Desculpa brasileiros, mas essa tromba é minha”. Os fãs usam a página para ressignificar sentidos identitários de comunidades específicas LGBTs, tornam os personagens e a trama seus aliados de luta. Conforme Jenkins, Ford e Green, (2014, p. 61) “os fãs que criam novo material ou que encaminham o conteúdo existente na mídia querem, em última análise, comunicar algo a seu próprio respeito”. 3.2 MÉNAGE À TROIS: RECEPÇÃO, REMIXABILIDADE E ESPALHAMENTO

Observando a página Sense8 da Depressão, identificamos o acionamento de três movimentos conceituais de forma interligada. Inicialmente ocorre o processo de recepção da ficção seriada no contexto da internet. Um momento tecnocultural em que os sujeitos possuem muitas ferramentas para compartilhar suas experiências pessoais e culturais, e assim o fazem. Uma comunidade de fãs se forma, então, em torno da série, apropriando-se da narrativa, transformando-a e reproduzindo-a. Isso revela os usos e apropriações de técnicas amadoras de montagem e edição, que possibilita uma hibridização estética e atesta a presença do remix e da remixabilidade (MANOVICH, 2014) nas novas mídias. Essa remixabilização do conteúdo, agregando a cada montagem diferentes sentidos, potencializa seu espalhamento. Quanto mais referências forem adicionadas em um mesmo espaço, sendo uma imagem estática ou audiovisual, maior será o seu alcance de público. Embora não exista nenhuma fórmula para o espalhamento, de acordo com Jenkins, Ford e Grenn (2014, p. 37), “as pessoas tomam uma série de decisões de base social quando escolhem difundir algum texto na mídia”. Adotamos neste trabalho a perspectiva da recepção (BONIN, 2015) que se divide em três momentos principais. Primeiro ocorre a recepção da série Sense8 pelos sujeitos, um processo particular do qual não participamos como pesquisadores. Em seguida, ocorre a reprodução de sentidos da série através do site Facebook, resultando no nosso observável, a página Sense8 da Depressão. Por último, ocorre a 681

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recepção desses signos produzidos pela página por outros sujeitos que também se manifestam de acordo com sua bagagem histórico/cultural. Nestes dois últimos processos é que nos colocamos como pesquisadores, observando analiticamente o que pode se inferir dalí em contato com teorias acionadas pelo próprio ambiente.

As pesquisas de problemáticas vinculadas ao âmbito tradicionalmente chamado de recepção em mídias digitais que temos desenvolvido têm se voltado, grosso modo, a entender apropriações de ambientes digitais concretos realizadas por sujeitos, coletivos, comunidades, redes (BONIN, 2015, p. 26).

A nossa pesquisa parte da percepção de uma transformação no contexto comunicacional pautado por uma sociedade cada vez mais midiatizada. O estágio atual da técnica permite a usuários comuns a manipulação de produtos artísticos retirando-os de seu invólucro original (BENJAMIN, 1986) e gerando constantes atualizações de seus sentidos. Não há mais um limite claro que diferencie receptor de produtor. Desde a criação e popularização do computador, e mais tarde da internet, as lógicas da comunicação vem sofrendo rupturas significativas. Pela primeira vez um meio é capaz de armazenar todas as linguagens midiáticas já criadas. Por isso, para Manovich (2014, p. 239), “o computador configura-se como um metameio”. Segundo ele “um metameio computacional pode suportar múltiplas metalinguagens culturais ou artísticas”9. Com o tempo o uso de softwares que possibilitam manipular produtos midiáticos também se populariza e os sujeitos passam a participar ainda mais ativamente dos processos comunicacionais. Entre as mudanças que se afiguram, dissemina-se progressivamente o domínio de recursos e de práticas de produção tecnológica de comunicação e inauguram-se novas formas de participação, compartilhamento e geração de produtos culturais digitalizados por sujeitos produtores diversos. Redefinem-se os modos como os sujeitos participam dos processos e produtos midiáticos das grandes mídias quando elas se incorporam aos cenários digitais – o que leva a redesenho de processos produtivos, de formas de vínculos com os públicos, de lugar-papel dos sujeitos nos processos, etc (BONIN, 2015, p. 26).

Percebemos, então, em nossas observações a competência dos sujeitos em transformar uma narrativa midiática em um novo objeto que traz elementos do original, mas é outra coisa. Na cultura contemporânea a mescla de figuras e linguagens não causa mais estranhamento. A natureza da imagem digital, é, portanto, híbrida. A pureza técnica e estética dos produtos midiáticos\artísticos já não é possível nem desejável, pois conforme Kilpp (2010), eles resultam de conexões e produzem outras. A autora entende que vivemos um processo de “audiovisualização da cultura” pelos usos e apropriações que são feitos dos arquivos imagéticos. Manovich (2014, p. 214) denomina como remix essa “nova estética de hibridos visuais” e remixabilidade, a profunda “integração sistemática de técnicas de meios 9

Todas as citações desse autor que aparecem ao longo do texto são tradução nossa.

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préviamente incompatíveis”. Embora seja nos softwares que essa hibridização é produzida, são nos sites de redes sociais que ela se materializa visualmente e publicamente. A estética dos quadrinhos e da fotografia, por exemplo, são recriadas a partir de prints de imagens em movimento e promovem uma simulações de montagem espacial (MANOVICH, 2006). Os gifs animados, remetem claramente ao loop, uma técnica utilizada pelo cinema primitivo como a primeira forma de dar movimento às imagens. De acordo com Manovich (2006, p. 391) “todos os dispositivos cinematográficos do século XX, até o cinetoscópio de Edison, se baseavam em preves loops”. No remix e na remixabilidade, portanto, coalescem técnicas e estáticas de diferentes temporalidades.

A nova estética dos híbridos existe em enumeras variações, mas o princípio básico é o mesmo; sobrepor diferentes linguagens visuais de diferentes meios em uma mesma imagem. Este é um exemplo de como a lógica da remescla de meios reestrutura grande parte da cultura como um todo. As linguagens do design, tipografia, animação, pintura e cinematografia se reúnem no computador. Portanto, além de ser um metameio, como formulou Kay, também podemos chamar o computador de plataforma de metalinguagem: o lugar onde muitas linguagens culturais do período moderno vêm e criam novos híbridos (MANOVICH, 2014, p. 214).

Percebemos em nossas observações empíricas que existe nesses objetos de mídia remixabilizados, um potencial de espalhamento e no próprio espalhamento um sentido de remixabilidade. Conforme Jenkins, Ford e Grenn (2014, p. 54), o espalhamento “[...] assume a existência de um mundo em que conteúdos de massa são continuamente reposicionados à medida que entram em diferentes comunidades nicho. [...] Quando o conteúdo é propagado ele é refeito”. Embora o ato de remixar exerça uma operação de ordem técnica na materialidade das imagens, quando o conteúdo se espalha, seus sentidos são constantemente reconstruídos em cada espaço que circula a cada sujeito que compartilha. No movimento de espalhamento nas redes não há controle sobre o original. Essa mudança - de distribuição para a circulação- sinaliza um movimento na direção de um modelo mais participativo de cultura, em que o público não é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter sido imaginadas antes (JENKINS, FORD, GREEN, 2014, p. 24)

Ainda na perspectiva de Jenkins, Ford e Grenn (2014, p. 63) “a circulação de conteúdo de mídia participativa pode servir a uma variedade de interesses”. Podem ser culturais, pessoais, econômicos ou políticos. De certa forma, intencionlmente ou não, todos eles perpassam pela página Sense8 da Depressão. Mesmo sendo uma página independente, acaba por defender os interesses da Netflix; fortalece um de seus produtos; promove os atores e atrizes da série; reúne pessoas por interesses em comum e ainda defende uma causa política: a luta pelos direitos LGBTs. Tendo em 683

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vista que, conforme Jenkins (2009, p. 29), colocar um conteúdo midiático no fluxo de circulação “depende fortemente da participação ativa dos consumidores”, percebemos a página analisada como uma potência comunicativa no sentido da remixabilidade e do espalhamento. Esses aspectos específicos serão melhor problematizados na próxima parte do texto, em que evidenciamos a nossa percepção dos conceitos a partir de coleta de publicações da página. 4 TRANSANDO COM O CORPUS: TENSIONAMENTO E DISCUSSÕES

Buscando, então, localizar os sentidos queers que emergem, a partir de Sense8, na página e os processos de recepção, remixabilidade e espalhamento que ocorrem, desenvolvemos uma coleta das publicações entre os dias 4 e 8 de janeiro, período determinado por, a partir do nosso olhar exploratório, remeter mais as narrativas da primeira temporada e não as gravações da segunda. Olhamos para as conversações buscando sentidos específicos que sinalizassem esses aspectos, tendo como metodologia experimental denominada como construção de sentidos em redes digitais10 (HENN, 2014). Foram capturadas 14 publicações entre os dias determinados, dessas selecionamos as 4 que mais se aproximavam de pressupostos do queer. Fig. 1- Publicação 1 e 2

Fonte: coleta de dados realizada pela autora e pelo autor 10

A construção de sentidos em redes digitais tem como pressupostos as etapas de identificação e reflexão em torno dos sentidos que emergem a partir de um objeto específico em redes digitais. Possuí, também, inspiração cartográfica, um olhar ao qual recorremos aqui, por exemplo, para entender as linguagens que emergem em torno das publicações.

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A primeira publicação, que faz referência as cenas excitantes da série, é uma imagem capturada do Twitter, uma prática de espalhamento comum em páginas do Facebook. Os sentidos que emergem em torno dela trazem, em si, uma ruptura com normas sexuais impostas pela heteronormatividade articuladas ao humor, como a seguinte conversação: ator 1, niver do meu namorado gente, vem, vai ser open tromba; atriz, 2 suruba tá liberado?; ator 1, Sim mana; atriz, 3 Open tromba, arrasou. A segunda imagem traz uma conversa entre Lito e Hermano na qual foi colocada uma fala popular de Ivete Sangalo11, com a alteração da palavra cara por chinelo, fazendo referência as narrativas da série12. Em torno dela, emergem comentários como: ator 1, vou passar a porra nele...quer dizer, pode passar em mim; ator 2, não trocaram whatsapp mas rolou sexo via bluteooth, mainha- imagem de cena íntima entre Lito e Will. As processualidades de recepção, remixabilidade e espalhamento ficam claras na produção, entendimento e circulação da imagem e, referente ao queer, mais do que a relação de Lito e Hermano, são os sentidos que falam abertamente sobre o sexo, ironizando o ciúmes e que através de imagens potencializam a liberdade sexual exercida pelos sensates. Fig. 2- Publicações 3 e 4

Fonte: coleta de dados realizada pela autora e pelo autor. Em um show, a cantora chamou a atenção do seu namorado, que estava na plateia conversando, supostamente, com uma mulher de maneira íntima: http://ego.globo.com/famosos/noticia/2016/01/com-ciume-ivete-sangalo-da-bronca-no-marido-emshow-quem-e-essa.html. 12 Lito perde o seu chinelo em Sense8. 11

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A publicação 3 parabeniza Max Riemelt, o ator que interpreta Wolfgang, conhecido pelos atores e atrizes da página como LoboGang e Deus da Tromba, isso porque em dois episódios da série o pau13 do ator apareceu. Emergem, daí, sentidos como: ator 1, 32 anos de pura sensualidade. Dono do meu cu- imagem da webcelebridade Inês Brasil abrindo as pernas sentada em uma cadeira e gritando em um microfone, com uma legenda amarela dizendo ME RASGAA!; ator 2, As comemorações serão na minha casa e de preferência na minha cama- imagem de uma menina com uma mão no queixo, fazendo referência ao close, uma linguagem que emerge de grupos queers nos sites de redes sociais; ator 3- MORTA. Essas performances que emergem de grupos queers em sites de redes sociais, de se identificarem com expressões no feminino e desenvolverem linguagens específicas a partir de pessoas como Inês Brasil14, trazem em si rastros que conversam com o queer e que rompem como binarismos e masculinidades impostas pela heteronormatividade: o homem que vai falar grosso, jogar futebol, gostar de azul é substituído pela bicha afemindada, que gosta de rosa, usa maquiagem e reivindica uma identidade fora dos padrões impostos. Assim como Wittig (1992) coloca que lésbicas não são mulheres, podemos colocar, a partir do olhar para esses performances em redes digitais, que (alguns) gays não são homens, no sentido que não se identificam com signos impostos por masculinidade imposta, agressiva e dominante. A publicação 4 é a mais rica em relação ao queer, pois traz uma cena com Nomi que movimenta sentidos em relação as identidades trans.

Como coloca Preciado (2014), é importante a reivindicação de termos apropriados pelas masculinidades dominantes por identidades que fogem a esse padrão, então, tendo em vista que somos uma mulher e um gay, consideramos importante reivindicar esse ato. 14 Importante destacar que enxergamos Inês Brasil como uma figura queer, pois ela promove uma quebra com o conservadorismo e pudores sexuais a partir de uma linguagem fora do norma que é, também, reivindicada pelo seu corpo, construído e performático. 13

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Fig. 3- Sentidos em torno da publicação 4

Fonte: coleta de dados realizada pela autora e pelo autor.

Em um nível de conversação, os atores e atrizes envolvidos pela publicação debatem questões de gênero e sexualidade a partir da publicação da página, que tem potencial de espalhamento (JENKINS, FORD, GREEN, 2014) a partir do humor presente na fala de Amanita, o Nomi dela é Nomi. Outros sentidos que emergem em torno da publicação fazem referência as questões queers presentes na série e na imagem: ator 1, Pra mim, a coisa mais louvável nessa cena foi a aproximação entre transfobia e sexismo... Exemplificou como as mulheres (trans e cis) enfrentam o mesmo machismo. Comentários como desse cara são super comuns no dia dia; ator 2, desdobra-se sobre todas as cenas referentes a questões de gênero e sexualidade da série e concluí: Pelo amor de Satanás... Sense8 busca mostrar a diversidade sexual e de gênero e como as pessoas que fogem do padrão heterocisnormativo sofrem pra caralho no mundo em que vivemos. A partir de uma cena remixada com características dos sites de redes sociais, há o espalhamento de sentidos em torno do queer que, como podemos notar, são potencializados pelas narrativas da série. Por fim, consideramos importante, em um segundo olhar exploratório, buscar conteúdos que remetessem mais especificamente a questões queers, através de um corpus qualitativo intencional. Percebemos, nessa etapa, que a página possuí publicações especificamente voltadas a questões de gênero e sexualidades e que as performances percebidas na publicação 3, através de signos específicos, como close certo, donos do meu rabo, cheiro delicioso de couro, mana e miga, repetem-se na rede da página Sense8 da Depressão, sinalizando que há, nesses aspectos, a construção de uma comunidade específica que conversa com o queer, o que é problematizado por Gonzatti (2016) no trabalho Articulações entre o Queer e o Pop: a recepção de notícias do Papel Pop por pessoas LGBTs, apresentado no mesmo evento e GT, de Recepção e Gênero, da pesquisa que aqui tensionamos. 687

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5 Considerações Finais Percebemos, por fim, alinhando as naturezas metodológicas e teóricas do trabalho, que questões queers que emergem na série são ressignificadas e potencializadas em contextos que fogem ao universo da narrativa e ganham vida própria, sinalizando, assim a construção de processos de recepção mais performativos e que sinalizam sentidos que fogem da lógica da heteronormativa em sites de redes sociais. Os processos de recepção, remixabilidade e espalhamento atendem a dinâmicas específicas que se desdobram em sites de redes sociais, sinalizando aspectos socioculturais que são reconfigurados a partir desses pressupostos, como as questões de gênero e sexualidade. O movimento desenvolvido aqui pode ser reaplicado em outros espaços digitais, pois a contextualização audiovisual fortalece o reconhecimento dos sentidos que eclodem em espaços específicos, como as páginas de fãs. Referências

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BONIN, Jiani. Desafios na construção de pesquisas de recepção em mídias digitais em perspectiva transmetodológica. In: BRIGNOL, L; BORELLI, V (orgs.) Pesquisa em recepção (recurso eletrônico): relatos da Segunda Jornada Gaúcha/ organizadoras Liliane Dutra Brignol, Viviane Borelli.- Santa Maria: FACOS- UFSM, 2015. BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.

HENN, Ronaldo. El Ciberacontecimiento: producción y semiosis. HENN, R. 2014. Barcelona, Editorial UOC, 2014.

JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Editora ALEPH, 2014. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Cultura da convergência: a colisão entre os velhos e os novos meios de comunicação. 2a ed. São Paulo: Aleph, 2009.

KILPP, Suzana. Imagens conectivas da cultura. In: ROCHA, Alexandre; KILPP, Suzana; ROSÁRIO, Nísia (Org). Audiovisualidades da cultura. Porto Alegre: Entremeios Editora, 2010.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho- ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. MANOVICH, Lev. El software em acción. IN: El software toma el mando. 2014. Disponível em: . Acesso em: 16/08/2016. MANOVICH, Lev. El linguaje de los nuevos medios de comunicación: la imagen en la era digtial. Buenos Aires: Paidós, 2006.

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PRECIADO, Beatriz. Manifesto Contrassexual; tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: n-1 edições, 2014. WITTIG, Monique. The category of sex. In The straight mind and other essays. New York: Beacon Press, 1992. Autores

Kélliana Braghini é bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, formada na Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó, mestranda no Programa de Pósgraduação em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) na linha de pesquisa I – Mídias e Processos Audiovisuais, membro do grupo de pesquisa Audiovisualidades e Tecnocultura: comunicação, memória e design. E-mail para contato: [email protected] Christian Gonzatti é mestrando em Ciências da Comunicação na linha de pesquisa de Linguagens e Práticas Jornalísticas pela UNISINOS, graduado em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela UNISINOS- Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2012-2015), integrante dos grupos LIC- Laboratório de Investigação do Ciberacontecimento, GPJor- Grupo de Estudos em Jornalismo e CULTPOP- Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias, atuando em projetos de pesquisa relacionados ao webjornalismo, aos ciberacontecimentos e ao estudo de coletivos midiáticos que trabalham com questões de ativismo. Tem interesse nas áreas da cultura pop, sites de redes sociais, jornalismo, publicidade e propaganda, cibercultura, e estudos de gênero e sexualidades. E-mail para contato: [email protected]

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Consumo midiático de mulheres da “ralé”: gênero e classe social em foco Lírian SIFUENTES1 PUCRS, Porto Alegre, RS

Resumo: O objetivo deste trabalho é conhecer e refletir acerca do consumo midiático de mulheres da “ralé” (Souza, 2009), uma classe desprovida de pré-disposições básicas – como disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo – que permitem a organização familiar, o sucesso escolar e profissional. Na pesquisa empírica, fizemos uso de entrevista semiaberta, formulário e observação participante. São pesquisadas quatro mulheres, entre 27 e 37 anos, residentes em Porto Alegre ou região metropolitana. Evidencia-se a televisão e do rádio como mídias dominantes, tendo a internet pouca expressividade. As “raladoras” fazem uma análise conservadora da representação da mulher na mídia, enfocando aspectos comportamentais femininos, classificando as mulheres da ficção como “vulgares” e “interesseiras”. Palavras-chave: Consumo midiático; Classe social; Gênero; Ralé brasileira. 1 Introdução O objetivo deste trabalho é conhecer e refletir acerca do consumo midiático de mulheres da “ralé” brasileira. A denominação “ralé”, tomada de Jessé Souza (2009), não é usada de forma pejorativa, para ofender uma classe já tão marginalizada, mas para chamar atenção para essa exclusão estrutural. É uma classe desprovida de prédisposições básicas – como disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo – que permitem a organização familiar, o sucesso escolar e profissional. Embora não haja consenso sobre a classificação das classes sociais, é preciso estabelecer um critério. Assim, decidimos tomar como ponto de partida para identificação das classes a estratificação por ocupações, pois essas carregam consigo aspectos econômicos, educacionais e de reconhecimento social. Assim como Costa (2013, p. 52), pensamos que o “trabalho condiciona a posição social ao agregar não apenas a renda, mas as condições de vida e segurança dos trabalhadores”. Para a ralé, “explorada como corpo” (MATTOS, 2009), a carência das pré-disposições sociais referidas impedem o poupar e o amparo para o futuro – que pode ser considerado

Lírian Sifuentes – Doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Pesquisadora no Departamento em Comunicação da PUCRS. 1

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privilégio das classes dominantes. A ralé estaria, assim, “condenada a ser ‘corpo’ sem alma ou mente” (SOUZA, 2009, p. 122), reduzida a energia muscular (Idem, 2013). Tendo em vista tal contexto, realizamos um estudo do consumo midiático da “ralé”, levando em consideração principalmente sua condição de classe e de gênero. Entendemos o estudo de consumo midiático como aquele que focaliza a relação do público com os meios ou com um gênero, sem atentar para a decodificação de mensagens específicas. Preocupa-se em estudar como o contexto do receptor afeta a experiência midiática e como essa impacta o indivíduo. Na pesquisa empírica, desenvolvida ao longo de 18 meses, fizemos uso de entrevista semiaberta, formulário e observação participante. São pesquisadas quatro mulheres, entre 27 e 37 anos, residentes em Porto Alegre ou região metropolitana. Elas são, em dois casos, diarista, em um, auxiliar de serviços gerais e, em outro, desempregada. 2 Quem é a ralé?

A ralé é uma classe de indivíduos “não só sem capital cultural nem econômico em qualquer medida significativa, mas desprovida, esse é o aspecto fundamental, das precondições sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação” (SOUZA, 2009, p. 21). A denominação “ralé”, salienta o autor, não é usada “para ‘ofender’ essas pessoas já tão sofridas e humilhadas”, mas, sim, para “chamar a atenção, provocativamente, para o nosso maior conflito social e político: o abandono social e político, ‘consentido por toda a sociedade’, de toda uma classe de indivíduos ‘precarizados’ que se reproduz há gerações enquanto tal” (Ibid.). A história de vida dos indivíduos dessa classe demonstra que, para além da carência econômica, há uma ausência de disciplina, autocontrole e cálculo prospectivo – as pré-condições sociais citadas por Souza –, elementos fundamentais para qualquer plano de futuro. A mesma situação pode ser encontrada em outros países. Referindo-se a personagens de classes populares de um reality show britânico, Murdock (2009, p. 29) avalia que “esses personagens não articulam pontos de vista políticos explícitos e têm como objetivo principal simplesmente conseguir viver mais um dia, de preferência, dando risada pelo caminho”. Essa é uma imagem comum do brasileiro, que, pelo senso comum, preocupa-se apenas com o dia de hoje (o que costuma ser relacionado com a falta de “espírito” empreendedor, e não com imposições da realidade social ou com aspectos culturais), não projeta o futuro e se interessa apenas em “curtir” a vida, ou, nas palavras de Murdock, em dar risada pelo caminho. “Não existe futuro para quem é escravo de suas necessidades e inclinações naturais imediatas.” (SOUZA, 2009, p. 415). Assim, mais do que uma característica de nação, esse modo de vida estaria ligado a um habitus de classe. Mattos (2009), que realizou uma densa pesquisa com prostitutas no Rio de Janeiro, narra que todo o dinheiro ganho por elas é imediatamente empregado em 691

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aquisições que as contentam por satisfazer seus desejos de consumo. A esse grupo – que representa, segundo a autora, uma metáfora perfeita para entender essa classe social, explorada como corpo –, a carência das pré-disposições sociais referidas impedem o poupar e o amparo para o futuro. Nesse sentido, o futuro é privilégio das classes dominantes, e não está acessível a todos. A ralé estaria, assim, “condenada a ser ‘corpo’ sem alma ou mente” (SOUZA, 2009, p. 122), reduzida a energia muscular (Idem, 2013). Em autores estrangeiros, encontramos uma definição semelhante para o que chamam de “subclasse” (underclass). Embora se encontrem em contexto distinto do brasileiro, consideramos que as características são bastante próximas daquelas destacadas por Souza à ralé. A ‘subclasse’ não é um grau de pobreza; não se refere ao mais pobre dos pobres. É um tipo de pobreza: inclui aqueles que não compartilham mais as normas e aspirações do resto da sociedade, que nunca conheceu a tradicional composição familiar com pai e mãe, que está inclinado a abusar de drogas e álcool na primeira oportunidade, que vai mal na escola e que são rápidos para recorrer a um comportamento desordeiro e ao crime. (Sunday Times, 23 May 1995, p. 3) (HAYLETT, 2000, p. 71).

Entre as entrevistadas desta pesquisa, classificadas como pertencentes a esse estrato, não se verifica um comportamento desordeiro ou mesmo o uso de drogas ou o abuso de álcool. No entanto, todas têm em suas famílias exemplos próximos desse tipo de comportamento, que as afetam diretamente. Wright (1997) ajuíza que à “subclasse” é negado o acesso a tipos diversos de recursos produtivos e, especialmente, dos meios necessários para desenvolver as habilidades que permitem adquirir esses recursos que tornariam sua força de trabalho rentável. Por esse motivo, apesar de a “subclasse” ser uma categoria de agentes sociais oprimidos economicamente, eles não são consistentemente explorados. Isso porque esse grupo não se destaca por sua produtividade, sendo assim uma classe menos importante para os capitalistas. Essa é uma grande diferença em relação aos batalhadores (grupo que ficou conhecido como “nova classe média”), que se mostram uma classe bastante útil ao capitalismo, dado que uma de suas principais características são as longas jornadas de trabalho, o esforço para produzir e ganhar mais, bem como sua capacidade de consumo. A ralé desenvolve trabalhos mal remunerados e, embora interesse ao sistema pagar pouco a esses indivíduos, eles são pouco rentáveis. Também é comum estarem incluídos nesse estrato beneficiários de programas do governo, que não são produtivos para a sociedade. “Entendido dessa forma, a underclass [grifo nosso] consiste em seres humanos que são largamente prescindíveis do ponto de vista da lógica do capitalismo [grifo do autor].” (WRIGHT, 1997, p. 8). 692

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Esse entendimento é compartilhado por Souza (2009, p. 23), para quem a ralé é “incapaz de atender às demandas de um mercado cada vez mais competitivo baseado no uso do conhecimento útil para ele”. É nesse sentido que a ralé se diferenciaria do lumpemproletariado marxista. Considerado um “exército de reserva” pela sua potencial participação como força de trabalho no mercado produtivo, o lumpemproletariado tinha espaço em um capitalismo em estágio inicial, em que os conhecimentos necessários por parte do trabalhador eram mínimos. Na atualidade, o nível de habilidades exigido dos “trabalhadores úteis” exclui uma larga parcela da população que não está capacitada para exercer serviços mais complexos do que os exigidos no tempo de Marx. Assim, ainda que a força de trabalho da ralé tenha espaço para ser empregada, ela não serve para substituir as capacidades dos trabalhadores produtivos do mercado moderno, não se configurando, assim, como um “exército de reserva”, e estando aquém do lugar ocupado pelo lumpemproletariado de um capitalismo inicial (SOUZA, 2009). Vale destacar, ainda, que, nem mesmo na esfera que costuma ser pensada como disponível a todos da mesma forma a ralé consegue se realizar plenamente. Diferentemente do que reconhece o senso comum, a vivência do amor romântico acaba por ser improvável devido a determinadas condições objetivas de existência que conformam meninos e meninas desde a infância. O que mostram os autores de trabalho sobre “a miséria do amor dos pobres”, como diz seu título,

[...] atinge em cheio a mais cara de nossas ilusões sobre a vida: a crença de que, apesar de toda a miséria e de toda a vulnerabilidade, as chances de se encontrar o amor não se fecham para o destino dos que vivem em um universo de privação [...] o que há de mal na pobreza se ela não nos impede de amar? Se os pobres podem amar como todo mundo, a desigualdade em nada constitui empecilho para uma vida realizada. (SILVA; TORRES; BERG, 2009, p. 168).

O trabalho mostra que a realização em outras esferas, como o reconhecimento na escola e no trabalho e o afeto dos pais, é condição para o desenvolvimento das habilidades para o amor romântico. Silva, Torres e Berg (2009, p. 169) enfatizam que “não cabe definitivamente à sociologia dizer se as pessoas se amam ou não! Mas cabe a ela sem dúvida determinar as condições de possibilidade de qualquer experiência socialmente construída”. Assim, revelam que a desigualdade constitui um empecilho para as mais diversas formas de realização, inclusive para o amor. 3 Aspectos metodológicos

Gaskell (2002, p. 71) defende que em uma pesquisa qualitativa em profundidade “é essencial quase que viver e sonhar as entrevistas – ser capaz de relembrar cada ambiente”. Para isso, o autor salienta, o número de pesquisados não pode se estender. Lindlof e Taylor (2011) destacam que, em uma pesquisa qualitativa, 693

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o pesquisador geralmente inicia sua investigação com algumas pessoas que se encaixam aos interesses do estudo. Depois, se preciso, outros membros vão sendo incluídos para complementar e aprofundar os dados, até que os novos informantes não acrescentem novas informações. Tomando ambas as orientações, sabíamos que o número de pesquisadas seria pequeno, para que fosse possível aprofundar o estudo. Assim, o grupo de entrevistadas é formado por Adriele, Fátima, Mirela e Xaiane, com idades entre 28 e 37 anos. Adriele é auxiliar de serviços gerais, Fátima e Mirela são diaristas e Xaiane está desempregada, tendo trabalhado até alguns meses atrás como garçonete. Acerca dos instrumentos de coleta de dados, enfatizamos que os métodos não são simples ferramentas que podem ser escolhidas aleatoriamente ou, ainda, burocraticamente. As técnicas usadas e os modos de empregá-las devem responder aos objetivos de cada pesquisa, e precisam ser acompanhadas de reflexão permanente. Assim, no decorrer desta investigação diversas escolhas foram feitas, entre elas, a dos instrumentos de coleta de dados, conjunto fundamental para que se chegue aos pesquisados e se produza conteúdo para análise posterior. A seguir, apresentamos essas técnicas usadas: entrevista, formulário e observação. A entrevista semiestruturada, neste estudo, é o instrumento principal de acesso às ideias e aos modos de ser e viver das mulheres pesquisadas. Para Morley (1996, p. 261), a entrevista, além de permitir “que o investigador tenha acesso às opiniões e declarações conscientes das pessoas entrevistadas”, também propicia o “acesso a termos e a categorias linguísticas [...] em virtude dos quais as pessoas entrevistadas constroem seus mundos e a própria compreensão de suas atividades”. Do mesmo modo, Sierra (1998, p. 227) acredita que a entrevista “proporciona um excelente instrumento heurístico para combinar os enfoques práticos, analíticos e interpretativos implícitos em todo processo de comunicar”. Ele aponta três barreiras como as principais na comunicação pessoal e, por consequência, em uma entrevista: diferenças semânticas, clima psicológico e contexto. Acerca do aspecto semântico, destaca que é definido pelo âmbito sociocultural de entrevistado e entrevistador. Dependendo desses âmbitos, pode haver códigos distintos, que dificultarão a comunicação, sendo necessário que o entrevistador, o principal interessado nessa troca, realize uma “ressemantização”. O que percebi, algumas vezes, era uma insegurança por parte das raladoras, que ficavam em dúvida sobre o que responder, momentos em que costumavam pedir esclarecimentos: “L: Tu se considera bem sucedida?; A: “Tem como me dar um exemplo?” (Adriele). Outros problemas de linguagem também foram percebidos, como no caso de Xaiane, em que o sentido da pergunta foi desviado. L: Tu nota diferença entre as novelas de acordo com os autores? X: Autor de novela? L: É, o escritor.

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X: Escritor eu nem sei quem são. Mas autor de novela... eu acho legal aquele, o Petruchio [Eduardo Moscovis, O cravo e a rosa], não tô ligada no nome dele. Aquela mulher que é, como é que é o nome dela? Que é ex-mulher desse Cesar [Amor à vida]. Aquela... L: Susana Vieira. X: Aquela Susana, ela é legal, acho tri, as novela que ela faz. (Xaiane)

Contudo, não se pode dizer que a comunicação foi afetada, pois, de forma geral, todas compreendiam as questões e mostravam desenvoltura para falar. Em nenhum caso obtive respostas monossilábicas ou lacônicas. Isso, de certo modo, surpreendeume, pois imaginava que as mulheres da ralé teriam alguma dificuldade para responder a entrevista. Pensava assim porque, em minha pesquisa de mestrado, as mulheres – basicamente dessa mesma classe e um pouco mais novas, com idade entre 18 e 24 anos – tinham, frequentemente, dificuldades e vergonha. Por exemplo: Li: Qual é a causa da pobreza no Brasil? Le: Eu não sei. Li: Mas por que tu acha que tem tanto pobre? Le: Não sei. Sou meio ruim de pergunta. (Letícia) (SIFUENTES, 2010)

Partindo para o próximo instrumento, entendemos que o formulário permite ter acesso a dados mais objetivos sobre aspectos da vida do grupo estudado. O formulário construído para a investigação aqui apresentada era composto por questões sobre elementos educacionais, econômicos e midiáticos. Foi um instrumento complementar que permitiu coletar informações de forma sistemática e econômica. O conteúdo dos formulários colaborou de forma efetiva para a construção dos perfis e do mapeamento de consumo de mídia. Entendemos que informações tão específicas seriam mais difíceis de serem recolhidas com uma técnica como a entrevista, em que facilmente algum aspecto ficaria de fora da resposta. Além disso, o caráter “objetivo” do formulário permitiu, por exemplo, verificar um dado como a renda familiar e pessoal de forma menos constrangedora para ambas as partes, uma vez que se sabe que muitas pessoas não gostam de revelar seus salários. Por sua vez, a observação, segundo Gil (2008), serve para observar sujeitos, cenários e comportamentos. O foco da observação realizada na pesquisa foi basicamente as reações das informantes – “o que as faz rirem, chorarem e se enfurecerem” (LINDLOF; TAYLOR, 2011, p. 135) –, a relação delas com os demais (pesquisadora e/ou familiares) e o ambiente doméstico. O aspecto mais rico da observação (da assistência de televisão) foi a possibilidade de conversar sobre diversos assuntos de forma mais aberta do que na entrevista. A observação propriamente das reações à mídia foi aspecto secundário. Tanto que, em muitos casos, o programa que havíamos marcado de assistir já havia acabado e ficávamos conversando ainda meia hora ou mais. Assim, diria que a técnica serviu como uma boa “desculpa” para esse contato mais íntimo. 695

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4 As raladoras Adriele, 33 anos, branca, tem um filho e já foi casada duas vezes, a segunda delas legalmente. Permaneceu casada com o primeiro marido, pai de seu filho, por oito anos. Depois de estarem separados e ela casada com o segundo marido, o pai de seu filho foi assassinado, mas ela afirma não saber sobre as circunstâncias. Evangélica, conta sobre sua entrada na igreja: “Aí eu resolvi mesmo aceitar Jesus já faz um ano [...]. Eu achava que eu era feliz quando eu tava no mundo, mas o mundo é muita ilusão pra gente. Deus, ele é maravilhoso.” Mora em Porto Alegre, no bairro Rubem Berta, com o filho de 12 anos. Seus pais são analfabetos e ambos, hoje aposentados, trabalhavam como auxiliar de serviços gerais. Tem cinco irmãos, nenhum completou o ensino fundamental. Possui o ensino fundamental. Mora em casa própria. Não tem carro. Recebe um salário mínimo, com o qual sustenta ela e o filho. Apresenta-se como “uma pessoa feliz, realizada, não tenho... claro, problema a gente sempre tem, eu tento resolver eles com sabedoria, sem tá com muito drama.” Fátima, 37 anos, branca, tem dois filhos e se separou há dois anos, após 20 anos casada, “por enquanto eu não pretendo mais me casar e nem arrumar ninguém”. É católica e afirma que às vezes vai à missa no domingo. Mora em Porto Alegre, no bairro Restinga, com o filho de sete anos. A filha de 19 anos saiu de casa no final de 2013 ao casar. É diarista. Possui ensino fundamental incompleto. Nasceu em Caçapava do Sul, no sul do estado. Mudou-se com 12 anos para Porto Alegre após seus pais se separarem – “eu fugi” – indo morar com uma tia, e, aos 16 anos, casou-se. Sua mãe nunca estudou, mas sabe ler e escrever. Seu pai era açougueiro enquanto ela morava em casa, depois, voltou a estudar e se tornou técnico em enfermagem. Dos cinco irmãos, um fez ensino superior e os demais possuem ensino fundamental incompleto. Em 2012, mudou-se para um apartamento financiado por meio do projeto do governo Minha casa, minha vida, pelo qual paga R$ 50 mensais. Não tem carro. Seu salário é de cerca de R$ 2 mil, todavia varia de acordo com o número de faxinas que faz no mês. Ao se apresentar, afirma: “Meu nome é Fátima, tenho 37 anos, nascida em Caçapava do Sul, atualmente separada, tenho dois filho, trabalho de doméstica e essa é minha vida. Não saio, saio só com os filho, não tem nada de namorado, não quero ter... por enquanto.” Mirela, 33 anos, negra, tem quatro filhos, dois de cada um dos seus dois casamentos. Casou-se pela primeira vez aos 14 anos e, aos 18, quando esperava o segundo filho, o marido foi assassinado. Está casada com o segundo marido há 13 anos. É evangélica e considera que “a melhor coisa da minha vida foi encontrar… saber, conhecer Deus, saber que Deus existe”. Mora em Viamão, com o marido e os três filhos mais novos. A filha de 17 anos saiu de casa no final de 2013 ao casar. É diarista. Possui ensino fundamental incompleto. “A escola, eu estudei só até a quarta 696

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série só. Nem fechei a quarta. […] Quando eu fechei 13 anos, eu rodei, rodei, rodei, aí tinha 13 anos, daí essa idade a gente não quer mais.” Seus pais se separam quando ela tinha seis anos. O pai tem ensino fundamental incompleto e é motorista de ônibus aposentado. Sua mãe é analfabeta: “A mãe nunca conseguiu trabalhar porque ela sempre foi analfabeta, ela nunca conseguiu aprender a ler e escrever, ela deve ter algum problema de... assim, porque ela não consegue aprender, ela já tentou várias vezes.” Mirela tem dois irmãos por parte de pai e mãe e seis por parte apenas de mãe. Uma irmã tem ensino médio completo, dois irmãos são analfabetos e os demais têm ensino fundamental incompleto. Mora em casa própria. Tem carro. A renda familiar é de cerca de dois salários mínimos, um recebido por ela com suas faxinas e o outro do marido, que é zelador em um edifício residencial. Apresenta-se da seguinte forma: “Olha, eu sou uma pessoa nova, eu digo que eu sou uma pessoa assim, ãh... nasci de novo, depois que eu comecei na igreja, que eu comecei a ver, a ver as coisas, enxergar as coisas com clareza [...], faz 13 anos que eu nasci de novo. [...] Eu sou uma pessoa tranquila. Uma mãe de família. Normal.” Xaiane, 28 anos, negra, tem dois filhos e está separada do segundo marido. Afirma que no momento não segue nenhuma religião, mas está pensando em passar a participar da igreja Umbanda. Mora com os filhos de dois e sete anos, no bairro Jardim Carvalho, em Porto Alegre. Está desempregada. Conta que não tinha com quem deixar os dois filhos, de sete e de dois anos, e acabou largando o trabalho. Até há alguns meses, trabalhava como garçonete, e antes já havia sido babá e atendente de tele entrega em uma pizzaria. Possui ensino médio incompleto. Seus pais estão separados há 10 anos, “havia muito briga, muita briga entre os dois, porque o meu pai ele bebia, ele fumava maconha. Pelo fato de a minha mãe não ter pra onde ir é que ela aguentava tudo aquilo ali, entendeu?”. Não sabe precisar a escolaridade dos pais, mas afirma que a mãe “praticamente ela é uma analfabeta” e o pai “sabe ler, sabe escrever”. Sua mãe é faxineira em uma creche e o pai é porteiro em edifício residencial. Tem dois irmãos, ambos possuem o ensino fundamental incompleto. Mora em uma casa no terreno da avó, onde outros parentes também fizeram suas casas. Não tem carro. Até o final da pesquisa de campo, Xaiane estava tentando conseguir o benefício governamental do bolsa-família, assim como buscava uma forma de reivindicar na justiça a pensão para seus dois filhos. Ela relatou em mais de uma ocasião que estava tendo problemas para dormir porque andava preocupada com a falta de recursos para sustentar a si e a seus filhos. Apresenta-se dizendo: “Eu? Não sei, porque o eu de agora tá só começando né? Então não sei como é que vai ficar a minha situação daqui pra frente, né? Vou tê que vê. [...] Vai ser a minha primeira vez só eu e os meus filho em casa e eu sem trabalhar.” Vale destacar aqueles que são os valores mais importantes transmitidos por suas famílias. Para as entrevistadas, o princípio que as rege é a honestidade.

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Eles passaram os melhores valores possíveis: não roubar, não matar, não mentir. (Adriele) Olha, só o fato de eu não tá roubando, me prostituindo e nem matando, pra mim tá tudo bom. (Fátima) Ser honesta, não ser mentirosa, isso aí a mãe sempre passou pra nós. (Mirela).

As falas ilustram e ratificam o que Souza (2009, p. 425) assegura sobre a ralé: “toda a educação dos filhos e toda a noção de moralidade que comanda a vida familiar na ‘ralé’ [...] é dirigida a se evitar a ‘queda na delinquência’”. 5 O consumo de mídia das raladoras

As primeiras lembranças de Adriele sobre mídia remetem à Xuxa e à Angélica. Conta que o que mais assistia era o programa da Xuxa. Os desenhos animados, integrantes do programa, de que mais gostava eram She-ra e He-man. Do SBT, gostava de Ursinhos carinhosos, assim como do programa da Angélica, “tinha a música dela, aquela, Vou de taxi”. Outro programa infantil que destaca é TV Colosso, transmitida na década de 90 na Globo. Costumava assistir a TV, especialmente aos desenhos, sozinha. Rádio costumava ouvir com alguém da família, com algum dos irmãos ou com os pais. Lembra de sempre ouvir a rádio 104 FM (música sertaneja, principalmente), citada como sua preferida atualmente, mas diz que nunca enviou carta ou telefonou. Considera que, em sua infância, a televisão “não ajudou nem atrapalhou, era só um meio de ter alguma coisa pra eu me entreter. [...] Eu olhava só por olhar.” Destaca que sempre gostou de assistir a TV e hoje não assiste tanto porque não sobra tempo, “eu saio cedo de casa, daí chego quase tarde, daí dá pra olhar alguma coisa só. A gente fica com sono, pesado, daí não dá pra olhar muita coisa. Antes eu olhava mais.” Afirma que jornal e revista não tinham em casa. Quando adolescente, comprava às vezes algumas revistas sobre signos, de que gosta até hoje. Também gostava das revistas Atrevida e Capricho. As notícias que mais a interessava eram sobre novela: “aquelas coisas de novela, que tinha dos artistas. Eu olhava só por ler assim, pra saber, por curiosidade.” Atualmente, Adriele possui televisor, computador, aparelho de som, aparelho de DVD e video game. Consome TV, jornal, revista e rádio. Nunca usou internet. Seu meio preferido é a televisão. O canal de que mais gosta é a Globo e o programa, os filmes de Tela Quente. Costuma assistir a televisão sozinha ou com a companhia do filho. Assiste, em média, três horas por dia. Não possui TV por assinatura. A rádio preferida é a 104 FM, da Rede Pampa. Os programas radiofônicos de que mais gosta, por outro lado, são da Rádio Farroupilha: Programa do Gugu e o “programa do Zambiasi”, Comando Maior, ambos de informação e prestação de serviços. Costuma ouvir rádio em casa, por cerca de uma hora e meia por dia. Não lê jornal diariamente. Quando o faz, escolhe o Diário Gaúcho, disponível em seu trabalho, especialmente as seções com resumo das novelas, policial e de serviço. Gosta de ler revista às vezes, 698

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geralmente uma vez por mês compra a revista Atrevida ou algo sobre signos e sonhos. Não costuma ler livros. Fátima, até sair de casa, aos 12 anos, não possuía TV. Na casa de vizinhos, ela e sua irmã assistiam aos seriados Chaves e Elo perdido. Sobre o último, explica: “era tipo um filmezinho, assim, que era o pai, a filha, uma macaquinha que era a Chaca e eles viviam num... nos dinossauro, entendeu? No mundo dos dinossauros, que era só eles, os dois que eram humano, e eles conversavam com a macaquinha.” Normalmente, porém, tinham pouco tempo para lazer, pois assim que chegavam do colégio tinham que cumprir as obrigações domésticas, como limpar a casa de três peças, lavar a roupa e fazer comida. Seu pai possuía um “radiozinho”, mas apenas ele escutava, principalmente para acompanhar os jogos de futebol: “Ele ligava o rádio assim só pra escutar jogo. E o rádio era sempre no ouvido, só ele que ouvia. Aqueles radiozinho com aquela anteninha.” Quando saiu de casa, aos 12 anos, e foi morar com a tia, passou a ter televisão onde morava, mas, pela falta de hábito, não costumava ligar a televisão e não a assistia muito. Aqui eu cheguei e era um outro mundo, entendeu? Tanto é que, a minha tia tinha sofá, ela mandava, mandava não, ela dizia assim: ‘ah, tu quer ligar a televisão, pode ligar’. Eu não ligava a televisão e, quando ela ligava eu sentava no chão, porque nós não tinha sofá, entendeu? Nós pegava tijolo botava pra sentar, nós sentava nos banco, nós morava pra fora, então, eu sentava no chão, eu era bicho do mato... Nunca que eu ligava a televisão, nós não tinha televisão. [...] Aí era outra vida. Mas mesmo assim, eu nunca ligava a televisão. Ela dizia assim ‘ah, olha o Chaves, olha o desenho”. Eu dizia, ‘não, eu não quero olhar porque depois a gente acostuma’ e depois de acostuma tu vai querê toda hora olhar. (Fátima)

Com a tia, já adolescente, assistia apenas a novela. “A minha tia sempre foi noveleira, a gente assistia a novela. Aí, quando terminava a novela, ela desligava pra ir dormir, né. Essas coisa assim depois da novela, que dava, nós não assistia, era só as novela.” Em seu ponto de vista, a televisão não teve nenhum papel em sua vida. “Pra mim não mudou nada, pra mim não significou nada. [...] Eu tenho televisão em casa hoje porque eu gosto de assisti clipe, eu não durmo sem uma televisão ligada, mas não assim de assistir programa, e por causa do [filho].” Quando namorava, antes dos 16 anos, Fátima escutava o programa de rádio Love Songs com o namorado. Ela relata:

Ele tinha aqueles rádio-relógio, sabe? Que ele botava despertar. E ele sempre escutou. Ele era sozinho, ele se deitava, então, ele chegava de noite do serviço e ligava. E ele gostava, era de casal de namorados: ‘ah, tô mandando um alô pra minha namorada que eu tô viajando’; ‘ah, quero mandar um beijo pro meu namorado’, e ele curtia. Aí, depois que eu comecei a namorar com ele, que eu ia pra casa dele, a gente começou a curtir, a escutar. Aí a gente casou... Inclusive eu ainda tenho o radinho relógio até hoje. (Fátima)

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Conta que depois de se separarem, o que aconteceu dois anos antes da entrevista, colocou o rádio a funcionar e, por uma semana, voltou a ouvir Love Songs. Logo não deu prosseguimento ao hábito e guardou novamente o rádio, pois estava dormindo muito tarde por causa do programa. “Acabava perdendo o sono. ‘Ah, essa música é boa, depois dessa música vou dormir’. Aí a música vinha do meu tempo de guria, que eu comecei a namorar com ele, aí começava a lembrar, dependendo da música, já dava uma chorada.” Atualmente, Fátima possui televisor (led), home theater e video game. Consome TV, rádio e, raramente, jornal. Nunca usou internet. A mídia de que mais gosta é o rádio. Suas emissoras favoritas são Record e Mix TV, que mostra vídeo clipes. Os programas que destaca são Cidade Alerta, Legendários e Balanço Geral, na Record, e Jornal do Almoço, na RBS/Globo. Assiste TV em casa, sozinha ou com o filho, por cerca de duas horas diárias. Não possui TV por assinatura. O rádio é sua companhia por muitas horas, enquanto trabalha, quando está em casa ou no ônibus, e diz que fica “perdida” se esquece o fone de ouvido em casa. Sua estação preferida é a Jovem Pan, que toca o estilo que ela diz ser seu preferido, o dance, com destaque para as cantoras Rihanna, Lady Gaga e Mariah Carey. Quando perde o sono, ouve o programa Love Songs. Não tem o hábito de ler jornal, quando o faz, opta pelo Diário Gaúcho, que compra uns dois sábados por mês. Lê sobre seu signo, a editoria policial e a seção Corações solitários. Livros diz que não lê porque “dá dor de cabeça”. Entre os primeiros programas que Mirela lembra de assistir, estão o Sítio do Pica-pau amarelo, Carrossel e desenhos animados, como Pica-pau, He-man e She-ra, “essas coisa assim, programa de criança, normal”. Recorda que gostava da Mara Maravilha e da Xuxa. Também assistia a noticiários, como Bom Dia Brasil e Jornal Hoje, principalmente na casa da avó. Quando assistia a algo com a mãe, geralmente novela, não conversavam sobre os programas, pelo contrário, apenas se lembra de ela pedir silêncio. “Me mandava calar a boca, pra presta atenção.” Gostava de ouvir rádio, geralmente em estações que tocassem música sertaneja. Quando adolescente, o programa radiofônico que mais escutava era “aquele, é, quando eu era adolescente eu me lembro de escutar essa, que dá de noite, as de românticas... L: Love Songs? M: É, esse negócio, eu me lembro de escutar. De adolescente eu me lembro.” Também gostava de ler a revista Atrevida, com que a tia, que morava no centro, a presenteava ou que alguma amiga comprava. Acerca do papel da televisão em sua infância e adolescência, ela considera que servia apenas “pra se informar mesmo, pra vê o que tá acontecendo, porque outras coisas não lembro, que eu tenha aprendido alguma coisa com televisão, não lembro”. Atualmente, Mirela possui televisor (led), aparelho de som, home theater e vídeo game. Costuma consumir jornal, rádio e internet. A emissora de TV de que mais gosta é a Record, “12 eu nem ligo” (referindo-se à TV Globo), porque considera 700

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“bagaceiro, contra o que Deus criou”. O programa favorito é o Balanço Geral, na Record (também chama de “programa do Mota”). Assiste a TV em casa, principalmente com o marido, por cerca de uma hora diária. Não possui TV por assinatura. Sua rádio preferida é a “1390 AM”, a evangélica Rádio Esperança. Os programas radiofônicos de que mais gosta são Restauração, Despertar, Cristo vem, todos evangélicos. Costuma ouvir rádio em casa, no trabalho e no ônibus, o “dia inteiro”. Lê Diário Gaúcho e Correio do Povo, com destaque para a editoria policial. Costuma lê-los em casa e no ônibus e os compra mais de uma vez por semana. Gosta de ler livros evangélicos. O último que leu foi “Apocalipse”. Usa a internet cerca de uma hora por dia, em casa, principalmente para acessar o Facebook e fazer pesquisas no Google, especialmente sobre receitas culinárias e crochê. Acessa a internet pelo celular. Não tem computador com acesso à internet. Xaiane traz à memória, como primeiras recordações sobre mídia, os desenhos animados do SBT e as rádios Cidade e El Dourado, que ouve desde criança. Os desenhos preferidos eram Sailor Moon, Ursinhos carinhosos e Pica-pau, “eu gostava bastante de olhar eles, muito bom”. Outro programa de que gostava era Chaves, “até hoje, agora, há pouco, tava olhando o DVD ali, do Chaves. Chaves eu olhava direto, e ainda olho”. Os apresentadores favoritos, quando criança, eram Xuxa, Eliana e Faustão. Ainda hoje gosta da Eliana, “até hoje, gosto ainda do programa da Eliana, que dá ainda”. Sobre o Faustão, garante: “agora já me anojô”. Costumava assistir a televisão na companhia da irmã, pois os pais trabalhavam e não ficavam muito tempo com os filhos. O único programa que assistiam em família era novela. Conta que como a mãe não dava muitas orientações a elas, aprendeu muito sobre certo e errado na revista Atrevida. O que eu aprendi, o que pode, o que não pode, muito, eu lia, muito na revista, aquela... Atrevida. E assim fui aprendendo umas coisas, mais no colégio, o que pode e o que não pode. [...] Na Atrevida, aquelas coisas de curiosidade adolescente, entre meninos e meninas. Ela fala bastante coisa sobre virgindade, sobre sexo, esses negócio assim. Porque o que eu mais lia na revista Atrevida era isso. (Xaiane)

Também consumia “aqueles livrinhos de romance da Sabrina, livros de história eu pagava bastante na biblioteca”. Segundo Xaiane, o papel da televisão era de informação e entretenimento, incluindo a novela como meio de informação, “praticamente todas passam bastante informação. Uma lição, na verdade, é um espelho. O que tá passando com a pessoa na TV pode, a qualquer momento, acontecer comigo, né? Pode acontecer comigo também, com qualquer um. É uma lição, vem uma lição.” Relata que também assistia Jornal Nacional e Globo Repórter, para se manter informada. Atualmente, Xaiane possui televisor, computador, aparelho de som e aparelho de DVD. Consome TV, jornal, rádio e internet. Sua preferência é a TV, especialmente o “5”, SBT. O Programa Silvio Santos é o seu favorito. Costuma assistir a TV em casa com 701

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os filhos, com exceção de alguns programas, como o próprio do Silvio Santos, a que assiste sozinha. Assiste a TV por mais de cinco horas diárias. Sua estação de rádio preferida é a El Dourado (toca principalmente funk e pagode). O programa radiofônico preferido é o Cafezinho, na Pop Rock (atual Mix FM), que ouvia com mais frequência quando trabalhava à noite. Diz que, quando era mais nova, gostava muito de ouvir Black Night e Love Songs. Ouve rádio “até o dia todo”, principalmente quando está limpando a casa, o que diz fazer, às vezes, de madrugada. Lia o jornal Diário Gaúcho, especificamente a seção de signos e policial. Costumava pegar o jornal emprestado do segurança, no trabalho. Agora não tem lido jornal. Lê cerca de três livros por ano. Fazia leituras no ônibus, usando fone de ouvido para não ouvir as conversas das outras pessoas, e no intervalo do trabalho, quando estava sozinha. Em casa, não costuma ler. O último livro que leu foi Batalha do Apocalipse. Não usa a internet diariamente porque precisa do celular da irmã emprestado, pois o seu está sem acesso à rede. Quando o faz, permanece conectada por cerca de uma hora, especialmente vendo seu Facebook. 6 Considerações finais

Na casa das raladoras é comum encontrar videogame, o que verificamos em três casos (nos três, as entrevistadas têm filhos entre sete e 14 anos) e home theater. Por outro lado, nenhuma possui vídeo cassete está na casa de duas de classe média, uma batalhadora e nenhuma raladora. O retrato mostra que os itens mais “tradicionais”, como telefone fixo, vídeo cassete e computador, não estão presentes em suas casas. Do mesmo modo, notebook e internet não são elementos tão significativos no universo das raladoras. Do ponto de vista de Grzybowski (2013, p. 99), “a democratização do acesso à informação entre nós não passou da popularização dos telefones celulares pré-pagos (uso caríssimo, por sinal) e pela compra facilitada de televisores cada vez mais sofisticados para ver a Globo e algo mais de nossa mídia altamente concentrada.” Percebe-se que esses produtos estão ou não na casa das diferentes classes não em função do preço que custam, mas pela importância que se dá a eles. Para as raladoras, que desenvolvem trabalhos braçais, o notebook, por exemplo, é pouco importante, duas nunca usaram a internet e duas o fazem pelo celular. Por outro lado, um maior conforto para ver TV, com o home teather, e a diversão dos filhos, com o vídeo game, são considerados importantes. Evidencia-se a presença da televisão e do rádio como mídias dominantes nesse grupo. Na televisão, a telenovela se mostra o produto mais importante, não havendo menções a telejornais, por exemplo. O rádio compõe a trajetória dessas mulheres, com destaque para o programa Love Songs, que carrega um significado afetivo, pelas lembranças e, provavelmente, pelo conteúdo romântico. O jornal, citado como preferência por uma entrevistada, é de consumo esporádico e se limita ao popular 702

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Diário Gaúcho. Destaca-se como seção favorita do jornal, a editoria policial, citada por todas, resumos de novelas, informe sobre signos e, aparece ainda, um espaço sobre “corações solitários”. Sobre a preferencias dos relatos policiais, Sunkel (2002) já destacava que esta pode ser atribuída à proximidade de suas respectivas vidas com o ambiente violento. Por último, a internet não foi acolhida pelas raladoras, uma vez que duas nunca tiveram a experiência de se conectar à rede e as outras duas que a acessam não o fazem rotineiramente, limitando-se ao uso do Facebook. Gostaríamos de encerrar chamando a atenção para a preferência pelo programa Love Songs, da rádio Cidade – constituído por músicas românticas, tradução de letra de música do inglês para o português, opinião sobre atualidades do apresentador e recados românticos –, referido por todas. O consumo do programa radiofônico sintetiza aquilo que diz Cook (2000, p. 100): “Nós gostamos do que gostamos não apesar da classe, mas porque isso expressa nossas diferenças de classe dos outros.” (COOK, 2000, p. 100). Assim, a escolha por esse programa mostra aquilo que esse grupo busca na mídia, que poderíamos resumir como uma mescla de diversão/entretenimento com informação/conhecimento. Mesmo no ano de 2014 (ano da pesquisa empírica), ouvir a tradução de letras de músicas e a leitura de cartas de amor faz sentido para mulheres na casa dos 30 anos, que, por um lado, não conhecem outras línguas e não acessam a internet para buscar o significado das músicas que ouvem; e, por outro, buscam nas histórias românticas compartilhadas no rádio um pouco do amor que lhes falta. Embora a carência ou romantismo não sejam exclusividade da ralé, Silva, Torres e Berg (2009), como exposto, destacam que a vivência do amor romântico acaba por ser improvável devido a determinadas condições objetivas de existência nessa classe. As histórias de vida das nossas entrevistas mostram essa dificuldade, todas tendo passado por experiências trágicas e dificilmente superadas. À mídia – nesse caso, um programa radiofônico – talvez elas destinem um pouco dessa tentativa de realização no plano do amor. Referências COOK, Jon. Culture, class and taste. In: MUNT, Sally (Ed.). Introduction. In: MUNT, Sally. Cultural Studies and the working class. London: Cassel, 2000. p. 97-112

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HAYLETT, Chris. ‘This is about us, this is our film!’ Personal and popular discourses of ‘underclass’. In: MUNT, Sally. Cultural studies and the working class. London: Routledge, 2000. p. 69-81 LINDLOF, Thomas R.; TAYLOR, Bryan C. Qualitative Communication Research Methods. 3. ed. Thousand Oaks: Sage, 2011. MATTOS, Patrícia. A dor e o estigma da puta pobre. In: SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 173-201

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SIFUENTES, Lírian. Telenovela e a identidade feminina de jovens de classe popular. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Santa Maria-RS: Universidade Federal de Santa Maria, 2010. SILVA, Emanuelle; TORRES, Roberto; BERG, Tábata. A miséria do amor dos pobres. In: SOUZA, Jessé. A Ralé brasileira. Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

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WRIGHT, Erick Olin. Class counts. Comparative studies in class analysis. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. LÍRIAN SIFUENTES Realiza pós-doutorado em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e atua como jornalista da TVERS. Possui doutorado em Comunicação pela PUCRS, tendo realizado doutorado sanduíche no Departamento de Comunicação da Texas A&M University. É mestre em Comunicação e jornalista pela Universidade Federal de Santa Maria. Integra o Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (USP/UFRGS) e o grupo de pesquisa Estudos e Projetos em Comunicação e Estudos Culturais (PUCRS). E-mail: [email protected]

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Sofrimento e Resistência Enunciados no Facebook: a Circulação da Experiência da Dor em “Eu Não Mereço Ser Estuprada” Marlon Santa Maria DIAS1

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul Resumo: Este trabalho reflete uma problemática da recepção examinada pelo lugar da circulação – sendo este não um lugar de passagem, zona intermediária entre as instâncias produtiva e receptiva, mas sim uma zona de intenso embate discursivo, produtora de divergências e complexidades. A partir de material coletado através de um mapeamento e de uma observação encoberta não participativa relacionados à mobilização “Eu não mereço ser estuprada”, que eclodiu no Brasil em março de 2014, analisamos as estratégias discursivas que compõem os processos de enunciação da mobilização dos atores e apontamos, especialmente, para a criação de redes interativas de aconselhamento e de trocas de experiência sobre as violências sofridas. Palavras-chave: circulação; midiatização; experiência; dor; estupro. 1 Introdução Em 28 de março de 2014, a jornalista Nana Queiroz publicou em seu perfil no Facebook uma fotografia tirada em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, na qual aparece seminua, da cintura para cima, cobrindo os seios com os braços, onde lemos a seguinte inscrição: “não mereço ser estuprada”. A imagem que circulou nas redes sociais digitais, nos sites de notícia, blogs e nos veículos de mídia tradicional era um protesto em resposta a uma pesquisa divulgada no dia anterior pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, cujos dados apontavam a concordância da maioria dos respondentes à afirmação: “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O protesto desencadeou a mobilização digital “Eu não mereço Marlon Santa Maria Dias – Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.

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ser estuprada”. A produção discursiva de atores, campos e mídias acerca dessa mobilização foi nosso objeto empírico de estudo no mestrado2 e, agora, no contexto desta Jornada, apresentamos alguns resultados a partir de um recorte com foco em uma problemática da recepção examinada por um outro lugar, o da circulação. Partimos de uma discussão sobre a midiatização da sociedade (VERÓN, 1997; SODRÉ, 2002; FAUSTO NETO, 2006, 2008; BRAGA, 2007), compreendendo-a como um fenômeno social, mas também enquanto os próprios mecanismos que a fazem funcionar, engendrando complexidades resultantes da instalação de novos modos de interação social (SODRÉ, 2002) e da transformação cada vez mais frequente de tecnologias em meios (FAUSTO NETO, 2008). Essas complexidades que envolvem processos midiáticos e sociais se desenvolvem em uma nova ambiência (midiatizada), que estrutura e organiza os sentidos e que se reconfigura a partir de operações midiáticas e de novas práticas de interação dos atores. Nesse cenário, desponta a problemática da circulação, que deixa de ser um lugar de passagem, em que os discursos transcorriam numa lógica linear, para se transformar no locus de um outro tipo de trabalho enunciativo dos atores (FAUSTO NETO, 2012). Essa nova atividade de circulação acentua a descontinuidade entre as lógicas de produção e de recepção, num processo de acoplamentos que, longe de apontar para uma convergência de sentidos, se realiza segundo postulados de divergência (FAUSTO NETO, 2015). Nesse sentido, o “Eu não mereço ser estuprada” se constitui por meio de discursos construídos através de um trabalho enunciativo próprio de diferentes sistemas, mas que se encontram e sofrem injunções desse atravessamento decorrente da atividade circulatória (DIAS, 2016). Por meio de uma observação encoberta não participativa (JOHNSON, 2010), coletamos postagens dos atores membros de um grupo de discussão do Facebook nomeado “Eu não mereço ser estuprad@ [OFICIAL]”, ambiente criado em decorrência da mobilização emergente. Elegemos o primeiro mês de observação do grupo para fazer o recorte e separar as postagens analisadas, que compõe o corpus analítico deste trabalho. Com o aporte teórico-metodológico da semiologia dos discursos sociais (VERÓN, 2005; PERUZZOLO, 2004), analisamos as estratégias discursivas que compõe os processos de enunciação da mobilização dos atores e apontamos, especialmente, para a criação de redes interativas de aconselhamento e de trocas de experiência sobre as violências sofridas. Nosso esforço se concentra, portanto, em compreender este receptor enquanto um “corpo-significante” (FAUSTO NETO, 2015), instância de produção e circulação de signos, que exterioriza signos de um trabalho enunciativo da dor. A partir da análise da interação discursiva, percebemos as relações entre aquilo que é vivido e o que é Este artigo deriva da dissertação de mestrado “A circulação de sentidos em Eu não mereço ser estuprada: uma leitura do acontecimento midiatizado”, defendida em março de 2016 no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, com financiamento da Capes. 2

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narrado pelas vítimas de abusos (DAS, 2007), as potencialidades dessas narrativas enquanto expurgação da dor e os arranjos dos atores interconectados em torno não só da resistência e do combate às opressões da sociedade machista, mas também na formação de redes de ajuda e luta.

2 A circulação na sociedade midiatizada

Ao acessarmos nossas contas em sites de redes sociais, deparamo-nos diariamente com uma infinidade de materiais e conteúdos advindos de polos de produção diversos. É uma explosão de fragmentos narrativos que trafegam em um ambiente de circulação complexo: desde de notícias e reportagens vinculadas aos conglomerados midiáticos tradicionais até material textual e audiovisual produzido pelos atores sociais, que versam sobre os mais diversos temas – da discussão política do momento a um relato íntimo sobre alguma situação vivida. Compreendemos que este complexo cenário tem relação com a intensificação do processo de midiatização da sociedade. Esse processo diz respeito às crescentes e progressivas afetações de lógicas de uma cultura midiática no ordenamento discursivo dos campos sociais, reconfigurando determinadas práticas. O conceito de midiatização é trabalhado a partir de diferentes perspectivas nas pesquisas no campo da comunicação. Neste trabalho, fazemos uma leitura do fenômeno em análise por um viés semiológico, com base sobretudo na obra de Eliseo Verón (1997, 2005, 2014). Na década de 1990, Verón (1997) publica um texto em que apresenta um esquema para a análise da semiose da midiatização. O esquema é composto por três círculos: o primeiro deles representa as instituições (ou campos); o segundo, as mídias; e o terceiro, os atores. Esses círculos estão todos postos em relação por duplas flechas, ou seja, relações recíprocas entre instituições, mídias e atores sociais. Este esquema, que embasou estudos posteriores, mostra a tentativa de Verón de analisar a partir de um olhar relacional a complexidade do fenômeno da midiatização e dos múltiplos aspectos de mudança social nas sociedades industriais. É a partir da leitura de Verón (1997) que Sodré (2002) propõe pensarmos na existência do que ele chamou de bios midiático, que se refere a uma nova ambiência em que os modos de vida são alterados e se passa a viver a realidade da mídia, dentro de uma cultura própria, a tecnocultura, em que os sujeitos entram em relação por meio de interações também peculiares, as tecnointerações. Para o autor, o processo de midiatização se refere à “articulação hibridizante das múltiplas instituições [...] com as várias organizações de mídia” (SODRÉ, 2002, p. 24) com atividades regidas por um código semiótico específico. A ideia de uma nova ambiência – no caso, midiatizada – aponta para a reconfiguração das práticas e do modo como as pessoas entram em relação, ou seja, interagem entre si. Nesse sentido, Braga (2007) propõe pensarmos a midiatização como um processo interacional de referência ainda incompleto. Para o autor, as 707

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relações sociais passam, cada vez mais, a serem orientadas por lógicas da mídia. Quando fala “de referência”, Braga sinaliza determinados processos definidores de lógicas que orientam os demais processos. A escrita tem sido o processo interacional, já foi a oralidade. Um processo não anula ou exclui o outro, mas se ajustam na sociedade midiatizada. Não é raro ver críticas que apontam para o caráter midiacêntrico do conceito de midiatização, ou seja, relacionando o uso do conceito a uma visão verticalizada de que as mídias seriam definidoras das práticas dos sujeitos. É, sem dúvida, um caminho fácil de seguir, sobretudo se considerarmos as intensas modificações advindas do avanço das tecnologias digitais de comunicação. O ponto que devemos considerar, todavia, é que essas tecnologias são menos definidoras e mais definidas pela própria invenção social dos atores, por meio de distintas formas de apropriação. Ademais, e segundo Verón (2014), o fenômeno da midiatização estaria mais relacionado aos processos de semiose social, entendendo-a como a exteriorização dos processos cognitivos na forma de dispositivos materiais. Por esse viés semioantropológico, os fenômenos midiáticos seriam uma característica universal de todas as sociedades humanas. Segundo o autor, as grandes transformações que aconteceram no decorrer da história da humanidade trariam a marca da adoção de um dispositivo técnico-comunicacional pelas comunidades. Assim, o ponto inicial da midiatização, para Verón, situa-se na indústria da pedra, no período neolítico, com a exteriorização de processos mentais na materialidade dos utensílios. Essas diferentes (e complementares) formas de entender a midiatização – enquanto processo, ambiência, fenômeno etc. – apontam para uma processualidade histórica no entendimento do conceito, enquanto marca de uma racionalidade que se intensifica nos dias atuais, em um contexto de sociedades industriais e pósindustriais. Nesse sentido, Fausto Neto (2008) distingue o que ele entende por “sociedade dos meios” e “sociedade midiatizada” (ou “em vias de midiatização”): na primeira, a mídia ocupa um lugar central, de mediação das simbólicas sociais entre os campos e os atores, enquanto na segunda a mídia já organiza discursivamente o funcionamento de outros campos sociais e suas lógicas afetam a sociedade, os sujeitos e suas práticas. Estaríamos, de acordo com o autor, vivenciando essa passagem. Para Fausto Neto (2006, p. 3), a sociedade midiatizada faz funcionar “um novo tipo de real, cuja base das interações sociais não mais se tecem e se estabelecem através de laços sociais, mas de ligações sociotécnicas”. Sua visão contraria as teorias que preconizavam uma unificação do consumo a partir da convergência tecnológica. Para o autor, a midiatização aponta para outro caminho, bastante complexo e incompleto, de descontinuidades e segmentação, uma nova forma de sociedade fragmentada e heterogênea. Desse modo, o autor percebe que há um processo de afetação que é estimulado pela midiatização, em que esta causa reconfigurações tanto

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nas práticas sociais dos atores sociais coletivos ou individuais quanto no próprio campo das mídias, através dos meios tradicionais de comunicação. A partir desse breve embasamento sobre midiatização, apontamos para uma problemática que desponta quando pensamos nas reconfigurações advindas de tal fenômeno: a ruptura da preponderância do polo de emissão, a proliferação de produções midiáticas daqueles que, tradicionalmente, ocupavam o lugar da recepção e as disjunções entre produção e recepção direcionam nosso olhar para as zonas de circulação, por onde trafegam esses sentidos. Os estudos pioneiros do campo apresentavam modelos funcionalistas que buscavam elucidar o modo como se efetivavam os processos de comunicação. Essa visão transmissional, mesmo que superada pelos estudos que vieram posteriormente, vigora ainda que implicitamente na forma como se observam tais fenômenos. Por muito tempo, produção e recepção foram vistas como polos estanques. Com a complexificação dos processos sociocomunicacionais, urge a necessidade de atentarmos para os deslocamentos dessas instâncias, assim como para as articulações observáveis na zona de circulação. Braga (2012, p. 39) salienta que, mais do que pensar na relação produtor/receptor, interessa refletir que a circulação ultrapassa a situação da recepção, afinal, o receptor “faz seguir adiante as reações ao que recebe”. A circulação deixa de ser um lugar de passagem, em que os discursos transcorriam numa lógica linear, para “se transformar num espaço de interfaces, segundo outro tipo de trabalho enunciativo, de natureza assimétrica cujas marcas de suas manifestações, geradas por produtores e receptores, se tornariam empiricamente mais visíveis” (FAUSTO NETO, 2012, p. 46). Não mais sob a égide das instituições, a centralidade das referências de inteligibilidade se desloca e as interações são dinamizadas por processualidades de ordem tecnodiscursiva. Assim, campos/instituições, mídias e atores produzem mensagens que seguem singulares processos discursivos e que tomam novas formas quando se embatem e são afetados pela complexidade do trabalho de circulação (FAUSTO NETO, 2015). O “Eu não mereço ser estuprada”, enquanto mobilização e acontecimento, é constituído por enunciações diversas e pulverizadas, a partir de um trabalho de circulação que põe em relação as instituições, como o Ipea, que realizou a pesquisa, a mídia e atores que integram o protesto. Se antes havia a dificuldade de fazer com que a produção discursiva dos atores sociais alcançasse um número considerável e disperso de pessoas, hoje esse cenário se modificou. É pensando nesses relatos das pessoas comuns, dessas vidas ordinárias, para lembrar Certeau (1998), que focamos essa reflexão nas narrativas que emergem nos ambientes digitais sobre a experiência de violências e violações contra mulheres. Descemos no cotidiano, como propõe Das (2007), mas é uma descida no cotidiano que emerge nas falas dessas mulheres que buscam compartilhar a radical singularidade da dor a partir de suas postagens.

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3 A experiência da dor Situações de violências são marcas da vida de muitas pessoas. Neste trabalho, especificamente, pensamos na violência contra as mulheres, que se manifesta de modos diversos e tem como uma de suas práticas mais devastadoras o estupro. A mobilização Eu não mereço ser estuprada nasce da coesão das vozes de mulheres indignadas, que vivem sob a frequente ameaça da violência. Podemos considerar, neste contexto, o estupro enquanto este evento crítico (DAS, 1996) que modifica profundamente a vida dessas mulheres violentadas e cujas marcas as acompanham cotidianamente. São marcas de sofrimento que precisam de expurgação, mas uma expurgação que não se resolve de uma hora para outra. A biografia dessas mulheres se amarra em torno da temática da violência (DAS, 2007). As violências a que as mulheres estiveram historicamente submetidas encontraram pouco espaço de reverberação e indignação ao longo dos séculos. As sociedades patriarcais, heteronormativas e machistas por muito tempo interditaram esses discursos, naturalizando a violência e impondo à mulher a culpa pelos abusos – pelo seu comportamento, pela sua vestimenta, pelos seus hábitos. Esse cenário vem se modificando, cada vez mais, por meio da luta de movimentos feministas, cujas articulações se modificam hoje em decorrência do contexto das tecnologias digitais. Se outrora essas mulheres só podiam guardar para si essa dor – que nem sempre se supera – e construir em cima dela novas formas de habitar o mundo, como nos mostra Das (2007), hoje há novos meios de se vivenciar e narrar esse sofrimento. Uma mobilização anti-estupro como o Eu não mereço ser estuprada nos mostra outros modos de organização e articulação dos atores sociais em torno de uma temática sensível: esses atores não só encontram formas de protestar, mas também de desconstruir ideias conservadoras e ainda perpetuadas por instituições e, claro, pelo próprio discurso midiático hegemônico. Em meio a esses embates, cujas lógicas se guiam por funcionamentos próprios da midiatização, identificamos a presença forte de narrativas biográficas que se ancoram em relatos de sofrimento, que não são mais guardados para si, mas compartilhados e espraiados nas redes digitais. Frente a esse cenário, em que as narrativas se complexificam e circulam seguindo rotas difusas, propomos a análise mais detida de um grupo de discussão criado no Facebook, intitulado Eu não mereço ser estuprad@ [OFICIAL], afim de identificar estratégias discursivas que apontam para a formação de redes interativas de apoio, aconselhamento e encorajamento no enfrentamento dessa dor. Utilizamos o material coletado durante um mês de observação sistemática de caráter encoberto não participativo (JOHNSON, 2010) no grupo. Na sequência, apontamos quatro estratégias discursivas identificadas a partir da observação e análise dos enunciados que denotam as práticas interativas atravessadas pela experiência dos atores ao narrar a dor. 710

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3.1 Estratégia de aconselhamento A estratégia de aconselhamento refere-se ao modo como determinados discursos se constroem a partir do acolhimento do outro, direcionando ações futuras e ressaltando que há aspectos positivos nesse outro sujeito. Em um grupo de discussão que se reúne em torno de uma temática da ordem do sensível, há muitas pessoas que relatam suas histórias de sofrimento.

Estamos juntas para reafirmar que a culpa não é nossa, nos empoderar. Esse espaço aqui é nosso, de denúncia, de amor e de acolhimento. E esse processo de construção feminista está lindo, continuemos assim. Sororidade sempre. Amo todas vocês! (E01, 31/03/2014)3 Não, meu bem, não tenha medo. Tenha força! Pra lutar a todo momento e poder ajudar a cada uma dessas meninas e também meninos que são violentados constantemente mentalmente e fiscicamente. [E02, 13/04/2014]

[...] Não assista a isso calad@. Denuncie, reaja, resista, lute! O mundo é o espelho das suas ações. Ou omissões. [E03, 01/04/2014]

O aconselhar refere-se a um movimento estratégico de construir um discurso que mostre, antes de tudo, que a mulher é vítima do abuso e que ela não deve se culpar por isso. Nessa estratégia discursiva, encontramos marcas discursivas de uma interlocução que insere o enunciador no mesmo grupo do destinatário, aproximando um do outro. Uma dessas marcas é a utilização do verbo na primeira pessoa do plural (“estamos”, “nossa/o”, “nos”, “continuemos”). Outra marca discursiva é a utilização da segunda pessoa, denotando a inserção do enunciatário no enunciado (“amo todas vocês!”). Além disso, em E02, percebemos o uso do vocativo “meu bem” para se referir ao enunciatário, um modo carinhoso de tratamento. Essas marcas, como afirma Peruzzolo (2004), constroem um efeito de aproximação que caracteriza a própria subjetividade. Além disso, a utilização de exclamações direciona o entendimento do leitor, marcando a interlocução. Outra característica da estratégia de aconselhamento é a utilização de verbos no imperativo (“tenha força”, “Denuncie, reaja, resista, lute!”), que marcam a necessidade de uma reação por parte da vítima em denunciar a agressão ou situações de abuso. A estratégia de aconselhamento está relacionada com a estratégia apresentada na sequência, o reconhecimento da potência de si, afinal, a intenção do conselho é fazer também com que a mulher encontre em si as potencialidades para viver plenamente.

Mantemos o anonimato das pessoas do grupo e identificamos os enunciados apenas por um número. Os grifos neste e nos demais enunciados são todos nossos. 3

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3.2 Estratégia de reconhecimento da potência de si Identificamos essa estratégia discursiva a partir da análise de enunciados que trazem a ideia de que a mulher pode ser o que quiser, reforçando a necessidade de coragem para resistir e combater opressões cotidianas. Em E04, podemos perceber essa estratégia em operação. O reconhecimento da potência é instigado aqui através de uma história de vida real, que por meio de sua enunciação busca convencer o outro de que é possível encontrar a força necessária para resistir dentro de si.

Queria agradecer ao movimento que, eu nem tinha ideia do quanto até o momento, mas me encorajou a não aceitar mais abusos e assédio na rua. Ontem, a caminho da faculdade fui assediada por um homem que falou obscenidades para mim no meio da rua e das pessoas como se fosse algo normal (infelizmente para ele era). [...] eu lembrei de todos os relatos e toda a revolta de vocês, mulheres corajosas que vemos todos os dias aqui, isso me deu uma força que eu nunca imaginei que eu poderia ter de fazer um escândalo onde eu estava e mostrar para todo mundo que “cantada” é assédio. (E04, 01/04/2014)

J., parabéns! É uma raiva imensa que a gente sente. Às vezes dá pra revidar, às vezes não dá (se a cantada vem, por exemplo, de um chefe ou de um cliente. Mas saber que a culpa não é sua é incrível. Queria que nenhuma mulher se sentisse culpada por esse tipo de situação. (E05, 01/04/2014)

O enunciador de E04 constrói o seu relato utilizando determinadas marcas que criam efeitos de real (PERUZZOLO, 2004) do ocorrido, como marcas de tempo, espaço e situação (“ontem”, “a caminho da faculdade”, “no meio da rua e das pessoas”, “eu estava”). Há também a inserção do enunciatário no discurso, com o uso recorrente do “vocês”, e adjetivando esse enunciatário, caracterizando-o como “mulheres corajosas”. Essa marca de interlocução aponta para quem especificamente este enunciado se dirige: a outras mulheres que possam se sentir encorajadas a também manifestarem-se discursivamente para resistir ao machismo. Em E05, temos uma das respostas ao E04, que enuncia uma satisfação em saber que a vítima não se culpabiliza pelo assédio e um desejo de que esse sentimento de potência seja mais recorrente entre as mulheres. Ao dizer “É uma raiva imensa que a gente sente”, E05 se coloca também no lugar de quem sofre com situação semelhante e que também teria uma história real para contar em relação a isso. Nessa estratégia discursiva de incluir-se no discurso do outro, vemos com recorrência o relato de histórias de vida, que estabelecem uma relação de proximidade com o enunciatário e buscam persuadi-lo da veracidade do que é dito a partir de um fato que ocorreu efetivamente. Os enunciados destacados reforçam esse sentido de apoio e solidariedade entre as mulheres. Como o grupo funciona como um espaço de compartilhamento de relatos e também de informações relacionadas à violência contra a mulher, encontramos discursos que trazem a marca da resistência e que se impõem como vozes que 712

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clamam por uma mudança. É o que percebemos em marcas do E06, quando o enunciador se coloca em relação de proximidade com o enunciatário, a partir da utilização da primeira pessoa do singular, e indica ações que devem ser feitas para que as mulheres se reconheçam livres e possam exercer essa liberdade sem mais se guiarem pelos “ensinamentos dessa cultura patriarcal, sexista e machista”. Somos maioria no país. Não podemos nos permitir ser manipuladas e dominadas pela minoria. Nem sou a favor da superioridade nem da inferioridade feminina. Sou a favor da igualdade de direitos. Que sejamos livres para nos expressarmos e agirmos da forma que nos convém e não de acordo com os ensinamentos dessa cultura patriarcal, sexista e machista. Ser mulher não me torna inferior, culpada. #orgulhodesermulher #guerreira #independente #livre (E06, 31/03/2014)

N: Eu ouvi barbaridades vindas de mulheres, meninos, homens, mais eu já disse, não ficarei calada, não vou deixar minhas amigas\mães\filhas sofrerem, Bandeira erguida!!! A. Você não está sozinha, N.! Isso só acontece porque sempre ficamos caladas!!! Agora gritamos!!! N. Sabe a minha felicidade? Diretor, professores, funcionarios, estão lutando junto comigo na escola! A. E nós também! Mesmo de longe [E07, 01/04/2014]

No E07, por sua vez, percebemos a interação entre dois enunciadores, identificadas aqui como N. e A. O diálogo se refere à comemoração de N. por conseguir espaços em sua escola para falar sobre feminismo e conscientização acerca da violência de gênero. A. dirige sua fala diretamente à N., chamando-a pelo nome e usando o pronome “você”, o que marca as pessoas presente no discurso. Ao afirmar “agora gritamos”, A. reforça o sentido de que N. “não está sozinha”, pois denota a construção discursiva de mais de um enunciador (um eu e um tu), em que as pessoas daquele ambiente de interação constituem um coletivo que, mesmo distantes geograficamente, se unem em torno de um objetivo comum, caracterizando tal arranjo social como uma mobilização emergente (TORO; WERNECK, 1998) que visa à conquista de direitos de equidade social. O advérbio “agora” remete a algo que antes não ocorria, ou seja, a enunciadora avalia que no momento presente pode expressarse de forma distinta. Do mesmo modo, o “agora” também pode remeter ao fato de que nas redes sociais digitais há um espaço que possibilita expressões desse tipo e que é construído constantemente com a produção discursiva dos atores interconectados. 3.3 Estratégia de expurgação da dor

A estratégia de expurgação da dor é identificada em enunciados cuja intencionalidade aponta para a necessidade de transformar em discurso uma experiência sofrida. É frequente, no grupo, a ideia de que é necessário falar sobre o que se vivenciou de ruim para que a dor possa ir embora. Assim, os enunciados 713

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postados possuem marcas discursivas que remetem a uma função de cura e de abrandamento da dor.

Fui abusada ainda jovem, dentro da família. [...] Conto essa história porque não aguento guardar pra mim uma dor que é gigante. Por muito tempo me senti culpada e não falei pra ninguém. Até por vergonha do q aconteceu. Hoje não... conto pra não viver mais com isso. [...] espero q voces também contem, escrevam, mas não guardem mais essa dor (E08, 02/04/2014) Alguns anos atrás sofri um abuso, e ouvi: 'tb vc procurou!', detalhe: estava de calça, blusa fechada, tênis, cabelos presos... O argumento usado: "Foi no lugar errado, na errada"... Doeu, virei estatística! Mas, sinceramente superei, hj sou ativista declarada, sabem pq? Combato de uma forma ou de outra esse tipo de prática todas os dias, contudo, sei q é muito complicado, pq vem de toda parte as brechas machistas, da família, amigxs, trab...[...] Então, aprendi q devo conscientizar primeiro quem quer ser conscientizadx e utilizo a Lei qdo há necessidade p me defender e outras vítimas. (E09, 15/04/2014)

Eu peguei um ônibus quando tinha 16 anos [...] Era o primeiro ano que estudava longe de casa e precisava pegar transporte publico. [...] Um homem estrou e ficou em pé a meu lado. O espaço era muito pequeno, minusculo. [...] De repente senti que os dedos dele estavam abrindo meu ziper da calça, porque por conta do aperto ele posicionou a mao de tal forma que ficasse perto da minha vagina. Eu achei que era só um problema de posicionamento MEU, me mexi um pouco e me afastei. Ele continuou. [...] Ele me olhou nos olhos e me intimidou demais. [...] Eu NUNCA contei isso a ninguem, [...] até esse momento. sao 11 anos desde que aconteceu. Sabe como é alguém dizer que tanto faz a sua dor, que você nao entende do assunto, que você não sabe o que ta dizendo. EU SEI o que to dizendo. Eu espero que a causa continue, que de certo... [E10, 22/04/2014]

Nos três relatos postados no grupo de discussão do Facebook, percebemos que os enunciados são construídos na primeira pessoa, por se tratar de uma experiência pessoal e dita a partir do lugar singular de quem vivenciou a história. Há marcas, assim, da presença desse enunciador no discurso, que depois interpela o interlocutor (“espero q voces”, “sabem pq?”, “Sabe como é alguém dizer que tanto faz a sua dor [...]”) declarando anseios em relação às ações dos destinatários ou questionando e impondo a esse enunciatário a função de colocar-se em seu lugar (por meio de questionamentos e a referência a ‘vocês’), criar empatia, procurar colocar-se no lugar do outro, mesmo que a experiência da dor seja singular. É notável nos enunciados o objetivo de mostrar que a libertação da dor é um trabalho coletivo e que, dentro do grupo, isso é possível de ser realizado através de discursos que remetem a trocas de experiência. As dinâmicas interacionais do grupo permitem que as histórias sejam publicadas e que, ali mesmo, se crie uma rede discursiva que remete à estratégia de aconselhamento e reconhecimento do potencial de si, enquanto respostas aos relatos de abuso, como percebemos em E11. [...] que relato maravilhoso! Nossa! Enquanto eu lia o teu texto, vieram várias situações que eu passei (e que como você mesma disse, infelizmente, é normal). Parabéns pela

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força, pela garra, e principalmente pela atitude!!!!! E com toda certeza: MACHISTAS NÃO PASSARÃO!!!! [E11, 01/04/2014]

A estratégia discursiva de expurgação da dor se constrói enquanto um relato narrativo, que busca contar uma história, sendo construída com elementos próprios da narrativa: verbos de ação, localização espaço-temporal, descrições dos ambientes, personagens e conflito. Implicitamente, os enunciadores dos relatos de abuso convocam o interlocutor a falar. A resposta esperada não é, diretamente, uma mensagem de conforto, mas sim um outro relato, até que não se tenha mais o que relatar, que não se tenha mais por que sofrer. Como Castells (2013) aponta, a indignação e a esperança é o que unem essas mulheres em torno desse protesto. A esperança, por fim, se resume a crer que crimes como os abusos cometidos contra elas não voltarão a acontecer e, se acontecerem, terão punições. Assim, o trabalho enunciativo de relatar os abusos sofridos se insere numa cadeia discursiva que tensiona a autoralidade da mobilização Eu não mereço ser estuprada. Ou seja, a centralidade do acontecimento não se detém em Nana Queiroz, jornalista que iniciou o protesto com a publicação de sua foto, afinal, outras pessoas se inserem no protesto e o apreende de diferentes modos. A autoralidade é movente e se dilui nos fluxos a partir do momento em que existe uma outra circulação (baseada na experiência) no grupo que faz com que Nana perca a autoralidade do acontecimento às dinâmicas sociais. 3.4 Estratégia de ajuda

A estratégia discursiva de ajuda refere-se a enunciados que apontam para a necessidade do outro na transformação de algo que diz respeito àquele que enuncia. É um clamor por auxílio, uma convocação do outro, para que este atente ao seu problema, atrelando este outro a algo que diz respeito à ordem do privado. De algum modo, assim, esses enunciados também questionam a própria função do grupo de discussão, trazendo para a pauta algo íntimo e inquerindo respostas.

Meninxs, peço a ajuda de vocês para divulgar o caso de estupro que ocorreu com uma conhecida da minha vizinha. Peço para que mesmo não morando no Rio de Janeiro compartilhem para dar visibilidade ao caso que ocorreu na região de Jacarepaguá. [E12, 24/04/2014]

Vamos ajudar esse pai que precisa de nós nesse momento delicado. Por favor, alguém??? (E13, 30/04/2014)

Nos enunciados destacados acima, temos enunciadores que clamam pela ajuda dos demais na divulgação e resolução de casos de violência. Em E11, o enunciador sinaliza a sua relação com a vítima (vizinha) e faz uma referência de real ao apontar a localização geográfica do fato (“região de Jacarepaguá”). O enunciador deixa claro que 715

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sua intenção é tornar o caso visível, com anseios de que a visibilidade possa trazer alguma resolução. No mesmo sentido, E13 enuncia de um lugar em que fala enquanto integrante de um coletivo. Ao dizer que aquele pai “precisa de nós” (em referência a um pai que procura justiça para o caso de violência contra sua filha), o enunciador lança aos integrantes a responsabilidade pela ajuda e reforça os sentidos sobre a função do grupo enquanto coletivo: a ajuda daqueles que se integram à mobilização por se sentirem afetados pelo que estava acontecendo. O acontecimento se constrói, assim, a partir da união desses discursos e da atorização dos que são afetados por ele, como percebemos também em E14. A esposa do meu primo teve que realizar o parto, e acabou por passar por momentos de tortura e dor, eu vim pedir uma ajuda de como reagir a casos de violência obstétrica. [...] vou chama-la de MÃE; MÃE passou por 19 horas de terror, MÃE ficou muitas horas numa maternidade numa cidade do interior do Ceará, [...] Forçando o parto, deitaram-na no chão, sentaram na barriga dela, puxaram a criança para fora, mas não conseguiram tira-la por inteiro e então a empurraram pra dentro de novo e só depois de tudo isso foi que a levaram para a mesa de cirurgia e fizeram um parto cesária. [...] MÃE se encontra traumatizada, sentiu muitas dores pós parto e com a barriga bastante inchada [...] A criança estava machucada e com algumas marcas suspeitas, eles alegaram que foi por conta do exame de sangue e não permitiram tirar fotos da criança nesses oito dias. Não sabemos o que fazer, como agir e como podemos processar, enfim, que atitude tomar, pedimos a ajuda de vocês, por favor! [E14, 17/04/2014]

O enunciador de E14 cria um texto narrativo, no qual relata os “momentos de tortura” pelos quais uma mulher (“a esposa do meu primo”) passou durante o parto. O enunciador constrói um texto em que relata a cronologia da situação e utiliza o recurso de nomear a personagem de seu relato como “MÃE” para não comprometer sua identidade. Ao nomeá-la dessa forma, cria um vínculo de identificação e afetação com as demais mães do grupo. MÃE passa a ser protagonista da ação. O homem recorre ao grupo para se informar como deve proceder para realizar a denúncia, o que denota que o enunciador construiu um sentido próprio para a finalidade do grupo que deveria se basear na ajuda mútua. O enunciador deixa claro que o texto é um pedido de ajuda e se utiliza de referências à realidade, como o lugar onde a situação ocorreu. Esse é recurso para atestar a veracidade do que está falando, especialmente porque o grupo é composto por pessoas de diversos lugares, sendo sua intenção convencer o interlocutor de aquilo que está sendo dito é verdadeiro. O relato quebra com o habitual do grupo no que se refere a relatos da ordem do íntimo, visto que não é uma mulher contando sua história, mas um homem relatando o abuso de um familiar e a aparente inoperância e irresponsabilidade das autoridades. As respostas dos outros atores direcionam para diversas atitudes, como as exemplificadas nos enunciados abaixo.

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Não sei se já comentaram. Denuncie no conselho de medicina regional. No site [...] do Conselho Federal de Medicina tem tudo explicado, vcs tem que ir na regional do local onde aconteceu. Coloquem o nome dos médicos. Detalhem tudo. (E acredito que vcs podem tirar fotos do seu filho sim). [...] Melhoras para todos da família. [E15, 17/04/2014] Mt triste,existem milhares de mulheres que passam por isso,e ninguém faz nada, que tal isso q aconteceu alcançar a mídia tbm?,tente denúnciar em algum programa de televisão tbm , isso deve mudar,boa sorte a você e parabéns pela sua atitude! [E16, 17/04/2014]

Em E15 e E16, vemos os enunciadores indicando maneiras para solucionar o caso apresentado em E14. Os verbos no imperativo presentes em E15 apontam uma ordem, um direcionamento daquilo que as pessoas envolvidas no caso da violência obstétrica devem fazer. Percebemos que a denúncia é o caminho apontados por ambos: em E15, vemos o enunciador enumerar o que deve ser feito para, em nível administrativo, punir os culpados; enquanto E16 sugere que o caso chegue até algum programa de televisão. Aqui, percebemos que existe o efeito de reafirmar a credibilidade e a importância da instância midiática tradicional (televisão) no confronto das opressões. Há um valor de visibilidade implícito no enunciado, que tensiona as relações existentes entre a produção discursiva dos atores e aquilo que pode ser produzido discursivamente pela mídia hegemônica. As interações discursivas proporcionadas pelo modo de organização do grupo e que são prescrições do próprio funcionamento do sistema midiático ocorrem de forma a alimentar uma cadeia discursiva diversa e ampla que se constitui a partir da ação dos sujeitos que ali se inserem. Com finalidades distintas, os enunciadores visam construir algumas relações com os outros: contar alguma experiência, compartilhar dúvidas e expectativas ou ainda para pedir orientações sobre como solucionar problemas. 4 Considerações Finais

A emergência da circulação na sociedade em processo de midiatização recoloca questões sobre a relação entre as instâncias de produção e recepção, ao mesmo tempo que desloca nosso olhar para zonas que antes eram apenas vistas como pontos de passagem. Partimos de um acontecimento específico, a mobilização Eu não mereço ser estuprada, para entender o modo como as tradicionais instâncias de emissão e recepção se encontram e fazem circular discursos que se embatem. Com o avanço das tecnologias digitais e as possibilidades interativas das redes sociais digitais, conseguimos observar alguns desses embates, bem como as articulações dos coletivos (de atores sociais) em torno da temática do estupro. É preciso destacar que o Eu não me mereço ser estuprada já se constrói enquanto acontecimento seguindo outra lógica que não mais a que guiava a sociedade dos meios, como diz Fausto Neto (2008), mas sim sob lógicas e injunções da 717

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midiatização. No trabalho que originou este relato (DIAS, 2016), observamos o complexo trabalho de circulação do acontecimento, que mobiliza diferentes sistemas – científico, institucional, midiático, dos atores sociais etc. A mobilização se inicia a partir de um ator social, se constitui pelas práticas dos demais atores e vai se construindo pela narração também da mídia tradicional, que tenta apreender o acontecimento a partir de seus regramentos próprios. Neste trabalho, detemo-nos em alguns relatos coletados num grupo de discussão, afim de compreender como a experiência da dor circula e constitui novos mundos a partir de sua narração. Identificamos estratégias discursivas que buscam fortalecer o próprio movimento a partir da união e da valorização do eu no e para o coletivo. Os fragmentos discursivos analisados se referem a discursos que se amparam na ideia de uma irmandade (sororidade) feminina necessária para o fortalecimento da luta e da própria manutenção da mobilização e do coletivo. Os sentidos de sororidade constroem o Eu não mereço ser estuprada por meio de vínculos estabelecidos entre os próprios atores, que enunciam suas histórias de vida e criam redes de aconselhamento. A narrativa de histórias de vida dos atores também produz marcas discursivas acerca de um modo singular de enunciar fatos vividos. Além disso, cada integrante do grupo elabora seus próprios sentidos acerca do que concebem ser a função do grupo (lugar para pedir aconselhamento, ajuda, tirar dúvidas e compartilhar experiências). São estratégias que visam exteriorizar signos de um trabalho de dor e criar redes de auxílio para vítimas de violência de gênero. A análise das estratégias discursivas mostra como o acontecimento ganha novos sentidos a partir da produção discursiva dos atores, que agregam informações e funções ao grupo e inserem relatos biográficos que “dão corpo” ao que o enunciado Eu não mereço ser estuprada simboliza. Essas enunciações possuem rotas de circulação próprias que são impulsionadas pelo trabalho de circulação midiática, mas não mais reféns da lógica dos tradicionais meios de comunicação, ou seja, os atores enunciam e – mesmo que não em dimensão comparável à mídia tradicional – conseguem mobilizar novos narrares e desestabilizar polos tradicionais de emissão e concentração da emissão. Referências

BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. In: MÉDOLA, Ana Sílvia; ARAUJO, Denize; BRUNO, Fernanda (org.). Imagem, Visibilidade e Cultura Mediática. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 141-167. ______. Circuitos versus Campos Sociais. In: MATTOS, Maria Ângela; JANOTTI JUNIOR, Jader; JACKS, Nilda (org.). Mediação e midiatização. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 31-52.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e esperança: Movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

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DIAS, Marlon Santa Maria. A circulação de sentidos em “Eu não mereço ser estuprada”: uma leitura do acontecimento midiatizado. 2016. 167 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação), Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2016.

FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização, prática social: prática de sentido. In: Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação e Comunicação (COMPÓS), 15, Bauru/SP. Anais eletrônicos. 2006. ______. Fragmentos de uma “analítica” da midiatização. Matrizes. São Paulo: ECA/USP, ano 1, nº 1, 2008, p. 89-105. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2014.

______. Narratividades jornalísticas no ambiente da circulação. In: PICCININ, Fabiana; SOSTER, Demétrio. (Org.). Narrativas comunicacionais complexificadas. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2012. ______. Recepção, 'corpo-significante' em circulação. In: BRIGNOL, Liliane Dutra; BORELLI, Viviane. Pesquisa em recepção: relatos da Segunda Jornada Gaúcha. Santa Maria: FACOSUFSM, 2015, p. 17-24. JOHNSON, Telma. Pesquisa social mediada por computador: questões, metodologias e técnicas qualitativas. Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

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______. Teoria da midiatização: uma perspectiva semioantropológica e algumas de suas consequências. Matrizes. São Paulo, n. 1, p. 13-19, 2014.

Autor

Marlon Santa Maria Dias é mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Graduado em Comunicação Social, hab. Jornalismo pela mesma instituição. Integra o grupo de pesquisa Circulação Midiática e Estratégias Comunicacionais (UFSM/CNPq). E-mail: [email protected]

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#primeiroassedio: quando a tela da TV é só o começo Sandra DEPEXE1 Gabriela GELAIN2 Luiza Betat CORRÊA3

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS Resumo: A partir da prerrogativa de que os estudos de recepção/consumo devem considerar o processo comunicacional sempre como uma relação, priorizamos, neste trabalho, investigar os usos e apropriações do Twitter e os sentidos circulantes na hashtag #primeiroassedio. Fomentada por um coletivo feminista, a hashtag foi uma reação a diversos comentários de caráter pedofélico divulgados na internet sobre uma participante de 12 anos de um popular reality show brasileiro. O caso nos mostra como a circulação de comentários sobre a programação televisiva nas redes sociais digitais pode motivar o debate e proporcionar visibilidade a questões sociais, como a cultura do assédio. Palavras-chave: recepção; Twitter; circulação; cultura do assédio; feminismo. 1 Introdução A noção de que a cultura da convergência (JENKINS, 2009) propicia o trânsito de audiências, de receptoras a emissoras (OROZCO GÓMEZ, 2011), é nosso ponto de partida para avaliar como a prática de consumo simultâneo TV-internet pode colocar em circulação e promover ações que extrapolam o conteúdo Sandra Depexe - Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Docente do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. 2 Gabriela Gelain - Mestranda em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 3 Luiza Betat Corrêa - Bacharel em Comunicação Social - Produção Editorial, pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. 1

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televisivo. Nos referimos aos comentários da audiência do programa televisivo Master Chef Júnior (Rede Bandeirantes, 2015), os quais colocaram em evidência a cultura do assédio, sobretudo de caráter pedofélico (TIBURI, 2015), e como essa visibilidade tornou-se instrumento para uma campanha em uma rede social online. De tal forma, o texto pretende compreender os usos e apropriações do Twitter4 e os sentidos circulantes na hashtag #primeiroassedio. Em 20 de outubro de 2015, ocorreu a estreia da versão infantil do popular programa culinário “Master Chef”. Denominado “Master Chef Júnior”, a primeira edição do reality reuniu crianças de 9 a 12 anos, as quais experimentavam o cotidiano de um chefe de cozinha. Como tradicionalmente ocorre com a versão adulta (VILELA; JEFFMAN, 2015), vários foram os comentários direcionados à exibição do programa na rede social Twitter. Ao mesmo tempo em que manifestações ressaltavam o nível dos concorrentes, se sobressaíram tweets com conteúdo sexual direcionados a uma das participantes, uma menina de 12 anos. No dia seguinte ao fato, o coletivo feminista “Think Olga” lançou uma campanha através da hashtag #primeiroassedio pelo Twitter, incentivando mulheres a compartilharem relatos da primeira vez em que foram assediadas, mostrando que os casos de ataque à crianças e adolescentes são comuns e não problematizados, tal como Saffioti (2004) problematiza. Neste contexto, notamos a apropriação do ciberespaço, neste caso do Twitter, como um ambiente que propiciou a circulação de ações feministas, como uma forma de ciberativismo e cidadania. Metodologicamente, este estudo de caso (BRAGA, 2008) enfrenta os desafios de se observar a circulação na internet, em um campo de pesquisa ainda incipiente (PIENIZ; WOTTRICH, 2014), que exige atenção quanto ao caráter privado e pessoal que as experiências monitoradas assumem e sua implicação ética (FLICK, 2009). Coletamos, por meio do software NCapture do NVivo, 18 mil tweets5 com a hashtag #primeiroassedio e como recorte empírico, optamos por analisar os comentários dos 30 usuários mais replicados de nossa amostra. A escolha se enquadra nas preocupações em avaliar como a rede social se dinamiza, a partir da noção de que a conectividade também é capaz de gerar liderança e “apoderamento de todos os participantes” (OROZCO GÓMEZ, 2014, p.142). A partir das auto-descrições na rede social, os 30 perfis selecionados foram agrupados em cinco categorias, que nos permitiu uma maior compreensão dos sentidos disseminados pelas mensagens criadas por estes perfis. Em relação aos tweets, constatamos que o conteúdo das frases envolviam relatos de assédio, a

Rede social digital em que os usuários podem enviar mensagens (tweets) com até 140 caracteres, e fazer o uso de marcadores temáticos (hashtags). Disponível em: . 5 Coleta realizada dia 22 out. 2015 às 19h25min, deste total 4.520 mensagens são tweets e 13.480 são retweets (mensagens replicadas). 4

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importância de denunciar, e críticas ao comportamento masculino em relação à hashtag e a cultura do assédio. Embora o tema tenha tomado visibilidade na rede, em sua circulação fica evidente a deslegitimação que as reivindicações feministas ainda sofrem, visto que o assédio às mulheres é tido como algo normal. 2 Circulação e sentidos: em busca de um método de pesquisa Uma das características da cultura da convergência, além dos suportes e tecnologias, está na origem dos fluxos de conteúdo. Se antes a indústria midiática era vista como a instância exclusivamente produtiva, agora a origem de conteúdo também se dá a partir da instância da recepção, sobretudo na internet, em que as ações de consumidores\receptores se tornam visíveis (JENKINS, 2009). Essa participação dos receptores como produtores esmaece, justamente, as delimitações entre quem produz e para quem se produz e indicia um “novo” lugar, em que os sentidos circulam (ESCOSTEGUY, 2009; FAUSTO NETO, 2009). Fausto Neto (2009) percebe a circulação como uma zona de passagem em que produtores e receptores põem sentidos em oferta pela exposição e composição de mensagens. Para Jenkins, Ford e Green (2014), a circulação corresponde a um modelo híbrido e emergente, mais participativo e desorganizado, em que os fluxos de mídia não são determinados apenas por um número reduzido de produtores como ocorrem em meios massivos de uma concepção “um para muitos”. Entretanto, é preciso lembrar que a pluralidade de emissores, embora propicie a dinâmica de “todos para todos”, não rompe com os modelos em que os fluxos comunicativos são “um para todos”, “um para um” ou “um para poucos” (COGO; BRIGNOL, 2010). Ou seja, a internet se constitui por seus usos e estes constituem a circulação dos mais variados assuntos no ciberespaço. Dentre os usos da internet, nos chama atenção o consumo simultâneo da televisão e de redes sociais digitais, fenômeno que vem sendo designado por social TV (GALLEGO, 2013), uma vez que se vincula à socialização em rede por meio da interação a respeito do conteúdo televisivo (VILELA; JEFFMAN, 2015). Em outras palavras, social TV indica um modo de uso de diferentes telas que propicia a circulação dos sentidos que os telespectadores constroem sobre aquilo que veem, fazendo jus à proposição de trânsito de audiências, de receptoras a emissoras (OROZCO GÓMEZ, 2011). O entendimento de que o receptor televisivo oferta sentidos a serem (re)elaborados por outros receptores faz com que a experiência compartilhada no “ver e comentar” seja exemplar para pensarmos os usos sociais da televisão na contemporaneidade e implica em uma tomada metodológica complexa.

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Como apontam Pieniz e Wottrich (2014), os estudos sobre recepção na internet ainda são incipientes e notadamente “trata-se, muitas vezes, de um processo de descobrir novos caminhos metodológicos para esse campo de pesquisa recente” (PIENIZ; WOTTRICH, 2014, p.84). Como sugerem as autoras, a aproximação dos estudos de recepção com outros campos que se dedicam à internet, como a cibercultura, pode trazer avanços na tentativa de dar conta a objetos de natureza fluída e de caráter impermanente, sujeitos a disponibilidade técnica (FLICK, 2009). Por entendermos que na internet os limites do campo “não podem ser definidos com antecedência, uma vez que apenas tornam-se claros durante o estudo” (FLICK, 2009, p.247), e que a circulação proporcionada pelo fenômeno de social TV é indiciária dos modos pelos quais a recepção televisiva consome e se apropria da produção midiática, assumimos, neste texto, o método do estudo de caso. Conforme Braga (2008), os estudos de caso têm se revelado propícios à produção de conhecimento em comunicação, justamente por permitir captar indícios de casos singulares, tal como o que deu origem a hashtag #primeiroassedio, e, especificamente, os sentidos que circulam nesta hashtag, nosso objeto de estudo. Como dito anteriormente, a hashtag #primeiroassedio surgiu em uma campanha do coletivo “Think Olga” como forma de apropriação e resposta à circulação de comentários de caráter pedofélico (TIBURI, 2015) observados no Twitter sobre uma participante do reality show brasileiro “Master Chef Júnior”. Isto é, a partir do social TV há exposição da cultura do assédio e, por outro lado, através do própria rede social digital é fomentada a possibilidade de debate para o problema, permitindo engajamento, empoderamento e consciência, entre outros sentidos, como veremos a seguir. 3 Cenário empírico e indicações metodológicas O “Think Olga” é um projeto com viés feminista, criado pela jornalista Juliana de Farias, em abril de 2013, com o objetivo de desenvolver conteúdos que reflitam e tratem com seriedade assuntos relativos à complexidade feminina. A hashtag #primeiroassedio foi criada pelo coletivo um dia após as manifestações de conteúdo sexual direcionadas a uma participante de 12 anos do reality show “MasterChef Júnior”.

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Através da tag, a criadora do projeto compartilhou seu primeiro caso de assédio6 e os demais que ocorreram ainda na infância e na adolescência, procurando incentivar outras mulheres a também compartilharem relatos e mostrar a opressão sofrida. O coletivo relatou no Twitter, por exemplo, casos de mulheres que sofreram seu primeiro assédio com cinco anos de idade e questionou a forma como os homens tratam essas manifestações como “brincadeiras”. Em seis dias, conforme levantamento do “Think Olga”, foram contabilizadas mais 82 mil réplicas da hashtag, entre tweets e retweets. Junto a isso, através de uma análise de 3.111 histórias realizadas pelo próprio coletivo, foi constatado que a idade média do primeiro assédio é de 9,7 anos e que cerca de 65% dos assédios são cometidos por pessoas conhecidas. Nesta pesquisa nos dedicamos ao espectro de comentários circulantes na rede sem o contato entre as pesquisadoras e os usuários, isto é, a coleta dos dados foi realizada por meio da extensão NCapture do software NVivo, com atenção “ao que foi dito” e não a “quem disse”. Embora os materiais coletados estivessem disponíveis em perfis abertos, julgamos ideal manter no anonimato a autoria dos comentários que foram selecionados para o corpus de análise deste texto. A única exceção está nos casos de exemplificação do funcionamento da rede, em que reconhecemos a atividade de instituições, pessoas públicas, perfis fake e “pessoas comuns” na circulação de hashtag #primeiroassedio. Assim, em linhas gerais, prevalece a incerteza quanto à identidade dos usuários da rede social digital que utilizaram a hashtag, respeitando a implicação ética da pesquisa na internet (FLICK, 2009). Além do método de estudo de caso (BRAGA, 2008), nos filiamos à Análise de Redes Sociais (ARS) como técnica para visualizar a amostra obtida por 18 mil tweets que coletamos no dia 22 de outubro de 2015, ou seja, um dia após o lançamento da campanha pelo coletivo "Think Olga". Nesse aspecto, assumimos que nossas observações partem já de um recorte da realidade e dizem respeito unicamente aos dados verificados nesta amostra e não tem a intenção de servir como aporte generalista sobre a atividade no Twitter acerca da hashtag #primeiroassedio. A ARS, como explicam Fragoso, Recuero e Amaral (2011), não é restrita a um único método e parte do princípio de que as estruturas decorrentes das ações e interações entre os sujeitos é reveladora de especificidades e generalizações. Dessa forma, uma rede social é uma metáfora estrutural, em que nós (sujeitos, temas ou instituições) se conectam: “Quando focamos um determinado grupo como uma 6 Informação disponível em: http://thinkolga.com/2015/10/26/hashtag-transformacao-82-mil-

tweets-sobre-o-primeiroassedio/. Acesso em: 26/07/2016.

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‘rede’ estamos analisando sua estrutura. De um lado, estão os nós (ou nodos). De outro, as arestas ou conexões” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p.115-116). Em termos operacionais, o NVivo serviu para coletar os tweets da busca simples por hashtag #primeiroassedio. Os 18 mil comentários foram compilados e exportados para o Excel7, onde separamos os tweets dos retweets, segundo a indicação de origem obtida pelo NCapture. Nisto, obtemos 4.520 tweets e 13.480 retweets (sendo 1.501 o número de mensagens retweetadas excluindo as repetições). Esse alto índice de retweets nos leva a pensar que a rede e a circulação são, em parte, estruturadas pela replicação das mensagens e optamos como recorte empírico investigar os 30 usuários mais replicados da amostra e seus tweets. Assim, buscamos complementar a análise da ARS com uma especificidade comunicacional: os sentidos em circulação na rede. Para tanto, no NodeXL8 inserimos as informações referentes aos retweets, trabalhadas no Excel, de modo que os nomes dos usuários se tornassem nós e as relações entre eles, arestas. Nos detemos às relações firmadas entre o usuárioautor e o usuário-replicador da mensagem, isto é, entre aqueles que tweetaram e aqueles que retweetaram a mesma mensagem para compreender a circulação da hashtag em sua esfera interacional no Twitter. Por fim, esses arquivos do NodeXL foram exportados para o Gephi9 com a finalidade de criar os grafos e possibilitar a análise estrutural dos sociogramas via ARS. Retomando as diretrizes da ARS, podemos afirmar que a circulação se dá pelos sujeitos, construindo as redes de conexões e sentidos dos usos e apropriações da hashtag e do Twitter. Passamos, a seguir, aos achados empíricos acerca dos perfis e dos sentidos em circulação. 4 #primeiroassedio: sentidos circulantes Em vistas de se compreender como se estrutura a circulação da hashtag #primeiroassedio no Twitter, cabe observarmos como se dão as relações entre os comentadores na formação da rede social. Optamos por avaliar, com base na ARS, quais usuários do Twitter tomam papel central na disseminação de comentários sobre a tag, a partir da análise das mensagens replicadas. Dessa forma, operacionalizamos a construção de sociogramas, em que cada ponto no grafo

O Microsoft Office Excel é um software de planilha eletrônica que permite criar planilhas, calcular e analisar dados. 8 O NodeXL é modelo gratuito do Excel, criado em código aberto, que gerencia e cria gráficos com dados de redes sociais digitais. 9 O Gephi é uma plataforma gratuita de visualização interativa e de exploração de todos os tipos de redes e sistemas complexos, dinâmicos e gráficos hierárquicos. 7

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corresponde a um usuário do Twitter e as arestas que os unem estabelecem a dinâmica do retweet. Utilizamos como referência apenas os retweets, os quais correspondem a 6.506 diferentes usuários do Twitter (nós) conectados em 13.480 relações (arestas). Optamos por construir grafo dirigido, em que o autor original do tweet direciona aos seus retweetadores o fluxo das conexões. A partir do Gephi manipulamos os dados em função o grau de saída, o qual indica quais perfis foram os mais retweetados e o modo como se conectam aos outros usuários na rede social. Aplicamos o layout de distribuição Yifan Hu para demonstrar a proximidade entre nós que são conectados por arestas, formando clusters, e afastar aqueles com poucas conexões. Quanto maior e mais próxima do vermelho for a cor, maior é o seu grau de saída. Quanto mais aproximar-se do azul e diminuir em tamanho, menor é o grau de saída, logo, menos retweets recebeu, como ilustra a Figura 1.

gura 1: Sociograma: grau de saída na rede #primeiroassedio Fonte: imagem obtida por manipulação dos dados no Gephi.

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Após a identificação dos 30 perfis mais retweetados e uma análise das autodescrições que os mesmos apresentam na rede social digital, foi possível a realização de uma classificação destes perfis em cinco categorias: “institucional”, “fakes”, “pessoa não pública”, “pessoa pública/celebridade”, e “sem identificação”10. A categoria “institucional” agrupou entidades e órgãos públicos governamentais. Em "fake", aqueles perfis que se apresentam “como o de outra pessoa que não ela, fingindo ser algo que não é” (AMARAL; SANTOS, 2012, p.644). Na categoria “sem identificação” estão os usuários os quais a recuperação de informações no Twitter não foi possível, seja por terem os perfis banidos ou excluídos. As categorias que mais abarcam usuários foram denominadas de “pessoa pública/celebridade” e “pessoa não pública”. No caso da primeira categoria, compreende os usuários que possuem grande número de seguidores, sendo figuras públicas “aquelas pessoas que ocupam cargos ou posições que dizem respeito à vida coletiva de uma sociedade [...] bem comum e interesse público, necessitando dar transparência às suas ações e delas prestar contas à coletividade” (FRANÇA, 2014, p.16-17). Já o termo celebridade remete a “alguém que se torna conhecido por muitas pessoas, reconhecido por aquilo que é ou faz, cultuado enquanto uma certa excepcionalidade digna de admiração e reverência” (FRANÇA, 2014, p.19). As demais pessoas que não se encaixavam nesses requisitos, foram classificadas na categoria conseguinte e correspondem a “pessoas comuns”. É importante frizar que, embora tenhamos identificado perfis institucionais, celebridades e pessoas públicas, a quantidade de retweets atingidos por eles não são superiores àqueles alcançados por “pessoas comuns”. Pelo contrário: usuários com baixo número de seguidores conseguiram, na nossa amostra, maior visibilidade que muitos perfis de celebridades, por exemplo. A proposição de que “retweets are driven by the content value of a tweet”11 (CHA et al, 2010, p.17) reforça, em nosso entendimento, a importância de adotar abordagens de pesquisa que procurem dar conta tanto do aspecto estrutural quanto do significante nas relações na internet. Nessa perspectiva, consideramos válido atentarmos não apenas para os perfis dos usuários, mas investigar o conteúdo dos comentários que mais circularam. Optamos por apresentar em categorias as formas dos sentidos que verificamos nos 96 tweets originários dos 30 usuários mais replicados da nossa amostra e ilustrar esses sentidos com a exposição de algumas mensagens em cada forma de sentido verificada. Agrupamos nesta categoria aqueles perfis os quais a localização na rede social Twitter não foi possível (como perfis excluídos e banidos). 11 Tradução nossa: retweets são impulsionados pelo valor do conteúdo do tweet. 10

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4.1 Sentido de verdade: relatos de assédio A primeira forma de sentido identificada nos tweets elucida o “sentido de verdade”, pois apresenta relatos de assédio vividos ou reflexões acerca da forma como ocorrem os assédios em sociedade. Em sua maioria, os relatos partem daqueles perfis categorizados como de “pessoa não pública”. Segundo Tiburi (2015), o assédio é um dos padrões culturais que aparecem em todas as esferas da vida, desenvolvido nas relações humanas onde estão as questões morais e sexuais; é uma prática de opressão onde o assediador é o indivíduo que pressiona a vítima (o assediado) a realizar a sua vontade, tratando-o como um objeto. Se não foi quando criança, vai ser adolescente. Adulta. Toda mulher vai sofrer assédio um dia. #PrimeiroAssedio

triste de ver é q a maioria dos 1 assédios acontece quando se tem menos de uns dez anos, ruim em qlqr idade, mas ai é pior #primeiroassedio só uma mulher sabe o quanto é aterrorizante passar no meio de um grupinho de homens, só uma mulher #primeiroassédio

Entre 8/9 anos esperando meu pai em frente a padaria. Um grupo de homens ficou falando baixarias enquanto ofereciam o pinto #PrimeiroAssédio

Nota-se nos depoimentos a baixa idade de ocorrência de assédios, o que nos leva a ver que “O caráter, por assim dizer, pedofélico, de todo assédio tem a ver com essa aparência de fraqueza do próprio ato que se dirige a alguém inimputável e que, de algum modo, precisa consentir com o que se faz com ele” (TIBURI, 2015, p.103). Ainda, conforme a autora, é na infância que a noção de subjetividade é fundada e a mesma participa ativamente das funções de discernimento, julgamento e reflexão que acometem todos os âmbitos da vida. Soma-se a isso o fato de que “raramente uma mulher, seja criança, adolescente, adulta ou idosa, sofre violência por parte de estranhos. Os agressores são ou amigos ou conhecidos ou, ainda, membros da família” (SAFFIOTI, 2004, p.92). A noção de que cedo ou tarde toda mulher passará por uma experiência de assédio, que pode ou não, assumir a forma de violência física ou sexual, revela certo conformismo e indignação, visto que o assédio é reconhecido desde a infância e, infelizmente, não há idade para o fim, tal como alguns tweets12 corroboram. Assim, o assédio “é uma violência que se esconde na aparência de impotência para a violência. Que se mascara no enredamento pseudossedutor”(TIBURI, 2015, p.102).

Optamos por manter a grafia original dos tweets, incluindo erros de escrita, abreviações, sinais gráficos e gírias. Igualmente, mantemos em anonimato a origem ou autoria dos comentários. 12

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4.2 Sentido de informação: a importância de denunciar e conectividade na rede Dentre os tweets de nossa amostra também foram identificados aqueles que rementem à importância da denúncia, incentivando-a, e explicitam a conectividade na rede em seu caráter informativo. Nessa categoria são majoritárias as mensagens vindas de instituições, organizações e coletivos. A utilização da rede social digital para evidenciar a cultura do assédio e trabalhar a importância do mesmo ser rebatido leva-nos a pensar o ciberespaço como um lugar que possibilita a expressão da cidadania. Conforme Peruzzo (2012), a World Wide Web revolucionou as relações sociais e culturais ao servir o interesse público e favorecer a construção coletiva do conhecimento. Especialmente no contexto feminista, a internet tem se mostrado como o principal meio para a circulação das ideias e ações feministas (CANCLINI, 1998). Tais noções nos aproximam da ideia de ciberativismo - uma forma de ativismo desempenhada por meios eletrônicos - que proporciona transparência na informação, considerada um direito humano. O ciberativismo surge como uma opção real para o movimento feminista, por exemplo, “sendo fundamental a participação do usuário em discussões e apresentações de conceitos e temas polêmicos. Isso pode ser observado em diversas páginas do tema, com milhares de curtidas, onde a discussão se torna diária através dos posts, fotos e compartilhamentos”. (CÂMARA, 2016, p.677). se você por algum motivo acredita que o feminismo é desnecessário ou desconhece suas razões, leia a tag #primeiroassedio e reflita Assédio sexual não é "brincadeira" ou algo "normal". Denuncie! #PrimeiroAssédio #Disque100 https://t.co/ddqnPQsl61

#DISQUE100: Por mais que não se queira lembrar. Não é assunto para se esquecer. #PrimeiroAssédio https://t.co/43W9viMTdH

Matéria do @brasilpost sobre nossa hashtag #PrimeiroAssedio https://t.co/k9GcTjcZJn

Notamos que o perfil do Portal Brasil, o mais retweetado no nosso conjunto de dados, fez 8 postagens com uso de imagens e, em algumas delas, anuncia o número telefônico para a realização de denúncias por meio da hashtag #disque100. Ademais, acreditamos que o referido perfil tenha se apropriado da hashtag #primeiroassedio para dar visibilidade à peças gráficas de uma ação já existente e promovida pelo governo federal. Ainda no viés da visibilidade, os tweets do perfil fomentador da hashtag, o “Think Olga”, busca constantemente a divulgação da tag, explicitando o 10

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desempenho da mesma no Twitter ou em outros tipos de mídia digital, como a publicização de links que remetem à notícias em sites ou mapas sobre a violência contra a mulher. Isso reforça o ciberativismo e há, na propagação de casos de assédio, uma forma de encontro e conectividade em rede de semelhantes, ou seja, de mulheres que compartilham a mesma dor e trauma de terem sofrido assédio. 4.3 Sentido de descrédito: ação dos homens frente a #primeiroassedio

Junto às duas formas de sentido já citadas, há também o senso de descrédito ao objetivo proposto pela campanha. Um dos exemplos vem de uma “pessoa pública/celebridade”, o vocalista da banda “Ultrage a Rigor”, Roger Moreira, que escreve sobre sua “suposta primeira experiência sexual” aos 10 anos de idade, atribuindo um caráter jocoso a hashtag #primeiroassedio. Sendo uma figura pública, o tweet do mesmo obteve 131 retweets. Outro tweet bastante replicado, vindo de um perfil categorizado como “fake”, mantém o tom de piada iniciado por Roger, citando-o. Em outra mensagem o mesmo perfil faz alusão à gordofobia e à sexualidade feminina. Conforme as características atribuídas a esse tipo de perfil, ele se utilizou de seu caráter anônimo para também reforçar e propagar o desmerecimento à campanha feminina, visto que possuem um número bastante elevado de seguidores no Twitter. Ou seja, “na frente do computador, nos sentimos seguros. Assim como nos sentimos diante da tela da televisão. A segurança é uma ilusão, mas a ilusão da segurança é o que nos convém” (TIBURI, 2015, p.139). #primeiroassedio Acho que eu tinha uns 10 anos. Uma empregada me deixou pegar nos peitos dela. Foi bom pra cacete.

REVOLTADO COM ESSE TUITE DO @ROXMO COMO PODE O CARA TER TANTA SORTE NA VIDA #primeiroassedio https://t.co/XKl9uJUW4m EU TINHA 17 ANOS ESTAVA EMBRIAGADO NA DISCOTECA QUANDO UMA OBÊSA ME AGARROU E MAIS TARDE ME ESTUPROU ISSO ACONTECE ATÉ HOJE #primeiroassedio

Se a tela transmite segurança e uma aparente liberdade de expressão, por outro lado, disfarça uma problemática experimentada cotidianamente por centenas de mulheres. Consideramos adequado denominamos as formas de sentido contidas nessas mensagens como “descrédito”, pois “como todo discurso, as piadas também carregam e reforçam uma série de valores culturais. No caso de piadas e brincadeiras machistas, o valor é, obviamente, a misoginia - a raiz de todos os tipos de violência contra a mulher” (LARA et al, 2016, p.197). De acordo com Oliveira e Dickson (2016), o homem macho, o seguidor do machismo, tem um semblante forte, é opressor, não se vincula às suas emoções, 11

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causa medo e aparece em todas as classes, em inúmeros tipos de discursos. É o homem que traz a comida, a segurança e organização a casa, ao lar. “O machismo não é um movimento social, não sendo ele caracterizado com a união de homens em prol de algo benéfico para um grupo de pessoas, e sim uma prática cultural, enraizada historicamente em homens e mulheres do mundo todo” (OLIVEIRA; DICKSON, 2016, p.2). 4.4 Sentido de consciência: críticas à cultura do assédio e reconhecimento do problema

Como último sentido identificado em nossa amostra, temos a categoria de “sentido de consciência”. Aqui, o conteúdo analisado versa a respeito de críticas ao comportamento masculino em relação às posições que os mesmos tomavam quanto à hashtag #primeiroassedio. Além deste, há o reconhecimento da existência da cultura do assédio em nossa sociedade. Neste contexto é importante ressaltar que a sociedade do assédio forma pessoas capazes de produzir o assédio. E de consentirem com ele. É como se surgisse uma autorização instaurada na esfera social - que cada um introjeta, ao tratar o outro como coisa -, para que não se valorize o outro como sujeito de direitos. O assediador age como o aval da falta de reconhecimento - de respeito e até de empatia para com o outro - como prática generalizada ao nível da cultura (TIBURI, 2015, p.101).

Os tweets de nossa amostra, em sua maioria, remetem a esta forma de sentido, ao exemplo de uma tomada de consciência acerca da reprodução da cultura do assédio e das dificuldades em se romper a naturalização com que o tema é tratado, inclusive na mídia. É esse sentido de consciência que revela o empoderamento feminino, a possibilidade de voz, trazendo significado ao compartilhamento de experiências e vivências como algo coletivo. A noção de consciência é reforçada quando verificamos que a origem majoritária dessas mensagens vem de perfis de “pessoas não públicas”, ou seja, mulheres “reais” que assumem seu lugar de fala e enfrentam aquilo que é silenciado e negligenciado. "ensine a sua filha a se vestir direito pra ela não ser estuprada" - cara ensina você ao seu filho a não estuprar, grata #primeiroassedio O homem deveria se por no lugar da mulher, e sentir o constrangimento dela em diversas coisas que para eles são "normais” #primeiroassedio

Me faltam palavras para descrever um homem que faz piada com uma tag dilacerante como #primeiroassedio - o sujeito tá fora da humanidade.

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Continuem brincando com a tag #primeiroassedio, homens. Vocês só mostram pra gente o quão necessária é a luta.

Cabe lembrar que “a naturalização do abuso pode se dar por meio do uso de expressões que mascaram a carga de violência desses casos, como ‘forçar sexo’, em vez de ‘estuprar’; ‘crime passional’, em vez de ‘feminicídio’; ‘cantada’, em vez de ‘assédio’” (LARA et al, 2016, p.196). Segundo Oliveira e Dickson (2016), a questão do estupro muitas vezes aparece como um ato sexual “comum”, uma vez que a sexualidade do homem pode ser pensada como a metáfora de apoderamento do corpo do outro/da outra. Ao darem voz a esse problema social, os sujeitos, especialmente as mulheres envolvidas na disseminação da hashtag #primeiroassedio mostram que este ato, mediado por uma tela, é “o mesmo que nos faz flertar, transar e até amar com sinceridade digital pessoas que nunca vimos [...] é o nosso novo modo de ser” (TIBURI, 2015, p.139). Ou seja, o aspecto impessoal, frio e distante com que a ambiência digital muitas vezes é descrita, torna-se calorosa e humana: um “estar junto” na dor e na luta. 5 Considerações finais

Ao trabalharmos com as noções de cultura da convergência (JENKINS, 2009), social TV (GALLEGO, 2013) e trânsito de audiências (OROZCO GOMES, 2011), procuramos problematizar a circulação e o consumo simultâneo de TVinternet. Comentários de caráter pedofélico (TIBURI, 2015) sobre uma participante do reality show da Rede Bandeirantes “Master Chefe Júnior” fomentou uma campanha online com a hashtag #primeiroassedio, em que mulheres foram incentivadas a relatarem seus primeiros casos de assédio. Desta forma, nos empenhamos em compreender os usos e apropriações da plataforma Twitter e os sentidos que circularam com a disseminação da tag. Assim, entendemos que o consumo simultâneo de TV-Internet não está desvinculado do sistema de valores e crenças da cultura da recepção, e ao acompanhar uma hashtag ou “assunto do momento”, temos a dimensão do que está circulando e sendo falado e, ao mesmo tempo, abre-se espaço para uma reação imediata. Logo, a circulação mostra-se como um espaço para a manifestação de todos, evidenciando a disputa de sentidos nas mensagens. O machismo, presente em valores e cultura da recepção, foi visibilizado em comentários sobre um programa de TV e motivou uma tomada de posição e oposição a esse sistema, fazendo da forma de dominação um meio para transformação. As manifestações no Twitter mostraram a necessidade de se problematizar o assédio, as raízes patriarcais e a importância e necessidade do feminismo em nossa sociedade. Os relatos compartilhados expõem como o assédio é 13

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invisibilizado e naturalizado, principalmente através da ridicularização pela qual o movimento passou. Ao mesmo tempo, o ato serviu para expor a cultura do assédio e criar uma rede de acolhimento, reconhecimento e apoio do outro. Por fim, o ciberespaço inova nas relações sociais e culturais ao contribuir para o interesse público e na construção coletiva de conhecimento. A internet se mostra como meio para as ideias feministas circularem, além de ser um espaço para ações organizadas, os ciberativismos. Referências AMARAL, A.; SANTOS, D. M. Fakes no Twitter e apropriações identitárias: contribuições metodológicas para a coleta e análise de perfis. In: Contemporânea: comunicação e cultura. v.10, n.03, set-dez 2012, p. 642-667.

BRAGA, J. L. Comunicação, disciplina indiciária. Matrizes. Revista do Programa de PósGraduação em Comunicação da USP. v 1, n.2, 2008, p.73-87.

CÂMARA, M. T. P. Ciberativismo feminista: uma análise da página "Feminismo sem demagogia - Original". Revista CIAIQ 2016 Atas - Investigação Qualitativa em Ciências Sociais. v.3, 2016.

CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 2 ed. São Paulo: Edusp, 1998.

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COGO, D.; BRIGNOL, L. D. Redes sociais e os estudos de recepção na internet. In: Anais do XIX Encontro da Compós. Rio de Janeiro: Compós, 2010.

ESCOSTEGUY, A. C. Quando a recepção já não alcança: os sentidos circulam entrea produção ea recepção. E-compós, v. 12, n. 1, p. 1–15, 2009.

FAUSTO NETO, A. Olhares sobre a recepção através das bordas da circulação. In: Anais do XVIII Encontro da Compós. Belo Horizonte: Compós, 2009. FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

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GALLEGO, F. Social TV Analytics: nuevas métricas para una nueva forma de ver televisión. Index.comunicación, v. 3, p. 13–39, 2013

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JENKINS, H. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009.

JENKINS, H.; FORD, S.; GREEN, J. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014. LARA, B. et al. #Meu amigo secreto: feminismo além das redes. [Não Me Kahlo]. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2016.

OLIVEIRA, T. B.; DICKSON, M. Ciberativismo Feminista e o Movimento 'Vamos Juntas?'. In: Anais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Norte. Boa Vista, RR: Intercom, 2016. OROZCO GÓMEZ, G. La condición comunicacional contemporánea. Desafíos latinoamericanos de La investigación de las interacciones en la sociedad red. In: JACKS, N. et al. (Orgs.). Análisis de recepción en América Latina: un recuento histórico con perspectivas al futuro. Quito-Ecuador: CIESPAL, 2011. p. 377–408.

_____. A explosão da dimensão comunicativa: implicações para uma cultura de participação das audiências. In: ROCHA, R. M.; OROFINO, M. I. R. (Orgs.). Comunicação, consumo e ação reflexiva: caminhos para a educação do futuro. Porto Alegre: Sulina, 2014. p.129150. PERUZZO, C.M.K. A comunicação no desenvolvimento comunitário e local, com cibercultur@. In: Anais do XXI Encontro Anual da COMPÓS. Juiz de Fora: Compós, 2012.

PIENIZ, M.; WOTTRICH, L. H. Receptores na Internet: desafios para o contexto de trânsito das audiências. In: JACKS, N. (Org.). Meios e audiências II: a consolidação dos estudos de recepção no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2014. p. 73–94. SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

TIBURI, M. Como conversar com um fascista. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.

VILELA, M. D.; JEFFMAN, T. M. W. A cozinha pós-moderna do MasterChef Brasil: Social TV e mídia que se propaga no Twitter. Sessões do Imaginário. Ano 20, n. 34, Porto Alegre: Edipucrs, 2015, p.54-62

Autores

Sandra Depexe: Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Docente do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM e vice-líder do grupo de pesquisa Usos Sociais da Mídia (UFSM\CNPq). E-mail: [email protected]

Gabriela Gelain: Mestranda em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Integrante do grupo de pesquisa CultPop e faz parte da equipe executiva da KISMIF Conference em Portugal. E-mail: [email protected] Luiza Betat Corrêa: Bacharel em Comunicação Social - Produção Editorial, pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. E-mail: [email protected]

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ARTIGOS COMPLETOS #8 Recepção em Jornalismo

Crítica da Mídia em Circulação Antonio CANDIDO¹

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo/RS Resumo: Este texto aborda efeitos da midiatização na relação da sociedade com meios de comunicação, notadamente no que se refere à crítica da produção midiática. Utiliza o episódio provocado pela iniciativa de Veja.com ao publicar um perfil de Marcela Temer, mulher do vice-presidente da República, e as reações que a matéria ocasionou — tanto por parte de atores sociais, quanto de outros setores da mídia. Identifica e analisa transformações nas relações do público com as informações que são postas em circulação, enfocando a recepção de notícias e sua ressignificação. Palavras-chave: Comunicação; Midiatização; Circulação; Crítica da mídia. 1 Introdução O processo comunicacional já foi visto pelo mundo sob o prisma das ciências exatas, definido como um fluxo linear e unidirecional que cessa quando a mensagem chega a seu destino. No final da década de 1950, o matemático e engenheiro elétrico norteamericano Claude Elwood Shannon, secundado por Warren Weaver, apresentou ao mundo a teoria matemática da comunicação, ou teoria da informação, que pode ser compreendida neste esquema, conforme Wolf (2008, p. 109):

______________________________ ¹ Mestrando em Ciências da Comunicação no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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A fonte produz a mensagem; um aparelho transmissor a codifica em sinais e envia por um canal (meio) até um aparelho receptor; este decodifica os sinais e a reconstrói, possibilitando que o destinatário receba o que lhe foi passado. Comunicar se resumia à reprodução, em um ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, de uma mensagem selecionada em outro ponto. O objetivo de Shannon era projetar um quadro que possibilitasse transmitir o máximo de informação com o mínimo de distorção, no menor tempo e a maior economia possível de energia, levando em conta a possibilidade de perturbações contingentes — os ruídos. Seus estudos não estavam voltados às relações e interações humanas. Para ele, o conteúdo da mensagem não tinha importância. “Sua teoria absolutamente não leva em conta a significação dos sinais, ou seja, o sentido que lhe atribui o destinatário e a intenção que preside a emissão”. (MATTELART, 1999, p. 60). Embora de grande importância para as telecomunicações por dar origem a um conceito quantitativo de informação, uma magnitude física extensiva, esse pensamento ganhou força e atravessou diferentes escolas e linhas de pesquisa em ciências humanas por décadas. 2 Midiatização e circulação

Essa abordagem do receptor como mero absorvedor de conteúdos e assimilador automático de sentidos não reconhece que o público reage ao que chega até ele — que não deixa de observar, comentar e levar adiante, em conversas cotidianas, suas considerações sobre o que leu, ouviu, viu ou assistiu. Isso só começa efetivamente a ser tratado de forma diferente quando a comunicação deixa de ser vista pelos pesquisadores como um processo instrumental dominado pelos meios. Nos anos 1980, Martín-Barbero observa que o eixo dos estudos deveria ser mudado. O objeto está em como as pessoas se comunicam entre si. Fala de uma esfera mais complexa, em que os meios não seriam nem veiculadores nem gestores isolados das operações de sentido, mas em interação com outras dinâmicas socioculturais. “Então, a noção de comunicação sai do paradigma da engenharia e se liga com as ‘interfaces’, com os ‘nós’ das interações, com a comunicação-interação, com a comunicação intermediada”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 153). Conforme Braga (2012, p.33), “essa percepção é relevante, não apenas porque põe em cena o receptor integrado em seus ambientes – mas também porque começa a fazer perceber os processos midiatizados”. Na sociedade em midiatização, processos intensos e acelerados de tecnologias convertem-se em meios e suas dinâmicas afetam não apenas a esfera específica dos meios, mas a organização social e a relação dos indivíduos entre si, dos indivíduos com as instituições e as práticas sociais. As pessoas passam a ter condições de produzir e difundir largamente conteúdo sobre mensagens recebidas Fausto Neto² (2008b, p. 93) considera que a estrutura sociotécnica-discursiva _________________________

² Este artigo dialoga com várias obras de Braga e Fausto Neto que, mesmo não citadas ao longo do texto, estão registradas nas referências bibliográficas.

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toma como referência a cultura midiática, produzindo zonas de afetação em vários níveis da organização e da dinâmica da própria sociedade. A comunicação passa a ser vista como resultado da circulação, o terceiro polo em que ocorre o encontro entre a oferta e a apropriação, com suas gramáticas e lógicas diferenciadas, um espaço que não é nem uma, nem outra. A circulação as coloca em pelo menos duas situações: de um lado, as põe em contato, mas, por outro, faz com que se movam em dinamicidades próprias. É essa interdiscursividade que faz a comunicação. Como define Mouillaud (2012, p. 161), “o jornal só é um jornal junto ao seu leitor: são, cada qual, as duas metades que devem ser reunidas. Acreditar que o jornal existe por si só é confundi-lo com sua materialidade de tinta e de papel”. A circulação complexifica os papéis ao organizá-los segundo novas dinâmicas de interface, deixando de ser um elemento invisível nessa nova ambiência. É uma zona de contato em que essas assimetrias, esses feixes de relações, produzem sentidos.

Esquema para análise da midiatização

Ao apresentar esse diagrama, Verón (1997, p. 15) mostra que não há processos lineares de causa e efeito na comunicação, mas um emaranhado de circuitos de feedback. O autor chama a atenção para a complexidade interna de cada um dos três setores assinalados, das influências das instituições umas sobre as outras, as mudanças nos vínculos entre si. E chama a atenção para o caráter duplo das setas de interligação. Não se sabe como cada polo vai reagir, a intercambialidade é uma interrogação quanto aos resultados. As duplas setas do esquema de Verón ilustram que os usuários também produzem manifestações sobre o que recebem e que podem ser estratégias desviantes em relação ao oferecido pelo emissor, ou pontos de fuga. Fica claro que há bifurcações, desdobramentos, que a produção discursiva é relacional, não apenas direcional. 3 Circulação e crítica

Em 18 de abril deste ano — dia seguinte ao que a Câmara Federal aprovou o encaminhamento do processo de impeachment da presidenta Dilma Roussef para o 738

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Senado —, a versão online da revista Veja publicou um perfil da esposa do vicepresidente da República. Intitulado “Marcela Temer: bela, recatada e ‘do lar”, o texto provocou, nas redes sociais, a reação de incontáveis pessoas, anônimas e famosas, contra seu conteúdo. Marcela Temer é uma mulher de sorte. Michel Temer, seu marido há treze anos, continua a lhe dar provas de que a paixão não arrefeceu com o tempo nem com a convulsão política que vive o país – e em cujo epicentro ele mesmo se encontra. [...] Marcela se casou com Temer quando tinha 20 anos. O vice, então com 62, estava no quinto mandato como deputado federal e foi seu primeiro namorado. [...] Marcela é uma vice-primeira-dama do lar. Seus dias consistem em levar e trazer Michelzinho da escola, cuidar da casa, em São Paulo, e um pouco dela mesma também (nas últimas três semanas, foi duas vezes à dermatologista tratar da pele). [...] “Marcela sempre chamou atenção pela beleza, mas sempre foi recatada”, diz sua irmã mais nova, Fernanda Tedeschi. “Ela gosta de vestidos até os joelhos e cores claras”, conta a estilista Martha Medeiros. [...] Marcela é o braço digital do vice. Está constantemente de olho nas redes sociais e mantém o marido informado sobre a temperatura ambiente. Um fica longe do outro a maior parte da semana, uma vez que Temer mora de segunda a quinta-feira no Palácio do Jaburu, em Brasília, e Marcela permanece em São Paulo, quase sempre na companhia da mãe. [...] Michel Temer é um homem de sorte. (LINHARES, 2016).

A repercussão foi imediata. As críticas sobre o aspecto político da matéria — que concentravam-se no argumento de que buscava fortalecer a figura de Temer, em contraposição à de Dilma, na disputa pela faixa presidencial — rapidamente foram ultrapassadas pelas reações ao que foi considerado seu caráter sexista. Como diz Fausto Neto, na circulação “as intenções de origem perdem força, uma vez que são entregues a outras dinâmicas que fazem com que produção e recepção não possam mais controlálas, bem como os efeitos que presumem estabelecer sobre discursos” (2010, p. 9). A toda hora, surgiam comentários e memes contestando o material publicado por Veja, ou simplesmente fotos de homens e mulheres satirizando a revista. A hashtag “#belarecatadaedolar” identificava a sintonia das manifestações. Uma ferramenta para adicionar os dizeres às fotos, um tumblr e pelo menos três eventos no Facebook também foram criados. A profusão dos memes como forma de crítica à mídia, aliás, merece um estudo específico, a ser feito em outro artigo. A seguir, quatro exemplos dos memes que circularam pelas redes sociais em resposta à publicação.

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A movimentação foi tamanha que provocou a produção de matérias sobre o acontecido em diferentes meios. Em Zero Hora, Itamar Melo escreveu “Entenda a polêmica após matéria com perfil de Marcela Temer”. O texto de três páginas, com o título "Bela, recatada e do lar", teve o poder de desencadear uma onda massiva de reações, mobilizando desde adolescentes até senhoras, e alcançando também consideráveis parcelas do público masculino. O motivo: o texto foi entendido como a suprema celebração da mulher-bibelô — dócil, submissa e sem ambições profissionais. [...]Na segunda-feira, apareceram as primeiras postagens. Na terça-feira, começaram a estourar, até viralizar. (MELO, 2016).

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A repercussão foi internacional, especialmente pela ironia que marcava os memes que circularam nas redes sociais naqueles dias. Na Forbes eletrônica, o texto de Shannon Sims (2016) tinha como manchete “The Hilarious Feminist Backlash To Brazil's Impeachment Fallout”³, e aponta “The underlying idea is that a good woman must stay quiet and simply accompany a man”4. Na edição brasileira de El País, matéria de Camila Moraes (2016) intitulada “A fúria cômica das redes contra o ‘bela, recatada e ‘do lar” registra que “um perfil da ‘Veja’ de Marcela Temer, eventual nova primeira dama do país, convulsiona as redes sociais”. Houve também abordagens políticas, comunicacionais, sociológicas, semióticas, psicanalíticas, entre outras, sobre a matéria e suas repercussões. Em Carta Capital, Djamila Ribeiro (2016) escreve “fica evidente a tentativa da revista de fazer uma oposição ao que Dilma representa. Uma mulher aguerrida, forte, fora do padrão imposto do que se entende que uma mulher deve se comportar”. O site humorístico Sensacionalista (2016) fez uma paródia, intitulada “Bela, recatada e inflável: o perfil da mulher de político perfeita”. Escrita por M. Zorzanelli, diz que “a boneca inflável Michelle é uma boneca de sorte. Seu dono, o deputado federal Tonho do Açougue (PQ-PR) dá provas de que a paixão não arrefeceu nem nos tempos de crise.” Na sequência, surgiu a crítica da crítica. Análises sociológicas, por exemplo, traziam outros olhares sobre a polêmica provocada pela matéria. Como a entrevista feita por Néli Pereira (2016), da BBC Brasil, com a historiadora Mary Del Priore. “Para uma das principais pesquisadoras da história das mulheres brasileiras, as críticas seriam originárias em sua maioria das capitais e do Sudeste do país e refletem uma visão ‘intolerante’ sobre o modo de vida de uma parcela significativa da população”. Houve, também, quem refutasse as críticas e tenha se manifestado para dar total apoio à Veja. Como informou o jornal O Povo (2016): “Mulher de Malafaia contra-ataca campanha "Bela, Recatada e do Lar". No texto, explica que “[...] esposa do pastor Silas Malafaia, lançou campanha nas redes sociais que [...] convoca mulheres a divulgarem a hashtag felizPorSerMulherEsposaMãeDoLar”. 4 Conclusões e questões O material aqui apresentado traz uma pequena amostra do que circulou a partir do perfil de Marcela Temer publicado em Veja, registrando que houve críticas à matéria feitas por pessoas e grupos sociais, e também por meios de comunicação. A reação coletiva chamou a atenção da mídia, inclusive internacional, que, ao falar sobre reações à matéria da revista, faz também a crítica. A situação logo provocou novas vertentes de juízos, fossem análises feitas por especialistas de campos específicos ou manifestações pessoais contra as contestações às ideias presentes no _________________________

³ A divertida reação feminista a sequelas do impeachment no Brasil. (Tradução nossa). 4 A ideia implícita é que uma boa mulher deve ficar quieta e simplesmente acompanhar o homem. (Idem).

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texto inicial. Algumas dessas manifestações pessoais foram também noticiadas por meios de comunicação, ampliando ainda mais a circulação e a produção de sentidos. Nessa nova ambiência midiatizada, a crítica às práticas jornalísticas realizada pelo público ganhou novos espaços. Braga (2002, p. 14) defende que se substitua a “percepção de relação mídia/sociedade como um processo binário entre produção e recepção por uma proposta ternária envolvendo três subsistemas com incidências mútuas: processos de produção, de recepção e crítico-interpretativos”. Para esse autor, o feixe de relações gerado a partir da processualidade das críticas pode levar à qualificação do conteúdo da produção midiática. Sob esse ponto de vista, assemelha-se ao que defende Fontcuberta (2006) quando escreve que, ao interpretar e selecionar o que lhes é ofertado, as pessoas desenvolvem suas próprias identidades, numa interação que pressiona a mídia a ponto de levá-la a modificar a produção. “Es difícil imaginarse un periódico de calidad sin un lector que se la exija permanentemente. El buen periodismo necesita de la interacción con un receptor competente para serlo”5. (FONTCUBERTA, 2006, p. 51). Braga (2002, p. 17-18) é enfático ao argumentar sobre o que vê como o real valor da crítica: Assumimos assim uma premissa de que o mais relevante no trabalho da crítica não é oferecer afirmações peremptórias que digam o que é e como funciona a mídia; mas sim a possibilidade de contribuir com critérios diversificados, procedimentos e “vocabulário” para que os usuários da mídia exerçam e desenvolvam sua própria competência de seleção e de interpretação do midiático; e para que participem com eficácia do debate social sobre a mídia.

Com a midiatização, não foram apenas as condições do ofício do jornalista que se modificaram, como aponta Fausto Neto (2012b). Também os atores sociais ganharam força em suas críticas. Mesmo que o teor destas não tenha mudado, como questiona Marcondes Filho (2002, p. 17) ao perguntar “em que consistem hoje as formas de crítica às atividades mediáticas? Em nada diferente do que sempre consistiram as críticas à dominação, às manobras da manipulação, aos processos de autoimposição de verdades.” Se o teor das críticas ainda não evoluiu, é possível supor que também a mídia — e a sociedade que ela representa — pouco tenha mudado em seus conteúdos e proposições. O que mudou foi o entendimento que os estudos sobre comunicação têm trazido a respeito de como se dão os fluxos comunicacionais e que a recepção não fica inerte, simplesmente absorvendo o que lhe é entregue. Mesmo quando um produto midiático gera tantas repercussões e controvérsias, não se pode esperar que essas críticas tenham algum efeito perceptível nos meios. Os resultados mais positivos podem aparecer na visão de mundo de pessoas que percebam que têm condição de tornar público, em grande alcance, o que pensam sobre o que a mídia oferece. __________________________

É difícil imaginar um jornal de qualidade sem um leitor que a exija permanentemente. O bom jornalismo necessita da interação comum receptor competente para sê-lo. (Tradução nossa).

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El receptor complejo es el que se aproxima a los medios con la exigencia de encontrar no solo información sino significados. Es el que no se conforma con la recepción pasiva de un mensaje, sino que indaga, contrasta, compara, evalúa y extrae sus propias conclusiones. Es decir, accede a un tipo de conocimiento distinto al que le ofrecen cada uno de los medios. 6 (FONTCUBERTA, 2006, p. 52).

Como já visto aqui, a circulação complexifica os papeis de produção e recepção. A complexidade que identificamos hoje caracteriza a sociedade, embora não esteja presente no que, via de regra, a mídia dominante — da qual a revista Veja faz parte — oferece. No entanto, essa multiplicidade se apresenta na crítica, que traz, com suas heterogeneidades, a multiplicidade de visões. Os atores sociais saem dos espaços prédeterminados, sempre mediados, pelos jornais (seção de cartas, conselho de leitores, ombudsman) e ganham condição de determinar suas intervenções. De fazerem suas próprias mediações. Mais do que conclusões, essas constatações remetem a outras perguntas: que sociedade emergirá da midiatização? Que leitores, ouvintes e telespectadores estão sendo formados?

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O receptor complexo é o que se aproxima da mídia com a exigência de encontrar não apenas informação, como também significados, é o que não se conforma com a recepção passiva de uma mensagem, mas que indaga, compara, avalia e tira suas próprias conclusões. Ou seja, alcança um tipo de conhecimento diferente do que lhe oferecem cada um dos outros meios. (Tradução nossa).

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Biografia do autor: Antonio Candido é natural de Porto Alegre/RS, tem mais de 30 anos de experiência profissional em diferentes áreas de Jornalismo e Publicidade, principalmente em redação de roteiros de videoproduções e assessoria de comunicação. Graduado em Comunicação Social pela UFRGS, tem especialização em Assessoria em Comunicação e Política pela Universidade de Santa Cruz do Sul — UNISC. É mestrando em Ciências da Comunicação na Unisinos e pesquisa sobre os efeitos da midiatização em meios impressos. Contato: [email protected]

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O leitor no jornalismo digital: o caso El Comercio e suas publicações no Facebook sobre os vendedores informais de sucos de laranja de Quito Bruno Santos N DIAS1

Universidad Andina Simón Bolívar, Quito, Equador Resumo: O presente trabalho investigou participação do leitor no jornalismo contemporâneo através de sua atuação nas redes sociais digitais a partir dos conteúdos noticiosos produzidos pelo jornal El Comercio (Quito-Equador) e sua interação com os leitores na polêmica surgida em publicações no Facebook sobre os vendedores informais de sucos de laranja. O objetivo é analisar como é a relação entre produção jornalística e interação com leitores. A partir da discussão dos conceitos de midiatização, circulação e enunciação se busca compreender como os jornais são afetados pela lógica digital e como isso transforma a relação como o público. Observou-se que El Comercio considera a reação dos no momento de escolher os temas e a abordagem de suas publicações. Palavras-chave: leitores; Facebook; interação; midiatização; circulação. 1. Introdução

Desde o início de 2016 se observou o crescimento do número de vendedores informais de suco de laranja pelas ruas de Quito, capital do Equador. Neste período era quase impossível caminhar algumas quadras pela cidade e não encontrar algum deles. Por se tratar de vendedores informais, não há nenhum padrão de produção, seja em processo, higiene ou qualidade. Porém, o produto se tornou popular entre os que transitam pela cidade e, segundo um censo realizado pela Polícia Metropolitana, em maio de 2016 a cidade contava com 430 comerciantes dedicados à atividade. Em 03 de maio o jornal El Comercio compartilhou em sua página no Facebook uma matéria com a notícia de que um terço destes produtos, segundo um estudo do governo municipal, não estava apto para o consumo. A publicação gerou um volume 1

Bruno Santos N Dias – Graduado em Comunicação Social - Jornalismo, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestrando em Estudos de Recepção, Universidad Andina Simón Bolívar – UASBEcuador.

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intenso de interação nas redes sociais, com muitos comentários críticos ao jornal. Depois desse acontecimento o jornal compartilhou outros conteúdos relacionados ao tema e que, de igual maneira, provocaram reações diversas em seus seguidores no Facebook. Tomando como referência este fenômeno, o presente trabalho procurou analisar a interação entre o jornal e seus leitores no espaço digital para pensar a participação da recepção na produção dos conteúdos do jornal. O objetivo principal é verificar se os leitores, por meio de sua atuação no Facebook, determinam os temas e/ou abordagens dos conteúdos publicados pelo diário. Para isso, partimos da perspectiva que nos propõe a deia de midiatização, que considera a sociedade contemporânea orientada pela lógica da comunicação e tecnologias midiáticas para, a partir daí, discutir os conceitos de circulação enunciação e fluxos, e também refletir a respeito da maneira como os processos de enunciação atravessam o fazer jornalístico e compõem a lógica de produção de notícias. Refletimos também sobre as mudanças que tem experimentado o jornalismo a partir do advento das novas tecnologias de informação e como isso se relaciona com a sociedade midiatizada. Nesse contexto, o trabalho analisa as características do fenômeno estudado: o jornal El Comercio e sua relação com os leitores no Facebook. O período estudado foi de 03 de maio, quando se publicou a primeira matéria sobre o tema, ao dia 09 do mesmo mês. A partir de uma análise detalhada dos conteúdos e reações dos leitores e seus comentários no Facebook referentes ao tema, propõe-se um diálogo entre os resultados encontrados e as conceptualizações teóricas. 2 Perspectivas teóricas

2.1 O processo de midiatização Vivemos em uma sociedade onde a presença da mídia é constante e intensa. Tal presença afeta e reconfigura as relações sociais de uma maneira que mesmo quando não estamos produzindo ou consumindo conteúdos midiáticos, somos atravessados por eles. Eliseo Verón (VERÓN, 1997) nos alerta que os meios de comunicação estão associados à produção tecnológica de mensagens surgidas a partir do século XX e que geram os processos e comunicação midiática. Para o autor, “la comunicación mediática es esa configuración de medios de comunicación resultantes de la articulación entre dispositivos tecnológicos y condiciones específicas de producción y de recepción, configuración que estructura el mercado discursivo de las sociedades industriales” (VERÓN, 1997). A comunicação midiática, contudo, segue em ritmo progressivo de mudança, que, além de reorganizar os mecanismos e processos de produção e circulação das mensagens, a torna cada vez ainda mais presente em nosso dia-a-dia. Dessa maneira, podemos compreender por midiatização a presença constante da lógica da comunicação midiática -e não apenas da tecnologia e meios de comunicação- nas relações sociais. É importante dizer também que este processo não é vertical, da mídia para seus consumidores. Primeiro porque a ideia de meios de comunicação que utilizamos aqui, tomando como referência a contribuição de Verón, não está necessariamente relacionada a uma instituição, mas à tecnologia da comunicação (ainda que consideremos o primeiro fundamentalmente importante). 749

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Segundo porque, mesmo que os meios estejam no centro do processo, a midiatização ocorre de maneira horizontal, em fluxos não-lineares. Una nueva tecnología de comunicación no determina, lineal y mecánicamente, prácticas sociales específicas de producción y de consumo, aunque el discurso tecnocrático que acompaña la difusión de nuevos dispositivos pueda estar tentado de alimentar esa ilusión (VERÓN, 1997).

Na era digital, o processo de midiatização reformula os protocolos de produção e recepção das mensagens e sugere outra relação entre os sujeitos do processo comunicacional. Dessa maneira, a prática jornalística se vê influenciada pela midiatização, onde, em tempos de internet e redes sociais, a interação e o imediatismo são uma exigência e elementos essenciais. 2.2 Comunicação na era digital

Como dito, a sociedade contemporânea viveu mudanças significativas neste último quarto de século. O processo de midiatização se acelerou exponencialmente e os avanços tecnológicos e o acesso cada vez mais fácil aos mecanismos de produção e circulação de conteúdos midiáticos revolucionaram a relação entre quem produz e quem consome produtos comunicacionais. Atualmente, qualquer telefone que é comercializado nas sociedades industrializadas dispõe de câmeras de vídeo e fotografia, além de acesso a internet, o que pode transformar qualquer pessoa que esteja em poder de algum destes aparatos em um produtor e emissor de conteúdo. É natural que essa nova realidade afete também, ou principalmente, os meios tradicionais e as corporações por trás deles, além dos profissionais que se dedicam a esse ofício. A ideia da comunicação como um processo linear, de um emissor a um receptor, há tempos se tornou obsoleta. Hoje, a comunicação é compreendida como dinâmica e cada vez mais horizontal. Segundo Fausto Neto (2008), isso pode ser compreendido como uma "nova ordem comunicacional", que é estudada a partir de perspectivas distintas e que chamam a atenção a uma problemática: (…) na qual as mídias deixam de ser uma «variável dependente», um «subsistema a serviço de uma ação social organizada», conforme situam os funcionalistas. Ou ainda «aparelhos», «instrumentos de poder», como preferiam as percepções estruturais. Conceitos novos aparecem para tornar mais inteligível este fenômeno (FAUSTO NETO, 2008, p. 92).

O que se entende por mídia se converteu em complexos processos que tem como resultado formas de interação social afetadas pelas novas modalidades de produção de sentido. Nesse contexto, eles "não só se afetam entre si, se interdeterminando, pelas manifestações de suas operações, mas também outras práticas sociais, no âmago do seu próprio funcionamento” (FAUSTO NETO, 2008, p. 92). Ou seja, a maneira de atuar da mídia já não é orientada apenas pelas suas próprias rotinas e protocolos de produção, mas também pelas práticas sociais inerentes à atual lógica de funcionamento destes espaços. A dinâmica dos meios de comunicação atualmente sugere uma nova cultura que estabelece novas regras de linguagem e reconfiguram as práticas sociais. A sociedade contemporânea se ordena e opera por meio de uma cultura midiática que atravessa a organização social em seu funcionamento (FAUSTO NETO, 2008). Nesse 750

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contexto, o jornalismo, entendido aqui como uma prática social, é diretamente afetado por essa cultura midiática, que aponta mudanças e reconfigurações dos receptores, convertidos em produtores também. 2.3 Circulação, enunciação e fluxo

A mudança proposta por um olhar à comunicação a partir da perspectiva da midiatização reconfigura os papéis de quem produz e consome os conteúdos midiáticos. Daí se torna importante voltar a atenção à parte, em outras épocas, esquecida pelos estudos de comunicação: a recepção. Não para colocá-la como protagonista, mas para elevá-la ao posto de ator de um processo antes atribuído apenas à emissão, e que, ainda que esquecida, a recepção sempre ocupou. Cabe destacar, como já dissemos antes, que a comunicação não é linear e que, segundo Verón e Boutaud: la mediatización de nuestras sociedades, a lo largo del siglo XX, no se traduce en fenómenos de homogeneización y de uniformización de las relaciones y prácticas sociales, (…) sino que ha mostrado, por el contrario, que la interfaz producción/reconocimiento es muy precisamente el vínculo de engendramiento de una creciente complejidad de las sociedades (BOUTAUD; VERÓN, 2007).

Assim, o ponto central dos estudos de recepção está justamente na heterogeneidade dos discursos que, na interação, se projetam sob uma dinâmica que não permite controle, nem da produção/emissão, nem da recepção. Nesse contexto, a intenção perde força, pois importa mais a circulação que o que se quis dizer. Fausto Neto (2009) propõe a circulação como um dispositivo que organiza novas possibilidades de interação entre mídia e receptores. Segundo o autor: A emergência do conceito de circulação associado à noção de dispositivo, tem a ver com as profundas alterações tecnologias que engendram e complexificam cenários e plataformas de comunicação mediática hoje. Os mídias não são apenas compêndios de um processo interacional, mas oferecem seus postulados e lógicas para a própria organização social (FAUSTO NETO, 2009).

O conceito de dispositivo foi elaborado inicialmente por Michel Foucault, que em 1977 o concebeu como um conjunto de estratégias de relações de força que condicionam certos tipos de saberes. Porém o filósofo francês não tratou profundamente do tema em seus estudos. Eliseo Verón, por sua vez, o retomou e aplicou à comunicação. De acordo com Verón, os dispositivos são os mecanismos enunciativos que garantem a significação dos discursos jornalísticos (POMPEO GRANDO, 2012). Outra contribuição, nesse sentido, está no conceito de enunciação de Émile Benveniste, para quem enunciação “es este poner a funcionar la lengua por un acto individual de utilización” (BENVENISTE, 1995, p. 83), mas que entende o papel dos interlocutores na construção dos significados. Para o autor, a enunciação é "acentuação da relação discursiva ao interlocutor", segundo o qual não há enunciação sem uma fonte e uma meta, ou seja, sem a produção dos discursos e sua recepção. A enunciação prescinde as duas partes e não existe sem interlocutor, seja real ou imaginado. 751

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A circulação passa, então, a ser um espaço de reconhecimento dos atores, da produção à recepção. Porém, José Luiz Braga considera que "Com a percepção de que os receptores são ativos, a circulação passa a ser vista como espaço de reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriação" (BRAGA, 2012, p. 38). O autor acrescenta ainda a ideia de fluxo, que é como ocorrem os processos de circulação. Os fluxos se dão em processos contínuos (sempre adiante), não apenas na presença das novas mídias, mas em outros ambientes que ultrapassam as situações de recepção. O contrafluxo, segundo o autor, é o que a recepção produz como resposta. Nele, os enunciados são elaborados a partir das respostas esperadas. O fluxo contínuo é marcado, então, pela retroação da escuta pretendida (BRAGA, 2012, p. 40). A partir desta perspectiva, a circulação passa a ser o espaço de reconhecimento e produção de significado, fora do controle dos atores, de onde podemos afirmar que o leitor influencia a produção dos conteúdos dos jornais por meio da circulação de suas impressões, gostos e opiniões nos dispositivos digitais como internet e redes sociais. Assim, os leitores e jornais se relacionam de maneira constante, e se torna necessário compreender como, nessa relação, o que é produzido pelos leitores se torna conteúdo na prática jornalística. 2.4 A crise do jornalismo

A partir do que foi tratado anteriormente, podemos afirmar que a interação proporcionada pelos espaços digitais, à rotina de produzir notícias, matérias e reportagens, acrescenta ao fazer jornalístico uma dinâmica ainda não completamente assimilada pelos meios de informação. Se compreendemos o jornalismo não apenas como uma atividade profissional, mas como uma prática social, podemos entender também como sua lógica se relaciona com a realidade e o ambiente social em que ele está inserido. A autora Anelise Rublescki (2013) conceitua esse já não tão novo momento como "jornalismo líquido", onde alguns dos pontos chave dessa prática social, como a mediação, a credibilidade, o agendamento a legitimidade e o fluxo noticioso, se reconfiguram a partir da nova ecologia midiática. Segundo a autora, o jornalismo líquido, porém, não é o fim do jornalismo, mas "um cenário instável, em aberto, permeado por um contínuo de mudanças que aparentemente desencadeiam um processo de alargamento das fronteiras do campo, cujo ponto de equilíbrio é uma questão que permanece em aberto" (RUBLESCKI, 2013, p. 112). Dessa maneira, podemos compreender o jornalismo como uma prática social em constante mudança, baseado nos processos de midiatização da sociedade e que tem como ponto chave a participação cada vez mais intensa (e reconhecida) da recepção nas práticas de produção. A circulação é o meio pelo qual os leitores geram significados e influenciam os protocolos de produção de notícia do jornalismo. A convergência de novos espaços de circulação na sociedade midiatizada amplia consideravelmente essa possibilidade. De acordo com Rublescki: Tem-se um meio estruturalmente descentralizado e de difícil controle sobre o conteúdo. Já não basta publicar: é necessário que as notícias circulem, sejam filtradas, recomendadas, curtidas. Neste processo, já que o simples ato de recomendar já significa uma mediação, a notícia, potencialmente, se afasta do enunciado no âmbito das redações, através de múltiplos e sucessivos (re)enquandramentos (RUBLESCKI, 2013, p. 121). .

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Temos, então, um cenário onde os fluxos de agendamento dos conteúdos noticiados já não têm um sentido único. Um conteúdo compartilhado por leitores em uma rede social pode vir a ser tema na edição seguinte de um jornal, da mesma maneira que a reação a certos conteúdos pode mudar a abordagem feita inicialmente a partir da resposta percebida na circulação. Um meio propõe a outro meio que alimenta outro em um processo contínuo, onde blogs, redes sociais, páginas e demais espaços virtuais contribuem, a partir de suas especificidades, a uma rede de possibilidades inimagináveis. Se antes a notícia tinha um caráter acabado, atualmente "são apenas o ponto de partida para sucessivas mediações, dentro e fora das redações, levando os próprios conglomerados a buscarem visibilidade e legitimação em plataformas de nichos, como o Twitter, por exemplo"(RUBLESCKI, 2013, p. 123). 3. Metodologia

O presente trabalho analisou o jornal El Comercio, de Quito, em suas publicações sobre o tema dos vendedores informais de suco de laranja nas ruas da capital equatoriana. Para isso, realizamos observações em seis postagens do jornal no Facebook referente ao mencionado tema no período de 03 a 09 de maio de 2016. A escolha do jornal se deu como base na polêmica gerada nessa semana, que teve início a partir das postagens do El Comercio. Primeiramente verificamos o comportamento regular e recente do jornal no Facebook, ou seja: quantidade de publicações diárias, nível de interação - a través de uma média das reações (por meio dos botões "curtir", "amei", "uau", "triste" e "grr") e quantidade de comentários. Cabe ressaltar que não se considerou a distinção das interações por meio dos botões de reação (curtidas) porque, ao momento, se tratava de uma ferramenta relativamente nova, ainda não disponível em todas as plataformas de acesso ao Facebook. A partir dessas informações, realizamos uma análise da representatividade das publicações selecionadas para, então, observar as características dos comentários, classificando-os como críticos ou favoráveis. Tomando como ponto de partida a primeira publicação, a que gerou a polêmica e, assim, fundamental para nosso estudo, fizemos nela uma análise mais detalhada do comportamento dos leitores. Através de uma amostra, identificamos os temas mais presentes nas opiniões direta ou indiretamente direcionadas ao jornal/notícia para, a partir daí, analisar o que se deu a seguir. Assim, se procura demonstrar empiricamente algumas das características do fenômeno estudado. O objetivo foi verificar como os conteúdos do jornal postados no Facebook se relacionam com o fato de que o jornalismo contemporâneo considera o que os leitores comentam e como reagem no ambiente digital. 4 Resultados

Para a primeira análise, reunimos uma amostra da rotina do jornal nessa rede social. O período compreende o início e final dos meses de maio e junho de 2016, mais especificamente, os dias 03, 04 e 05 de maio, 31 de maio, 01 e 02 de junho e 29, 30 e 31 de junho e 01 de julho de 2016. O primeiro período foi escolhido por ter sido a na semana das notícias sobre os vendedores informais de suco de laranja de Quito. Os outros dois, por estarem no meio e no fim do período de dois meses, e não estar relacionado a nenhum evento de grande importância que pudesse mudar a rotina da 753

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página. Considerou-se a quantidade de postagens, sejam originais ou compartilhadas de outros perfis, e uma média de respostas através dos botões de reação e comentários diretos. Foi possível perceber que há certa regularidade, tanto na quantidade de postagens, como nas reações. Porém, quando analisamos mais detalhadamente os números, podemos notar que estas interações, ainda que de uma maneira geral, mantenham alguma regularidade (entre 700 e 900 curtidas e entre 80 a 130 comentários a cada publicação), separadamente são muito variáveis. Isto é, em todos os dias analisados na amostra há postagens com menos de 20 curtidas e algumas até mesmo sem nenhum comentário. Da mesma maneira, existem postagens que alcançam mais de 6000 curtidas, e que chegam a mais de 500 comentários. Vale destacar que nem todas as postagens da página do El Comercio no Facebook são originais do jornal. O diário também compartilha conteúdos de outros perfis, como o jornal popular Ultimas Noticias e a Revista Lideres, ambas do mesmo grupo corporativo do El Comercio. Os conteúdos noticiosos começam a ser compartilhados entre 8h e 8h30 da manhã, com uma nova publicação a cada 25 minutos, aproximadamente. O El Comercio compartilha quase que em sua totalidade, links a matérias veiculadas em sua versão digital, que apresentam uma imagem onde se escreve a chamada, um subtítulo no texto do link e outro da própria publicação. Não foi identificado na nossa análise momentos do dia em que aconteça maior volume de interação. Na semana de 03 a 09 de maio de 2016, o jornal compartilhou em sua página no Facebook seis conteúdos referentes ao tema dos vendedores informais de laranja das ruas de Quito. 4.1 A primeira postagem

O conteúdo que gerou a polêmica foi compartilhado no dia 03 de maio às 10h50 da manhã. Tratou-se de uma imagem com uma garrafa de plástico de suco de laranja junto à chamada “El 32% del jugo de naranja que se vende en las calles de Quito no es apto para el consumo humano”, acompanhada de um link para com uma matéria de mesmo título no site do jornal. A postagem teve 5873 curtidas e 1471 comentários, além de 9596 compartilhamentos.

Figura 1: Primeira notícia publicada na página do jornal El Comercio no Facebook sobre os vendedores informais de sucos de laranja de Quito

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4.1.1 Análise temática Os números dessa postagem estão muito acima da média, o que sugere que o tema despertou o interesse dos que seguem a página no Facebook. Não é possível afirmar quantos de fato clicaram no link e leram a matéria na versão digital do jornal, mas, na amostra analisada, percebemos que a maioria dos comentários foram críticos. Vale destacar que nem todos fazem referência ao jornal em suas criticas, muitos leitores direcionam seus comentários à Secretaria Metropolitana de Saúde, responsável pela pesquisa da noticiada, enquanto outros a remetem ao governo, municipal ou nacional. Há ainda aqueles que comentam respondendo a outros leitores. Para nossa pesquisa interessa apenas os comentários feitos ao jornal/notícia. Dessa maneira, utilizamos uma amostra de 20% do total de comentários, ou seja, a quantidade de 300, dos 1471 totais. Encontramos 93,7% críticos sobre a matéria e 6,3% favoráveis, girando em torno dos temas: estimulo ao trabalho, capacitação dos vendedores, ao fato de que outros alimentos vendidos na rua também são prejudiciais à saúde, que os produtos industrializados também são prejudiciais à saúde e um suposto interesse do jornal por detrás da matéria. Esta análise nos permitiu perceber a predominância de comentários críticos, principalmente relacionando o conteúdo do jornal ao desestímulo ao trabalho. Tema

Estímulo ao trabalho Capacitação dos vendedores Outros alimentos vendidos na rua prejudiciais à saúde Produtos industrializados prejudiciais à saúde Interesse do jornal por trás da notícia

Frequência

Porcentagem do total

Críticos

Favoráveis

109

36,3%

35,3%

1,0%

23

7,7%

7,3%

0,3%

55

18,3%

17,7%

0,7%

300

100%

93,60%

6,30%

47

15,7%

66

22%

11,3%

22%

Tabela 1: Tema dos comentários. Fonte: Facebook (elaboração própria)

4,3%

0%

Esta postagem, provocou uma campanha nas redes sociais com memes em apoio aos vendedores de suco de laranja e hashtags como #YoTeApoyoNaranjero, #OrangeJuiceChallenge, #JugoDeNaranja e #ElComercioContraElJugoDeNaranja (TELÉGRAFO, 2016). 4.2 Publicações seguintes

Depois da polêmica gerada pela primeira notícia postada, no dia 03 de maio, El Comercio compartilhou em seu perfil no Facebook, nos dias que seguiram, outros seis conteúdos sobre vendedores informais de sucos de laranja. 755

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Data e hora da publicação 04 de maio às 21h01 04 de maio às 21h15 05 de maio às 12:32

Chamada

Vendedores informales piden capacitación* Presunta red de mafia peruana en venta de jugos de naranja Los vendedores ambulantes de jugo solicitan capacitación por parte del Municipio** 06 de maio às Vendedores de jugo serán 19:36 capacitados* 08 de maio às La comida de la calle no es una 15:55 'bomba de tiempo' para la salud 09 de maio às Se censó a los vendedores de 15:18 jugos de naranja*

Curtidas

Comentários

1608

129

3120

1353

1847

105

285

62

1313 811

*Postagem da página do jornal Ultimas Noticias compartilhada no Facebook do El Comercio **Vídeo

278 145

Tabela 3: Publicações sobre vendedores de suco de laranja no Facebook do jornal El Comercio na semana de 4 a 9 de maio de 2016. Fonte: Facebook (elaboração própria)

As notícias que seguiram, entretanto, não tratavam como na primeira da qualidade dos sucos, mas do seu entorno: os vendedores e os que supostamente os financiam. Além disso, houve um conteúdo de 08 de maio, um domingo, que se referiu à qualidade dos alimentos vendidos na rua, e não faz nenhuma referência direta ou indireta aos vendedores. Mas a postagem foi considerada, como veremos mais à frente, como uma suposta mea culpa por parte do jornal. 4.2.1 A capacitação dos vendedores

Um dos temas mais comentados na notícia postada que gerou a polêmica foi o desestímulo ao trabalho que o conteúdo provocaria. Enquanto alguns leitores argumentavam que esta atitude serviria para ampliar a criminalidade, outros mencionavam o fato de que o jornal devia estimular que o governo capacitasse os vendedores. Das notícias postadas em seguida, três delas tratam do tema da capacitação dos vendedores: duas informam que os próprios vendedores pediam capacitação e outra que o governo municipal iria capacitá-los. Há ainda a última notícia postada no período analisado, que informou que os vendedores de suco de laranja haviam sido quantificados devido a um plano do governo municipal de Quito de apoiar o empreendimento e ajudar a que os trabalhadores ofereçam um serviço melhor. Estas publicações mantiveram a média de comentários da página do El Comercio no Facebook. Nas curtidas, o número foi um pouco superior à média.

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Tabela 4: Classificação dos comentários que fazem referência ao El Comercio.

Postagem

Vendedores informales piden capacitación Los vendedores ambulantes de jugo solicitan capacitación por parte del Municipio Vendedores de jugo serán capacitados Se censó a los vendedores de jugos de naranja Fonte: Facebook (elaboração própria)

Total de Comentários

Comentários que fazem referência ao jornal

Crítico

129

24

24

278

59

58

105

3

3

62

6

6

Na primeira matéria sobre a capacitação publicada no dia 04 de maio, 18,6% de comentários que faziam referência direta ou indireta ao El Comercio. Os temas giraram em torno a que o jornal estaria interessado em proteger as grandes corporações produtoras de bebidas industrializadas, outros se referem à outra matéria, publicada minutos antes e que analisaremos mais adiante que informou sobre uma suposta rede de máfia peruana por trás das vendas de sucos de laranja. Ainda, alguns sugerem que El Comercio estaria tentando "consertar as coisas" depois da campanha que rivalizou na web a partir da primeira postagem.

Figura 2: Primeira notícia publicada na página do jornal El Comercio no Facebook sobre capacitação dos vendedores sucos de laranja de Quito.

O conteúdo seguinte sobre capacitação foi compartilhado no dia 05 de maio. Tratava-se de um vídeo com a chamada “¿Qué opinan los vendedores de jugos?” acompanhada do texto “Los vendedores ambulantes de jugo solicitan capacitación por parte del Municipio”. O vídeo tem 36 segundos nos quais alguns vendedores defendem 757

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seu trabalho e solicitam apoio do governo municipal. No momento da nossa análise o vídeo contava com mais de 116 mil reproduções. Dos 278 comentários, 21,2% se referem ao jornal, apenas um de maneira favorável. Os temas dos comentários, nesse caso, se concentram em apontar uma tentativa do jornal em se retratar depois de ter, segundo eles, prejudicado o trabalho dos vendedores. Há também um grupo que critica a insistência do jornal no tema.

Figura 3: Segundo conteúdo publicado na página do jornal El Comercio no Facebook sobre capacitação dos vendedores sucos de laranja de Quito.

A postagem de 06 de maio tem na imagem a chamada “Vendedores de jugo serán capacitados” com o texto “La Asociación de Emprendedores brindará la capacitación a comerciantes informales”. O link conduz à matéria com o título “200 vendedores de jugo de naranja serán capacitados por la Asociación de Emprendedores”. Dos conteúdos referentes à capacitação, foi o que teve mais curtidas, com um total de 1847. Dos 105 comentários, apenas três (2,8%), fazem referência ao jornal, todos de forma crítica. Nesse caso, os temas da maioria dos comentários se referem à iniciativa do governo municipal, muitos elogiando. Dos que comentam sobre o jornal, nenhum faz referência direta ao tema dos sucos de laranja e sim à qualidade do El Comercio. A última postagem sobre o assunto, no período analisado, aconteceu no dia 09 de maio. Nesse caso, não foi feita nenhuma menção direta ao tema da capacitação no conteúdo publicado no Facebook, mas a imagem que acompanhava o link trazia escrito “Se censó a los vendedores de jugos de naranja”, além do texto na própria postagem “¿Cuántos son?”. Essa foi a postagem que teve menor interação, apenas 285 curtidas e somente 62 comentários, dos quais seis se referiam ao jornal, e de maneira crítica. Nesse caso, nos comentários críticos não houve um tema único, algumas eram direcionadas à qualidade do texto, à escolha do tema (com o argumento de que há outros assuntos de interesse público) e também ao conteúdo, considerado sensacionalista por que o jornal estaria desestimulando o consumo de sucos de laranja.

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Figura 4: Terceira notícia publicada na página do jornal El Comercio no Facebook sobre capacitação dos vendedores sucos de laranja de Quito.

Figura 5: Quarta notícia publicada na página do jornal El Comercio no Facebook sobre capacitação dos vendedores sucos de laranja de Quito.

5 El Comercio no Facebook: o leitor na notícia

A partir da análise do comportamento do jornal El Comercio no Facebook, podemos entender que o principal objetivo do diário, neste espaço, é utilizá-lo como plataforma para sua versão digital. A média de uma nova postagem a cada 25 minutos (mais de 40 por dia), quase todas com links que conduzem principalmente à versão online do próprio jornal (www.elcomercio.com.ec), ajuda a perceber a proposta de circularidade da informação do jornal de acordo ao que propõe Suzana Barbosa (2013) ao tratar do jornalismo convergente continuum multimedia. Segundo a autora 759

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"nessa lógica de atuação conjunta, integrada, tem-se a horizontalidade perpassando os fluxos de produção, edição, distribuição, circulação, e recirculação dos conteúdos" (BARBOSA, 2013, p. 36). Com isso, queremos dizer que o Facebook do El Comercio não é entendido pelos seus gestores como um espaço de interação com leitores, senão como ferramenta de circulação dos dispositivos de enunciação. Porém, é comum que o texto nas postagens convide o leitor à interação por meio de perguntas retóricas. Isso, entretanto, não significa necessariamente uma intencionalidade para interação, porque nem sempre as perguntas estão elaboradas para que o leitor expresse sua opinião, senão para estimular a curiosidade que o faça clicar no link, gerando acessos ao site do jornal. Contudo, como nos propõe Fausto Neto, a circulação como dispositivo anula as intenções, porque "na medida em que os discursos se contatam, suas intenções de origem perdem força, pois estão entregues a dinâmicas que fazem com que produção e recepção não controlem suas intenções e, consequentemente, os efeitos que presumem estabelecer sobre outros discursos" (FAUSTO NETO, 2009, p. 6). Assim, o Facebook se transforma num espaço de circulação e interação, onde o leitor assume papel protagonista que não pode ser ignorado pelo jornal. Na postagem de 03 de maio, por exemplo, sobre a imagem do link constava a pergunta: "¿Ustedes han consumido estos jugos?". Independente da intencionalidade do jornal, uma grande parte dos comentários informava que sim, haviam consumido e não havia acontecido nada. Essas respostas foram utilizadas no texto da notícia postada no domingo 08 de maio, onde, junto à chamada da matéria se escreveu: “‘He comido de todo en la calle y no me ha pasado nada’, hay una razón para ello”. O jornal fez uso dos comentários dos seus leitores no Facebook como argumento em outra publicação. Nessa mesma postagem também foi feito um comentário do próprio jornal como resposta ao volume de críticas sobre estar desestimulando o trabalho. Nesse caso, o jornal compartilhou um link de que uma matéria de um mês antes com título “La naranjada embotellada se volvió una oportunidad de trabajo en las calles de Quito”. Temos assim, uma amostra da heterogeneidade dos discursos na sociedade midiatizada que aponta Verón, onde a recepção produziu outros significados, à parte do que pretendia o jornal emissor. É possível que tentar apresentar uma resposta aos leitores do Facebook, no caso mencionado, tenha ocorrido por causa da dimensão que ele tomou ao provocar uma campanha nas redes sociais, chegando a ser notícia em outros sites como a do jornal El Telégrafo e o jornal Metro, além da do site Global Voices. Também podemos perceber uma forma de resposta aos leitores por meio das abordagens e dos assuntos destacados pelo jornal nas notícias postadas após a polêmica. Nossa pesquisa constatou que na primeira notícia, grande parte dos que interagiram criticaram o jornal por desestimular que as pessoas se dediquem a um trabalho ao destacar o lado negativo da informação e não promovendo ou exigindo do governo a capacitação dos vendedores. As matérias postadas na sequência passaram, então, a se referir ao tema da capacitação. Temos, assim, o processo de “contrafluxo” (BRAGA, 2012), no qual o jornal considera as ações de seus leitores para mudar sua abordagem. Além disso, a sequência de notícias sobre o mesmo tema pode ser entendido também como um “fluxo adiante”, uma vez que o jornal se apropria dos comentários e reações de seus leitores no Facebook para promover a continuidade do tema. O El Comercio procurou, dessa maneira, estabelecer um vínculo com os receptores de forma a desconstruir a ideia que se generalizou de que estaria contra os 760

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vendedores de sucos de laranja. É importante destacar, contudo, que a insistência no tema aconteceu por conta do jornal e que essa escolha não teve respaldo na recepção. Tanto as curtidas como os comentários e o número de vezes que os conteúdos foram compartilhados foram se reduzindo nas postagens seguintes sobre o assunto e as críticas continuaram. O jornal postou ainda, no domingo seguinte à primeira postagem e após dois dias de silêncio sobre o tema, uma matéria que apresentava positivamente a comida vendida nas ruas. No conteúdo, sob o título “la comida de la calle no es una ‘bomba de tiempo’ para la salud” em letras grandes, constava em letras pequenas “el 51% que se vende no pasa la prueba. ¿Pero es eso realmente malo?”. Interessante perceber como os 51% noticiados nesse caso que “não passam na prova” é mais da metade e muito mais que os 32% "não aptos ao consumo humano" dos sucos, porém, a maneira como o jornal trata a informação e escolhe o que merece destaque, nos dois casos, é completamente distinta. Também vale destacar o texto que acompanhava o link da matéria na postagem: “antes de que juzgues este artículo, te invitamos a leerlo. Te será de mucha utilidad”. Não foi feita, nem na postagem, nem no texto da matéria, nenhuma referência à polêmica com os vendedores de sucos de laranja. Os leitores, nos comentários, porém, voltaram a mencionar o que consideraram uma campanha difamatória do jornal para com os vendedores, e que esta matéria seria uma tentativa de “ficar bem” depois da reação negativa dos leitores. Tal fato evidencia que, ainda que com certo "ressentimento" por parte do jornal, o leitor é ativo na escolha dos temas e abordagens e o jornal considera as contribuições que vêm das interações no Facebook para produzir novos conteúdos. Algo que vale destacar e que merece aprofundamento em um estudo futuro é que, de todos as matérias e conteúdos compartilhados pelo El Comercio no Facebook no período analisado, apenas o de domingo 08 de maio foi publicado na versão física do jornal, com chamada de capa.

Figura 6: Quinta notícia publicada na página do jornal El Comercio no Facebook sobre capacitação dos vendedores sucos de laranja de Quito.

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6 Conclusões O presente trabalho procurou analisar a participação dos leitores do jornal equatoriano El Comercio na produção e na abordagem das notícias compartilhadas no Facebook do jornal referente ao caso dos vendedores informais de sucos de laranja de Quito. Concluímos que o discurso noticioso do jornal, a escolha dos assuntos e sua abordagem são influenciados pela reação e interação do diário com seus leitores nas redes sociais digitais. A pesquisa percebeu que ainda que o jornal considere o Facebook um espaço de circulação de fluxos adiante (BRAGA, 2012), procura apresentar respostas e justificativas a seus leitores, seja de maneira direta, comentando suas próprias postagens, seja fazendo referência, em seus textos, a aspectos criticados em conteúdos compartilhados anteriormente. Através da análise do conteúdo das opiniões expressas no espaço de comentário das postagens do jornal no Facebook, e seu contraste com as postagens que se seguiam a estes, observamos que o jornal El Comercio considera o que se opina nesse espaço no momento de escolher o assunto de suas matérias. A pesquisa observou ainda que, mesmo que o jornal considere a interação com seus leitores, não a faz de maneira dialógica. Antes, se percebe certa resistência em demonstrar que a relação com seu público existe no nível de influência que afirmamos nesse trabalho. Isso sugere uma necessidade do jornal em se adequar à nova realidade do fazer jornalístico, que exige conhecer as expectativas e demandas dos leitores através da ampliação dos espaços e níveis de contato. Referências

BARBOSA, Suzane. Jornalismo convergente e continuum multimídia na quinta geração do jornalismo nas redes digitais OCLC: 865465784. In: CANAVILHAS, João (Org.). . Notícias e mobilidade: o jornalismo, na era dos dispositivos móveis. Covilhã: Livros LabCom, 2013. 978-989-654-102-6.

BENVENISTE, Emile. Problemas de lingüística general OCLC: 38088974. México: Siglo Veintiuno, 1995. .978-968-23-0029-5.

BOUTAUD, Jean-Jacques; VERÓN, Eliseo. Del sujeto a los actores. La semiótica abierta las interfaces. Sémiotique ouverte: Itinéraires sémiotiques en communication. Tradução Gastón Cingolani. Paris: Hermès science publications, 2007. 978-2-7462-1825-3.

BRAGA, José Luiz. Circuito versus campos sociais. In: MATTOS, Maria Ângela; JUNIOR, Jeder Janotti; JACKS, Nilda (Orgs.). . Mediação & midiatização. [S.l.]: SciELO - EDUFBA, 2012. p. 31–52. 978-85-232-1205-6.

FAUSTO NETO, Antônio. Fragmentos de uma «analítica» da midiatização. Revista Matrizes v. 1, n. 2, p. 89–106 , 2008.

FAUSTO NETO, Antônio. Olhares sobre a recepção através das bordas da circulação. In: XVIII ENCONTRO DA COMPÓS, 2009, [S.l: s.n.], 2009. Disponível em: . Acesso em: 9 jul. 2016.

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JÁCOME, Evelyn. 430 vendedores de jugo de naranja fueron censados por el Municipio; tendrán capacitación | El Comercio. Disponível em: . Acesso em: 6 jul. 2016a.

JÁCOME, Evelyn. La naranjada embotellada se volvió una oportunidad de trabajo en las calles de Quito. Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2016b. JÁCOME, Evelyn. Municipio investiga presunta red de mafia peruana en venta de jugos de naranja | El Comercio. Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2016c.

POMPEO GRANDO, Carolina. Os dispositivos que constituem o dispositivo. Observatorio da Imprensa. Disponível em: . Acesso em: 1 jul. 2016.

RUBLESCKI, Anelise. A crise de identidade do Jornalismo na nova ecologia midiática. In: RUBLESCKI, Anelise; BARICHELLO, Eugenia Mariano da Rocha (Orgs.). Ecologia da mídia. Santa Maria: FACOS - UFSM, 2013.

TELÉGRAFO, El. Tuiteros respaldan a los comerciantes de jugos de naranja. Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2016.

VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos de la comunicación n. 48, p. 9–17 , 1997.

Autor

Estudante de Especialização Superior em Comunicação pela Universidad Andina Simón Bolívar, em Quito-Equador. Possui graduação em Comunicação Social - habilitação Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (2010) e pós-graduação em Marketing Empresarial pela mesma Universidade (2011). Tem experiência profissional na área de Comunicação Organizacional, Marketing, Comunicação Institucional, além de professor de PLE (Português Língua Estrangeira). Participa em Quito do núcleo Yllanay de pesquisa, filiado à Rede AMLAT (Rede Temática de Cooperação Científica em Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina). Atualmente vive no Equador.

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A donzela estereotipada: um estudo de recepção do grupo Iron Maiden nos portais G1 e R7. Fábio Cruz1 Estevan Garcia2

Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul

RESUMO: Neste trabalho, apresentamos um estudo de recepção acerca de duas reportagens exibidas pelos portais de notícia G1e R7 sobre o grupo inglês de rock Iron Maiden. Lançando mão de uma postura crítica, histórica e dialética, adotamos como marcos teórico-metodológicos os pressupostos de Guillermo Orozco Gómez (2000; 2003), Stuart Hall (2003), Douglas Kellner (2001), Roland Barthes (1993) e John Thompson (1995). O corpus analítico cobre a vinda da banda ao Brasil, em março de 2016, para realizar shows de lançamento do seu mais novo trabalho, The book of souls, lançado em setembro de 2015. Palavras-chave: “estudos de recepção”; “estereótipo”; “heavy metal”. 1. From here to eternity3

Este artigo estudará a recepção de um grupo de fãs e não fãs da banda de rock Iron Maiden baseada em duas reportagens dos portais de notícia G14 E R75. As matérias em foco cobrem a vinda do grupo ao Brasil, em março de 2016, para realizar shows de lançamento do seu mais novo trabalho, The book of souls, lançado em setembro de 2015. A primeira, relacionada à apresentação dos britânicos em Brasília (DF), é produzida pelo portal G1 (Rede Globo); e a segunda,

1 Fábio Cruz – Pós-doutor em Direitos Humanos, Mídia e Movimentos Sociais, Universidade Pablo de Olavide – UPO. Professor do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. 2 Estevan Garcia – Graduando (8º semestre) do curso de Jornalismo da Univesidade Federal de Pelotas Extenso – UFPel. 3 Música presente no disco Fear of the dark (1991). 4 http://g1.globo.com/distrito-federal/videos/v/iron-%20maiden-reune-%20milhares-de-%20fasem-%20show-%20no-ginasio-%20nilson-nelson/4903840/ 5 http://noticias.r7.com/minas-gerais/balanco-geral-mg/videos/iron-maiden-leva-fas-mineirosao-delirio-21032016

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a respeito do concerto feito pelo Iron Maiden em Belo Horizonte (MG), é de autoria do R7 (Rede Record). Para tanto, inicialmente, faremos brevemente uma análise do cenário telejornalístico brasileiro tradicional através de um viés crítico-ideológico. Em seguida, abordaremos os conceitos de jornalismo cultural e jornalismo de rock. Logo após, um pequeno histórico do grupo Iron Maiden será apresentado. Em um segundo momento, trabalharemos com as noções teórico-metodológicas de Kellner (2001), aliadas às ideias de Barthes (1963) e Thompson (1995), para analisar a produção da informação. Na sequência, o modelo das multimediações de Orozco Gómez (2000; 2003), além das noções de Hall (2003), servirão de base para o foco principal desta investigação – os estudos de recepção – e serão viabilizados através da técnica dos grupos focais. Seguindo uma postura crítica, histórica e dialética, salientamos que este trabalho não pretende generalizar resultados, mas, sim, detectar tendências e vislumbrar possibilidades em um determinado contexto com base em uma amostra de opiniões. 2. Remember tomorrow6: Evidenciando o objeto

Embora possamos considerar que o telejornalismo brasileiro, assim como a TV, de modo geral, foi ganhando força com o passar dos anos e, por conseqüência, acabou tornando-se reconhecido internacionalmente pela sua qualidade técnica, por outro lado, observamos que o seu conteúdo é foco de críticas de pesquisadores, de telespectadores e até mesmo de produtores do gênero. Neste sentido, a título de exemplificação, o ex-diretor da Central Globo de Jornalismo, Evandro Carlos de Andrade7, apontava, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, em 1997: “Necessariamente superficial, baseado na imagem. Isso é um telejornal”8. Essa superficialidade, em parte, tem ligação com o caráter estrutural do telejornalismo brasileiro, que se baseia no modelo norte-americano: matérias de, em média, um minuto e meio, começando com um choque e terminando com um final feliz. Ainda quanto à estrutura, pelo fato de a TV ser, para muitos, a única “janela para o mundo” disponível, o noticiário televisivo deve apresentar uma forma de fácil entendimento, com uma linguagem que possa ser compreendida por todos. O fato de a televisão brasileira ter assumido, ainda nos anos de 1960, uma faceta comercial é outro aspecto que influencia negativamente o telejornalismo. Isso se dá devido a uma constante busca por agradar a audiência, com o objetivo de aumentá-la e, desta forma, captar anunciantes. A fim de alcançar o interesse “do” público, o noticiário televisivo apela para métodos de sedução ligados ao sensacionalismo e, logo, à superficialidade, aproximando sua forma do Balada metálica pertencente ao primeiro lançamento da banda, Iron Maiden (1980). Falecido em 2001. 8 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq250902.htm Acesso em: 19 jul. 2016. 6 7

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entretenimento. Assim, “o prazer, os sentidos ganhariam preponderância em relação ao conhecimento, à cognição” (Gutmann, Santos e Gomes, 2008, p.2). Além de o telejornalismo brasileiro, de forma geral, não propor a reflexão e o exercício do censo crítico dos receptores, ainda podemos identificar uma ideologia predominante em grande parte dos canais abertos de televisão. Desde os seus primórdios e, mais especificamente, no que tange aos noticiários televisivos, a televisão brasileira sempre esteve, em maior ou menor grau, vinculada ao poder. Em nível geral, o contexto atual do telejornalismo tradicional brasileiro sugere práticas que andem em compasso com a ideologia globalizante vigente. Em verdade, o que observamos, então, é uma substituição do discurso noticioso por uma espécie de discurso publicitário9, que fornece determinados padrões, normas e regras, sugere o que é bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado, é estereotipado e mercadológico, a-histórico e sem aprofundamento. Tem a pretensão de homogeneizar identidades e é, por isso mesmo, desprovido de elementos que levem os receptores à reflexão10. Não obstante, tal realidade pode, em maior ou menor grau, respingar do mesmo modo nas mais variadas subáreas do jornalismo, entre elas o cultural. E este, por sua vez, abarca o jornalismo de música. Considerando isso, no conteúdo dessas produções jornalísticas, é dever do produtor da informação selecionar as melhores opções a serem apresentadas ao público, levando em conta o que o interessa, mas, também, o que pode vir a interessar. A partir daí, o texto deve assumir algumas das características referentes à personalidade da produção divulgada. O jornalismo de rock – um dos nichos do jornalismo de música – é um forte exemplo de adaptação ao gênero a ser divulgado. Com o rock sendo constantemente ligado à rebeldia, trazendo, assim, um público interessado muito específico, as produções do jornalismo ligadas a ele se reformularam e ganharam um tom mais despojado – diferente dos padrões do jornalismo. Além disso, devido ao seu caráter passional, conforme Saldanha (2005), o rock journalism é um dos grandes responsáveis pela modificação na maneira de se ver a crítica cultural (antes presa numa obrigação de ser imparcial). Essa crítica deve ser profunda e feita com bases sólidas. Por isso, as produções do jornalismo cultural possuem uma maior qualidade (e tornam-se mais fáceis de serem executadas) caso haja um interesse e gosto do produtor de informação pelo assunto a ser tratado. Caso isso não ocorra, é necessário, no mínimo, que esses emissores aprofundem seus conhecimentos a respeito do tema, a fim de dar o tom certo às matérias tornando-as mais atrativas. Aqui, fazemos menção à ausência de um lead jornalístico completo, ou seja, que apresente as informações básicas de uma notícia, a saber: “o quê?”, “quem?”, “quando?”, “onde?”, “como?” e “por quê?”. 10 Podemos amoldar tal reflexão ao cenário contemporâneo de convergência midiática, que, evidentemente, engloba os telejornais. Segundo Henry Jenkins (2006), esse conceito, em linhas gerais, pressupõe um fluxo de conteúdo por diferentes plataformas, transformações nas relações no mercado midiático e mudanças no comportamento social. 9

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2.1 – The number of the beast11: um breve perfil do Iron Maiden O Iron Maiden12 foi formado em 1975, em Londres, capital inglesa, pelo seu baixista e mentor Steve Harris. Junto a ele estava o guitarrista Dave Murray, o qual, a exemplo de Harris, permanece no grupo até os dias atuais. Contando, ainda, com o vocalista Paul Di’Anno e o baterista Doug Sampson, após uma extensa maratona de shows pelo circuito de bares, a banda assina com a gravadora EMI. Nesse período, Clive Burr assume a bateria e o Iron Maiden inclui mais um guitarrista, Dennis Stratton, que, por sua vez, seria substituído por Adrian Smith, em 1981 (Wall, 2014). No início, o Iron Maiden era uma banda underground, que, segundo Weinstein (2000, p.284), “(...) em sentido de purgatório, é um termo para bandas e estilos que não são comumente populares, mas que podem ou têm possibilidades de vir a ser”. Mas, após os lançamentos de Iron Maiden (1980) e Killers (1981), ocorre nova troca na formação: Bruce Dickinson, ex-Samson, assume os vocais (Shooman, 2013) e, com ele, o grupo “viria a ser”, alçando voos ainda mais altos, que o consagrariam como uma das maiores bandas de heavy metal em nível mundial, um dos gêneros13 hegemônicos dentro dos padrões da indústria da música. Destarte, com os seus três próximos registros de estúdio – The number of the beast (1982), Piece of mind 14 (1983) e Powerslave (1984) –, os ingleses adentrariam definitivamente o cobiçado mundo do mainstream15 do rock, arrebatando milhares de fãs16 em todo o mundo. Definitivamente consolidado como um dos grandes grupos da história do rock, o Iron Maiden experimentaria novas sonoridades com Somewhere in time (1986) e Seventh son of a seventh son

11 Nome da música que se tornou um dos maiores sucessos do grupo. Presença obrigatória nos shows da banda, essa canção faz parte do álbum homônimo, que foi lançado em 22 de março de 1982. Disponível em Acesso em: 18 jul. 2016. 12 “Chamado assim por causa de um instrumento de tortura medieval” (Friedlander, 2008, p.381). 13 Nessa linha de pensamento, lançamos mão da noção de gênero proposta por Frith (1996, p. 8889), o qual afirma serem os gêneros musicais processos “construídos – e devem ser entendidos – como processos culturais/comerciais”. Por sua vez, Felipe Trotta (2008) sustenta que esses promovem esferas festivas e afetivas, estéticas e sociais, e é justamente isso que regula as relações com a música. Para Frith (1996), o julgamento da música feito pelos receptores-ouvintes é balizado pelos gêneros e o que se espera deles. 14 Álbum que marca a entrada do baterista Nicko McBrain na banda. 15 Segundo Cardoso Filho (2008 p. 11-12), “o denominado mainstream (que pode ser traduzido como “fluxo principal”) abriga escolhas de produção reconhecidamente eficientes, dialogando com elementos de músicas consagradas e com sucesso relativamente garantido. Ele também implica uma circulação associada a outros meios de comunicação de massa (...) Consequentemente, o repertório necessário para o consumo de produtos mainstream está disponível de maneira ampla aos ouvintes. As condições de produção e reconhecimento desses produtos são bem diferenciadas, fator que explica o processo de circulação em dimensão ampla e não segmentada”. 16 De acordo com Shuker (1999, p. 127-128), fãs são “aqueles que acompanham todos os passos da música e da vida de determinados artistas, e também as histórias dos gêneros musicais, com diferentes níveis de envolvimento”. Para fins de esclarecimento, não trabalharemos, neste artigo, com essa categoria uma vez que apesar de utilizarmos relatos de fãs, incluímos, também, declarações de não fãs, fato que acusa não ser esse um dos focos de interesse nesta investigação.

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(1988), voltando depois ao velho estilo com No prayer for the dying17 (1990) e Fear of the dark (1992), álbum que marca a saída de Dickinson da banda. Após um período com o vocalista Blaze Bayley, o qual resultou em dois discos de pouca repercussão18, a banda recebe o retorno de Dickinson e Smith e, desde então, o Iron Maiden – agora um sexteto – vem gravando discos de sucesso19, realizando turnês com regularidade ao redor do mundo e, consequentemente, conquistando novos e devotos admiradores20. 3. Can I play with madness21: aportes teórico-metodológicos da pesquisa

Em suas investigações, Kellner (2001) contempla as mais diversas produções midiáticas procurando elucidar tendências dominantes e de resistência, vislumbrar perspectivas históricas e também analisar a forma como as práticas discursivas da mídia agem com vistas a influenciar ideológica e comercialmente os receptores. Neste sentido, procurando entender o porquê de a mídia produzir como produz na atualidade, Kellner (2001) lança mão de três categorias analíticas, a saber: horizonte social, campo discursivo e ação figural. O horizonte social contextualiza a época e o cenário em que se dá determinada produção midiática. O campo discursivo engloba os atores envolvidos no discurso dos veículos de comunicação de massa. Já a ação figural mostra o produto final de acordo com o horizonte social e o campo discursivo. Portanto, a partir de uma conjuntura específica e levando em conta os sujeitos envolvidos nesta, a mídia produz informação. Dentro destes desdobramentos, muitas vezes, percebemos a presença dos estereótipos barthesianos. Autênticas construções simbólicas com munição para persuadir, os estereótipos “são rápidos, superficiais e, ao mesmo tempo, duradouros”. Presença constante nas práticas discursivas da mídia, julgam através de textos e imagens de forma cumulativa, reducionista e superficial. Os estereótipos agem, portanto, como uma espécie de barreira ao tentar tolher avanços na sociedade. Recheando o cotidiano com clichês datados22, reduzem todas as características de um objeto a uma coisa só, repelindo tudo aquilo que é diferente (Barthes, 1993). Ao produzirem sentido para um

Disco que marca a saída de Adrian Smith da banda, sendo este substituído por Janick Gers, “(...) um verdadeiro turbilhão em cena”, que ficou responsável por injetar novo ânimo no grupo e nas suas apresentações (Wall, 2014, p.287). 18 The x factor (1995) e Virtual XI (1998). 19 Desde a volta dos dois músicos, o Iron Maiden gravou cinco bem-sucedidos álbuns de estúdio: Brave new world (2000), Dance of death (2003), A matter of life and death (2006), The final frontier (2010) e The book of souls (2015). 20 Fato este que fortalece cenas musicais com dimensões globais no sentido implementado por Straw (1991): grupos sociais atravessados, identificados e interligados pela sonoridade da donzela de ferro e que também são modelados pelas “territorialidades afetivas e socioculturais” (Janotti Junior, 2014, p.80). 21 Canção do álbum Seventh son of a seventh son (1988). 22 Como, por exemplo, “todo roqueiro é drogado” e/ou “todo roqueiro é maluco”. 17

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determinado sistema de poder, os estereótipos promovem, por conseguinte, uma visão de mundo (ideologia) atrelada às forças hegemônicas e suas normas de valores e de conduta (Thompson, 1995). 3.1 – Como estais amigos23: o modelo das multimediações

O processo de aliar o cabedal teórico a uma metodologia adequada, compatível, depende dos objetivos do pesquisador. Para o presente trabalho, as nossas ideias e anseios de pesquisa ganham força nos pressupostos metodológicos de Orozco Gómez (2000), adepto dos estudos de recepção televisiva24 embasados em uma pesquisa qualitativa. Das cinco correntes de investigação da recepção dos meios, sinalizadas por Orozco Gómez (2000)25, duas chamam a nossa atenção justamente por apresentarem pontos de intersecção que nos interessam: os estudos culturais26 e a análise crítica de audiência27. A partir disso, temos o Modelo de Múltipla Mediação, o qual está dentro de um paradigma hermenêutico28. Essa perspectiva consiste em uma espécie de influência que vai conformar um sentido particular, ou seja, estabelecer uma direção com relação a alguma coisa. É o lugar onde se produz significado na comunicação (Orozco Gómez, 2003). Nesse sentido, existem cinco tipos de mediações: mediação individual (produção de significados através de concepções particulares, individuais), institucional (família, escola, trabalho etc.), meios de comunicação (as diferentes técnicas dos meios acarretam linguagens e estratégias de comunicação distintas, as quais influenciam a recepção), situacional (situação da recepção; meio utilizado para ver um filme, número de pessoas presentes, disposição, vontade etc.) e de referência (“a idade, o gênero, a etnia, a raça ou a classe social” dos receptores) (Orozco Gómez, 2000, p.116-118). Levando em conta essas multimediações, o receptor apresenta códigos culturais específicos: a reprodução, quando aceita tudo o que recebe; a negociação, a partir do momento em que concorda com algumas partes daquilo a que está

Faixa presente no álbum Virtual XI (1998). Embora as matérias tenham sido colhidas nos portais assinalados anteriormente, ambas foram construídas e veiculadas primeiramente em telejornais. 25 Vale mencionar as correntes dos efeitos, dos usos e gratificações, e do criticismo literário, as quais, salientamos, não serão levadas em conta neste trabalho. 26 Indaga qual é a função da cultura na interação meio-mensagem-audiência. A cultura é o centro, o lugar onde perpassam as relações de poder. A comunicação não se entende fora da cultura. Logo, pretendemos saber como intervém a cultura na interação mídia/receptor. Lembrando Hall, Orozco Gómez (2003) afirma que os meios de comunicação codificam culturalmente, enquanto os receptores decodificam culturalmente. 27 Essa corrente “assume que qualquer análise de meios não se pode dar fora de uma análise cultural” (Orozco Gómez, 2000, p.57). Assim, é feita uma abordagem completa da audiência. O receptor é o elemento principal e o emissor é o ponto chave. A interação com o meio consiste em um processo muito complexo onde interagem diversas peças como o meio, a mensagem, a interação, o receptor, a cultura, o sistema social, o discurso do receptor etc. (Orozco Gómez, 2003). 28 O paradigma hermenêutico implica interpretação – o pesquisador observa o discurso do sujeito investigado e o decodifica de acordo com uma teoria. 23 24

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exposto e com outras não; e a resistência, processo em que não há aceite de propostas de sentido oriundas da mídia, o que acarreta uma produção alternativa ou contraproposta (Hall, 2003). De posse desse arcabouço teórico-metodológico, sustentados por uma linha de raciocínio crítica, histórica e dialética, partiremos para as análises do trabalho. Neste sentido, com relação ao âmbito da recepção, lançamos mão dos grupos focais. Qualitativa por natureza, essa técnica coleta informações detalhadas sobre um determinado tema por meio das interações grupais entre pesquisadores e pesquisados com o objetivo de compreender opiniões, crenças e atitudes (Minayo, 2000). Por fim, ressaltamos que a escolha de 13 pessoas para o estudo de recepção não interfere nos objetivos de uma pesquisa de cunho qualitativo. Orozco Gómez (2000) reforça essa premissa ao afirmar que não é necessário entrevistar mais do que 25 receptores, pois, além desta quantidade, a obtenção de novas informações é “mínima”. Para o autor, um número entre 10 e 20 indivíduos pode ser suficiente para que possamos desenvolver o processo crítico de recepção televisiva. 4. Revelations29: Da produção à recepção

Com relação às matérias em análise, evidentemente, o horizonte social consiste nos shows do Iron Maiden em duas capitais brasileiras: Brasília (G1) e Belo Horizonte (R7). No campo discursivo, detectamos, além dos integrantes do grupo, os fãs, o mascote da banda – Eddie30 – e os demais envolvidos na produção da informação como, por exemplo, os repórteres. No que toca à ação figural, imprimindo abordagens similares, tanto o G1, com duração de 3 minutos e 28 segundos, quanto o R7, ao longo dos seus 6 minutos e 31 segundos, deram bastante destaque ao avião da banda e o seu piloto – o vocalista Bruce Dickinson –, e ao baixista Steve Harris, tido como “uma espécie de melhor baixista do mundo” pela reportagem do G1. Ambas as matérias enfatizam, ainda, que o grupo tocou para casas cheias e apresentou um espetáculo de alta produção do qual faz parte o mascote da banda, Eddie, “com os seus singelos três metros de altura”, de acordo com o G1. Outrossim, duas questões referentes aos integrantes do Iron Maiden são ressaltadas: a idade – “os britânicos não são mais meninos, estão na faixa dos 60 [anos], mas, em cima do palco, nem dá para perceber (...) e a energia é quase a mesma de quando começaram, há mais de 40 anos” – e o cabelo – “tirando o vocalista Bruce Dickinson, todos continuam cabeludos”. No entanto, o que mais chama a atenção na ação figural são as práticas discursivas que abusam do uso de estereótipos. Entremeando imagens rápidas e

Título da música pertencente ao álbum Piece of mind, do grupo Iron Maiden, lançado em 16 de maio de 1983. Disponível em < http://ultimateclassicrock.com/iron-maiden-piece-of-mind/> Acesso em: 18 jul. 2016. 30 Considerado o símbolo do Iron Maiden, ele aparece em todas as capas dos álbuns do grupo e, além disso, faz aparições nos shows da banda. 29

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conteúdo superficial, as duas reportagens evidenciam, do mesmo modo, uma cena musical habitada por admiradores da banda das mais variadas faixas etárias e as suas tradicionais camisetas pretas, que formam “uma cidade dos camisas pretas”, cujo “traje preto é obrigatório”. Essa “turma do [gênero heavy] metal” apresenta “barbas longas”, e é também composta por “cabeludos” e “ex-cabeludos”. “Barulhentos” e fazendo tudo “no volume máximo”, o grupo é formado inclusive por fãs mais “exóticos” como um admirador do Iron Maiden que viajou 4 mil quilômetros de Rondônia a Belo Horizonte para realizar um “sonho”. Embora saibamos que os estereótipos consistem em um misto de real e fantasia, detectamos que as reações, posturas e práticas dos admiradores da banda são superdimensionadas nas duas matérias em análise. Abusando dos velhos clichês acima citados, há generalizações, processo este em que características são reduzidas a um ou poucos predicados. Essas atenuações suscitam representações de “um saber de pronta entrega, que disfarçam as dimensões da ignorância e rechaçam o novo. Defendem, produzem e reproduzem o status quo” (Ramos, 2014, p.151). Nessa linha de argumentação, Lippmann (2008, p.91) faz um alerta: “as mais sutis e difundidas de todas as influências são aquelas, que criam e mantêm o repertório de estereótipos”. De acordo com o autor, “(...) estas pré-concepções, a menos que a educação tenha nos tornado, mais agudamente conscientes, governam, profundamente, todo o processo de percepção”. Neste sentido, a pergunta se impõe: qual é a produção de sentido de fãs e não fãs31 do Iron Maiden diante do que foi exposto? Ao tratar da principal mensagem passada pelas matérias, João Manoel 32 diz que essas transmitem a existência de um perfil único dos fãs da banda Iron Maiden. Guilherme C.33 concorda com João Manoel e acrescenta que [Nas matérias] pouco importa a trajetória da banda, o percurso artístico dos músicos, as diferenças dos shows passados no Brasil, a opinião deles sobre a nova turnê, enfim, fatos de uma simples matéria jornalística, que averigua os fatos. A arte do rock é tratada como secundária, de maneira infantil e rasa.

Em consonância com as declarações anteriores, Iara34 descreve que a matéria “mostrou como as pessoas se vestiam, não dando o devido valor, por não conhecer a história, à trajetória do Iron Maiden”. E Complementa: “A mensagem passada, nas duas matérias, deveria ser mais completa”. Por sua vez, Guilherme R.35 concorda com os demais: Parece que todos os fãs são exatamente a mesma pessoa: barulhenta, tende a transgressão e se identifica com signos obscuros. Também que expressam sua paixão à banda a partir das roupas, especialmente as camisetas, que os identificam

Ao todo, participaram do grupo 5 fãs e oito não fãs da banda. Não fã. 40 anos, apresenta ensino superior incompleto e, atualmente, trabalha como eletrotécnico. Não tem religião. 33 Não fã. 35 anos, atualmente, cursa o doutorado e é pesquisador por profissão. Conta ser católico. 34 Não fã. 64 anos, católica, com terceiro grau completo, é aposentada. 35 Não fã. 35 anos, católico, ensino superior completo. É professor. 31 32

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como fãs e os colocam em uma situação com diversos fetichismos e identificações muito herméticas.

As constatações de Sandro36 vão pelo mesmo viés:

Sensacionalismo, focadas no estranho, no bizarro, nos fãs esquisitos (que, na verdade, também não ajudam, na maioria das vezes, mostram os mais idiotas possíveis, que só fazem caretas, gritam e falam bobagens irrelevantes), nas camisas pretas, enfim, todos os clichês que envolvem um show de rock, pouco ou nada focados na banda ou na turnê, sobre a qual não informam nada ou quase nada.

Também podemos visualizar uma mudança nas constatações, que divergem das de Sandro. Leonardo37, por exemplo, cita que a mensagem das matérias é: “a banda Iron Maiden se apresenta no Brasil e leva milhares de fãs aos seus shows”. As percepções de Maurício38 vão pelo mesmo caminho. Segundo ele, as reportagens dizem respeito apenas à “cobertura da passagem da banda pelo Brasil e que os fãs do Iron Maiden são fiéis e felizes”. Rodrigo39 acrescenta: “[A mensagem trata da] grandeza da banda, sua estrutura e a paixão dos fãs”. Já Gabriel 40 vai um pouco além e cita ainda que a ideia “é quebrar o estereótipo de que os fãs que seguem o Iron Maiden e bandas do mesmo estilo são pessoas vistas diferentes pela sociedade”. Quando a questão abordada foi o uso ou não de estereótipos nas matérias, Rodrigo, diz não constatar o uso. Caindo em contradição com a sua declaração anterior, Gabriel não concorda, e diz que há o uso do rotulações: “Estereótipo de que os fãs de bandas do estilo do Iron Maiden são pessoas que a sociedade julga como ‘estranhas’, que andam de preto, são cabeludos e vivem no seu próprio mundo”. Maurício também constata o uso de estereótipos, referentes às falas que apontam “o que define o roqueiro, como as roupas pretas”. Leonardo concorda com Maurício. Vê o uso de “estereótipos do tipo ‘fãs de Iron Maiden são fanáticos e se vestem de preto’, ou brincadeiras do tipo ‘todo mundo grita alto’”. Já Sandro é mais contundente. Aponta que “o foco em ambas as matérias não é a banda, e, sim, os fãs, as camisas pretas, bandanas, cabelos, barbas, o mascote ‘caveira’, os gritos do público etc. Tudo o que for estranho, diferente dos padrões”. O uso de estereótipos é unanimidade. Reforçando essa premissa, Carlos41 afirma que a categoria se faz presente “ao mostrar os fãs, os artistas, a cidade do rock nos arredores do shows, as famílias etc”. Daniela42 concorda com Carlos: “[aparece] o culto a tudo que se relaciona ao marketing gerado pela vinda da 36 Fã. 43 anos, apresenta ensino superior completo e labora como arquiteto e urbanista. Sem religião. 37 Fã. 41 anos, com pós-graduação, é promotor de justiça e não tem religião. 38 Fã. 41 anos, segundo grau completo, é vendedor numa loja de instrumentos musicais e diz não possuir religião. 39 Fã. 39 anos, tem terceiro grau completo e trabalha como administrador. É católico. 40 Fã. 18 anos, católico, ensino superior incompleto, é músico e estudante. 41 Não fã. 45 anos, terceiro grau completo, é jornalista e professor. Sem religião. 42 Não fã. 51 anos, ensino superior completo. É professora. Não tem religião.

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banda, camisetas pretas, cabelos longos, piercing, tatuagem etc”. E Eduardo43 reforça o coro: Percebo o uso de estereótipo já no começo das duas matérias, quando os públicos são caracterizados e se enfatizam supostos perfis das pessoas que seriam “fãs” de rock and roll. No caso da Record, ao meu ver, tem o agravante da utilização de uma narrativa muito semelhante à cobertura de eventos esportivos, enaltecendo “gritos de guerra” dos supostos fãs e o “barulho” que eles faziam durante o evento.

João Manoel também não foge de similar constatação: “ambas matérias propõem a necessidade de uma identidade única dos fãs, desconsiderando questões sociais, financeiras, regionais, étnicas etc”. Guilherme C. vai pelo mesmo viés dizendo que o estereótipo do roqueiro está presente em falas quando é tratado sobre o fato de vestir preto, falar alto etc. Mariana44 também constata essa representação fechada do fã: “As reportagens falam como se todos os fãs de rock fossem do mesmo jeito, usassem preto, fossem ‘do demônio’, esse tipo de estereótipo que é reproduzido na mídia e na sociedade.” Guilherme R. conta que ambas as matérias são baseadas em estereótipos: Os estereótipos são encobertos por esta ideia do engraçado, pitoresco. Nesta conta, entram sujeitos que são esquisitos, ficam bêbados, gostam de coisas macabras e se transformam nos shows. Não chegam a ser representados como pessoas violentas, mas é uma esquisitice reforçada midiaticamente pelo campo do engraçado, pitoresco (...) Talvez o jornalista já chegue nos shows com a matéria pronta e vá em busca do que ele tem como estabelecido para ratificar

Guilherme C. continua apontando que os erros é que tornam as matérias semelhantes e caracteriza as duas como “rasas e superficiais”. E salienta ainda que “são as mesmas matérias sempre, por parte da grande mídia, para todos os shows de rock, sempre usando chavões e linguagens estereotipadas”. Guilherme R. segue na mesma linha de Guilherme C. e cita que

[Na matéria da Globo] há um formalismo neste sentido de informar para vários públicos, de forma generalista, sem criar barreiras geracionais, mas há uma ideia fetichista dos fãs de rock heavy metal que persiste e é costumeira em todos os tratamentos midiáticos deste tema em televisão, principalmente. A matéria da Rede Record não é muito diferente neste aspecto do fetichismo, apenas faz isso de uma maneira muito deselegante e com várias deficiências técnicas em relação à outra matéria.

E ainda completa: “É possível dizer que em termos de representação social dos fãs, ambas dispensam praticamente o mesmo tratamento fetichista sem a mínima criticidade quanto a isso, repetindo bordões e ideias pré-concebidas sobre os fãs do metal”. Para Carlos, a principal semelhança é o destaque dado aos bastidores. Quanto às diferenças, conta que “na matéria do G1, o repórter conduz a narrativa para mostrar que ali estava se apresentando uma das melhores bandas de rock do mundo”. E arremata: “Na matéria do R7, o fator do exótico do público, os exageros dos fãs e o caráter de culto ao rock e ao metal são mais valorizados”. Indo, de certa forma, pelo mesmo viés dos demais citados, Sandro diz que a 43 44

Não fã. 32 anos, ensino superior completo, é jornalista e não possui religião. Não fã. 19 anos, ensino superior incompleto, é estudante e católica.

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principal similitude é que “ambas [as matérias] tem o foco no estranho, nos fãs que são estereotipados ao extremo, em mostrar curiosidades, como o fato de terem um avião pilotado pelo vocalista, e pouco ou nada informam sobre a banda ou os shows”. Maurício, indo um pouco ao encontro do que Sandro fala, conta que a principal semelhança é que “as duas abordam o fato de que os fãs de rock/metal precisam de ‘uniformes’”. Leonardo conta que as reportagens “focam mais no fanatismo e nas características peculiares dos admiradores da banda e nas curiosidades sobre o grupo (seus integrantes, seu mascote, tempo de carreira etc.). Não se fixam muito na música em si.” No entanto, justifica dizendo que “as matérias foram exibidas em emissoras não especializadas em música. Foram direcionadas a um público ‘leigo sobre a banda’”. Quanto ao tratamento dispensado à banda, Leonardo continua justificando a partir do caráter “geral” das emissoras: Porque o objetivo das matérias é o de mostrar para o público em geral, e não para os fãs da banda, o sucesso da banda no Brasil (“encheram estádios”, “fãs vieram de longe” etc.) e o estereótipo dos fãs da banda, e não a música em si, afinal os veículos de comunicação que reproduziram a matéria não são mesmo especializados em música, mas em variedades.

Sandro concorda com Leonardo, quando aponta o caráter do público ser mais “geral”: “Acredito que por vender mais para o público médio, que não é fã da banda, [o que vale é] mostrar o bizarro, o estranho, não importando informar sobre a banda ou a turnê”. Por sua vez, Mariana volta à questão dos estereótipos para julgar o tratamento dispensado: “Tendo em vista que são dois canais de mídia tradicional, é comum que eles tratem o que é ‘diferente’ como estereótipos”. E conclui: “Não é do interesse desse tipo de mídia que o rock seja contextualizado, que mostre realmente o sentido das músicas, a fama da banda etc”. Já Daniela acredita que “ambas as matérias estavam mais centradas na audiência do show do que propriamente na banda. A banda parecia mais um acessório para retratar uma junção de pessoas ‘estranhas’, ‘diferentes’”. Guilherme R. também baseia a explicação sobre o tratamento se baseando nos estereótipos e no sensacionalismo: Talvez seja uma questão do jornalista “enquadrar” o grupo em uma determinada categoria e nem ponderar, absolutamente, a possibilidade de fugir dos clichês do fã de metal. O tratamento dispensado aos sujeitos neste dispositivo passa a ficar em último plano, o que importa é mostrar algo curioso, engraçado, freak para pessoas “normais”, custe o que custar.

Eduardo vai por outra angulação e aponta que o tratamento dispensado se dá por dois fatores: “a utilização de critérios subjetivos sobre como se deve cobrir esse tipo de evento (descrição clássica da banda, do público e do show), o que acaba tornando esse tipo de matéria sempre bastante repetitiva” e, também, “o desconhecimento dos próprios repórteres sobre o tema, sendo levados a questionar o público sobre obviedades e enaltecendo estereótipos”. Por fim, além de julgar ter sido feito o tratamento do show como “uma curiosidade exótica”, 774

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Carlos corrobora as idéias de Eduardo ao mencionar o desconhecimento dos repórteres.

5. The final frontier45 Se a cultura é o cenário aonde se dão os mais diversos embates entre forças hegemônicas e contra-hegemônicas da sociedade, contatamos que a mídia massiva consiste no seu principal palco, pelo qual desfilam informações sobre esses variados agentes sociais espraiados ao redor do mundo. Nessa autêntica peleja, de modo geral, ainda prevalecem visões de mundo que se locomovem em compasso com a ideologia vigente. E o uso dos estereótipos traduz uma das formas mais eficazes de manter essa engrenagem em ação. Autênticas “próteses de linguagem” (Ramos, 2014, p.151), os estereótipos fomentam construções simbólicas avessas ao diferente, àquilo que não se enquadra nos padrões estipulados por forças dominantes e que são estimuladas midiaticamente no nosso cotidiano. Desta maneira, reforçam uma visão conservadora a partir da qual o novo (ou diferente) é esquisito e, portanto, não há espaço para ele. Destarte, impõem barreiras entre aquilo que é considerado “certo” e o que é tido como “errado”, germinando julgamentos velados a respeito dos comportamentos, práticas e modos de ser (e de vestir) dos fãs do Iron Maiden. Ajudam, assim, a preservar um determinado sistema de poder, seus ditames, visões e práticas, ao mesmo tempo em que – é salutar lembrar sempre – mantêm intacta uma determinada visão comercial da informação. A partir de suas multimediações, os entrevistados analisados perceberam parte dessas práticas nas matérias do G1 e do R7. Em linhas gerais, a possibilidade reinante em suas respostas foi a negociação, o que corrobora a tese de Orozco Gómez (2003). Sendo fã ou não sendo fã do Iron Maiden, sendo um veraz conhecedor ou não da sua música, sendo versado ou não nas técnicas e abordagens jornalísticas, os participantes do grupo focal repudiaram boa parcela do que foi veiculado pelos portais. Quando o tópico em voga é a cultura, e, no caso específico aqui, a música, em maior ou menor grau, os entrevistados reconheceram que essas temáticas não têm necessariamente relação com o entretenimento e, com efeito, heavy metal não é sinônimo de matéria divertida. Ao que parece, o uso da estereotipia em prol de um determinado sistema de poder não é algo que ainda passa despercebido pelos receptores. O faz de conta do telejornalismo tradicional precisa ser repensado. 6. The book of souls46

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CARDOSO FILHO, Jorge. Emergência do sentido na canção midiática: uma proposta metodológica. In Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v.1, nº 18, p. 1-16, jan-jun 2008. 45 46

Título do álbum da banda lançado em agosto de 2010. Nome do último álbum da banda.

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Autores Fábio Cruz. Pós-doutor em Direitos Humanos, Mídia e Movimentos Sociais (Universidade Pablo de Olavide – UPO, Sevilha/Espanha). Doutor em Cultura Midiática e Tecnologias do Imaginário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). e-mail: [email protected] Estevan Garcia. Graduando (8° semestre) do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Bolsista de pesquisa (UFPel) do projeto “Cultura da mídia, rock e recepção”. e-mail: [email protected]

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Aproximações Teóricas Entre Jornalismo Online, Modos De Endereçamento E Recepção Kérley WINQUES1

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina Resumo: Este artigo está estritamente conectado à exploração das teorias de recepção e modos de endereçamento no que se refere à importância e relevância do jornalismo no contexto vigente. O jornalismo vem apresentando dificuldades no que se refere à compreensão das apropriações e hábitos de leitura da audiência contemporânea ubiquamente conectada. Atualmente, os movimentos relacionados à construção de notícias e às formas de conhecer a audiência estão baseados em ferramentas Web Analytics, que não oferecem nenhuma proximidade com o público; pelo contrário, revelam apenas dados quantitativos. Posto isto, de natureza teórica, o objetivo deste estudo é voltado à construção de uma aproximação entre o jornalismo online, os processos de endereçamento e a recepção pela perspectiva sociocultural. Palavras-chave: contemporâneo.

Jornalismo;

Recepção;

Modos

de

endereçamento;

Leitor

1 Introdução A adaptação aos novos tempos passa pelas transformações do chamado Jornalismo Pós-industrial (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013). A crise no setor aliada à sociedade midiatizada oferecem subsídios para uma inevitável mudança no mercado editorial. Porém, em meio às estratégias de manter os veículos e sobreviver em meio à crise do modelo de gestão e negócios, é preciso atentar-se para a audiência. Ela também passa continuamente por processos de modificações, pois o consumo se torna cada vez mais segmentado. Em vista disso, as gerações e suas vivências

Kérley Winques – Mestre em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. 1

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histórico-sociais acabam delineando gostos por diferentes tendências2 e conteúdos. Por tais características é preciso encontrar formas de manter uma constância do leitor, suas permanências vão depender de como ele se sente, de como ele chegou até determinada informação e, mais do que isso, dos seus hábitos cotidianos. Este artigo surgiu mediante a observação de um problema que ainda persiste após quase duas décadas do firmamento do jornalismo na internet no Brasil: a falta de compreensão por parte das empresas jornalísticas no que se refere às apropriações e hábitos de leitura da audiência contemporânea, conectada a diferentes plataformas. Algumas lacunas podem ser observadas no que diz respeito aos estudos de recepção na internet. Jacks (2014) é quem faz um levantamento referente às pesquisas que envolvem os processos de recepção (2000-2009). Na contagem relativa aos meios, o mapeamento da autora revela que a televisão (104) continua despertando mais interesse nos pesquisadores, seguida da internet (26), rádio (19), jornal (12) e revista (11). No recorte por gênero midiático o jornalismo aparece em 54 pesquisas, sendo que, 21 delas estão relacionadas à abordagem sociocultural, 17 sociodiscursivo e 16 comportamental. Pieniz e Wottrich (2014) revelam que nenhuma das pesquisas mapeadas apresentam como foco principal o jornalismo online e/ou o leitor. As autoras fazem um alerta referente aos trabalhos de caráter sociodiscursivo e comportamental, pois as amostras não interpelam os sujeitos diretamente, mas sim via comentários em sites e redes sociais. Dessa forma, “delimitam a seleção dos comentários mais com base na exploração empírica do que em orientações teórico-metodológicas, visto a escassez de estudos no campo que empreendam uma reflexão na perspectiva do receptor em relação à Internet” (PIENIZ; WOTTRICH, 2014, p. 84). As críticas tecidas pelas autoras levantam questionamentos a serem preenchidos com relação à compreensão dos leitores contemporâneos. Não basta analisar a participação via comentários ou compartilhamentos, pois o consumo informacional está além dessas ações pontuais. Para identificar as nuances e características é preciso um estudo teóricometodológico que dê conta da compreensão das apropriações, identidades, hábitos cotidianos e reelaborações. Em vista disso, opta-se por aproximar os estudos do jornalismo online à abordagem sociocultural, que, por enquanto, foi pouco utilizada como aporte em pesquisas relacionadas aos leitores de conteúdos jornalísticos disponibilizados na internet (PIENIZ; WOTTRICH, 2014). A importância de verificar a recepção aliada aos contrapontos existentes nas relações entre online e off-line é lembrada por Pieniz e Wottrich (2014), além das suas correlações com o âmbito profissional. Logo, verifica-se a necessidade de olhar para a construção das notícias no âmbito das redações. Além de olhar para as 2

Na dissertação de Winques (2016) foi possível identificar que as gerações X, Y e Z apresentam particularidades no consumo da informação, além disso o tempo cronológico e as vivências-histórico sociais apresentam novos perfis de leitores.

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transformações da profissão, ressalta-se a importância de identificar as idealizações de audiência. Sendo assim, é reforçado que a pesquisa seja descentralizadora, ou seja, que não olhe apenas para o receptor como objeto único de análise; mas que a observação epistemológica e empírica contemple de forma composta os níveis que atingem as redações, os jornalistas, a circulação, as telas, os meios e, por fim, o receptor e suas reelaborações e apropriações. Nos estudos jornalísticos voltados para redações, os modos de endereçamento foram utilizados principalmente em pesquisas focadas no telejornalismo (OLIVEIRA, 2014). Em consequência, é justificável aproximar os estudos de recepção aos processos de endereçamento, numa perspectiva teórico-metodológica que vise as redações, o jornalismo online e o leitor contemporâneo. Desta forma, este artigo está estritamente conectado à exploração das teorias de recepção e endereçamento no que se refere à importância e relevância do jornalismo no contexto contemporâneo. No que tange ao leitor/audiência, Wolf (2009) salienta que “os jornalistas conhecem pouco seu público: embora aparatos promovam pesquisas sobre as características da audiência, sobre seus hábitos de audição e sobre suas preferências, os jornalistas raramente os conhecem” (WOLF, 2009, p. 222). Atualmente, os movimentos relacionados à construção de notícias e às formas de conhecer a audiência estão baseados em ferramentas Web Analytics, que não oferecem nenhuma proximidade com o público; pelo contrário, revelam apenas dados quantitativos. Posto isto, de natureza teórica, o objetivo deste estudo é voltado à construção de uma aproximação entre o jornalismo online, os processos de endereçamento e o estudo de recepção pela perspectiva sociocultural. 2 Jornalismo online e o contexto contemporâneo

Na conjuntura atual do mercado editorial surgem diversos indícios de uma existente crise. Não se vende mais jornal como antigamente, a publicidade está cada vez mais aberta na rede, e, parece que o jornalismo ainda busca formas de atingir seus leitores online. Em contrapartida, nunca houve tantas alternativas de publicações, já que as possibilidades perpassam por diversos meios, do impresso ao digital. O jornalismo3, já dizia Beltrão, “é, antes de tudo, informação” (1980, p. 65). E o texto4 faz parte do conjunto de informações oferecidas pela mídia. Para o autor, a 3

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Para Beltrão (1980a, p. 30) “O jornalismo é a informação da atualidade, proporcionada à sua audiência, a massa, para que promova, isto é, realize uma ação construtiva do bem comum. Nenhuma ação pode ser construtiva se seu agente desconhece os fatos, as idéias que o geram, seus antecedentes e possíveis conseqüências”. Segundo Lage (2005, p. 37), “a palavra texto significa, em sua origem, ‘aquilo que foi tecido’ – supõe entrelaçamento, contextura. Organiza-se segundo uma lógica interna, equivalente aos pontos e laços das rendas e bordados. Como acontece com tudo nos desempenhos humanos, essa lógica apóia-se numa

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interpretação jornalística consiste em recolher dados no universo das ocorrências atuais e ideias atuantes, a fim de proporcionar ao público o que realmente é importante e significativo. Esses dados podem ser vistos em forma de texto, som, fotos, vídeos, ilustrações etc., ou combinações destes, destinados a interpretar a realidade. Há muitos canais pelos quais é possível distribuir notícias para o público, tais como revistas e jornais impressos, televisão e rádio. Entretanto, todos eles são reconfigurados com a internet, que se tornou uma das grandes plataformas de comunicação, na qual o jornalismo, como tantas outras atividades sociais, faz-se presente. Tais ressignificações são reflexos do que é apontado como convergência (JENKINS, 2009). Este é um conceito-chave para entender as transformações que a internet provocou e provoca na prática jornalística. Além da convergência, a mobilidade dos aparelhos eletrônicos e a possibilidade de o usuário se deslocar no tempo e no espaço provocam um ecossistema de participação e comunicação ubíqua (SANTAELLA, 2013; PAVLIK, 2014). Sendo assim, os espaços territoriais são fluidos, os usuários são fontes cada vez mais presentes e móveis, a informação é pervasiva e isso gera consequências na produção e distribuição da informação no campo do jornalismo. O desenvolvimento do jornalismo sempre esteve diretamente relacionado ao crescente avanço tecnológico, mas desde o advento da internet parece haver uma ruptura em maior escala tanto no que se refere à produção quanto à distruibuição de conteúdos. Nesse contexto, uma das características mais inovadoras do século XXI, no que diz respeito à produção jornalística, são os atuais ciclos de criação e evolução de conteúdos audiovisuais na internet. Um exemplo disso é: a grande reportagem multimídia, infografias interativas, webdocumentários, transmissões de debates e conversas ao vivo nas redes sociais, newsgames, podcasts, vídeos e fotografias em 360 graus e narrativas em realidade virtual. São essas que emergem com design e estruturas inovadoras, que trazem consigo a renovação na apresentação de notícias. A diversificação dos produtos editoriais, temas e formatos que envolvem o jornalismo acaba por definir públicos segmentados, as narrativas webjornalísticas no seu processo de construção nascem e são publicadas para atingir públicos peculiares, desde aqueles que acompanham textos longform até os que preferem transmissões via Twitter. Anderson (2006) defende que cada ouvinte, leitor ou espectador possui interesses específicos. O autor esclarece que ainda existe demanda para a cultura de massa, porém esse já não é mais o único mercado. Consumidores exigem cada vez mais opções, constroem nichos e exploram variedades. estrutura mental em que se encaixam, na primeira infância, palavras e regras de gramática do idioma materno, numa aventura de conhecimento que continua por toda vida”.

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Dessa forma, os discursos construídos pelo jornalismo buscam certo perfil de leitores, porém, deve-se atentar para as condições de leitura, as plataformas, os hábitos, os ritos e os processos que envolvem o consumo de determinada narrativa. Consequentemente, ler é compreendido “como um gesto de interpretação situado entre condições técnicas e rituais discursivos específicos, organizados historicamente e dependentes das atividades de linguagem, das trocas, apropriações e subversões dos leitores – portanto, mutáveis” (STORCH, 2009, p. 34). O processo de construção das narrativas jornalísticas está intrinsecamente conectado com o que os jornalistas imaginam ser as expectativas de seus leitores. Charadeau (2007) chama o leitor, que perfaz as rotinas de produção da notícia, de “público alvo ideal”. A instância de recepção é portadora de um “conjunto ‘impreciso’ de valores éticosociais” e, acrescentemos, “afetivos-sociais”, os quais devem ser levados em conta pela instância midiática para poder apresentar uma informação mais ou menos de acordo com suas expectativas (CHARADEAU, 2007, p. 79-80).

As expectativas são desenvolvidas em um processo subjetivo e ocorrem em todos os movimentos midiáticos. Nesse caso, levam em conta as rotinas profissionais dos jornalistas e os “supostos” interesses (aqueles que as métricas e algoritmos indicam) dos leitores. Números encontrados de forma quantitativa, que, de certa forma, invisibilizam os sujeitos receptores ativamente conectados às diferentes plataformas. Para explorar as apropriações do público, antes de tudo, cabe compreender para quem e qual plataforma estão sendo construídos os discursos narrativos. Segundo Alsina (2009), é preciso lembrar que a construção de conteúdos jornalísticos é um processo baseado em três fases: a produção, a circulação e o consumo. No entanto, essas fases se misturam, consagrando a chamada cultura da participação (SHIRKY, 2011). Conectada a essa cultura, as redes sociais surgem como uma ferramenta fundamental no que se refere às interações e conversações. Nessa lógica, “uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)” (RECUERO, 2009, p. 24, grifos da autora). 3 Audiência e endereçamento

Há pouco tempo as pesquisas do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) registravam dados referentes ao consumo do público na mídia impressa, televisiva, radiofônica etc. Atualmente, é possível identificar a utilização nas redações de ferramentas Web Analytics, que efetuam a coleta, análise e produção de relatórios referentes à navegação e à interação do usuário online. A mais conhecida 782

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delas é o Google Analytics/Omniture5, que fornece informações em tempo real sobre acessos, cliques e tempo de permanência nas páginas. A ferramenta também apresenta dados atualizados sobre como os visitantes usam o site, em qual dispositivo, localização geográfica e como chegaram até ele. O Analytics vem sendo visto pelo mercado jornalístico não só como uma ferramenta de monitoramento de tráfego, mas como um recurso poderoso para a tomada de decisões em publicações online – tanto em redes sociais quanto em sites. No entanto, as métricas são vistas como uma ferramenta que oferece apenas dados quantitativos, mais relacionados a dados estatísticos do que ao real consumo dos conteúdos oferecidos nas páginas dos jornais online, mais do que isso, colocam diversos usuários numa bolha midiática. Essa bolha, construída com base em algoritmos, invisibiliza e separa o leitor de conteúdos que possam interessar e compor a vivência cotidiana e social. A natureza do trabalho e os processos pelos quais textos longos e narrativas multimídia são descobertas, consumidas e compartilhadas estão em conflito com o método caça-cliques e o sucesso viral. Esses métodos acabam por ocultar conteúdos relevantes e bem produzidos. As redes sociais e sites de notícias são tomados por notícias que o Google Analytics “diz” serem as mais acessadas. Narrativas multimídia ou conteúdos longform demandam tempo de investigação, produção e finalização, e a dúvida que se gera é sobre até que ponto vale a pena ocultar do leitor conteúdos de qualidade em função de “cliques de sucesso”. Claro, o sucesso viral divulga o veículo, que terá mais acesso e mais números para mostrar aos anunciantes, mas não está na hora de pensar numa relação mais duradoura? É preciso voltar-se para a fidelização e conquista da credibilidade, com a qual os jornais resgatem sua importância como fonte essencial para uma sociedade democrática. As redes sociais são um recurso poderoso no que diz respeito à distribuição de conteúdos jornalísticos. É possível observar, além disso, grandes saltos na capacidade virtual. Diversas tendências se desdobram nesse espaço, como transmissões ao vivo, narrativas 360 graus e aplicativos de bate-papo. Porém, Bell (2016) alerta que o controle está nas mãos de poucos, o que coloca o futuro do ecossistema midiático de publicação em perigo e gera preocupações, seja no âmbito econômico ou no da ética, sobre o desequilíbrio da distribuição das informações. Os jornais ainda têm a opção de estabelecer os parâmetros que delimitam os fatos que podem ser enquadrados como acontecimentos. No entanto, as formas de direcionar os fatos para o público estão em conflito, num primeiro momento com as métricas e na sequência com os algoritmos. É nesse contexto que entra o conceito de modo de endereçamento que, “quando aplicado aos estudos de jornalismo, nos leva a tomar como pressuposto que quem quer que produza uma notícia deverá ter em 5

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conta não apenas uma orientação em relação ao acontecimento, mas também uma orientação em relação ao receptor” (GOMES, 2004, p. 91). A reinvenção do jornalismo apresenta diversas narrativas webjornalísticas que auxiliam no processo de construção social da realidade (ALSINA, 2009). E essa construção é dependente das práticas produtivas do jornalismo e, ainda da participação e compreensão das audiências. Para confrontar o que os jornalistas acham que são seu público e como de fato ele é, enxerga-se a necessidade de explorar os processos de endereçamento. Esta abordagem visa verificar como determinado meio jornalístico se relaciona com sua audiência a partir da construção de um estilo, que o identifica e que o diferencia dos demais (GOMES, 2004). Ou seja, o modo de endereçamento é a forma como os veículos constroem um formato particular de relação com o público. A construção das narrativas webjornalísticas podem ser observadas como um estilo desenvolvido pelos jornais para atingir o leitor contemporâneo. Desta forma, observa-se a necessidade de olhar como esses conteúdos online desenvolvem uma relação de interdependência com os receptores. Baseado em Gomes (2004), sete operadores são norteadores para uma investigação que vise à compreensão do modo de endereçamento e o leitor contemporâneo conectado ao jornalismo online: 1) o mediador; 2) temática, organização das editorias e proximidade com a audiência; 3) o pacto sobre o papel do jornalismo; 4) o contexto comunicativo; 5) os recursos técnicos a serviço do jornalismo; 6) recursos da linguagem webjornalística; e 7) formatos de apresentação das notícias e/ou reportagens. Nesse sentido, “entender a reviravolta na produção de notícias e no jornalismo, e decidir qual a maneira eficaz de aplicar o esforço humano, será crucial para todo e qualquer jornalista (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2013, p. 42). A afirmação dos autores impulsiona a compreender o leitor contemporâneo mediante a recepção de cunho sociocultural. Parece cada vez mais necessário pensar nas apropriações das audiências segmentadas, seus hábitos e reelaborações. 4 Relações e tensionamentos: a importância da recepção

Destaca-se que a leitura é um ato que envolve apropriação e produção de significados. Chartier (1999) afirma que a liberdade de ler não é absoluta, mas sim cercada por limitações “derivadas das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura. Os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes são inventadas, outras se extinguem” (CHARTIER, 1999, p. 77). Desta forma, Jacks e Escosteguy (2005, p. 36) destacam a importância da recepção, a qual “cada leitor pode reagir individualmente a um texto, mas a recepção é um fato social, uma medida comum 784

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localizada entre essas reações particulares; portanto, nessa perspectiva, a inclusão do contexto passa a ser central”. Fausto Neto (2010) lembra que as noções de recepção emergem com a emergência das tecnologias e sua consequente conversão em meios de comunicação que ecoam nos processos de interação e organização social. A recepção compartilha “com os estudos culturais a concepção sobre a mensagem dos meios, considerando-a como formas culturais abertas a distintas decodificações, e sobre a audiência, definindo-a como composta por agentes de produção de sentido” (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 41-42). Assim, os receptores são entendidos como indivíduos ativos, os quais têm liberdade para fazer diversas coisas com os meios de comunicação – do simples consumo e uso a uma aplicação social mais relevante. Na perspectiva de Ronsini (2010), a ênfase da recepção se faz presente na análise da constituição do cultural pelas mediações comunicativas. Para a autora, as mediações permeiam a relação do receptor com o meio, e esse não existe fora da conexão com os meios: “classes sociais, gênero, etnia, família, escola, grupos de amigos, indivíduos estão sendo modelados pela cultura da mídia” (RONSINI, 2010, p. 11). Ela ainda afirma que as mediações comunicativas na recepção são compreendidas mediante a análise dos conteúdos midiáticos relevantes no cotidiano do receptor, abrangendo a investigação do texto e dos usos, da circulação no espaço/tempo do leitor e da conformação deste espaço/tempo (RONSINI, 2010). No que tange à caracterização, entretanto, Jacks e Escosteguy (2005) apontam que a análise de recepção é um procedimento comparativo que visa confrontar o discurso dos meios e o da audiência e, ainda, a estrutura do conteúdo e a resposta da audiência em relação ao conteúdo. As autoras citam Denis McQuail (1997 apud JACKS; ESCOSTEGUY, 2005), autor que propõe a seguinte classificação dos estudos de recepção: estrutural, comportamental e sociocultural. A título de definição, a abordagem sociocultural é vista por Escosteguy (2004, p. 135) como aquela que envolve um olhar mais amplo e complexo do processo de recepção das narrativas midiáticas. Nesse caso “são consideradas múltiplas relações sociais e culturais. Mais do que o estudo do fenômeno de recepção em si mesmo, pretendem problematizar e pesquisar, seja do ponto de vista teórico ou empírico, sua inserção social e cultural” (ibid.). A sociodiscursiva está relacionada ao discurso dos sujeitos “a partir de enfoques teórico-metodológicos que se dedicam à análise dos discursos sociais, os que emanam da mídia e dos receptores” (JACKS, 2014, p. 14). Por fim, as pesquisas de cunho comportamental são aquelas que se preocupam em avaliar os efeitos dos meios, focalizam, principalmente, a origem, natureza e o grau dos motivos que levaram a seleção do meio. “Além de darem oportunidade para a audiência expor seu próprio comportamento” (JACKS; ESCOSTEGUY, 2005, p. 47). Para este artigo optou-se pela pesquisa de abordagem sociocultural, já que a abordagem ainda não recebeu estudos relacionados ao jornalismo online e ao leitor 785

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contemporâneo ubiquamente conectado. Para Jacks (2014, p. 33) essa perspectiva não se restringe ao ato de assistir televisão, mas começa bem antes e termina bem depois. Nesse caso os receptores

(...) são produtores de sentido, os trabalhos apontaram para processos de negociação, reinterpretação e reelaboração das mensagens midiáticas, segundo características como idade, sexo, etnia, grupo social, assim como por ação de agentes sociais como família, escola, religião, partido político e empresa. Ou ainda, conforme sua identidade cultural e vivência cotidiana, ou seja, segundo determinadas mediações e práticas culturais (Ibid.).

Quando o assunto é o receptor, as pesquisas pressupõem que ele:

ressignifica, ressimboliza e interpreta as mensagens, aceitando-as ou não. Assumem que o processo de recepção é condicionado pelas necessidades e desejos do receptor, pelas diferentes práxis que favorecem apropriações particularizadas, segundo critérios individuais, como caráter e personalidade, e critérios sociais como a estrutura familiar educacional, convenções, opiniões, o contexto sócio-histórico com relações sociais de determinados tipos. Ainda, segundo estratégias de leitura e convenções interpretativas aprendidas de acordo com sua condição de membro de uma comunidade particular e com seu habitus, com a vivência do receptor, como agente social, e com o ambiente da recepção, que pode modificar a atenção e a retenção das mensagens por parte dele (JACKS, 2008, p. 174, grifo nosso).

Na visão de Sousa (1995), o receptor se confunde ora como consumidor social e ora como desbravador de si. O consumidor não é mais visto, mesmo que de forma empírica, como alguém que consome supérfluos culturais ou produtos massificados apenas porque consome, mas “resgata-se nele também um espaço de produção cultural; é um receptor em situações e condições, e por isso mesmo, cada vez mais, a comunicação busca na cultura as formas de compreendê-lo, empírica e teoricamente” (SOUSA, 1995, p. 27). Por fim, Fausto Neto (2010) atenta para uma arquitetura comunicacional e seus crescentes processos de midiatização. Onde a circulação apresenta novas formas de interações entre produtores e receptores de mensagens, os papéis passam a ser complexificados. A circulação deixa de ser um elemento “invisível” ou “insondável” e é, graças a um trabalho complexo de linguagem e técnica, segundo operações de dispositivos, que sua “atividade construcionista” complexifica o processo da comunicação, gerando pistas, instituindo novos objetos e, ao mesmo tempo, procedimentos analíticos que ensejem a inteligibilidade do seu funcionamento (FAUSTO NETO, 2010, p. 55).

Assim, o autor atenta para a existência de um terceiro polo. Caracterizado como um novo modo de existência da recepção, “a partir da explicitação de operações da circulação que incidem sobre novos protocolos que articulam produtores/receptores de discursos. E, de modo pontual, um receptor situado em uma determinada nova problemática” (FAUSTO NETO, 2010, p. 55). 786

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A existência deste terceiro polo desafia o jornalismo online, de modo que a circulação da informação promove um cenário que altera os rumos da profissão jornalística e a compressão dos leitores contemporâneos. Não só o jornalismo, mas a própria pesquisa de recepção no âmbito da internet das coisas e das telas. O consumo da informação e sua associação cognitiva perpassa por diversos aplicativos, redes, meios e locais. 5 Considerações finais

A informação sempre será importante para a sociedade, no entanto, enxergase a necessidade de olhar para as transformações que vêm ocorrendo com o advento da internet e, acima de tudo, questioná-las. A circulação das informações está estritamente ligada ao endereçamento e à recepção. A opção em voga de utilizar as métricas e confiar nos algoritmos são questionáveis. Afinal, como a própria recepção de cunho sociocultural define: as práticas culturais e a vivência cotidiana determinam os processos de consumo e a apropriação dos receptores. E esse ambiente, no caso da informação jornalística online, é marcado por leitores – mais do que isso, internautas. Canclini (2008), ao tecer explicações sobre o internauta, faz alusão a um agente multimídia, isso porque, este usuário “lê, ouve e combina materiais diversos, procedentes da leitura e dos espetáculos. Essa integração de ações e linguagens redefiniu o lugar onde se aprendiam as principais habilidades – a escola – e a autonomia do campo educacional” (CANCLINI, 2008, p. 22). Ser um usuário da internet supõe mais ação e interação com os conteúdos e telas. Sujeitos assistem a programas de televisão enquanto usam as redes sociais e aplicativos de bate-papo nos seus smartphones, da mesma forma que quando estão no computador permanecem com a tela de dimensões reduzidas ao lado. A leitura se dissipa e escorre por diversos campos e espaços. A busca por informações não se prende somente aos meios massivos e hegemônicos, mas se espalha pela rede. A ubiquidade da informação e a conexão constante dos usuários configuram o cenário atual. O leitor contemporâneo fica estabelecido como: sujeito ativo, interagente e comunicante. Mais do que apenas publicar notícias online, o jornalismo precisa olhar para o novo cenário que se configura e compreender o poder de circulação que a internet propicia. O perfil do leitor mudou, suas ações e apropriações se reconfiguraram.

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Autora Doutoranda e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É pesquisadora do Núcleo de Estudos e Produção Hipermídia Aplicados ao Jornalismo (Nephi-Jor), inserido no Grupo de Pesquisa Hipermídia e Linguagem, vinculado ao CNPq. Possui graduação em Jornalismo pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Atua como professora no curso de Jornalismo do Bom Jesus/IELUSC. Tem se dedicado ao estudo de usuários/leitores ubiquamente conectados, principalmente no que tange ao consumo e recepção de narrativas webjornalísticas. E-mail: [email protected]

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A recepção das informações jornalísticas nos distritos rurais de Ponta Grossa-PR- movimentos iniciais da pesquisa exploratória Luana SOUZA1 Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná Resumo: A pesquisa em desenvolvimento e que dá origem a este artigo objetiva estudar como se dá a recepção e o consumo das informações jornalísticas em duas comunidades rurais de Ponta Grossa (PR): Guaragi e Itaiacoca. A ideia principal é saber quais são os veículos de comunicação mais utilizados por moradores destas comunidades e com isso perceber de que maneira se dá o consumo das informações a partir dos diferentes meios de comunicação em um ambiente tido como rural, bem como compreender quais são as características próprias destas áreas em relação com o consumo das informações jornalísticas. Palavras-chave: Recepção; pesquisa exploratória; distritos rurais; notícias 1 Introdução O início de uma pesquisa se dá com a coleta de dados, desenvolvimento de

métodos e referenciais teóricos que servem de embasamento para o desenvolvimento

do estudo. Mas uma dúvida que sempre surge é por onde devemos começar? A resposta possível quando o estudo está voltado para determinado grupo social, como

por exemplo as comunidades rurais, é realizar um primeiro contato com aquilo que 1

Luana Sandra de Souza - Mestranda em Jornalismo, Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.

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recepção e jornalismo

será investigado, neste caso, o cotidiano dos moradores da área rural e suas relações com os meios.

Esta aproximação é chamada de pesquisa exploratória que, segundo Jiani

Bonin (2011), é importante para se aproximar do objeto a ser investigado e, dessa

forma, perceber as suas especificidades. Podemos dizer que a pesquisa exploratória é um mapeamento inicial para identificar características, nuances e singularidades daquilo que se pretende ser estudado.

Segundo Bonin (2013), os processos de miditiazação na contemporaneidade

representam um desafio epistemológico fundamental para a pesquisa de comunicação. De acordo com a autora, na dimensão metodológica das pesquisas em

comunicação, torna-se crucial repensar métodos, processos e procedimentos

investigativos.

"Considerando tais questões, temos como propósito refletir sobre uma prática metodológica específica, a pesquisa exploratória, a fim de descortinar seu sentido e pensar seu papel no processo de construção da pesquisa comunicacional de recepção". (BONIN, 2013, p. 24)

Baseado nas proposições de Bonin, este artigo busca desenvolver a

importância da pesquisa exploratória no estudo de dissertação em desenvolvimento

sobre a recepção e o consumo jornalístico nas comunidades de Guaragi e Itaiacoca, distritos rurais de Ponta Grossa (PR). O início do estudo se deu em um primeiro

contato com os moradores destes locais, através da aplicação de 20 questionários em cada localidade, para saber o modo como eles vivem, horários em que consomem

informações e quais veículos de comunicação são mais utilizados por eles.

A pesquisa de recepção nos distritos rurais, que ainda está no início, fez uso da

pesquisa exploratória aliada ao método da etnografia que, segundo Teis e Teis

(2006), é uma perspectiva de pesquisa tradicionalmente usada pelos antropólogos para estudar a cultura de determinado grupo. Semelhante às técnicas de apuração jornalística, a etnografia consistiu na observação, entrevista e diálogo com as pessoas

que vivem nestes locais. Através do uso destes dois métodos, foi possível perceber as

principais especificidades destes locais e já foi possível delimitar parte do objeto de estudo.

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2 O meio rural e as suas características Bianchi (2003, p. 108) define o rural como uma mediação que relaciona o

cotidiano, interações sociais, o trabalho. "Quando se consideram as relações estabelecidas entre o midiático e consumidores que habitam o meio rural, a presença

do ambiente como mediação não se apaga, revela-se de distintas maneiras". (BIANCHI, 2003, p. 109). Souza (2016) observa que os moradores da área rural ainda

possuem as suas próprias características como acordar cedo, plantar e cuidar dos

animais. Nos distritos rurais de Guaragi e Itaiacoca, cenários de estudo da pesquisa, já

foi possível perceber, através da pesquisa exploratória e etnografia, características do modo como estes moradores vivem e consomem informações jornalísticas.

Nestas duas localidades, a maioria das mulheres são donas de casa e cuidam da

casa e dos filhos. Boa parte dos homens são agricultores e costumam levantar cedo.

Outras pessoas que residem em Guaragi, por exemplo, trabalham em Ponta Grossa.

Em Itaiacoca, muitos comerciantes possuem pequenas mercearias. Ainda segundo Souza (2016), mesmo com todos estes detalhes, o que se percebe atualmente é uma

maior aproximação entre o meio rural e o meio urbano. "O que vemos hoje é a urbanização do rural, a aproximação das características da cidade, com o acesso à

energia elétrica e, consequentemente, aos meios de comunicação que proporcionam acesso às informações jornalísticas". (SOUZA, 2016, p. 3).

De acordo com Fonseca Júnior (2002, p. 102), a verdade cultural dos países

latino-americanos é, segundo o autor, a mestiçagem, definida não somente como fato racial. "A trama hoje de modernidade e descontinuidades culturais, deformações sociais e estruturas de sentimento, de memórias e imaginários que misturam o indígena com o rural, o rural com o urbano, o folclore com o popular e o popular com o massivo". (JÚNIOR, 2002, p. 102).

A partir desta questão, Giuseppa Spenillo (1999, p. 31), observa que a

comunicação rural é entendida como um instrumento viabilizador de um fórum local com capacidade de definir e gerar políticas de desenvolvimento. Já na visão de Souza

(2016), a tecnologia se expande cada vez mais para lugares que antes eram de difíceis

acessos e "contribuem para um maior número de seguidores que acabam na dependência de mecanismos como a internet e a televisão, elementos fundamentais quando se trata de informações jornalísticas em tempo real". (SOUZA, 2016, p.5). 792

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Com relação ao acesso dos moradores aos meios de comunicação em Guaragi e

Itaiacoca, foi possível observar que eles costumam ter acesso às informações no período da manhã, antes do trabalho, ou no período da noite, horário do jantar. O rádio e a televisão foram os veículos que mais apareceram nos resultados dos questionários. A relação destes resultados está detalhada no tópico 4 deste trabalho.

Segundo Carneiro (2014, p.32), as dinâmicas territoriais são a base sobre a

qual diferentes culturas locais elaboram a interação entre as representações do 'rural' e do 'urbano'.

O desafio a que essa abordagem nos leva é o de perceber como tais culturas definem seus territórios e como reelaboram os bens materiais e imateriais adquiridos da intensificação da interação entre universos culturais distintos (do campo e da cidade). (CARNEIRO, 2014, p.32).

Para Spenillo (1999, p.40), a prática do uso dos meios de comunicação é, em

grande parte, coletiva e individual. "A televisão e o rádio reúnem a família na sala no

final do dia, do mesmo modo que fazia o contador de histórias, as relações de

vizinhança, as novenas religiosas". Segundo a autora, a predominância tecnológica

encontra o papel da comunicação rural enquanto instrumento para a viabilização de uma inserção cidadã das culturas populares de modo que suas condições locais sejam preservadas.

3 A pesquisa exploratória e a etnografia nos estudos de recepção Para Souza (2016), na investigação pontual de uma pesquisa, neste caso

especificamente, sobre consumo jornalístico nas comunidades rurais é necessário pensar nas etapas a serem seguidas, principalmente, no início dela para que haja a

delimitação do objeto de estudo, assim acontece também nas pesquisas em comunicação.

Neste sentido, duas frentes metodológicas são fundamentais para o passo

inicial de um estudo de recepção: a pesquisa exploratória e a etnografia. Semelhante à pesquisa exploratória no sentido de aproximar-se ao objeto de pesquisa, a etnografia, na visão de Mendes (2013, p. 286), consiste em um esforço intelectual, em busca de

alguns significados subjacentes à cultura de uma coletividade. Para a autora, este

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recepção e jornalismo

método procura tornar visível a divisão de estruturas significantes existentes por trás das ações e dos gestos de seus membros.

Assim como define Mara Rovida (2015, p.77), a etnografia é fonte de

inspiração para revelar a eficiência das formas de trabalho de campo semelhantes às

técnicas de apuração jornalística. Assim como o repórter, o pesquisador vai à campo para observar a maneira como os moradores destes distritos vivem, anota

informações principais sobre o consumo jornalístico e realiza entrevistas. Todas estas técnicas vão contribuir positivamente para a construção do trabalho final.

Na visão de Winkin (1998, p.132), quando um procedimento etnográfico é

iniciado dentro da sociedade, é preferível começar por um campo cujos limites

correspondam aos de um lugar público ou semipúblico. Segundo Teis e Teis (p.1), para que uma pesquisa seja reconhecida como do tipo etnográfico, ela precisa preencher, antes de tudo, os requisitos da etnografia que tem como características a observação das ações humanas e sua interpretação, a partir do ponto de vista das pessoas que praticam as ações.

Para Mendes (2013, p. 287), a etnografia pode causar o estranhamento do

público estudado. Segundo a autora, apreender os significados de uma cultura implica transformar aquilo que parece 'exótico' em algo familiar.

Quando a coletividade é socialmente distante, o antropólogo deve aproximar-se intelectualmente para captar seu ponto de vista. Se, ao contrário, o objeto de estudo lhe é próximo, deve desligar-se emocionalmente para estranhar o que se encontra petrificado em costumes e práticas que lhe são comuns. (MENDES, 2013, p. 288).

O ponto de vista também pode ser captado com a ajuda da pesquisa

exploratória, que contribuiu, juntamente com a etnografia, para a delimitação do

estudo de recepção nos distritos rurais. Segundo Bonin (2013, p. 33), a pesquisa exploratória auxilia na construção de arranjos e de invenções metodológicas

sensíveis às demandas da problemática e das lógicas dos objetos empíricos. "Seus resultados possibilitam, ainda, realizar construções de amostras que incluam

diversidades relevantes relacionadas às problemáticas investigadas". (BONIN, 2013, p. 33).

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Segundo Maldonado (2011), na pesquisa, a contextualização se dá como um

processo de reflexão, aprofundamento e sistematização que dá valor sócio-histórico e científico aos projetos.

A contextualização permite uma visão abrangente e ao mesmo tempo particular, e situa o contexto do problema como articulador dos outros contextos na estruturação da pesquisa. Ela fortalece os aspectos históricos, culturais, éticos, sociais e políticos da investigação [...]. (MALDONADO, 2011, p. 281).

Dessa maneira, a observação e reflexão sobre a interação nos distritos rurais

utilizando as metodologias da etnografia e pesquisa exploratória contribuiu para que

houvesse uma contextualização das comunidades rurais, na percepção de costumes dos moradores e, em parte, no consumo de informações jornalísticas de maneira

superficial, mas que será aprofundada em etapas posteriores da pesquisa. 4 O uso da pesquisa exploratória nos distritos rurais

O primeiro passo da pesquisa de dissertação em desenvolvimento começou em

abril de 2016. Trata-se de um estudo de recepção e consumo jornalístico nos distritos rurais de Ponta Grossa: Guaragi e Itaiacoca. A ideia principal é saber quais são os

veículos de comunicação mais utilizados pelos moradores destas comunidades, a exemplo da tevê, rádio, jornal impresso e internet.

O distrito de Guaragi está localizado a 28 quilômetros de Ponta Grossa, distância

de aproximadamente 30 minutos. A localidade conta com 2.936 habitantes, conforme

o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Censo 2010, e possui igrejas,

escola municipal e unidade de saúde. Já Itaiacoca fica a 32 quilômetros de Ponta

Grossa e possui 3.102 habitantes, conforme o IBGE. O distrito também é atrativo turístico por conta das suas cachoeiras à exemplo do Buraco do Padre e a Cachoeira da Mariquinha.

O objetivo da pesquisa também será perceber de que maneira se dá o consumo

das informações a partir dos diferentes meios de comunicação, à exemplo da tevê,

rádio, jornal impresso e internet, em um ambiente tido como rural e entender quais são as características próprias destas áreas e as proximidades com a cidade. O passo inicial da investigação começou com a ideia de realizar uma pesquisa exploratória nas duas comunidades.

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Esta etapa foi pensada com o objetivo de perceber as principais diferenças em

cada uma das localidades e o que será de principal interesse da pesquisa. O primeiro

contato com os moradores foi feito através da aplicação de questionários em Guaragi

e em Itaiacoca. Esta aplicação foi feita com o propósito de realizar um mapeamento

destas áreas. Segundo Bonin (2016), a práxis metodológica da pesquisa precisa incluir explorações que permitem a coleta de elementos que alimentem as construções.

As constatações e pistas obtidas na pesquisa exploratória, assim trabalhadas, alimentam o amadurecimento do desenho investigativo em planos diversos, relacionados ao problema/objeto, a aspectos da problemática, à construção teórica e à fabricação metodológica da observação empírica". (BONIN, 2013, p. 31)

Inicialmente, além de Guaragi e Itaiacoca, este estudo objetivava estudar

outros dois distritos também localizados na região de Ponta Grossa: Uvaia e

Periquitos. Nessas duas localidades também foram aplicados questionários. Porém, baseado no contato direto realizado nas duas regiões e na localização de cada uma

delas, optou-se por realizar algumas mudanças no trabalho e focar apenas nas duas

localidades citadas no início deste texto.

Primeiramente, esta pesquisa quer entender como se dá o acesso dos

moradores dos distritos às informações jornalísticas e, por isso, os entrevistados do

estudo devem morar em locais que tenham características que sejam marcadas como rurais. Periquitos, por exemplo, está inserido na zona urbana, o que foge da proposta,

já que a localidade tem características de bairro. Em Uvaia, os participantes do

questionário possuem casas no distrito somente para os finais de semana. A pesquisa quer incluir participantes que morem nestas áreas. 4.1 Resultados Após a primeira etapa do mapeamento considerou-se que serão privilegiados

os meios de comunicação com consumo maior, caso da televisão e do rádio. Em

Guaragi, o levantamento de dados apontou que 50% dos moradores ouvem rádio; 53% assistem telejornais e 59% consumem notícias pela manhã. No distrito de

Itaiacoca, a pesquisa mostrou que 50% dos moradores ouvem rádio, 47% assistem aos telejornais e 52% se informam pela manhã, conforme os gráficos abaixo: 796

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4.1.1 Rádio

Distritos - Rádio

Guaragi 50%

Itaiacoca 50%

Gráfico 1. Comparativo do consumo de informações jornalísticas através do rádio nos distritos de Itaiacoca e Guaragi.

4.2.2 Televisão Distritos - Telejornais

Itaiacoca 47%

Guaragi 53%

Gráfico 2. Comparativo do consumo de informações jornalísticas através da televisão nos distritos de Itaiacoca e Guaragi.

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Com relação aos demais veículos de comunicação foi possível perceber que os

moradores da área rural não costumam ler jornais impressos. Os resultados

mostraram que dos 20 entrevistados em cada distrito, apenas uma pessoa costuma ler jornal em Guaragi e duas em Itaiacoca.

Os jornais impressos também não chegam até as comunidades dificultando,

dessa forma, o acesso. A internet possui sinal fraco ou nulo nestas regiões. Por isso,

nem todos os moradores acessam notícias nos sites. Outro ponto analisado foi com relação aos programas noticiosos pela televisão e rádio.

4.2.3 Consumo de programas e emissoras de rádio em Guaragi e Itaiacoca No questionário, os moradores citaram diferentes programas e emissoras em

que buscam pelo consumo das informações. Com relação ao rádio, apareceram como

resultados as emissoras Rádio T FM (local); Jovem Pan; Rádio Mundi FM (local); Rádio MZ FM; Rádio Antena Sul FM e Rádio Sant'ana. O programa Voz do Brasil também apareceu como resposta. Os resultados estão nos gráficos abaixo.

Gráfico 3. Comparativo do consumo de informações jornalísticas em diferentes emissoras de rádio em Guaragi.

Nos questionários aplicados em Guaragi, 44% dos entrevistados informaram

que ouvem programas jornalísticos pela Rádio Mundi FM; em seguida 32% disseram 798

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que preferem a Rádio Antena Sul FM; 11% não informaram e o consumo de

informações pela Rádio T; Jovem Pan e Rádio MZ FM apresentou resultados iguais com 6%. Além disso, um único programa, a Voz do Brasil, apareceu nos resultados em que 6% das pessoas disseram informar-se pelo programa nacional.

Gráfico 4. Comparativo do consumo de informações jornalísticas em diferentes emissoras de rádio em Itaiacoca.

Em Itaiacoca, os resultados apareceram bem diferentes se comparado à

Guaragi. Cerca de 60% dos moradores disseram ouvir programas noticiosos pela Rádio Antena Sul FM; 20% pela Rádio MZ FM; 13% pela Rádio Sant'Ana e 7% pela Rádio Mundi FM.

4.2.4 Consumo de programas e emissoras de televisão em Guaragi e Itaiacoca Nos resultados referentes aos programas noticiosos de televisão apareceram

como respostas o Jornal Nacional; Rede Massa (local); RPC TV (local); Jornal Hoje;

Globo Repórter; Jornal da Record; Jornal da Band e SBT Nacional nos dois distritos, conforme os gráficos abaixo.

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Guaragi - Programas de TV Jornal da Record 4%

Não informaram 10%

Globo Repórter 4%

Rede Massa 15%

Jornal Hoje 4% Jornal Nacional 35%

RPCTV 38%

Gráfico 5. Comparativo do consumo de informações jornalísticas em diferentes emissoras de televisão em Guaragi.

Em Guaragi, 38% dos moradores informaram que assistem o jornal local da

RPCTV (afiliada da Rede Globo); 35% disseram assistir o Jornal Nacional, 15% a Rede Massa (afiliada do SBT) e 10% não informaram. Ao todo, 4% disseram assistir o

Jornal da Record; 4% o Globo Repórter e 4% o Jornal Hoje.

Rede Itaiacoca - Programas de TV Massa 4%

Jornal da Band 4%

SBT Nacional 13%

RPCTV 18%

Jornal da Record 13% Jornal Nacional 48%

Gráfico 6. Comparativo do consumo de informações jornalísticas em diferentes emissoras de televisão em Itaiacoca.

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Já em Itaiacoca, 48% dos moradores alegaram que assistem o Jornal Nacional;

18% a RPCTV; 13% o Jornal Nacional; 13% o Jornal da Record, 4% o Jornal da Band e

4% a Rede Massa. A diferença do maior consumo pelo Jornal Nacional se comparado à

Guaragi se dá por conta da torre de telefonia. No distrito, os moradores têm acesso somente a programas nacionais devido à retirada da rede no começo de 2016, por isso, somente aqueles que possuem antena parabólica assistem o jornal local. 5 Considerações finais Com base nos resultados preliminares obtidos foi possível perceber que o

mapeamento inicial, através da pesquisa exploratória, contribuiu para encontrar

informações fundamentais para a pesquisa de recepção das informações jornalísticas

nas comunidades rurais de Ponta Grossa (PR): Guaragi e Itaiacoca. Assim, de acordo com Bonin (2013), nas investigações dedicadas à recepção, as pesquisas exploratórias têm sido relevantes para construir nuances e precisões teóricas em relação à problemática da midiatização.

Mesmo que este estudo ainda esteja no começo, já foi possível levantar dados

preliminares sobre o consumo jornalístico dos moradores de Guaragi e Itaiacoca com a ajuda da pesquisa exploratória e da etnografia. Todos estes dados e observações

que foram anotadas pela pesquisadora servirão de base para o prosseguimento da pesquisa de dissertação.

O próximo passo será desenvolver outros instrumentos metodológicos nestas

comunidades com o objetivo de aprofundar ainda mais a coleta de dados para o estudo de recepção. As informações darão prosseguimento para uma análise mais

detalhada e serão analisadas juntamente com as primeiras informações coletadas para compreender a questão central deste trabalho que está relacionada ao consumo de informações jornalísticas nestes locais.

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Autora Luana Souza é jornalista e repórter do Jornal Diário dos Campos - Ponta Grossa (PR). Formada em Jornalismo no ano de 2011 pela Faculdade Santa Amélia (Secal), também é pós-graduada em Comunicação Empresarial pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (Cescage). Atualmente é aluna regular do mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O contato é através do email [email protected].

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O leitor invisível: análise da presença do leitor no material publicado sobre a implantação da fábrica Suzano papel e celulose, no jornal ‘O Progresso’ e em blogs informativos de Imperatriz-MA Marcos Fábio Belo MATOS1 Letícia Holanda de SOUSA2 Universidade Federal do Maranhão - UFMA Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos

Resumo: Análise das relações estabelecidas, pelo jornal O Progresso e pelos blogs informativos de Imperatriz-MA, com o leitor, a partir do acontecimento “Implantação da Fábrica Suzano de Papel e Celulose”, considerando os pressupostos da midiatização. Palavras-chave: Jornalismo. Midiatização. Leitor. Imperatriz-MA. 1 Introdução Este artigo é parte de uma pesquisa maior, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, na linha de pesquisa “Midiatização e Processos Sociais”, como estágio pós-doutoral orientado pelo professor doutor Antonio Fausto Neto. O projeto é intitulado “O Papel do Progresso: a midiatização da implantação da Fábrica Suzano Papel e Celulose em Imperatriz” e tem como meta principal analisar as operações de midiatização efetivadas pela Suzano no ambiente da comunicação local, notadamente, o jornal O Progresso (edições impressa e online) e os mais representativos blogs locais de informação. Esta é a segunda produção que a pesquisa gera. Antes, no mês de julho, apresentamos, por intermédio da bolsista de pesquisa do projeto, Letícia Holanda de Sousa, no XVIII Congresso de Ciências da Comunicação da Região Nordeste

Marcos Fábio Belo Matos – doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara); pós-doutorando em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS - São Leopoldo); professor do Curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Campus de Imperatriz. 2 Letícia Holanda de Sousa – graduanda do Curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Campus de Imperatriz, bolsista de pesquisa. 1

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(Intercom), o artigo: “O Papel do Progresso: uma Análise da Presença da Fábrica Suzano de Papel e Celulose em O Progresso”. O objetivo desse trabalho foi mostrar, quantitativamente, como a Suzano ocupou, na condição de acontecimento midiático, as páginas de O Progresso, tanto na condição de informação quanto de publicidade. O foco, então, deste segundo artigo é a análise das relações constituídas entre o jornal O Progresso e os blogs informativos com o leitor dos mesmos, a partir da avaliação do material publicado sobre a Suzano, considerando a teoria da midiatização. Para empreender tal iniciativa, procedemos a um levantamento documental do material publicado sobre a Suzano, tanto em O Progresso (nas suas versões impressa e online) quanto em oito blogs locais (Blog Asmoimp, Blog da Kelly, Blog do Elson Araújo, Blog do Josué Moura, Blog do William Marinho, Blog do Jhivago Sales, Blog do João Rodrigues e Blog Notícia da Foto). Em O Progresso, o levantamento foi feito, numa primeira ação, no arquivo dos jornais impressos e, numa segunda ação, no arquivo digital do periódico. O levantamento, ao final da pesquisa, compreendeu 942 edições, perfazendo um total de 214 matérias referentes à implantação da fábrica (notícias, reportagens, notas, publicidade, artigos). Já em relação aos blogs, a seleção foi efetivada, a partir da pesquisa nos sistemas de busca dos próprios dispositivos, com entrada feita pela palavra “Suzano”. Tais blogs foram escolhidos porque, na “cartografia comunicacional” de Imperatriz, possuem uma representatividade bastante considerada. Como segunda etapa de tratamento do material coletado na análise documental, após conhecer todo o arquivo selecionado, fizemos o devido recorte para proceder às leituras mais específicas. O critério adotado para a seleção das matérias que formariam o corpus definitivo foi o aparecimento da mesma notícia ou reportagem (ou o seu conteúdo integral) em mais de um dispositivo. Assim, foram selecionadas 10 matérias que circularam em, pelo menos, dois veículos: em O Progresso e um blog (houve matérias que circularam, ao mesmo tempo, no jornal e em cinco blogs). A ideia, neste caso, foi analisar materialidades que pudessem contemplar, ao mesmo tempo, os dois tipos de dispositivos escolhidos: tanto o jornal (impresso e online) quanto os blogs informativos. Por conta disso, restringimo-nos às notícias e reportagens. As matérias escolhidas constam da tabela abaixo, com os respectivos registros de aparecimento nos dispositivos selecionados para análise: MATÉRIA “Nasce mais uma semente de desenvolvimento em Imperatriz”, diz o prefeito Madeira. Suzano celulose lança programa de capacitação profissional em Imperatriz.

DATA Janeiro de 2011 Abril de 2011

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Local de Publicação Blog do Elson Araújo Jornal O Progresso

Blog do Elson Araújo Blog do João Rodrigues Blog Notícia da Foto 2

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Suzano papel e celulose amplia investimentos no Nordeste.

Junho de 2011

Suzano papel e celulose realiza audiências públicas em Imperatriz e João Lisboa Suzano: Construção da Fábrica de Papel e Celulose de Imperatriz está em pleno andamento. Suzano lança cursos de Capacitação de Pessoas na Região Tocantina.

Julho de 2011 Dezembro de 2011

Suzano começa a produzir celulose na fábrica de Imperatriz.

Janeiro de 2014

Inauguração da fábrica da Suzano em Imperatriz.

Março de 2014

Suzano emite nota de esclarecimento sobre morte de trabalhadores. Três funcionários da Suzano Papel e Celulose morrem carbonizados ao tentar apagar fogo em fazenda.

Março de 2012

Setembro de 2012 Outubro de 2013

Jornal O Progresso Blog do Elson Araújo Blog do William Marinho Blog do João Rodrigues Jornal O Progresso Blog do João Rodrigues Jornal O Progresso Blog do Josué Moura Jornal O Progresso Blog do William Marinho Blog do Josué Moura Jornal O Progresso Blog Asmoimp Jornal O Progresso Blog Asmoimp Blog da Kelly Blog do João Rodrigues Blog Notícia da Foto Jornal O Progresso Blog do Elson Araújo Blog do Josué Moura Blog Notícia da Foto Jornal O Progresso Blog da Kelly Blog do Elson Araújo Blog do Jhivago Sales Blog do João Rodrigues Blog Notícia da Foto Jornal O Progresso

Convém destacar que o corpus formado para o procedimento da análise tem as seguintes características: em primeiro lugar, os dez acontecimentos jornalísticos se distribuem pelo período que compreende o início da construção da planta industrial (março de 2011) e a inauguração oficial da empresa (março de 2014); em segundo lugar, está enfeixado no conjunto do que Melo, Assis (2016) convencionaram chamar de Jornalismo Informativo, basicamente dividido entre a notícia e a reportagem (sendo preciso, para ‘reportagem’, fazer um esforço condescendente à teoria – como afirmamos em artigo anterior (HOLANDA, MATOS, 2016)); enfoca uma diversidade de assuntos (início da construção; lançamento de programa de capacitação; tragédias envolvendo trabalhadores; audiências públicas; início da produção industrial; inauguração), o que constitui uma linearidade na publicização da “narrativa” do desenvolvimento da empresa em solo imperatrizense, culminando, claro, com a sua inauguração festiva, com a presença, inclusive, da presidenta da República, Dilma 806

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Rousseff; caracteriza-se por efetivar uma mínima relação com o leitor, como se verá na análise feita adiante. 2. A Suzano e a midiatização jornalística

As teorias que englobam o campo da midiatização são bastante novas e, no Brasil, ao menos, ainda pouco conhecidas. Isso pode se dar por dois motivos: pelo fato de que a ciência, por questões de conjuntura e estrutura, pouco – ou lentamente – se pulveriza (necessitando de promoção de congressos e demais eventos científicos e da publicação de edições acadêmicas, em geral, com baixas tiragens e divulgação terrirotial pouco extensa) e ainda por conta da sua novidade, em termos de construção epistemológica e teórica. Isso, inclusive, num sentido duplo. De trabalho das teorias que a explicam e ainda da sua efetividade social propriamente dita. Fausto Neto (2008, p. 90), como exemplo, afirma que (...) a midiatização resulta da evolução de processos midiáticos que se instauram nas sociedades industriais, tema eleito em reflexões analíticas de autores feitas nas últimas décadas e que chamam atenção para os modos de estruturação e funcionamento dos meios nas dinâmicas sociais e simbólicas.

Convém registrar que o nosso contato inicial com as teorias que englobam o estudo da midiatização se deu no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM), da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS), que é onde, no Brasil, esses estudos iniciaram e se mantêm mais consolidados, inclusive com a institucionalização de uma linha de pesquisa própria (“Midiatização e Processos Sociais”), contando hoje com pesquisadores de renome nacional, orientando a produção de uma quantidade significativa de dissertações e teses e empreendendo intercâmbios com pesquisadores da América Latina e Europa. Numa postura metodológica, cabe-nos tentar conceituar a midiatização. Nesse caso, valemo-nos de Fausto Neto (2008, p. 92), que, construindo um contexto mais amplo, escreve: A convergência de fatores sócio-tecnológicos, disseminados na sociedade segundo lógicas de ofertas e de usos sociais produziu, sobretudo nas três últimas décadas, profundas e complexas alterações na constituição societária, nas suas formas de vida, e suas interações. Ocorre a disseminação de novos protocolos técnicos em toda extensão da organização social, e de intensificação de processos que vão transformando tecnologias em meios de produção, circulação e recepção de discursos. Já não se trata mais de reconhecer a centralidade dos meios na tarefa de organização de processos interacionais entre os campos sociais, mas de constatar que a constituição e o funcionamento da sociedade – de suas práticas, lógicas e esquemas de codificação – estão atravessados e permeados por pressupostos e lógicas do que se denominaria a «cultura da mídia». Sua existência não se constitui fenômeno auxiliar, na medida em que as práticas sociais, os processos

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interacionais e a própria organização social, se fazem tomando como referência o modo de existência desta cultura, suas lógicas e suas operações.

Queremos destacar, nessa assertiva, o enfoque dado pelo pesquisador ao processo de superação, via midiatização, do cenário anterior, vivenciado pela sociedade, que era o da Sociedade dos Meios: aquele em que a mídia funcionava como organizadora de uma produção de sentido, como auxiliar num sistema de interações sociais, negociando com os demais campos (por exemplo: os sindicatos “iam para a mídia” para fazerem ouvir-se; as assessorias de comunicação “buscavam os jornais” para negociar espaços de publicização/visibilidade dos seus clientes; enfim, os sujeitos buscavam a mídia para, por meio dela, acessar a esfera pública). Hoje, a midiatização é um sistema interacional de referência (BRAGA, 2006), constituindo um próprio campo de existência para todas as organizações (nos mesmos exemplos: hoje os sindicatos têm suas mídias próprias; as assessorias, ao invés de apenas buscarem os espaços na mídia tradicional, criam-nos para seus clientes e os administram, fazendo deles espaços de publicização e visibilidade). É o que diz Fausto Neto (2008, p. 93, com grifo nosso), quando descreve: Uma designação econômica para diferenciar a «sociedade dos meios» da «sociedade da midiatização» está no fato de que na primeira as mídias estariam a serviço de uma organização de um processo interacional e sobre o qual teriam uma autonomia relativa, face à existência dos demais campos. Na segunda, a cultura midiática se converte na referência sobre a qual a estrutura sóciotécnica-discursiva se estabelece, produzindo zonas de afetação em vários níveis da organização e da dinâmica da própria sociedade. Nestas condições, as mídias seriam o lugar (...) em que no plano da sociedade global ter-se-ia o “trabalho” sobre as representações sociais (Verón, 2004). As mídias perdem este lugar de auxiliaridade e passam a se constituir uma referência engendradora no modo de ser da própria sociedade, e nos processos e interação entre as instituições e os atores sociais (...).

Com a midiatização, estabelece-se uma nova cultura: a cultura midiática. A mídia deixa de ser apenas um aparato técnico, passando a funcionar, realmente, como um sistema referencial de organização do mundo – como foi, por muitos anos, por exemplo, a escrita, que criou a cultura impressa. A sua amplitude é tão grande que Gomes (2015) identifica, com ela, a instituição de uma nova ambiência social e cita Muniz Sodré (apud GOMES, 2015), que qualifica esta nova forma de viver neste mundo como “Bios Midiático”. Outro exemplo de reconhecimento da importância deste fundamento social está no fato de que Hjarvard (2014) o compara, em termos de amplitude, a processos sociais fundantes de uma nova ordem, como a urbanização e a globalização. Por fim, como já mencionado, Braga (2006, p. 02) o qualifica como um sistema interacional de referência: “Assim, dentro da lógica da mediatização, os processos sociais de interação mediatizada passam a incluir, a abranger os demais, que não desaparecem mas se ajustam.” 808

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Os demais processos interacionais se ajustam à midiatização. Como exemplos, podemos arrolar o estudo de Xavier (2014), que descreve como se transformam, pelo viés da midiatização, as práticas do universo psi (psiquiatria, psicologia, psicanálise), a partir do estabelecimento de novas relações entre especialistas e pacientes. Ou ainda as transformações operadas no campo religioso e político (FAUSTO NETO, 2008). Outra característica da sociedade em vias de midiatização é o estabelecimento, nessa nova relação produção-recepção de produtos midiáticos, de uma zona que, antes, estava relegada a um simples aspecto isntrumental e que se mostra ativa e determinante na efetivação de um processo dinâmico de comunicação: a circulação. É pela circulação que os papéis de emissor/produtor e receptor se alternam, continuamente. É o que afirma Braga (2006, p. 28, grifos dele), quando diz: “O jornal pode virar papel de embrulho e lixo, no dia seguinte, mas as informações e estímulos continuam a circular. O sistema de circulação interacional é essa movimentação social dos sentidos e dos estímulos produzidos inicialmente pela mídia.” E ainda: “É relevante, para percebermos o sistema de interação social sobre a mídia, que a circulação de produtos midiáticos na sociedade não se faz apenas como ‘escolher e acolher’ segundo critérios culturais anteriores, mas gera um trabalho social dinâmico: respostas.” (BRAGA, 2006, p. 29, grifos dele). Também Fausto Neto (2008, p. 63) se posiciona sobre a necessidade de readequação no estabelecimento de posturas de produção e recepção, neste novo cenário: O conceito de circulação complexifica-se percorrendo um caminho longo, e somente o avanço das transformações dos regimes sócio-técnicos engendrados pela midiatização e suas repercussões sobre a organização social, permite compreender a saída de parte de sua problemática, de uma região invisível, para se transformar em dispositivos (com visíveis marcas) sócio-técnico-discursivos que vão reformular imensamente os processos de interação, especialmente o lugar, e o próprio conceito de recepção.

Para o âmbito da pesquisa que empreendemos, cabe destacar as transformações que se operam no campo específico do jornalismo. Segundo alguns autores, estamos vivendo a fase da migração de um jornalismo de massa para um jornalismo midiatizado; uma fase de transição, em que temos “(...) dois tempos evolutivos, neste caso a Modernidade e sua sucedânea, a Sociedade da Informação – em que formas antigas [de jornalismo] convivem com novos processos.” (PICCININ apud SOSTER, 2009, p. 165). Um tempo em que práticas tradicionais de jornalismo se equilibram em um novo cenário; em que as teorias tradicionais, como o Agenda Setting, o Newsmaking, os fatores tradicionais de noticiabilidade, por exemplo, já não conseguem explicar o fluxo da notícia, nem os seus engendramentos produtivos. E em que novas características de um novo jornalismo se fazem perceber.

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Numa tentativa de caracterizar este novo formato de jornalismo, valemo-nos dos estudos de Fausto Neto (2008) e Soster (2009). Para o primeiro, são quatro as mudanças que reestruturam o jornalismo em relação à midiatização: Segundo nossas hipóteses, as configurações desta «analítica», e de seu funcionamento, apresentam-se no universo do jornalismo e de sua prática, segundo quatro aspectos: 1) transformações da «topografia jornalística», como espaço «organizador do contato»; 2) a auto-referencialidade do processo produtivo; 3) auto-reflexividade sobre seus fundamentos teóricos; 4) transformação do status do leitor. (FAUSTO NETO, 2008, p. 96).

Explicando tais aspectos, resumidamente, diríamos que: a) As “transformações da ‘topografia jornalística’ como espaço ‘organizador de contato’” se referem às novas ações que o jornalismo empreende para mostrar seu processo produtivo e, ao mesmo tempo, ampliar sua zona de contato com o leitor. Nesse aspecto, vale o registro das ações de visibilização, por parte dos dispositivos jornalísticos, do seu processo e seus espaços de produção da notícia (a redação ao fundo do Jornal Nacional é um exemplo emblemático: o telespectador tem acesso à ‘cozinha’ do jornalismo...), do processo de ‘atorização’ dos jornalistas (cada dia mais midiáticos, mais ‘mostrativos’, mais transformados em celebridades), da abertura de mais seções em que o contato com o leitor é institucionalizado (seções de correspondência, de ombudsman, espaço “você no jornal X”, seção “Você, repórter”, “Sua foto no...”, etc). Fausto Neto (2008, p. 98) argumenta que “O efeito de sentido dessa estratégia é, justamente, argumentar que é preciso construir um vínculo mais duradouro entre estruturas de produção e consumo do jornal, e, para tanto, é preciso tornar visível e disponível o universo do próprio processo produtivo, nele fazendo, de alguma forma, aceder o leitor.” b) A “auto-referencialidade no processo produtivo” se estabelece a partir das ações do jornalismo, que lança luz sobre os seus próprios processos produtivos, na tentativa de mostrar ao leitor, além da informação, todo o percurso que ela efetivou para estar ali, ao seu alcance. Isso se nota, por exemplo, em textos editoriais que enaltecem a ‘aventura’ na produção de uma reportagem. Para Fausto Neto (2008, p. 98-99), “Não se trata mais de falar para o leitor, apontá-lo a realidade construída, ou dizer que sabe ou que «soube antes», mas relatar como faz para dizer que «sabe antes...».” c) A “auto-reflexividade sobre seus fundamentos teóricos” significa as tentativas do próprio sistema jornalístico de refletir sobre o seu processo produtivo. Como afirma Fausto Neto (2008, p. 99), “São enunciações que refletem os desafios e os efeitos de um «modo de dizer», chamando atenção para as concepções do dispositivo sobre o seu trabalho, e seu processo produtivo.”

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d) A “transformação do status do leitor” representa uma nova forma de conceber o esquema produção-recepção, não mais de forma unilateral, mas incluindo o leitor no processo, como sujeito ativo e coprodutor. Nas palavras de Fausto Neto (2008, p. 100): “A mudança do contrato, com a inclusão do receptor no âmbito do próprio dispositivo, significa que ele passa a se constituir num cogestor de operações de sentido, na medida em que «vem lá de fora, jogar o jogo que se passa aqui dentro»”. O autor explica, no entanto, que essa participação está vinculada às regras estabelecidas pelo dispositivo – como, por exemplo, as regras para o aparecimento de perguntas, em quadros de entrevistas, ou a própria seleção das mesmas, ou ainda as regras que são postas para a publicação (com ou sem moderação) de comentários de notícias pelos jornais online, portais, revistas e blogs informativos, conforme apresentam Reino e Bueno (2014). Tais características, por si sós, já apontam para uma nova forma (ou dinâmica) de se fazer jornalismo, que o tornaria diverso de um jornalismo que se fazia antes do advento de uma sociedade em vias de midiatização (ou que ainda se faz, considerando o fato de que, para muitos autores, ainda estamos vivendo uma fase de transição, ou de consolidação em processo). Porém, a elas ainda podemos, seguindo o raciocínio de Soster (2009), agregar outras: a) A Correferência: que pode ser percebida na ação, sistemática, dos veículos de mídia de registrarem, em suas matérias jornalísticas, a coleta de informações em outros dispositivos de igual natureza. Por exemplo: um jornal que informa ter coletado determinada notícia num site; um telejornal que registra que a informação foi divulgada por um jornal ou revista ou programa de rádio ou site. Isso faz com que se estabeleça uma verdadeira rede midiática, de oferta de informação e de sentidos. Soster (2013, sp) escreve: “Importante observar que a co-referência é tão antiga quanto o jornalismo (...). O que muda, nesse cenário, é a potência com que se estabelece.” b) A descentralização: o que significa que já não existe mais uma hegemonia, em relação a alguns dispositivos, na oferta de informação – nem no status dela. Para Soster (2013, sp), a arquitetura midiática, em uma sociedade midiatizada, se reconfigura: “Pensar a descentralização implica admitir que a forma do sistema é, antes, rizomática que axiomática, e que isso se deve, em muito, às características operacionais da internert, que amalgama o sistema jornalístico, antes complexa que linear.” c) A dialogia: que ocorre nas ações do jornalismo de ir “beber na fonte” de outras práticas, como, por exemplo, a literatura, incorporando alguns de seus fundamentos – neste caso, as técnicas narrativas. Como advoga Soster (2013, sp): “É quando o jornalismo, por exemplo, vai buscar na literatura 811

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subsídios para estabelecer diferenças, reconfigurando-se nas instâncias de emissão, recepção, circulação e reconhecimento (...)”. Para nós, claro fica que a adequação do jornalismo a essas características vai variar, a depender da conjuntura de cada localidade. Afinal, como mesmo apontam os teóricos, a midiatização tem sua consolidação vinculada a aspectos específicos, estando mais presente em sociedades altamente industrializadas (HJARVARD, 2014). Neste sentido, nossa pesquisa se restringe a analisar o estágio do jornalismo de Imperatriz, considerando os dispositivos jornal (impresso e online) e blogs, a partir do enfoque da relação que tais dispositivos mantêm com o seu leitor. Afinal, a relação com o leitor aproxima ou afasta o jornalismo local de um cenário midiatizado?

3. Jornal, blogs e a relação com o leitor

Efetivando a análise qualitativa do corpus selecionado para a pesquisa, formado por 10 matérias (entre notícias e reportagens) que veiculavam informações sobre a implantação da Fábrica Suzano de Papel e Celulose em Imperatriz, pudemos perceber que, especificamente, no aspecto da relação com o leitor, tanto jornal O Progresso quanto os oito blogs mantêm uma postura muito distante e pouco receptiva ao estabelecimento de uma relação comunicativa com ele. Em primeiro lugar, quanto ao jornal O Progresso, notamos que, nas 10 matérias analisadas, não apareceu nenhum comentário, no espaço específico para esse fim. Isso ocorre, apesar de, no site, haver o local para que o leitor comente sobre as matérias que lê. Outra observação relevante é o fato de, no período estudado (compreendido entre o início da construção da fábrica e a sua inauguração), não encontramos nenhum texto opinativo, com característica de ser de leitor, no espaço específico do jornal – ele disponibiliza, tanto na edição impressa quanto na online, um espaço denominado “Colunas”, em que publica textos tanto de colunistas próprios quanto de leitores. No período estudado, apenas foi verificado o aparecimento de dois textos opinativos, semelhantes aos do espaço “Coluna”, no jornal: o artigo “Suzano: começa um novo ciclo”, do jornalista Elson Araújo (na época, secretário de comunicação da Prefeitura de Imperatriz) e o artigo “Suzano Papel e Celulose: os prós e contras dessa grande empresa”, do jornalista Domingos Cézar (na época, integrante da equipe da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Imperatriz). Os dois artigos foram publicados na mesma edição do jornal, no dia da inauguração da fábrica (20 de março). Há que se registrar, talvez para validar a inexistência de comentários sobre a implantação da Suzano nas edições estudadas de O Progresso, que este jornal tem uma existência no ambiente da internet muito pouco profissionalizada e, por conseguinte, sem atrativos. Quanto a isso, duas observações:

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a) Apesar de estar na internet desde 2011, o site do jornal é pouco atrativo e apresenta poucos recursos de arquitetura virtual: não possui recursos audiovisuais, como a presença de galeria de fotos, de vídeos, de podcasts; não há movimentos na página inicial; as matérias não apresentam nenhum tipo de hiperlink. O jornal, com essa postura, estaria em desacordo com o que Santaella (2004, p. 182) reconhece como o perfil do leitor imersivo, que circula pela internet: “A rede não é um ambiente para imagens fixas, mas para a animação. Não há mais lapsos entre a observação e a movimentação.” b) Sua presença nas redes sociais (Facebook e Twitter, as mais acessadas) é muito tímida. Alguns dados: a página do Twitter do jornal tinha 361 seguidores3; como parâmetro, pudemos constatar que as páginas dos jornais O Estado do Maranhão, O Imparcial e Pequeno, de São Luís, tinham, respectivamente, 21.400, 9.708 e 13.700 seguidores; cabe informar que os quatro jornais inauguraram suas páginas nesta mídia social entre os anos de 2009 e 2010; a mesma página no Twitter, no dia pesquisado, apresentava matérias postadas pela manhã, nas quais não havia nenhuma curtida, resposta nem retweet (que são, em tese, indícios de aceitação ou de reação frente ao que foi postado); quanto ao Facebook, a página do jornal possuía postagens de dois dias anteriores, tendo a postagem mais curtida o número de 7 curtidas; o jornal, ao contrário do que faz no Twitter, não posta no Facebook os links das matérias, que direcionariam o leitor para o seu site, mas apenas algumas páginas, como fotos; ainda como forma de comparação, pudemos perceber que, enquanto O Progresso possui um total de 33.743 curtidas em seus posts, O Imparcial possui 175.961, O Estado do Maranhão possui 50.136 e o Jornal Pequeno possui 30.388; entre os quatro jornais, O Progresso é o único que não apresenta links na página do Facebook para as suas matérias. Tais comparações são basilares, pelo fato de ser O Progresso, conforme informação na sua página no Facebook, na seção “sobre”, o “Primeiro Jornal diário da Região Tocantina e terceiro mais antigo do Estado do Maranhão em circulação”. Em relação aos blogs selecionados para estudo (Blog Asmoimp, Blog da Kelly, Blog do Elson Araújo, Blog do Josué Moura, Blog do William Marinho, Blog do Jhivago Sales, Blog do João Rodrigues e Blog Notícia da Foto), em primeiro lugar, cabe informar que três deles não apresentam a ferramenta “comentários” nos seus dispositivos: Blog da Kelly, Blog do Elson Araújo e Blog do Jhivago Sales. Os blogs foram selecionados pelo fato de que podem ser considerados dispositivos informativos, pois divulgam notícias, com o caráter de atualidade, localidade e abrangência de foco (em geral, tratam de política, educação, saúde, violência urbana, 3

Para todas as informações sobre as páginas do jornal nas redes sociais, foi tomado o dia 06 de agosto de 2016, entre 17h e 20h, como referência, pois foi o dia em que as verificações foram feitas.

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dentre outros assuntos), são reconhecidos na cidade e ainda noticiaram, em maior e menor grau, o processo de implantação da Suzano em Imperatriz. Quanto ao estabelecimento de um relacionamento com o leitor, pudemos constatar, pela análise das matérias selecionadas, que, assim como O Progresso, ele é inexistente ou mínimo. Nas 10 matérias selecionadas para análise, em apenas duas delas surgiram comentários, e, em todos eles, não houve nenhum tipo de resposta aos leitores. Os dois primeiros comentários surgidos foram correspondentes à matéria “Suzano celulose lança programa de capacitação profissional em Imperatriz”, publicada em abril de 2011 e divulgada em O Progresso e nos blogs: Blog do Elson Araújo, Blog Notícia da Foto e Blog do João Rodrigues. Neste último, foram postados dois comentários. A leitora, identificada por Jordana, escreveu, no dia 15 de abril, às 13:52: “como que posso fazer para me escrever (sic) no programa Capacitar?”; e o leitor, identificado como Claudino Fernandes de Almeida, escreveu, no dia 20 de abril de 2011, às 13:50: “como posso fazer para me inscrever no programa capacitar e quais exigências (sic)”. Ambos os comentários não foram respondidos, nem geraram uma possível matéria de orientação. O terceiro comentário apareceu no dia da cerimônia de inauguração da fábrica. Com o título “Inauguração da fábrica da Suzano em Imperatriz”, esta matéria foi publicada no jornal O Progresso e nos seguintes blogs: Blog da Kelly, Blog do Elson Araújo, Blog do João Rodrigues, Blog do Jhivago Sales e Blog Notícia da Foto. Neste último, foi postado o seguinte comentário: Será que os nosso (sic) honoráveis vereadores e deputados sabem alguma coisa dos IMPACTOS NEGATIVOS que essa empresa, SUSANO (sic), causará à (sic) toda região tocantina? Só a título de informação, está escrito: A Europa e Os americanos não querem as empresas de celulose por lá, somente o produto ou seja, o papel. Onde elas estão se instalando segundo o autor do artigo: Nos países onde a legislação é frágil e os políticos são corruptos – O que será daqui a alguns anos? Deus nos proteja.

O comentário, escrito pelo leitor Leandro Lima, identificado como sendo do Instituto Federal do Maranhão, foi publicado no mesmo dia da matéria (20 de março), às 04:49. Assim como os dois anteriores, ficou sem resposta nem contestação – o que seria presumível ou desejável, tal o seu conteúdo de contestação e tamanha a importância do fato a que alude. Analisando, em seu conjunto, o comportamento dos dispositivos estudados, em relação à ação de relacionamento com o leitor, o que percebemos é que a postura não se coaduna com um jornalismo num contexto de midiatização. E Soster (2009) avalia que, no cenário de um jornalismo midiatizado, não cabe mais a postura de um leitor que apenas espera do dispositivo informativo; mas, sim, valendo-se da própria arquitetura da internet (links e demais ferramentas), este leitor faz seu próprio caminho de leitura e assume uma postura mais ativa em relação 814

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à mídia a partir da qual se informa – portanto, de cogestão da informação que recebe e que, em grande parte das vezes, repercute. Como última contribuição à reconfiguração desta nova postura do leitor, neste novo ambiente, novo cenário e nova arquitetura comunicacional, convém destacar a análise que Reino e Bueno (2014) realizaram sobre portais, sites de jornais e de revistas (semanais e mensais) brasileiros, identificando no estabelecimento da ferramenta “comentários” nesses dispositivos uma marca do jornalismo da atualidade – quer como forma de captar mais leitores, de avaliar o nível de repercussão das matérias que publicam ou de efetivar um contato efetivo com o seu leitor. Para eles, os comentários são constitutivos de um novo momento do jornalismo, que Fausto Neto (2008) e Soster (2009) vão reconhecer como midiatizado. 4. Considerações finais

Há ainda um longo caminho a percorrer na análise do estágio atual do jornalismo de Imperatriz, como prática informativa e de produção de sentido, em relação às características da midiatização, tomando-se por base a publicização dos acontecimentos relativos à implantação da Fábrica Suzano de Papel e Celulose na cidade – nosso campo atual de investigação. Outros aspectos precisam ser analisados, confrontados e descritos, para o estabelecimento de uma avaliação mais ampla e acurada. Por enquanto, o que este artigo se propôs foi definir um posicionamento analítico em relação à postura, tanto do jornal O Progresso quanto dos blogs locais, estabelecida na relação com o leitor. E o que a análise do corpus montado, efetivada à luz da teoria aqui apresentada, demonstrou foi que, nos dispositivos avaliados, o leitor não tem uma postura ativa: seus comentários, nos raríssimos momentos em que apareceram nos espaços devidos, não obtiveram atenção nem dos jornais e dos blogs nem da empresa mencionada neles – alvo da demanda de informações e da crítica sobre a sua necessidade de efetivar uma proteção ambiental. Desatenção que também se faz sentir na despreocupação, no caso do jornal O Progresso, de tornar sua “arquitetura virtual” mais atrativa e interativa – colhendo, como consequência, pouquíssimo retorno dos seus leitores (afinal, como descreve Santaella (2004, p. 17), o leitor que navega pelas “infovias do ciberespaço” está acostumado a trilhas “[...] povoadas de imagens, sinais, mapas, rotas, luzes, pistas, palavras, textos e sons”. E um site com poucos atrativos dessa natureza não prende sua atenção...) E, igualmente, na postura de alguns blogs de não fornecerem espaços para comentários. Claro que uma investigação de outra ordem poderá perceber, por exemplo, uma postura mais ativa do leitor em outros dispositivos midiáticos – como o rádio, as 815

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redes sociais, blogs de natureza mais opinativa. Contudo, acreditamos que, pela natureza dos dispositivos que selecionamos para estudo, e dada a abrangência, importância e singularidade do acontecimento do nosso estudo (afinal, trata-se da implantação, em uma cidade de porte médio, da segunda maior fábrica de celulose do mundo, geradora de milhares de empregos diretos e indiretos), não encontrar manifestações do leitor nesses dispositivos sinaliza para o fato de que eles, em sua gênese, não se esforçam para estabelecer essa zona de contato. Tais características, cremos, estão em disparidade com a postura de um jornalismo numa sociedade em vias de midiatização, como se mostrou acima, que teria, como um dos seus pilares, o estabelecimento de uma relação mais ativa com o leitor, sendo ele cogestor da informação e ponto ativo no processo de circulação, que então se estabelece ativamente. E também com a lógica mesma de um jornalismo no âmbito da internet, em que o comentário é um dos seus elementos constitutivos. Um leitor invisível não se coaduna com um jornalismo dos novos tempos... Referências.

BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. Versão revista de artigo apresentado no GT Comunicação e Sociabilidade, do XV Encontro da Compós, na Unesp, Bauru, em julho de 2006. BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006. FAUSTO NETO, Antonio. Midiatização – Prática social, prática de sentido. Encontro da Rede Prosul. “Comunicação e Processos Sociais”, 2005, UNISINOS/PPGCC. São Leopoldo. 2005-2006. FAUSTO NETO, Antônio. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Revista Matrizes. n.2, abril de 2008. p. 89-105. FAUSTO NETO, Antonio. Notas sobre as estratégias de celebração do jornalismo. Estudos em Jornalismo e Mídia. Ano V. N. 01. P. 109-121. Janeiro-junho de 2008. FAUSTO NETO, Antonio. As bordas da circulação. ALCEU - v. 10 - n. 20 - p. 55 a 69 – Rio de Janeiro. Jan./jun. 2010 GOMES, Pedro Gilberto. Midiatização: um conceito, múltiplas vozes. In: FAUSTO NETO, Antonio, ANSELMINO, Natalia Raimondo, GINDIN, Irene Lis (orgs). CIM – Relatos de Investigaciones sobre mediatizaciones. Rosário: UNIR Editora, 2015. HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Unisinos, 2014. HOLANDA, Letícia de Sousa, MATOS, Marcos Fábio Belo. O papel do progresso: uma análise da presença da fábrica Suzano de Papel e Celulose em O Progresso. XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016. Anais. 816

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LUNDBY, Kunt (et. Al). Mediatizacion of comunication. In: Colection Hendbooks of Comunication, Science, n. 1, july 14, 2014. Berlim Gruyter Mouton. Tradução livre e adaptada de Pedro Gilberto Gomes. São Leopoldo: Unisinos, PPGCC, 2016. MELO, José Marques de, ASSIS, Francisco de. Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom – RBCC. São Paulo, v.39, n.1, p.39-56, jan./abr. 2016. REINO, Lucas Santiago Arraes, BUENO, Thaisa (org.). Comentários na Internet. Imperatriz - Maranhão: EDUFMA, 2014. SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o papel cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004. SOSTER, Demétrio de Azeredo. O jornalismo em novos territórios conceituais: internet, midiatização e a reconfiguração de novos sentidos midiáticos. Tese. Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2009. SOSTER, Demétrio de Azeredo. Dialogia e atorização: características do jornalismo midiatizado. 11º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Brasília – Universidade de Brasília – Novembro de 2013. Anais. XAVIER, Monalisa Pontes. A consulta transformada: experimentações de dispositivos interacionais “psi” na sociedade em midiatização. Tese (Doutorado em Comunicação). Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo-RS, 2014. JORNAIS PESQUISADOS. O Progresso. Edições de 2011. (versão impressa) O progresso. Edições de julho de 2011 a março de 2014 (versão online). Disponível em: http://www.progresso.com.br. BLOGS PESQUISADOS: Blog Asmoimp. Disponível em: http://www.asmoimpcomduduzao.com.br Blog do Elson Araújo. Disponível em: https://porelsonaraujo.blogspot.com.br Blog da Kelly. Disponível em: http://www.blogdakellyitz.com.br Blog do João Rodrigues. Disponível em: http://www.blogsoestado.com/joaorodrigues Blog do Josué Moura. Disponível em: http://josuemoura.blogspot.com.br Blog do Jhivago Sales: http://www.jhivagosales.com.br Blog Notícia da Foto. Disponível em: http://www.noticiadafoto.com.br Blog do William Marinho. Disponível em: http://www.willianmarinho.com.br

MINICURRÍCULO Marcos Fábio Belo Matos é graduado em Comunicação Social pela UFMA, licenciado em Língua Portuguesa pelo IFMA, especialista em Língua Portuguesa pela FAMA, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela UNESP-Araraquara e pósdoutorando em Comunicação pela Unisinos. É professor adjunto IV do Curso de Comunicação Social-Jornalismo da UFMA-Imperatriz.

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EFEITOS DE RECONHECIMENTO: leitura dos comentários da matéria da FSP sobre o processo de impeachment Marcos RECHE ÁVILA1 Victor THIESEN2

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul Resumo: Procuramos refletir sobre os efeitos de reconhecimento que acontecem em decorrência às novas formas de articulação entre produção da notícia por parte da instituição jornalística e a sua recepção por parte dos leitores em função do impeachment dentro de três ambientes da ‘zona de contato’ 1) site da Folha; 2) Twitter; 3) Facebook. Fazemos isso a partir de um exercício de leitura dos comentários produzidos no âmbito da recepção sobre matéria da Folha de S.Paulo do dia da votação do processo na Câmara dos Deputados. Os dados mostram críticas do âmbito da recepção em direção ao da produção, especialmente quanto aos valores jornalísticos. Palavras-chave: Zona de Contato; Recepção; Leitores; Jornalismo. 1 Introdução

Propomos a análise de um recorte bastante específico, uma matéria, da agenda da Folha de S. Paulo sobre o processo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Uma matéria do dia da efetiva abertura do processo, sabemos hoje, por votação na Câmara dos Deputados (17/04/2016). Tratamos, em suma, dos efeitos de reconhecimento que acontecem em decorrência às novas formas de articulação entre produção da notícia por parte da instituição jornalística e a sua recepção por parte dos leitores em função do impeachment. Do mesmo modo, as discussões presenciais do GT3 contribuíram com este trabalho na medida em que havíamos proposto uma análise da cobertura do

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Marcos Reche Ávila - Graduado em Comunicação Social - Jornalismo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos– UNISINOS. Bolsista de Apoio Técnico – AT/CNPq 2 Victor Thiesen - Graduando em Jornalismo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista de Iniciação Científica – UNIBIC.

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impeachment, tarefa impossível ao se considerar fatores como tempo e grau dos autores, e nos indicaram reduzir ao máximo, a uma matéria representativa, para análise, com o objetivo de discutir sobre as novas relações entre jornal e leitor. O título inicial “Cobertura da FSP sobre o impeachment: articulação midiática entre produtor e receptor” atualiza-se para o atual: “Efeitos de reconhecimento: leitura dos comentários sobre uma matéria do processo de impeachment da FSP”. Organizamos nosso trabalho da seguinte maneira: “Introdução”, que contextualiza nosso artigo e dá as primeiras considerações sobre o material; “Metodologia”, que descrevemos como foi feito esta experimentação e os procedimentos necessários para esta feitura a partir do material. Depois disso, fazemos uma “Descrição das lógicas de contato” entre Folha e seus leitores, a partir de um exercício chamado de “Lendo os discursos dos leitores”, e, partimos disso para fazer as “Considerações Finais” fazendo um retorno a aspectos anteriores do texto presente. Por último, constam nossas referências bibliográficas que nos ajudaram a refletir sobre o tema. Trabalhamos em diálogo com nosso marco teórico e seguimos, como referência, indicações do livro “Fragmentos de um Tecido” de Verón (2004), principalmente a noção de reconhecimento formulada pelo autor. Esclarecemos desta forma nossa distância com os estudos culturais, que são geralmente associados ao estudo de recepção. Pergunta-se: como o polo da recepção se sente afetado pela mensagem enviada através de uma notícia? Verón entende que existe, invariavelmente, um contrato de leitura entre jornal e leitor, e que tal vínculo passa por regulação do produtor que tem em vista um destinatário. Estes contratos bastariam para que se estabelecesse uma boa relação entre jornal e leitores. Para fazer existir este leitor, o jornal dispõe de um espaço, do “Painel do Leitor” (no caso da Folha), que se associou a noção de ‘zona de contato’ (FAUSTO NETO, SGORLA, 2013). Este modelo funciona num momento em que os meios de comunicação passam a não ter a centralidade que até então tinham na relação entre os campos sociais. Entretanto, entende-se que desta feita, funcionam no contexto da “sociedade em vias de midiatização”, dado que territórios midiatizados da zona de contato possuem domínios de instituições outras que não a jornalística: Twitter e Facebook são exemplos. No estudo de caso que realizamos, as mensagens são produzidas por jornalista(s) da Folha de S.Paulo, e quem as recebe são os leitores. Entretanto, num segundo momento, quem produz mensagens são os leitores que as envia para este universo. O destinatário dos leitores como se demonstrou no item “Leituras”, é, ora Dilma Rousseff, o que é compreensível por se tratar de uma matéria dela como protagonista, ora a própria Folha. 2 Metodologia

Percorremos digitalmente, no site da Folha de S.Paulo, pelas matérias produzidas pela instituição sobre o processo de impeachment dos meses de abril e maio de 2016. Consideramos estes dois meses devido a dois momentos importantes 3

Grupo de Trabalho Recepção em Jornalismo, no contexto da III Jornada Gaúcha de Pesquisadores da Recepção.

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situados estes dois meses: a votação do prosseguimento do processo na Câmara dos Deputados e no Senado, 17 de abril e 12 de maio, respectivamente. Destes dois meses, um dia particularmente nos chamou a atenção pela quantidade de material produzido tanto pelo jornal quanto por atores sociais individuais, o da votação na Câmara dos Deputados que aprovou, sabemos agora, o prosseguimento do processo de impeachment para o Senado. Neste dia, ao que nos parece, ficou claro à população, que o impeachment era uma realidade. O jornal El País chegou classificou aquele dia como “mais importante da democracia recente no Brasil”4. Na mesma matéria, o jornal cita pelo menos cinco canais de televisão que transmitiriam a votação. E também as concentrações de grupos pró e contra impeachment em telões por todo o Brasil. Isto demonstra a dimensão deste dia. Nosso objeto consiste nos comentários de leitores, atores sociais individuais, após o circuito feito pela matéria da Folha de S.Paulo do dia 17/04/2016, que antecipava a aprovação do prosseguimento do processo de impeachment para o Senado com base em pesquisa do DataFolha. A leitura dos comentários em comparação com a da matéria, nos aponta para uma série de reflexões sobre o quê leitores pensam do processo de impeachment, da cobertura do impeachment pela Folha, e da relação entre leitor e jornal. Estes três aspectos não estão isolados, no sentido de que a cobertura sobre um acontecimento desta dimensão revela o que se tem de melhor e pior nas instituições jornalísticas. Analisamos, a partir da matéria referida, o que seriam estratégias, processos de reconhecimento dos leitores. Estes são manifestados na zona de contato por comentários/réplicas, justamente, dos leitores. Algumas delimitações, além de ser só uma matéria, se impuseram durante a feitura deste trabalho. A primeira diz respeito aos ambientes: escolhemos do universo da zona de contato, três ambientes de articulação entre produtor e leitor: 1) a página onde a matéria está hospedada dentro do site da Folha5; 2) A postagem com a matéria no Facebook6; 3) O tuite da matéria no Twitter7. No primeiro ambiente, A Folha tem domínio regulatório sobre os comentários, no Twitter e no Facebook, o domínio pertence a essas empresas. A segunda limitação está na quantidade de interação com a matéria nestes espaços: escolhemos oito comentários (réplicas, no caso do Twitter) baseados no número de comentários do site. Sendo assim, oito comentários no site, oito comentários no Facebook e oito réplicas no Twitter nos serviram para análise. Os critérios para escolha dos comentários no Facebook foram os oito primeiros que apareciam, segundo regulação do próprio ambiente, como “Top Comments” na pesquisa. No Twitter, os oito comentários mais próximos 4

Onde e como assistir à votação do impeachment na Câmara. El País digital. Disponível em: . Acesso em: 30 ago. 2016, 23:16:46. 5 Câmara autorizará o impeachment de Dilma, projeta Datafolha. Folha de S.Paulo digital. Disponível em . Acesso em 28 ago. 2016, 23:23:29. 6 Câmara autorizará o impeachment de Dilma, projeta Datafolha. Folha de S.Paulo no Facebook. Disponível em . Acesso em: 28 ago. 2016, 23:19:34. 7 Câmara autorizará o impeachment de Dilma, projeta Datagolha. Folha de S.Paulo no Twitter. Disponível em
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