A rede dos invisíveis: os colaboradores locais na expedição de Louis Agassiz ao Brasil (1865-1866)

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Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT

A rede dos invisíveis: os colaboradores locais na expedição de Louis Agassiz ao Brasil (1865-1866) Anderson Pereira Antunes1 Ildeu de Castro Moreira2 Luisa Medeiros Massarani3 Durante o Oitocentos, ocorre, principalmente na Europa, um movimento de grande valorização das ciências e de suas aplicações tecnológicas (BRAGA; GUERRA; REIS, 2008). Nos Estados Unidos isto também vem a acontecer, especialmente na segunda metade do século XIX, assim como no Brasil, embora, neste caso, em muito menor escala. Foi uma época de acalentados debates científicos, de grandes descobertas e inovações, de fundação de inúmeras sociedades e instituições destinadas ao avanço das ciências. Foi, também, um período fértil para naturalistas viajantes, especialmente provenientes da Europa, que, determinados a perseguir seus objetos de estudo em terras que desconheciam, cruzavam de navio os quatro cantos do globo. O financiamento para longas – e custosas – viagens de exploração partia, geralmente, de governos interessados nas aplicações econômicas e tecnológicas das novas descobertas, de algum mecenas ou benfeitor em particular ou, em certos casos, dos recursos pessoais dos próprios naturalistas. Os recursos financeiros eram utilizados para, além de garantir o translado além-mar, a estadia e alimentação do naturalista e acompanhantes, a aquisição de instrumental e material de pesquisa, como caixas para coleções, instrumentos de medição e livros de referência, e o pagamento de ajudantes. A aquisição dos recursos financeiros, no entanto, era apenas uma dentre uma série de etapas que antecedia a viagem. Também era preciso formar uma equipe, pois o naturalista viajante dificilmente se encontrava solitário em suas investigações. Para isso, contava com o apoio de suas redes de contato, as quais podiam incluir estrangeiros já residentes no destino de viagem. Ao chegar no seu local de destino, também era preciso se defrontar com a diferença climática, de costumes e de idiomas. Era preciso lidar com alfândegas, com situações políticas às vezes desfavoráveis, com condições de trabalho muitas vezes precárias. Uma atividade central, em muitas destas expedições, era capturar espécimes de animais ou coletar plantas 1

Museólogo, especialista em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde, aluno do Programa de PósGraduação em História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz. Bolsista da Capes. 2 Doutor em Física, Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 3 Doutora, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica, Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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para formar coleções que deveriam ser meticulosamente embaladas, a fim de evitar a sua deterioração, e enviadas de volta às suas pátrias onde, geralmente, passavam a fazer parte do acervo de museus de história natural, onde seriam estudadas. Para quase todas estas atividades a rede de contatos, estabelecida ou construída pelo viajante, era decisiva. Uma rede que contasse com indivíduos de diferentes camadas sociais, com encargos administrativos, profissões e habilidades distintas, podia suprir o naturalista com auxílios diversos, como transporte, moradia e alimentação, informações essenciais sobre a geografia do local, a flora e fauna e os costumes locais, assim como colaborar diretamente com a coleta de espécimes para coleções. Embora o papel destes auxiliares tenha se mantido em segundo plano durante muito tempo na historiografia das viagens científicas, recentemente cada vez mais pesquisadores passaram a atentar para a importância das relações que os viajantes mantinham com as populações locais. Camerini (1996), em sua análise da expedição de Alfred Russel Wallace (1823 - 1913) ao Arquipélago Malaio, destacou a importância da confiança mútua que existia entre o viajante inglês e seu servo Ali, que servia de seu intérprete quando em contato com os povos nativos. Sua mediação foi fundamental para que os caçadores locais se sentissem seguros em compartilhar com o estrangeiro o conhecimento que possuíam sobre o habitat e costumes das aves do paraíso. A autora vai ainda além, apontando como motivo maior para o desconhecimento do papel desses auxiliares as regras e convenções típicas da escrita científica. Na tentativa de tornar os relatos científicos menos pessoais e mais objetivos, as relações humanas intrínsecas à pesquisa de campo são subtraídas e relegadas a segundo plano para os relatos dos diários e livros de viagens. Fan (2003), por sua vez, voltou seu foco de pesquisa para as relações existentes entre os naturalistas ingleses e seus auxiliares na cidade de Cantão. As redes formadas pelos viajantes incluíam uma vasta gama de personagens, como artesãos, mercadores e jardineiros, com os quais adquiriam espécimes e aprendiam sobre seus usos nativos. O conhecimento prático dos habitantes locais era peça fundamental para os estudos botânicos, uma vez que os nativos possuíam amplo conhecimento sobre os espécimes locais e suas utilizações. Este conhecimento foi apropriado pelos naturalistas para garantir o acondicionamento, transporte e transplante adequados dos exemplares, em uma época onde a aclimatação de espécimes de flora era um tópico de grande importância utilitária, medicinal e comercial. Outra análise que toma o continente asiático como foco é a de Raj (2010). Para o autor, as relações entre viajantes e habitantes locais era fundamental para a sobrevivência dos colonizadores em terras estrangeiras. Raj (2010) afirma que: Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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A sobrevivência europeia na região dependia do desenvolvimento de uma relação constante e duradoura entre mercadores, missionários e viajantes europeus e vários agentes regionais – governantes, mercadores, banqueiros e intérpretes, mas também trabalhadores experientes e sábios. No mundo do Oceano Índico, o conhecimento especializado, em particular aquele sobre botânica, medicina e alquimia, já se apresentava formalizado e em circulação da península arábica até a China, por meio de comunidades especializadas, cada uma com suas próprias regras de civilidade. (RAJ, 2010:30).

Moreira (2002) aponta para a grande quantidade de citações – muitas vezes nominais – presentes nos livros e diários de viagens publicados por naturalistas como Alfred Wallace, Henry Bates (1825 – 1892) e Louis Agassiz (1807 – 1873). Em seu artigo, percebemos também como a presença dos auxiliares pode ser encontrada para além dos relatos escritos, nas ilustrações que comumente acompanhavam as publicações de viagem. Tomando por pressupostos os achados destes autores, percebemos que, embora as relações entre os viajantes e os habitantes locais, de variadas camadas sociais e profissionais, tenham sido fundamentais no trabalho de campo destes naturalistas, as convenções da escrita em ciência tornaram estes atores invisíveis em meio ao estilo rígido e objetivo de relatórios e artigos científicos. Trazer à frente a atuação destes personagens e as suas contribuições se torna, portanto, um grande desafio para os historiadores da ciência que se aventuram por esta vertente. A escassez de relatos realizados pelos próprios auxiliares, que em alguns casos só se comunicavam tradicionalmente através da oralidade, torna difícil a verificação de suas opiniões e sentimentos sobre suas relações com os viajantes e suas contribuições para o trabalho destes. É com a intenção de produzir uma contribuição aos estudos recentes sobre o papel dos auxiliares no trabalho de campo dos naturalistas Oitocentistas, trazendo à lume a atuação de suas redes de contatos e observando em que momentos e situações estes auxiliares colaboravam com os viajantes, assim como a forma como contribuíram para o desenvolvimento das expedições científicas, que voltamos nosso foco para o estudo do caso específico da Expedição Thayer (1865 – 1866), liderada pelo naturalista de origem suíça Louis Agassiz. A justificativa para a escolha desta expedição se dá pelo fato de ter sido, talvez, a expedição naturalista ao Brasil, no século XIX, que envolveu maior aparato de apoio logístico e a colaboração direta de um grande número de pessoas. Ela teve um grande apoio financeiro, institucional e governamental, tanto por parte da iniciativa privada, quanto por parte de órgãos públicos norte-americanos e brasileiros, e contou com o envolvimento de mais de uma centena de auxiliares. Devido ao enorme reconhecimento de Louis Agassiz como um dos Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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naturalistas mais proeminentes da época, associado à sua grande capacidade política para fomentar sua rede de contatos, também é possível notar nesta expedição uma grande capacidade de mobilização das comunidades locais que atuaram decisivamente na coleta de espécimes – particularmente de peixes. Quando Agassiz deixou definitivamente a Europa pelos Estados Unidos, em 1847, seu nome já era reconhecido pela comunidade científica internacional. Em sua rede de contatos, já figuravam imponentes figuras no mundo da História Natural, como os naturalistas von Martius, Alexander von Humboldt (1769 – 1859) e Georges Cuvier (1769 – 1832), todos eles fontes de inspiração e admiração. Ao primeiro, Agassiz devia a sua primeira oportunidade de estudar os peixes brasileiros, quando foi convidado por von Martius para compilar um volume sobre as coleções realizadas pelo companheiro Johann Baptiste von Spix (1781 – 1826), então falecido. Selecta genera et species piscium (1829 – 1831) foi, não apenas, a primeira grande publicação de Agassiz, mas também grande veículo pelo qual consolidou seu nome como um especialista no estudo dos peixes. Agassiz também era amplamente reconhecido por suas pesquisas sobre a glaciação, fenômeno sobre o qual adquiriu grande experiência durante suas investigações nos Alpes suíços. Graças às suas pesquisas, posteriormente publicou sua teoria sobre a glaciação em seu livro Études sur les glaciers (1840). Segundo Irmscher (2013): O conceito de uma era glacial – ou várias eras glaciais – reforçou a visão científica de mundo de Agassiz, de acordo com a qual Deus intervinha diretamente na história natural do mundo, criando e recriando toda a vida na Terra, ao invés de permitir a continuidade do desenvolvimento entre organismos extintos e aqueles que vivem atualmente. (IRMSCHER, 2013:66, tradução livre).

Quando se mudou para os Estados Unidos, onde passou a lecionar na Universidade de Harvard, Agassiz começou a fomentar a sua rede de contatos, que contava com figuras científicas, como o médico Samuel Morton (1799 – 1851) – que, com suas teorias raciais, influenciou fortemente o trabalho que Agassiz faria no Brasil com seu Bureau d’Anthropologie – e também com figuras dos mundos político e dos negócios, como os empresários Abbott Lawrence (1792 – 1855) e Francis Calley Gray (1790 – 1856), ambos grandes financiadores do Museu de Zoologia Comparada, criado por Agassiz e aberto ao público em 1860. Foi também graças ao financiamento privado do empresário e banqueiro Nathaniel Thayer (1808 – 1883) que Agassiz conseguiu montar sua expedição destinada ao Brasil. O périplo brasileiro tinha dois objetivos específicos: o estudo da glaciação no Hemisfério Sul e a coleta de animais, especialmente de peixes, particularmente na região amazônica. Com estes estudos, Agassiz pretendia reunir fatos que pudessem fortalecer a teoria criacionistaBelo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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catastrofista que defendia, e esta era sua motivação principal para a expedição (Moreira, 2002). Ao contrário de Charles Darwin (1809 – 1882) e Alfred Wallace (1823 – 1913), que haviam proposto o mecanismo da seleção natural para o surgimento de novas espécies, Agassiz acreditava que as espécies eram estáticas, frutos da criação divina. Para ele, Deus criava novos seres, designados para habitar regiões específicas do planeta, sempre após a devastação total das espécies anteriores devido à uma catástrofe natural. No Brasil, Agassiz buscava evidências de que a glaciação havia sido um fenômeno global, catástrofe que teria sido a responsável pela extinção de toda a vida no planeta. E, com o estudo dos peixes, pretendia mostrar que a hipótese da seleção natural não poderia explicar a grande diversidade e a distribuição geográfica dos animais, entendidas por ele como parte do planejamento divino. Para compor sua equipe, Agassiz contou, primeiramente, com a participação de seus colegas naturalistas do Museu de Zoologia Comparada. Foram recrutados para a viagem o geólogo Charles Frederick Hartt (1840 – 1878), o ornitólogo Joel Asaph Allen (1838 – 1921), o conquiologista John Gould Anthony (1804 – 1877), o paleontólogo Orestes St. John, o artista Jacques Burkhardt (1818 – 1897), o preparador de espécimes George Sceva. Em seguida, foi divulgado na Universidade de Harvard que o Professor, como era conhecido, pretendia alistar alguns estudantes, dada a condição de que estes custeassem suas próprias viagens. Foram adicionados como assistentes voluntários Newton Dexter, William James (1842 – 1910), Edward Copeland, Thomas Ward (1884 – 1940), Walter Hunnewell (1844 – 1921), além do filho do mecenas da expedição, Stephen V. R. Thayer (1847 – 1871) e do cunhado de Agassiz, Thomas G. Cary. O grupo deixou os Estados Unidos em 1º de abril de 1865, a bordo do navio a vapor Colorado, que partia de Nova Iorque. A viagem foi cedida gratuitamente aos viajantes pelo presidente da Pacific Mail Steamship Company, mais um dos benfeitores do bem articulado Agassiz. Já sobre os auxílios políticos recebidos, Machado (2006) afirma: Pelo lado político, a expedição recebeu apoio oficial do governo norte-americano, que esperava utilizar-se da amizade epistolar de Agassiz com Pedro II para procurar contrabalançar a influência europeia sobre a diplomacia brasileira, que até ali havia conduzido a posição do Brasil frente à Guerra Civil, redundando numa posição na qual o Brasil reconhecia o Sul confederado como parte beligerante (e não apenas em rebelião), justificando a neutralidade brasileira. A posição diplomática do Brasil, que imputava legitimidade diplomática à Confederação, justificava a tolerância das autoridades em relação à entrada de navios sulistas, que procuravam os portos brasileiros para abastecimento. (MACHADO, 2006:127).

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As relações políticas de Agassiz, como a já mencionada amizade com o imperador D. Pedro II (1825 – 1891), também possibilitaram à expedição uma série de benefícios, dentre os quais devemos ressaltar a adição do major, engenheiro e naturalista João Martins da Silva Coutinho (1830 – 1889), que utilizou do seu conhecimento das províncias do Norte e Nordeste para servir de guia aos estrangeiros. Sobre Coutinho, o próprio Agassiz, em carta endereçada à Pedro II, revela: Por fim, Sire, a generosidade com a qual foi colocada à minha disposição um navio de guerra me permitiu fazer coleções que, com meios de transporte menos amplos e velozes, teriam me sido inacessíveis. Permita-me adicionar que, de todos os favores com os quais Vossa Majestade coroou esta viagem, o mais precioso tem sido a presença do Major Coutinho, cuja familiaridade com tudo aquilo que se relaciona ao Amazonas tem sido uma fonte inexaurível de informações importantes e indicações úteis, com as quais a perda de tempo com excursões irremuneráveis tem sido evitada. A cooperação do major durante esta jornada tem sido das mais diligentes, ele se aplicou à zoologia como se as ciências físicas não tivessem sido até então o seu objeto especial de estudo. Ao mesmo tempo, realizou inúmeras observações termométricas, barométricas e astronômicas, as quais serão importantes adições ao que já se conhece sobre a meteorologia e topografia dessas províncias. (AGASSIZ;AGASSIZ, 1868:384, tradução livre).

Em passagens como estas podemos perceber o grande potencial dos relatos de viagens para a compreensão das relações entre viajantes e seus auxiliares. Se, nos relatórios de pesquisas e na redação de teorias, a importância do trabalho em equipe era reduzida ou omitida, em seus diários e publicações para o público não especializado, os exploradores buscavam, geralmente, fazer relatos que abrangiam todos os aspectos de sua jornada. E isso incluía, naturalmente, suas relações humanas. Com descrições minuciosas de seus arredores, e narrações pormenorizadas de seus encontros com as populações locais, os viajantes tentavam criar uma experiência de leitura que fosse capaz de transformar as palavras em seus diários em imagens vivas nas mentes de seus leitores. Diários e narrativas de viagens logo se tornaram um gênero de grande popularidade na Europa, onde cada vez mais relatos eram editados para um público cada vez mais ávido pela descrição das aventuras. Para este estudo, damos prioridade para as fontes primárias redigidas pelos próprios viajantes. Livros, diários e relatos que, atualmente, encontram-se digitalizados e disponibilizados gratuitamente on-line nos sites de grandes bibliotecas mundiais, como a Biblioteca Nacional Digital, a Gallica ou o Internet Archive. No caso da Expedição Thayer, a principal fonte que temos é o relato intitulado A Journey in Brazil, escrito conjuntamente por Louis Agassiz e sua esposa Elizabeth Agassiz (1822 – 1907), que o acompanhou durante todo o trajeto. Diariamente, Elizabeth sentava-se para relatar suas observações sobre os acontecimentos do dia, enquanto Agassiz aparece no relato nos comentários mais estritamente Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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científicos das notas de rodapé. Apenas nesta publicação são mencionados nominalmente centenas de auxiliares, assim como também foi registrado o recebimento de muitas coleções de peixes recolhidas por ajudantes voluntários em várias partes do país. Em meio ao grande volume de documentos relacionados à Expedição Thayer, no qual estão incluídas as anotações e correspondências de William James, as publicações de Charles F. Hartt, as aquarelas pintadas por Bukhardt, além das notícias sobre a expedição que foram publicadas nos jornais brasileiros da época, iremos nos ater, neste artigo, à principal publicação gerada pela expedição: o diário de viagens A Journey in Brazil (1868), escrito por Louis e Elizabeth Agassiz. A primeira etapa da pesquisa focou na leitura minuciosa do relato, buscando todas as menções aos auxiliares encontrados durante os 15 meses da viagem (abril de 1865 a julho de 1866). A partir do diário foi possível listar não apenas o nome daquelas pessoas com quem estiveram em contato, mas também os locais onde as encontraram, o tipo de auxílio recebido, além de, em alguns casos, informações pessoais sobre estas pessoas, como suas profissões, locais onde habitavam, dentre outras. A partir desta única fonte, foi possível localizar o extenso número de 168 auxiliares mencionados devido a seus diversos serviços e colaborações prestados à expedição. Para tentar criar sentido a partir das informações coletadas, iniciamos na etapa seguinte o processo de análise do papel dos colaboradores citados. Foi possível perceber que o tipo de auxílio recebido poderia variar desde contribuições à logística da expedição até o recebimento de informações científicas ou coleções de espécimes. Moreira (2002) menciona alguns tipos de auxílio recebidos pelos naturalistas em suas viagens: ... o previsível apoio logístico e de infraestrutura, fornecimento de alimentos, meios de transporte e outros recursos materiais; presença como guias, carregadores, intérpretes e companhia pessoal; e auxílio nos contatos com grupos indígenas e no aprendizado de línguas nativas. [...] identificação, localização, coleta e nomenclatura de animais e plantas; preparação e preservação de espécimes; descobertas de “novas” espécies; análise de hábitos e usos de animais e plantas; conhecimentos geográficos, meteorológicos e de distribuição de animais e plantas; relatos antropológicos; indicação de locais mais favoráveis para pesquisa; domesticação de animais; e fabricação de instrumentos (inclusive para captura e preservação de animais). (MOREIRA, 2002:42).

Neste ponto da pesquisa, criamos categorias para sistematizar as informações relacionadas aos personagens que identificamos na primeira etapa deste estudo, utilizando como critério o tipo de serviço prestado à Expedição Thayer. Para estabelecer tais categorias, buscamos definir as diferenças semânticas entre os vocábulos auxiliar, colaborador e ajudante. Com isso, chegamos à seguinte proposição: utilizar o vocábulo “auxiliar” de forma Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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genérica para caracterizar todo o conjunto de indivíduos que contribuíram para a expedição, uma vez que seu significado engloba tudo “que ou o que presta assistência a outrem na realização de alguma atividade” (PRIBERAM, 2014a). Dentro deste grupo dos auxiliares, podemos incluir dois subgrupos diferentes: o dos “ajudantes” e o dos “colaboradores”. O “ajudante”, também segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa on-line, representa aquele “que ajuda ou substitui no emprego. Subalterno, acólito.” (PRIBERAM, 2014b). Esta definição, que caracteriza o ajudante como subalterno nos levou a pensar que deveríamos adicionar nesta categoria aqueles indivíduos hierarquicamente inferiores no contexto da expedição, que contribuíram de forma inespecífica com auxílios que poderiam ter sido realizados de forma igualmente satisfatória por outros indivíduos. Em oposição, o vocábulo “colaborador” é utilizado para definir aquela “pessoa que trabalha com outra em iguais circunstâncias de iniciativa” (PRIBERAM, 2014c). Para esta categoria reservamos, portanto, indivíduos que contribuíram com auxílios específicos e individuais, que dificilmente poderiam ter sido substituídos por outras pessoas. Para maior detalhamento das categorias, dividimos a classe colaborador em três tipos de colaborações específicas: o colaborador logístico, o colaborador científico e o colaborador de conhecimento tradicional ou local, entendido aqui como aquele indivíduo possuidor de conhecimentos adquiridos, em geral de forma empírica, por conta dos hábitos e costumes, à experiência própria ou coletiva ou que estão inseridos na cultura local, em oposição aos conhecimentos associados à formação especializada e aos métodos e critérios da ciência. Em categoria distinta, a das “referências científicas”, traduzimos a necessidade de adicionar um grupo relacionado às referências que são citadas no relato de viagem dos membros principais da expedição. Tais referências, sejam elas teóricas - relativas a concepções científicas ou visões sobre o mundo e a natureza - ou referentes a informações e observações empíricas, são provenientes de outros naturalistas, pensadores ou estudiosos diversos. Assim, podemos criar a seguinte representação visual das categorias que propomos:

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Figura 1: Categorias de auxiliares

Com

as

categorias definidas, teve início o trabalho de organização dos auxiliares em seus grupos. Naturalmente encontramos algumas situações excepcionais. Alguns dos indivíduos mencionados pelo casal Agassiz poderiam ser enquadrados em mais de uma categoria. O próprio Imperador D. Pedro II, por exemplo, ofereceu mais de um tipo de contribuição. Por um lado, auxiliou com a logística da expedição, ao permitir que os viajantes tomassem um navio de guerra para realizarem suas viagens, ao liberar o Major Coutinho como acompanhante da expedição e ao encaminhar ordens para que houvesse apoio a ela em todo o país. Por outro, também contribuiu de forma científica, pois além de ordenar a formação de coleções de peixes do sul do Brasil – o que fez enquanto estava no Rio Grande do Sul para supervisionar os avanços na Guerra do Paraguai –, o monarca também estava pessoalmente interessado nas pesquisas científicas da época, o que o tornou um hábil companheiro para discutir com Agassiz sobre os achados científicos da expedição. Em casos como este, demos preferência à contribuição mais significativa na hora da classificação. No caso do Imperador, sua contribuição logística nos pareceu ter tido maior peso para o desenvolvimento da expedição, uma vez que sua recomendação da expedição aos presidentes das províncias abriu portas que permitiram ao grupo de Agassiz não só facilidades de deslocamento pelo país, mas também uma maior capacidade de mobilização da população local. Definidos esses critérios, conseguimos contabilizar o número de auxiliares pertencente a cada categoria, chegando aos seguintes números:

Figura 2: Porcentagens de auxiliares em cada categoria

Os auxiliares da categoria “colaboradores científicos” são os mais citados por Agassiz, fato que se por conta do grande número de indivíduos que contribuíram com coleções de peixes que eram, muitas vezes, preparadas para o viajante antes mesmo que este chegasse nas Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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cidades onde moravam seus colaboradores. No total, são 78 indivíduos mencionados, o que representa uma parcela de 46,4% de todos os auxiliares. Menções aos “ajudantes”, aqueles cujo auxílio foi inespecífico e que, muitas vezes, eram serviçais encarregados de cuidar da alimentação e do transporte do grupo ou moradores que os hospedaram durante sua passagem por suas cidades, representam um total de 22%, com 37 indivíduos sendo mencionados. O terceiro grupo mais mencionado é aquele do “referências científicas”, com citações de 27 outros naturalistas ou estudiosos que já haviam realizado pesquisas sobre os temas tratados por Agassiz, o que representa 16% do total de citações. Em seguida, o grupo de “colaboradores logísticos”, que auxiliaram com a logística da expedição, conta com um total de 10,7% das menções, contabilizando 18 indivíduos. E, por fim, os “colaboradores de conhecimento tradicional” que contribuíram com conhecimento adquirido devido à sua vivência naquelas regiões visitadas representam o menor grupo, com 7 indivíduos mencionados, formando um total de 4,1%. No total geral, são 168 indivíduos distintos identificados que, de alguma forma, contribuíram para a expedição. Com o auxílio de um software de análise e visualização de redes, neste caso o Gephi, podemos observar as relações entre Agassiz e seus auxiliares de forma diferente. O programa permite inserir cada indivíduo como um “nó” em uma rede, em que as linhas, ou “arestas”, representam as conexões entre os indivíduos. Cada linha na figura representa uma relação, isto é, significa que uma pessoa conhecia e teve contato com outra. Na Figura 3, adicionamos na lógica do programa “nós” que representam Agassiz e seus 78 colaboradores científicos e arestas que representam as associações entre estes indivíduos, tomando como base as citações existentes em A Journey in Brazil.

Figura 3: Rede entre Agassiz e seus colaboradores científicos Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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A esfera verde na figura representa Agassiz. O tamanho atribuído a sua esfera é significativo do número de conexões que possui. Como todos os colaboradores científicos, representados por esferas vermelhas, se conectam à Agassiz, seu tamanho é maior do que os outros. Dentre as esferas vermelhas, podemos notar um grande número de esferas ao redor de Agassiz. Estas representam indivíduos que aparecem na rede conectados unicamente à Agassiz, ou seja, que não tiveram contato (até onde sabemos) com outros colaboradores ou membros da expedição. Como a única conexão destas esferas é o próprio naturalista, elas se aglomeram próximas a ele. Enquanto isso, podemos notar alguns grupos menores com esferas que se distanciam um pouco mais de Agassiz. Seu distanciamento do líder da expedição não significa um distanciamento social ou de relacionamento com o naturalista, mas demonstra que sua posição também os aproximavam de outros indivíduos (esferas). É por este motivo que vemos um grande grupo de esferas vermelhas aglomeradas com um grande número de conexões, no canto esquerdo.

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Figura 4: Zoom da Figura 3

Neste zoom da Figura 3, podemos identificar que um dos principais blocos é formado, majoritariamente, pelos membros que compunham a equipe da expedição. Estas esferas representam os membros da expedição e, como todos tiveram contato entre si, o número de “arestas” que os interligam é bastante numeroso. É interessante notar que o cálculo das relações realizado pelo programa adicionou ainda outro indivíduo neste meio: Antonio de Lacerda. Embora em um primeiro momento a leitura destas relações possa parecer dificultada devido ao grande número de arestas que interligam cada nó, o software dá ao usuário a possibilidade de destacar apenas as relações de um nó determinado, o que facilita a identificação das relações de um indivíduo qualquer em meio a rede. Para entender o motivo desta aproximação, podemos selecionar o nó que representa Antonio de Lacerda e observarmos quais são as suas relações.

Figura 5: Relações de Antonio Lacerda

Com a ajuda do Gephi podemos perceber, então, que dentre todos os colaboradores científicos não diretamente pertencentes à expedição, Antonio de Lacerda é aquele que apresenta mais relações com diferentes membros da expedição. Ele conheceu e esteve em contato com seis membros da expedição, além do próprio Agassiz. Se voltarmos ao diário do casal Agassiz, podemos entender o motivo pelo qual Lacerda, ele mesmo um naturalista amador e residente da Bahia, esteve em contato com grande parte dos viajantes. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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Em um primeiro momento, Lacerda alojou a dupla formada por Newton Dexter e Stephen Thayer, que haviam partido em direção à Bahia enquanto o grupo principal, liderado por Agassiz, terminava os preparativos para a sua própria partida, no Rio de Janeiro. Quando chegaram à Bahia, em 28 de julho de 1865, o grupo teve a oportunidade de se reunir novamente, antes de partirem em novas excursões rumo ao interior, na residência de Antonio de Lacerda. Sobre sua hospitalidade, Elizabeth relata: Enquanto isso, o Sr. Agassiz está engajado no exame das coleções feitas pelos senhores Dexter e Thayer durante a visita que fizeram à esta localidade. Eles foram auxiliados pela cordialidade do nosso amigo, Sr. Antonio de Lacerda, em cuja hospitaleira residência estamos permanecendo e onde encontramos nossos companheiros de viagem já bastante domesticados. Ele os recebeu assim que chegaram e lhes deu todas as facilidades durante o tempo que permaneceram para que alcançassem seus objetivos. O seu próprio amor pela História Natural, para a qual devota todas as horas livres de sua ativa vida de negócios, fazem dele um eficiente aliado. Ele possui uma vasta e muito valiosa coleção de insetos, admiravelmente organizados e em excelente estado de preservação. (AGASSIZ; AGASSIZ, 1868: 127, tradução livre

Consideramos, no entanto, que não foi o auxílio logístico da sua hospitaleira residência a contribuição mais valiosa de Lacerda para a expedição. O próprio Agassiz afirma: Me arrependo de não ter podido visitar os distritos mineiros do Brasil. Teria gostado especialmente de examinar por mim mesmo o cascalho no qual os diamantes são encontrados. Por meio de coleções, das quais devo à bondade do Dr. Vieira de Mattos, no Rio de Janeiro, e do Senhor Antonio de Lacerda, na Bahia, estou preparado para descobrir que toda a formação rochosa de onde são extraídos os diamantes é drift4 glacial. Por isso não quero dizer as rochas onde ocorrem os diamantes em sua posição primária, mas as aglomerações secundárias de materiais soltos de onde eles são lavrados. (AGASSIZ; AGASSIZ, 1868: 501, tradução livre).

É interessante notar como esta forma de análise pode facilitar a observação de casos como o do Senhor Antonio de Lacerda que, embora em sua terra natal fosse apenas um naturalista amador, contribuiu de forma valiosa para fomentar as concepções de Agassiz sobre a existência de drift glacial no Hemisfério Sul. Foi graças ao seu auxílio, realizado por meio das coleções que possuía, que o naturalista suíço foi capaz de examinar exemplares de rochas provenientes de regiões por onde sua expedição não esteve, o que contribuiu para consolidar a sua ideia pré-concebida de que as regiões do Hemisfério Sul teriam passado por uma era glacial da mesma forma que o Hemisfério Norte. A análise de redes por meio de softwares como o Gephi, e que aqui utilizamos de forma preliminar, pode ser tornar um interessante

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Decidimos por manter o termo drift em seu original em inglês, da forma como utilizado por Agassiz, para evitar quaisquer ambivalências que uma tradução livre poderia gerar. De forma simplificada, o que Agassiz e a Geologia denominam por drift são evidências materiais de formações glaciais encontradas em regiões onde não deveriam ser encontradas, levadas por efeito contínuo da erosão. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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instrumento nos estudos históricos que envolvem as relações de um número significativo de indivíduos. Por causa de seus contatos com o Imperador e com os presidentes das províncias e também ao seu renome, o que o tornava assunto recorrente nos jornais da época, a notícia da vinda de Agassiz e seu grupo chegava nas cidades antes mesmo dos próprios viajantes. Para sua constante surpresa, geralmente eram recebidos pelos moradores locais com grandes coleções de peixes já capturados e prontos para serem desenhados, preparados, catalogados e figurarem nas coleções científicas da expedição. Muitas vezes estes peixes ou outros animais eram doados, embora, em alguns casos, tenham sido vendidos ao naturalista, como uma forma da população local ter algum ganho financeiro. Em um exemplo típico, onde é descrita a breve parada que o grupo fez no município de Breves, no Pará, Elizabeth Agassiz demonstra sua surpresa ao perceber que os moradores locais já esperavam o grupo de naturalistas. Ao anoitecer voltamos para o navio a vapor, onde encontramos uma multidão de pequenos meninos e alguns membros mais velhos da população do vilarejo, com cobras, peixes, insetos, macacos, &c. A notícia de que a coleta de “bichos” era o objetivo desta visita a este assentamento havia se espalhado e todos começavam a se aglomerar para vender seus animais. O Sr. Agassiz ficou muito satisfeito com esta primeira coleta. Ele adicionou um número considerável de novas espécies às suas coleções de peixes amazônicos feitas no Pará, já tão abundantes e extraordinárias. (AGASSIZ;AGASSIZ, 1868:155, tradução livre).

Em outro trecho, em que Elizabeth reconta sua passagem por Juiz de Fora, sua entrada no diário nos revela: Estávamos há pouco mais de vinte e quatro horas em Juiz de Fora e uma dúzia de coletores já estava ativamente trabalhando. Todos os meninos da vizinhança e muitos dos alemães empregados na construção da estrada nos auxiliaram. Até mesmo as senhoras fizeram a sua parte e o Sr. Agassiz deve à nossa amiga Sra. K. alguns dos espécimes mais interessante desta localidade. (AGASSIZ; AGASSIZ, 1868:78, tradução livre).

Em ainda outro trecho, Elizabeth reconhece claramente a importância e expressa sua gratidão pelo trabalho das pessoas que os auxiliavam na coleta de peixes. Ela afirma: Nosso vapor partiu pela manhã e o Sr. Agassiz levava com ele uma coleção valiosa, apesar da nossa curta estadia. O fato é que, não apenas aqui, mas em cada cidade onde paramos em nossa subida pela costa, o desejo cordial e a disposição do povo em ajudar no trabalho tem possibilitado a Agassiz juntar coleções que teriam sido impossíveis de reunir em tão pouco tempo. Se ele obtiver sucesso nesta expedição, é tanto devido a cordialidade dos próprios brasileiros e ao interesse que eles têm sobre os objetos que são tão caros à Agassiz, quanto aos esforços do próprio e de seus companheiros. (AGASSIZ; AGASSIZ, 1868:138, tradução livre, grifo nosso).

Percebemos, portanto, que o sucesso científico da expedição quanto ao número de espécimes coletados se deveu, em grande parcela, à colaboração que os viajantes receberam das populações locais que encontravam pelas cidades que visitavam. Ao apoio científico Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014 | ISBN: 978-85-62707-62-9

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estava associado, também, o auxílio logístico. Ao analisar a categoria de colaboradores logísticos, podemos perceber o quanto os presidentes das províncias facilitaram a estadia e o trabalho de Agassiz em suas regiões. A origem de boa parte deste apoio logístico, por sua vez, pode ser traçada originalmente ao Imperador Dom Pedro II. Por meio de suas conexões com o governo imperial, Agassiz foi capaz de mobilizar uma extensa rede de auxiliares, ao longo das províncias pelas quais sua expedição passou, o que o permitiu uma série de facilidades às quais outros naturalistas não tiveram acesso. Podemos dizer que Agassiz desenvolveu uma espécie de “sistema de produção” para uma expedição naturalista que, contando com auxiliares em todas as etapas, passava pela localização, captura e coleta em massa de espécimes (neste caso, peixes), sua identificação preliminar, desenho, preparação (para preservação), empacotamento, envio para a instituição de pesquisa e, posteriormente, realização de pesquisas mais aprofundadas sobre sua estrutura e classificação definitiva. Embora tenhamos, ainda, que analisar com maior profundidade a extensão do apoio destes auxiliares, buscando definir com maiores detalhes qual foi a extensão e o impacto das colaborações destes indivíduos com as investigações de Agassiz, conseguimos discernir que a Expedição Thayer não teria tido o êxito que lhe foi atribuído, no aspecto de reunir um número tão grande de espécimes de peixes, que ainda hoje estão presentes no Museu de Zoologia Comparada, na Universidade de Harvard, sem o apoio que lhe foi oferecido pelos auxiliares, particularmente os habitantes locais das províncias visitadas.

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Ticknor

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Disponível

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RAJ, Kapil. Relocating modern science. Circulation and the construction of

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