A REPRESENTAÇÃO JORNALÍSTICA DA TRANSEXUALIDADE NA REVISTA CULT

May 29, 2017 | Autor: Helena Saria | Categoria: Transexualidade, Análise De Conteúdo, Revista Impressa
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FACULDADE ESTÁCIO FAP CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

A REPRESENTAÇÃO JORNALÍSTICA DA TRANSEXUALIDADE NA REVISTA CULT

HELENA LÚCIA MANSUR SARIA

Belém 2016

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HELENA LUCIA MANSUR SARIA

A REPRESENTAÇÃO JORNALÍSTICA DA TRANSEXUALIDADE NA REVISTA CULT

Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Jornalismo da Faculdade Estácio FAP, realizado sob orientação da profa Vânia Torres.

Belém 2016 2

RESUMO

O presente trabalho se dedica a realizar uma análise do conteúdo apresentado em três matérias jornalísticas que tratam sobre o tema transexualidade, veiculadas na revista Cult - conhecida publicação nacional voltada à abordagem de temas ligados às artes, à literatura, filosofia e ciências humanas. O objetivo do trabalho é mergulhar um pouco mais fundo na representação jornalística do universo da transexualidade e por meio da análise de conteúdo - método escolhido para esta monografia - e tentar decifrar um pouco do desconhecimento que causam tanto desamor, conflito e violência, levando o Brasil à primeira posição em morte de travestis e transexuais – segundo um relatório da ONG internacional Transgender Europe.

Palavras-chaves: Análise de conteúdo; Transexualidade; Revista Impressa

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SUMÁRIO Introdução…………….............................................................................................p. 05 Capítulo 1: Comunicação e Jornalismo 1.1. Comunicação…………………………………………………………..p. 09 1.2. Uma breve história do jornalismo........................................................p. 12 1.3. Jornalismo impresso..............................................................................p. 14 1.4. História da Revista Cult e do Dossiê Queer…………….……..…….p. 17 2. Capítulo 2: Questões de gênero 2.1. Gênero………………………………………………………………….p. 19 2.2. Transexualidade e identidade de gênero………………….................p. 24 2.3. Teoria Queer: uma teoria subalterna………………………..............p. 26 3. Capítulo 3: A representatividade jornalística da Teoria Queer na Revista Cult 3.1. A metodologia da análise de conteúdo……………………………….p. 29 3.2. Precisão Conceitual…………………................................................... p. 33 3.3. Adequação das fontes ao tema…….………………………………….p. 39 3.4. Edição do material…………………………………………….............p. 44 4. Considerações finais……….……………............................................................p. 54 Referências..…………….....….......…………......…………………………………p. 56 Lista de figuras..........................................................................................................p. 58 Anexos e apêndices……………....………………………………………………... p. 59

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Introdução Para começar, o que é transexualidade? Podemos visitar a wikipedia1 e encontrar uma definição simples, como, por exemplo “condição do indivíduo que possui uma identidade de gênero diferente da designada ao nascimento e apresenta uma sensação de desconforto ou impropriedade em relação ao seu sexo anatômico, manifestando o desejo de viver e ser aceito como sendo do sexo oposto”, ou se preferirmos, podemos buscar uma definição mais conceitual e encontrar no site FTM Brasil2 a seguinte definição: “condição em que uma pessoa se identifica como sendo do gênero oposto ao sexo refletido pelo corpo (sexo psicológico oposto ao sexo biológico)”, ou seja, um homem transexual é uma pessoa que pertence ao gênero masculino, embora tenha nascido com o genital feminino; e uma mulher transexual é uma pessoa que pertence ao gênero feminino, embora tenha nascido com corpo masculino. Nenhuma das definições está fora da realidade e ambas levam à mesma teoria, a teoria queer, que nasceu nos estados unidos no fim da década de 80, a partir do trabalho de diversos acadêmicos e militantes, e é uma teoria sobre gênero que afirma que a orientação sexual e a identidade sexual ou de gênero dos indivíduos são o resultado de uma construção social e que, portanto, não existem papéis sexuais essencial ou biologicamente inscritos na natureza humana, antes formas socialmente variáveis de desempenhar um ou vários papéis sexuais. O tema transexualidade é relativamente desconhecido da população em geral, seja no Brasil, seja no exterior, mas certamente vem atraindo cada vez mais curiosidade tanto da comunidade acadêmica, quanto da sociedade como um todo. O assunto provoca muito interesse a medida se mergulhar nas leituras feministas, a ponto do tema ser considerado importante e válido o bastante para pesquisar e trazer ao centro da discussão deste Trabalho de Conclusão de Curso. Enquanto objetivos, podemos identificar o seguinte objetivo geral: analisar a representação da transexualidade no jornalismo impresso (revista de circulação nacional); Quanto aos objetivos específicos, são os seguintes: 1. Refletir sobre os modos de construção das notícias; 2. Analisar, por meio da análise de conteúdo, o modo como

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enciclopédia multilingual online, livre e colaborativa, ou seja, escrita por várias pessoas, todas elas voluntárias, criada em janeiro de 2001, segundo consta na descrição do próprio site. 2 site brasileiro que trata de temas afetos à transexualidade.

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jornalistas tratam a temática e; 3. Identificar a relação entre a representação jornalística e a teoria queer. A necessidade de investigar o tema escolhido justifica-se pelos crescentes conflitos entre pessoas transgênero3 e cisgênero4, seja no ambiente doméstico, profissional ou acadêmico. O referido clima de guerra presente na sociedade brasileira é motivo suficiente para que o tema seja estudado, esclarecido e aprofundado em pesquisas acadêmicas. As soluções que não estão sendo desenvolvidas no cotidiano - daí a grande quantidade de conflitos - podem muito bem ser impulsionadas pelos esclarecimentos oferecidos pelos estudos acadêmicos. No que diz respeito ao interesse pessoal que nutro pelo tema, começo pelo feminismo. Uma das minhas primeira leituras no intuito que conhecer mais sobre o movimento foi o pequeno livro “Breve história do feminismo”, da brasileira Carla Cristina Garcia, que explica que no ocidente - mais propriamente na Europa rica -, do renascimento pra cá, registraram-se três grandes ondas feministas, a primeira no século XVII, a segunda no século XIX e a última no fim dos anos 40, mais precisamente em 1949, por ocasião da publicação do primeiro volume do Segundo Sexo, da filósofa existencialista francesa Simone de Beauvoir, que repercute até hoje no mundo inteiro, mas que num primeiro momento teve pouca atenção por parte da comunidade acadêmica. Como existencialista que era, Beauvoir acreditava que a existência precedia a essência e, portanto, “não se nasce mulher, torna-se”, polêmica frase de abertura do segundo volume do segundo sexo (lançado poucos meses depois) e que já traz em sua concepção a ideia relativa ao gênero como uma construção social. Essa mesma ideia (de que o gênero pode ser uma construção social) foi novamente esmiuçada por Michel Foucault que traça um paralelo entre sexo, história, sociedade e os papéis exercidos por esses e outros atores ao longo da história contemporânea. Pois então, bem calçada em Beauvoir e Foucault, entre outros, entra em cena, já na década de 90, a filósofa pós-estruturalista estadunidense e professora do departamento de retórica e literatura comparada da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, Judith Butler, conhecida por ser, senão a maior, um dos mais importante nomes dos estudos queer no mundo. Em 91, Butler lança uma bomba atômica em forma de livro chamada “Problemas 3

Sujeito com sentimento intenso de não-pertencimento ao sexo anatômico, sem a manifestação de distúrbios delirantes e sem bases orgânicas como o hermafroditismo ou qualquer outra anomalia endócrina (CASTEL, 2001, p.77). 4 pessoas que foram designadas com um gênero ao nascer e se identificam com ele. Sinônimo de cissexual. Abreviado como cis (JESUS, 2001, p. 3)

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de gênero: feminismo e subversão da identidade”, onde apresenta uma crítica contundente a um dos principais fundamentos do movimento feminista: a identidade. Para Butler, não é possível que exista apenas uma identidade, de ordem metafísica, mas identidades, pensadas no plural, e não no singular. (...) Ou seja, não é possível que haja a libertação da mulher, a menos que primeiro se subverta a identidade da mulher. (BIRMAN, 1991, p. 24). Mas a parte mais importante para este trabalho está centrada no fato de que “Butler se opõe teoricamente ao estruturalismo, problematizando a oposição binária entre sexo como dado da natureza e de gênero como registro da cultura e da sociedade” (BIRMAN, 1991, p.) o que se comunica diretamente com a ideia de transexualidade. No entanto, apesar das milhares e milhares de páginas de estudos que explicam, contextualizam e trazem para a questão cultural e social a construção do gênero, a transexualidade ainda é vista de maneira geral como aberração, monstruosidade, transtorno mental. Inclusive a própria OMS (Organização Mundial de Saúde) ainda considera a questão como uma condição patológica - apesar de já ter emitido nota anunciando que deixará de considerá-la um distúrbio. E esse mesmo inconsciente coletivo que trata a transexualidade como aberração, traz toda sorte de conflitos, violência, crueldade e muitas vezes, morte. Segundo BARDIN (1977), a análise de conteúdo é uma metodologia para estudos de conteúdo que parte de uma perspectiva quantitativa, analisando numericamente a frequência de determinados termos, construções e referências em um determinado texto. O investigador tenta construir um conhecimento analisando o “discurso”, por meio da disposição e dos termos utilizados pelo locutor. Hoje em dia a importância da análise de conteúdo na investigação social é cada vez maior, sobretudo se considerarmos a forma padronizada com que tratam informações e testemunhos. O método se divide em duas categorias: os métodos quantitativos, que são extensivos e se baseia na frequência do aparecimento de certas características de conteúdo; e os métodos qualitativos, que se funda na presença ou ausência de uma característica. O trabalho se dividirá em três capítulos: Comunicação e Jornalismo (dividido em Comunicação, Jornalismo, Jornalismo impresso e História da Revista Cult e do Dossiê Queer), Questões de gênero (subdividido em Conceito de Gênero, Transexualidade e Teoria Queer) e A representação jornalística da Teoria Queer na Revista Cult (desmembrado em A metodologia da análise de conteúdo, Precisão Conceitual, Adequação

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das fontes ao tema e Edição do material), além de introdução, conclusão, referências bibliográficas, anexos e apêndices.

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1. Comunicação e Jornalismo 1.1. Comunicação e mídia O Professor John B. THOMPSON (1998) nos presenteia com esse breve e ilustrativo resumo da história da comunicação: Em todas as sociedades os seres humanos se ocupam da produção e do intercâmbio de informações e de conteúdo simbólico. Desde as mais antigas formas de comunicação gestual e de uso da linguagem até os mais recentes desenvolvimentos na tecnologia computacional, a produção, o armazenamento e a circulação de informação e conteúdo simbólico têm sido aspectos centrais da vida social. Mas com o desenvolvimento de uma variedade de instituições de comunicação a partir do século XV até os nossos dias, os processos de produção, armazenamento e a circulação de informação têm passado por significativas transformações. (THOMPSON, 1998, p. 14)

Já Segundo WOLTON (2004), pesquisador camaronês radicado na França - que é grande referência na área da comunicação -, foi a comunicação o elemento que possibilitou a progressiva abertura das fronteiras, tanto mentais quanto culturais. Foi por meio dela [da comunicação] que os mundos fechados se abriram uns aos outros e que começaram, primeiro, por trocar bens e serviços e, depois, a trocar ideias, artes e letras. Em suma, a abertura ao outro, condição da comunicação, encontrou no valor da comunicação os utensílios simbólicos, primeiro culturais, depois e por fim, técnicos, que permitiram essa mutação. Esta não se fez sem violências nem guerras, mas não teria podido acontecer se, antes, ao nível das categorias mentais e das representações do mundo, não se tivesse produzido essa revolução que visava admitir e organizar as relações com o outro. (WOLTON, 1998, p. 24)

Ou seja, nesses séculos de avanço da comunicação, que se estenderam do século XV - não por acaso coincidindo com o advento do renascimento, movimento de retomada das ciências e artes, levando ao fim da idade média, período que também ficou conhecido como idade das trevas - aos dias atuais, a comunicação teve papel fundamental na evolução do pensamento do ser humano, tanto como indivíduo - ao se perceber como sujeito de uma identidade - quanto como membro de uma coletividade - escola, trabalho, cidade, país, gênero, etc.

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Desde seus primeiros veículos, tais como a primeiras folhas impressas, até os dias de hoje, a comunicação é o elemento facilitador, o meio, o canal. A ferramenta sem a qual a informação não circularia com a mesma fluidez e velocidade. Os livros de história antiga contam que no ano de 59 a.C., o imperador romano Júlio César, para divulgar suas conquistas militares e espalhar a informação sobre a expansão do Império criou a chamada Acta Diurna, uma publicação oficial diária do Império Romano que trazia notícias para a população de todos os cantos do Império falando principalmente de conquistas militares, ciência e de política. Tornou-se muito comum que durante as primeiras aulas do curso de Jornalismo, os alunos ouçam de muitos professores e muitas professoras a mesma história sobre a origem da palavra comunicação: é uma palavra derivada do termo latino "communicare", que significa "partilhar, participar algo, tornar comum". E depois de compreendida essa ideia, todo o embasamento teórico do curso é construído. A comunicação, nos dias de hoje, por conta dos avanços tecnológicos, permite a qualquer pessoa que tenha um aparelho celular com conexão à internet falar, ver e ouvir quem ela quiser em qualquer parte do mundo. Segundo Wolton, esse é o motivo pelo qual a comunicação tem hoje um êxito tão grande. De acordo com Wolton, “essas técnicas amplificam a comunicação, necessidade antropológica fundamental e, principalmente, símbolo da modernidade”. E o africano nos diz também que que a comunicação não teria o êxito atual se não estivesse diretamente associada à modernidade, e explica que devemos entender por modernidade um dos valores mais fortes da época contemporânea, que privilegia a liberdade, o indivíduo, o direito à expressão e o interesse pelas técnicas que simplificam a vida: todos esses elementos estão presentes na comunicação. (WOLTON, 2004, p. 31)

Visitando outra vez THOMPSON (1998) e seu “mídia e modernidade”, aprendi que, para ele, comunicação é uma forma de ação, e a análise da comunicação deve ser basear na ação e na consideração do contexto em que foi produzida, e não “divorciada das verdadeiras circunstâncias nas quais os indivíduos usam a linguagem no dia-a-dia das suas vidas” (THOMPSON, 1998, p. 20). Ainda no tema “modernidade”, Wolton nos ensina que modernidade é o resultado do lento processo iniciado no século XVIII, caracterizado pela abertura progressiva das fronteiras, de todas as fronteiras, começando pelas fronteiras mentais e culturais. Abertura que será a condição do

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aparecimento do conceito de indivíduo, depois do de economia de mercado e, por fim, no século XVIII, dos princípios da democracia. (WOLTON, 2004, p. 36)

Portanto neste tópico ambos apresentam pontos de vista similares, pois enquanto THOMPSON (1998) considera que a modernidade privilegia a liberdade, o indivíduo e o direito à expressão, Wolton advoga que a modernidade deu condições para o aparecimento do conceito de indivíduo e para a revolução que admitiu e organizou as relações com o outro, ou seja, foi a comunicação que tornou possível essa difusão tão acelerada de informações, que se observa até os dias de hoje. Não à toa, o início da fase de fortalecimento da comunicação como ferramenta de difusão de informação coincide com o advento do renascimento, movimento que se iniciou na Europa ocidental no século XV, dando fim à idade média - ou idade das trevas, como ficou conhecida - e iniciando a idade moderna. A partir do renascimento houve a substituição da ideia do teocentrismo (deus no centro das coisas) pelo antropocentrismo (o homem no centro das coisas) e se valorizou o talento e a capacidade de cada um, inaugurando de uma certa forma a ideia de que o individuo tem um valor intrínseco, e deve ser prestigiado, noção que coincide totalmente com as ideias postas por Wolton e THOMPSON (1998). Inclusive THOMPSON (1998) ilustra essa passagem da história da sociedade e da comunicação nos contando que “há um corpo substancial de trabalho de historiadores sociais e culturais sobre o impacto da imprensa nos primórdios da Europa moderna e de outros lugares, e há uma abundante literatura sobre os mais recentes desenvolvimentos na indústria da mídia”, confirmando, desta forma, a importância que a comunicação teve no começo da era moderna, no que diz respeito à difusão da informação, e de forma mais ampla, do conhecimento. Entre os séculos XV e XVI houve uma grande ruptura, que permitiu que o meio teórico de pensar encontrasse abrigo em novos modelos intelectual e cultural da comunicação. Inclusive WOLTON (1998, p. 47) nos revela que: O correio, a livraria, depois a imprensa e, simultaneamente, o comércio terrestre e marítimo foram os instrumentos desta abertura acentuada pelo caminho-de-ferro, pelo telefone e por todas as técnicas do século XX.

E continua:

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Por um lado, a comunicação está no coração da cultura ocidental, exprimindo a força da ligação ao outro, que é um dos elementos centrais desta cultura. Reencontramos aqui as raízes judaico-cristãs, europeias e, depois, ocidentais, para as quais o outro é o igual de si próprio. É por isso que há mais de dois séculos que a cultura ocidental valoriza o indivíduo, a sua liberdade e o seu direito de se exprimir livremente, condições de uma comunicação realmente intersubjectiva. Por outro lado, a comunicação encontra-se no coração da sociedade democrática. É indissociável da sociedade individualista de massas cujas características estruturais veremos mais adiante —, modelo da nossa sociedade onde se encontram ligados os dois valores fundadores e contraditórios da democracia: a liberdade individual, na linha do século XVIII, a igualdade no das lutas do século seguinte. Adivinha-se o papel normativo desempenhado pela comunicação. Em qualquer dos casos, não pode haver liberdade nem igualdade sem comunicação autêntica. (WOLTON, 1998, p. 9)

De um lado WOLTON (1998) coloca a comunicação como elemento que fortalece o direito do individuo ser livre e se exprimir livremente, pré-requisito para uma comunicação individual, própria. Por outro lado, coloca a comunicação no coração da sociedade democrática. Fechando dessa forma, as duas mais importantes perspectivas do impacto que teve a comunicação desde o começo da era moderna até os dias de hoje, tanto na construção do conceito de individualidade, quanto na construção das sociedades democráticas. Inclusive THOMPSON (1998) relaciona a comunicação com o quarto poder, um poder simbólico que “nasce na atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas simbólicas, (...) característica fundamental da vida social, em igualdade de condições com a atividade produtiva, a coordenação dos indivíduos e a atividade coerciva.” 1.2. Uma breve história do Jornalismo Depois de uma breve passagem pela área mais ampla, a da comunicação, da qual o jornalismo é gênero, nos dedicamos a partir de agora ao jornalismo, como atividade de natureza comunicacional, mas que foi se distinguindo da publicidade, do marketing e da atividade de relações públicas, a medida em que os campos citados foram se tornando ciência e os estudos acadêmicos avançaram, além, e claro, da prática cotidiana, que é totalmente distinta de área para área. Ciro Marcondes Filho (2009), no livro “Comunicação e Jornalismo”, faz a seguinte e didática divisão da história do jornalismo: pré-história (de 1631 a 1789): caracterizada

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por uma economia elementar, produção artesanal e forma semelhante ao livro; primeiro jornalismo (1789 a 1830): caracterizado pelo conteúdo literário e político, com texto crítico, economia deficitária e comandado por escritores, políticos e intelectuais; segundo jornalismo (de 1830 a 1900): imprensa de massa, marca o início da profissionalização dos jornalistas, a criação de reportagens e manchetes, a utilização da publicidade e a consolidação da economia da empresa; terceiro jornalismo (de 1900 a 1960): imprensa monopolista, marcada por grandes tiragem, influência das relações públicas, grandes rubricas políticas e fortes grupos editoriais que monopolizam o mercado; e quarto jornalismo (de 1960 em adiante): caracterizado pela informação eletrônica e interativa, como ampla utilização da tecnologia, mudança das funções do jornalista, muita velocidade na transmissão de informações, valorização do visual e crise da imprensa escrita. A referida divisão, pelo seu didatismo, permite que o leitor visualize uma linha do tempo do jornalismo e consiga associar, no seu raciocínio, a quantas andavam os grandes eventos do planeta - períodos de guerra, períodos de paz, ascensão ou descenso econômico de determinado grupo, situação econômica, entre outros - em cada momento de mudança de era, o que ajuda a contextualizar a evolução da história do jornalismo do história moderna. Já PENA (2005), em seu livro “Teoria do Jornalismo” nos explica que na árvore genealógica dos jornais estão as gazetas (...), manuscritas, periódicas e apresentadas em quatro páginas em frente e verso, dobradas ao meio, como um pequeno fólio, de vinte centímetros de altura e quinze de largura. (...) As notícias eram vinculadas ao interesse mercantil, com informes sobre colheitas, chegada de navios, cotações de produtos e relatos de guerra. (PENA, 2005, p. 12)

As gazetas foram produzidas inicialmente em Veneza, na Itália, o centro comercial e informativo mais importante da Europa na época, SOUSA (2000), da Universidade Fernando Pessoa, da cidade do Porto, em Portugal, trata em seu artigo “A Gazeta “da Restauração” no contexto jornalístico da primeira metade do século XVII” da história da gazeta lusitana “Restauração”,

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publicação favorável a D. João IV, que procurava legitimá-lo no poder e proporcionar a Restauração da Independência de Portugal. Veja abaixo a passagem da história que ele usa para ilustrar o universo do início da imprensa escrita na Europa ibérica: Quando a Gazeta “da Restauração” foi publicada, o jornalismo (...) começava a tornar-se uma atividade de comunicação em sociedade de

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grande impacto, em especial nos países protestantes do Norte e Centro da Europa, onde a alfabetização progredia em passos rápidos, instigada pelas máximas de Lutero, segundo as quais todos os crentes deveriam ler as Escrituras e interpretá-las sem intermediação. Segundo dados da Wikipedia, a Holanda e a Nova Inglaterra (embrião dos Estados Unidos), por exemplo, contavam já com cerca de 50% da população alfabetizada a meio do século XVII, taxa esmagadora para a época, sobretudo se a compararmos com a portuguesa, que no início do século XVIII ainda andaria pelos 10%. A Suécia, que naquele tempo incluía os territórios da Finlândia e da Estônia, obrigou compulsivamente toda a população a alfabetizar-se em 1686, pelo que as taxas de alfabetização nesse país eram de quase 100% no final do século XVIII. (SOUSA, 2000, p.46)

Na passagem, SOUZA nos mostra de relance um trecho da história da Gazeta da Restauração, uma publicação portuguesa do s´´eculo XVII, que funcionou como arma de propaganda após a aclamação de D. João IV.

1.3. Jornalismo impresso Com a ajuda de PENA (2005), começamos pela escrita: os primeiros suportes para a prática da escrita foram as tábuas de ferro, depois as tábuas de madeira - como as que serviram de base para os dez mandamentos -, marfim e bambu fundido, até que os egípcios inovaram com a chegada do papiro, folha confeccionada a partir de uma erva aquática cortada em tiras umedecidas, batidas e polidas após a secagem. O papiro foi o material mais usado pela maior parte da antiguidade, tendo sido usado na Acta Diurna, relato diário do Senado Grego. O papel de fibra vegetal só chegou no século X por meio dos chineses, fechando dessa forma, ao lado do papiro e da invenção da imprensa, as condições ideais para a grande revolução na propagação da cultura escrita. Entre os séculos XIV e XV as notícias já corriam na Europa, principalmente na Itália, berço do movimento renascentista. Mas foi o alemão Johannes Gutemberg que definitivamente tirou o mundo da idade média e inaugurou os tempos modernos com seu tipo mecânico móvel para impressão, com a qual começou a Revolução da Imprensa. No início do século XVII, à medida que a tecnologia da prensa de papel de Gutenberg ia sendo disseminada e copiada por seus concorrentes, a publicação de livros e jornais se tornava cada vez mais popular, e atividade de jornalismo passou a ser mais profissional com o surgimento dos primeiros cursos de jornalismo nas Universidades da Europa. Com a profissionalização do jornalismo, começou também a surgir a necessidade de regulamentar a profissão e sua atividade, surgindo nesta época o conceito de Liberdade

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de Imprensa, que é a ideia de poder dispor e publicar informação sobre qualquer tema, nos veículos de comunicação de massa e nos meios digitais, sem nenhuma intromissão do Estado. Avançando um pouco mais no tempo, percebemos que a invenção do telégrafo trouxe grandes benefícios para a atividade do jornalismo, pois permitiu que textos que levariam dias para serem transportados por via terrestre ou naval fossem repassados em questão de minutos. Dessa forma o telégrafo permitiu que a imprensa se tornasse muito mais ágil: uma notícia que aconteceu de manhã, poderia agora facilmente ser publicada à tarde em um jornal. Segundo BARRETO (2012), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em seu artigo “Jornalismo Impresso, História, linguagem, internet e mercado”, em 1702, surge o primeiro jornal diário do mundo, o britânico The Daily Courant, uma única folha impressa só na parte da frente. Em 1789, a Revolução Francesa dá impulso extraordinário à imprensa. Até 1800, são publicados mais de 1.500 títulos novos, duas vezes mais que nos 150 anos precedentes. Trazendo o contexto do nascimento do Jornalismo Impresso para o Brasil, Barreto nos ensina que em 1808, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, surge a Imprensa Régia, onde se imprimem leis e papéis diplomáticos e se exerce a censura prévia. Em 1º de junho é editado, em Londres, o primeiro número do Correio Braziliense. Hipólito José da Costa o imprime clandestinamente para escapar da censura. É, na verdade, uma revista doutrinária, defensora da liberdade de imprensa e da Constituinte. Em 10 de setembro, é publicado o primeiro número da Gazeta do Rio de Janeiro, jornal oficial feito na Impressão Régia, destinado a informar as ações administrativas e a vida social do Reino. (BARRETO, 2012, p. 10)

Na cidade que se tornaria a maior do Brasil tanto em população quanto em produção industrial e serviços, A Província de São Paulo dá início às suas atividades 1876, e em 1890, passa a chamar-se O Estado de São Paulo. Um ano depois, em 1891, Joaquim Nabuco - o político, diplomata e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras - ao lado do amigo, advogado e jornalista Rodolfo de Souza Dantas, fundam o Jornal do Brasil. É quando em 1924 entra em cena no Brasil, Assis Chateaubriand. Jornalista, empresário, mecenas e político, Chatô, como ficou conhecido, destacou-se como um dos homens públicos mais influentes do Brasil entre as décadas de 1940 e 1960. Foi ele que deu início ao primeiro império de comunicação do Brasil, os Diários Associados, que toma este nome logo após a Revolução de 1930 e que no anos de 1990 passaria a chamar-se

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Associados. Já entrando na seara das publicação mensais, os Diários Associados lançam, em 1928, a revista O Cruzeiro, no Rio de Janeiro, a primeira revista semanal brasileira de circulação em todo o país. Com o objetivo de fiscalizar e controlar o conteúdo veiculado pela imprensa no país, Getúlio Vargas, presidente do Brasil em 1934 - época da ditadura do Estado Novo -, cria o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que instala a censura e veta o registro de 420 jornais e de 346 revistas. Nos parágrafos acima fizemos um rápido passeio pelos anos e eventos mais importantes para o advento do jornalismo impresso do mundo e no Brasil. Agora visitemos brevemente a história e condição da revista, veículo escolhido para a análise que se segue no capitulo três desta monografia. Com o auxílio de CARMO (2000), da Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Geral, faremos uma breve linha do tempo histórica sobre o advento e a evolução do veículo revista, no mundo e no Brasil. No século XVII, a sempre pioneira Alemanha edita, em 1663, a primeira revista de que se têm notícia: Erbauliche Monaths-Unterredungen (Edificantes Discussões Mensais), inspirando publicações similares na França, Inglaterra e Itália. No século XIX é a vez do Brasil receber sua primeira revista: As variedades ou Ensaios de Literatura, editada em Salvador, em 1812, seguida d’A marmota na corte, em 1849, no Rio de Janeiro, uma publicação de variedades, com a presença de humor e caricaturas. O estilo magazine preenchia os vazios informativos da cobertura de jornais, rádio e TV, “pois analisa o fato, sob a perspectiva do jornalismo interpretativo, e agrada o leitor, ao apresentar o texto com estilo e criatividade, fazendo uso do jornalismo literário.” (VILAS BOAS, 1996) Já o respeitado site Observatório da imprensa, em sua edição 388, apresenta texto do Jornalista e Mestre em Comunicação Alexander Goulart, intitulado “Uma lupa sobre o jornalismo de revista”, e contribui com as seguintes reflexões: Hoje, as revistas representam a maior variedade editorial que dispomos. São milhares de títulos para todos os públicos, gostos. A revista está inserida no mercado atual; um mercado que busca a segmentação de público e publicitária. Fala para as diversas tribos. Logo, a revista é um bom negócio para as empresas, para o mercado, para o público e, claro, para os jornalistas. Algumas características do veículo: a variedade – muitos assuntos para fisgar o leitor e passar a sensação de janela do mundo; a especialização – centrada num determinado universo de 16

expectativas, visto que conhece seu leitor; visão de mercado – por conhecer seu público, apresenta um produto de olho nos nichos de mercado; texto – o público é curioso, escolhe a revista, logo, se importa com o texto; imagem – o leitor é seduzido com apelo visual, com o bom fotojornalismo. Texto e imagem, traduzidos em matéria bem escrita e apresentação visual eficiente são as bases da revista. (GOULART, 2013)

Concluímos, desta forma, que o veículo revista ocupa lugar de destaque no cenário nacional, parte por conta da diversidade de temas que as publicações abordam quanto pela vasta gama de leitores que atinge. 1.4. História da Revista Cult e do Dossiê Queer A Revista Cult é uma das mais longevas publicações culturais do país, e nas palavras da revista (e desta estudante), a maior revista de cultura do país. Com tiragem de 35 mil exemplares por mês, a publicação tem circulação nacional e sai no primeiro dia do mês. Nas palavras da equipe da própria revista (em texto encontrado no site da publicação), CULTURA, termo tão preciso quanto abstrato, refere-se a conceitos em diversas disciplinas intelectuais e em sistemas de pensamentos distintos. A CULTURA existe na vida coletiva e está relacionada à produção e transmissão do conhecimento. A comunicação – tornar comum – ajuda a preservar e aprimorar a cultura, e esse é o objetivo da revista CULT. O jornalismo exercido pela revista CULT é uma forma de mediação e dinamiza o campo artístico e cultural, age na formação de públicos e fornece parâmetros de valor para a interpretação da cultura de nossa época5

Segundo Daysi Bregantini, editora e diretora responsável pela Revista Cult, a publicação foi criada em 1997 e adquirida pela Editora Bregantini em 2001. Era uma publicação dedicada exclusivamente à literatura – revista brasileira de literatura – e com a mudança de gestão passou a circular como – revista brasileira de cultura – ampliando as editorias e incluindo, principalmente, ciências humanas. De acordo com a jornalista, o veículo sempre teve o objetivo de levar ao público a pesquisa produzida nas academias. É uma revista que trata de temas acadêmicos, tem colaboradores acadêmicos, mas é editada em critérios jornalísticos.

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Perfil editorial disponível no site da Revista Cult

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A publicação se aproximou do tema da transexualidade porque a equipe acredita que é importante levantar a bandeira da necessidade de esclarecimento do que diz respeito à teoria queer. A revista Cult abriu a discussão a respeito da Teoria Queer e organizou um seminário, pois o tema é da maior relevância e era debatido apenas dentro das universidades. A missão do periódico é levar ao público uma reflexão acadêmica. Por duas vezes a filósofa Judith Butler foi à São Paulo a convite da Revista e por duas vezes a mesma foi capa da revista, porque segundo Bregantini a mídia a considera uma das maiores pensadoras contemporâneas. No que diz respeito ao lugar que a revista, como formato de impresso, tem hoje no mercado, a editora afirma que a publicação não perdeu leitores em função da plataforma online e que acreditam no jornalismo impresso. O site da revista é muito visitado, assim como suas mídias sociais. A revista acredita fortemente na continuidade da mídia impressa.

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2. Questões de Gênero 2.1. Gênero Gênero. No dicionário Michaelis é um “grupo de seres que têm iguais caracteres essenciais”, no popular, é o “sexo da pessoa”, ou é mulher ou é homem. Para as ciências humanas e sociais, tem mais de uma centena de definições, dependendo da natureza da ciência que as estuda. Para as milhões de mulheres feministas e homens pró-feminismo que mudam a cara de política e da sociedade nesse país latino americano que até 2013 foi o maior país católico do mundo, segundo a revista exame (edição de Julho de 2013), também tem mais de um conceito, dependendo da corrente do feminismo a qual pertençam - radical6 ou liberal7. Ainda perseguindo o conceito de gênero, SENKEVICS (2010) nos ensina que Gênero seria, portanto, todos os aspectos socioculturais, construídos historicamente, que poderiam residir sobre um indivíduo. A título de exemplo, gênero compreenderia os comportamentos, as preferências, os interesses, as formas de se vestir, andar e falar, relacionadas a ‘ser homem’ e ‘ser mulher’. Todos esses aspectos seriam simplesmente somados a um corpo que, por estar preso à “natureza humana”, é imutável, fixo e bipolar, separando o masculino do feminino.

Já BUTLER (1991), nossa autora base para o tema da Teoria Queer, diz que O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado, (…) tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos. (BUTLER, 2010, p. 25)

Para SCOTT (1995), gênero “é uma organização social, construída sobre a percepção das diferenças sexuais imbricadas a relações desiguais de poder. Por esse ponto de vista, os corpos não podem mais ser tomados fora da cultura, do discurso ou das construções de significado.”

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Vertente do feminismo que afirma que as mulheres como um grupo social são oprimidas por homens como um grupo social, que essa opressão é a opressão primária para as mulheres e que o patriarcado é a estrutura opressiva da dominação masculina. (ROWLAND e KLEIN, 2013) 7 Vertente do feminismo que toma emprestados os conceitos do liberalismo clássico estendendo-os às reivindicações das mulheres. Entra, nessa equação, a defesa dos “direitos naturais”, sobretudo a liberdade do indivíduo. (SENKEVICS, 2012, ensaiosdegenero.wordpress.com)

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Das definições apresentadas, poderíamos extrair que a noção de gênero estaria ligada à ideia de construção sociocultural que habita no sujeito, mas que essa construção que está inscrita no individuo não estaria necessariamente conectada com o gênero designado ao sujeito no momento do nascimento, e que o corpo deveria ser lido centro do espectro do discurso e das construções de significado. NICHOLSON (2000) nos apresenta uma metáfora muito apropriada: imaginemos um cabide no qual podemos pendurar uma camisa, uma saia ou um cachecol. Cada um pendura, no seu cabide, aquilo que for da sua preferência. Homens penduram suas gravatas; mulheres, seus vestidos. Imaginemos toda a humanidade: teremos os mais diferentes acessórios, dos coletes aos cocares. Nessa metáfora, a cultura seriam esses acessórios, variáveis no tempo e no espaço. Já o cabide representaria o nosso corpo, isto é, invariável, atemporal.

Mas BUTLER (1991), que é mais eficiente em fazer perguntas do que em respondêlas, nos provoca com o seguinte questionamento: “haverá um gênero que as pessoas possuem, conforme se diz, ou é o gênero um atributo essencial do que se diz que a pessoa é, como implica a pergunta: qual é o seu gênero?” Trazendo a questão de gênero para o mundo feminista, a obra de Butler “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade” desconstruiu o conceito de gênero no qual toda a teoria feminista está baseada, pois a dicotomia sexo/gênero funcionava como uma espécie de base da política feminista e parte da ideia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído. “Essa é a premissa que Butler problematizava no livro, (...) e ainda hoje reconhecido como sua obra mais importante. Discutir essa dualidade foi o ponto de partida para que a pensadora questionasse o conceito de mulheres como sujeito do feminismo” (RODRIGUES, 2003, p. 236). Para nos aprofundarmos um pouco mais, vamos de BEAUVOIR (1949), que em seu clássico “O segundo sexo” nos ensina que “não se nasce mulher, torna-se”, cunhando com essas palavras o que viria a ser um grande lema para os/as transexuais e militantes LGBT mundo afora, tema que será explorado em seguida. Mas o que a filósofa quis dizer com isso? Que não é possível que um ser humano que nasceu dotado de uma vagina seja mulher desde o nascimento? Que o gênero (seja ele feminino ou masculino) não está vinculado ao genital? Que um ser humano que não nasceu dotado de uma vagina pode tornar-se mulher? Essa frase foi analisada centenas e centenas

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de vezes por acadêmicos das mais diversas áreas (filosofia, ciências sociais, psicologia, etc) e todo tipo de pergunta foi feita para tentar chegar ao fundo do motivo que levou a francesa a escrever essas palavras, e, obviamente, todos os tipos de respostas foram dadas às perguntas formuladas. Inclusive essa curta frase, de apenas cinco palavras, foi o motor para muito estudos de gênero, entre os quais o que resultou em um dos trabalhos mais frutíferos da atual cena dos estudos na área, o da já citada anteriormente Judith Butler e suas análises sobre gênero, transexualidade, teoria queer. Ainda a respeito da célebre frase, SENKEVICS (2010) ensina: Ao mencionar isso, Beauvoir está chamando a atenção para as inúmeras construções sociais acerca de ser homem e, especialmente, de ser mulher. Na Introdução de sua obra, Beauvoir inicia um questionamento muito profícuo: “O que é uma mulher?”, para, em seguida, questionar se ‘ser mulher’ é simplesmente possuir um útero. Ao refutar essa correspondência direta, Beauvoir chega à seguinte conclusão: “Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade.” (SENKEVICS, 2010, p. 13)

Sexo e gênero. Segundo RODRIGUES (2003), a dicotomia sexo x gênero transita entre o determinismo biólogo - que diz que os aspectos sociais derivam de características biológicas - e o construcionismo social - que procura entender como os diferentes aspectos, inclusive os biológicos, são fruto de construções históricas e sociais. Entre um e outro temos um degradé que depende do maior ou menor peso que a cultura e a biologia tem para cada grupo. A metáfora do corpo como um cabide está nesse meio de campo: há aspectos construídos socialmente (as vestimentas) e outros determinados biologicamente (o corpo). Para aquecer o debate, trazemos mais uma autora. Dessa vez é VIEIRA (2012) que nos lembra que não é possível falar em Teoria Queer - tema que vamos explorar a seguir sem pensarmos na categoria de “Gênero” como sendo algo fluido, socialmente construído, performado e sistêmico. Nos anos 1950, o Dr. John Money, da Universidade John Hopkins, utilizou o conceito de Gênero no estudo da redesignação sexual de pessoas intersexuais (que nascem com o genital ambíguo). “Neste caso, John se pergunta: se estas pessoas nasceram com genitália ambígua, como é possível que o genital seja fator decisivo na constituição do

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gênero? Não pode ser” (VIEIRA, 2011). Então, utiliza-se de tal conceito para designar o resultado de seu tratamento de “reorientação do gênero” das pessoas intersexo. É neste momento que “Gênero” passa a ser concebido em sua fluidez e a afirmação de Simone de Beauvoir é ampliada, a partir de um questionamento simples: “Se existe um devir mulher, porque não poderia existir um ‘devir gênero’?”. Entretanto, apesar deste questionamento, os estudos e movimentos gays e lésbicos se tornaramm higienizados, defendendo um corpo gay desejável, belo, e sobretudo, heteronormativo. É criado, como diria Guacira Lopes Louro em seu texto “Teoria QueerUma política pós-identitária para a educação”, uma identidade gay “positiva”, e, obviamente, essa identidade positiva, subentende a construção de uma identidade “negativa”, geralmente associada ao gay afeminado, à travesti, e às lésbicas masculinizadas e homens trans. (VIEIRA, 2011, p. 25)

Mas foi RUBIN (1975), em seu artigo “The Traffic in Women: Notes on the ‘Political Economy’ of Sex”8, quem fez pela primeira vez a uma clara distinção teórica entre identidade de gênero e sexualidade: no artigo ela afirma ser necessário “pensar a sexualidade e o gênero como categorias radicalmente distintas, mesmo que em determinados momentos (...) se amparem em sustentação mútua da cis-heteronorma.” ARAN (2012) nos explica que sexo seria algo definido pela natureza e fundamentado no corpo orgânico, enquanto gênero seria algo que se adquire por meio da cultura, compreensão que se baseia na percepção de que o sexo (homem ou mulher) é um dado natural e de que o gênero é uma construção histórica e social. Porém ARAN (2012) alerta: esta tese é por um lado determinista e por outro construtivista, e dessa forma restringe em muito a possibilidade de compreensão das subjetividades e das sexualidades. Este tipo de raciocínio já foi bastante problematizado por autores como Michel Foucault, e Judith Butler. Segundo Foucault, o dispositivo da sexualidade na modernidade só pode ser compreendido por meio dos mecanismos de poder e saber que lhes são intrínsecos. Assim, sexo é o resultado complexo de uma experiência histórica singular e não uma invariante passível de diversas manifestações. Desta forma, falar de sexualidade é também se referir à produção dos saberes que a constituem, aos sistemas de poder que regulam suas práticas e às formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeitos sexuados (FOUCAULT, 1990, p.40).

Em outras palavras, essa divisão de sexo (homem, mulher)— não seria uma condição estática e simuma construção ideal, que foi forçosamente materializada através do tempo, conforme nos ensina BUTLER (2002). 8

Em tradução livre: “O tráfico de mulheres: notas sobre a economia política do sexo”

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Antes, convivíamos mais livremente com a possibilidade da mistura dos sexos. Somente a partir do século XVII é que as teorias biológicas da sexualidade e as condições jurídicas impostas aos indivíduos conduziram pouco a pouco à refutação da idéia da mistura de dois sexos em um só corpo, e restringiram "a livre escolha dos indivíduos incertos" (FOUCAULT, 1993, p.116).

O dispositivo de poder instaurou a necessidade de saber por meio da medicina qual o sexo determinado pela natureza e, por consequência, aquele que a justiça exige e reconhece. Assim, ser "sexuado" é estar submetido a um conjunto de regulações sociais, as quais constituem uma norma que, ao mesmo tempo em que norteia uma inteligibilidade e uma coerência entre sexo, gênero, prazeres e desejos, funciona como um princípio hermenêutico de auto-interpretação (BUTLER, 2003, p.142). Neste sentido, "o verdadeiro sexo" é o efeito da naturalização de uma norma materializada. Da mesma forma, gênero não é uma construção social imposta a uma matéria antes determinada (o sexo), e sim um efeito performático que possibilita a constituição e o reconhecimento de uma trajetória sexuada, a qual adquire estabilidade em função da repetição e da reiteração de normas. Assim, é importante pensar por meio de que normas reguladoras se materializam os sistemas sexo-gênero (BUTLER, 2002, p.18). Seguindo este raciocínio, os efeitos de gênero, ou mesmo de corpos, entendidos como produção de subjetividades, emergem na modernidade através da reiteração da matriz heterossexual constituída ao mesmo tempo pela dominação masculina e pela exclusão da homossexualidade.

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2.2. Transexualidade e identidade de gênero Segundo a ARÁN (2012), a transexualidade é considerada um fenômeno complexo. “Em linhas gerais, caracteriza-se pelo sentimento intenso de não-pertencimento ao sexo anatômico, sem a manifestação de distúrbios delirantes e sem bases orgânicas (como o hermafroditismo ou qualquer outra anomalia endócrina)” (CASTEL, 2001, p.77). O fenômeno estaria baseado em dois pontos: em primeiro vem o avanço da biomedicina e o progresso da terapia hormonal -— que permite que a "adequação" dos corpos se torne uma possibilidade concreta -, e em segundo, a ideia de "identidade de gênero" como uma "construção sociocultural", independente do sexo biológico. Em uma perspectiva da psicologia, ARÁN (2012) nos ensina que a transexualidade também é considerada uma patologia, por ainda ser definida como um “transtorno de identidade sexual”, conforme CID F64, conferido pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde publicada pela OMS (Organização Mundial de Saúde), dada a não-conformidade entre sexo e gênero. O que define este diagnóstico é uma concepção normativa dos sistemas de sexo-gênero, a qual se converte em um sistema regulador da sexualidade. Discutem-se as possibilidades de uma reflexão crítica na psicanálise que permita o descolamento da transexualidade deste território normativo da patologização.

Por meio desta última passagem, concluímos que os estudos da psicologia, bem como a classificação da OMS, ainda estão em descompasso com a realidade, pois o supracitado posicionamento oficial afeta negativamente a vida de milhões e milhões de mulheres e homens transexuais, tendo em vista a dificuldade que essas pessoas tem e terão diante das instituições, nos ambientes doméstico, acadêmico, profissional - e o mais importante, diante de si mesmas, pelo período de suas vidas. Nesse sentido, AMARAL (2007) nos conta que em 1997 o Conselho Federal de Medicina autorizou no Brasil a realização de cirurgias de transgenitalização9 em pacientes transexuais, considerando que teria um caráter terapêutico, já que, segundo o entendimento da instituição, “o paciente transexual é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação ou autoextermínio”.

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cirurgia que faz a alteração do genital para adaptá-lo à identidade de gênero do sujeito (http://www.brasil.gov.br).

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Para realizar a cirurgia no país é necessário seguir um programa rígido que inclui a avaliação de equipe multidisciplinar e acompanhamento psiquiátrico por no mínimo dois anos para confirmação diagnóstica, explica AMARAL (2007). A partir deste momento houve um aumento de demanda por parte de transexuais de ambos os sexos, relatando intenso sofrimento psíquico. Para compreendermos a psiquiatrização da condição transexual na atualidade é importante nos determos na construção histórica da diferença sexual e na patologização do prazer perverso. Isto porque a compreensão da transexualidade como patologia está baseada na interpretação de uma discordância entre sexo e gênero e da necessidade de adequação dos corpos ao sistema classificatório binário heterossexual que foi produzido na modernidade. Um dos fatos que marcaram o início da era moderna foi o surgimento do modelo essencialista da diferença sexual. (AMARAL, 2007, p. 16)

Segundo FOUCAULT (2004), as teorias biológicas e o controle administrativo dos estados modernos do século XVIII promoveram uma rejeição da ideia de mistura dos dois sexos em um só corpo e restringiram a escolha pela identidade sexual dos indivíduos que apresentavam algum tipo de ambiguidade, por entender que “as fantasmagorias da natureza podem servir aos abusos da libertinagem”. Nesse sentido, a sociedade passou a cobrar uma definição de gênero, que seria conferida com base no diagnóstico médico, concedido pelo profissional de saúde no momento do nascimento, ao checar seu genital. Faz-se necessário também esclarecer uma série de termos usados no universo da transexualidade, e o fazemos com o auxílio de GUIMARÃES (2013): Pessoa cisgênera (ou cissexual, ou cis) seria aquela que foi designada com um gênero ao nascer e se identifica com ele. Usando esta definição, podemos concluir que um homem cis é uma pessoa que, ao nascer, foi designada como homem e, durante a sua vida, se identifica como homem. Já uma pessoas transgênera (ou transexual, ou trans) seria, ainda segundo Guimarães, aquela que foi designada com um gênero ao nascer e não se identifica com ele. Esqueça momentaneamente as aulas de biologia e suas terminologias problemáticas (analisá-las e propor alternativas está além do escopo desse texto). Existem pessoas, através de diversas épocas e em diversas culturais, que tinham pênis e se identificavam como mulheres. Existem pessoas, através de diversas épocas e diversas culturas, que tinham vulvas e se identificavam como homens. Esse fato simples, mas difícil de aceitar, joga por terra a ideia de que um pênis, uma vulva, ou qualquer

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característica sexual secundária (como seios) sejam em essência masculinas ou femininas. (GUIMARÃES, 2013, p. 49)

Cissexismo, ensina GUIMARÃES (2013), seria a prática sistemática de colocar pessoas cisgênero como o padrão natural de gênero e ignorar ou considerar menos válidas experiências não-cis. Cissexismo se distinguiria da transfobia por se tratar de uma violência velada, enquanto a transfobia se trata de violência explícita, mas não necessariamente física, contra pessoas trans. 2.3. Teoria Queer: uma teoria subalterna Em primeiro lugar é importante dizer que o tema é ainda pouco explorado pela academia, por tratar de um objeto novo e ainda em construção, uma construção coletiva, que acontece até com uma certa velocidade, e que deve-se ao forte empoderamento de transexuais, mulheres feministas, homens pró-feminismo e por que não, também da comunidade acadêmica, ainda que mais lentamente. Por esse motivo, neste tópico me utilizo de material acadêmico, como livros e artigos científicos, é claro, mas também de alguns trechos de publicações veiculadas em blogs especializados no tema. Comecemos, então, pelo nome, queer. Nesse ponto nos utilizamos dos saberes de VIEIRA (2014), que ensina que a palavra queer é inglesa, usada há quase quatro séculos. Londres abrigava uma “Queer Street”, onde viviam os vagabundos, os endividados, as prostitutas e todos os tipos de pervertidos e devassos que aquela sociedade poderia permitir. O termo ganhou o sentido de “viadinho, sapatão” com a prisão do hoje respeitado escritor Oscar Wilde, o primeiro ilustre a ser chamado de “queer”. Desde então o termo passou a ser usado como ofensa para homossexuais, travestis, transexuais e todas as pessoas que desviavam da norma cis-heterossexual10. Queer era o termo para os que se desviam, e infelizmente não há ainda em português um sinônimo claro. Talvez, como propõe BENTO (2010), possamos pensar o queer como “transviado”. Nos anos 70, as universidades americanas são tomadas por movimentos populares e começam a criar os chamados “Estudos Culturais”, para tentar acompanhar e compreender o crescente Movimento Negro (Panteras Negras), o “Free Speech” (Liberdade de Expressão), o movimento feminista – com a criação dos Women Studies11 - e os

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Pessoa que vive em conformidade com a norma cis (possui identidade de gênero igual ao sexo biológico) e heterossexual (orientação sexual voltada a pessoas com o gênero oposto) 11 Estudos das mulheres, numa tradução livre

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movimentos gay e lésbicos. Vinte anos depois, que representam vinte anos de amadurecimento do pensamento e da academia tratando de tais temas, a Teoria Queer começa a se consolidar, com a publicação do livro “Problemas de Gênero” (Gender Troube), de Judith Butler. MISKOLCI (2009) nos explica que a Teoria Queer surgiu a partir dos estudos culturais norte-americanos supracitados - e em departamentos não associados às investigações sociais, como o de Filosofia e o de crítica literária - e ganhou espaço e relevância ao se contrapor criticamente aos estudos sociológicos sobre minorias sexuais e à política identitária dos movimentos sociais. MATTELART e NEVEU (2004) nos explicam que a Teoria Queer (...) faz parte de um conjunto que podemos chamar de teorias subalternas, que fazem uma crítica dos discursos hegemônicos na cultura ocidental. Essas teorias ganharam seu título graças a um termo criado por Antonio Gramsci (1985) para referir-se àqueles cuja voz não é audível no sistema capitalista. Foi popularizada a partir de um artigo de Gayatri Spivak intitulado Can the Subaltern Speak? e designava grupos sociais submetidos ao domínio de uma potência estrangeira, cuja subordinação se mantinha mesmo após a descolonização. Já segundo MISKOLCI (2009), apesar da Teoria Queer ser comumente associada ao estudo do desejo e da sexualidade, cresceram muito nos últimos anos os estudos sobre as múltiplas diferenças nas práticas sociais, motivo pelo qual com muita frequência a Teoria Queer é usada como resposta crítica à globalização e aos modelos norte-americanos de identidade sexual hetero, do feminismo liberal e da cultura gay. Em outras palavras, como uma teoria que resiste à americanização branca, hetero-gay e colonial do mundo. Na compilação de estudos queer intitulada “What´s Queer about Queer Studies Now?” manteve-se a oposição crítica aos projetos minoritários – quer sejam políticos ou teóricos – mas ganhou força a compreensão do queer como metáfora sem um referente fixo. Não é mais garantido que a sexualidade seja o eixo principal de processos sociais que marcaram e ainda moldam as relações sociais, mas, ao contrário, emerge a ideia de um ponto nodal de intersecções de diferenças. (MISKOLCI, 2009, p. 23)

CASCAIS (2004) nos esclarece que a ideia queer surge não alinhada com nenhuma outra categoria específica de identidade, pois esta posição é desde logo colocada como antagônica de categorias mais estáveis e reconhecíveis, como ‘lésbica' ou ‘gay’, cujos estudos seriam alvo de um processo de queering, “processo que constrói um violento

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debate entre os que dizem que esse processo erode os últimos traços de uma coerência opressiva de gênero, e os que criticam o queer como reacionário e mesmo não-feminista”.

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3. A representação jornalística da Teoria Queer na Revista Cult 3.1. A análise de conteúdo A metodologia escolhida para esse trabalho é a análise de conteúdo, um estudo que tenta construir um conhecimento analisando o discurso, a disposição e os termos utilizados pelo autor ou autora, segundo MORAES (1999), o investigador usa métodos de análise de conteúdo aplicando processos precisos, onde há pouco foco nos aspectos formais, pois servem apenas de indicadores da atividade cognitiva do locutor. Cresce a cada dia a importância da análise de conteúdo na investigação social, sobretudo devido à forma metódica com que tratam informações e testemunhos que apresentam algum grau de profundidade complexidade. Estes métodos têm sofrido uma evolução, favorecida pelos progressos em linguística, ciências da comunicação e da informática, e devido à preocupação de rigor e profundidade. (MORAES, 1999, p. 7)

Já BARDIN (1977) nos ensina que a análise de conteúdo seria “um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a “discursos” (conteúdos e continentes) extremamente diversificados”. O fator comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas - desde o cálculo de frequência que fornece dados cifrados, até a extração de estruturas traduzíveis em modelos - é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscilo entre os dois polos do rigor da objetividade e da fecundidade de subjetividade. (BARDIN, 1977, p. 9)

Em relação aos métodos, agrupam-se em duas categorias: os quantitativos, que são extensivos e têm como unidade de informação a frequência do aparecimento de certas características; e os qualitativos, que têm como unidade de informação a presença ou ausência de uma característica, ainda segundo MORAES (1999). A análise de conteúdo é uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de documentos e textos. MORAES (1999) nos diz que essa análise ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum e fornece informações ao leitor crítico de uma mensagem, seja ele linguista, sociólogo ou de qualquer outra área de ciências humanas. Como método de investigação, a análise de conteúdo compreende procedimentos especiais para o processamento de dados científicos. É uma ferramenta, um guia prático para a ação, sempre renovada em

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função dos problemas cada vez mais diversificados que se propõe a investigar. Pode-se considerá-la como um único instrumento, mas marcado por uma grande variedade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto, qual seja a comunicação. (MORAES, 1999, p. 32)

Segundo OLABUENAGA e ISPIZÚA (1989), a análise de conteúdo é uma técnica para interpretar o conteúdo de toda espécie de documentos, que analisados adequadamente nos abrem as portas ao conhecimento de aspectos e fenômenos da vida social de outro modo inacessíveis. A matéria-prima da análise de conteúdo pode ser oriunda de comunicação verbal ou não-verbal - como cartas, jornais, revistas, discos, entrevistas ou filmes, entre outros. A análise de conteúdo parte de uma série de pressupostos que servem de suporte para captar seu sentido simbólico, que nem sempre é manifesto e único, pois pode ter diferentes perspectivas. Neste sentido, OLABUENAGA e ISPIZÚA (1989, p.185) ensinam que o sentido que o autor pretende expressar pode coincidir ou ser diferente do sentido percebido pelo leitor do mesmo; o autor poderá emitir uma mensagem, sendo que diferentes leitores poderão captá-la com sentidos diferentes; ou o texto pode expressar um sentido do qual o próprio autor não esteja consciente. Segundo MORAES (1999), a análise é uma interpretação pessoal do pesquisador com relação à sua percepção dos dados, pois não há leitura neutra, toda leitura é uma interpretação. Em termos históricos, BARDIN (1977) nos conta que nos Estados Unidos, os departamentos de ciência políticas ocuparam um lugar de destaque no desenvolvimento da análise de conteúdo, alavancado pelos problemas trazidos pela Segunda Guerra Mundial, e deu como exemplar o caso do Governo Americano, que durante os anos da guerra, estimulou os analistas a desmascararem os jornais suspeitos de propaganda subversiva, principalmente nazista. Para tanto, foram empregados, por exemplo, vários critérios, tais como a porcentagem dos temas nazistas em relação ao conjunto de temas, a comparação com outros veículos que tendem ao nacionalismo americano e a comparação com emissões nazistas emitidas pelo núcleo do movimento. Quanto aos métodos, MORAES (1999) constrói uma divisão de etapas focada na análise qualitativa, mas que também pode ser aplicada em estudos quantitativos. A concepção do processo da análise de conteúdo, a qual compartilhamos abaixo, está constituída por cinco etapas: 1. Preparação das informações; 2. Unitarização ou 30

transformação do conteúdo em unidades; 3. Categorização ou classificação das unidades em categorias; 4. Descrição; e 5. Interpretação. As etapas, segundo MORAES (1999), seriam executadas da seguinte forma: 1. Preparação: ao selecionar o material que será analisado, iniciamos a preparação, que consiste em identificar e ler todo o material; decidir qual efetivamente está de acordo com os objetivos da pesquisa; e iniciar a codificação do material, usando um código que possibilite identificar cada elemento a ser analisado. 2. Unitarização: após a preparação, os dados serão submetidos ao processo de “unitarização”, que consiste em: 2.1. Reler o material e definir: 1. a unidade de análise (ou “unidade de registro”), o elemento unitário de conteúdo a ser classificado. Toda categorização necessita ter o elemento unitário a ser classificado definido; 2. a natureza das unidades de análise, podem ser palavras, frases, temas ou mesmo os documentos na íntegra. 2.2. Isolar cada uma das unidades de análise, ao reescrever-se cada uma delas em um cartão, deixando-as individualizadas e isoladas. 2.3. Definir unidades de contexto, mais amplas do que as de análise, que servem de referência, fixando limites contextuais para interpretá-la. 3. Categorização: agrupa dados considerando a parte comum entre eles e se classifica por semelhança, segundo critérios estabelecidos no processo. Podem ser semânticos (originando categorias temáticas) ou sintáticos (definindo categorias a partir de verbos, adjetivos, etc.). Como ensinam OLABUENAGA e ISPIZÚA (1989), a categorização deve ser entendida como um processo de redução de dados, pois representam o resultado de um esforço de síntese de uma comunicação, destacando seus aspectos mais importantes. A categorização seria, de acordo com MORAES (1997) “uma operação de classificação dos elementos de uma mensagem seguindo determinados critérios”, que facilita a análise da informação, mas deve fundamentar-se numa definição precisa do problema, dos objetivos e dos elementos utilizados na análise de conteúdo.

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4. Descrição: definidas as categorias, é momento de comunicar o resultado. Numa pesquisa quantitativa, a descrição envolve tabelas e quadros, frequências e percentuais. Já na qualitativa, cada categoria vai gerar um texto sintético dos significados presentes nas unidades de análise. O momento da descrição é de extrema importância na análise de conteúdo, pois é o momento de expressar os significados captados nas mensagens analisadas. 5. Interpretação: nesse movimento podemos salientar duas vertentes: uma relacionada a estudos com fundamentação teórica; e outra construída com base nos dados e nas categorias da análise. De qualquer modo, seja a partir de um fundamento teórico, seja a partir da produção de teoria a partir dos materiais em análise, a interpretação constitui um passo imprescindível em toda a análise de conteúdo, especialmente naquelas de natureza qualitativa. Em relação às abordagens, ainda com o auxílio de MORAES (1999), percebemos que a análise de conteúdo possibilita diferentes modos de conduzir o processo, me possibilitando utilizar o conteúdo manifesto ou a averiguar o conteúdo latente. A análise de conteúdo no nível manifesto se restringe ao que é dito, sem buscar os significados ocultos. Ao nível latente, o pesquisador procura captar sentidos implícitos. Os níveis manifesto e latente estão relacionados às ênfases na objetividade ou na subjetividade, entre as quais oscila a análise de conteúdo. O nível manifesto corresponde a uma leitura representacional, na qual se procura a inferência direta do que o autor quis dizer. Mas a busca de uma compreensão mais profunda não pode ignorar o conteúdo latente das mensagens, revelado antes pelo não dito que pelo expresso. Isto corresponde a uma leitura que capta nas entrelinhas motivações inconscientes ou indizíveis, reveladas por descontinuidades e contradições. (MORAES, 1999, p.37)

Já segundo LINCOLN e GUBA (1982), a dimensão da objetividade-subjetividade não questionaria a objetividade ou a subjetividade do pesquisador, pois corresponderia à forma de categorização. Dependendo da abordagem em que o pesquisador se fundamenta ao realizar sua pesquisa haverá consequências não só sobre os procedimentos de análise, como também sobre outros aspectos importantes da pesquisa.

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MORAES (1999) nos ensina que a abordagem dedutiva-verificatória-enumerativaobjetiva parte de teorias que propõe uma verificação dentro dos princípios da pesquisa tradicional. As hipóteses ajudariam a direcionar o processo, definindo a natureza dos dados e sua organização. Por esta razão, nesta abordagem as categorias são fornecidas ou estabelecidas a priori, seja a partir da teoria, seja dos objetivos ou das questões de pesquisa. De qualquer modo nesta abordagem as categorias necessitam ser justificadas a partir de um sólido fundamento teórico. A adoção desta abordagem, em geral, implica a utilização da quantificação como tratamento preferencial dos dados, culminando em testes de hipóteses que possam levar a inferências justificadas dentro de padrões estatísticos da pesquisa quantitativa. Também neste abordagem a objetividade é altamente considerada, mesmo reconhecendo que isto possa resultar em perda de informação preciosa que porventura as mensagens carreguem, mas que não se enquadrem nas categorias definidas a priori. (MORAES, 1999, p. 41)

Já a abordagem dedutiva-verificatória permitiria obter mais precisão e melhor sistematização quando consideramos os termos da pesquisa tradicional, pois se trata de uma abordagem que toma como ponto de partida os dados, a partir deles constrói as categorias e a partir delas, a teoria. É, em primeiro lugar, indutiva e pretende construir uma compreensão dos fenômenos investigados. A abordagem indutiva-construtiva também busca um rigor científico e uma cientificidade mais sólida. Agora passo a resumir o processo de análise de conteúdo do presente trabalho: tendo selecionado a metodologia da análise de conteúdo, sob orientação, montei uma tabela (que consta do apêndice) que cruza os dados de cada matéria com os seguintes itens: resumo, precisão conceitual, adequação das fontes ao tema e edição do material. A partir dessa disposição, passei a preencher as lacunas e a medida que o fazia as particularidades de cada matéria jornalística ia ficando mais clara. A partir do tópico abaixo transcrevo cada item dessa tabela, acompanhado das observações pertinentes. 3.2. Precisão Conceitual Nesse tópico vamos analisar os conceitos abordados em cada umas das três matérias, e discorrer brevemente sobre cada um desses conceitos, sendo que para essa janela de análise, foi selecionado um conceito de cada matéria. Na matéria 1, “Queerificando Antígona” (ver figura 1), a feminista norte-americana Judith Butler reflete sobre a representatividade política da mulher, ao discutir a

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normatividade da ordem simbólica defendida pela psicanálise e representada pela família mononuclear. Para isso, analisa a tragédia de Sófocles, Antígona. O texto traz, logo em seu primeiro parágrafo a primeira referência à teoria queer, conforme vemos abaixo: Butler associa o feminismo à teoria queer. Os teóricos queer consideram que o entendimento de, virtualmente, qualquer aspecto da cultura ocidental perpassa uma análise crítica da definição moderna de homo/heterossexual. Apontam para as formas mediante as quais a ação excludente e estimagmatizante da matriz sexual normativa produz contrarreação nos corpos excluídos. Em Problemas de gênero, Butler aponta para as limitações do emprego não crítico da categoria/sujeito “mulher” nas lutas feministas pelo reconhecimento moral e político de suas identidades. Na medida em que é constituída dentro do modelo dicotômico excludente da matriz heteronormativa, essa categoria é forjada pelos dispositivos discursivos normativos de dominação patriarcal. O sistema binário sexual não é moralmente neutro, ele privilegia, ainda que de maneira escamoteada, o homem heterossexual monogâmico. Os homens heterossexuais são, na realidade, os que possuem o status de identidade majoritária. As outras sexualidades que não a masculinaheterossexual-monogâmica possuem um status moral menor. O valor social de cada qual é auferido na medida em que se aproximam ou se distanciam desse modelo “majoritário”. (CASTRO, 2016, p. 16)

Antes de entrar mais profundamente no conceito de queer trabalhado nessa parte do texto, é preciso que se esclareçam algumas questões: segundo LOURO (2001, p. 9), mesmo com o advento do movimento gay, primeiro nos Estados Unidos, depois no Brasil, os paradigmas de gênero nunca foram realmente questionados, pois o que o movimento gay conseguiu - até certo ponto -, foi que a comunidade gay fosse primeiro tolerada pela sociedade, e aos poucos, aceita, mas tudo dentro de um modelo binário homem/mulher. A questão central que o movimento gay usava em suas bandeiras versava sobre orientação sexual - homem que se atrai por outros homens, mulher que se atrai por outras mulheres. O conceito de orientação sexual em muito difere do conceito de identidade de gênero. Enquanto orientação sexual diz respeito a como a pessoa se orienta em relação aos seus desejos românticos e sexuais, ou seja, como o sujeito se relaciona com o outro; a identidade de gênero se refere à como a pessoa se sente em relação à ela mesma, ou seja, como a pessoa se orienta em relação ao seu próprio gênero. Uma pessoa transgênero pode ser heterossexual, inclusiva a maioria o é. Quando falamos de Teoria Queer, falamos disso: (...) Queer significa colocar-se contra a normalização – venha ela de onde vier. Seu alvo mais imediato de oposição é, certamente, a

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heteronormatividade compulsória da sociedade; mas não escaparia de sua crítica a normalização e a estabilidade propostas pela política de identidade do movimento homossexual dominante. Queer representa claramente a diferença que não quer ser assimilada ou tolerada e, portanto, sua forma de ação é muito mais transgressiva e perturbadora. A política queer está estreitamente articulada à produção de um grupo de intelectuais que, ao redor dos anos 90, passa a utilizar este termo para descrever seu trabalho e sua perspectiva teórica. Ainda que esse seja um grupo internamente bastante diversificado, capaz de expressar divergências e de manter debates acalorados, há entre seus integrantes algumas aproximações significativas. (LOURO, 2001, p.9)

Nesse sentido a teoria queer vem para quebrar padrões e negar estruturas, não por acaso uma das pensadoras da atualidade que foi uma força motriz para solidificar a teoria Butler - é considerada pelos acadêmicos como uma filósofa pós-estruturalista - se referindo à corrente de pensamento que veio depois e, obviamente, para negar o estruturalismo e sua metodologia, na qual elementos da cultura humana devem ser entendidos como parte de um sistema maior. E para finalizar a análise do conceito de identidade de gênero, presente na matéria 1, afirmo que a teoria queer é posterior ao estruturalismo, nega o mesmo, e veio realmente para desestruturar, ao se contrapor à heteronormatividade sistemática na qual vivemos. Na matéria 2 (ver figura 2), a doutora em sociologia Berenice Bento faz um relato minucioso de sua experiência trabalhando em uma unidade de saúde que realizava cirurgias de transgenitalização e contrapõe a literatura médica à sua experiência na área, além de refletir sobre o desenvolvimento dos estudos queer (ou transviados, como ela mesma nomeia) nos Estados Unidos e no Brasil. Neste texto, um conceito recorrente e que merece ser analisado com mais atenção é o de identidade de gênero, o qual citei brevemente acima. Primeiramente, é preciso que se diga que, segundo SILVA (2014), “gênero é a construção social do sexo, definido como uma caracterização anatômica e fisiológica dos seres humanos” e que suas categorias são hierarquizadas, binárias e relacionais. Hierarquizada significa que há uma classificação para cada gênero, um importa, vale mais que o outro. Nessa direção, SILVA (2014) esclarece: A hierarquização e classificação de práticas sexuais expressam a hierarquização de modelos de sexualidade. Há aqueles modelos que são considerados como ideais e, portanto, reconhecidos não apenas na sua legitimidade mas aqueles que concretizam a vigência de um padrão tido como normal. Ao mesmo tempo, tais modelos operam de forma a estigmatizar os outros modelos de sexualidade que diferem deles.

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Binária quer dizer que se divide em dois lados, duas unidades, duas faces, ou seja, homem e mulher. Relacionais importa que se relacionem entre si, “são feitos um para o outro”. Mais uma vez SILVA (2014) nos brinda com uma definição necessária para entender a ideia de gênero: “é uma categoria de análise social e, assim como a sexualidade, é concebida como uma produção da cultura”. Conhecendo um pouco melhor o conceito de gênero, podemos falar de identidade de gênero, e nesse sentido SIMÕES e FACCHINI nos esclarecem que A identidade de gênero pode ser traduzida pela convicção de ser masculino ou feminina, conforme os atributos, comportamentos e papeis convencionalmente estabelecidos para os machos e fêmeas. As identidades definem-se em termos relacionais e, enquanto categorias, podem organizar e descrever a experiência da sexualidade das pessoas. Na sociedade contemporânea, as identidades tornam-se instrumentais para reivindicação por legitimidade e respeito. As identidades são históricas e culturalmente específicas, são respostas políticas a determinadas conjunturas e compõem uma “estratégia das diferenças” (SIMÕES e FACCHINI, 2009).

Nessa perspectiva, a identidade de gênero seria a maneira como o sujeito se compreende diante de si mesmo, diante do outro e diante do mundo. Esse entendimento é intrínseco e se revela, se externa, na repetição de comportamento e atitudes próprias do gênero em questão. Quando um bebê nasce - ou mesmo antes, se a mãe fizer uma ultrassonografia - lhe é designado um gênero baseado no genital desse bebê: se nasceu com pênis, é menino; se nasceu com vagina, é menina. Nesse sentido, LOURO (2013) nos ensina: “Esse é um processo constrangido e limitado desde seu início, uma vez que o sujeito não decide sobre o sexo que irá ou não assumir; na verdade, as normas regulatórias de uma sociedade abrem possibilidades que ele assume, apropria e materializa. Ainda que essas normas reiterem sempre, de forma compulsória, a heterossexualidade, paradoxalmente, elas também dão espaço para a produção dos corpos que a elas não se ajustam. Esses serão constituídos como sujeitos “abjetos”- aqueles que escapam da norma.” (LOURO, 2013b, p. 45, 46)

Vem dessa linha de pensamento o esforço sistêmico e sistemático em presumir como patológicas as identidades trans, pois se o sujeito não se identifica com o gênero referente ao genital de nascimento, deve ter algum problema mental e por isso deve ser diagnosticado e tratado como doente mental que é. Esse é o nosso sistema público de

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saúde, que reflete nossa legislação e a cultura heteronormativa em que vivemos. É bem verdade que não apenas o nosso sistema é assim. No total, 30 estados estadunidenses contam com uma lei que permite ao dono de um hotel se opor a hospedar um transexual, e a organização Human Rights Campaing identificou mais de 200 leis estatais, aprovadas este ano nos Estados Unidos, que discriminam de alguma maneira a comunidade LGBT. Apenas em 2010 a França retirou do rol das doenças mentais a Transexualidade, mudando a legislação que diz respeito às politicas públicas de tratamento e orientação de indivíduos transexuais. De acordo com SILVA (2014), a designação de gênero se dedica a identificar como homem ou como mulher, e a orientação sexual define a atração afetivossexual por alguém de algum(ns) gênero(s). “Uma dimensão não depende da outra, não há uma norma de orientação sexual em função do gênero das pessoas, assim, nem todo homem e mulher é ‘naturalmente’ heterossexual” (SILVA, 2014). Trazendo de volta a questão da diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, vejamos: O mesmo se pode dizer da identidade de gênero: não corresponde à realidade pensar que toda pessoa é naturalmente cisgênero. Tal qual as demais pessoas, uma pessoa trans pode ser bissexual, heterossexual ou homossexual, dependendo do gênero que adota e do gênero com relação ao qual se atrai afetivossexualmente: mulheres transexuais que se atraem por homens são heterossexuais, tal como seus parceiros; homens transexuais que se atraem por mulheres também o são. (SILVA, 2014)

E com essa citação fechamos a análise do conceito presente na matéria 2, tentando esclarecer a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, pois trata-se de uma condição sine que non para entender os fundamentos da transexualidade enquanto identidade de gênero. Na matéria 3 (ver figura 3), a pesquisadora Karla Bessa reflete sobre conteúdos audiovisuais interessados na perspectiva queer, que foram produzidos paralelamente à produção de estudos feministas e de gê-nero; e afirma a importância dos estudos essa cultura, que impulsionou outras áreas a pensar a gestão das imagens ideologicamente e, posteriormente, como discurso. Neste texto, o conceito escolhido para ser esmiuçado foi o conceito de cinema queer, segmento novo que vem despontando ao longo dos últimos dez anos, majoritariamente na cena independente da indústria cinematográfica. É por esse motivo

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que, além das fontes acadêmicas, me utilizarei de fontes jornalísticas também, pois esse conhecimento vem sendo construído enquanto digito essas palavras, e muito do que vem sido construído e descoberto ainda não foi analisado pela academia. Vejamos um dos trechos em que BESSA (2016) se refere ao cinema queer - ou New Queer Cinema, como foi chamado inicialmente nos Estados Unidos: Há uma estética queer? Esta pergunta já fora formulada logo no início da criação dos festivais (estética gay) e reformu-lada a partir do debate iniciado nos anos 1990 com B. Ruby Rich, sobre o New Queer Cinema. Ainda hoje se pergunta o que foi/é novo no cinema queer. Não vejo consenso entre os diversos autores que se dispuseram a qualificar a estética ou a proposta política para um cinema queer; definir o que é seria circunscrever um potencial que pode nos surpreender. Afinal, trata-se de um campo de invenções, mais do que da indústria cinematográfica em si ou das grandes corporações midiáticas. A qualidade primordial: filmes que problemati-zem nossas convenções e verdades acerca da sexualidade e do gênero, rompendo binarismos (“homem versus mulher”, “heterossexualidade versushomossexualidade” etc).

Segundo NEPOMUCENO (2011), a cena contemporânea do Cinema Queer, que nasceu do New Queer Cinema nos Estados Unidos, é um termo apreendido da Teoria Queer e desafia o espectador a “repensar as identidades a partir do seu lugar de ambiguidade”. Uma nova geração de cineastas se destaca na construção de filmes que abordam a produção da diferença dos corpos, gêneros e sexualidades. O Cinema Queer, revela NEPOMUCENO (2011), passa a ser usado para definir “um discurso que joga com os componentes de subjetividades que são agenciadas tanto pelos modelos fixos de sexualidade, com seus processos de normatização e vigilância, como também pelo desejo, escolhas pessoais do próprio corpo e auto-referência de gênero”. Aqui mesmo no Brasil temos um belo e premiado exemplar do que seria o cinema queer, como nos mostra oportunamente LOPES (2006), senão vejamos: Madame Satã é um filme certo num momento certo. Ao retratar o famoso malandro da Lapa, cruel e rebelde, humilhado e terno, nunca vítima, temos uma emocionante e emocionada contribuição para uma outra história do Brasil, pelas suas margens e pelos seus excluídos. Alinhado com o New Queer Cinema, que procurou, nos EUA, politizar a homossexualidade incorporando questões de classe, etnia e condição periférica, sem aderir a narrativas hollywoodianas, Karim Ainouz realiza um filme sem didatismo piegas nem bom-mocismo politicamente correto. Enfocando o período antes de o protagonista assumir o nome de Madame Satã, esse filme realiza um cruzamento rico sobre o que é ser negro, pobre e homossexual no Brasil, no filão em que O bom crioulo de Adolfo Caminha tem um papel precursor, sem contudo reeditar os cacoetes cientificistas do naturalismo do século XIX.

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Dirigido pelo cineasta cearense Karim Ainouz em 2002, Madame Satã faz uma bela e sensível abordagem da vida da célebre travesti (ou mulher trans) na época chamada de João Francisco dos Santos - malandro, artista, presidiário, pai adotivo de sete filhos, negro, pobre, homossexual e frequentador do bairro boêmio da Lapa, no Rio de Janeiro - e mostra sua vida antes de se transformar no mito Madame Satã, lendário personagem da boêmia carioca. Na mesma linha de cineastas que estão construindo o Cinema Queer pelo mundo, surge o nome de Derek Jarman, conhecido como o “padrinho” do Cinema Queer no começo da década de 90, por meio deste artigo da Universidade de Sussex, na Inglaterra: Derek Jarman has been called the "godfather" of the early 1990's cinematic movement now known as "Queer Cinema". "Queer" rejects labels, challenges fixed ideas of gender and sexual identity and refuses the status of a tolerated minority, and queer imagery dominates Jarman’s cinema . Yet there has been little attention given to this rich vein in his work. This is the first book to view Jarman’s cinema through the analytical prism of "queer"12(Niall, 2008)

No extrato acima, vemos que já na década de 2000, o falecido cineasta britânico Derek Jarman produzia filmes que hoje são importantes para a filmografia queer, como A Tempestade (baseada na obra de William Shakespeare) e Edward II, que retrata a vida do rei da Inglaterra que trocou a vida conjugal com a esposa por um caso romântico com um plebeu. 3.3. Adequação das fontes ao tema Para analisar as fontes utilizadas, foram selecionadas duas fontes bibliográficas de cada matéria, já que as matérias não contam com fontes jornalísticas (entrevistados/as). Na matéria 1, fica clara a menção de dois filósofos cujas obras foram utilizadas como fontes bibliográficas: a norte-americana Judith Butler e o alemão Georg Hegel. Os trechos em que as citações foram feitas constam abaixo: A feminista norte-americana Judith Butler afirma, em Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade, de 1990, que não apenas 12

Derek Jarman tem sido chamado de "padrinho" do movimento cinematográfico do início de 1990, agora conhecido como Queer Cinema. Queer rejeita rótulos, desafia ideias de gênero e identidade sexual fixos e recusa a condição de uma minoria tolerada e imagens estranhas dominam o cinema de Jarman. No entanto, pouca atenção tem sido dada a esta veia rica em sua obra. (Niall , 2008)

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os gêneros masculino e feminino são identidades socialmente construídas, mas o sexo também. (CASTRO, 2016, p. 67)

Parece bastante natural a citação da obra de Judith Butler, já que se trata de uma das mais importantes teóricas para o tema em questão. Nesse trecho especificamente a autora da matéria se refere ao livro Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade, uma obra a qual já nos referimos neste trabalho anteriormente, e que apresenta uma crítica contundente a um dos principais fundamentos do movimento feminista: a identidade. Para Butler “não é possível que exista apenas uma identidade, de ordem metafísica, mas identidades, pensadas no plural, e não no singular. (...) Ou seja, não é possível que haja a libertação da mulher, a menos que primeiro se subverta a identidade da mulher”. (BIRMAN, 1991, p. 189). Nesse sentido a citação parece bem colocada, dentro de contexto, pois o texto de Susana Castro reflete sobre o trabalho de aprofundamento da filósofa sobre os dilemas da representatividade política do sujeito mulher, ao discutir a normatividade da ordem simbólica defendida pela psicanálise e representada pela família mononuclear. Para isso, analisa Antígona, tragédia de Sófocles. Vejamos agora a citação à Hegel feita pela autora: Na interpretação clássica de Hegel [da obra Antígona], presente em obras como a Fenomenologia do espírito, as Lições sobre a filosofia da religião e Cursos de estética, Antígona representaria a esfera familiar, privada, que deve submeter-se à esfera pública universal do Estado, representada por Creonte, para que haja uma ordem ética compartilhada por todos. Em primeiro lugar, salta aos olhos de Butler que Hegel considere Antígona a representante dos interesses familiares privados, do matriarcado que deve ceder lugar ao patriarcado-estatal, quando a situação familiar na qual vive é totalmente atípica. Ela é fruto da relação incestuosa entre Édipo e Jocasta e, além disso, na luta pelo direito a enterrar seu irmão morto, demonstra-lhe, em palavras e gestos, um amor incestuoso. Segundo a interpretação de Lacan, em Seminário 7, a peça de fato não abordaria um conflito entre duas esferas de interesses opostos, ao contrário, ambos, Creonte e Antígona, seriam vitimas de um mesmo impulso autodestrutivo inconsciente, a pulsão de morte, que os conduz para a destruição, mesmo quando desejam fazer o bem. (CASTRO, 2016, P. 16)

Hegel foi um filósofo alemão que viveu entre 1770 e 1830. Considerado por seus pares um dos mais importantes e influentes da história, é conhecido com o filósofo da totalidade, do saber absoluto. Hegel fez uma análise da obra Antígona, de Sófocles, que como quase tudo que produziu - se tornou um clássico. Foi revisto várias vezes, por

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diversos(as) pensadores(as), em momentos diferentes da história, e uma dessas visitas foi feita por Judith Butler. Uma série de conferências de Butler proferidas em universidades americanas ao longo de 1998 foram publicadas sob o título Antigone’s Claim – Kinship Between Life & Death13 e oferecem um impressionante estudo da pensadora sobre a peça de Sófocles. Nele, a autora põe em xeque as interpretações clássicas da peça, realizadas por Hegel e Lacan, e “queerifica” Antígona, isto é, mostra como a ação, da filha-irmã-“amante” de Édipo, de enterrar seu irmão-sobrinho-“amante”, Polinice, coloca-a fora da representação política, sexual e social normativa; na verdade, situa-a nos limites (entre “a vida e a morte”) da política. Ela não representa/reivindica o direito abstrato de enterrar um membro qualquer de sua família que tenha sido considerado um traidor da cidade, mas sim o direito de agir como representante de uma única pessoa morta, seu irmão, o qual ninguém poderia substituir, visto seus pais terem morrido (vv. 908-911, de Antígona, tradução de Donald Schüller, LP&M, 2006).

Dessa forma, a citação à Hegel entra para esclarecer que foi sobre sua obra que BUTLER construiu sua crítica, No contexto na matéria de CASTRO, a citação de ambos BUTLER e HEGEL é imprescindível para o bom entendimento da matéria, motivo pelo qual as referências são muito pertinentes. Na matéria 2, a autora Berenice Bento não faz referência a nenhum(a) teórico(a) sequer, mas se refere aos Estudos Queer de uma forma geral. Dessa forma, tomarei a liberdade de citar duas mulheres, teóricas queer e brasileiras, ambas muito importantes para a construção do pensamento queer no século XXI, no Brasil e na América Latina: Guacira Lopes Louro e Larissa Pelúcio. Guacira Lopes Louro é referência nacional em estudos de gênero, pois além de fundadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da UFRGS, tem publicado livros, artigos e capítulos, bem como orientado dissertações e teses sobre questões de gênero, sexualidade e teoria queer em articulação com o campo da Educação. Suas pesquisas atuais voltam-se para estudos queer, cinema e pedagogias da sexualidade, segundo informações da plataforma Lattes. Uma de suas obras mais celebradas - e que serve de base para trabalhos acadêmicos - é “Gênero, Sexualidade e Educação - Uma perspectiva pós-estruturalista”, em que enfoca algumas questões centrais das práticas educativas da atualidade. “A produção das 13

A reivindicação de Antígona – relações de parentesco entre a vida e a morte

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diferenças e das desigualdades sexuais e de gênero, em suas articulações com outros ‘marcadores sociais’, como raça, etnia, classe, é analisada pela autora, numa perspectiva que busca referências nas teorizações pós-estruturalistas” (LOURO, 2016). É por conta de pessoas como a Professora Guacira Louro que os estudos queer vem avançando - ainda que timidamente - no Brasil e na América Latina. Outra referência importante é Larissa Pelúcio, professora de Antropologia e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu (UNICAMP), além de Doutora em Ciências Sociais. Tem desenvolvido pesquisas que abordam temas como gênero, sexualidade, saúde e mídias digitais, a partir de diálogos com a teoria queer, as epistemologias feministas e os saberes subalternos. É autora de vários livros, entre os quais “Discursos Fora da Ordem”, em parceria com Richard Miskolci - outro importante teórico da área. É líder do grupo de pesquisa “Transgressões: corpos, gêneros, sexualidades e mídias contemporâneas”. Na matéria 3, BESSA (2016) se utiliza dos conhecimentos das pensadoras feministas Laura Mulvey e Jane Ganes. Os extratos das referências podem ser conferidos abaixo. Começamos por Laura Mulvey: No entanto, a ótica dessas primeiras incursões pressupunha um foco, praticamente universalizado: a maneira clássica de pensar gênero como uma relação entre homens/mulheres, ainda que pluralizando a categoria mulher, mantendo pressupostos básicos da divisão entre sexo/gênero. Os efeitos dessa perspectiva no interior da análise cinematográfica foram questionados, por exemplo, em pesquisas que mostravam o limite de categorias co-mo male gaze (olhar masculino), formulada por Laura Mulvey, que não previa a possibilidade de haver na audiência desejos con-siderados masculinos por parte de mulheres lésbicas. O prazer de olhar e a fascinação com o corpo feminino em seus possíveis contornos poéticos e eróticos não era uma prerrogativa apenas de homens, muito menos seguia a mesma lógica voyeurística. No final dos anos 1980, Jane Ganes escreveu uma importante crítica, sugerindo que pensar as opressões relativas a preferências sexuais extrapola as críticas marxistas aos mecanismos fetichis-tas do capitalismo, em especial, ao modo de analisar a indústria cultural. Seu interesse, naquele momento, era construir uma visão que possibilitasse perceber onde e como a racialização de corpos (negros, latinos, asiáticos) interceptava e produzia reiteradas conexões relativas às hierarquizações da organização da sexualidade, para além da desigualdade de gênero. (BESSA, 2016, p.)

Laura Mulvey é uma crítica cinematográfica e feminista britânica, que - entre muitas outras coisas - desenvolveu o conceito de male gaze, como sendo o olhar do homem

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que tem poder e que desapossa quem é olhado, salientando‑ se também a dimensão do olhar colonizador, segundo STURKEN e CARTWRIGHT (2001, p. 76). No contexto dessa citação, e considerando o que foi colocado no parágrafo anterior14, a utilização da referida fonte mostra-se muito propícia, pois a análise oferecida por Mulvey cai com uma luva na reflexão de BESSA (2016) sobre a análise fílmica interessada na perspectiva queer.

Vejamos agora a passagem onde BESSA (2016) se refere à Jane Ganes: O prazer de olhar e a fascinação com o corpo feminino em seus possíveis contornos poéticos e eróticos não era uma prerrogativa apenas de homens, muito menos seguia a mesma lógica voyeurística. No final dos anos 1980, Jane Ganes escreveu uma importante crítica, sugerindo que pensar as opressões relativas a preferências sexuais extrapola as críticas marxistas aos mecanismos fetichis-tas do capitalismo, em especial, ao modo de analisar a indústria cultural. Seu interesse, naquele momento, era construir uma visão que possibilitasse perceber onde e como a racialização de corpos (negros, latinos, asiáticos) interceptava e produzia reiteradas conexões relativas às hierarquizações da organização da sexualidade, para além da desigualdade de gênero. (BESSA, 2016, p. 26)

Jane Gaines é uma premiada autora de dois livros: Contested Culture: The Image, the Voice and the Law15 e Fire and Desire: Mixed Race Movies in the Silent Era16, sendo que ambos receberam um importante prêmio - o Katherine Singer Kovacs - da Sociedade de Cinema e Estudos de Mídia dos Estados Unidos. Produz principalmente conteúdo sobre propriedade intelectual e pirataria, a teoria documental e radicalismo, o feminismo e cinema e moda e cinema. Leciona na Universidade de Duke, onde fundou o programa de cinema. No artigo de Ganes intitulado White Privilege and Looking Relations: Race and Gender in Feminist Film Theory17, a autora reconhece o apagamento da categoria racial nos estudos de cinema e defende que para entender como gênero se cruza com raça e classe nos filmes, é necessário incluir outras teorias feministas à uma abordagem histórica da teoria feminista do cinema, de acordo com FERREIRA (2014).

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Os primeiros estudos feministas na área da crítica cinematográfica são dos anos 70 e levantaram pergun-tas sobre quem produz, para qual audiência e como utilizam os recursos técnicos e culturais para construir uma imagética e narrativa fílmica. Questionaram a presunção de valores e as atribuições de relação causal direta entre atividade/passivida-de e masculinidades e feminilidades de modo estereotipado. Esses estudos analisaram estruturas narrativas que mascaram , infantilizam e/ou idealizam mulheres e homens e suas respec-tivas sexualidades. 15 Cultura Contestada: A Imagem, A Voz e A Lei (tradução livre) 16 Fogo e Desejo: Filmes de Raças Misturadas na Era Silenciosa (tradução livre) 17 Privilégio branco e observando relações: Raça e Gênero na Teoria do Cinema Feminista (tradução livre)

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3.4. Edição do material Para fazer a análise da edição do material, definimos os itens da seguinte maneira: título, subtítulo, autora, fotografias e legendas, diagramação, tamanhos e cores utilizadas nas matérias. Vamos começar pela matéria 1, seguida das demais. A matéria 1 é intitulada “Queerificando Antígona”, seguida do subtítulo “Com a leitura das peças de Sófocles, Butler desmonta a tese psicanalítica acerca da origem da ordem simbólica a partir do complexo de Édipo”, escrita por Suzana de Castro, professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No que concerne às imagens, a matéria tem apenas uma foto, cuja legenda é “Frederic Leighton, Antígona, 1852”. Segundo ARSCOTT e SMITH (1999) trata-se da reprodução de uma imagem de Antígona - figura da mitologia grega e filha do casamento incestuoso de Édipo e Jocasta -, por Frederic Leighton, também conhecido como Sir Frederic Leighton, pintor e escultor inglês nascido na primeira metade do século XIX.

Antígona, Frederic Leighton, 1882 (figura 1)

Mas existe um motivo para a utilização dessa imagem na matéria, e essa razão é a ligação histórica da personagem com o feminismo histórico, e com o auxílio de SILVA (2004. p. 187), explico: Após a morte de Édipo Rei, suas filhas, Antígona e Ismene retornaram à cidade de Tebas onde os irmãos Etéocles e Polinices disputavam o trono. O acordo político feito entre os dois irmãos definia que eles se

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revezariam no poder por períodos de um ano. Etéocles seria o governante no primeiro ano e Polinices no segundo, e assim sucessivamente. Após o período de um ano, o acordo de revezamento entre os irmãos não aconteceu, pois Etéocles não cumpriu sua parte no acordo e não passou o governo às mãos do irmão. Etéocles e Polinices terminam mortos, um pela mão do outro. Tebas, passa então, a ser governada por Creonte, que determina: para Etéocles um funeral com todas as homenagens cabíveis a um ex-governante tebano, visto que ele morreu lutando por sua cidade; e para Polinices, que era considerado um traidor, condenou-o a não ser sepultado, prometendo a morte a quem o enterrasse e desobedecesse assim, a lei dos homens. Antígona, desrespeitando essa lei, enterra o irmão traidor, sem a ajuda da irmã Ismene. Para Leiria (2003, p. 2) “criase, dessa maneira, um conflito existencial entre as irmãs Antígona e Ismene, pois Antígona defende que a lei dos deuses deve prevalecer (lei do óikos) e Ismene crê que a lei dos homens (lei da polis) pode sobreporse a dos deuses”. Antígona resolveu enterrar o irmão, mesmo que para isso pagasse com a própria vida. Hêmon, noivo de Antígona e filho de Creonte, decidiu suicidar-se em frente ao túmulo da noiva, que fora condenada pelo tirano Creonte a ser enterrada viva. Eurídice, mãe de Hêmon e mulher de Creonte, também decidiu pelo suicídio após a morte do filho.

Desta forma, Antígona ousou confrontar as ordens impostas pelo governante Creonte, mesmo sabendo que poderia pagar com a própria vida. Por esse motivo, Antígona passou a ser admirada e sua imagem utilizada nos materiais produzidos pelas feministas do mundo inteiro pelo menos desde o começo do século XIX, de acordo com SILVA (2004). Em relação à diagramação, a matéria foi dividida em quatro páginas. Na primeira página consta o título, o subtítulo, o nome da autora e a primeira parte do texto em uma coluna apenas, além da legenda da foto da página 2; na segunda página, a única foto da matéria e mais uma parte do texto dividida em duas colunas; na página 3, mais uma parte do texto dividida em duas colunas; e na página 4, a última parte do texto dividida em duas colunas. No que diz respeito ao tamanho, a matéria conta com 13.307 caracteres (sem espaços são 11.208). No item cores, vejamos: a única foto da matéria é impressa em preto e branco, no mais, a primeira página do texto é impressa com letras pretas no fundo branco, nas segunda e terceira páginas, texto com letras brancas sobre fundo cor de rosa, e na quarta página, texto com letras pretas no fundo branco. A matéria 2 tem como título “Queer o quê? Ativismo e estudos transviados”, seguido do subtítulo “A literatura que dispunha em português considerava as experiências trans como expressões de subjetividades transtornadas”, produzida por Berenice Bento,

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Doutora em Sociologia pela UnB. Concernente às fotografias e legendas, a matéria tem três fotos, com as legendas que seguem. Na foto 1 (figura 2) consta uma foto da série Feminine Identities da fotógrafa canadense Laurence Philomène. Na foto 2 (figura 3) podemos ver The kiss (1927), desenho do poeta e dramaturgo Federico García Lorca, morto pelas tropas de Franco em 1936 por sua posição política e homossexualidade; e na foto 3 (figura 4) lemos “Crossdressers em um clube de Pittsburgh, na Pensilvania (EUA), 1955, fotografados por Charles “Teenie” Harris”.

Feminine Identities, de Laurence Philomène (figura 2)

The kiss, Federico García Lorca, 1927 (figura 3)

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“Crossdressers em um clube de Pittsburgh, na Pensilvania (EUA), 1955, fotografadas por Charles “Teenie” Harris” (figura 4)

No quesito diagramação, percebemos que a matéria foi dividida em 5 páginas. Na primeira página consta o título e uma foto colorida; na segunda página, o subtítulo e a primeira parte do texto dividida em duas colunas; na página 3, uma foto colorida com legenda e parte do texto dividido em duas colunas; na página 4, parte do texto dividido em duas colunas; e na última página (5), uma foto preto e branco com legenda e a última parte do texto dividido em duas colunas. No que diz respeito ao tamanho, a matéria conta com 14.715 caracteres (sem espaços são 12.474). No item cores, conferimos que a matéria é impressa em fundo branco, com as letras em preto. Na última matéria, a 3, lemos o título “A Teoria Queer e os desafios às molduras do olhar”, e o subtítulo “Os primeiros estudos feministas na área da crítica cinematográfica datam dos anos 1970 e abalaram o modo de pensar o filme”, redigida por Karla Bessa, Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas e Pesquisadora Nível C da Universidade Estadual de Campinas. Na parte das imagens, notamos que a matéria conta com 1 mosaico de retratos, 8 fotos e 1 cartum, com as legendas que seguem. O mosaico possui a seguinte legenda: “Selfportrait, projeto de retratos de Andy Warhol travestido de mulher. Ensaio em polaroide de Christopher Makos, 1981”.

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Na foto 1 (figura 5) lê-se “Final dos anos 1950 na Casa Susanna, sociedade secreta onde era possível romper os papeis de gênero tradicionais da época” e a legendas das fotos 3 (figura 7) e 4 (figura 8) é: “acima e à esquerda, frequentadores da Casa Susanna”

A respeito das fotos cujas legendas constam acima, as mesmas foram feitas na Casa Susanna, que segundo KURTZ (2014), era um refúgio em Catskills, no estado de Nova Iorque (EUA), para homens que queriam se vestir e se comportar como as mulheres da época, em detrimento de sua obrigação social de ser viris, gostar de carros, filmes de guerra, violência, etc. Em vez disso, faziam seus drinks, jogavam cartas, usavam vestidos, enfim. O que eles talvez não soubessem, é que estavam criando ali uma incrível vivência transgênera em plena década de 1950. As limitações de gênero impostas por uma sociedade que enxerga a diversidade como aberração não incomodam só agora, mas desde sempre – e a Casa Susanna é prova disto. O próprio New Your Times, renomado jornal estadunidense, produzido em Nova Iorque, publicou uma matéria intitulada A Safe House for the Girl Within18, tratando da Casa Susanna e descrevendo brevemente o perfil dos frequentadores (as), conforme vemos abaixo: THERE was a pilot and a businessman, an accountant, a librarian and a pharmacologist. There was a newspaper publisher, and a court translator. By day, they were the men in the gray flannel suits, but on the weekends, they were Felicity, Cynthia, Gail, Sandy, Fiona, Virginia and Susanna. It was the dawn of the 1960’s, yet they wore their late 50’s fashions with awkward pride: the white gloves, the demure dresses and low heels, the stiff wigs. Many were married with children, or soon would be. In those pre-Judith Butler, pre-Phil Donahue days, when gender was more tightly tethered to biology, these men’s “gender migrations,” or “gender dysphoria,” as the sociologists began to call cross-dressing, might cost them their marriages, their jobs, their freedom19. (GREEN, 2006)

Abaixo da foto 2 (figura 6), vê-se um casal de lésbicas fotografado por Brassai (Gyula Halasz), em 1932, no “submundo parisiense”. ; e nas fotos 5 (figura 9), 6 (figura 10)

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Uma casa segura para a mulher que mora dentro

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Tinha um piloto e um homem de negócios, um contador, um bibliotecário e um farmacologista. Tinha um editor de jornal, e um tradutor do tribunal. De dia, eles eram homens de ternos de flanela cinza, mas nos fins de semana, eles eram Felicity, Cynthia, Gail, Sandy, Fiona, Virginia e Susanna. Era o começo da década de 1960, mas eles usavam a moda do final dos anos 50 com um estranho orgulho: as luvas brancas, os vestidos recatados e saltos baixos, as perucas duras. Muitos eram casados e com filhos, ou logo seriam. Naqueles dias pré- Judith Butler, pré- Phil Donahue, quando o gênero era mais firmemente amarrado a biologia, esses homens que "migravam de gênero", ou tinham "disforia de gênero", e que começaram a ser chamados de cross-dressing pelos sociólogos, podiam perder seus casamentos, seus empregos, sua liberdade.

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e 7 (figura 11), lê-se: “de cima pra baixo: Milton Gonçalves em A Rainha Diaba (1974), de Antônio Carlos da Fontoura; Ana Beatriz Nogueira em Vera (1986), de Sérgio Toledo; e Helena Ignez em A mulher de todos (1969), de Rogério Sganzerla”; e a foto derradeira, 8, traz a seguinte legenda: “Fotografia de Alair Gomes, crítico de arte carioca conhecido principalmente pelos retratos de nu masculino tirados entre os anos 1970 e 1980”. A legenda do cartum é: “Cartum de Laerte Coutinho que discute a impossibilidade de classificar os seres humanos em limitações de gêneros binários: exclusivamente femininos ou masculinos”.

(figura 5)

(figura 6)

(figura 7)

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(figura 8)

(figura 9)

(figura 10)

(imagem 11)

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No que diz respeito à diagramação, a matéria foi dividida em 7 páginas. Na primeira página, apenas o título, o mosaico de retratos e a legenda; na segunda página, o subtítulo, o nome da autora e a primeira parte do texto dividida em duas colunas; na página 3, as fotos 1, 2, 3 e 4 organizadas em forma de mosaico; na página 4, mais uma parte do texto dividido em duas colunas; na página 5, uma coluna de texto do lado esquerdo, e as fotos 5, 6 e 7 organizadas em coluna do lado direito; na página 6, duas colunas de texto e a maior parte da foto 8; e finalmente, na página 7, a parte final do texto e o cartum. No quesito tamanhos, a matéria possui 17.203 caracteres, ou 14.581, se não considerarmos os espaços. E ao considerar as cores da matéria, percebemos que a mesma é impressa em fundo branco, com as letras em preto. O cartum e a totalidade das fotos são coloridas, com exceção das fotos 2, 7 e 8. Ranking de palavras mais recorrentes no texto: na busca por um aplicativo que pudesse auxiliar na produção do ranking de palavras, encontrei este em formato em nuvem de palavras, onde a palavra maior é mais recorrente, e a menor a menos recorrente, com as óbvias graduações entre elas. Não foi uma surpresa que as palavras mais presentes tenham sido queer, gênero e trans, pois tratam-se de palavras chaves nas ideias discutidas na presente análise de conteúdo.

(imagem 12)

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1. Gênero Nenhuma surpresa no primeiro lugar do ranking. Com um tema e objetos como os analisados nesse trabalho, é mais do que esperado que a palavra mais citada no texto seja “gênero”, e aqui aproveito a oportunidade para reforçar alguns conceitos de gênero, por diferentes autores. Para ARRUDA (2002), “gênero é uma categoria relacional, na qual, ao se levar em conta os gêneros em presença, também se consideram as relações de poder, a importância da experiência, da subjetividade, do saber concreto”. Já para SENKEVICS (2010) Gênero seria, portanto, todos os aspectos socioculturais, construídos historicamente, que poderiam residir sobre um indivíduo. A título de exemplo, gênero compreenderia os comportamentos, as preferências, os interesses, as formas de se vestir, andar e falar, relacionadas a ‘ser homem’ e ‘ser mulher’. Todos esses aspectos seriam simplesmente somados a um corpo que, por estar preso à “natureza humana”, é imutável, fixo e bipolar, separando o masculino do feminino.

E concluímos com BUTLER (1991), nossa autora base para o tema da Teoria Queer, que nos diz que o “gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado, (…) tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos”. (BUTLER, 2010, p. 25). Com esses três conceitos encerramos vários dos sentidos que foram utilizados nos três textos apresentados. 2. Queer A segunda palavra do ranking é queer, nome que designa uma das teorias mais citadas no presente trabalho. Antes que finalizemos a exposição da presente teoria, é importante frisar mais uma vez que os estudos queer podem ser considerados uma teoria subaterna. Conforme nos explicam MATTELART e NEVEU (2004), a “Teoria Queer (...) faz parte de um conjunto que podemos chamar de teorias subalternas, que fazem uma crítica dos discursos hegemônicos na cultura ocidental”. Segundo GRAMSCI (1985), essas teorias designava grupos sociais submetidos ao domínio de uma potência estrangeira, cuja subordinação se mantinha mesmo após a descolonização, são aqueles cuja voz não é audível no sistema capitalista.

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O fato da Teoria Queer ser uma Teoria Subalterna é uma questão fortemente presente, diz muito a respeito do(s) objeto(s) de estudo dos estudos queer. 3. Trans Transgênero, transexual, trans. A terceira e última palavra do ranking designa a ideia do corpo que abriga gênero e sexo numa disposição diferente do que reza a heteronormatividade. Vamos recordar a definição encontrada no site FTM Brasil20, que diz que transexualidade é a “condição em que uma pessoa se identifica como sendo do gênero oposto ao sexo refletido pelo corpo (sexo psicológico oposto ao sexo biológico)”, ou seja, um homem transexual é uma pessoa que pertence ao gênero masculino, embora tenha nascido com o genital feminino; e uma mulher transexual é uma pessoa que pertence ao gênero feminino, embora tenha nascido com corpo masculino. Não posso deixar de fazer uma ressalva: quando se lê na definição acima “como sendo do gênero oposto ao sexo refletido”, que fique claro que a palavra “oposto” se refere à uma condição imposta pela heteronormatividade, que determina que sexo e gênero devem ser iguais. Não sendo, devemos usar a palavra “oposto” para deixar clara a irregularidade da condição.

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site brasileiro que trata de temas afetos à transexualidade.

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4. Considerações Finais Depois de mais de 50 páginas e muita reflexão tanto sobre comunicação e jornalismo, quanto sobre gênero e teoria queer, e tudo o que está entre uma coisa e outra, chego ao final deste trabalho. Aprendi muita coisa nova e vibrante, e solidifiquei conceitos com os quais já tinha tido acesso durante minhas leituras feministas e de gênero de uma forma geral. Encontrei base ideológica concreta para me aproximar mais de determinadas vertentes, e me afastar mais de outras, dependendo da minha própria base ideológica. Ao olhar pra trás e reler os objetivos, tento agora responder cada um deles. Considerando o objetivo geral, analisar a representação da transexualidade no jornalismo impresso (revista de circulação nacional), acredito que o atingi com razoável sucesso: ao longo do terceiro capítulo esmiucei alguns conceitos e fiz uma breve análise dos temas e circunstâncias presentes. Digo “breve” porque os principais temas tratados neste trabalho jornalismo, gênero, comunicação, transexualidade - são vastos e tem centenas de vertentes. Em um trabalho tão curto posso apenas olhar pelo buraco da fechadura e perceber algumas sombras, que apesar de sombras, já iluminam e elucidam uma parte importante do processo de compreensão de um objeto que está sendo estudado: a parte conceitual, que nos permite definir o que aquele sujeito é ou não é, e a partir daí poder se aprofundar cada vez mais na compreensão das questões que envolvem o sujeito. Quanto aos objetivos específicos, são os seguintes: 1. Refletir sobre os modos de construção das notícias; 2. Analisar, por meio da análise de conteúdo, o modo como jornalistas tratam a temática e; 3. Identificar a relação entre a representação jornalística e a teoria queer. Vamos ao primeiro objetivo: consegui refletir sobre os modos de construção das notícias? Creio que sim, pois após repetidas leituras, contagem e divisão de parágrafos por subtema, marcação das palavras mais frequentes, pausas na leitura para buscar as referências citadas no texto, entre muitas outras incursões próprias do processo de análise de um objeto, creio que esclareci pelo menos uma parte ou uma perspectiva no que diz respeito à construção da matéria. Em segundo lugar, examinei, por meio da análise de conteúdo, o modo como jornalistas tratam a temática? Sim, pois ao utilizar a tabela (apêndice 1) para sistematizar a informação, consigo perceber como se move a curva de adição e variação de informação ao texto, conseguindo identificar de forma razoável o discurso contido nas palavras dos

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profissionais que assinam as matérias, e também obviamente, do veículo que edita a presente publicação. Por último, consegui identificar a relação entre a representação jornalística e a teoria queer? Acredito que sim, pois ao longo do terceiro capítulo acredito ter feito uma breve porém concisa explanação de como o tema está representado jornalisticamente nas matérias.

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LOPES. Denihon. CINEMA E GÊNERO in História do Cinema Mundial. Organização de Fernando Mascarello. 2006. Acessado em 23.05.2016 no link: http://sescse.com.br/cinema/historia+do+cinema+mundial.pdf MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, 1999. NEPOMUCENO, Margarete. O Colorido Cinema Queer: onde o desejo subverte imagens. Universidade Federal Da Paraíba-UFPB. Acessado em 17.05.2016 no link: http://itaporanga.net/genero/gt6/13.pdf PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005. REVISTA CULT, Perfil editorial disponível no site, Acessado em 16.06.2016 no link: http://revistacult.uol.com.br/home/quem-somos/anuncie/ . RICHARDSON, Niall. The Queer Cinema of Derek Jarman: Critical and Cultural Readings. I.B. Tauris. ISBN 978-1-84511-537-1. Acessado em 10.05.2016 em http://sro.sussex.ac.uk/28789/ RODRIGUES, Carla. Revista Estudos Feministas, vol.13, no.1. Florianópolis. Jan/Apr 2005. SENKEVICS, Adriano Souza. De onde surgiu gênero? Acessado em 16.06.2016 no link: https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2011/10/11/de-onde-surgiu-genero/ SOUSA, Jorge Pedro. As notícias e seus efeitos. Coimbra: Minerva, 2000. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. 261p. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo. Florianópolis: Insular, 2004. Vol. I. VIEIRA, Helena. Teoria Queer, o que é isso? Acessado em 31.05.2016 em: www.revistaforum.com.br/osentendidos/2015/06/07/teoria-queer-o-que-e-isso-tensoesentre-vivencias-e-universidade WOLTON, Dominique. Pensar a Comunicação. Algés, Portugal: Flamarion. 2004.

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Lista de Figuras Figura 1 - Antígona, Frederic Leighton, 1882............................................................p. 44 Figura 2 - Feminine Identities, de Laurence Philomène.............................................p. 46 Figura 3 - The kiss, Federico García Lorca, 1927......................................................p. 46 Figura 4 - Crossdressers em um clube de Pittsburgh, na Pensilvania (EUA), 1955, fotografados por Charles “Teenie” Harris................................................................ p. 47 Figura 5 – Final dos anos 1950 na Casa Susanna, sociedade secreta onde era possível romper os papeis de gênero tradicionais da época......................................................p. 49 Figura 6 – Casal de lésbicas no submundo parisiense, 1932, Brassai........................p. 49 Figura 7 – Frequentadoras da Casa Susanna..............................................................p. 49 Figura 8 - Frequentadoras da Casa Susanna...............................................................p. 50 Figura 9 - Milton Gonçalves em A Rainha Diaba (1974), de Antônio Carlos da Fontoura......................................................................................................................p. 50 Figura 10 - Ana Beatriz Nogueira em Vera (1986), de Sérgio Toledo.......................p. 50 Figura 11 - Helena Ignez em A mulher de todos (1969), de Rogério Sganzerla........p. 50 Figura 12 – Nuvem de palavras gerada no site wordle.net em 11.06.2016................p. 51

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Anexos e Apêndices: Anexo 1: Matéria 1 1. Título: “Queerificando antígona” 2. Subtítulo: Com a leitura das peças de Sófocles, Butler desmonta a tese psicanalítica acerca da origem da ordem simbólica a partir do complexo de Édipo. 3. Autora: Suzana de Castro Anexo 2: Matéria 2 1. Título: “Queer o quê? Ativismo e estudos transviados” 2. Subtítulo: A literatura que dispunha em português considerava as experiências trans como expressões de subjetividades transtornadas. 3. Autora: Berenice Bento Anexo 3: Matéria 3 1. Título: “A Teoria Queer e os desafios às molduras do olhar” 2. Subtítulo: Os primeiros estudos feministas na área da crítica cinematográfica datam dos anos 1970 e abalaram o modo de pensar o filme. 3. Autora: Karla Bessa Apêndice 1: Tabela 1 - Análise de Conteúdo

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