“A Resistência à Teoria” - Uma Leitura de Paul de Man

July 27, 2017 | Autor: M. Gonçalves | Categoria: Literary Criticism, Teoría Literaria, Paul de Man, Estudos Literários
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Descrição do Produto

Universidade do Porto Faculdade de letras

Mestrado em Teoria da Literatura Confronto de Paradigmas 2003 / 2004

(Resistindo à) “A Resistência à Teoria”

de Paul de Man

Marivalda Lucienne da Cruz Gonçalves

1 0. Introdução: O presente texto surge como uma tentativa de “leitura” do ensaio “A Resistência à Teoria”, de Paul

de

Man,

iniciaremos

almejando

por

uma

uma

reflexão

compreensão acerca

da

dos sua

princípios concepção

subjacentes

de

linguagem

ao (e

texto

damaniano,

literariedade)

em

articulação com a “radicalidade da leitura” (a necessária tensão interna entre os constituintes: “gramática” e “retórica”), passando para a análise do(s) sentido(s) da resistência à teoria,

e,

por último, a respectiva articulação da literatura com o conhecimento do mundo (“a arremetida epistemológica da dimensão retórica”). Porquê o título “ (Resistindo à) A Resistência à Teoria”? Como refere Goldzich “a resistência é uma propriedade do referente (...) que permite a este referente tornar-se o objecto de conhecimento do sujeito que somos”1. Tomamos assim a acepção técnica do termo (resistindo) como forma de enunciar o nosso propósito que é, fundamentalmente cognitivo (compreensivo). Assim, a resistência que o próprio ensaio nos oferece surge como elemento constitutivo da nossa “leitura” enquanto processo cognitivo que subjaz a qualquer tentativa de compreensão. Resistindo, numa primeira instância à resistência que advém do facto de falarmos da linguagem com linguagem 2 e, numa segunda instância, resistindo à própria resistência que nos oferece a linguagem damaniana, partiremos da sua concepção de linguagem literária em articulação com a sua proposta de uma “leitura retórica”. Seguidamente passaremos à análise do(s) sentido(s) da resistência à teoria, e por fim,

veremos qual a relação da

literatura com o conhecimento do mundo (e do homem), o que pressupõe, desde logo que, contrariamente a algumas críticas feitas à sua teoria,

Paul de Man não nega a dimensão

referencial da linguagem (conteúdo semântico). De acordo com Paul de Man as metodologias linguísticas são aquelas que melhor se conseguem ajustar “à verdade do seu objecto” sendo por isso mesmo que ambas compartilham algo que se define como “literariedade”3 (e que se tornou o objecto da teoria literária). É o que acontece com

o

estruturalismo

e

a

semiologia,

cujas

abordagens

assumem

um

mérito

reconhecido,

considerando-as como teorias literárias genuínas, na medida em que fundamentam as suas análises, não em considerações de carácter histórico ou estético mas sim nos princípios da linguística de raiz

saussuriana

com

a

respectiva

introdução

da

terminologia

linguística 4

nos

literários, acontecimento que, nas suas palavras inaugura “o advento da teoria (...)

estudos e que a

5

aparta da história literária e da crítica literária” . Por outro lado, a sua refutação das metodologias estruturalistas, advém da redução que as mesmas efectuam dos textos literários ao seu código, à estrutura, ou gramática, procurando atingir uma explicação

1

sistemática

e

globalizante,

passando

(sem

dificuldade

aparente)

das

estruturas

Cf. “A Resistência à Teoria,” Introdução de Wlad Godzich, (1989:13) Como refere de Man, é a resistência da linguagem à linguagem que fundamenta todas outras formas de resistência. 3 Daí que Paul de Man, nas suas investigações não estabeleça uma diferenciação entre a linguagem crítica (teórica) e literatura. 4 Cf. “A Resistência à Teoria,” “Por terminologia linguística entende-se uma terminologia que designa a referência antes de designar o referente (...) considera a referência como uma função da linguagem e não necessariamente como uma intuição.”, (1979:28/29) 5 Ibidem, (1979:28) 2

2 gramaticais para as estruturas retóricas como se não existisse discrepância entre elas6. Por oposição, as metodologias de tipo pós-estruturalista, nomeadamente o tipo de análise proposta por Paul de Man, partem da consciência de que os mecanismos do próprio texto subvertem qualquer tentativa de se atingir um conhecimento sistemático e totalitário. Neste sentido todo o processo de “leitura retórica” tem em atenção as contradições internas do texto, a tensão entre os dois pólos: a gramática (sentido literal) e a retórica (sentido figural), gerando uma “oscilação”, uma “indeterminação” permanente em todo o processo de leitura. É este índice de disrupção interna que inviabiliza a percepção do texto como uma “unidade orgânica”. Paul de Man postula e adopta uma abordagem pragmática, já que, no seu entender “se a condição de existência de uma entidade é em si mesma crítica, então a teoria desta entidade cai forçosamente no pragmático”7, em outros termos, se a própria dimensão ontológica do seu objecto (o que é a literatura?) é já por si problemática, a teoria (que tem uma função cognitiva da literatura) irá comportar “necessariamente uma dimensão pragmática que a pode enfraquecer como teoria, mas que acrescenta um elemento subversivo de imprevisibilidade e a torna um pouco como uma carta desemparelhada

no

sério

jogo

das

disciplinas

teóricas”8.

Este

carácter

“subversivo

de

imprevisibilidade” da teoria é gerador de ansiedade e, como tal tende a ser evitado (ignorado) pela adopção de estratégias diversas, como por exemplo a redução da dimensão figural à gramática (que não instaura qualquer ruptura entre a lógica e consequente articulação com o mundo fenomenal)

ou

ainda,

e

convocando

Derrida,

uma

estratégia

que

passa

pela

redução

ou

neutralização da estruturalidade da estrutura que consiste na sua atribuição de um “centro ou em referi-la a um ponto de presença, a uma origem fixa”, (fechamento da estrutura) como forma de dominar essa ansiedade que “resulta sempre de um certo modo de estar envolvido no jogo, de estar, por assim dizer, desde o princípio em jogo no próprio jogo” 9. Entende-se nesta mesma linha, o apagamento do sujeito pelas

metodologias estruturalistas, a favor de um ponto de vista

enquanto estratégia que garanta ao método a sua permanência no âmbito da racionalidade10. Assim sendo, o propósito de Paul de Man é, não propriamente o de apresentar uma metodologia que venha colmatar as dificuldades e “cegueira” apontadas às metodologias anteriores (o que parece ser prática corrente entre os teóricos da literatura), mas sim em “determinar o que no empreendimento teórico em si, o cega para a radicalidade da leitura”11.

6

Cf. “Alegorias da Leitura” (1979:17/35) Cf. “Resistência à Teoria” (1989:25) 8 Ibidem, (1989:28) 9 Cf. “Estrutura, Signo e Jogo no Discurso das Ciências Sociais”, In “A Controvérsia Estruturalista” (1970: 260/284) 10 Estratégia que segundo de Man se revela falaciosa na medida em que “é impossível falar de um texto como funcionando estrategicamente sem projectar nele a metáfora de um sujeito ou de uma consciência intencional”. (1971:309) 11 Cf. “Resistência à Teoria”, introdução (1989:11) 7

3 1. Linguagem e literariedade: (A radicalidade da leitura) “A linguagem não pode falar das leis da linguagem senão em linguagem que se desqualifica como conhecimento no momento em que se postula como linguagem”. (Hillis Miller, In “A Ética da Leitura”, p.77)

As abordagens linguísticas do texto literário, particularmente a partir dos estudos de Saussure (e, posteriormente de Benveniste), como é o caso da semiologia, destacam-se pela sua crítica da linguagem, entendida, desta feita como “um sistema de signos e de significação em vez de um modelo estabelecido de sentidos”, o que concorre para a superação das limitações referenciais que caracterizavam as teorias miméticas (representativas) e expressivas da literatura (como expressão de uma interioridade), passando as análises da literatura a fundamentar-se em aspectos linguísticos, o que releva de uma forte consciência da discrepância entre a linguagem e o mundo fenomenal12. Destaca-se neste âmbito, os estudos de Benveniste que, ao debruçar-se sobre o funcionamento da deíxis, enquanto mecanismo que permite a “ancoragem” do discurso, acabou por desmascarar o “mito da referencialidade linguística”, isto é, pôs em relevo a mencionada discrepância entre a linguagem e o mundo fenomenal. Tal não significa que se passe a negar a dimensão referencial da linguagem, o que importa compreender é que, numa primeira instância a linguagem referencia ela mesma, sendo este “acto de referência inaugural” que abre um espaço que permite todas as outras formas de referência”

13

.

Contudo, como assinala Paul de Man, a dificuldade e problemática inerentes à tentativa de teorização da linguagem (verdadeiro enigma) sempre se manifestou ao longo da história das teorias da linguagem, podendo ser localizada, desde logo, no modelo linguístico do trivium clássico (ciências não-verbais). Já aqui se manifesta um índice de tensão e desequilíbrio, onde “as dificuldades”, diz-nos de Man

se “estendem às articulações internas entre as partes

constituintes (lógica, gramática e retórica), bem como à articulação do campo da linguagem com o conhecimento do mundo em geral (ciências naturais). Ou seja, se o elo de ligação entre a lógica e

as

ciências

naturais

(quadrivium)

é

pacífico,

que

dizer

relativamente

à

relação

dos

constituintes do trivium, isto é, a relação entre gramática, lógica e retórica? Quanto à lógica e a gramática14 mantém-se o equilíbrio do modelo dado que “a gramática encontra-se ao serviço da lógica, que, por sua vez, permite a passagem ao mundo do conhecimento”. A tensão e desequilíbrio interior do modelo surge quando se quebra esta relação de supremacia da lógica, o que acontece sempre que estejamos face “à utilização da linguagem que põe a função retórica acima da gramatical e da lógica”15, isto é, a literatura (e crítica), ou mais especificamente a

12

literariedade.

Refira-se a este propósito que Paul de Man postula que apenas uma linguística não-fenomenal poderá libertar “o discurso sobre a literatura de oposições ingénuas entre ficção e realidade” (1989:16/17) 13 Cf. a este propósito “Resistência à Teoria”, introdução, (1989:16/17) 14 “A gramática é um isótopo da lógica”, ou seja funcionam segundo os mesmos princípios, assim as metodologias de base gramatical partilham as pretensões de “universalidade que a lógica possui em comum com a ciência.” Ibidem, (1989:35) 15 Ibidem, (1989:35)

4 Segundo de Man a literariedade não se identifica com a “resposta estética” (a literariedade não é uma qualidade estética), nem com uma qualidade mimética16. Quanto à confusão que se estabelece entre “resposta estética” e literariedade decorre de leituras que tendem a materialidade do significante com a materialidade daquilo que ele significa”

17

“confundir a

o que releva de

uma consciência cratiliana da linguagem em que os signos são percepcionados como sinais motivados, particularmente na linguagem poética. Isto é, confunde-se a fenomenalidade do signo (o som, ou a grafia) com a sua função significante, quando este efeito é de facto conseguido graças à dimensão figural da linguagem, tratando-se de um mecanismo retórico, da mesma forma que a mimese não é mais do que uma figura em que “a linguagem «imita» uma entidade não-verbal”.18 Assim, as premissas fundamentais a partir das quais Paul de Man assenta a sua proposta de uma “leitura retórica” podem ser enunciadas nos seguintes termos: por um lado, não existe uma convergência entre o mundo fenomenal e o campo da linguagem, existe um hiato entre o signo e o seu referente, dado que toda a linguagem refere primeiramente ela mesma, isto é, “toda a linguagem é uma linguagem sobre a denominação, ou seja, uma metalinguagem conceptual, figurativa e metafórica”19 por outro lado, a linguagem e, mais especificamente, a literatura (que põe a função retórica acima da gramática e da lógica), é determinada por uma tensão interna entre gramática (o sentido literal) e a retórica (o sentido figural), não existindo como tal, qualquer possibilidade de se estabelecer uma leitura unívoca, uma leitura abrangente e totalizadora, dado que no momento em que apreendemos um dado sentido (literal), este é de imediato subvertido pela dimensão retórica (figural) do próprio texto.20 Gramática e retórica comparticipam em qualquer processo de leitura e saber ler, no sentido damaniano, pressupõe o reconhecimento das tensões internas entre os dois pólos. É neste sentido que

Paul

de

descodificação

Man

aponta

plena

da

a

fuga

à

estrutura,

leitura uma

dos

leitura

estruturalistas globalizante,

que,

na

acabam

sua por

ânsia

pela

proceder

à

gramaticalização da retórica, entendendo as figuras do texto como um “sentido figurado que deriva de denominação literal ou própria21” ou então, entendendo-as esteticamente como ornamentos linguísticos (hermenêutica tradicional), sem considerar a possibilidade de tensões internas que frustram qualquer possibilidade de fusão entre as duas dimensões22. A leitura (genuína), implica o reconhecimento de que

“a literatura não é uma mensagem

transparente”, bem como a consciência de que toda a descodificação gramatical de um texto deixa “um resíduo que não pode ser resolvido por meios gramaticais”. Se a gramática estabelece uma relação pacífica com a lógica (que, por sua vez, viabiliza uma articulação com o mundo

16

O que se articula com o facto de toda a sua proposta metodológica (leitura retórica) se insurgir contra as abordagens de orientação estética ou mimética da literatura. 17 Ibidem, (1989:31) 18 Ibidem, (1989:30) 19 Ideia que se articula com a rejeição damaniana de uma subordinação da teoria literária à filosofia, mais especificamente à estética. 20 São estes os momentos perversos e aporéticos do texto a serem considerados numa leitura retórica. 21 Cf. “Alegorias da Leitura (1979:127) 22 Propósito que se revela pelo recurso de conceitos como “paradoxo” ou “ambiguidade” como uma unidade conceptual que permite a fusão (ilusória) do sentido literal e figural de um texto.

5 fenomenal23 sem qualquer índice de disrupção), no texto literário (em que a função retórica se sobrepõe

à

gramatical

completamente

e

destruído,

lógica) visto

que

este “a

equilíbrio retórica

(gramática/lógica/mundo

suspende 24

vertiginosas possibilidades de aberração o referencial” .

radicalmente

a

fenomenal) lógica

e

é

abre

Assim se entende a assumpção de que a

leitura desfaz a continuidade entre o retórico e o fenomenal, obrigando ao reconhecimento da incompatibilidade da linguagem e da intuição (domínio do fenomenal). Gramática e figuração afirmam-se

como

elementos

constitutivos

da

leitura

através

de

uma

relação

dialéctica

de

“inscrição” (momento de ilusão referencial) e “apagamento” (momento em que a retórica desfaz a “presunção de referência”) e, como tal, saber

ler (no sentido damaniano), pressupõe o

reconhecimento da necessária “indecibilidade” o momento em que não é mais possível decidir entre sentido literal e figurativo, sendo este o lugar da aporia que nos confronta com a

radicalidade

da leitura: verdadeiro “processo negativo no qual a cognição gramatical é destruída pela sua deslocação retórica”25. Os princípios enunciados, acabam por constituir-se como os pressupostos de base da proposta metodológica de De Man, a

“leitura retórica” ou, segundo a terminologia de Hillis Miller, a

“deconstructive reading”, em que a interpretação surge não como um ponto atingido, mas permanece um movimento incessante que advém da oscilação entre gramática (host) e retórica (parasite). Trata-se enfim, do reconhecimento do mecanismo retórico do texto que nos convida a uma leitura em que, nas palavras de Miller, se assume como princípio tácito a noção de que:

“(…) On the one

hand, the «obvious and univocal reading» always contains the «deconstructive reading» as a parasite encrypted within itself as a part of itself. On the other hand, the «deconstructive» reading can by no means free itself from the metaphysical reading it means to context.”26 Uma formulação que reforça (e se articula com) a ideia avançada por Goldzich, isto é, a consciência de que

toda a leitura implica o movimento entre um momento de “inscrição” (“ the obvious and

univocal reading)” que

é de imediato subvertida por um momento de “apagamento” (ou seja,

pela

“deconstrtuctive reading”). Em suma, uma leitura retórica (verdadeira leitura) pressupõe a capacidade de se aceitar sentidos plurais e incompatíveis, uma vez que o sentido referencial de um texto é altamente instável, todas as nossa expectativas referenciais são, em determinado momento goradas

pelo próprio

mecanismo retórico do texto. Parece-nos oportuna, neste âmbito, a reflexão de Jonathan Culler relativamente

a

esta

problemática,

através

da

introdução

do

par

dicotómico

“leitura

e

desleitura”, “entendimento e desentendimento” enquanto mecanismos constitutivos da leitura: “Leitura e entendimento preservam ou reproduzem um conteúdo ou sentido, mantêm sua identidade, enquanto desentendimento e desleitura o distorcem; eles produzem ou introduzem uma diferença. Mas pode-se argumentar que, de facto, a transformação ou modificação do sentido, que caracteriza

23

Refira-se que de Man postula a necessidade de uma linguística não fenomenal (linguística da literariedade) como a melhor ferramenta para desmascarar as ideologias dado que estas não passam de uma confusão da linguística com a realidade natural. 24 Cf. “Alegorias da Leitura “ (1979:25) 25 Cf. “Resistência à Teoria” (1989:38) 26 Cf. Miller, Hillis, In “Deconstruction and Criticism” (1979:224/25). A este propósito ainda, veja-se a segunite observação: “The poem (“The Trimph of Life”), lihe all texts, is “unreadable”, if by “readable” one means a single, definite interpretation. In fact, neither the “ovious” reading nor the “desconstrctionist” reading is “univocal”. Each contains, necessarily, its eneny within itself,is itself both host and parasite.” (1979:226)

6 o desentendimento age também no que chamamos de entendimento.” 27 Está em causa a complexidade do texto, a respectiva reversibilidade dos tropos que torna as operações interpretativas (i.e. a leitura)

uma

espécie

de

pêndulo

em

permanente

oscilação

entre:

“leitura/desleitura”, “gramática/retórica”: verdadeira vertigem que fechamento da estrutura, fazendo-nos sentir, de certo modo,

“inscrição/apagamento”,

desconcerta e inviabiliza o “em jogo no próprio jogo”

(Derrida). Sentido(s) da resistência à teoria: “A resistência à teoria é uma resistência à utilização da linguagem sobre a linguagem.” (R.T., p.33) “Nada pode vencer a resistência à teoria visto que a teoria é em si a resistência.” (R.T. p. 41)

Propomos como início deste tópico, duas citações do ensaio em análise (R.T), em que a primeira se reporta a uma das primeiras definições do autor relativamente às diferentes acepções (e sentidos) de resistência à teoria. Assim, atentemos no segmento sublinhado: (a resistência) “é uma resistência à”, isto é, está patente uma relação antitética, uma espécie de contra-força entre dois pólos, (resistência ↔ teoria), que, nas últimas linhas do ensaio (segunda citação) se transmuda para “teoria é resistência” (fusão dos pólos apresentados como antitéticos na parte inicial do argumento). É esta a mestria discursiva utilizada por Paul de Man que, através de uma argumentação solidamente construída nos vai guiando através das várias formas de resistência à teoria, desmascarando padrões recorrentes na forma de se conceber a teoria literária 28 até à constatação final de que teoria e resistência são concomitantes. Tentemos pois acompanhar o movimento argumentativo que subjaz à estruturação do ensaio, de forma a verificarmos quais os sentidos (e formas) da resistência à teoria. Em que medida é que ”a resistência à teoria é uma resistência à utilização da linguagem sobre a linguagem”? Retomamos a acepção técnica do termo “resistência” a que recorremos como forma de

fundamentar o título do nosso texto: “a resistência é uma propriedade do referente (...) que permite a este referente tornar-se o objecto de conhecimento do sujeito que somos”. Logo, tendo a teoria um propósito cognitivo em relação à linguagem 29 (a literatura), apenas pela resistência que esta exerce face ao sujeito do conhecimento, é que a mesma se pode instaurar como objecto de conhecimento. Por outro lado, aceitar o facto de a linguagem referenciar o lugar da linguagem, antes de estabelecer qualquer outro tipo de relação referencial 30, significa pôr em causa o princípio subjacente de todos os modelos cognitivos e estéticos, dado que a constatação da necessária divergência entre o mundo fenomenal e a linguagem mina por completo as pretensões da linguagem (trivium) a estabelecer uma construção epistemologicamente estável, uma vez que não é mais 27

possível

ignorar

o

carácter

convencional,

metafórico

e

figurativo

da

linguagem31,

a

“Tanto a leitura quanto a desleitura, o entendimento e o desentendimento são casos de incorporação e penetração”. (traduzido por mim) Cf. Culler, Jonathan (1983:176) 28 Tendencialmente oscila entre dois padrões recorrentes na história da teoria: por um lado, atitudes que revelam um optimismo metodológico (como é o caso de Greimas) exacerbado, característicos das metodologias com pretensões universalistas, ou então, pela simples rejeição da teoria, entendendo-se a literariedade como uma forma de “verbalismo puro”. 29 Como é evidente referimo-nos a uma forma de linguagem particular, parafraseando de Man, a literariedade, isto é, uma utilização da linguagem em que a função retórica predomina sobre a gramática e a lógica. 30 A este propósito Paul de Man conclui que “se toda a linguagem é sobre a linguagem, então o modelo linguístico paradigmático é aquele de uma entidade que se confronta consigo mesmo.” (1979:177) 31 Toda a formulação damaniana acerca da linguagem segue a esteira do pensamento nietzschiano, figura paradigmática das teorias literárias pós-estruturalistas.

7 consciência de que toda a linguagem se apresenta como um “simulacro”, uma representação (convencional) e nunca a própria coisa. Segundo Paul de Man, é a partir desta forma seminal de resistência (à utilização da linguagem sobre a linguagem) a partir da qual se irão instaurar todas as outras formas de resistência. Paul de Man avança e eis que nos apresenta uma outra formulação (definição): “A resistência à teoria é uma resistência à leitura”. Entenda-se “leitura” no sentido damaniano de “leitura retórica” (a genuína leitura). Esta fuga, diz-nos de Man pode assumir diferentes versões entre os teóricos da leitura, seja pela adopção de modelos gramaticais da leitura, seja pelos modelos hermenêuticos tradicionais (teorias de orientação estética no sentido damaniano), ou ainda (de forma mais astuta), pelas teorias da leitura do acto de fala. Como tivemos oportunidade de documentar, a fuga à leitura praticada pelos teóricos que adoptam um

modelo

gramatical

da

leitura

consiste,

essencialmente,

numa

leitura

que

tende

à

gramaticalização de elementos figurativos (i.e. da retórica), tendo em vista viabilizar uma descrição (tendencialmente) totalizadora dos mecanismos do texto. Inscreve-se, neste âmbito algumas práticas da semiologia literária (como por exemplo, Barhtes, Todorov, Genette e Greimas) cujas

análises

integram,

sem

qualquer

tipo

de

descontinuidade,

estruturas

gramaticais

e

estruturas retóricas. “De facto,” diz-nos de Man, “à medida que o estudo das estruturas gramaticais se aperfeiçoa nas teorias contemporâneas da gramática gerativa, transformacional e distributiva, o estudo dos tropos e das figuras (que é como o termo retórica é utilizado aqui, e não o sentido derivado de comentário, ou da eloquência ou da persuasão) se transforma numa mera extensão de modelos gramaticais, um subconjunto especial de relações sintácticas32.” Está assim salvaguardado o equilíbrio do modelo do trivium e respectiva articulação com o mundo fenomenal, através de uma estratégia que passa pela “redução” do mecanismo retórico do texto a uma estrutura gramatical. Assim, Paul de Man irá concluir que, desde que se fundamente na gramática, nenhuma teoria literária terá algo de ameaçador, neste sentido, estes teóricos da leitura evitam, “resistem” à leitura que preconizam, o que é equivalente a afirmar que esta resistência à leitura acaba por corresponder, efectivamente a uma forma de resistência à “dimensão retórica ou tropológica da linguagem33”. Quanto às teorias da leitura do acto de fala, diz-nos de Man, “repetem, de maneira muito mais eficiente, a gramaticalização do trivium à custa da retórica34,” acabando por levar a efeito uma redução dos operantes a um mero código gramatical. Assim, no caso da metodologia de

Richard Ohmann35, o elo de ligação entre perfomance, gramática,

lógica e sentido referencial estável é estabelecido pela adopção de uma distinção terminológica entre

“efeito

ilocutório”

(objecto

de

estudo

perlocutório” (excluído do âmbito de estudo).

da

teoria

dos

actos

O “efeito ilocutório”

de

fala)

e

“efeito

será considerado como

convencional (de acordo com os pressupostos de uma dada comunidade), enquanto que o “efeito 32

Cf. “Alegorias da Leitura” 1979:20) Cf. “Resistência à Teoria” (1989:38) 34 Cf. “Resistência à Teoria” (1989:40) 35 Cf. “How to Do Things With Austin and Searle”, In. “Is There a Text in This Class”, de Fish, Stanley (1980: 197/245)) 33

8 perlocutório” será contingente (não havendo forma de ser previsto por pertencer ao domínio afectivo36).

Por

outro

lado,

a

sua

metodologia

assegurará

uma

pacífica entre os “actos de fala” e a “gramática” ao propor uma

articulação

(continuidade)

classificação dos “actos de

fala” de acordo com os princípios (regras) da gramática: “ As regras dos actos ilocucionários determinam se o desempenho de um dado acto é bem executado, exactamente da mesma maneira como as regras gramaticais determinam se o produto de um acto ilocucionário – uma frase – é bem formado...”37 Estamos, mais uma vez face a uma estratégia de evasão à leitura, isto é, uma resistência ao mecanismo retórico do texto. O que podemos concluir relativamente a este padrão, este evitar sistemático da leitura por parte de quem, supostamente preconiza a necessidade da leitura (literatura)? Toda a argumentação do ensaio nos conduz à constatação final de que toda a manifestação de resistência à teoria (à leitura, à retórica) constitui, não uma mera contingência histórica38 (a ser superada, corrigida por teorias futuras), mas

constitui

só por si um constituinte

incorporado no discurso da teoria literária (i.e. a teoria é em si a resistência). Aliás, já em “O Ponto de Vista da Cegueira” Paul de Man avançava que “o evitar sistemático do problema da leitura, do momento interpretativo ou hermenêutico, é um sintoma geral partilhado por todos os métodos de análise literária, quer sejam estruturais, temáticos formalistas ou referenciais” 39. Mas, como se explica este fenómeno no seio da crítica (teoria) literária? Qual a sua origem? Como Paul de Man refere a resistência radica no próprio discurso da teoria literária. Por outro lado, sabemos que na perspectiva damaniana

linguagem crítica e

linguagem poética partilham de

algo que as aproxima, i.e. a literariedade, sendo como tal, qualquer distinção entre ambas é puramente ilusória.

Deverá ainda ser considerado que, tal como de Man propusera: “toda a

linguagem é uma linguagem sobre a denominação, ou seja, uma metalinguagem conceptual, figurativa e metafórica. Como tal ela partilha da cegueira da metáfora, quando esta literaliza sua indeterminação

referencial

numa

unidade

específica

de

significado”40.

Ou

seja,

estamos

precisamente face ao fundamento de todas as formas de “resistência”, de evasão à leitura (retórica), através de estratégias que passam pela gramaticalização da retórica do texto. Contrariamente, a “leitura retórica”, ou recorrendo à terminologia de

Hillis Miller,

a

“deconstructive reading” propõe uma abordagem dos textos em que “finds in the text it interprets the double antithetical patterns it identifies (...). It does not claim them as universal explanatory structures (…). Deconstruction attempts to resist the totalising and totalitarian tendencies of criticism.”41

36

Que, segundo estes teóricos pertence ao domínio da retórica – entendida “exclusivamente como persuasão e “não como figura intralinguística ou tropo”. Cf. “Alegorisa da Leitura” (1979:22) 37 Richard Ohman citado por Paul de Man, Ibidem, p. 23 38 Como refere de Man “O evitar sistemático da leitura não é um fenómeno temporal ou espacialmente determinado (...). O duplo movimento da revelação e recuo será sempre inerente à natureza de um discurso crítico genuíno”. Cf. “O Ponto de Vista da Cegueira” (1971:311) 39 Ibidem, (1971:304) 40 Cf. "Alegorias da Leitura" sublinhado nosso (1979:177) 41 Cf. Ob. Cit. , ((1979:252)

9 Assim, uma leitura retórica (que necessariamente, tem de continuar a resistir a essa tendência totalitária da crítica, dado que não está completamente imune em relação à “cegueira” que detecta nos outros métodos de leitura), acabaria por se instituir como “a destruição metódica da construção gramatical e, na sua desarticulação sistemática do trivium (...)”, acabaria por se permitir a construção de um modelo universal “da impossibilidade da linguagem ser uma linguagem modelo42.” Em suma, compreender a “radicalidade da leitura”, aceitar que a resistência é, afinal de contas um constituinte do discurso da teoria (“a teoria é em si a resistência”): impõe-se como condição sine qua non ao empreendimento teórico em si, um projecto que floresce quanto mais se lhe resiste, o que se explica porque, afinal de contas “a linguagem que (a teoria) fala é a linguagem da auto-resistência.”43 3. Dimensão cognitiva da retórica: (literatura e o conhecimento do mundo) “A literatura é ficção não porque recuse de algum modo reconhecer a “realidade”, mas porque não é a priori certo que a linguagem funcione de acordo com princípios que são os, ou que são como os, do mundo fenomenal. Não é pois, certo a priori que a literatura seja uma fonte fidedigna de informação acerca seja do que for senão da sua própria linguagem”. (1989:31)

Eis

que

nos

interrogação

confrontamos “que

dit

com

a

l’énoncé

inevitável métaphorique

questão sur

que la

pressupõe, 44

réalité? ”,

mas

não

podendo

se ser

detém

na

expandida

(fragmentada) para: qual a relação da literatura (enquanto linguagem que põe a função retórica acima da gramatical

e da lógica)

com o

conhecimento do mundo? Porquê a necessidade da

literatura? O que é que a literatura nos diz? Sem ter qualquer pretensão de dar resposta (um projecto messiânico) a estas questões, interessa debruçarmo-nos sobre a versão e o alcance desta indagação na base da leitura retórica damaniana. Assim, em jeito de conclusão, retomaremos alguns dos pontos cruciais do nosso texto, procurando discernir em que medida é possível percepcionar (atribuir) uma dimensão cognitiva na retórica ou se esta apenas nos confronta com um nihilismo absoluto, a necessária constatação acerca da “impossibilidade da linguagem ser uma linguagem modelo”. Sabemos desde já que, na óptica damaniana, o critério fundamental de uma teoria literária genuína assenta em pressupostos de natureza linguística, o que significa que o conteúdo semântico dos textos não é o seu objecto de questionação. Contudo, isto não é equivalente a negar qualquer relação da literatura com o mundo, ou, em última instância com o próprio homem. Como pudemos verificar, Paul de Man não contesta a função referencial da linguagem, põe é em causa a sua autoridade para se estabelecer como modelo do nosso conhecimento do mundo, dado que, como ele refere, não podemos assegurar que o mundo fenomenal e a linguagem funcionem segundo os mesmos princípios, sendo neste aspecto que radica a grande liberdade referencial da literatura, ou seja, a força semiótica da literatura (Barthes). 42 43 44

Cf. “ Resistência à Teoria" (1989:41) Ibidem Cf. Ricoeur, Paul (1975:274)

10 Retomamos (segmentando) a questão crucial: “que dit l’énoncé métaphorique?”, isto é, o que nos diz a literatura? Convocando toda a reflexão efectuada ao longo do nosso texto, diríamos (em uníssono com Benveniste, de Man, e muitos outros) que a literatura diz-nos ela própria, ou, tomando desta feita as palavras de Greimas, “la litérature s’occupe à se denoncer elle-même”. Como revelam os estudos de Benveniste sobre a deíxis (e já tivemos oportunidade de referir), toda a linguagem referencia ela mesma antes de estabelecer qualquer outra forma de referência. Daí a consequente conclusão (tautológica): o que a literatura nos diz é: “eu sou linguagem”. Mas estará assim justificada a necessidade da literatura para o homem? De Man responde-nos: “O Eu humano experimenta o vazio dentro dele próprio e da ficção inventada e, em vez de preencher o vazio, afirma-se a si próprio como puro nada, o “nosso” nada afirmado e reafirmado por um sujeito que é o agente da sua própria instabilidade.” Assim, segundo de Man, a necessidade da literatura nasce a partir da experimentação do vazio pelo homem, mas essa vivência do vazio prolonga-se na literatura (na ficção inventada). Contudo existe uma afirmação “o “nosso” nada afirmado e reafirmado por um sujeito que é o agente da sua própria instabilidade.” Estamos em definitivo no domínio da retórica, o mecanismo por excelência

que

(nos)

desmascara

as

(nossas)

pretensões

da

linguagem

atingir

uma

verdade

metafísica, um sentido (do texto e, por extensão o nosso próprio sentido enquanto leitores) determinado. A literatura/leitura, assim entendida, não nos devolve ou permite reconstituir uma suposta identidade do texto, ou a nossa própria identidade (seja ela qual for), mas confrontanos com a instabilidade (a da linguagem e, como tal a nossa própria), a contingência e finitude que

se

assumem,

não

como

mera

contingência

(passe

a

redundância),

mas

como

elementos

constitutivos do ser humano. É com efeito neste ponto que radica a necessidade da literatura sentida pelo homem, uma necessidade que, já Aristóteles afirmava ser congénita ao homem. A literatura

(retórica)

refere

-

refere

ela

própria

(linguagem),

confrontando-nos

com

a

“impossibilidade da linguagem ser uma linguagem modelo” e por isso mesmo, em última instância, “refere” aquilo que de mais “essencial” existe no homem: a contingência, a finitude, e, em simultâneo, a diversidade (não há sentidos/leituras unívocas), a pluralidade, a divergência (entre textos, entre homens45), em suma, a alteridade irredutível (do texto e do homem). Assim, aquilo que a literatura nos diz “é a sua própria linguagem” mas/e de linguagem que (os homens) manipulam e que os manipula

46

é também o “grande emaranhado

, uma verdadeira experiência de

linguagem que, como tal acaba, inevitavelmente por conduzir a uma experiência da realidade enquanto espaço de interrogação dessa mesma realidade.47 Sendo a literatura o lugar onde se dá o conhecimento negativo acerca da segurança da elocução linguística e, se é o mecanismo retórico por excelência, o catalisador deste conhecimento negativo, compreende-se que a retórica acabe por assumir uma dimensão cognitiva que desconcerta. É por um lado, este “conhecimento negativo” e por outro, este “nomear do vazio”

45

que o ser

E do homem para o próprio homem, isto porque cada homem é diverso em si próprio. Tal como nunca lemos o mesmo texto duas vezes da mesma forma, assim é a alteridade que nos define enquanto seres humanos. 46 Cf. Barthes, Roland (1977:20) 47 Ainda a propósito da relação que se estabelece entre a literatura (linguagem poética) e a realidade Paul Ricœur postula que: “La stratégie de langage propre à la poésie c’est-à-dire à la production du poème, paraît bien consister dans la constitution d’un sens qui intercepte la référence, et à la limite, abolit la réalité. » (1975:280)

11 humano experimenta dentro de si (e na ficção inventada) que constitui literatura, ou, nas

palavras de de Man

a “matéria-matriz”

“a linguagem poética nomeia este vazio

compreensão sempre renovada, (...) nunca se cansa de o nomear de novo, (sendo) este

da

com uma

persistente

48

nomear aquilo a que chamamos literatura. ” Não temos pois como negar uma dimensão cognitiva da retórica (literatura). Refutamos assim uma atribuição de um nihilismo radical à teoria damaniana, partilhando da posição de autores como Wlad

Godzich

que

defende

que

a

investigação

retórica

de

Paul

de

Man,

ao

pressupor

o

reconhecimento da finitude do texto e revelar o seu mecanismo retórico, “acaba por não abandonar questões mais elevadas da verdade e da falsidade, do eu e da experiência, do sentido e do significado pelas quais os textos são ostensivamente lidos”49. Como adianta Godzich, tal acontece porque o mecanismo figurativo que de Man investiga não constitui um “simulacro de um simulacro”, mas sim “a inscrição da «simulacridade» de um simulacro”. Em outros termos, a linguagem assumese como um “simulacro” (vale por), uma representação de algo ausente numa relação em que “o objecto engendra o signo por representação”50. Todavia, a literatura (i.e. o mecanismo figurativo que de Man investiga), não corresponde a um simulacro/imitação (teorias miméticas) desse simulacro primário51, mas sim à “inscrição” dos processos pelos quais o homem

engendra a

linguagem (ou o modo como a linguagem engendra o homem), ou, convocando Peirce, diríamos que estamos face a uma inscrição dos mecanismos pelos quais “um signo dá à luz um outro”52. Como refere de Man, apenas pela rejeição das funções figurativas tropológicas (como forma de preservar o elo dos elementos do trivium – retórica, gramática e lógica articulação pacífica com o domínio do fenomenal) é que se

assegurando uma

torna possível ignorar “o impacte

epistemológico da retórica”. Em síntese, Paul de Man terá, em nosso entender, lançado as sementes de um projecto que ficou em aberto, numa fase larvar, um convite que se vai insidiosamente anunciando, particularmente em passagens como a seguinte: “distinguir a epistemologia da gramática da epistemologia da retórica é uma tarefa formidável. Em um nível inteiramente ingénuo, concebemos habitualmente os sistemas gramaticais como tendendo para a universalidade e como meramente gerativos, ou seja, como capazes de derivar uma infinidade de versões de um único modelo (...) sem a intervenção de um outro modelo que perturbaria o primeiro53. Talvez de Man já o tivesse delineado, quem sabe não seria

o

rumo

da

sua

investigação,

um

projecto

cujos

alicerces

metodológicos

passaria,

necessariamente por uma linguística da literariedade. Resta-nos a especulação se haverá nos círculos intelectuais a audácia, vontade e engenho suficiente para dar corpo a um projecto cujo alcance e potencialidades teóricas se adivinham deveras produtivos no seio da teoria literária e das ciências humanas em geral.

48

Cf. “O Ponto de Vista da Cegueira”, (1971: ) Cf. “O Ponto de Vista da Cegueira”, Introdução (1971:32) 50 Cf. “Alegorias da Leitura” (1979:23) 51 Tomamos aqui o termo “primário” por analogia com a teoria de Iuri Lotman, relativamente à sua distinção entre “sistema modelizante primário” (línguas naturais) e “sistema modelizante secundário” (literatura). 52 Peirce, citado por de Paul de Man, In “Alegorias da Leitura” (1979:23) 53 Cf. “Alegorias da Leitura” (1979:22) 49

12 BIBLIOGRAFIA BARHTES, Roland, 1977, Lição, Colecção Signos, Tradução de Ana Mafalda Leite, Edições 70, Lisboa, 1988 CULLER, Jonathan, 1975, Structuralist Poetics, Structuralism, Linguistics and the Study of Literature, Edit. By Rouledge & Kegan Paul, London and Henley CULLER, Jonathan, 1983, On Deconstruction, Theory, and Criticism after Structuralism, Edit. By Rouledge & Kegan Paul, London and Henley DERRIDA, Jacques, 1970, Estrutura, Signo e Jogo no Discurso das Ciências Humanas, In A Controvérsia Estrturalista, org. Richard Macksey e Eugenio Donato, Tradução de Carlos Aberto Vogt e Clarice Sabóia Madureira, Edições Cultrix, S. Paulo, MAN, Paul de, 1979, Alegorias da Leitura, Tradução de Lenita R. Esteves, Imago Editora Lda., Rio de Janeiro, 1996 MAN, Paul de, 1983, O Ponto de Vista da Cegueira, Tradução de Miguel Tamen, Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 1999 MAN, Paul de, 1989, A Resistência à Teoria, Tradução de Teresa Louro Pérez, Edições 70, Lisboa,1989 MILLER, Hillis J., The Critic as Host, In Deconstruction & Criticism, Bloom et al. , The Seabury Press, New York, 1979 RICOEUR, Paul, 1975, La Métaphore Vive, Éditions du Seuil, Paris ROSA, António Ramos,1991, Colecção Universitária,

A Parede Azul, Estudos sobre poesia e artes plásticas, Caminho,

Lisboa

SIDNEY, Sir Philip, 1970, Apology for Poetry, Edited by Forrest G. Robinson, Indianapolis, New York

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