A relação entre design, identidade e globalização através da análise do filme Mon Oncle

July 7, 2017 | Autor: Nicole Tomazi | Categoria: Cultural Studies, Globalization, Product Design
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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

A relação entre design, identidade e globalização através da análise do filme Mon Oncle Nicole Tomazi Verdi Mestranda em Design Centro Universitário Ritter dos Reis – Uniritter [email protected]

Prof. César Steffen Doutorado em Comunicação Social Centro Universitário Ritter dos Reis - Uniritter [email protected]

Profª. Carla Pantoja Giuliano PhD em Disegno Industriale e Communicazione Multimediale Centro Universitário Ritter dos Reis - Uniritter [email protected] Resumo: O presente artigo visa analisar o filme “Mon Oncle” do ano de 1956, dirigido por Jacques Tati do ponto de vista da relação dos atores com o cenário e os objetos que o compõe. A análise será feita à luz dos conceitos de modernismo, identidade e globalização, para que se elenquem questões relevantes sobre o design e a relação local-global. A intenção do artigo é validar a hipótese levantada pelo filme sobre a vida moderna e a exacerbada exaltação da tecnologia. Palavras-chave: Modernismo. Design. Mon Oncle. Jacques Tati.

1 Introdução O presente artigo pretende analisar o cenário do filme Mon Oncle (1956) de Jacques Tati e a relação dos personagens com o mesmo, a partir de conceitos que relacionam design, modernismo, identidade e globalização. Na primeira parte deste artigo será feito um estudo sobre a história do modernismo, e o seu desenvolvimento através do tempo. O enfoque deste estudo será o design e a influência do modernismo no desenvolvimento dos objetos e da indústria e do reflexo dos objetos e do consumo na sociedade. Após esta contextualização, serão abordados os temas identidade cultural e globalização, com o intuito de levantar problemas ocasionados pela padronização estimulada pela industrialização e pelo modernismo. X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014

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Na parte final, com base nos conceitos apontados, será feita a análise do filme a partir de características do cenário e da relação dos personagens com o mesmo. A sinopse do filme revela a intenção em criticar a exacerbação da mecanicidade e da modernidade tecnológica e o presente artigo servirá como ferramenta para validar, ou não, a hipótese do filme. Por fim, serão explanadas as considerações e conclusões a que se chegarão com a análise em questão e de que maneira poderá ser válida para a evolução do pensamento em design e construção das identidades. 2 Design e industrialização A partir do século XVII aparecem as primeiras literaturas onde a máquina é apresentada como ferramenta para alcançar a felicidade (MALDONADO, 1993). Há nos homens uma imensa curiosidade sobre a tecnologia e sua capacidade de transformar o mundo em um lugar melhor para se viver. Este interesse pelas máquinas inspira a arquitetura, o design de objetos e o modo de vida: Ao mesmo tempo que a nova fartura industrial ampliava as possibilidades de consumo para a multidão, para alguns ela gerava preocupações inéditas sobre a natureza do que era consumido. Já na década de 1830, surgem na Inglaterra as primeiras manifestações daquilo que viria a ser um fenômeno constante na história do design: os movimentos para a reforma do gosto alheio. (CARDOSO, 2008, p.77)

O início do século XX trouxe consigo a guerra e a escassez, e também a necessidade de racionalização e acesso. Com este cenário começa na Alemanha uma busca por racionalização projetual para a produção em série de objetos. A evolução deste pensamento gerou movimentos de designers e arquitetos que projetavam aplicando materiais industrializados, a fim de democratizar o acesso por parte da população de objetos cotidianos: cadeiras, utensílios domésticos, etc. (CARDOSO, 2008). O modernismo galgou-se na indústria e na racionalização dos processos, sempre com intuito de atingir a maior parte da população. A industrialização embora representasse riqueza para alguns, criou uma grande tensão social na época. Mesmo com processos racionais e com a intenção de atender as necessidades da população através de volume de bens, não conseguiu atingir a todos: Todas as épocas foram marcadas por novos materiais e tecnologias: ferro fundido, aço ou concreto não eram mais processados em pequenos estabelecimentos ou manufaturas por trabalhadores manuais. Os estabelecimentos equipados com maquinário substituíram os processos de produção até ali empregados. Teares automáticos, máquinas a vapor, marcenarias industriais e construções pré-fabricadas mudaram as condições de vida e trabalho, de forma decisiva. As conseqüências sociais da industrialização eram difíceis de prever: grande parte da população empobreceu e se tornou proletariado, o ambiente se transformou de forma decisiva por meio dos quarteirões habitacionais e distritos industriais. (BÜRDEK, 2006, p.19).

Neste momento a sociedade se dividiu. A população assimilou o estilo utilizando-o como reflexo de sofisticação e cultura. Existiam os que conseguiam aderir completamente ao novo modelo de vida, mas também aqueles que não tinham condições e mantinham o modelo antigo, casas, objetos e vestuário fora dos padrões de status social.

X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis O modernismo, então, contava com seu próprio tipo de confiança, com um sentimento de euforia em meio ao desespero cultural. Seu fascínio pelo novo o colocou ao lado do progresso e dessa forma ligou-o a uma das idéias básicas da modernidade. [...] A modernidade, que fora definida como um 'rompimento com a tradição', tornou-se em si uma tradição, a 'tradição do novo'. (KUMAR, 1997, p. 110111).

No ano de 1919, é criada a Bauhaus, baseada no conceito de processo fabril e na sistematização deste processo. O princípio era eliminar os elementos meramente decorativos e prezar pelo racionalismo, buscando com isto, além de um formalismo e purismo, atingir uma grande parte da população através da criação de móveis e objetos cotidianos mais baratos. “[...] A fascinação pelos novos métodos de construção se traduzia em “móveis tipo”, que exploravam todas as possibilidades funcionais [...]. (BÜRDEK, 2006, p.38). A Bauhaus finaliza suas atividades em 1933, após passar por diversas fases e enfoques projetuais, que variavam de acordo com a intenção de seus diretores. Contrariando a vontade de alguns dos seus idealizadores, a Bauhaus acabou contribuindo muito para a cristalização de uma estética e de um estilo específicos no design: o chamado ‘alto’ Modernismo que teve como preceito máximo o Funcionalismo, ou seja, a idéia de que a forma ideal de qualquer objeto deve ser determinada pela sua função, atendo-se sempre a um vocabulário formal rigorosamente delimitado por uma série de convenções estéticas bastante rígidas. (CARDOSO, 2008, p.135)

O consumo do modernismo, a partir do mobiliário representava status e avanço social, assim como as construções da época, refletindo uma nova era de desenvolvimento e riqueza. 3 Identidade e globalização Nas últimas décadas têm se tratado do tema globalização principalmente relacionado à economia e desenvolvimento industrial. A globalização não é necessariamente um tema novo, mas vem se enquadrando cada vez mais na atualidade, visto que suas características vêm de encontro com o rumo do desenvolvimento mundial. A globalização supõe uma interação funcional de atividades econômicas e culturais dispersas, bens e serviços gerados por um sistema com muitos centros, no qual é mais importante a velocidade com que se percorre o mundo do que as posições geográficas a partir das quais está se agindo. (CANCLINI, 2008, p.32).

Com base neste conceito de não-local, o global se espraia e abrange a sociedade como um todo, através do consumo padronizado de produtos que servem tanto para o oriente quando para o ocidente, sem traços de identidade local reconhecíveis. Este padrão de aplicação facilita a produção, barateando custos de adaptação a cada local a ser inserido. Surge a massificação de produtos: objetos, roupas, móveis e por fim, do lifestyle. O modo de viver se torna um produto de desejo, um modelo de sucesso a ser seguido, fomentando a homogeneização da sociedade. Nenhum produto tem a possibilidade de se seriar, nenhuma necessidade consegue ser satisfeita de modo maciço, a não ser no caso de já fazer parte do modelo

X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis superior, tendo sida substituída por outro bem ou necessidade distintiva – de maneira a preservar a distância. (BAUDRILLARD, 2008, p.69).

A criação deste padrão serve de mote para a massificação da produção e, consequentemente a migração de produção para países onde a mão de obra é mais barata. O impacto direto desta massificação proveniente da homogeneização é a exacerbação da desigualdade. A desigualdade social, motivada pelo consumo – onde alguns podem consumir certos insumos e a grande massa não – e também motivada pelo desemprego – a falta de recursos para consumir o básico necessário. Os países onde a produção é encerrada para migrar para outros pólos produtivos apresentam grandes taxas de desemprego e obviamente de desigualdade. “Um sapato ou tênis fabricado em longínquo país asiático fecha empresas em Franca, SP, ou qualquer outro município do mundo.” (DOWBOR et al, 2002, p.10). Esta perda de território movida pela globalização desconstrói a relação do produto com seu local, retirando totalmente do mesmo quaisquer características reconhecíveis do lugar de onde veio. Leva ainda a uma falta de responsabilidade, já que pertence a lugar nenhum. A massificação não se responsabiliza pelo lugar que destrói, nem pelo que constrói, sendo estes lugares simples bases de produção, que de uma hora para outra – de acordo com o que podem oferecer de facilidades – podem ser deixados para trás em decorrência de outros mais atrativos. “A mundialização da cultura traz em seu bojo uma territorialidade que já não mais se vincula ao seu entorno físico.” (DOWBOR et al, 2002, p272). Sobre esta destituição de lugar: Esta oposição esquemática, dualista, entre o próprio e o alheio não parece fazer muito sentido quando compramos um carro Ford montado na Espanha, com vidros feitos no Canadá, carburador italiano, radiador austríaco, cilindros e bateria ingleses e eixo de transmissão francês. (CANCLINI, 2008, p.31)

Aquele que necessita do básico consome o básico mirando um dia conseguir consumir o mesmo extraordinário do outro, que, por conseguinte já não é tão extraordinário assim, pois se torna necessário ou obsoleto. O ciclo de consumo e exclusão se alimenta, conforme Bordieu (1994): Na medida em que cresce a distância objetiva com relação à necessidade, o estilo de vida se torna, sempre, cada vez mais o produto de uma “estilização da vida”, decisão sistemática que orienta e organiza as práticas mais diversas, escolha de um vinho e de um queijo ou decoração de uma casa de campo. (BOURDIEU, 1994, p.88).

Esta luta por um lugar na sociedade através do consumo de um modelo gerado é explicitado por Bourdieu (1994) quando o mesmo trata dos “esquemas generativos” compreendidos pelos signos gerados por uma unidade geradora, que são geralmente os países de maior poder econômico. Assim cria-se um habitus, que no consumo aparece como classificações de signos onde grupos buscam sua representatividade. Volta aqui a ideia de que em cada lugar a globalização impera mudanças de tamanhos e profundidades diversas. Ao trazermos estas questões para o âmbito do design é clara a verificação da criação de padrões, ficando cada vez mais fortes principalmente a partir da Revolução Industrial e do Modernismo. Alguns objetos criados na Bauhaus são comercializados como símbolo de status e design por todo o mundo, ainda que os mesmos não tenham nenhuma relação de

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significado com diversos lugares onde são comercializados. Seguindo um modelo de vida, o cidadão se vê obrigado a consumir tal “ícone” para que seja reconhecido pelos outros cidadãos como uma pessoa importante pelo seu conhecimento e cultura, explicitados através de um ícone previamente gerado. Aí se vê claramente o habitus e suas características seccionadoras na sociedade. As organizações modernas são capazes de conectar o local e o global de formas que seriam impensáveis em sociedades mais tradicionais, e, assim fazendo, afetam rotineiramente a vida de milhões de pessoas. (GIDDENS, 1991 p. 27)

A partir das constatações feitas no estudo da globalização, chega-se a cultura, ou identidade, como confluência de uma nova conformação de sociedade, como resposta à imposição de padrões de vida e consumo. Os seres humanos querem se fazer reconhecer perante os outros, querem se mostrar indivíduos geradores de cultura e que possam fomentar a identidade do lugar. O seu nobre esforço para democratizar a cultura, ou então, o intento dos desenhadores de , esbarra nitidamente contra o fiasco ou – o que vem a dar no mesmo – contra um sucesso comercial de tal natureza que se torna suspeito. Semelhante contradição é apenas aparente: se subsiste, é simplesmente porque as belas almas se obstinam em considerar a Cultura como universal, querendo ao mesmo tempo difundi-la sob a forma de objectos finitos (quer eles sejam únicos quer multiplicados por mil). (BAUDRILLARD, 2008, p. 134).

A identidade não é única e não pode ser subjugada a simples formalizações de gosto ou comportamento. Cada grupo social, muitas vezes dentro de um mesmo território, tem por base a criação ou assimilação de símbolos que os represente. Assim sendo, as novas culturas são reconhecidas pelas intersecções e pela alteridade, o respeito entre os cidadãos, que reconhecem no outro uma parte do todo. Na noção de identidade há apenas a ideia do mesmo, enquanto reconhecimento é um conceito que integra diretamente a alteridade, que permite a dialética do mesmo com o outro. A reivindicação da identidade tem sempre algo de violento a respeito do outro. Ao contrário, a busca do reconhecimento implica a reciprocidade (Ricoeur, 1995-1996 apud CANCLINI, 2008, p.24)

A união entre globalização e identidade pode ser um caminho de respeito às culturas e de construção de novas realidades culturais. 4 Análise do filme Mon Oncle A escolha do filme Mon Oncle como objeto do estudo deu-se pela sua representatividade no âmbito do design e da arquitetura. Trata-se de um filme onde os objetos e o cenário são também protagonistas e é na interação entre estes e os personagens que surgem as características mais importantes do filme. 4.1 Ambiente externo O filme apresenta a ambigüidade da sociedade francesa através do contraste entre a vida do tio, Monsieur Hulot e da família Arpel. O tio vive na periferia da cidade, em um edifício antigo, situado em um bairro onde as ruas são sinuosas. Há lixo pelas ruas e muitos cães soltos, dando a entender a baixa condição de salubridade e de qualidade de vida. Em contraponto, a família composta por Charles Arpel, Madame Arpel e seu filho Gerard Arpel

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vivem em um bairro planejado, com ruas largas e limpas. A casa onde vivem, apresentada na Figura 1, é chamada Villa Arpel, recém construída em estilo moderno, tem grandes aberturas e uma notável inspiração em aviões e navios, ao apresentar um alongamento na sua estrutura e também nervuras no acabamento externo, denotando características do modernismo. (CARDOSO, 2008). Figura 1 – Villa Arpel

Fonte: Filme Mon Oncle, 1958.

A fachada com grandes aberturas de vidro traz o conceito de “casa de vidro”, onde o exterior e interior convergem e interagem, ao mesmo tempo que são apenas paisagem: Realmente as “casas de vidro” modernas não são abertas para o exterior: é o mundo exterior, a natureza, a paisagem ao contrário que vêm, graças ao vidro e à abstração do vidro, transparecer na intimidade, no domínio privado e aí “atuar livremente” a título de elemento de ambiência. O mundo inteiro reintegrado no universo doméstico como espetáculo. (BAUDRILLARD, 2003, p.49).

O jardim tem traçado geométrico e com poucos espaços de vegetação, esta podada em formatos geométricos quando existente, conforme Figura 2. Há o uso de cores em pedriscos e um espelho d’água com uma escultura em forma de peixe que jorra água pela boca. O mobiliário da área externa é tubular de forma simples, seguindo os preceitos modernistas. Figura 2 – Jardim da Villa Arpel

Fonte: Filme Mon Oncle, 1956.

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Não há um gramado amplo nem um espaço para descontração informal, apenas a área onde está o mobiliário. O filme apresenta cenas onde o menino Gerard não consegue brincar na área externa e quando tenta jogar bola na sala sua mãe, Madame Arpel o repreende. Em outras cenas, como a da Figura 3, o menino aparece triste, sem espaço para ser criança e sem conseguir se adaptar aos padrões da casa. Figura 3 – Gerard

Fonte: Filme Mon Oncle, 1956.

Percebe-se que Gerard gosta de passear com seu tio Hulot, pois o tio proporciona ao menino momentos de liberdade fora dos muros de sua casa. Além de ser divertido o tio quebra as regras de organização com o menino e apresenta leitura de um outro mundo. O tio não tem automóvel, objeto tão almejado na época, leva Gerard para passear de bicicleta, conforme Figura 4. A atual relação entre cidades e automóveis corresponde, em síntese, a uma das peças que às vezes a história prega no progresso. O período de evolução do automóvel como transporte cotidiano correspondeu precisamente ao período durante o qual o ideal da anticidade, nos moldes de um subúrbio, foi elaborado arquitetônica, sociológica, legislativa e financeiramente. (JACOBS, 2000, p.382).

Figura 4 – Gerard e Monsier Hulot de bicicleta.

Fonte: Filme Mon Oncle, 1956

Há uma clara diferença entre a área urbanizada onde se encontra a Villa Arpel e a periferia onde está a Maison Hulot. A diferença entre as duas se exacerba quando o tio,

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Monsier Hulot, atravessa um muro em ruínas para entrar na “cidade nova”, conforme Figura 5. Segundo Jacobs (2000), estes novos bairros, privados de diversidade e longínquos, onde o acesso é somente feito por automóveis são as novas periferias, ilhadas e propulsoras do medo. Figura 5 – Monsier Hulot e o muro

Fonte: Filme Mon Oncle, 1956

A Villa Arpel, uma casa situada na França dos anos 50 já é apresentada murada, como uma previsão da violência que acompanha a falta de diversidade na cidade, ilustrando a anticidade, conceito bastante difundido por Jacobs (2000) em seus estudos sobre a urbanização. Na periferia, apresentada na Figura 6, as crianças brincam soltas na rua, podem jogar bola, correr, se divertir, o espaço não é asséptico como o da casa de Gerard, nem organizado como, mas é desejado pelo menino pelo seu significado de divertimento e liberdade. Gostamos de coisas atraentes por causa do sentimento que elas nos proporcionam. E no domínio dos sentimentos, é tão razoável se afeiçoar e amar coisas que são feias quanto o é não gostar de coisas que seriam chamadas de atraentes. (NORMAN, 2008, p.68).

Figura 6 – Maison Hulot

Fonte: Filme Mon Oncle, 1956.

O comparativo entre os ambientes externos demonstra a extratificação social da época e como a absorção do estilo moderno delineava as diferenças sociais.

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4.2 Ambiente interno O interior da casa é bastante amplo com ambientes integrados e poucas paredes. Existem muitos espaços vazios e poucas peças de mobiliário, corroborando com o que cita Baudrillard (2003): “A sala de jantar burguesa era estruturada, mas esta era uma estrutura fechada. O ambiente funcional é mais aberto, mais livre, todavia desestruturado, fragmentado em suas diversas funções.” (BAUDRILLARD, 2003, p.25). O filme apresenta diversas cenas onde o casal Arpel recebe visitas de pessoas curiosas com a nova casa. Em todas as cenas Madame Arpel faz uma visita guiada pela casa e explica os ambientes e suas funcionalidades para os curiosos. Todos buscam entender o novo estilo, como um reflexo da sociedade da época. Não se trata pois dos objetos definidos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia subdividi-los para comodidade da análise, mas dos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles e da sistemática das condutas e das relações humanas que disso resulta. (BAUDRILLARD, 2003, p.11).

Em uma das cenas, apresentada na Figura 7, a visitante se depara com um sofá em uma das salas e não compreende bem sua forma. Madame Arpel a incentiva a sentar e experimentar a peça. Ao sentar a senhora se espanta, mas não fica claro se é porque achou agradável ou incômodo. Figura 7 – Madame Arpel e a visita

Fonte: Filme Mon Oncle, 1956

Esta mesma incógnita caracteriza a reação de outros visitantes, não há como saber se os mesmos estão concordando por realmente estarem gostando e se sentindo confortáveis nos sofás e poltronas e até mesmo nos ambientes da casa ou se concordam por não compreenderem e sentirem vergonha de externar sua incompreensão. Segundo Baudrillard (2003), os assentos modernos foram projetados para que não haja mais o encontro de olhares devido a sua ergonomia. A sociedade moderna convive em sofás e assentos, sem a necessidade de um confronto direto através de olhares questionadores. Os assentos modernos vêm para os espaços a fim de propiciarem intimidade na descontração social.

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Conforme cita Cardoso (2008), há uma necessidade da sociedade moderna, de se sentir pertencente do modelo, de estar constantemente na moda. Isso está representado no filme pela falta de verdade nas expressões dos curiosos ao se depararem com a tecnologia e a modernidade. Somente o personagem do tio, Monsier Hulot, pela sua característica cômica e quase infantil, consegue explicitar as fragilidades dos objetos e do sistema moderno representado na casa. Monsier Hulot, em uma cena na cozinha, conforme figura 8, demonstra a total estranheza e falta de trato com o novo, ali representado por eletrodomésticos tecnológicos, cheios de botões e objetos que primam pelo formalismo. O personagem experimenta botões, leva um choque e se depara com armários de abertura automática e uma jarra em formato de bola. Como usuário deste novo modelo, conforme Baudrillard (2003), o homem na realidade não teria a necessidade destes objetos, mas sim de usá-los e aprender este novo papel, de técnico em usar e se comunicar através dos objetos. Figura 8 – Monsier Hulot na cozinha

Fonte: Filme Mon Oncle, 1956

A cena do tio na cozinha é muito relevante do ponto de vista de interação do personagem com os objetos, estes ainda sem significado para ele e de como o mesmo tem que testar botões e formatos para construir novos signos. Sendo assim: “1º A coerência do sistema funcional dos objetos advém do fato de que estes (em seus diversos aspectos, cor, forma, etc.) não mais têm valor próprio, mas uma função universal de signos.” (Baudrillard, 2003, p.70). 5 Considerações finais Após a análise dos conceitos abordados e da aplicação dos mesmos, é possível verificar algumas características particulares do ponto de vista do modernismo e da sua aplicação no design e sociedade da época. A imposição de um estilo sobre outros, como reflexo de pujança e desenvolvimento social apresenta abismos culturais difíceis de serem transpostos. Construir um estudo baseado em fatos reais, corroborando com a ficção auxilia no processo de entendimento de conceitos através de exemplos, muitas vezes difíceis de serem encontrados de modo literal em literaturas ou no mundo real.

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Em se tratando especificamente do modernismo, embora tenham se passado praticamente cem anos de sua consolidação, muitos de seus projetos são comercializados hoje com preços de obras de arte de colecionador, conforme Cardoso (2008). A aura impetrada pelo modernismo e pela Bauhaus teve um impacto expressivo no design do ponto de vista de desenvolvimento de conceitos, que se tornou difícil suplantar o estilo moderno. Conforme Maldonado (1993), muitos países sem representatividade no desenvolvimento industrial acabaram por reproduzir os modelos existentes sem investir na construção de suas identidades. A relação do designer com a sua cultura local é fator determinante para a seleção de elementos importantes que devem ser aplicados em produtos e serviços. Ícones, técnicas, matérias-primas, são elementos que podem ser utilizados para uma maior identificação e apropriação de um produto por um determinado grupo social. Adélia Borges discorre sobre o tema, direcionando a valorização da cultura local para produção artesanal: Levar em conta outros atributos além da adequação de forma e função na hora de adquirir um produto, e que assim possamos nos deixar contagiar pelo afeto, pela memória e pela cultura impregnados pelos objetos feitos a mão. (BORGES, 2011, p.17).

Ao abordar questões específicas de seu âmbito social o designer atua como transformador cultural e não apenas como replicador de uma identidade global. Questionamentos sobre consumo e a construção das identidades através do mesmo, são extremamente pertinentes para o direcionamento de novos padrões de objetos suportados por leituras destas identidades locais. A relevância desta análise está na reflexão sobre a sistemática imposição de um modelo global perante características locais. A construção da identidade deve fazer parte do escopo do designer enquanto agente social e gerador de ícones de consumo. Referências BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. 4. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2008. BORGES, Adélia. Design + Artesanato: O Caminho Brasileiro. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. BOURDIEU, Pierre. Sociologia. 2.ed. São Paulo: Ática, 1994. BÜRDEK, Bernard E.. História, Teoria e Prática do Design de Produtos. São Paulo: Blücher, 2006. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

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CARDOSO, Rafael. Uma introdução à historia do design. São Paulo: Editora Blucher, 2008. DOWBOR, Ladislau; IANNI, Octávio; RESENDE, Paulo-edgar A (Org.). Desafios da globalização. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000. KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna: Novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. MALDONADO, Tomás. El diseño industrial reconsiderado. 3. ed. Barcelona: G. Gili, 1993. MON, oncle. Direção: Jacques Tati. Produção: Louis Dolivet. Intérpretes: Jacques Tati; Jean Pierre Zola; Adrienne Servantie; Lucien Frégis; Betty Schneider; J.F Martial; Dominique Marie. Música: Alain Romans; Franck Barcellini. França: Continental Home Video, 1956. 116min., col. NORMAN, Donald A. Design emocional: porque adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. SUDJIC, Deyan. A Linguagem das Coisas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010

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