A Regulação no Canal Público Português: variações entre a autorregulação e a heterorregulação

July 11, 2017 | Autor: Manú Pereira | Categoria: Jornalismo, Ética, Regulação, Deontologia
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FLUC- Mestrado em Comunicação e Jornalismo- Seminário de Ética e Deontologia 2014/2015
Emanuel Jorge Sebastião Pereira

FLUC- Mestrado em Comunicação e Jornalismo- Seminário de Ética e Deontologia 2014/2015
Emanuel Jorge Sebastião Pereira



Mesquita, M. (2003:71), O Quarto Equívoco- o poder dos media na sociedade contemporânea
Termo retirado de Maçãs, F e Moreira, V. Autoridades Reguladoras Independentes- Estudo e Projeto de Lei-Quadro. Capítulo 1- Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora
Fonte: jornal Expresso, 14 de Novembro de 2014. Notícia intitulada: "RTP paga entre 15 e 18 milhões de euros pela Liga dos Campeões", da autoria da jornalista Ângela Silva in http://expresso.sapo.pt/rtp-paga-entre-15-e-18-milhoes-de-euros-pela-liga-dos-campeoes=f898919
Informação recolhida através do portal: http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministro-adjunto-e-do-desenvolvimento-regional/conheca-a-equipa/ministro/miguel-poiares-maduro.aspx
Fonte: Jornal Expresso, notícia do dia 10 de janeiro de 2014. Notícia intitulada: "Poderes do Governo na RTP passam para o Conselho Geral", da autoria do jornalista Adriano Nobre in: http://expresso.sapo.pt/poderes-do-governo-na-rtp-passam-para-o-conselho-geral=f849988#ixzz3P1xSmA6a
idem
Fonte : Jornal Diário Económico, notícia do dia 1 de dezembro de 2014. Notícia intitulada: "Conselho Geral Independente chumba plano estratégico da RTP", da autoria da jornalista Rita Paz in http://economico.sapo.pt/noticias/conselho-geral-independente-chumba-plano-estrategico-da-rtp_207247.html
Idem
Idem ibidem
Fonte: Jornal da Madeira, notícia do dia 5 de dezembro de 2014, não assinada. Disponível in http://www.jornaldamadeira.pt/artigos/sj-responsabiliza-governo-por-crise-na-rtp-e-quer-respons%C3%A1veis-no-parlamento
Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Lisboa. Deliberação 172/2014 (parecer)- intitulado: Apreciação da legitimidade de posição adotada pelo Conselho Geral Independente a propósito da aquisição, pela RTP, de direitos de transmissão dos jogos da Liga dos Campeões de Futebol das épocas de 2015-2018 documento disponível para download in http://www.erc.pt/pt/deliberacoes/deliberacoes
idem
idem
Comunicado do SJ, no dia 4 de Dezembro de 2014, disponível in http://www.jornalistas.eu/?n=9319
idem
Fonte: Jornal I apud Lusa , notícia do dia 23 de Dezembro de 2014, intitulada: " Admnistração da RTP já enviou cópia de defesa para o parlamento", disponível in http://www.ionline.pt/artigos/portugal-media-televisao/administracao-da-rtp-ja-enviou-copia-da-defesa-parlamento
idem
Fonte: Jornal Observador apud Lusa, notícia do dia 23 de Dezembro de 2014, intitulada "Conselho de administração da RTP disposto a renunciar aos cargos", disponível in http://observador.pt/2014/12/23/conselho-de-administracao-da-rtp-disposto-renunciar-aos-cargos/
Fonte: Jornal Observador apud Lusa, notícia do dia 23 de dezembro de 2014, intitulada: "Conselho de administração da RTP disposto a renunciar aos cargos" in http://observador.pt/2014/12/23/conselho-de-administracao-da-rtp-disposto-renunciar-aos-cargos/
Fonte: Jornal Diário Económico ,notícia do dia 12 de janeiro de 2015, da autoria da jornalista Catarina Madeira, intitulada: "Assembleia Geral que vai destituir Alberto da Ponte ainda sem data" in http://economico.sapo.pt/noticias/assembleia-geral-que-vai-destituir-alberto-da-ponte-ainda-sem-data_209613.html
Fonte: Jornal Expresso, dia 12 de janeiro de 2015, notícia da autoria do jornalista Adriano Nobre, intitulada: "CGI propõe Gonçalo Reis e Nuno Artur Silva para a administração da RTP" in http://expresso.sapo.pt/cgi-propoe-goncalo-reis-e-nuno-artur-silva-para-a-administracao-da-rtp=f905980#ixzz3P31r34rS
Cornu, Daniel (1994). Jornalismo e Verdade- Para uma ética da informação.TraduçãoArmando da Silva. Ediora Instituto Piaget. Coleção Epistemologia e Sociedade
idem
Esteves, João Pissarra. (1998) A Ética da Comunicação e os Media Modernos – Legitimidade e poder nas sociedades complexas. Lisboa. Editora: Fundação Calouste Gulbenkian – Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Coleção Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas
Pina, Sara. 2000. A deontologia dos jornalistas portugueses, Coimbra, Livraria Minerva Editora
Camponez, Carlos (2011). Deontologia do Jornalismo - A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses (1974-2007). Coimbra. Editora: Grupo Almedina apud Bélisle, Claire, L' Éthique et le multimédia, 2001.p.123
idem
Fidalgo, José Carlos (2006). Tese de Doutoramento - O lugar da ética e da Auto- Regulação na Identidade Profissional dos Jornalistas. Universidade do Minho. Instituto de Ciências Sociais, disponível in http://vaievem.files.wordpress.com/2010/10/tese-de-doutoramento-joaquim-fidalgo1.pdf
idem
idem
Estas duas denominações dão o título ao 2 ponto do II capítulo da obra Deontologia do Jornalismo do professor Carlos Camponez. Também em Fidalgo, José Carlos (2006). Tese de Doutoramento - O lugar da ética e da Auto- Regulação na Identidade Profissional dos Jornalistas, no capítulo5, no ponto 4 e 5, utiliza os dois termos. Entendemos seguir as denominações e os pensamentos destes dois autores.
Referência feita pelo autor citado
Na obra de Carlos Camponez, Deontologia do Jornalismo- A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses (1974-2007), esta referência é feita através do trabalho de Guy Girou em La demande Sociale de l' Éthique: autorégulation ou hétéroregulation.1997:30
"iniciativas de regulação elaboradas de baixo para cima- ou seja que têm origem na sociedade civil e mais próximas de uma vontade ética e moral- e as acções regulativas exercidas de cima para baixo que se impõem pela força da Lei ou pela ameaça de intervenção do Estado". (Camponez.2011:93)
Cabral, Hedery (2011). A regulação da comunicação social: auto ou hétero-regulação? Porto, Faculdade de Direito da Universidade do Porto disponível in http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/63867/2/Redaao%20final.pdf
Moreira, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 52 e 53.
No capítulo V, ponto 6 de Fidalgo, Joaquim Martins -2006. O lugar da ética e da Auto- Regulação na Identidade Profissional dos Jornalistas, são interpretados todos estes mecanismos.
in: http://vaievem.files.wordpress.com/2010/10/tese-de-doutoramento-joaquim-fidalgo1.pdf .
Informação recolhida no site da ERC, no ponto denominado: Sobre a ERC, disponível in http://www.erc.pt/pt/sobre-a-erc

Capítulo 1 de Maçãs, Fernanda e Moreira, Vital. (2003). Autoridades Reguladoras Independentes- Estudo e Projecto de Lei-Quadro. Faculdade de Direito de Coimbra. Coimbra Editora.
Fonte: Jornal Publico, notícia do dia 16 de dezembro de 2014, intitulada: "Administração da RTP rejeita destituição e ameaça ir para tribunal", da autoria da jornalista Maria Lopes in http://www.publico.pt/politica/noticia/administracao-da-rtp-rejeita-destituicao-e-ameaca-ir-para-tribunal-1679596
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Dissertação


A Regulação no Canal Público Português: variações entre a autorregulação e a heterorregulação

Estudo do caso da compra dos direitos de transmissão da Liga dos Campeões pela RTP1 para o triénio 2015-2018




Mestrado em Comunicação e Jornalismo
Seminário de Ética e Deontologia da Comunicação
Docente: Dr. Carlos Camponez
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Discente : Emanuel Jorge Sebastião Pereira




Resumo
O jornalismo em Portugal e no mundo assume uma importância cada vez maior. Percecionado muitas vezes, quase de maneira a ser um "quarto poder", expressão utilizada por Mário Mesquita, que a utiliza como "uma hipérbole que visa colocar a imprensa a nível das instituições do poder constituído" (Mesquita,2003:71), tem a capacidade de criar pensamentos, estimular ideologias e até provocar revoluções na sociedade. Contudo esta nobre atividade tem mecanismos de regulação muito próprios, que variam entre a autorregulação e a heterorregulação.
Palavras - Chave: autorregulação, mecanismo de controlo, regulação, heterorregulação, autoridades reguladoras independentes
Breve nota introdutória
O presente trabalho pretende analisar os mecanismos de regulação no jornalismo português. O caso que dá o mote para esta reflexão é a compra dos direitos televisivos da Liga dos Campeões, por parte da Rádio e Televisão de Portugal (RTP), em novembro de 2014, por valores a rondar os 15 e os 18 milhões de euros. Para a explicação de todo o processo, temos por base diversas notícias da imprensa portuguesa. Num segundo momento definimos alguns termos pertinentes, de maneira a que, posteriormente possamos retirar as nossas conclusões. Na interpretação de todo este acontecimento levantam-se diversas questões de natureza deontológica e ética que vão ser escamoteadas na dissertação.
Explicação do caso
Esta não foi uma "compra" simples, trouxe muitas críticas ao Conselho de Administração (CA) do canal público, levantou questões sobre o plano de programação que a administração, na altura liderada por Alberto da Ponte, pretendia para o canal, e acabou por resultar numa troca de diálogos no espaço público entre o Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, com a tutela da Comunicação Social, do Desenvolvimento Regional e das Autarquias Locais, Miguel Poiares Maduro, no final de todo este processo, o CA acabou demitido. Assistimos ainda à atuação do Conselho Geral Independente (CGI), um mecanismo criado no início de 2014, aquando da aprovação dos novos estatutos da RTP, e que pretendia, segundo o ministro: "diminuir o risco de governamentalização", um órgão que, segundo declarava na altura Miguel Poiares Maduro, "assume os poderes da tutela governamental. Tudo o que estava na minha tutela passa a ser exercido por este conselho independente".
As posições do CGI foram contra o plano estratégico que o CA apresentou, confirmando, no dia 1 de dezembro de 2014, que este plano "revela insuficiência que o fere de qualquer eficácia", convém salientar que esta era já a segunda vez que a estratégia proposta pelo CA era chumbada. Mas a crítica alongou-se: "esta insuficiência manifesta-se na débil natureza qualitativa e na ausência de especificação das suas propostas", no mesmo documento que foi enviado para as redações dos diversos meios de comunicação social portugueses, "sem querer pronunciar-se sobre os méritos ou deméritos da proposta, o CGI considera que o dever de colaboração, e o princípio de lealdade institucional que lhe subjaz, foram violados pelo CA", afirmações suscitadas devido à não comunicação da compra por parte do CA ao CGI. Dois dias depois, a 3 de dezembro, o CA era demitido pelo Governo, que seguiu a recomendação do CGI.
O Conselho de Administração não aceitou esta demissão e solicitou "uma audiência com caráter de urgência à Comissão Parlamentar para a Ética, Cidadania e Comunicação". Entretanto também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), no dia 5 de dezembro lhe deu razão, num documento em que afirmava existir uma: "violação grave da autonomia editorial". No mesmo parecer era ainda assumido que, "não cabe ao Conselho Geral Independente (CGI) definir os conteúdos a incluir nas grelhas de programas do operador público". O documento era ainda bastante claro quanto às funções que o CGI devia assumir, ao nível da definição de conteúdos do canal público, estas: "esgotam-se na emissão de pareceres não vinculativos sobre a criação de novos canais ou sobre a introdução de alterações significativas aos já existentes".
Antes disso, no dia 4, também o Sindicato de Jornalistas (SJ) se manifestou sobre o caso, considerando-o como: "um 'afloramento' do problema de fundo da RTP e dos serviços públicos que esta concessionária tem de prestar: o que pretende o Governo que sejam esses serviços, a fixar no Contrato de Serviço Público". No mesmo comunicado é referido que, "a questão deve ser explicada, já que a referida compra representa mais 20% do custo total da grelha para um ano, a Direcção do SJ responsabiliza no entanto o Governo pela aprovação do chamado Plano de Desenvolvimento e Reestruturação (repudiado pelos sindicatos) ".
Todos os intervenientes foram ouvidos na Comissão Parlamentar, com Alberto da Ponte a garantir, no dia 16 de dezembro, que iria reagir: "com todos os meios legais ao nosso [palavras do próprio] alcance em defesa da honra, não aceitamos destituição com justa causa porque não há", apelidando a atuação do CGI de "pirraça académica". O CA afirmava-se também disposto a renunciar ao cargo desde que fosse assegurado "o respeito pelo bom trabalho por si colegialmente e individualmente realizado".
No despacho de pronúncia de defesa, enviado pelo CA (para além de Alberto da Ponte, também era constituído por Luiana Nunes e António Beato Teixeira), era ainda defendido que o CGI: "com a sua atual composição, constitui [declaração da altura] uma grave ameaça à divisão interorgânica de poderes da RTP, à independência editorial das direções de programas e de informação, à independência constitucionalmente consagrada".
Após este momento, o caso só voltou a ter desenvolvimentos no dia 12 de janeiro de 2015, com diversas notícias a referir que a Assembleia Geral para destituir oficialmente a administração de Alberto da Ponte, "ainda não tem data marcada". Entretanto foram propostos, pelo CGI, Gonçalo Reis para presidente do CA e Nuno Artur Silva para o cargo de administrador de conteúdos, faltando ainda o nome para a administração financeira. Como podemos ver por toda esta explicação, este caso envolveu directamente três intervenientes: o Governo, o Conselho Geral Independente e o Conselho de Administração da RTP. Também a ERC e o Sindicato de Jornalistas emitiram a sua opinião. Há questões de natureza da regulação, nomeadamente os mecanismos de autorregulação, heterorregulação e autoridades reguladoras independentes, que se levantam. Em seguida procuramos encontrar definições para estes termos, primeiro através da explicação dos seus precedentes e depois com a ligação ao caso abordado.

Ética, Moral e Deontologia, ligações entre conceitos
Antes de uma interpretação sobre as variações entre a autorregulação e a heterorregulação que o caso em análise desponta, de uma forma muito breve, importa dar algumas noções sobre ética, moral e deontologia, pois são elas que acabam por ser a base de todos os mecanismos de regulação.
Daniel Cornu refere que, " muitas vezes a ética, não é senão a forma especiosa ou camuflada de uma moral que já não ousa dizer o seu nome" (Cornu,1994:36). O mesmo autor recorre também à origem epistemológica das palavras, para estabelecer mais uma semelhança entre os dois termos, "a origem das palavras é comum, mesmo que a raiz de uma seja grega e da outra latina: a ética, tal como a moral, tem a ver com os usos, com os costumes" (Cornu,1994:36).
Ainda na obra de 1994 do autor suíço, recebemos as ideias de André Lalande, que explica diretamente a diferença entre as duas. Assim a ética assume-se como " a ciência que tem por objeto o julgamento de apreciação quando aplicado à distinção do bem e do mal" (Cornu. 1994:36 apud Lalande), já a moral dirá respeito "ao conjunto das prescrições admitidas numa época e numa sociedade determinadas, o esforço para se conformar com essas prescrições, a exortação a seguir" (idem). Estes dois termos acabam por ter mais ligações, as questões ético-morais estão cada vez mais presentes nos dias de hoje, para João Pissarra Esteves, estas dizem respeito a "questões de ordem do dever, de carácter eminentemente prático, relativas ao quotidiano de todos nós, à vida das instituições, às relações interpessoais e à própria intimidade individual".
A Deontologia acaba por receber princípios destes dois campos. O termo deontologia foi introduzido em 1834 por Jeremy Bentham, o discurso do dever será a sua definição etimológica. A deontologia defende aquilo que devemos fazer na profissão, no caso do jornalismo em Portugal, ela rege o trabalho dos jornalistas – neste contexto – através do código deontológico dos jornalistas, de 1993.

"Deontologia, neste sentido, é, pois, a ciência que identifica os valores morais diretores de uma determinada atividade profissional (ou, de modo mais restrito ainda, o próprio conjunto desses valores). Enquanto ciência de fatos de natureza moral, a deontologia implica, pois, não só uma enunciação do que é, mas também a enunciação do que deve ser" (Pina, 2000:31)

Contudo há algumas diferenças específicas, como constata o professor Carlos Camponez, ao abordar a ligação entre moral e deontologia.
" (…) a diferença entre a moral e a deontologia parece fazer-se não tanto pela referência à natureza dos seus conteúdos, mas pelo âmbito da sua aplicação, formando a deontologia como que «um subconjunto das regras morais»" (Camponez.2011:24 apud Bélisle, Claire.2001:123).
Uma reflexão do mesmo autor é bastante explícita sobre esta relação, "definimos a deontologia como a moral specialis, aplicada a um contexto profissional"(Camponez.2011:29). Também José Carlos Fidalgo partilha a ideia de que a moral e a deontologia estão ligadas, contudo têm especificidades próprias: " a primeira [moral] sistematizando regras que orientam as condutas sociais, a segunda [deontologia] fazendo idêntico trabalho para as condutas profissionais" (Fidalgo. 2006:299). Assim, assumimos que a deontologia é a prática da moral num trabalho específico. Mas a deontologia tem também uma forte ligação à ética, na medida em que " as regras deontológicas nascem de uma reflexão ética e é nela que encontram o seu sentido primeiro" (Fidalgo. 2006:298). As ideias de Marc - François Bernier são muito claras sobre esta relação necessária entre a ética e a deontologia.

[A] deontologia resulta da ética, mas não deve substituir-lhe ou tentar escapar ao seu questionamento, que passa pela reflexão ética (…) é a reflexão ética que permite descristalizar a deontologia e lutar contra a sua sedimentação. (Fidalgo. 2006:298 apud Bernier 1994:23).

Voltando à obra do docente Carlos Camponez, a deontologia pode assumir duas funções, uma externa, que lhe "permite um reconhecimento social" (Camponez. 2011:66) e uma interna, que lhe permite a " defesa da própria profissão" (idem:68), ao nível do jornalismo isto é crucial, porque a profissão está no "centro das atenções" diariamente, tendo por isso de ter mecanismos que salvaguardem os interesses dos jornalistas e profissionais na área. Os princípios de autorregulação emanam da deontologia, mais concretamente da sua relação com o direito (cf Camponez.2011:87).

Mecanismos de Regulação no Jornalismo Português – Auto e Heterorregualção
Falar de todos os mecanismos de regulação seria um trabalho muito mais extenso, que envolveria mais páginas, mais linhas, mais ideias. Tentaremos abordar apenas os conceitos que estão envolvidos neste caso. Procuramos uma análise sintética para depois tirarmos as nossas conclusões em relação à compra dos direitos da Liga dos Campeões por parte da RTP. Começamos pelo próprio conceito de regulação, que varia de autor para autor, mas que achamos pertinente constar aqui. Assim para Fidalgo, falar de regulação, devido ao contexto atual é falar de heterroregulação.

(…)quando se fala de regulação- no sentido mais corrente de hétero-regulação, ou seja de um conjunto de medidas legais e de mecanismos de fiscalização adoptados em sede de pode público para enquadrar, reger e sancionar o funcionamento de uma dada actividade – fala-se habitualmente da chamada lógica "de controlo e comando (Black,2002:2), associada a uma lógica de "regulação centrada" no Estado. (Fidalgo.2006:438)

Importantes contributos para a distinção entre autorregulação e heterorreguação foram dados Guy Giroux, como é referido na obra de Carlos Camponez: "a autorregulação e a heterorregulação definem, respetivamente, os campos da ética, da moral e da deontologia, por um lado e da lei por outro" (Camponez. 2011:93 apud Guy Giroux.1997:30). Seguindo os mesmos raciocínios podemos encontrar iniciativas de regulação que têm duas origens, umas que advêm da sociedade em si e outras que vêm de entidades como o Estado e a lei. Sobre heterorregulação, as ideias do professor João Fidalgo são muito explícitas em relação ao sentido e à forma deste mecanismo de regulação:
(…) um processo integrado de cheks and balances que, por assim dizer, reparte o poder de regular os media pelos seus múltiplos protagonistas, directos ou indirectos – o Estado, o mercado, as empresas, os profissionais, os públicos e a sociedade no seu todo(...) O pano de fundo é sempre a gestão do binómio liberdade-responsabilidade. (Fidalgo. 2006:449)

Podemos então depreender que em relação à comunicação social, a heterorregulação surge como uma intervenção do Estado, ou de outras entidades, numa tentativa de impedir erros. Se olharmos para a realidade portuguesa, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social será o mais parecido que temos com este tipo de regulação. Estas entidades têm assim um papel "de vigilância" do que se passa nos media: "às entidades reguladoras cabe, de forma proactiva, monitorizar o cumprimento das normas aplicáveis ao sector, garantindo também a satisfação dos direitos eventualmente violados" (Cabral.2011:40).
Ao nível da autorregulação o jornalismo português tem diversos meios, todavia continuam a ser muitas vezes insuficiente para regular todas as situações. Neste caso de trabalho, os mecanismos de regulação deste tipo envolvidos foram diminutos, só o Sindicato de Jornalistas se pronunciou. Ainda assim achamos pertinente colocar nesta dissertação algumas aceções sobre o termo. Ao nível dos média, e voltando a recorrer às ideias de Carlos Camponez, a autorregulação é percicionada como "o conjunto de mecanismos institucionalizados, destinados a vigiar e a fazer cumprir os princípios e valores normativos da profissão" (Camponez.2011:110). É ainda salientado pelo autor o contexto em que está inserido o jornalismo português, num modelo "mediterrânico" (Camponez.2011:116), que continua a ter uma elevada presença do Estado, "através de políticas de financiamento dos media, da detenção da propriedade dos meios de comunicação social públicos e uma forte presença reguladora ao nível legal" (idem). Se olharmos para a realidade portuguesa conseguimos perceber que estas ideias são a expressão da realidade, a RTP é o exemplo mais percetível, pois o seu maior accionista é o Estado Português.
Outro pensamento que importa salientar é o do professor Vital Moreira que aponta três traços característicos da autorregualação: em primeiro lugar, a autorregulação é uma maneira de regulação, e não ausência dela; em segundo lugar, é uma forma de regulação colectiva, destacando que não há autorregulação individual; a auto-regulação envolve uma organização colectiva que estabelece e impõe aos seus membros certas regras e certa disciplina; em terceiro lugar, é uma forma de regulação que acaba por não estar ligada ao Estado(cf Moreira.1997:52-53).
Joaquim Fidalgo enuncia diversos mecanismos de autorregulação no jornalismo português: conselho de redação, livros de estilo, estatutos de redacção/códigos internos, código deontológico, conselho de imprensa, correio dos leitores e tribuna pública, crítica de média/metajornalismo e provedor do leitor/do ouvinte do espectador (cf Fidaldo:2006 pp.489-514).
Importa ainda salientar um aspeto antes de enunciarmos as nossas conclusões sobre o caso em estudo. A ERC define-se como: "uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, com natureza de entidade administrativa independente", assim sendo, consideramos que os seus pareceres e deliberações serão os mais corretos para interpretar a situação. Sobre autoridades reguladoras independentes convém destacar as ideias de Fernanda Maçãs e Vital Moreira: " o que distingue a regulação independente é o facto de ela ter passado a ficar fora da órbitra governamental, dentro da qual tradicionalmente se inseriam todas as funções administrativas e de execução de leis em geral" (Maçãs e Moreira. 2003:15).
. Depois destas noções teóricas sobre alguns termos, que direta ou indirectamente acabaram por estar envolvidos em todo este processo, passamos a enunciar as nossas conclusões e pensamentos sobre o caso que envolveu esta compra por parte da administração da RTP.

Conclusão e Considerações Finais sobre o Caso
Após esta análise mais teórica, no nosso entendimento, a razão está do lado do Conselho de Administração, liderado na altura por Alberto da Ponte. O parecer da ERC é bastante claro, quando refere que estes jogos podem de facto ser de interesse público, e como tal a sua transmissão pode ser assumida pelo canal público.

sempre se dirá que a transmissão, pela RTP, de jogos de futebol da Liga dos Campeões é, pelo menos, e assegurados que sejam certos pressupostos, conciliável com a filosofia do modelo entre nós preconizado e adotado para o serviço público de televisão, no tocante às obrigações de programação que este deve garantir" (deliberação 172/2014 da ERC , página 4 emitida a 4 de Dezembro de 2014).

Ainda assim esta interpretação é sempre muito subjetiva, não nos podemos esquecer que a RTP é o canal público, cujo maior accionista é o Estado Português, e os contribuintes são que paga grande parte dos gastos do canal. Para uma pessoa que goste de futebol, esta decisão do CA pode ser boa e até justificada, relembramos que a Liga dos Campeões, para além da receita proveniente da audiência recebe elevadas quantias ao nível dos patrocínios, mas para uma pessoa que não goste de futebol esta decisão pode parecer incompreensível, sem fundamento ou justificação.
Os valores revelados, entre 15 a 18 milhões, por 3 anos, parecem exagerados à primeira vista, ainda por cima se pensarmos no contexto de crise económica que o nosso país atravessa. No nosso entender só podemos dizer se esta decisão é correta ou não depois de ver a receita proveniente após a primeira época de transmissão, ou seja o ano civil de 2015. Alberto da Ponte justificou perante os deputados todos os gastos que estão envolvidos.

"segundo Alberto da Ponte, o investimento é de cinco milhões de euros por cada uma das três épocas, mas terá um retorno de 5,8 milhões de euros anuais. Além dos 2,5 milhões que espera facturar em publicidade, juntam-se 3,3 milhões de euros de "custos de oportunidade" que é o valor dos programas que é possível não emitir para poder colocar no seu lugar o futebol agora comprado"( jornal Público. 16/12/2914, peça da autoria de Maria Lopes)

Vamos esperar para ver se este retorno será considerável ou não, mas uma coisa é certa, eticamente, no nosso entender, o Conselho Geral Independente não esteve bem, ao manifestar-se na esfera pública contra a decisão do Conselho de Administração, também não aprovamos a forma como o próprio ministro respondeu. Achamos que este debate devia ter acontecido internamente e não pelos meios de comunicação social. Não nos podemos esquecer que este CGI é um órgão externo à administração, uma forma de heterorregulação, se for ele a decidir a linha de programação, então estaremos a abrir um precedente, que pode levar a que todos os conteúdos do canal público sejam escolha do CGI. Um útlimo destaque para a posição do Sindicato de Jornalistas que chamou a atenção para o maior problema deste processo, que se situa na delimitação do que é o interesse público e do que deve constar no contrato da RTP a este respeito.
Muito mais poderia ser decifrado em todo o caso, por exemplo o que é o interesse público ou em que se baseia a liberdade de programação do canal público. Tentámos dar alguns entendimentos concretos e sintéticos sobre diversas questões de natureza deontológica e ética que revestem toda a interpretação desta compra. Se é viável e rentável, o futuro o dirá, o contrato com a UEFA está assinado, vamos ver em 2015 qual é o resultado de toda esta operação, neste momento "os dados estão lançados".
Referências Bibliográficas
Cabral, Hedery (2011). A regulação da comunicação social: auto ou hétero-regulação? Porto, Faculdade de Direito da Universidade do Porto disponível in http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/63867/2/Redaao%20final.pdf [acesso dia 16 de janeiro de 2015]
Camponez, Carlos (2011). Deontologia do Jornalismo - A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses (1974-2007). Coimbra. Editora: Grupo Almedina
Cornu, Daniel (1994). Jornalismo e Verdade- Para uma ética da informação. Tradução: Armando da Silva. Editora Instituto Piaget. Coleção Epistemologia e Sociedade
Esteves, João Pissarra. (1998) A Ética da Comunicação e os Media Modernos – Legitimidade e poder nas sociedades complexas. Lisboa. Editora: Fundação Calouste Gulbenkian – Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Coleção: Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas
Fidalgo, Joaquim Martins (2006).Tese de Doutoramento - O lugar da ética e da Auto- Regulação na Identidade Profissional dos Jornalistas in : http://vaievem.files.wordpress.com/2010/10/tese-de-doutoramento-joaquim-fidalgo1.pdf [acesso dia 14 de janeiro de 2015]
Maçãs, F e Moreira, V. Autoridades Reguladoras Independentes- Estudo e Projeto de Lei-Quadro. Capítulo 1- Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora
Mesquita, Mário (2003). O Quarto Equívoco – o poder dos media na sociedade contemporânea., 1ª Edição, Editora Minerva Coimbra. Coleção :Ciências da Comunicação
Moreira, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública, Almedina, Coimbra, 1997
Pina, Sara. 2000. A deontologia dos jornalistas portugueses, Coimbra, Livraria Minerva Editora
Notícias e Comunicados
Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Lisboa. Deliberação 172/2014 (parecer) - http://www.erc.pt/pt/deliberacoes/deliberacoes [acesso dia 17 de janeiro de 2015]
Jornal Diário Económico, notícia do dia 1 de dezembro de 2014. Notícia intitulada: "Conselho Geral Independente chumba plano estratégico da RTP", da autoria da jornalista Rita Paz in http://economico.sapo.pt/noticias/conselho-geral-independente-chumba-plano-estrategico-da-rtp_207247.html [acesso dia 17 de janeiro de 2015]

Jornal Diário Económico, notícia do dia 12 de janeiro de 2015, da autoria da jornalista Catarina Madeira, intitulada: "Assembleia Geral que vai destituir Alberto da Ponte ainda sem data" in http://economico.sapo.pt/noticias/assembleia-geral-que-vai-destituir-alberto-da-ponte-ainda-sem-data_209613.html [acesso dia 17 de janeiro de 2015]

Jornal Expresso, 14 de Novembro de 2014. Notícia intitulada: "RTP paga entre 15 e 18 milhões de euros pela Liga dos Campeões", da autoria da jornalista Ângela Silva in http://expresso.sapo.pt/rtp-paga-entre-15-e-18-milhoes-de-euros-pela-liga-dos-campeoes=f898919 [acesso dia 16 de janeiro de 2015]

Jornal Expresso, notícia do dia 10 de janeiro de 2014. Notícia intitulada: "Poderes do Governo na RTP passam para o Conselho Geral", da autoria do jornalista Adriano Nobre in: http://expresso.sapo.pt/poderes-do-governo-na-rtp-passam-para-o-conselho-geral=f849988#ixzz3P1xSmA6a [acesso dia 15 de janeiro de 2015]

Jornal Expresso, dia 12 de janeiro de 2015, notícia da autoria do jornalista Adriano Nobre, intitulada: "CGI propõe Gonçalo Reis e Nuno Artur Silva para a administração da RTP" in http://expresso.sapo.pt/cgi-propoe-goncalo-reis-e-nuno-artur-silva-para-a-administracao-da-rtp=f905980#ixzz3P31r34rS [acesso dia 17 de janeiro de 2015]

Jornal da Madeira, notícia do dia 5 de dezembro de 2014, não assinada. Disponível in http://www.jornaldamadeira.pt/artigos/sj-responsabiliza-governo-por-crise-na-rtp-e-quer-respons%C3%A1veis-no-parlamento [acesso dia 17 de janeiro de 2015]

Jornal I apud Lusa , notícia do dia 23 de Dezembro de 2014, intitulada: " Admnistração da RTP já enviou cópia de defesa para o parlamento", disponível in http://www.ionline.pt/artigos/portugal-media-televisao/administracao-da-rtp-ja-enviou-copia-da-defesa-parlamento [acesso dia 16 de janeiro de 2015]

Jornal Observador apud Lusa, notícia do dia 23 de Dezembro de 2014, intitulada "Conselho de administração da RTP disposto a renunciar aos cargos", disponível in http://observador.pt/2014/12/23/conselho-de-administracao-da-rtp-disposto-renunciar-aos-cargos/[ acesso dia 16 de janeiro de 2015]

Jornal Observador apud Lusa, notícia do dia 23 de dezembro de 2014, intitulada: "Conselho de administração da RTP disposto a renunciar aos cargos" in http://observador.pt/2014/12/23/conselho-de-administracao-da-rtp-disposto-renunciar-aos-cargos/ [ acesso dia 17 de janeiro de 2015]

Jornal Publico, notícia do dia 16 de dezembro de 2014, intitulada: "Administração da RTP rejeita destituição e ameaça ir para tribunal" , da autoria da jornalista Maria Lopes in http://www.publico.pt/politica/noticia/administracao-da-rtp-rejeita-destituicao-e-ameaca-ir-para-tribunal-1679596 [acesso dia 17 de janeiro de 2015]

Sindicato de Jornalistas. Comunicado do dia 4 de Dezembro de 2014. SJ responsabiliza Governo pela crise na RTP disponível in http://www.jornalistas.eu/?n=9319 [acesso dia 17 de janeiro de 2015]


Outras fontes

Governo de Portugal in: http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministro-adjunto-e-do-desenvolvimento-regional/conheca-a-equipa/ministro/miguel-poiares-maduro.aspx
[acesso dia 17 de janeiro de 2015]




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