A REPRESENTAÇÃO DAS IDENTIDADES SOCIAIS DOS BRASILEIROS EM LIVROS DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS

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A REPRESENTAÇÃO DAS IDENTIDADES SOCIAIS DOS BRASILEIROS EM LIVROS DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS1

Ana Paula de Araújo López, graduanda em Letras Liliane Assis Sade Resende, Departamento de Letras, Artes e Cultura RESUMO

O presente trabalho discorre sobre os resultados obtidos na pesquisa de iniciação científica que buscou averiguar como as representações das identidades sociais dos brasileiros são constituídas discursivamente em dois livros didáticos de ensino de língua portuguesa para estrangeiros (PLE): “Bem-Vindo! A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação” e “Brasil! Língua e Cultura”. Nesses livros, concomitante ao ensino da língua ao público-alvo, são apresentados aspectos da cultura brasileira e de algumas identidades sociais relacionadas a “ser brasileiro”, estabelecendo formas apropriadas de agir e ser na sociedade brasileira. Levando em consideração que qualquer livro didático enuncie a visão do(s) seu(s) autor(es), a língua apresentada nesses livros deixa de ser concebida apenas como um sistema neutro de comunicação e figura como um importante instrumento de veiculação ideológica. Mesmo sabendo das limitações de qualquer livro didático em contemplar toda a complexidade relacionada à cultura e à identidade de um povo, o não reconhecimento dessas questões pode levar os usuários desse material – professores, principalmente, a reproduzirem e legitimarem práticas hegemônicas que desconsideram o caráter plural e dinâmico, tanto do sistema identitário, quanto da cultura brasileira. Para atingir os objetivos da pesquisa, foram utilizadas como principal referencial teórico-metodológico a proposta de Análise Crítica do Discurso de Gee (1999), as reflexões acerca dos Gêneros do Discurso de Bakhtin (1981, 1986, 2003) e a noção de Estereótipo, conforme desenvolvida por Lysardo-Dias (2001, 2006). No que diz respeito à metodologia, foram analisados discursivamente os diversos textos e imagens dos referidos livros, com base em duas categorias de análise. Alguns resultados apontam que 1

Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida no âmbito do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIIC – da Universidade Federal de São João del-Rei, no período de agosto de 2012 a julho de 2013.

a representação de “ser brasileiro” nesses livros está associada a algumas poucas identidades sociais relativas a algumas regiões brasileiras especificas, além de que o discurso dos livros, muitas vezes, conduz seus usuários a uma atitude responsiva negativa em relação ao Brasil.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa teve como objetivo refletir sobre as identidades sociais de brasileiros que são retratadas pelo discurso de livros didáticos de Português como Língua Estrangeira (PLE) nos seus variados textos, imagens, diálogos e outros conteúdos, e como essas identidades, discursivamente construídas, criam expectativas sobre formas apropriadas de agir culturalmente na sociedade brasileira. Sabemos que no contexto de ensino de línguas estrangeiras, o livro didático funciona como um veículo facilitador do processo de ensino/aprendizagem da língua e figura como um dos principais meios de contato do aprendiz de língua estrangeira com a cultura do país cuja língua está aprendendo2. Considerando, conforme Gee (1999, p.1) que “culturas, grupos sociais e instituições moldam atividades sociais”, os livros didáticos, mesmo aqueles dedicados ao ensino de línguas, não estão isentos das visões ideológicas, culturalmente estabelecidas. Nessa perspectiva, o livro de PLE vai além da mera apresentação ao aluno estrangeiro do referencial linguístico da língua portuguesa para apresentar, simultaneamente, uma versão ideológica do sistema cultural brasileiro. Ao fazer isso, cria uma expectativa com relação às formas apropriadas de ser e agir socialmente no contexto que envolve o uso da língua portuguesa no Brasil. Neste trabalho adotaremos o conceito de língua conforme proposto por Gee (1999). Esse autor entende língua3 como ação e afiliação, ou seja, sua função primária é subsidiar atividades sociais e afiliações humanas dentro de culturas, grupos sociais e instituições. Para o autor, não existe língua (escrita ou falada) que ocorra fora de 2

É importante salientar que não desconsideramos a importância da prática do docente que, ao fazer uso do livro didático como um (dos muitos) meio no processo de ensino/aprendizagem, pode e deve adaptar o material de forma a utilizá-lo com uma visão crítica acerca das questões aqui discutidas. Portanto, esclarecemos que estamos focando apenas na análise dos livros em si, com base nos efeitos de sentido que ele pode produzir com seu discurso, tanto no professor quanto no aluno. Nosso objetivo é chamar a atenção para a necessidade de se observar todo e qualquer livro didático de forma crítica e reflexiva. 3 Gee utiliza o termo “língua” para designar também a língua usada socialmente. No entanto, preferimos usar aqui o termo “linguagem” para a língua em atividade social.

contextos socioculturais de interação, bem como não existe língua isenta de uma perspectiva política, pois, quando falamos ou escrevemos sempre o fazemos a partir de e diante de uma ideia pessoal de “como é” e de “o que é” o mundo (modelos culturais). Daí a importância de refletir sobre os modelos culturais que colaboram para a construção discursiva de representações sociais. Os modelos culturais são definidos por Gee (1999) como imagens, histórias ou descrições de mundos simplificados nas quais eventos prototípicos são desvendados. Tais modelos são constituídos por um conjunto de pressupostos culturais e sociais que envolvem formas apropriadas, típicas e/ou “normais” de agir e, devido a isso, são essencialmente políticos 4. Esses modelos são importantes, segundo o autor, porque fazem a mediação entre os níveis: micro, que se refere às interações imediatas; e macro, referente às instituições sociais, além de projetarem nossos pontos de vista sobre o que é certo ou errado e o que pode ou não pode ser feito no mundo, a partir de onde estamos situados. O que entendemos por identidade social tem como base as “identidades situadas” de Gee (idem). Sob a perspectiva desse autor, atuamos socialmente quando falamos ou escrevemos e, através dos recursos, linguísticos ou não, que utilizamos, revelamos uma identidade (socialmente) situada. Dessa forma, qualquer enunciado pressupõe um “eu” fazendo “o quê”: este “eu” é o tipo de pessoa e este “o quê” é a atividade social que o falante busca realizar pela sua fala em diferentes contextos situados social, cultural e historicamente. A concepção de língua proposta por Gee corrobora a dimensão dialógica da linguagem estabelecida em BAKHTIN. Esse autor (BAKHTIN, 1986) apresenta a língua ancorada no que ele chama de Gêneros do Discurso. Os gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados, escritos ou falados, e determinados sóciohistoricamente. Nesse sentido, “os gêneros correspondem a situações típicas de comunicação discursiva, temas típicos e, consequentemente, correspondem a contratos particulares entre os significados de palavras e a verdadeira realidade concreta, sob certas circunstâncias típicas” (p.87).

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O termo “político” para Gee envolve conceitos de poder, status e conhecimento: quais os bens, que tipo de conhecimento e postura são valorizados em dada sociedade e como o acesso a esses bens culturais contribui para a exclusão social de grupos minoritários que não se enquadram aos grupos hegemônicos.

Nessa concepção, o autor diferencia enunciado e oração. Para Bakhtin (1986), a oração por si só não tem relação com o contexto extra-verbal da realidade (situação, configuração, historia prévia etc.) ou com os enunciados de outros falantes. O enunciado, falado ou escrito, por sua vez, pressupõe um ato de comunicação social. Dessa forma, a oração, que não prevê uma resposta do outro, se constitui como o término de um elemento e é considerada pelo autor como uma unidade da língua, enquanto o enunciado, por ser um elo entre enunciados prévios e futuros, tem caráter dialógico e é uma unidade da comunicação discursiva (p.73). Ao propor esse caráter dialógico da linguagem, Bakhtin (1981) explicita que qualquer enunciado é proferido pressupondo uma segunda parte: a quem o enunciado é dirigido - o adereçado5. O adereçado, no entanto, não é um ser passivo que apenas recebe a mensagem; ele é um “respondente em maior ou menor grau” (idem, 2003, p. 272). Isso significa que um enunciado ao ser proferido, demanda sempre uma resposta, imediata ou não, de uma segunda parte. Esta resposta pode ser dada via outro enunciado, criando uma cadeia de enunciados, ou pode ser proferida em forma de ações sociais desenvolvidas em reposta aos enunciados emitidos. Há ainda uma terceira parte, representada pelos gêneros do discurso de dada sociedade. O falante, nessa perspectiva, também é um respondente aos enunciados que o precederam e que lhe foram apresentados pelos gêneros nos quais foi inserido desde seu nascimento. Esse é o caráter sócio-histórico da formação humana, o qual é essencial na constituição do pensamento e das formas de ser e agir em sociedade. A voz do falante, nessa perspectiva, é sempre composta pelas vozes que o precederam: nenhum falante é “o primeiro falante, aquele que perturba o eterno silêncio do universo [...]. Qualquer enunciado é um elo em uma cadeia complexamente organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 1986, p. 69). Com base nessa concepção, argumentamos que os livros de PLE, por sua natureza discursiva, podem constituir-se como enunciados emitidos pelos seus autores, que, por conseguinte, geram uma atitude responsiva dos estrangeiros - estudantes que utilizam esse material didático - às representações das identidades sociais brasileiras

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No caso específico deste trabalho, os enunciados apresentados nos discursos dos livros didáticos são dirigidos aos estrangeiros que estão aprendendo português.

construídas no discurso do livro didático. É de extrema importância levar tal fato em consideração, uma vez que as respostas sociais podem variar da admiração ao preconceito, do respeito à discriminação. Além disso, como o caráter dialógico da linguagem pressupõe a terceira parte (as vozes dos gêneros do discurso que precedem o falante), as vozes dos autores dos livros didáticos também são responsivas em maior ou menor grau às vozes dos discursos que os influenciaram e que foram constitutivas de seus pensamentos e das representações que eles constroem a respeito das identidades sociais brasileiras. Nesse sentido, as identidades sociais construídas discursivamente no livro didático podem reforçar estereótipos negativos e modelos culturais construídos a cerca do que é “ser brasileiro”. Concebemos estereótipos aqui em consonância com o proposto por Lysardo-Dias (2001), para quem estereótipo é uma representação estabilizada e socialmente partilhada: “Tendo em vista esse enfoque das representações, consideramos que, no processo de transmissão e de apreensão das representações, algumas delas, além de propagarem-se mais amplamente, estabilizam-se no interior de um grupo social a um ponto tal que se tornam representações estereotipadas, ou seja, ou chamados estereótipos.” (id.ib., p. 54).

Lysardo-Dias (2001), ao traçar o histórico do termo observa que o mesmo foi definido, primeiramente, como “esquemas culturais pré-existentes, através dos quais o indivíduo apreende o real”. A conotação negativa do termo acontece quando ele é utilizado para se referir à “imagem fixa, redutora e nociva referente a indivíduos ou grupos sociais” (id.ib., p.46). Nesse sentido, o termo “estereótipo” será tratado neste trabalho, com muita frequência, com sua conotação negativa, já que o livro didático acaba por cristalizar algo que é, em sua essência, dinâmico. Ou seja, contrariamente ao movimento dinâmico e plural das identidades sociais, essas são referidas de forma estereotipadas, ou seja, através de representações estabilizadas (e, portanto, normativas) de indivíduos e/ou grupos sociais. Sendo assim, entendemos os estereótipos como uma visão estabilizada e reducionista sobre determinados indivíduos ou grupos sociais, concebidos a partir de

modelos culturais pré-existentes. Devido a isso, acabam por assumir um caráter prescritivo, assim como propõe Lysardo-Dias (2006, p. 29): [...]o estereotipo revela seu caráter prescritivo já que tende a fixar uma visão de mundo e uma forma de apreensão da “realidade”. Mas, nem por isso, ele perde sua funcionalidade descritiva de organizar e classificar o mundo a partir de categorias já existentes. Em ambos os casos, o estereótipo materializa conteúdos proposicionais cujo teor ideológico diz respeito a sistemas de idéias socialmente estabelecidos que orientam a ação dos indivíduos.

O estudo dos modelos culturais pode revelar o processo de estereotipagem de determinado indivíduo ou grupo social, entendendo esse processo assim com proposto por Amossy, 1991 (apud FLORÊNCIO, 2011, p. 89), como “a atividade que recorta ou recupera na abundância do real ou do texto, um modelo coletivo fixo”. Ainda conforme Lysardo-Dias (2006), [...]o estereotipo revela seu caráter prescritivo já que tende a fixar uma visão de mundo e uma forma de apreensão da “realidade. Mas, nem por isso, ele perde sua funcionalidade descritiva de organizar e classificar o mundo a partir de categorias já existentes. Em ambos os casos, o estereótipo materializa conteúdos proposicionais cujo teor ideológico diz respeito a sistemas de idéias socialmente estabelecidos que orientam a ação dos indivíduos. (id.ib., p. 29)

Nessa concepção, os modelos culturais se referem a essas “categorias já existentes” e “sistemas de ideias socialmente estabelecidos” que dão origem aos estereótipos. Isso significa que tais modelos podem corroborar a (re)criação ou a perpetuação de estereótipos, tanto positivos, quanto negativos. O estudo dos modelos culturais pode revelar o processo de estereotipagem de determinado indivíduo ou grupo social, entendendo esse processo assim com proposto por Amossy, 1991 (apud FLORÊNCIO, 2011, p. 89), como “a atividade que recorta ou recupera na abundância do real ou do texto, um modelo coletivo fixo”. Tendo sido discutidos os principais pressupostos teóricos que fundamentam este trabalho, apresentamos, nas seções que se seguem, a metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa (seção 2); os resultados revelados pelas análises

realizadas (seção 3) e as principais conclusões tecidas acerca dos fatos observados (seção 4).

METODOLOGIA DE PESQUISA Para a realização deste trabalho, dois livros didáticos de PLE foram selecionados: “Bem-Vindo! Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação” (Livro 1) e “Brasil! Língua e Cultura” (Livro 2). De posse dos livros, foi feita uma análise linguístico-discursiva das atividades e imagens constantes dos mesmos, com base no referencial teórico proposto. Para tanto, foram criadas duas categorias de análise: 1) público-alvo e 2) identidades sociais e representação cultural. Para refletir sobre a primeira categoria, tomamos a concepção dialógica da linguagem de Bakhtin, para tentar estabelecer os adereçados aos quais os autores dos livros se remetem, ao mesmo tempo em que procuramos identificar algumas das vozes que contribuíram para a formação das vozes dos próprios autores. Para a apreciação da segunda categoria, tomamos a concepção de modelos culturais de Gee para verificar os estereótipos associados às identidades sociais do brasileiro, construídas discursivamente nas atividades e imagens presentes em ambos os livros. Apresentamos, na próxima seção, os resultados obtidos.

3.0 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS

Para a apresentação dos resultados obtidos, desenvolvemos uma discussão acerca das duas categorias propostas para a análise.

3.1 O público-alvo dos livros didáticos de PLE Tomando o caráter dialógico da linguagem, proposto por Bakhtin, o livro didático, assim como qualquer outro tipo de enunciado, pressupõe um público-alvo, com atitude responsiva, para o qual os enunciados são proferidos. O falante (no caso desta pesquisa, os autores dos livros) constitui seu “plano de fala” (conceito Bakhtiniano para se referir ao que o falante quer dizer) com base nas (re)ações (concordar, argumentar, obedecer,

responder etc.) que ele pretende provocar no seu ouvinte/leitor a partir daquilo que diz ou escreve e com base nas expectativas que ele tem sobre o seu adereçado. Segundo Bakhtin (1986), um trabalho de gênero científico (neste trabalho, um livro didático) é “[...] orientado para a resposta de outro (outros), para seu entendimento ativo e responsivo, que pode assumir várias formas: influência educacional nos leitores, persuasão dos mesmos, respostas críticas, influência nos seguidores e sucessores, etc. Ele [o trabalho] pode determinar posições responsivas de outros sob as condições complexas da comunicação discursiva numa esfera cultural específica”. (idem, p. 75)6

Nesse sentido, a análise discursiva das atividades e imagens presentes nos livros didáticos pode nos levar à identificação do adereçado – público-alvo, e nos revelar que atitudes responsivas poderão ser dadas por esse público, com base no plano de fala dos autores. Para a identificação desse público alvo, primeiramente, analisamos seus respectivos índices: O Livro 1 apresenta conteúdo dividido em cinco “grupos”. Dentre eles: “a sociedade e sua organização” (com unidades intituladas “O lar”, “O Bairro”, “A Educação” e “A Saúde”), “o trabalho e suas características” (“O Local de Trabalho”, “O Mercado de Trabalho”, “A Cultura Brasileira no Trabalho”, “Trabalho, Trabalho, Trabalho...”). A apresentação de tais temas de antemão revela que o livro está voltado para o estrangeiro que virá ao Brasil a trabalho. Já no Livro 2, os conteúdos são divididos em “lições” cujos temas sugerem um público-alvo composto por estrangeiros estudantes do ensino superior. Alguns títulos são “A Universidade Brasileira”, “O Trote e o Dia do Calote”, “Paqueirando”, “Vamos ao barzinho!”, “Os feriados”. Os assuntos que aparecem na denominação dos temas, unidades e lições em ambos os livros representam um universo estereotipado do público-alvo ao qual o livro está tentando atingir: no Livro 1, o estrangeiro, em particular, o empresário rico, que trabalha/trabalhará numa empresa no Brasil e, portanto, precisará saber dos aspectos da cultura brasileira no que diz respeito a sua estrutura social e econômica:

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Tradução nossa para “[The work] is oriented toward the response of the other (others), toward his active responsive understanding, which can assume various forms: educational influence on the readers, persuasion of them, critical responses, influence on followers and successors, and so on. It can determine others’ responsive positions under the complex conditions of speech communication in a particular cultural sphere”.

Excerto 1: “Muito prazer! Meu nome é Adachi e sou japonês. [...] Somos uma família muito feliz. Agora estamos no Brasil e temos uma casa muito grande. Estou feliz em trabalhar aqui e minha esposa também está contente em aprender um novo idioma.” Excerto 2: “Adachi é uma pessoa muito alegre. Ele está no Brasil a trabalho. Ele acorda muito cedo e após tomar café da manhã vai de carro para o escritório. [...] Adachi trabalha em uma fábrica em Guarulhos e quer melhorar ainda mais seu vocabulário. [...]”

No livro 2, o estrangeiro universitário que estuda/estudará no Brasil que precisa saber sobre a universidade no Brasil e aspectos da vida noturna, comuns à vida universitária: Excerto 3: “A faculdade no Brasil é uma coisa muito elitista. É difícil fazer faculdade no Brasil. Por dois motivos, primeiro, ela é cara. Além da dificuldade financeira, a gente tem o vestibular. O vestibular é uma ‘provinha’- não, é uma prova grande! Tem um curso que se chama ‘cursinho’ que prepara a gente para o vestibular – não para a faculdade – para o vestibular.” Excerto 4: “Os estudantes podem ir para uns lugares onde as pessoas mais jovens gostam de ir. [...] Então, dependendo, eu acho que estudantes não vão jantar fora mas eles vão para lugares como pizzarias, onde eles podem pagar um preço muito mais baixo.

Conforme pode ser visto nos excertos 3 e 4, o foco além de ser exclusivo na “universidade”, ainda a apresenta de forma estereotipada, ao dizer que a mesma é “elitista” no Brasil. Ainda sobre esse segundo livro, seu público-alvo é, claramente, o estudante universitário estadunidense, uma vez que o livro trás as explicações culturais, comandos de exercícios e outras leituras em língua inglesa - além disso, o “heroi” (figura que protagoniza diversos diálogos ao longo do livro) é um estudante de São Francisco, Scott, que estuda na USP e na parte do livro denominada “Notas Culturais” há muita comparação entre os EUA e o Brasil: Excerto 5: “A vida universitária é, em alguns aspectos, a mesma que na América do Norte e em outros aspectos, diferente. Vestir-se é ainda mais casual – vestidos de verão ou jeans, e camisas para as mulheres; jeans camisas e chinelos para os homens.[...]

Neste excerto 5, além das comparações feitas entre os dois países, observa-se também a prescrição de maneiras apropriadas de agir socialmente no Brasil (modelos culturais).

No decorrer dos livros, ambos mantêm o foco nos seus respectivos públicos-alvo nos seus variados textos, exercícios e imagens. No caso do Livro 1, na abertura da primeira unidade, o aluno é levado a conhecer o gênero textual cartão de visitas. No cotidiano do cidadão comum, lidamos com cartões de visitas de lojas, restaurantes ou prestadores de serviços básicos, no entanto, o cartão de visita apresentado no livro é de um gerente de vendas (imagem 1). Além disso, nessa mesma página, temos imagens de homens se cumprimentando e todos são representados com roupas formais, alguns carregando pastas, o que aponta para modelos culturais comuns ao “mundo dos negócios”: Imagem 1: Livro 1

No restante desse livro, assim como ocorreu no exemplo acima, a maioria das imagens se refere a figuras masculinas (90% das representações visuais), cujo vestuário é típico de determinado grupo social, e não dos brasileiros no geral: terno e/ou gravata e, às vezes, suspensório. Além disso, destacamos que o número de representações masculinas nesse livro é muito superior ao de representações femininas (em apenas 18% de suas páginas há imagens femininas7). O modelo cultural construído em torno do “mundo dos negócios” é o de que ele é majoritariamente masculino, o que revela que os autores do Livro 1 se basearam em uma visão estereotipada do “universo empresarial”, construída pelos modelos culturais vigentes, que exclui a participação feminina e atribui valores como: bens capitais e culturais aos homens:

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Mulheres aparecem em apenas 42 das 223 páginas do livro. Mesmo assim, em muitas dessas páginas há, concomitantemente à representação de figuras femininas, a representação de homens, o que indica um número muito maior de homens do que mulheres no livro.

Imagem 2: Livro 1

Na imagem 2, a começar pelo nome e pela origem do personagem, há um estrangeiro cujas vestimentas (terno, gravata, sobretudo e maleta) indicam que seja um homem de negócios que (1) almoça acompanhado de orientais – e orientais são, geralmente, relacionados a grandes empresários, (2) joga golfe. A mulher que aparece é representada conforme modelos culturais relacionados à mulher (de um empresário): mãe de família, portadora de roupas femininas e “comportadas” - vestido justo, porém à altura do joelho e de mangas longas. Não há referência, nem nas roupas, nem em acessórios, de que essa mulher trabalhe; a princípio, ela é somente esposa e mãe de dois filhos. Ainda no Livro 1, em variados textos, faz-se grande referência à cidade de São Paulo. Sabemos que São Paulo comporta o maior número de grandes empresas e multinacionais e é, portanto, o maior polo de atração de estrangeiros a trabalho no país. Outras cidades e regiões aparecem, mas a título de curiosidade ou exotismo: quando o assunto é morar ou trabalhar, São Paulo é a referência principal: Excerto 6: “Quando eu chegar ao Brasil, a primeira coisa que eu vou fazer é procurar um apartamento. [...] Em segundo lugar, quanto eu já estiver acostumado à vida no Brasil, vou comprar um carro. Penso que um carro seja necessários para poder viajar e conhecer melhor o país. Se tiver tempo e puder viajar, quero conhecer o Rio de Janeiro, Brasília e Foz do Iguaçu. Se o trabalho não tomar todo o meu tempo, quero fazer muitas outras coisas também: estuar português, praticar esportes, fazer amigos (quem sabe, arranjar uma namorada? ...), etc. Excerto 7: “No Brasil, assim como em muitos outros países, há muitas escolas estrangeiras espalhadas pelas grandes cidades. Em São Paulo, por exemplo, filhos de estrangeiros podem continuar seus estudos exatamente como no seu país de origem [...] São escolas muito procuradas por estrangeiros que vêm ao país a trabalho por determinado período de tempo, por diplomatas, etc., [...]

Aliás, a referência a São Paulo (cidade) é feita com recorrência nos dois livros, o que faz parecer que ser brasileiro é ser paulistano: Excerto 8 [Livro 1]: No Brasil, as cidades estão divididas em BAIRROS. Nas grandes metrópoles, os bairros acabam se tornando nossa ‘pequena cidade’ dentro de um universo maior. [...] Muitas vezes, povos da mesma origem se concentram neste ou naquele bairro. Assim, há bairros conhecidos pela sua comunidade japonesa, alemã, italiana, etc. [...] Excerto 9 [Livro 2]: [...] Tem excelentes carros no Brasil mas não tem a variedade dos Estados Unidos. [...] Normalmente no Brasil as pessoas usam muito o ônibus, o metrô, e o trem. São Paulo tem um metrô supermorderno. Limpo, funciona direitinho. Muito bem conceituado. Existem excelentes ônibus interestaduais, também.

No Livro 2, além das referências a São Paulo, há também a indicação do Rio de Janeiro (cidade) como destino turístico. Há, por exemplo, um capítulo denominado “A praia”, cujo foco principal é o litoral carioca. Além disso, há um outro capítulo dedicado apenas ao Rio. No entanto, ao retornar ao universo acadêmico, as referências são as universidades paulistas (ver imagem 3). Imagem 3: Livro 2

Ainda no Livro 2, vemos nos excertos abaixo a reprodução dos estereótipos acerca dos modelos culturais dos dois Estados brasileiros, além de uma forte carga ideológica que exalta São Paulo em detrimento do Rio: Excerto 10: “Se eu tivesse que mostrar São Paulo a um estrangeiro e se esse estrangeiro fosse um estudante ou interessado em vida acadêmica, eu o levaria à Cidade Universitária porque acho muito interessante. Acho que a universidade de São Paulo é um dos lugares onde ainda as pessoas são tratadas com bastante respeito. [...]Então levaria essa pessoa a muitos shows, a alguns shoppings e viajaria para o litoral porque dizem que a costa do Estado de São Paulo é ainda mais bonita do que as praias do Nordeste, muito mais bonita, melhor de usufruir do que as praias do Rio. [...]” Excerto 11: “Todo mundo fala que é quase impossível se tornar um bom estudante no Rio, especialmente no verão, porque é muito quente, está todo mundo na praia e dá vontade de ir para

a praia. Então, durante o semestre, quando a gente tem aula, no fim-de-semana claro que todo mundo tem que estudar mas ninguém estuda e eles acabam indo para a praia. O cotidiano do carioca é ir para a praia.[...]”

Assim, ambos os livros de PLE apresentam versões parciais de determinados grupos sociais brasileiros e os associam ao “todo” na representação do que é “ser brasileiro”. Isso está diretamente relacionado com os objetivos didáticos e caráter comercial dos livros, o que será discutido a seguir. 3.1.1 A tendência em “agradar” o estrangeiro Bakhtin (1986) afirma que não existe enunciado neutro, pois “a atitude avaliativa do falante sobre o objeto de sua fala (independentemente do que seu objeto possa ser) também determina as escolhas lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado (id. ib., p.84)”8. Levando isso em consideração podemos considerar que a constituição do plano de fala dos autores envolve, no que diz respeito ao público-alvo, a natureza didática e comercial do próprio livro. Nesse sentido, se entendermos que qualquer livro didático, além de seu propósito pedagógico, tem interesses comerciais, o discurso que veicula pode ter, pelo menos, dois objetivos: (1) no caso dos livros de PLE, apresentar o idioma e a cultura brasileiros (função pedagógica) e (2) criar representações que possam corroborar as expectativas do público-alvo, facilitando sua venda (função comercial). O primeiro objetivo colabora para que os autores do livro apresentem fatos com caráter de verdade, de forma que os seus respondentes, ou seja, os usuários do livro, não questionem as realidades discursivamente construídas e sejam, ao contrário, levados a uma atitude responsiva desejada e condicionada pelas instruções e atividades presentes nos livros. Duas estratégias são usadas pelos autores para realizar esse objetivo. A primeira delas se refere ao uso do “presente do indicativo” que tem essa função no âmbito do discurso (ver excerto 12).

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Tradução nossa para “The speaker’s evaluative attitude toward the subject of his speech (regardless of what his subject may be) also determines the choice of lexical, grammatical, and compositional means of the utterance”.

Excerto 12: “Na calçada, junto à loja, pode se encontrar um camelô que vende todos os mais populares CDs brasileiros e estrangeiros, mas por apenas um real cada.”

A segunda diz respeito ao uso de textos retirados de veículos da mídia e “vozes” de pessoas comuns que são apresentadas como verdades por serem oriundas de brasileiros. Para exemplificar esse argumento, apresentamos os excertos 13 e 14, retirados dos Livros 1 e 2, respectivamente: Excerto 13: “O sonho de ser campeão de mundial de formula 1 povoa a cabeça do paulistano Felipe Massa desde sua estréia nas corridas de kart, aos 8 aos de idade. [...] Imagina embolsar milhões de dólares por ano mas, mesmo assim, não precisar enfiar a mão no bolso para se vestir com as melhores roupas da Puma e da Dolce&Gabbana. Felipe Massa tem esse privilégio, graças a um acordo cm as duas marcas. Vaidoso e preocupado com a aparência, ele aproveita para rechear o guarda-roupa sempre que vai à Milão, na Itália. ‘Corro em uma categoria que é um glamour’, justifica.

Segundo o livro, o texto do qual o excerto 12 foi retirado, pertence à revista online Veja de São Paulo. Ao mencionar uma revista reconhecida e prestigiada no Brasil, os autores induzem o leitor a aceitar os fatos descritos como verdade, sem questioná-los. Além disso, a escolha do trecho específico sobre o Felipe Massa faz alusão a um brasileiro, paulistano, rico, que pratica um esporte internacional, porém elitista e que, conforme a revista, faz uso de trajes de marcas internacionais e caras, nos remetendo a um público alvo que tenha estilo semelhante. Excerto 14: “A gente das favelas trabalha como empregada doméstica ou na indústria. Normalmente trabalhos não intelectuais. Mas ainda tem professores que moram nas favelas. É tão alto o custo de vida e o professor ganha mal, sabe? E tem algumas favelas que não são tão ruins assim. [...]Os favelados não têm problema de transporte se trabalham numa casa de uma pessoa mais abastada.[...]”

O excerto 14 foi retirado de um quadro de referência do Livro 2 denominado “Vozes Brasileiras” cujo objetivo é, segundo o próprio livro, transcrever informações da cultura Brasileira retiradas de entrevistas gravadas com estudantes universitários brasileiros (p. xi). Ou seja, a opinião de um brasileiro sobre as favelas assume característica de veracidade para o público leitor. Levando em consideração o caráter dialógico da língua e os gêneros do discurso, percebemos que emergem pelo discurso do livro didático algumas vozes que influenciaram os autores na maneira como eles apresentam a realidade brasileira. Essa

representação do “ser brasileiro” pelos autores é muito influenciada pelo olhar do estrangeiro (mesmo quando esses autores são brasileiros) ou pela mídia e é, por isso, na maioria das vezes, estereotipada e coloca o Brasil em situação de inferioridade. O segundo objetivo do livro didático de PLE – de adquirir público consumidor – pode acabar levando os autores a reproduzirem uma versão das identidades sociais de brasileiros que atenda às (supostas) expectativas desse público-alvo idealizado sobre o que “são” a cultura e o povo do Brasil. Tal argumento será desenvolvido na próxima seção desse trabalho.

3.2 As representações das identidades sociais de Brasileiros nos livros de PLE As identidades de um indivíduo são múltiplas, constituídas pela linguagem no ato comunicativo e nas ações sociais. São, portanto, localmente situadas - acontecem no “aqui e agora” (GEE, 1999). Por esse motivo é que defendemos que nenhum livro didático de língua estrangeira seja capaz de apresentar, no seu conteúdo, todas as identidades do povo ao qual se refere, porque elas são inúmeras. Nesse sentido, os autores dos livros didáticos de PLE se pautam em modelos culturais específicos sobre o que é “ser brasileiro” para a elaboração seu material de ensino. Nesse movimento, esses autores acabam selecionando algumas identidades sociais em detrimento de outras para constituírem um “todo” representativo do povo brasileiro. No entanto, essa seleção tem consequências político e ideológicas, exatamente porque um dos objetivos do livro didático de PLE é dotar o aluno com estratégias de reação/ solução de problemas diante de diferentes situações comunicacionais na cultura brasileira. Essa ação não é neutra porque passa por uma análise subjetiva sobre o que “é” o outro - neste caso, o brasileiro. Esse “outro” é construído pelo discurso do livro e apreendido pelos estudantes que tem uma atitude responsiva a ele. Dessa forma, podemos até mesmo justificar o comportamento de alguns estrangeiros quando chegam ao Brasil, pois o que eles pensam do brasileiro está diretamente relacionado com a educação que receberam sobre quem são os brasileiros. A nosso ver, a visão de “brasilidade” representada nos livros compreende, essencialmente, aquela veiculada nos discursos da mídia, nas produções culturais ou

mesmo nas conversas cotidianas, que reforçam alguns estereótipos, normalmente associados aos modelos culturais de “ser brasileiro”, como por exemplo: jogador de futebol; folião de carnaval; mulata que gosta do samba; mulher “bonita” e “liberal”; malandro; bandido; pessoa esperta (“que dá sempre um jeitinho”). Além desses, também são representadas identidades sociais em consonância com aquelas associadas ao público-alvo de cada um dos livros, respectivamente: o empresário bem sucedido e o estudante universitário paulistano. Tal fato pode ser associado uma estratégia política de manter o Brasil como a “terra do carnaval (o que é sinônimo de “mulher bonita e seminua”), do samba e do futebol”, para atender a interesses econômicos e comerciais. Isso afeta até mesmo a visão do brasileiro de si mesmo que, muitas vezes, reproduz discursos hegemônicos. Esse argumento pode ser defendido se analisarmos, a princípio, as capas de ambos os livros didáticos: Imagem 4: Livro1

Imagem 5: Livro 2

Em ambas as capas, predominam as cores da bandeira do Brasil. Além disso, a capa do Livro 1 apresenta algumas referências a paisagem brasileira, como a ave e o “cartão-postal” - o Rio de Janeiro. A capa do Livro 2 apresenta alguns brasileiros, reconhecidos internacionalmente, tais como o jogador de futebol Ronaldinho “Fenômeno”, a apresentadora Xuxa (portando pouca roupa), além de outros elementos, tais como uma galinha (como se animais andassem nas ruas no Brasil), alguns carnavalescos desfilando, uma mulata (tida como brasileira “típica”), o Planalto Central, o elevador de Salvador, uma palmeira (remetendo às praias brasileiras): todos esses elementos juntos formando uma ideia de uma grande “festa”.

Outros exemplos da representação estereotipada e sob o olhar do estrangeiro: Imagem 6: Livro 1

Imagem 7: Livro 1

A imagem 6 dá destaque ao carnaval e à “mulata”, pois são temas que, imagina-se, atraem a atenção de estrangeiros (homens). A imagem 7 representa um café da manhã que não é típico da maioria do povo brasileiro, talvez de uma minoria restrita. Além disso, em ambos os livros encontramos referências a “malandragem”, característica muitas vezes associada ao brasileiro, que, a nosso ver, corrobora uma representação negativa associada ao ser brasileiro, como nos exemplos a seguir: Imagem 8: Livro 1

Imagem 9: Livro 1

Excerto 14: (Livro 2) “Um pouquinho de humor. Dois batedores de carteira no tribunal. BATEDOR DE CARTEIRA: Senhor juiz, o negocio é assim. Nós é batedor de carteira desde menino. JUIZ: Não é ‘Nós é batedor de carteira’, é ‘Nós somos batedores de carteira’. BATEDOR DE CARTEIRA: Puxa! O senhor juiz também é?” Excerto 15: (Livro 2) “Scott [estadunidense] e Nelly [brasileira] se encontram na fila da lanchonete da USP. [...] SCOTT: [...] De que pontos é que o professor tratou? NELLY: Bem, falou que o governo congelou os salários e decretou que a inflação seria zero,[...]

SCOTT: E foi assim? NELLY: O problema foi que os salários não sofreram aumento mas tudo subiu cada dia mais e mais. Esses aumentos desenfreados é que fizeram a inflação subir até oitenta por cento ao mês, um absurdo! [...] E as tarifas de energia elétrica, telefone e àgua eram reajustadas de mês a mês. [...] Apesar disso tudo o pessoal continuava adorando este país... E a mesma coisa hoje em dia.9 Os políticos é que não são muito honestos... SCOTT: Vocês são realmente um povo muito esperançoso! [...]

Por esse motivo, as representações das identidades sociais de brasileiros nesses livros são problemáticas, pois exercem grande influência na formação de um juízo de valores por parte dos usuários sobre o povo e a cultura brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa realizada evidenciou a forma como os livros didáticos, neste caso, os livros de PLE, ao apresentarem seus conteúdos, cristalizam a natureza fluida e dinâmica do sistema identitário, pois ao tentar representar o que é infinito e em constante movimento em ambientes finitos e estáticos, acabam por restringir os processos de representação a alguns tipos e não outros. Cria-se, então, um processo de estereotipagem das identidades sociais, que é, simultaneamente fundamentado em e difundido por modelos culturais específicos que não comportam toda a diversidade cultural de um grupo social. O trabalho demonstrou, ainda, a forma como os livros didáticos de PLE podem reforçar estereótipos acerca da brasilidade concebidos de maneira equivocada ou depreciativa. Em uma atitude responsiva aos modelos culturais estabelecidos nos enunciados desses livros, os estudantes estrangeiros podem assumir uma postura negativa com relação ao povo e/ou à cultura brasileira. Finalmente, a pesquisa revelou que as escolhas linguísticas e imagéticas de ambos os livros não são neutras e o processo de escolha de representar certas identidades sociais em detrimento de outras é um ato político, pois reflete ideologias naturalizadas no discurso e veiculadas pelos modelos culturais. Devido às limitações do presente trabalho, a análise das imagens constantes dos livros selecionados foi feita de forma mais ampla e geral, ficando a sugestão para futuros 9

Grifo nosso.

trabalhos de realização de uma reflexão mais detalhada das imagens, tomando-se as categorias propostas na Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, primeiramente, ao Programa Institucional de Iniciação da Universidade Federal de São João del-Rei, a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação pela oportunidade e por acreditar nos propósitos dessa pesquisa. À Professora Doutora Liliane Assis Sade Resende – DELAC/UFSJ, pela atenção, paciência, dedicação e pelos ensinamentos que me transferiu direta e indiretamente, seja pelas discussões teóricas e práticas durante o desenvolvimento da pesquisa, seja pela sua postura profissional e seriedade com que trata sua profissão. Agradeço, ainda, a oportunidade oferecida de desenvolver o presente trabalho que, certamente, refletirá na minha vida acadêmica e no aprimoramento de minha prática enquanto profissional da educação. À Professora Doutora Dylia Lysardo-Dias – DELAC/UFSJ, pela efetiva contribuição e prontidão ao disponibilizar o material necessário para a construção do conhecimento epistemológico acerca do tema “estereótipo”, imprescindível para este trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] BAKHTIN, M. M. The dialogic imaginations. Four Essays. Austin: University of Texas Press, 1981. [2] ______________. Speech genres and other late essays. Austin: University of Texas Press, 1986. [3] ______________. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [4] FLORENCIO, Renata A.T. “Estereótipo: uma abordagem semiolinguística. In: O ano do Brasil na França: um estudo da construção linguístico-discursiva do estereótipo. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2011. [5] GEE, James Paul. An introduction to Discourse Analysis: Theory and Method. _________: Routledge, 1999.

[6] LATHROP, Tom; DIAS, Eduardo M. Brasil! Língua e Cultura. 3ª ed. Newark: LinguaText, 2006. [7] LYSARDO-DIAS, Dylia. Provérbios que são notícia. Uma análise discursiva. Belo Horizonte: UFMG, 2001. [8] ______________. “O discurso do estereótipo na mídia”. In: EMEDIATO, W (et. al.). Análise do Discurso: gêneros, comunicação e sociedade. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2006. p. 25-36. [9] PONCE, Maria Harumi de; BURIM, Silvia Andrade; FLORISSI, Susanna. Bem-Vindo! A Língua Portuguesa no Mundo da Comunicação. 8ª ed. São Paulo: SBS, 2009.

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