A Resolução Imediata da Guerra do Futebol, entre Honduras e El Salvador, pela Organização dos Estados Americanos (1969)

Share Embed


Descrição do Produto

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Eduarda Passarelli Hamann

A Resolução Imediata da “Guerra do Futebol”, entre Honduras e El Salvador, pela Organização dos Estados Americanos (1969)

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio.

Rio de Janeiro Novembro de 2002

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Eduarda Passarelli Hamann

A Resolução Imediata da “Guerra do Futebol”, entre Honduras e El Salvador, pela Organização dos Estados Americanos (1969)

Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de PósGraduação em Relações Internacionais da PUC-Rio. Orientadora: Monica Herz

Rio de Janeiro, novembro de 2002.

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Eduarda Passarelli Hamann Graduação em Direito, pela PUC/Rio, em dez./2000.

Ficha Catalográfica

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Hamann, Eduarda Passarelli.

A Resolução Imediata da “Guerra do Futebol”, entre Honduras e El Salvador, pela Organização dos Estados Americanos (1969).

159f., il. ; 29,7 cm.

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais.

Inclui referências bibliográficas.

1. Relações Internacionais – Dissertação. 2. Organizações Internacionais. 3. Organização dos Estados Americanos (OEA). 4. Honduras-El Salvador. 5. Guerra do Futebol. I. Herz, Mônica. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Instituto de Relações Internacionais. III. Título.

Eduarda Passarelli Hamann

A Resolução Imediata da "Guerra do Futebol", entre Honduras e El Salvador,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

pela Organização dos Estados Americanos (1969)

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de PósGraduação em Relações Internacionais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Monica Herz Orientadora IRI/PUC-Rio

João Franklin Abelardo Pontes Nogueira IRI/PUC-Rio

Nizar Messari IRI/PUC-Rio

Zélia Milanez L. e Seiblitz Coordenadora Setorial do Centro de Ciências Sociais - PUC-Rio Rio de Janeiro, 28 de novembro de 2002.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

À minha família e às pessoas queridas que pouco puderam participar da minha vida nos últimos três meses de 2002.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Agradecimentos

À Monica Herz, pelo carinho e pela orientação; A Nizar Messari, pelo apoio moral e pela eterna disponibilidade; Aos professores do Instituto de Relações Internacionais/PUC-Rio, pela dedicação; Aos colegas de turma, pelo ano e meio de convívio, entre “estresses” e almoços; A Peter Verhaar, Marleen Vink e Fransje Marks, funcionários da Biblioteca do Palácio da Paz, Haia, pela boa vontade; Ao CNPq e à FAPERJ, pelas bolsas oferecidas, sem as quais o presente trabalho não teria sido possível.

Resumo Honduras e El Salvador, desde a época de suas independências, em 1821, têm uma relação bastante conflituosa. Após várias tentativas de resolução pacífica de suas disputas fronteiriças, alguns fatores demográficos, políticos e sócioeconômicos são agregados à natureza da relação desses dois Estados e dão origem, em julho de 1969, a um confronto armado conhecido por “Guerra do Futebol” ou “Guerra das Cem Horas”. A resolução imediata, ou administração, da Guerra do Futebol foi realizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), através da atuação coordenada

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

de quatro de seus órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Conselho Permanente, o Secretário Geral e a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores. A principal contribuição do presente trabalho, trazida à tona através da análise da ação coletiva da OEA no caso em estudo, permite concluir que esta organização exerceu três importantes papéis, que contribuíram para a resolução imediata da Guerra do Futebol, a saber: (i) ator autônomo; (ii) modificador do comportamento do Estado; e (iii) arena/espaço de discussão. Ademais, trata-se de um conflito que não conta com a participação, direta ou indireta, do membro mais poderoso da OEA, o que configura uma exceção à política intervencionista norteamericana para a América Latina na década de 1960.

Palavras-chave Organizações Internacionais; Organização dos Estados Americanos; Honduras-El Salvador; Guerra do Futebol; Relações Internacionais na América Latina.

Abstract Honduras and El Salvador, since their independences in 1821, have a conflicting relationship. After countless attempts to achieve a peaceful resolution in their frontier disputes, new factors – demographic, political and socioeconomical – are added to the nature of the relationship between these two states and would give rise, in July 1969, to a armed conflict known as “Soccer War” or “Hundred -years War”. The immediate resolution of the Soccer War was accomplished by the Organization of the American States (OAS), through a coordinated action of four

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

of its main bodies, that is, of the Inter-American Commission of Human Rights, the Permanent Council, the Secretary-General and the Meeting of Consultation of Ministers of Foreign Affairs. The main contribution of this study, brought up through the analysis of the OAS collective action in this case, leads to the conclusion that this organization has played three main roles, which have largely contributed to the immediate resolution of the Soccer War, namely (i) autonomous actor; (ii) modifier of state behavior; and (iii) forum/space for dialogue. Moreover, it is worth noting that the most powerful member of the OAS has not participated, nor direct or indirect, to the achievement of the immediate resolution of this conflict, which can be considered as an exception to the North-American interventionist politics towards Latin America in the 1960s.

Key-words International Organizations; Organization of American States; Honduras-El Salvador; Soccer War; International Relations in Latin America.

Sumário

1. Introdução

13

1.1. Objetivos do trabalho

13

1.2. A resolução pacífica dos conflitos internacionais

16

2. O Conflito entre Honduras e El Salvador

28

2.1. A demarcação da fronteira entre Honduras e El Salvador

29

2.1.1. As tentativas de resolução pacífica de conflitos anteriores

31

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

2.1.2. As relações sócio-econômicas de ambos os países no âmbito da América Central

35

2.2. Os fatores políticos e sócio-econômicos do conflito

38

El Salvador

39

Honduras

45

2.2.1. A questão dos salvadorenhos residentes em Honduras

49

2.3. A Guerra do Futebol

58

2.3.1. O Desenrolar do Conflito Armado

59

3. A OEA na resolução imediata da Guerra do Futebol

72

3.1. Antes da eclosão do conflito armado

73

3.2. A eclosão do conflito armado

86

3.3. A obtenção do cessar-fogo de facto e a retirada das tropas

97

4. Análise da atuação da OEA na resolução imediata da Guerra do Futebol

105

4.1. A função das normas no sistema internacional

106

4.2. O Sistema de Segurança Interamericano

111

4.3. Os papéis desempenhados pela OEA na resolução imediata da Guerra do Futebol

120

4.3.1. As organizações enquanto atores autônomos

120

4.3.2. As organizações enquanto modificadoras do comportamento estatal 127 4.3.3. As organizações enquanto espaço de discussão

133

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

5. Conclusão

142

A eventual atuação do Conselho de Segurança da ONU

146

6. Referências bibliográficas

149

Anexos

155

Lista de anexos

Tabela 1 - Volume de importações e exportações de Honduras e de El Salvador, em 1953 e 1968

155

Tabela 2 - Negócios realizados entre Honduras e El Salvador,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

entre 1959 e 1969

155

Tabela 3 - Evolução do PIB de Honduras e de El Salvador, entre 1950 e 1970

156

Tabela 4 - PIB de Honduras e de El Salvador, por habitante (1950 e 1978)

156

Mapa 1 - América Central, com a (livre) demarcação dos territórios nacionais de Honduras e de El Salvador

157

Mapa 2 - As principais rotas entre Honduras e El Salvador, em 1969

158

Mapa 3 - “Teatro de Operações” - Estratégia da invasão militar de Honduras concebida por El Salvador

159

Ressalvas Todas as traduções são livres.

Siglas ANACH - Asociación Nacional de Campesinos Hondureños CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

CIJ – Corte Internacional de Justiça CP – Conselho Permanente da OEA CS – Conselho de Segurança da ONU FENAGH - Federación Nacional de Agricultores y Ganaderos de Honduras INA - Instituto Nacional Agrário MCCA – Mercado Comum Centro-americano OEA – Organização dos Estados Americanos ONU – Organização das Nações Unidas ODECA – Organização dos Estados Centro-americanos SG – Secretário Geral da OEA TIAR – Tratado Interamericano de Assistência Recíproca

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

“Dentre as características psicol ógicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que está começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas conseqüentes vantagens e perigos. Ora, a guerra se constitui na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela. Isto não é apenas um repúdio intelectual e emocional; nós, os pacifistas, temos uma intolerância constitucional à guerra, digamos, uma idiossincrasia exacerbada no mais alto grau” (Carta de Sigmund Freud a Albert Einstein, em setembro de 1932).

1 Introdução

1.1. Objetivos do trabalho

O atual trabalho apresenta-se em três grandes partes. A primeira parte expõe tanto os antecedentes do conflito Honduras-El Salvador como a eclosão do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

confronto armado. A segunda parte, por sua vez, descreve a atuação da Organização dos Estados Americanos (OEA), através de quatro de seus principais órgãos, para o alcance da resolução imediata, ou administração, do conflito, ou seja, esta parte trata dos processos políticos e diplomáticos realizados pelos representantes da OEA antes e depois da invasão do território de Honduras pelas forças armadas de El Salvador. A terceira e última parte do trabalho apresenta uma análise da atuação da OEA no conflito em estudo, que se inicia com o grau de legitimidade que tem essa organização regional perante seus membros e se conclui com a administração do conflito através do acionamento do sistema interamericano de segurança coletiva para a obtenção do cessar-fogo e da retirada das tropas salvadorenhas do território hondurenho. A narração dos antecedentes da divergência, a exposição dos pontos de vista das partes bem como a descrição dos eventos ocorridos na região centroamericana imediatamente após a eclosão do conflito armado permitem demonstrar os motivos pelos quais a OEA, sozinha, contribuiu apenas para a administração do conflito e, assim, não conseguiu resolver a situação em sua inteireza. Inicia-se a primeira parte do trabalho através da construção histórica da rivalidade entre Honduras e El Salvador, desde a sua independência em relação à Coroa Espanhola, em 1821. Naquela época, os principais conflitos que surgem entre esses Estados são de natureza fronteiriça e as inúmeras tentativas (frustradas) para a resolução pacífica de cada um deles demonstram a preferência pelos métodos pacíficos, ainda que esta tendência não tenha se mantido no

14

conflito em estudo. Tal preferência reflete a tradição latino-americana em resolver seus conflitos de maneira não-violenta1. Também os antecedentes e a inflexibilidade dos pontos de vista de ambos os Estados permitem verificar que a Guerra do Futebol é uma disputa com dimensões além do territorial ou do fronteiriço. Trata-se de uma disputa multifacetada, que envolve a história, a geografia, a demografia, a economia e a política, tanto no âmbito regional como internacional2. Este caráter dinâmico e complexo do conflito Honduras-El Salvador dificulta sua análise e, mais ainda, dificulta sua resolução integral. São cinco as principais causalidades que levaram ao conflito armado, como se verá mais detalhadamente no próximo capítulo: (i) a criação e a manutenção da

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

percepção do Outro enquanto rival existente na época da independência; (ii) o fluxo migratório dos salvadorenhos para Honduras, iniciado na década de 1930 e intensificado no início da década de 1960; (iii) a indefinição da fronteira entre Honduras e El Salvador; (iv) a política doméstica de Honduras e de El Salvador; e (v) a desproporcional relação econômica entre ambos os Estados no âmbito do Mercado Comum Centro-Americano (MCCA). Cabe à primeira parte do trabalho a descrição de cada uma dessas causalidades bem como de sua relevância para a eclosão do conflito armado entre Honduras e El Salvador. Depois de descritos os antecedentes históricos e imediatamente anteriores à eclosão do confronto armado, bem como o desenrolar do próprio conflito, a segunda parte do presente trabalho procura descrever a atuação da OEA antes, durante e depois da agressão militar, com objetivo de, pelo menos, suspender os atos de força. De fato, a OEA apenas obtém o que se convencionou chamar de resolução imediata do conflito e não consegue resolver por completo a divergência entre os Estados, devido à força da percepção do Outro como rival e à complexidade das relações existentes entre Honduras e El Salvador até aquele momento: “Apesar de a OEA ter obtido êxito na finalização da guerra e na devolução do território ocupado por El Salvador, ainda existem inúmeras questões não

1

G. Pope ATKINS, Latin America in the International System, 1995; p. 199 e Monica HERZ e João Pontes NOGUEIRA, Ecuador vs. Peru: Peacemaking amid Rivalry, 2002; pp. 18-9. 2 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; 24 e Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 167.

15

resolvidas que impedem a normalização das relações entre os dois países”3 (grifou-se).

Assim, deve-se ressaltar que a OEA teve uma participação relevante no conflito em estudo por ter possibilitado a administração da situação e, por isso, far-se-á a análise de sua atuação na terceira parte do trabalho. As organizações internacionais agem através de seus órgãos e de seus prepostos e, assim, na terceira parte do trabalho, a fim de compreender a atuação da OEA na resolução do conflito Honduras-El Salvador, são analisados os movimentos de quatro dos seus principais órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Conselho Permanente (CP), o Secretário Geral e a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Quando atuam no sistema internacional, as organizações podem assumir diferentes papéis e a OEA, na resolução imediata do conflito Honduras-El Salvador, teria desempenhado os papéis de ator, de modificador do comportamento dos Estados e de espaço para debates4. Através de cada um desses papéis, a OEA cria normas para reger as novas e pacíficas relações entre os Estados litigantes. Assim, ainda na terceira parte, devese analisar os motivos pelos quais os Estados soberanos optam por obedecer às regras impostas por organizações internacionais. Segundo Ian HURD, as normas estabelecidas por organizações internacionais podem vir a serem obedecidas pelos Estados a partir de três diferentes razões: (i) pela coerção; (ii) pelo auto-interesse do Estado; e (iii) pela legitimidade da organização internacional. Cada um desses motivos é identificado na teoria e na prática de modo a fornecer ao leitor uma compreensão mais ampla da atuação desta organização regional na administração do conflito Honduras-El Salvador.

3

83.

4

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Consecuencias del conflicto Honduras-El Salvador”, 1978; p.

Para informações acerca dos papéis de ator, de modificador do comportamento estatal e de instrumento da política externa, ver Charles PENTLAND, “International Organizations and their roles”, 1991; p. 242. Para informações acerca do papel de arena/espaço de discussão, ver Connie PECK, “The Role of Regional Organizations in Preventing and Resolving Conflict”, 2001; p. 565 e J. G. MERRILLS, International Dispute Settlement, 1998; p. 266.

16

1.2. A resolução pacífica dos conflitos internacionais

De acordo com Bercovitch et al. (1997), os conflitos internacionais de natureza violenta podem chegar ao fim por duas maneiras: pela administração ou pela resolução. Discorre-se sobre cada uma a seguir. A administração de um conflito internacional5 está relacionada à mudança de comportamento das partes na direção da redução dos níveis de violência e, assim, a obtenção do cessar-fogo e o (re)início das negociações entre as partes, ainda que supervisionadas por um terceiro, caracterizam o sucesso da administração do conflito6.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

A resolução de um conflito internacional, por sua vez, é mais ampla que a simples “ausência de guerra” 7. Este “momento de paz” pode ser obtido através do monitoramento do cessar-fogo ou da retirada das tropas e não necessariamente será duradouro; aquela, mais complexa, envolve a mudança real na política externa dos Estados litigantes, o que abrange não apenas o comportamento, mas também a identidade e o interesse nacional dos atores estatais envolvidos. Assim, pode-se afirmar que o conflito Honduras-El Salvador, ou a chamada “Guerra do Futebol” ou “Guerra das Cem Hor as”, tenha sido administrado pela Organização dos Estados Americanos, e não plenamente resolvido, pelos fatos e fundamentos aduzidos ao longo desta dissertação. Acredita-se que uma mudança concreta na política externa de Honduras e, especialmente, de El Salvador ainda não tenha ocorrido até o presente momento (final do ano de 2002), devido à existência de uma denúncia formal oferecida por Honduras em face de El Salvador perante o Conselho de Segurança da ONU, em janeiro e março de 2002. Tal denúncia pode ser caracterizada como o prolongamento do conflito HondurasEl Salvador no âmbito da ONU, ou seja, a rivalidade entre os Estados persiste. Autores da área de resolução de conflitos costumam dividir os métodos pacíficos em três grandes categorias: os meios diplomáticos, os meios políticos e

5 A expressão “resolução imediata do conflito” será utilizada como uma variação de “administração do conflito”. 6 Jacob BERCOVITCH, Paul F. DIEHL e Gary GOERTZ, “Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts”, 1997; p. 756. 7 Peter WALLENSTEEN, Understanding Conflict Resolution: War, Peace and the Global System, 2002; p. 10.

17

os meios judiciais, ou legais8. Os meios diplomáticos são a negociação, o inquérito, a conciliação e os bons ofícios (ou facilitação). Os meios políticos são aqueles aplicados pelos órgãos das diversas organizações internacionais (como o Conselho de Segurança da ONU e o Conselho Permanente da OEA)9. Os meios judiciais, por sua vez, consistem no recurso das partes a um terceiro que se destaca da relação interpartes e que emana uma decisão de implementação obrigatória; são meios judiciais a arbitragem e a decisão de uma corte supranacional. Embora o presente trabalho não tenha por objetivo abranger todos esses métodos, descreve-se, em linhas gerais, cada um deles, de modo a deixar clara a complexidade da situação e, portanto, da resolução integral das diferenças

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

existentes entre Honduras e El Salvador. Inicia-se com a descrição dos métodos pacíficos de resolução de controvérsias comumente utilizados em conflitos internacionais e explicitados nas Cartas da ONU e da OEA10, na seguinte ordem: negociação, inquérito, conciliação, bons ofícios (ou facilitação), mediação, arbitragem e processo judicial11. Pode-se afirmar que os métodos acima mencionados, excepcionada a negociação, constituem formas de intervenção de terceiro na resolução pacífica de uma controvérsia. Este ponto deve ser destacado vez que as partes recorrem a um terceiro de sua confiança, ou são convocadas a fazê-lo, quando há um impasse ou outra impossibilidade de resolverem, bilateralmente, sua contenda. Inicia-se a descrição com o método pacífico de resolução de controvérsias de mais baixo grau de institucionalização: a negociação em sentido estrito. Este é o único que não é empregado por um terceiro estranho ao conflito, já que as partes, entre elas, tentam chegar a algum acordo. Em geral, a negociação é acompanhada por outro método, que pode ser prévio, concomitante ou mesmo posterior à fase negociada. 8

Ver, por exemplo, José Francisco REZEK (Direito Internacional Público, 2002; p. 330) e Celso MELLO (Curso de Direito Internacional Público, vol. 2, 1994; p. 1142). Existem autores, como J. G. MERRILLS (International Dispute Settlement, 1998; p. 88) que aceitam apenas duas categorias: a dos meios diplomáticos e a dos meios judiciais. Celso MELLO também interpreta a conciliação e as comissões de inquérito como meios judiciais. Há, portanto, alguma divergência quanto à classificação, o que não prejudica a ampla compreensão do tema. 9 Os meios políticos pouco diferem dos meios diplomáticos e, como se mencionou na nota acima, há divergência entre os autores neste ponto. 10 Art. 33 (1) da Carta da ONU e art. 25 da Carta da OEA. 11 O método denominado pela Carta da ONU de “recurso a entidades ou acordos regionais” pode ser implementado em conjunto com qualquer um dos métodos acima enumerados.

18

O inquérito, ou investigação, por sua vez, é utilizado em situações de incerteza ou discordância quanto a fatos em si ou quanto à interpretação desses fatos, o que pode vir a causar um conflito. Assim, trata-se de uma disputa preliminar, que é, portanto, independente do conflito ocorrido, embora a ele relacionado. Forma-se, em geral, uma comissão mista, composta tanto por representantes das partes como por terceiros da confiança de ambas, que tem por responsabilidade a investigação minuciosa dos pontos controversos. Há alguns limites à utilização deste método: as partes devem estar cientes de que podem ter uma visão errônea dos fatos e também, como bem lembra Malcolm N. SHAW (2000)12, ele somente pode ser utilizado em conflitos internacionais que não envolvam interesses vitais.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Também é bastante utilizada a conciliação. Trata-se do método em que um terceiro investiga os fundamentos questionados pelas partes e elabora um relatório, sem a participação das partes, com a finalidade de resolver o conflito; neste sentido, a conciliação seria um método híbrido, com características da investigação e da mediação. É de se lembrar que o relatório da conciliação não vincula as partes, ou seja, elas não se obrigam a cumprir o que é disposto pelo conciliador. Com freqüência, a conciliação é seguida pela negociação, pois a investigação dos fatos e a elaboração de um relatório com as propostas das partes podem estimular uma solução negociada. No que se refere aos bons ofícios, ou à facilitação, alguns autores afirmam ser bastante tênue a linha que os separa da mediação13, o que não faz com que sejam fundidos num único método. Apesar de não terem sido sequer enumerados pelo art. 33 (1), da Carta da ONU, eles constituem o método em que um terceiro tem por objetivo aproximar as partes, incentivando-as a negociar. O fato de a Carta da ONU não ter destacado expressamente este método não minimiza sua legitimidade, pois o supracitado art. 33 (1), parte final, também prevê a utilização de quaisquer outros métodos pacíficos livremente escolhidos pelas partes para a resolução de suas controvérsias. A mediação consiste na participação de um terceiro alheio ao conflito que elabora um relatório em conjunto com as partes a respeito dos interesses disputados, o que lhe confere uma maior probabilidade de obter a implementação 12 13

Malcolm N. SHAW, International Law, 2000; p. 725. Ver, por exemplo, Malcolm N. SHAW, International Law; 2000; p. 723.

19

parcial ou mesmo total de seus resultados. Neste sentido, a mediação difere da conciliação, já que nesta última o relatório não é elaborado juntamente com as partes. Este é um método bastante utilizado na resolução de conflitos internacionais porque garante a independência, a soberania e a liberdade de escolha, que são valores extremamente relevantes para os atores estatais14. São algumas das características da mediação: (i) é a continuação dos esforços das partes, isto é, a mediação, por contar com a participação das partes, pode ser considerada uma espécie de negociação bilateral com a supervisão ativa de um terceiro da confiança das partes; (ii) é uma forma de intervenção de terceiro que não vincula às partes, nem é violenta ou coercitiva, ou seja, protege a soberania dos atores estatais; e (iii) ao mediador interessa a influência, a mudança,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

a administração ou a resolução do conflito15. Apesar de a neutralidade ser freqüentemente ressaltada como uma das características da mediação, o mediador deve ser imparcial e não neutro, tendo em vista a impossibilidade prática da neutralidade, já que os mediadores podem ser indivíduos, Estados e organizações e esses atores, por natureza, não são neutros. A mediação é um método recomendado pelos teóricos para a administração ou resolução de conflitos prolongados e complexos16, tais como o conflito entre Honduras e El Salvador e, assim sendo, pretende-se demonstrar no presente estudo de que maneira este método foi utilizado para a administração desta controvérsia. Após discorrer sobre os meios diplomáticos de resolução de conflitos – a negociação, o inquérito, a conciliação, os bons ofícios (ou facilitação) e a mediação –, passa-se aos meios políticos: são os métodos utilizados pelos diversos órgãos políticos das organizações internacionais e, assim, com alguma freqüência, são confundidos com os meios diplomáticos. Na realidade, os meios políticos “pouco diferem dos meios diplomáticos no que tange à plasticidade de sua operação e de seus resultados” 17. No caso em estudo, a OEA, através de quatro 14

Jacob BERCOVITCH, “ The Structure and Diversity of Mediation in International Relations”, 1992; p. 2. 15 Jacob BERCOVITCH, “ Mediation in International Conflict: An Overview of Theory, A Review of Practice”, 1999; p. 128 e Jacob BERCOVITCH, “ The Structure and Diversity of Mediation in International Relations”, 1992; p. 4. 16 Jacob BERCOVITCH, Paul F. DIEHL e Gary GOERTZ, “Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts”, 1997; pp. 752 -3; Monica HERZ e João Pontes NOGUEIRA, Ecuador vs. Peru: Peacemaking amid Rivalry, 2002; pp. 28-9 e 81. 17 José Francisco REZEK, Direito Internacional Público, 2002; p. 330.

20

de seus principais órgãos, consegue mediar o conflito e, assim, utiliza um método classificado como diplomático — a mediação — através de um meio político —o espaço político que esta organização oferece a seus membros. Entre os meios judiciais estão a arbitragem e a decisão judicial de um tribunal supranacional. No que se refere à arbitragem, as partes que desejam recorrer a esse método devem prestar um compromisso arbitral, que é geralmente celebrado antes de ocorrer o conflito; através deste compromisso as partes se obrigam a cumprir o que for decidido pelo laudo arbitral, que é a decisão final do árbitro18. São as principais características da arbitragem: (i) a escolha dos árbitros cabe livremente às partes; e (ii) o laudo arbitral, ao contrário da conciliação e da mediação, é de aceitação obrigatória.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Por último, ressalte-se a existência do processo judicial como o método de maior grau de institucionalização a ser utilizado na resolução pacífica de um conflito, com decisão também de aceitação obrigatória, tal como na arbitragem. Consiste no recurso das partes a um órgão jurisdicional, que pode ser permanente ou ad hoc. No plano supranacional, há, atualmente, quatro tribunais internacionais em funcionamento, sendo dois deles ad hoc (os Tribunais da ONU para o julgamento dos crimes ocorridos na ex-Iugoslávia e em Ruanda) e outros dois permanentes (a Corte Internacional de Justiça – “CIJ” e o recém -implementado Tribunal Penal Internacional)19. Após discorrer sobre os métodos pacíficos para a administração ou resolução de conflitos internacionais, pretende-se ressaltar que, devido à natureza do conflito Honduras-El Salvador, caracterizada pela “rivalidade duradoura” existente entre ambos os Estados – ver o Capítulo 2 –, vários foram os métodos utilizados pelas partes para dar término ao conflito desde antes da eclosão do conflito armado, em 1969, até o ano de 2002. Este argumento vem a comprovar a proposição de que:

18 Em regra, o compromisso arbitral contém informações como os limites da questão controversa, o número de árbitros a analisar o caso, o prazo para o término do procedimento arbitral, entre outras. 19 Discorre-se apenas sobre os tribunais internacionais cuja jurisdição tenha escopo universal  diferentemente de tribunais como o Tribunal de Justiça da União Européia e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujos objetivos alcançam tão-somente determinadas regiões geográficas.

21

“As rivalidades duradouras registram uma alta incidência de tentativas realizadas por terceiros ou por organizações multilaterais para a administração do conflito ou para a mediação de esforços com a finalidade de resolver o conflito” 20.

Assim ocorre no conflito Honduras-El Salvador, desde a sua origem, em que são utilizadas a negociação (geralmente supervisionada por um terceiro), o inquérito da CIDH, a conciliação, os bons ofícios, a mediação, a arbitragem individual e a decisão judicial da CIJ. Nota-se que tais métodos foram empregados em fases distintas, por diferentes atores interessados na administração ou resolução do conflito, e que alguns deles ocorreram de maneira simultânea, como se pretende evidenciar. Ao longo da disputa fronteiriça, originada com a independência, diversos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

métodos foram empregados pelas partes, com objetivo de harmonizar seus interesses. No entanto, interessam-nos especialmente aqueles métodos utilizados quando da escalada do conflito armado, em junho de 1969. O primeiro método empregado para a prevenção do conflito armado e administração da situação Honduras-El Salvador ocorre em 28/06/69, ou seja, cerca de duas semanas antes do início da agressão militar (14/07/69). Um grupo composto pelos Ministros das Relações Exteriores da Nicarágua, da Guatemala e da Costa Rica, supervisionados pela Organização dos Estados Centro-Americanos (ODECA), inicia seus trabalhos atuando como mediador da questão Honduras-El Salvador, após o aval dos Estados litigantes. Em suas viagens entre Tegucigalpa e San Salvador, o trio de mediadores centro-americanos procurou convencer as partes a não se engajarem em um conflito armado; o suposto progresso desta atuação in loco do trio, ressaltado nas sessões do Conselho Permanente da OEA em Washington pelos representantes dos Estados centro-americanos, manteve a OEA distante da disputa até o dia em que se iniciou o conflito armado, em 14/07/69. A mediação do trio centro-americano, assim, não obteve o sucesso desejado. A seguinte tentativa de resolução do conflito ocorre no âmbito da OEA, através de seus órgãos e de seus prepostos. O primeiro órgão da OEA a intervir na tensão crescente entre Honduras e El Salvador, antes mesmo da eclosão do conflito armado, foi a CIDH, o que significa que este órgão agiu no mesmo período que o 20

Monica HERZ e João Pontes NOGUEIRA, Ecuador vs. Peru: Peacemaking amid Rivalry, 2002; pp. 28-9.

22

trio de mediadores centro-americanos. A competência da CIDH limita-se à proteção dos direitos humanos nas Américas e não envolve, em absoluto, a resolução de conflitos entre os Estados-membros da OEA21. Ainda assim, sua atuação na resolução imediata da Guerra do Futebol confere à CIDH o status de órgão de ação e não apenas órgão de observação e estudos22. Isto porque a CIDH envia uma Subcomissão à região que passa a colaborar de maneira ativa com a mediação do conflito, na mesma linha em que vinha atuando o trio de mediadores, isto é, mantendo aberto o canal de comunicações entre ambas as partes, já que as relações diplomáticas entre elas haviam sido rompidas em 27/06/1969. O próximo órgão da OEA a intervir no conflito é o Conselho Permanente (“CP”), a partir do requerimento de Honduras datado de 04/07/69. Composto por

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

representantes dos Estados-membros, este órgão tem competência para velar pela manutenção das relações de amizade entre os Estados-membros e, com tal objetivo, deve ajudá-los na solução pacífica de suas controvérsias23. As sessões ocorridas no âmbito do CP forneceram às partes litigantes um novo canal de comunicações e, apesar de não terem alcançado seu principal objetivo, que era o retorno voluntário ao status quo ante bellum, esse órgão atuou como um espaço de debates e de exposição dos pontos de vista das partes, contribuindo, neste sentido, para a administração do conflito. A OEA continua sua atuação através da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, formalmente convocada como Órgão de Consulta pelo presidente do CP em 22/07/69. A atuação da Reunião de Consulta enquanto Órgão de Consulta constitui o mecanismo central para a aplicação dos fundamentos do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), o principal tratado do sistema de segurança interamericano para casos de invasão ou ameaça de invasão territorial. Sob o manto do TIAR, o Órgão de Consulta tem autoridade para aplicar as sanções previstas pelo art. 8o do TIAR, com base no art. 7o do mesmo tratado. No caso em estudo, de modo a convencer El Salvador a retirar suas tropas do território salvadorenho, o Órgão de Consulta aprova, em 28/07/69, três projetos de resolução em que El Salvador é declarado agressor e, 21

Art. 1o do Estatuto da CIDH dispõe que este órgão tem competência para promover a observância e a defesa dos direitos humanos e para servir como órgão consultivo da OEA nesta matéria. (G. Pope ATKINS, Latin America in the International System, 1995; p. 204). 22 J. A. Lindgren ALVES, Os Direitos Humanos como Tema Global, 1994; p. 82. 23 Art. 84 da Carta da OEA.

23

portanto, fica sujeito a graves sanções econômicas impostas pelo órgão da OEA. Tais projetos não chegaram a tomar a forma de resoluções mas foram suficientes para a suspensão do cessar-fogo e para a completa retirada das tropas salvadorenhas do território de Honduras, o que leva à conclusão de que a OEA administrou com sucesso o conflito Honduras-El Salvador. No entanto, apenas a obtenção do cessar-fogo e da retirada das tropas, ainda que seguida da fiscalização desses dois movimentos, não é capaz de resolver por completo um conflito internacional das dimensões do conflito Honduras-El Salvador. Assim, após a resolução imediata, ou a administração, do conflito decorrente da atuação da OEA, outros métodos pacíficos são utilizados para obter uma resolução efetiva das divergências e, até 1980, a OEA continua atuando,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

ainda que através de contribuições indiretas, em prol do completo alcance da paz entre Honduras e El Salvador. Antes de ir além, faz-se necessário compreender de que forma a atuação da OEA favoreceu a escolha das partes pelo próximo método a ser empregado na resolução do conflito. Por outras palavras, tentar-se-á explicar de que maneira o desempenho da OEA levou à escolha do próximo método utilizado pelas partes. Deve-se notar que, ainda no ano de 1969, em dezembro, têm início em Manágua as negociações entre os Ministros das Relações Exteriores centroamericanos com vistas a debater os principais temas do conflito, enumerados pelo trio de mediadores centro-americanos e formalizados por sete resoluções do Órgão de Consulta da OEA no dia 27/10/69: (i) paz e tratados; (ii) trânsito livre; (iii) relações diplomáticas e consulares; (iv) questões limítrofes; (v) Mercado Comum Centro-americano; (vi) reclamações; e (vii) direitos humanos24. Há que se notar a participação indireta da OEA, já que o mediador dessas negociações escolhido pelas partes em 04/12/69 foi previamente aprovado pela OEA e havia sido Secretário-Geral desta organização25. Alguns anos mais tarde, em 07/03/1973, durante a reunião da Comissão Especial da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, chega-se à conclusão de que os chanceleres de Honduras e de El Salvador precisam estabelecer negociações bilaterais e, assim, em Washington, nos dias 20 e 24

Special Report – Honduras e El Salvador 1970, OEA/Ser.L/V/II.23, doc. 9 (esp.), 29/04/1970; e Documento n. 66, da OEA, 27/10/69, apud Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 50-1.

24

21/08/73, os chanceleres de ambos os países resolvem iniciar as formalidades de um tratado de paz, também baseado nos temas das sete resoluções aprovadas em 27/10/69 pelo Órgão de Consulta da OEA. Vê-se, novamente, a presença, ainda que oblíqua, da OEA no desenrolar das negociações que tentam levar a paz à região. Esta organização regional, neste momento, está contribuindo para mais uma tentativa de resolução do conflito através dos bons ofícios dos Ministros das Relações Exteriores de seus Estados-membros, já que o método empregado constitui-se basicamente em aproximar as partes e incentivá-las a negociar. Em 06/10/76, as partes recorrem a um novo método para a resolução pacífica de seu conflito. Trata-se da mediação individual mesclada com a negociação, ocorrida sob a supervisão do jurista peruano José Luis Bustamante y

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Rivero. As discussões são iniciadas apenas em 18/01/1978 e alguns problemas existentes entre as partes tiveram uma solução formal: o Tratado Geral de Paz é assinado em 30/10/1980 e fixa prazos para a delimitação dos trechos das fronteiras que ainda eram questionados além de regulamentar o fluxo de indivíduos entre ambos os Estados. Este tratado dispõe sobre os mesmos itens elencados pelas sete resoluções do Órgão de Consulta de 1969 e pelas negociações dos chanceleres de Honduras e de El Salvador de 1973, o que nos leva à conclusão de que a atuação da OEA, ainda que indireta, perdurou até 1980. O Tratado Geral de Paz contém entre seus artigos uma cláusula compromissória, em que as partes concordam em levar a controvérsia à Corte Internacional de Justiça (CIJ) caso não seja cumprido o prazo de cinco anos para a delimitação das zonas de fronteiras ainda questionadas. Assim, decorrido o prazo sem a delimitação das fronteiras, as partes enviam um acordo especial à CIJ para que sua controvérsia seja resolvida através dos procedimentos judiciais de uma corte supranacional e, no início de 1987, uma Comissão deste Tribunal é especialmente constituída para dirimir esta disputa. O recurso ao procedimento judicial corresponde ao início da resolução mediata da questão ainda pendente entre Honduras e El Salvador, em contraposição à resolução imediata realizada pela OEA. A decisão definitiva da CIJ é pronunciada em 11/09/1992 e, por sua própria natureza, é de cumprimento obrigatório pelas partes envolvidas. Ocorre que, até o ano de 2002, a situação não

25

Trata-se do uruguaio José A. Mora.

25

parece ter sido integralmente resolvida: em 22/01 e em 11/03/2002 são transmitidas ao Presidente do Conselho de Segurança da ONU duas cartas enviadas pelo Ministro das Relações Exteriores de Honduras cujo tema é ainda a situação existente entre Honduras e El Salvador26. Apesar de não se ter obtido acesso às cartas, sabe-se pela mídia regional27 que se trata de uma denúncia em face de El Salvador pelo descumprimento da decisão da CIJ, nos termos do art. 94 (2) do Estatuto da CIJ28. O caso levado à CIJ requeria a delimitação de seis diferentes pontos da fronteira que ainda estavam sendo questionados por ambos os Estados. Recentemente, em 10/09/2002, El Salvador pediu revisão da decisão da CIJ de 11/09/1992 em relação à delimitação do Setor 629 e é a primeira vez na história em

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

que um Estado requer a revisão de uma decisão proferida por uma Câmara Especial da CIJ30. Porém, não se sabe ao certo se a denúncia oferecida por Honduras perante o Conselho de Segurança refere-se apenas ao Setor 6 ou se envolve também os outros setores. Voltando à discussão sobre as rivalidades duradouras, especialistas afirmam que esse tipo de rivalidade dá origem a conflitos prolongados e, portanto, tende a oferecer mais resistência à resolução completa do conflito, especialmente quando há o envolvimento de questões territoriais31. Outros autores sugerem que a rivalidade duradoura pode ter fim, ou seja, pode favorecer a resolução integral do conflito, somente depois de ser resolvida a questão territorial ou, ao menos, depois

26

Docs. S/2002/108 e S/2002/251 apud Report of the Security Council to the General Assembly, parte V, 16/06/2001-31/07/2002). Dados da Assembléia Geral, 57a Sessão, Suplemento n. 2 (A/57/2), em . 27 Em Honduras: e ; em El Salvador: e . 28 Estatuto da CIJ – Art. 94 (2) – “Se uma das partes em um caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito a recurso ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença”. 29 Este setor compreende a delimitação do espaço marítimo e insular (limites fronteiriços no Golfo de Fonseca e em suas ilhas); os outros cinco setores referem-se à delimitação terrestre. 30 CIJ, Press Release n. 2002/21, datado de 10/09/2002. 31 Paul HUTH, ‘Enduring Rivalries and Territorial Disputes, 1950-1990’, em Conflict Management and Peace Sciences, v. 15, n. 1, 1996, pp. 163-213 e D. Scott BENNETT, ‘Security, Bargaining and the End of Interstate Rivalry’, em International Studies Quaterly, v. 40, n. 2, 1996, pp. 157-84, apud Jacob BERCOVITCH, et al, “Management and Termination of Prot racted Interstate Conflicts”, 1997; pp. 763 -4.

26

que essa questão é retirada do centro da discussão32. De toda forma, existe o consenso no que se refere à necessidade de que se defina primeiramente a questão territorial para que se possa resolver, e não apenas administrar, o conflito entre rivalidades duradouras. Assim, deve-se acrescentar que a decisão da CIJ, tendo-se limitado apenas às questões fronteiriças, deu início à possível resolução mediata, ou completa, do conflito Honduras-El Salvador. Isso significa que a OEA, o trio de mediadores e os outros atores envolvidos na administração do conflito foram responsáveis, especialmente, pela resolução imediata da controvérsia entre Honduras e El Salvador, porque atuaram antes, durante e depois da eclosão do conflito armado. Em contrapartida, a decisão da CIJ, a possível atuação do Conselho de Segurança

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

da ONU, e todos os outros métodos que venham a ser utilizados a partir de 2002 correspondem à resolução mediata, ou completa, do conflito Honduras-El Salvador. A questão territorial foi, em tese, resolvida pela decisão da CIJ, que delimitou as áreas fronteiriças ainda questionadas pelos Estados. Assim, de acordo com os teóricos acima mencionados, depois que a questão territorial existente entre as rivalidades duradouras é definida, a resolução integral de um conflito prolongado passa a ter grandes chances de ocorrer, já que, em geral, a definição das questões territoriais consegue fazer com que as rivalidades duradouras cheguem ao fim33. A partir dos fatos acima referidos percebe-se que a divergência Honduras-El Salvador ainda não foi plenamente resolvida, o que deixa evidente o quão complexa ainda é a relação entre ambos os Estados, e comprova ter havido apenas a administração do conflito até o ano de 2002, e não a sua resolução. No próximo Capítulo, pretende-se descrever historicamente os fatores que, pouco a pouco, propiciaram a criação e a manutenção da rivalidade duradoura entre Honduras e El Salvador e que, portanto, contribuíram tanto para a eclosão do conflito armado como para a dificuldade de resolução das controvérsias existentes entre esses dois Estados. À descrição dos fatores históricos soma-se, ainda no Capítulo 2, o estudo dos fatores políticos, sociais, demográficos e econômicos em 32

Douglas GIBLER, ‘Enduring Rivalries and Territorial Disputes, 1950-1990’, em Conflict Management and Peace Sciences, v. 15, n. 1, 1996, pp. 7-41, apud Jacob BERCOVITCH, et al, “Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts”, 1997; p. 764. 33 Jacob BERCOVITCH, et al, “Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts”, 1997; p. 764.

27

que se encontravam as partes no momento da escalada do confronto armado bem como a descrição dos eventos que caracterizam a Guerra do Futebol. O Capítulo 3 pretende descrever com detalhes a atuação de quatro dos principais órgãos da OEA, quando da administração do conflito Honduras-El Salvador, quais sejam: a CIDH, o CP, o Secretário Geral e a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores. A atuação de cada um desses órgãos oferece à OEA o cumprimento de determinados papéis enquanto organização regional. Isso se dá porque, quando atuam, as organizações internacionais podem assumir diferentes funções. Assim, o Capítulo 4 tem por objetivo a análise da atuação da OEA no conflito Honduras-El Salvador com ênfase no desempenho dos papéis de ator, de modificador do

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

comportamento dos Estados e de espaço para debates por parte dessa organização regional.

2 O conflito entre Honduras e El Salvador

A elaboração de um estudo de caso, contendo as origens e o desenvolvimento do conflito Honduras-El Salvador, torna-se necessária para a compreensão de sua resolução imediata, ou administração, através da atuação da OEA. O presente conflito tem bases na interdependência sócio-econômica PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

existente entre os países envolvidos. Esse não é o único fator que leva à eclosão da Guerra do Futebol, mas deve ser analisado como pano de fundo da discussão já que possibilita o surgimento de outros fatores, como a acentuação da desigualdade econômica entre Honduras e El Salvador, a migração internacional descontrolada e a crise do mercado de trabalho. Há que se examinar também as características domésticas de cada Estado no momento imediatamente anterior ao conflito, tais como o crescimento demográfico, a migração interna, a concentração de renda e terras, o prestígio dos setores militar e empresarial na política doméstica, entre outros, fatores esses que terão forte influência na eclosão do conflito armado. De maneira a observar o papel desempenhado por esses fatores, deve-se verificar a origem de cada um deles. Por conseguinte, o Capítulo 2 pretende examinar a demarcação das fronteiras na América Central e o grau de envolvimento e de interdependência existentes entre os países dessa região, em um nível de análise regional (item 2.1). Passando-se para o nível de análise estatal, as condições políticas, sociais e econômicas dos dois países também serão analisadas, devido à sua relevância para a própria eclosão do conflito (item 2.2), ressaltando que o principal eixo da questão refere-se ao fluxo migratório e à crise do mercado de trabalho em Honduras e em El Salvador. Também no Capítulo 2 será descrito o conflito armado, iniciado em julho de 1969 (item 2.3).

29

2.1 A demarcação da fronteira entre Honduras e El Salvador

“(...) While the struggle of the last decade between El Salvador and Honduras must be understood in the light of all that had gone before in Central America, it would be a mistake to assume that this war was primarily about common markets or reunification efforts. The basis of this particular conflict must be sought in the relationship of man to the land within the two contending states – a relationship shaped in each case by forces peculiar to the time and place”1.

A origem histórica do tema remonta à demarcação das fronteiras nacionais das colônias da América Central à época de sua independência em relação à Coroa Espanhola, em 15/09/1821. Na era colonial, havia na região uma única entidade PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

política, o Reino da Guatemala ou Capitania-Geral da Guatemala2, e os limites existentes entre suas regiões administrativas deu origem, em setembro de 1821, às fronteiras internacionais dos cinco Estados centro-americanos, dentre eles Honduras e El Salvador. A delimitação das fronteiras foi prescrita pelas Constituições de ambos os Estados3, em que se lia, expressamente, o nome das cidades, de um e de outro Estados, por onde passava a linha fronteiriça, em uma clara demonstração de que se reconhecia os limites então definidos. Não obstante o reconhecimento da delimitação fronteiriça, a questão dos limites territoriais foi um fator importante no relacionamento desses cinco Estados, já que seus territórios têm dimensões exíguas, sendo a soma total da área ocupada pelos Estados centro-americanos equivalente ao território do Paraguai, um dos menores Estados da América do Sul4. Por conseguinte, é de se 1

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed: Honduras and El Salvador, 1969, 1981; p. 10. Tradução livre: “(...) enquanto a luta na última década entre Honduras e El Salvador pode ser compreendida a partir de tudo o que já aconteceu na América Central, seria um erro assumir que esta guerra ocorreu principalmente por causa de mercados comuns ou de esforços de reunificação. A base deste conflito em particular deve ser entendida a partir da relação do homem com a terra nos dois Estados – uma relação moldada em cada caso por forças peculiares de tempo e espaço”. 2 Havia seis províncias: Chiapas (que hoje faz parte do México), Guatemala, San Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica. Cada uma dessas províncias tinha alguma autonomia administrativa, na medida em que o seu governador estava submisso apenas ao Capitão-Geral do Reino da Guatemala; este, por sua vez, devia obediência ao Vice-Rei da Nova Espanha (residente na Cidade do México). 3 Assim previa a primeira Constituição de Honduras (de 11/12/1824), e também as Constituições de 1839, 1848 e de 1865. Havia a mesma previsão na primeira Constituição de El Salvador (12/02/1824) e na Constituição de 1841 (Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico de la Controversia Limítrofe entre Honduras y El Salvador, 1991; p. 38). 4 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras-El Salvador”, 1971; p. 111.

30

compreender a insatisfação principalmente de El Salvador – o menor Estado da América Central –, no que se refere aos limites de seu território. A primeira Constituição de El Salvador, além de prescrever os limites do Estado, anexou a seu território a província de Sonsonate, pertencente à Guatemala, demonstrando um comportamento expansivo. Do mesmo modo, ao longo da história, El Salvador demonstra não ter se conformado com o fato de seu território ter apenas 21.160 km2. Depois do episódio da anexação da província de Sonsonate, um outro evento, ocorrido no início do século XX, comprova esta insatisfação. Em 1901, dois engenheiros apresentam o novo mapa oficial de El Salvador, encomendado pelo governo. A figura conta com uma superfície de 21.159 km2, porém um pequeno quadro, próximo à figura, contém a informação

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

de que El Salvador teria 34.126 km2. Este erro, de cerca de 14.000 km2, apesar de grosseiro, trouxe bastante discussão e, somente em 1927, o governo oficialmente declara que o pequeno quadro localizado sobre a figura estaria errado5 e que o território deste Estado teria 21.160 km2. Aparentemente houve dificuldades para o governo adotar essa medida, já que isso ocorre 26 anos após a divulgação do mapa oficial. Pode-se, portanto, concluir pela existência de um certo trauma referente ao tamanho do território nacional, revelando uma política de Estado e não de governo, que reflete a dificuldade de delimitar suas fronteiras com Honduras e evidencia a investida belicosa contra este país quando da Guerra do Futebol, em julho de 1969. Volta-se, neste momento, à questão dos relacionamentos de El Salvador com o seu vizinho, Honduras. As relações políticas e sócio-econômicas entre os dois países eram bastante harmoniosas na época da independência; a harmonia alcançava a tal nível que se chegou a formular, por diversas vezes, a hipótese de se constituir os “Estados Unidos da América Central” através da união política, econômica e social dos cinco países centro-americanos, em que os mais engajados eram El Salvador e Honduras 6. As tentativas de união centro-americana – só no período entre 1842 e 1862 foram oito as tentativas – contavam, geralmente, com o apoio de El Salvador, Honduras e Nicarágua; a Guatemala, o Estado mais poderoso da América Central, 5

Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 42.

31

e a Costa Rica, com a menor população, tendiam a ficar afastadas7. Uma dessas tentativas de unificação política ocorre logo após a declaração da independência, em 1822, mas a concretização desse ideal não dura muito e desmantela-se em 1839/1840, devido principalmente ao precário sistema de comunicação na região e à luta entre políticos liberais e conservadores dentro de cada Estado8. Dessa forma, apesar de vários esforços dos governos locais, a união política dos Estados centro-americanos não obteve êxito na prática, ao contrário do que ocorre, mais tarde, com a integração sócio-econômica da região, através principalmente de instituições como a Organização dos Estados Centro-

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

americanos (ODECA) e do Mercado Comum Centro-americano (MCCA).

2.1.1 As tentativas de resolução pacífica de conflitos anteriores

Os vínculos existentes entre Honduras e El Salvador não impedem o surgimento de problemas territoriais entre algumas cidades fronteiriças9 e, em 1861, ocorre o primeiro conflito entre povoados desses dois Estados desde a independência, entre Santa Elena, pelo lado hondurenho, e Perquín e Arambala, pelo lado salvadorenho. O compromisso assinado pelos países em 1869 estabelecia, dentre outros itens, que a fronteira na área controversa passaria a ser delimitada pelo rio Negro, que corria pelo meio desses povoados. Esta delimitação, no entanto, dá origem a problemas entre outros dois povoados fronteiriços (Colomoncagua, em Honduras, e Torola, em El Salvador). Ficaram, então, suspensos os trabalhos da equipe até que uma nova operação, ainda em 1869, demarcasse os limites entre Colomoncagua e Torola. Verificados os títulos e visitado o local da controvérsia, as soluções foram postergadas pelos comissionários Emeterio Chávez (de Honduras) e José Francisco Sancho (de El 6 Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 17; Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures: un cas de ‘désintégration’ régionale”, 1971, p. 1296-7; e Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 3. 7 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 6. 8 Thomas P. ANDERSON, Politics in Central America – Guatemala, El Salvador, Honduras, and Nicaragua, 1991; p. 3.

32

Salvador), os mesmos que haviam tentado solucionar a controvérsia anterior, ou seja, o problema não é resolvido. Em junho de 1880 foram delimitadas outras áreas – nas chamadas Conferências de Saco10 –, mas tais limites nunca chegaram a ser demarcados. E, de modo a deixar a situação ainda mais complexa, no fim desse mesmo ano surgem novos pequenos conflitos entre os povoados de Ocotepeque (Honduras) e Citalá (El Salvador). Em 1884, os dois países apresentam suas delegações para resolverem a questão limítrofe, e as oito conferências realizadas em menos de um mês deram origem, em abril, à Convenção Cruz-Letona11. Mais uma vez, há obstáculos na concretização dos novos limites quando a Assembléia hondurenha não ratifica a

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

convenção. No mês de setembro de 1886, em Tegucigalpa, outra Convenção é assinada, com a nomeação de mais uma delegação, constituída por advogados e agrimensores, para delimitar a fronteira, tendo em vista todos os documentos anteriormente assinados pelas partes. Novamente não se chega a nenhum consenso. A tentativa seguinte data de janeiro de 1895, em que os Ministros de Relações Exteriores dos dois países retomam o trabalho da comissão de 1886 para, enfim, resolver de forma pacífica as questões limítrofes ainda pendentes. Assina-se a Convenção Bonilla-Velasco12, que prevê a composição de uma comissão mista e de um grupo de árbitros caso o trabalho conclusivo da comissão não venha a ser colocado em prática. Em novembro de 1897, um representante de cada país forma uma comissão para tentar solucionar as questões pendentes entre Opatoro e Santa Ana (Honduras) e Lislique e Polorós (El Salvador). A conclusão a que se chegou foi no sentido de dividir ao meio o terreno disputado, o que não foi ratificado pelos Estados.

9

Os detalhes relativos às tentativas de resolução pacífica dos conflitos são fornecidos por Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991, p. 17 e seguintes, e por Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981, p. 42 e seguintes. 10 É uma pequena cidade hoje conhecida por Concepción de Oriente, apud Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 21. 11 Estes eram os sobrenomes dos chefes de cada uma das delegações, sendo Francisco Cruz o representante de Honduras e o General Lisandro Letona, o de El Salvador. 12 Chefes de cada uma das delegações: general Manuel Bonilla (Honduras) e J. Jesús Velasco (de El Salvador).

33

Os resultados mais próximos da concretização foram obtidos sob os auspícios da Convenção Bonilla-Velasco: em 1916, há a nomeação de uma nova comissão mista, composta por três membros de cada Estado. Os salvadorenhos, no entanto, criaram muitos obstáculos, impossibilitando a reunião da Comissão e a data da discussão final das conclusões de cada equipe foi postergada por tanto tempo que ultrapassou o prazo máximo previsto e teve de ser abandonada. Os Estados não desistem e, em 1918, uma nova convenção é assinada pelos governos, repetindo praticamente os princípios da Convenção Bonilla-Velasco, de 1895. Dessa vez, o Congresso hondurenho ratifica-a, porém o salvadorenho se recusa a fazê-lo. Assim, várias foram as convenções assinadas pelos governos de Honduras e

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

de El Salvador até a eclosão da Guerra do Futebol, na tentativa de resolver seus problemas fronteiriços por métodos pacíficos. Em geral, uma comissão mista, composta por advogados e engenheiros agrônomos dos dois países, era enviada aos locais em disputa, e a partir das visitas era elaborado um tratado que contivesse detalhes sobre o mapeamento do setor da fronteira questionado. Os tratados que chegaram a ser assinados pelos governos freqüentemente deixavam de ser ratificados pelos poderes legislativos, o que anulava todo o trabalho realizado pelas comissões mistas. As negociações bilaterais eram a principal forma de resolução. Mas as contendas, por duas vezes, foram levadas a um árbitro. Em dezembro de 1880, a Convención Preliminar nomeou Joaquín Zavala, enquanto presidente da Nicarágua, como o responsável por dirimir as controvérsias e delimitar os limites territoriais entre algumas cidades fronteiriças de Honduras e de El Salvador. Ocorre que Zavala, no momento em que iria pronunciar o seu laudo, em junho de 1883, foi impedido de fazê-lo por não mais ser o presidente da Nicarágua. A segunda tentativa ocorre com a convenção de setembro de 1886. Depois de mais um insucesso da comissão mista nomeada pelos Estados, os dois governos subscreveram uma Convenção de Arbitragem, nomeando como árbitro o presidente da Costa Rica13. Dessa vez, apesar de esta Convenção ter sido ratificada pelo Congresso de ambos os países, nunca foi efetivamente colocada em prática. 13

Não se mencionou no texto da convenção o nome do presidente, Bernardo Soto Alfaro, para não incorrer no mesmo erro da convenção anterior.

34

Até o ano de 1918, diversas convenções, tratados e acordos bilaterais foram assinados e permaneceram sem concretização. De 1918 a 1949, as negociações permanecem paradas e, neste período, não se assina nenhum documento bilateral sobre controvérsias territoriais. Em novembro de 1949, tem início uma troca de notas diplomáticas entre os dois países em que se tenta a resolução pacífica da questão fronteiriça. Esta fase de troca de notas oficiais entre a diplomacia de ambos os países dura até o ano de 1953, quando El Salvador deixa de responder a uma das notas de Honduras, terminando, assim, o período de negociações14. A última tentativa de resolução pacífica dessa questão antes da eclosão da Guerra do Futebol ocorre em junho de 1962, quando o chamado Convenio n. 3 de El Amatillo é celebrado pelos presidentes de ambos os países15. O convênio, que

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

previa a composição de uma Comissão de Estudo para elaborar um Projeto de Bases e Procedimentos16, é ratificado por ambos os países e a Comissão de Estudos é instalada em Tegucigalpa em meados de setembro de 1963. No mês seguinte, porém, o presidente hondurenho Ramón Villeda Morales sofre um golpe de Estado e o novo governo, liderado pelo coronel Osvaldo López Arellano, não se preocupa com a solução dessas questões. Assim, o pequeno esforço desse novo governo pode ter influenciado a demora da realização da primeira reunião da comissão criada pelo convênio acima, que ocorre apenas em dezembro de 1967, depois de 4 anos, em um momento em que as relações entre os dois países já estavam bastante desgastadas. El Salvador nunca se pronunciou sobre o projeto apresentado por Honduras naquela sessão. Assim, pode-se concluir que as tentativas de resolução pacífica da questão fronteiriça eram, em geral, iniciadas pelo poder executivo e obstruídas pelo poder legislativo tanto de Honduras como de El Salvador, sob o argumento de que violariam o interesse nacional. Apesar disso, a maior parte das tentativas foi obstruída por El Salvador, o que confirmaria a hipótese de que a escassez territorial desse país seria uma política de Estado e não de governo.

14

Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 32. O presidente hondurenho era Ramón Villeda Morales e o salvadorenho, Rodolfo Cordón. 16 Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 33-4. 15

35

2.1.2 As relações sócio-econômicas de ambos os países no âmbito da América Central

Após a Segunda Guerra Mundial, as organizações regionais começam a surgir com mais força e mais legitimidade e, inspirados por esse novo fenômeno, os países da América Central decidem criar, em 1951, a Organização dos Estados Centro-americanos (ODECA)17, cuja Secretaria-Geral tinha sede em San Salvador. Na mesma década também tem início uma série de tratados de natureza econômico-financeira, também no âmbito da América Central, dando origem ao Mercado Comum Centro-Americano (MCCA)18. Com isso, a partir da segunda metade do século XX, as relações econômicas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

entre os cinco países ficam mais intensas. Em 1951, El Salvador e Nicarágua assinam o primeiro tratado de livre comércio da região. Em Tegucigalpa, a 10/06/1958, há a assinatura, pelos cinco países, do Tratado Multilateral de Livre Comércio e de Desenvolvimento Econômico, que apresenta uma lista com cerca de duzentos itens a serem negociados sem tarifas. A expectativa era de que esta lista passasse a compreender todos os produtos em aproximadamente 20 anos. Para regular os itens não incluídos no Tratado Multilateral, é assinado em setembro de 1959, o Acordo de San José. No início de 1960, em fevereiro, assina-se um Tratado de Associação Econômica, o qual a Costa Rica não quis ratificar. Foi preciso que o então Presidente norte-americano, John F. Kennedy, fosse pessoalmente à região para garantir a ratificação deste tratado pelo Estado “dissidente”. Em dezembro do mesmo ano, na cidade salvadorenha de El Poy, é adotado o Tratado Geral de Integração Centro-americana, também pelos cinco países – este tratado foi preparado por representantes de El Salvador, Honduras e Guatemala, e aprovado pelos outros dois. Assim, no fim da década de 1960 o MCCA já era considerado estável, devido ao aumento do volume de negócios na região: o comércio intra-regional

17

A Carta da Organização dos Estados da América Central foi assinada em 14/10/1951, em San Salvador. Apesar da fraqueza política desta organização, ela pode ser considerada um primeiro passo para a integração econômica. 18 Os tratados que deram origem ao MCCA foram assinados pelos cinco países centroamericanos entre os anos de 1958 e 1962.

36

aumentou de US$ 37 milhões, em 1961, para US$ 259 milhões, em 1968, crescendo cerca de 35% ao ano19. Vale ressaltar a relação comercial dos Estados Unidos com a região e, especialmente, com Honduras e El Salvador, a partir da década de 1950. As estatísticas mostram que, em 1953, 59,9% de todos os produtos importados por El Salvador eram provenientes dos EUA, e apenas 9% provinham da América Central. As taxas para Honduras, também de 1953, comprometem ainda mais a sua economia: 71,6% dos produtos importados por Honduras eram norteamericanos, e apenas 3,7% tinham suas origens na América Central. O fortalecimento

do

MCCA

fez

com

que

os

países

centro-americanos

desenvolvessem uma relação de interdependência entre si, o que diminuiu o

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

comércio com os Estados Unidos20. No que se refere às relações econômicas existentes entre Honduras e El Salvador, no início da década de 1960 o MCCA foi mais favorável a Honduras. Esta situação, no entanto, não perdura e Honduras começa a ter um alto déficit21, devido às regras de importação e exportação do MCCA, agravado pela ausência de benefícios eqüitativos, o que prejudicou também a Nicarágua, fazendo com que esses dois países praticamente financiassem a expansão econômica e industrial de seus vizinhos22: “Por causa do regime de livre c omércio, Honduras e Nicarágua começaram a importar mais produtos manufaturados que os outros países, não sendo capazes, porém, de compensar suas importações com as exportações de seus bens agrícolas e manufaturados, porque ambos tinham setores industriais relativamente fracos em comparação com os de seus vizinhos e também porque o comércio agrícola não se expandiu devido à ausência de integração neste setor” 23.

Assim, a intensa relação comercial que Honduras mantinha com os EUA é, de certa forma, transferida para seu vizinho El Salvador em meados da década de 1960. Era um evento tão explícito que, além de ser percebido pelos estudiosos e economistas hondurenhos, foi também observado pelo homem comum de Honduras, que começa a ter de competir com o salvadorenho em sua busca por

19 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador y el orden jurídico internacional, 1980; p. 31. 20 Ver Tabela 1, em anexo. 21 Ver Tabela 2, em anexo. 22 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 162. 23 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 37.

37

empregos e por terras24. Essa relação de dependência gera insatisfação e revolta no seio da sociedade hondurenha e, portanto, corresponde a mais um fator na criação da rivalidade entre hondurenhos e salvadorenhos. Do nível de análise regional passa-se para o nível estatal. O próximo item pretende realizar um estudo sobre as condições políticas, sociais e econômicas em que viviam Honduras e El Salvador à época do conflito, já que os fatores domésticos, assim como os de nível regional, também fazem parte da origem da

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

controvérsia.

24 Vincent CABLE, “The ‘Football War’ and the Central American Common Market”, 1969; p. 660, Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1308 -9, e Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 65.

38

2.2 Os fatores políticos e sócio-econômicos do conflito

“(...) Si dans l’ordre ethnique et politique tout rapproche le Honduras et le Salvador, dans le domaine de la démographie et de l’économie tout les éloigne”25.

Deve-se realizar um estudo sobre as condições políticas, sociais e econômicas em que viviam os Estados imediatamente antes do conflito, ou seja, nas décadas de 1950 e 1960. Os territórios de Honduras e de El Salvador se complementam geograficamente26. Além disso, a maior parte da população de ambos os países é mestiça sendo, portanto, relativamente homogênea. Não há especificidades

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

culturais ou lingüísticas que diferenciem essas duas populações, o que facilita a migração; este fluxo de pessoas, por sua vez, contribui para que se desfaçam os pequenos traços de singularidade nacional e, assim, as populações salvadorenha e hondurenha naturalmente se misturam ao longo das fronteiras. Em determinadas áreas próximas à fronteira, do lado hondurenho, a integração social e econômica ocorria de uma maneira tão intensa que o colón (moeda salvadorenha) circulava livremente, ao lado do lempira (moeda oficial de Honduras). Em locais como este, as eleições começaram a sofrer fraudes e cidadãos de origem salvadorenha eram eleitos para cargos públicos de Honduras. Ao comentar esse fato, Alain Rouquié (1971) observa que: “(...) não se sonharia em uma ‘integração fronteiriça’ com mais sucesso [do que essa] nem de um mais perfeito espírito comunitário; e é difícil imaginar uma guerra entre inimigos tão indiscerníveis” 27.

O conflito armado, no entanto, ocorre em julho de 1969 e é resultado de uma conjuntura específica de tempo e espaço criada pela convergência simultânea das condições econômicas, sociais e políticas de cada um dos Estados nas décadas de 1950 e 1960.

25

Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1298. Tradução livre: “Se no âmbito étnico e político tudo aproxima Honduras e El Salvador, no âmbito demográfico e econômico, tudo os afasta”. 26 Ver Mapa 1, em anexo. 27 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1296.

39

El Salvador28

“The social and economic problems of El Salvador are beyond the solution of the wisest and most able rulers. (...) the population of El Salvador has mushroomed to the point where starvation must be the lot of many and malnutrition the lot of all but the privileged few. With the soil overtaxed, little is left to distribute. There is no oil, nor gold, nor silver, nor nickel; there is only coffee, whose production cannot be extended from the hillsides where it currently grows”29.

A análise de El Salvador será realizada a partir de seus aspectos físicos, econômicos, sociais (demográficos) e políticos, nesta ordem, e levar-se-á em consideração, principalmente, a situação deste Estado ao longo das décadas de 1950 e 1960, sendo esses os anos que antecedem o conflito armado.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

El Salvador é o menor Estado da América Central, com apenas 21.160 km2, ou seja, menor que o Sergipe30, e localiza-se na costa sudoeste da região, não tendo, portanto, acesso ao Oceano Atlântico, a não ser por meio das rodovias que atravessam o território de Honduras31. Existem muitos vulcões em seu território, o que dificulta, porém não impede, a agricultura, já que o solo é bastante fértil nas encostas dos vulcões e na proximidade da costa. Apesar do terreno acidentado, as terras cultivadas chegam a 77% do total do território – o que significa que todo o terreno cultivável é efetivamente utilizado, havendo, inclusive, alguns tipos de cultivo em crateras vulcânicas32. As avançadas técnicas agrícolas e o bem estruturado sistema de irrigação fizeram com que este pequeno país fosse classificado, em 1965, como o 3.º maior exportador de café das Américas, atrás apenas do Brasil e da Colômbia33. Além do café, o algodão é outro importante produto na economia salvadorenha, sendo produzido especialmente no litoral. É também possível citar a 28

Os dados deste capítulo referem-se principalmente às décadas de 1950 e 1960, salvo disposição em contrário. 29 Thomas P. ANDERSON, Politics in Central America..., 1988, p. 231. Tradução livre: “Os problemas sociais e econômicos de El Salvador vão além da solução do mais habilidoso ou mais sábio governo. (…) a população de El Salvador chegou a um ponto em que a fome é o destino de muitos e a má nutrição, o destino de todos, exceto de poucos privilegiados. Com o solo sobretaxado, sobra pouco para distribuir. Não há petróleo, nem ouro, nem prata, nem níquel; só há café, e sua produção não tem como ser expandida para além dos morros em que já é cultivado”. 30 O Sergipe é o menor estado brasileiro, com uma área equivalente a 22.050 km2 (Almanaque Abril, Edição Brasil 2001, p. 225). 31 Ver Mapa 2, em anexo. 32 Thomas P. ANDERSON, Politics in Central America..., 1988; p. 73. 33 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1298. É interessante notar que o café, em El Salvador, é cultivado principalmente nas encostas dos vulcões.

40

produção de açúcar e de frutas tropicais, além da criação de gado. Ocorre que as duas mais importantes culturas – o café e o algodão – são sazonais, e, por isso, provocam um alto índice de desemprego durante certas épocas do ano, já que cerca de 1/3 dos trabalhadores têm emprego sazonal34. O café nem sempre foi o principal produto do modelo agroexportador salvadorenho. No final do século XIX, após o choque da independência, este produto passa a ser a solução encontrada para a difícil situação econômica de El Salvador. A evolução do cultivo do café se deu de uma maneira tão rápida que, em 1933, as plantações chegavam a 33,7% do total de terras deste Estado35. Vale lembrar que era o grande fazendeiro quem enriquecia, e não o camponês. Ademais, esta monocultura fazia com que a economia de El Salvador ficasse

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

atrelada a um mercado sobre o qual não detinha controle. Na década de 1920, tentou-se plantar o algodão, de forma a diversificar a agricultura, mas o café estava em alta, e poucos se aventuraram no cultivo deste novo produto. Somente nos anos 40, o governo começa a ser pressionado por uma associação de produtores de algodão que exigia melhores meios de transporte para este produto e, assim, no fim da década de 1950, uma rodovia construída pelo governo ajudou a duplicar a produção de algodão em apenas cinco anos – de 23 mil hectares em 1951-55, a produção alcançou 48 mil hectares em 1956-6036. No mesmo período, praticamente não houve alteração da produção de café. O cultivo do algodão, porém, faz com que a terra fique absolutamente desgastada após poucos anos, e somente a implementação de cuidados especiais, como o reinvestimento e a tecnologia de ponta, pode evitar esse desgaste. El Salvador não pôde arcar com esses novos investimentos, pois sua economia já estava debilitada na década de 1960, e a produção algodoeira começou a decair alguns anos antes da eclosão do conflito armado. Juntamente com a evolução do café, é adotado no país o liberalismo econômico, que fortalece o individual em detrimento do comunitário. Os camponeses que compartilhavam a terra, em um sistema de agricultura de subsistência, são levados à insolvência, enquanto grandes fazendeiros, cuja produção é voltada para a exportação, começam a formar uma nova elite no país, 34

Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1303. Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 14. 36 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 29. 35

41

através da desapropriação forçada ou legal das pequenas e médias propriedades37. Sempre existiu a má distribuição de renda em El Salvador, mas dessa vez a renda e também as terras estavam cada vez mais concentradas nas mãos de poucos. Talvez uma das únicas vantagens da elite agrícola salvadorenha tenha sido o reinvestimento de boa parte do lucro, ao contrário do que ocorria com a oligarquia de Honduras. Muitos camponeses perderam toda a sua propriedade, enquanto outros passaram a residir em pequenos lotes de terra, que mal proviam o sustento das próprias famílias38. Em 1950, cerca de 19,2% das terras exploradas eram minifúndios; por outro lado, uma estatística de 1960 demonstra que 0,01% dos latifundiários detinha cerca de 16% da terra39.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

O setor industrial, a seu turno, é liderado pela burguesia local que, através de subsídios do Estado, desenvolveu técnicas referentes à energia hidroelétrica, construindo no rio Lempa, no fim da década de 1950, o maior complexo hidroelétrico da América Central. Ressalte-se, ainda, que El Salvador, ainda na década de 1950, tem três vezes mais estabelecimentos comerciais que a Guatemala, que é o maior país da América Central, além de possuir em seu território a única siderúrgica da região. Por conseguinte, este país poderia ser chamado de “potência industrial” da América Central, já que há muitos pólos industriais em seu território, o que faz com que a participação deste setor no Produto Interno Bruto salvadorenho seja de 19,6% nos anos 195040. Volta-se, neste momento, para o aspecto social de El Salvador. A população aumentou bastante na década que precedeu a guerra, e a explosão demográfica neste país é freqüentemente apontada como um dos principais fatores do conflito. Em 1950, o número de salvadorenhos era de aproximadamente 2,3 milhões, passando para cerca de 3,2 milhões no ano de 196741. Houve ainda uma forte migração interna, do campo para os centros urbanos: a população, que era rural42

37

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 17. Esses colonos, que precisavam de algum dinheiro para sobreviver, começam a ser utilizados como mão-de-obra do trabalho sazonal, isto é, trabalham nas fazendas de café parte do ano e, finda a época da colheita, partem para as fazendas de açúcar ou algodão. 39 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 17. 40 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1299. 41 James Rowles, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 11. 42 Em 1950, cerca de 80% da população residia no campo. No que se refere ao tamanho total da população, Thomas P. Anderson cita as seguintes estatísticas: em 1930, a população era de 1.443.000; em 1961, subiu para 2.500.000 e em 1969, já alcançava 3.549.000 (The War of the 38

42

no início do século XX, começa a migrar para as cidades, e a população urbana, que representava 19,9% em 1950, alcança os 38,7% em 196643. O crescimento da população salvadorenha também pode ser observado quando se compara a densidade demográfica deste país com os índices da região: fala-se em 147 habitantes/km2 em 197044, sendo a média centro-americana de apenas 26 habitantes/km2. A oligarquia de El Salvador — a maioria de origem européia — corresponde a 0,2% da população e detém cerca de 60% das terras salvadorenhas45, fazendo com que a renda per capita de El Salvador seja inferior à de todos os países centro-americanos, com a exceção de Honduras46. Além disso, na década de 1960, eram analfabetos mais de 50% dos salvadorenhos.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

O estado de miséria a que chegou a população em meados da década de 1950 tem origens na indiferença de seus governantes, aliada ao compromisso da administração pública com a oligarquia agrícola e com os militares, sendo que os maiores eventos políticos da história de El Salvador — o “Levante de 1932” e a Guerra do Futebol — ocorrem por causa da conturbada relação entre os camponeses e o governo/elite, como se descreve a seguir. Dois eventos paralelos dão origem ao “Levante de 1932”. Um clima de revolta das classes menos favorecidas tem início em 1931, devido à forte crise do café e à tomada das terras dos pequenos camponeses pela nova elite, que é apoiada pelo governo e pelos militares. Ainda em 1931, as eleições entregam a presidência ao liberal Arturo Araújo, que prometia a reforma urbana. Os militares, inseguros e insatisfeitos com ambos os eventos, dão um golpe de estado em dezembro daquele ano e aproveitam a oportunidade para tentar evitar a concretização da revolta campesina, aprisionando seu líder. No entanto, não Dispossessed, 1981; p. 31). Os números não são idênticos, mas demonstram a explosão demográfica que ocorria naquela época em El Salvador. 43 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1299. 44 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 10. 45 Thomas P. ANDERSON, Politics in Central America..., 1988; p. 74. Os autores concordam ao falar do sobre “as quatorze famílias”, ou simplesmente las catorce, que seriam a elite agrícola de El Salvador, com forte influência sobre a política doméstica. Na realidade, todos afirmam que esse número não tem bases oficiais e que ninguém saberia dizer exatamente quais as famílias que fariam parte deste pequeno grupo. O nome parece ter surgido no meio da população, que teria compreendido a gravidade da questão agrária em seu El Salvador. 46 Os dados são de 1979: a renda per capita de El Salvador era de US$ 630, contra US$ 600 de Honduras, US$ 700 da Nicarágua e US$ 1.000 da Guatemala (fornecidos pela Latin America Regional Report, 2 out. 1980, apud Thomas P. Anderson, Politics in Central America..., 1988; p. 3, tabela 1.1).

43

obtêm êxito, já que a revolta ocorre em janeiro de 1932 e, em apenas duas semanas, são assassinados entre 18 mil e 40 mil camponeses47. Assim, tem início, ainda na década de 1930, o processo de emigração para Honduras através da fuga dos camponeses perseguidos pelo governo48. Esta emigração também foi impulsionada pelo fato de que, naquele mesmo momento, havia pouca terra disponível devido à extinção das terras comunitárias pela legislação liberal, o que encarecia os poucos lotes restantes, que só poderiam ser adquiridos pela elite representante da monocultura cafeeira. Passados 30 anos desses acontecimentos, já na década de 1960, San Salvador ainda treme diante da possibilidade de uma nova revolta camponesa, que poderia surgir a partir da crise sócio-econômica por que passa o país naquele

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

momento. Assim, novamente o governo tem responsabilidades pela emigração de seus nacionais e a solução encontrada por ele foi a de ignorar a migração massiva dessa parcela da população para Honduras, já que “se as estruturas latifundiárias e oligárquicas são responsáveis por uma superpopulação relativa, somente a emigração pode, a curto prazo, assegurar a conservação do status quo”49. A falta de terras e de empregos entre a maior parte da população faz com que a parcela menos favorecida da sociedade salvadorenha fique insatisfeita e, portanto, cada vez mais violenta: em 1960, um ano considerado normal, o número de assassinatos foi a 2a maior causa de morte neste Estado50. É assim que a violência contribui para a emigração. Não se trata apenas da violência física que começou a se alastrar pelo país, provocada pelos trabalhadores e camponeses insatisfeitos, mas também da violência indireta provocada pelo próprio governo, com suas políticas comprometidas com o aumento do lucro da elite agrícola. Ao longo da década de 1960, dois fatores, juntos, agravaram ainda mais a situação dos camponeses e dos trabalhadores urbanos. A indústria, desenvolvida graças ao investimento estrangeiro (sobretudo norte-americano, europeu e japonês) encontrava-se endividada e, desde o fim da década de 1950, não podia 47

Alfredo Bruno BOLOGNA “Conflicto Hon duras-El Salvador”, 1971; p. 124, Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1305 e Thomas P. ANDERSON, Politics in Central America..., 1988; p. 13. 48 Paralela à emigração, intensifica-se também o fluxo migratório do campo para as cidades, o que aumenta ainda mais a violência nos centros urbanos. 49 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1304.

44

contratar novos trabalhadores. Ao mesmo tempo, a crise do algodão no mercado mundial, de 1965-66, atingiu as exportações deste país e o algodão, que representava cerca de 21% das exportações de El Salvador, passou a representar 6,4% em apenas quatro anos51. Essa situação também propiciava a emigração, por dificultar a obtenção de empregos no setor industrial e a produção/venda do algodão no setor agrícola, o que prejudica principalmente os camponeses. Com isso, a dívida industrial e a crise comercial, juntamente com a ênfase no modelo agroexportador, a concentração da renda e a explosão demográfica, contribuíram para fazer com que a emigração fosse a única solução a ser tomada pelo excedente de mão-de-obra durante, principalmente, a década de 1960. Para piorar a situação dos camponeses, em 1967 é eleito presidente de El

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Salvador um notório anticomunista, o coronel Fidel Sánchez Hernández. A política deste coronel favorecia a elite agrária (las catorce52), fazendo com que crescesse ainda mais a reação de insatisfação do camponês e a pressão pela reforma agrária no país. Assim, pode-se perceber que todos esses fatores, juntos, provocaram a insatisfação social e a conseqüente emigração para Honduras, a partir da década de 1930 e intensificada na década de 1960: (i) o modelo monocultor e agroexportador de El Salvador; (ii) a concentração de renda; (iii) a tomada das terras dos camponeses e dos empregos dos trabalhadores urbanos pela elite local; (iv) a violência por parte dos insatisfeitos com a política governamental; (v) as conseqüências da revolta camponesa de 1932, gerando morte, agitação e migração para os centros urbanos salvadorenhos e para Honduras; (vi) o compromisso do governo com as elites e com os militares; (vii) as crises industrial e comercial; e (viii) a explosão demográfica. Passa-se, a seguir, para a análise das condições sociais, políticas e econômicas de Honduras, já que neste Estado ocorreu a maior parte dos fatores que levaram ao conflito armado, para, então, verificar como e por quê se deu a Guerra das Cem Horas.

50

Conforme This Week Central American and Panama, 11 fev. 1980, apud Thomas ANDERSON, Politics in Central America..., 1988; p. 13, nota 9. 51 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1304. 52 Sobre las catorce, ver nota 45 do Capítulo 2.

45

Honduras

“The picture of Honduras that thus emerge is that of the pure essence of a banana republic: poor, Yankee-dominated, and chronically misgoverned from the castle that serves as the presidential palace in the overgrown village of Tegucigalpa”53.

A análise de Honduras, como a de El Salvador, também será realizada a partir de seus aspectos físicos, econômicos, sociais (demográficos) e políticos, nesta ordem, e também levará em conta a situação deste Estado ao longo das décadas de 1950 e 1960, por serem esses os anos antecedentes à Guerra do Futebol.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Estrategicamente localizada, Honduras divide a região centro-americana entre os países do norte, Belize, Guatemala e El Salvador, e os do sul, Nicarágua, Costa Rica e Panamá. É o segundo maior Estado da América Central, com 112.088 km2, sendo cinco vezes maior que El Salvador. Apesar de não ter praticamente acesso ao Oceano Pacífico – apenas 150 km de extensão no Golfo de Fonseca –, Honduras conta com mais de 900 km de costa beirando o Atlântico54. Não há muitos vulcões, o que poderia facilitar a agricultura, mas suas montanhas têm um solo mais pobre que o de El Salvador. Ao norte de Honduras, há grandes florestas e, por causa da malária e da febre amarela, foi uma região inabitada por muito tempo. Em meados do século XX, devido à medicina moderna e à indústria, esta região passou a ser a mais rica do país, com um desenvolvimento social e econômico bastante rápido, principalmente na cidade de San Pedro Sula. Cerca de metade das exportações de Honduras vêm desta região, cujo principal produto é a banana. No interior do país, e próximo à fronteira com El Salvador, a terra é fértil, mas é utilizada por empresas privadas para a criação de gado. Onde o solo já está desgastado ou a terra não é tão fértil, pequenos camponeses hondurenhos tentam a agricultura de subsistência.

53

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 128. Tradução livre: “A impressão que surge de Honduras é a da pura essência de uma república das bananas: pobre, dominadas pelos ianques, e cronicamente mal governada a partir do castelo que serve de palácio presidencial na populosa Tegucigalpa”. 54 Ver Mapa 1, em anexo.

46

A concentração de terras e de riquezas também existe em Honduras, embora em menores proporções que em El Salvador55: em 1952, 43,9% de toda a terra cultivável de Honduras estavam sob o domínio de apenas 0,3% das fazendas56. Apesar da alta concentração de terras, 80% dos 2,5 milhões de habitantes de Honduras residiam no campo na época do conflito e, graças à dimensão territorial deste país, a densidade demográfica é de apenas 21 habitantes/km2 – de sete a oito vezes menor que a de El Salvador57. Também diferente do que ocorre com a elite agrícola de El Salvador, a elite hondurenha é basicamente formada por empresas estrangeiras, sobretudo companhias norte-americanas exploradoras de banana. Em Honduras, o governo alegava que à indústria da banana era inerente a construção de ferrovias e, por

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

isso, adotava uma política que consistia em “doações” de grandes propriedades estatais àqueles que resolvessem explorar a banana, sob a suposição de que as ferrovias seriam ali construídas. Assim acontece com a empresa norte-americana United Fruit Company que, ao se instalar em Honduras em 1912, recebe 175 mil acres do governo (cerca de 50% de toda a terra de que era proprietária), apesar da proibição legal de alienação de terras públicas58. Além da United Fruit, havia ainda duas outras grandes empresas da banana, também norte-americanas, instaladas em Honduras: a Zemurray’s Cuyamel Company e a Standard Fruit and Steamship Company, e ambas receberam terras do governo sob as mesmas “condições” que a United Fruit. Tem início, então, o vínculo político e econômico do governo hondurenho com as poderosas companhias norte-americanas. Na década de 1950, a United Fruit já era proprietária de mais de 300.000 acres, dos quais 34.000 serviam para a plantação de banana e outros 7.000 eram destinados ao arrendamento59. Além da grande quantidade de terras, esta companhia era também proprietária de um dos dois portos de Honduras (o porto de Tela), de ferrovias (Tela Railroad Company), do transporte marítimo, das telecomunicações (Tropical Radio Telegraph), do principal banco de negócios de

55

Segundo Thomas P. Anderson, em El Salvador, 0,2% da população detêm 60% das terras, enquanto 0,8% dos hondurenhos detêm 38% das terras (Politics in Central America..., 1988; p. 128). 56 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 20, n. 34. 57 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 19. 58 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 46. 59 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 47.

47

Honduras (Banco Atlántida), além de outras atividades60. A United Fruit também controlava o petróleo, o tabaco e as indústrias de cerveja, o que fazia com que essa empresa contribuísse, nos anos 50, com mais de US$35 milhões ao ano para a economia local61. Através de suas redes de rodovias/ferrovias, escolas e hospitais, criaram para Honduras uma infra-estrutura que, do contrário, não existiria. Com isso, devido a esse poder econômico, a United Fruit e as outras empresas norteamericanas exerciam uma forte influência política sobre o governo hondurenho. A United Fruit e a Standard Fruit estavam localizadas na costa norte hondurenha e, no início da exploração da banana, a febre amarela e a malária ainda estavam sem controle naquela região. Assim, com vistas a atrair trabalhadores para aquele local, não faltavam atitudes paternalistas às companhias

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

norte-americanas62.

Os

benefícios

oferecidos atraíam principalmente os

caribenhos e os negros que viviam no oeste, e nem tanto os camponeses mestiços do sul. Era uma política proposital, pois se acreditava que os negros e os caribenhos sobreviveriam melhor às precárias condições da costa norte. Com a erradicação da malária e da febre amarela no início do século XX, os benefícios deixaram de ser direcionados e os camponeses mestiços passaram a se interessar pelo trabalho na indústria da banana, gerando um pequeno conflito social entre ambos os grupos (entre os camponeses mestiços e os negros/caribenhos). Para tentar resolver a divergência, o governo hondurenho, na década de 1920, proíbe o trabalho realizado por negros, o que faz com que as empresas de banana optem pela “impor tação” de salvadorenhos. Alguns anos mais tarde, conflitos entre trabalhadores salvadorenhos e hondurenhos iriam eclodir, fazendo com que as empresas de banana também fossem parcialmente culpadas pela construção da rivalidade entre hondurenhos e salvadorenhos. Volta-se agora a atenção para a própria política doméstica deste país para entender outros fatores que levaram ao conflito armado com El Salvador, cuja origem está na adoção de determinadas políticas governamentais. A crise territorial por que passa Honduras nas décadas de 1950 e 1960 tem origem na época da independência, quando a aristocracia agrícola hondurenha 60

Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1301. Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 48-9. 62 Essas empresas ofereciam salários de US$1 ou 2 por dia; enviaram médicos compatriotas para o local com a finalidade de erradicar, ou ao menos minimizar, as doenças, além de 61

48

mantém para si as melhores propriedades de terra, deixando para os camponeses terrenos inférteis ou de difícil acesso. Alguns governos tentaram resolver a questão agrária, mas suas políticas eram obstruídas pelos mais diversos meios, a começar pelas quase sempre fraudulentas eleições. Para se ter um exemplo, desde a constituição da República, em 13/01/1839, Honduras enfrenta golpes de estado com freqüência e, entre 1839 e 1900, teve 64 mudanças de presidentes, levando à sua capital o apelido de “Tegucigolpe” 63. As eleições de maior importância para a compreensão da Guerra do Futebol ocorrem no final da década de 1950. O liberal Ramón Villeda Morales é eleito pelo Congresso em 1957 para um mandato de seis anos e era o único com potencial “para alterar as estruturas econômicas e sociais do país”64. Apesar de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

perceber o extenso poder das companhias norte-americanas, ele cria o Instituto Nacional Agrário (INA) em 06/03/1961 e promulga uma Lei de Reforma Agrária, em 29/09/1962, que, segundo James Rowles, era direcionada contra as companhias norte-americanas65. Dizia o art. 68.1 da lei que apenas os hondurenhos natos estariam qualificados para usufruir as terras estatais e aqueles que não pudessem comprovar essa nacionalidade seriam expulsos dessas terras66. As pressões das empresas norte-americanas obstruíram a adoção das políticas de expulsão criadas com a Lei de Reforma Agrária. O mandato presidencial de Villeda Morales chegava ao fim e um novo presidente subiria ao poder em aproximadamente um ano. As eleições diretas estavam marcadas para 13/10/1963 e o liberal Modesto Rodas Alvarado, que liderava as pesquisas, certamente levaria adiante as reformas iniciadas por Villeda Morales. Ocorre que a influência dos latifundiários, de alguns conservadores e das companhias de banana fez com que, a 10 dias das eleições, um golpe de estado levasse Villeda Morales ao exílio.

prometerem a seus empregados melhores condições de habitação, escolas e serviços hospitalares de qualidade. 63 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 39. É de se ressaltar que alguns políticos estiveram mais de uma vez na presidência. 64 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 23. 65 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 23. 66 Alfredo Bruno BOLOGNA, “ Conflicto Honduras-El Salvador”, 1971; p. 126. Segundo este autor, assim estabelece o Art. 68 da Lei de Reforma Agrária: “Tem capacidade para obter a doação de uma parcela de terra os camponeses que reúnam os seguintes requisitos: 1) ser hondurenhos por nascimento (...)” (p. 126).

49

O novo chefe de estado é o coronel Osvaldo López Arellano, que se sustenta pelo tripé Partido Nacional-militares-Mancha Brava67. Em 16/02/1965, as eleições legislativas ocorrem sob o monitoramento da OEA, o que não impede a fraude, e o Partido Nacional, após obter a maioria dos assentos da Assembléia, “legaliza” a situação do coronel Arellano.

2.2.1 A questão dos salvadorenhos residentes em Honduras

A atitude negativa de “hondurenhos vs. salvadorenhos” foi construída de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

diversas maneiras, contra diversos setores da população, e decorrente de vários motivos. Essas justificativas criaram o mito de que o outro era o “inimigo”. Até o fim da década de 1950, os salvadorenhos não representavam nenhuma ameaça aos hondurenhos. Muitos deles haviam ingressado em Honduras por volta da década de 1930, para trabalhar com o cultivo da banana ou para arar a terra, onde ainda era possível. De acordo com Thomas P. Anderson (1981), assim tem início a construção da rivalidade entre ambos os Estados no que se refere à política agrária e agrícola: “Foi somente no tem po de Osvaldo López Arellano que eles começaram a ser vistos como bode expiatório da óbvia incompetência do governo. A Mancha Brava (...) começou a realizar atividades anti-salvadorenhas em larga escala em 1967” 68.

Assim, as companhias de banana fizeram parte da construção desta rivalidade na costa norte de Honduras em relação ao setor da população constituído pelos trabalhadores urbanos. Também o governo é um grande responsável pela construção desta atitude negativa, conferindo autoridade à Mancha Brava e a outras instituições públicas, com o objetivo de expulsar os salvadorenhos e, assim, acalmar os ânimos dos hondurenhos. Isso ocorre porque o objetivo original da Lei de Reforma Agrária de 1962 era o de proteger os hondurenhos da United Fruit, e não dos salvadorenhos. O art. 68 da lei continha apenas a expressão “hondurenho nato”, e não foi difícil 67

É o braço armado do Partido Nacional, que tinha autorização para “atacar e matar os inimigos do novo governo” (sic) (de acordo com Rafael Leiva Vivas, Un País en Honduras, Tegucigalpa: Emprenta Calderon, 1969, p, 12; apud Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 131).

50

para o governo de Arellano modificar o alvo daquela política, colocando-a contra os salvadorenhos, e não mais contra as empresas norte-americanas, que apoiavam o governo – e eram por ele apoiadas. Dessa forma, quando a corrupção do governo começa a fazer com que a situação da economia hondurenha fique ainda pior, Arellano coloca em prática, em abril de 1969, a lei de reforma agrária de 1962. Em maio do mesmo ano, o diretor do Instituto Nacional Agrário, apoiado pelo presidente, dá início à expulsão dos salvadorenhos. Havia certa resistência por parte dos salvadorenhos em retornar a seu país, já que as condições de sobrevivência em El Salvador eram ainda piores que em Honduras. Assim, a Mancha Brava, o Departamiento de Investigaciones Nacionales (polícia secreta) e o Exército passaram a utilizar

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

métodos desumanos e violentos, incluindo assassinatos, para expulsar os salvadorenhos69. Essa nova “política” foi aparente mente apoiada por todos os grupos da sociedade hondurenha: (i) os que estavam insatisfeitos com a situação de Honduras no MCCA; (ii) os trabalhadores das empresas de banana; (iii) os camponeses; e (iv) os grandes latifundiários. O governo e a imprensa, portanto, foram apenas os meios condutores – e os incentivadores – da construção desta atitude negativa. Havia uma insatisfação generalizada em relação à situação de Honduras dentro do MCCA e na balança comercial hondurenha havia um déficit de cerca de US$ 17 milhões70 no ano de 1967, por causa das normas de exportação e importação impostas pelo MCCA. Essas regras contribuíram para que a disparidade econômica entre Honduras e El Salvador aumentasse ainda mais, desequilibrando por completo a relação entre os dois países. A medida de expulsão dos salvadorenhos, portanto, também deve ser observada sob este pano de fundo – teria sido uma forma de Honduras responder às pressões do MCCA sem, no entanto, se deixar humilhar pela pressão salvadorenha. Neste sentido, é de se notar que: “Seria excessivo afirmar que, provocando o êxodo de residentes salvadorenhos, Honduras tentou romper com o Mercado Comum, mas parece verdade que 68

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 133. Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 134. 70 Bank of London and South America Review, já citado, p. 673, apud Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1308, nota 37. 69

51

impondo, assim, um freio ao expansionismo salvadorenho e colocando um grave problema ao governo de San Salvador, Honduras jogou sua última carta para obter ‘à força’ uma transformação em suas relações econômicas com seu vizinho” 71.

As relações econômicas entre Honduras e El Salvador, no âmbito do MCCA, por conseguinte, constituem um importante fator para a construção da rivalidade entre as populações e o fato de Honduras assinar acordos bilaterais com os outros três Estados centro-americanos logo após o término da Guerra do Futebol confirma a hipótese de que a experiência do MCCA deixou cicatrizes na economia hondurenha. Também aos trabalhadores das empresas de banana interessava a expulsão dos salvadorenhos e este setor da população hondurenha influenciou, a seu modo,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

na construção da rivalidade contra os salvadorenhos. Havia dois tipos de salvadorenhos residentes em Honduras: os mais pobres, localizados no sul e nas áreas próximas à fronteira, e os ricos artesãos e mercadores, que pretendiam expandir seus negócios para a próspera costa norte de Honduras. Uma grande greve em 1954, organizada pelos trabalhadores das indústrias da banana, foi muito importante para o movimento de massas hondurenho, que nunca havia se manifestado. A partir daí, as associações desses trabalhadores ficaram ainda mais fortalecidas politicamente e muitos dos sindicatos e confederações surgidos nessa época passaram a influenciar algumas decisões do governo, apesar de não terem poder suficiente para controlá-lo. Esse episódio fez com que, por exemplo, apenas hondurenhos fossem empregados nas empresas frutíferas; até o ano de 1954, 15% dos empregados eram de nacionalidade salvadorenha72. Além das exigências na esfera laboral, como o aumento salarial ou a diminuição da jornada de trabalho, os sindicatos começam a pressionar o governo para a realização da reforma agrária. A eles, também, interessava apenas a expropriação de salvadorenhos: “Se, como foi no caso da Guatemala, esta reforma fosse realizada através da expropriação das grandes companhias de banana, os sindicatos seriam os perdedores; uma estranha aliança, portanto, surgiu e tinha apenas um alvo para a expropriação: os salvadorenhos” 73.

71

Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1310. Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 57. 73 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 58-9. 72

52

Isso ocorre porque os salvadorenhos imigrantes dirigiam-se, principalmente, para a costa norte, atraídos pelos benefícios oferecidos pelas empresas de banana. Quando, no início do século XX, os negros foram proibidos de trabalhar e as vagas dessas empresas começaram a ser tomadas pelos salvadorenhos, o governo hondurenho não se incomodou – até apreciava que estivessem indo para a despovoada região norte. Ocorre que a necessidade de sustento de salvadorenhos imigrantes levava-os a se submeterem a trabalhos recusados pelos empregados hondurenhos, fazendo com que os salários, inclusive de hondurenhos, ficassem ainda mais baixos. Por esses motivos, os trabalhadores hondurenhos passaram a fazer pressão para a adoção da reforma agrária pelo governo contra os imigrantes

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

salvadorenhos. O setor da população hondurenha constituído pelos camponeses também se interessava pela expulsão dos salvadorenhos. O número de imigrantes salvadorenhos que chegaram na décadas de 1950 e 1960 no país era tão alto que o governo hondurenho não conseguia manter o controle. A imensa maioria desses imigrantes trabalhava no campo, tendo sido praticamente expulsos de El Salvador por causa das condições de miserabilidade em que viviam. Após ingressar em Honduras, abria-se a esses camponeses imigrantes apenas duas opções: tornar-se indigente ou ladrão nas ruas dos centros urbanos, ou fixar-se como posseiros nas terras de domínio estatal, que correspondiam a ¾ do território nacional. Além disso, o aumento da produção algodoeira neste país durante a década de 1950 fez com que camponeses salvadorenhos começassem a ser requisitados pelas fazendas de Honduras, por serem considerados mão-de-obra qualificada e experiente no cultivo deste produto. Para complicar ainda mais a situação, alguns desses proprietários eram fazendeiros salvadorenhos que preferiam contratar seus compatriotas, gerando, assim, um grande número de desempregados entre os camponeses hondurenhos. Por toda essa situação, também os camponeses, organizados sob a sigla da Asociación Nacional de Campesinos Hondureños (ANACH), conseguiram influenciar o governo de Arellano a realizar a reforma agrária contra os salvadorenhos. Os grandes latifundiários hondurenhos, por sua vez, começam a construção da rivalidade contra os salvadorenhos em meados da década de 1960. Na

53

realidade, não era uma atitude negativa direcionada aos imigrantes salvadorenhos, mas sim aos camponeses e posseiros em geral. Ocorre que muitos dos imigrantes salvadorenhos enquadravam-se em uma dessas duas categorias e, portanto, foram alvo dos latifundiários74, que desejavam a manutenção integral de suas imensas propriedades rurais. Esse setor da população pressionava o governo através da poderosa Federación Nacional de Agricultores y Ganaderos de Honduras (FENAGH). A principal representante dos interesses oligárquicos atuava no nível do governo e, sob a máscara do patriotismo, desejava que não fosse realizada a reforma agrária, a fim de que se perpetuassem os latifúndios, e que os posseiros fossem expulsos das terras.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Com isso, os diversos segmentos da sociedade civil hondurenha – os insatisfeitos com a situação econômica de Honduras no MCCA, os trabalhadores das empresas de banana, os camponeses e os grandes latifundiários – viram na expulsão dos salvadorenhos uma solução para alguns de seus principais problemas da década de 1960. A imprensa e o governo hondurenhos apenas conduziram essas questões a uma situação praticamente insustentável, que levou à eclosão do conflito armado entre Honduras e El Salvador. Dentro desse contexto de rivalidades, o papel da imprensa foi fundamental. Os jornais hondurenhos noticiavam que os salvadorenhos seriam os principais responsáveis pela crise de desemprego que assolava o país, o que afetava os trabalhadores urbanos da costa norte, bem como noticiavam que os salvadorenhos cultivavam a terra estatal próxima à fronteira, o que afetava os camponeses hondurenhos sem acesso à terra. As hostilidades contra salvadorenhos por parte dos meios de comunicação têm início no ano de 1967, com a imprensa hondurenha cada vez mais ativa. Em janeiro daquele ano, quando um novo tratado bilateral referente à imigração é assinado entre os dois países, o jornal El Pueblo declara que “agora teremos mais salvadorenhos que hondurenhos”75. É o mesmo jornal que, em 05/06/67, discorre 74

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 137. Este autor observa que, em 24/11/1967, uma carta da FENAGH dirigida ao presidente Arellano denuncia que “são estrangeiros os que usurpam as propriedades rurais, especialmente os de nacionalidade salvadorenha” e em uma declaração de 26/06/69, a FENAGH acusa o diretor do INA de não aplicar corretamente a Lei de Reforma Agrária de 1962. 75 Jornal El Pueblo, de 16/02/67, apud Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 80. Infelizmente, apenas tive acesso ao título dessa matéria, e em inglês.

54

sobre a probabilidade de “desintegração social” em Honduras, causada pelos salvadorenhos76. Ao El Pueblo soma-se o Diario Tribuna Gráfica e El Cronista, que publicavam notícias reveladoras do sentimento anti-salvadorenho que existia no país, com títulos do tipo “salvadorenhos repelidos de 10 cidades de Yoro”77, entre outros. Neste sentido, é interessante notar: “Na América Central os aparelhos de televisão são poucos, e a maioria da s notícias que são absorvidas pelos homens nas ruas vêm dos jornais escritos. Além disso, como boa parte da população tem uma educação precária, as palavras escritas ganham um aspecto sagrado: se algo está nos jornais deve ser verdade. Portanto, não é surpreendente que uma histérica onda anti-salvadorenha tenha tomado conta do país” 78.

Nesse clima de insatisfação política, econômica e social, algumas greves,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

iniciadas na região norte e alastradas por todo o país, ocorrem em 1968 e em meados de 1969. No começo do ano de 1969, a pressão de todos esses acontecimentos começa a ser sentida pelos hondurenhos que, em conjunto com o governo, através da Guarda Civil, apelam para a violência física contra os salvadorenhos residentes em Honduras. A expulsão oficial dos salvadorenhos teve início em maio de 1969. O então diretor do INA, o engenheiro Rigoberto Sandoval Corea, acreditava ser mais fácil expropriar os salvadorenhos, ainda que pela força, do que tentar tomar a terra dos latifundiários hondurenhos ou das empresas norte-americanas. Assim, em maio daquele ano, ele começa a invadir as terras dos posseiros, pedindo-lhes documentos que comprovassem a nacionalidade hondurenha e a propriedade da terra. Os salvadorenhos, que não podiam responder a essas questões, eram taxados de imigrantes ilegais, e ficavam sujeitos à expulsão sem direito a indenização com a obrigação legal de abandonar o local em, no máximo, trinta dias79. Com isso, no começo de junho de 1969, cerca de 500 famílias salvadorenhas foram oficialmente expulsas das terras de Honduras, tendo seus pertences tomados pelos representantes do INA80.

76

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 78-9. Título de uma matéria publicada em El Cronista, de acordo com Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 93. 78 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 94. 79 De acordo com os arquivos do Ministério das Relações Exteriores de El Salvador, apud Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 92. 80 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 86. 77

55

É de se notar, voltando-se a atenção para os salvadorenhos expulsos, que o retorno a El Salvador contribuía para o agravamento das condições daquele país, já em dificuldades econômicas. A isso soma-se o fato de que a imprensa salvadorenha, tal como a hondurenha, noticiava exageradamente os eventos que ocorriam em Honduras com os salvadorenhos lá residentes, tais como as ações do INA e da Mancha Brava, bem como as violências físicas realizadas pelos próprios camponeses e trabalhadores urbanos hondurenhos, entre outras. Em meio a todo esse clima de revolta e de rivalidade entre os dois Estados vizinhos, ocorrem as partidas de futebol durante as eliminatórias regionais para a Copa do Mundo de 1970. Existem controvérsias em relação ao que realmente ocorreu por conta das duas primeiras partidas de futebol e, por isso, as diferentes

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

opiniões serão levadas em consideração. Em 08/06/1969 ocorre a primeira de três partidas, em Tegucigalpa. Honduras vence o jogo, já que o time salvadorenho, tendo chegado à noite nesta cidade, foi impedido de dormir por causa das manifestações, apitos e fogos de artifício do lado de fora do hotel em que se hospedou. Alfredo Bruno Bologna é um dos únicos autores a afirmar que, já nessa partida, os sete mil salvadorenhos que foram a Tegucigalpa para assistir ao jogo “foram hostilizados de todas as formas nos hotéis, nos restaurantes, nas ruas e nos estádios”81. A segunda partida é realizada em San Salvador, em 15/06/1969. Por duas noites, de 13 a 15 de junho, não se dormiu próximo ao hotel em que se hospedou a seleção hondurenha, pelos mesmos motivos acima, e a vitória da partida é de El Salvador. Esta partida é a que mais oferece controvérsias entre os autores das obras em estudo. Sabe-se que muitos hondurenhos foram a San Salvador para assistir ao segundo jogo e que a população salvadorenha estava bastante agitada com os acontecimentos que vinham ocorrendo em Honduras. Thomas P. Anderson afirma que, naquela noite, muitos automóveis foram quebrados e que apenas dois hondurenhos foram feridos: uma mulher quebrou o nariz e um homem foi hospitalizado. Ainda segundo este autor, as notícias do jogo chegaram em Honduras superdimensionadas pelos meios de comunicação, que

81 Obdulio Nunfio, “Radiografía de la guerra del fútbol o de las cien horas”, em Revista Mexicana de Sociología, maio-junho de 1970; p. 673, apud Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras-El Salvador”, 1971; p. 168.

56

publicaram uma foto do ensangüentado nariz da mulher e relataram que muitos hondurenhos foram espancados. Alain Rouquié (1971), por sua vez, acredita que naquele segundo jogo de futebol centenas de hondurenhos foram efetivamente feridos por salvadorenhos e que, por isso, no dia seguinte, em diversas partes de Honduras, principalmente na zona rural, vários hondurenhos atacaram os salvadorenhos residentes, roubando seus pertences e forçando sua fuga. Vincent Cable (1969) afirma que algumas hostilidades já haviam ocorrido em Tegucigalpa após o primeiro jogo e que após o segundo jogo as famílias dos jogadores teriam sido atacadas, suas mulheres violentadas e a bandeira hondurenha profanada82.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, ressalta que, por conta do segundo jogo, teriam ocorrido“atos de violência contra visitantes hondurenhos e de ofensa aos símbolos nacionais de Honduras”83, sem, no entanto, especificar que tipos de atos foram aqueles e sem nada mencionar sobre o primeiro jogo. Inobstante a divergência no que se refere ao que realmente ocorreu naquele dia, os autores concordam sobre a atuação dos meios de comunicação logo após este episódio, já que a rádio e a imprensa hondurenhas dão início a uma intensa campanha anti-salvadorenha, fazendo com que a CIDH recomendasse aos governos de ambos os Estados: “Requerer à imprensa e à radiodifusão o cessar de toda a propaganda que induza a atos de perseguição ou que gerem o temor de que tais atos possam ocorrer” 84.

Pelo exposto, os fatores de maior relevância para a explicação do início do conflito armado são: (i) a concentração de renda em ambos os Estados; (ii) a explosão demográfica em El Salvador e sua conseqüente emigração em massa para Honduras; (iii) os problemas no mercado de trabalho hondurenho decorrentes da imigração de salvadorenhos; e (iv) as crises econômicas e políticas por que passavam cada Estado. O governo e os meios de comunicação de ambos os países contribuíram para a expansão da rivalidade entre as populações até o momento em 82

p. 662.

Vincent CABLE, “The ‘Football War’ and the Central American Common Market”, 1969;

83 Resolução aprovada em 07/08/1969 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de acordo com o Relatório Especial da OEA, de 29/04/1970. 84 Resolução aprovada em 07/08/1969 pela CIDH.

57

que a única solução, aos olhos do governo salvadorenho, era a invasão do território de Honduras. Assim, pode-se compreender melhor como todos esses fatores, juntos, fizeram com que eclodisse o conflito armado entre Honduras e El Salvador. O próximo item tratará das medidas adotadas por ambos os países na iminência da guerra, bem como as ações realizadas pela diplomacia – na região e no âmbito da OEA – para tentar evitar ou diminuir os prejuízos sociais, políticos e econômicos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

que decorreriam do confronto.

58

2.3 A Guerra do Futebol

“(...) the key to this tragic conflict lay in the thousands of simple peasants on both sides of the border, peasants like those throughout Central America, dispossessed by arrogant oligarchies linked to military dictatorships”85.

Exposta a situação geral em que se encontravam os países, parte-se para o item 2.3, em que serão brevemente expostas as fases do conflito. O conflito em questão pode ser dividido em quatro grandes fases, cujos limites se sobrepõem e que, a seguir, são isoladas apenas para fornecer uma melhor compreensão do todo. A primeira fase compreende um grupo de acontecimentos intimamente ligados ao conflito, quais sejam: (i) os seus antecedentes, (ii) o conflito PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

propriamente dito e (iii) a sua resolução imediata, em que se destaca a ação coletiva da OEA, que impõe e, logo depois, monitora um cessar-fogo entre as partes. A segunda fase corresponde a um momento de debates sob a supervisão do mediador peruano José Luis Bustamante y Rivero, que resulta no acordo, em 1976, em assinar o Tratado Geral de Paz86, fixando prazos para a delimitação dos trechos questionados e regulamentando o fluxo de indivíduos entre ambos os Estados. A terceira fase, por sua vez, é a que ocorre no âmbito da CIJ entre 1986 e 1992. Corresponderia, portanto, a uma resolução mediata do conflito, em contraposição à supramencionada resolução imediata, realizada pela OEA. Esta fase tem início em dezembro de 1986, quando ambos os Estados requerem à CIJ a formação de uma Câmara Especial, com a finalidade de definir as fronteiras nos pontos não delimitados pelo Tratado de 1980. A Câmara é constituída em 08/05/1987 e sua decisão final ocorre apenas em 11/09/1992. A quarta e última fase tem início quando da sentença definitiva da CIJ e chega aos dias atuais; corresponderia, portanto, ao momento da implementação do que fora decidido no âmbito judicial. Ocorre que a implementação da decisão de 1992 ainda está por ocorrer, uma vez que El Salvador não tem se mostrado 85

Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 2. Tradução livre: “(...) a chave para este trágico conflito está nos milhares de humildes camponeses dos dois lados da fronteira, camponeses como os que estão por toda a América Central, desapossados por oligarquias arrogantes vinculadas a ditaduras militares”.

59

favorável ao total cumprimento da demarcação da fronteira tal como delimitada pela CIJ. Tal descumprimento fez com que Honduras apresentasse uma denúncia formal ao Conselho de Segurança da ONU em face de El Salvador. Apesar de não se ter tido acesso ao documento oficial correspondente à denúncia, sabe-se que ela teria ocorrido em janeiro e em março de 2002. O principal objetivo deste trabalho é a análise da atuação da OEA, no fim da primeira fase – vide o Capítulo 3 –, de modo a verificar que as organizações internacionais, em especial as de natureza regional, podem atuar com sucesso através de papéis mais complexos e mais relevantes que o de simples instrumento

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

da política externa de Estados mais poderosos.

2.3.1 O Desenrolar do Conflito Armado

A primeira fase engloba os antecedentes do conflito, o conflito propriamente dito e a sua resolução imediata, através da atuação da OEA. Os antecedentes foram expostos no item 2.2, os detalhes da atuação da OEA serão delineados pelo Capítulo 3 e, no presente item, serão descritos os eventos imediatamente anteriores ao início do conflito armado bem como as medidas adotadas pelos Estados ao longo do conflito. Em 1967, a situação entre hondurenhos e salvadorenhos começa a se deteriorar rapidamente. Em maio daquele ano, tem início a tensão nas fronteiras, quando é capturado por salvadorenhos um criminoso hondurenho que residia nessa área e que era amigo do coronel Arellano. No mês seguinte, uma tropa salvadorenha com cerca de 40 homens foi detida quando estava na cidade hondurenha de Nueva Ocotepeque, localizada próxima à fronteira. Ambos os incidentes, bem como os tiroteios que esporadicamente ocorriam naquelas áreas, foram noticiados de maneira escandalosa e desproporcional tanto em Honduras como em El Salvador. Para tentar resolver a situação, o embaixador de El Salvador no México se oferece como árbitro da questão e é aceito por ambos os países. Há uma reunião

86

Tal tratado foi efetivamente assinado em 30/10/1980.

60

na ODECA em San Salvador, em julho de 1968, na qual até o Presidente Lyndon Johnson comparece. A troca de prisioneiros é realizada sob o olhar do presidente norte-americano, o que não conseguiu diminuir a tensão na região. Em 1969 voltam a ocorrer importantes eventos na relação entre os dois países. Em janeiro, Honduras se recusa a renovar um tratado bilateral, assinado com El Salvador em 1967, cujo objeto é a imigração. Apenas quatro meses mais tarde, o presidente hondurenho Arellano utiliza-se da Lei de Reforma Agrária de 1962 para legitimar a expulsão de centenas de imigrantes das terras de Honduras. Soma-se a isso as greves iniciadas em San Pedro Sula pelos trabalhadores urbanos, e as violentas invasões de terra realizadas pelos camponeses hondurenhos87.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Nesse momento a mídia regional começa a ter maior influência na incitação das populações, pois a imprensa hondurenha, acompanhando o movimento do governo, começa a culpar explicitamente os salvadorenhos pela grave crise de desemprego por que passam os hondurenhos, além de superdimensionar as notícias de violência contra hondurenhos nos pequenos conflitos da região fronteiriça. O mesmo fazia a imprensa salvadorenha, também incentivada pelo governo local, e começam a circular pelas cidades mapas em que a fronteira de El Salvador chegava até a costa norte, incluindo, portanto, parte do território hondurenho88. Todos esses fatores contribuíram para o regresso voluntário e involuntário, através da expulsão, de mais de 14 mil salvadorenhos89 até o fim de maio. Em meados de junho, ocorrem as preliminares regionais para a Copa do Mundo. Seriam três as partidas, e apenas duas acontecem nos locais previstos, tendo sido a primeira realizada em Tegucigalpa e a segunda, em San Salvador. A terceira partida, por causa da violência, é transferida para a Cidade do México90. Após a segunda partida, as notícias da (real ou fictícia) violência contra hondurenhos em San Salvador são difundidas pela mídia de maneira exagerada. A conseqüência imediata é a revolta dos hondurenhos, em níveis cada vez mais 87

terra.

88

Algumas contra os camponeses salvadorenhos e outras contra grandes proprietários de

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 142 e Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 170. 89 Dados da CIDH, apud Alfredo Bruno BOLOGNA (“Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 158). Durante o ano de 1969, 80 mil salvadorenhos teriam deixado aquele país (Thomas P. ANDERSON, Politics in Central America, 1988; p. 13).

61

elevados, contra os salvadorenhos residentes em Honduras, e muitos são levados à morte. No momento, deve-se inserir um breve comentário à natureza do conflito em estudo. Nota-se que a divergência entre Honduras e El Salvador tem fundamentos

territoriais/fronteiriços,

sociais,

demográficos,

políticos

e

econômicos. É um conflito de origens fronteiriças e territoriais, já que alguns pontos da fronteira entre Honduras e El Salvador não estavam claramente delimitados e outros pontos, apesar de delimitados, estavam sendo questionados pelas população local, residente nas proximidades das áreas de fronteira. Não é propriamente um conflito de fronteira, embora tenha levado este nome quando da ação proposta no âmbito da CIJ. Sem dúvida, as origens são fronteiriças, mas a

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

explosão demográfica em El Salvador, a alta taxa de concentração de terra na região bem como a crise econômica e política de ambos os países contribuíram fortemente para a eclosão do conflito. O fato de as fronteiras serem imprecisas propiciou a imigração salvadorenha e deu origem a pequenos conflitos fronteiriços entre a população local. Por isso faz-se necessária a delimitação das fronteiras: para tentar fazer com que cada Estado, sabendo onde inicia e onde termina o seu território nacional, possa melhor controlar os fluxos migratórios. Passa-se, no momento, para o relato da própria Guerra do Futebol, com a descrição dos eventos ocorridos nos dias imediatamente anteriores a seu início. Os acontecimentos de junho de 1969 inauguram a primeira fase do conflito: é neste mês que a situação na região começa a tomar rumos bastante complexos. Depois do segundo jogo de futebol, do dia 15/06, a população de Honduras, acreditando ter havido um massacre de seus nacionais em San Salvador, inicia a onda de violência contra os imigrantes salvadorenhos. A diplomacia tenta evitar uma resposta armada de El Salvador, e Francisco José Guerrero, o chanceler salvadorenho, em 19/06, envia uma carta a seu colega hondurenho, em que comenta a distorção e a dimensão ampliada que tomaram os acontecimentos e pede para que o governo hondurenho tome alguma medida para

90

Em 27 de junho, El Salvador vence o terceiro jogo.

62

proteger a vida, a segurança e a propriedade dos salvadorenhos residentes em Honduras91. No dia seguinte, é aprovada na Assembléia Nacional de El Salvador uma resolução que censura os acontecimentos violentos contra os salvadorenhos e expressa o desejo de ver a crise resolvida de “forma ju sta”. Naquele momento, o governo salvadorenho começa a se preparar, militarmente, para um futuro ataque a seu vizinho. Alguns dias mais tarde, em 25/06, Guerrero envia um telegrama ao então secretário-geral da OEA, Galo Plaza Lasso, oferecendo uma denúncia formal contra Honduras pelo genocídio92 ocorrido contra seus nacionais e requerendo a visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (“CIDH”), ou de uma

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Subcomissão, à região para investigar os acontecimentos. Em 26/06, Guerrero corta relações diplomáticas com Honduras através de uma carta em que alega que o governo hondurenho não tomara medidas para punir os criminosos de genocídio nem para requerer indenização pelos danos causados aos salvadorenhos93. No dia seguinte, em 27/06, o chanceler hondurenho responde, durante o programa de rádio La Voz de Honduras, que o seu vizinho provocou uma sensação de estado de guerra e que uma reunião na chancelaria tentaria resolver o problema naquele mesmo dia. Ainda em 27/06 é oferecida aos Estados litigantes a mediação tripartite dos Ministros das Relações Exteriores da Guatemala, da Nicarágua e da Costa Rica (Alberto Fuentes Mohr, Lorenzo Guerrero e Fernando Lara Bustamante, respectivamente). Este trio de mediadores constitui a tentativa centro-americana de resolver pacificamente o conflito, incentivada pela ODECA. No dia seguinte ao da constituição do trio de mediadores, Honduras e El Salvador aceitam-no como legítimo para resolver a controvérsia.

91

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 104. A acusação de “genocídio”, peça essencial do dossiê diplomático salvado renho, foi objeto de um estudo jurídico oficial; ver Genocídio en Centroamérica: estudio jurídico-penal del ‘Caso Honduras’ , por Manuel Castro Ramírez, Manuel Arrieta Gallegos, Arturo Zeledón Castrillo, San Salvador, Publicaciones de la Secretaria de Información de la Presidencia de la República, 23 de julho de 1969, apud Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1292, nota 4. 93 Carta de Francisco José Guerrero para Tiburcio Carías Castillo, em 26/06/1969, apud Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 105. Tradução livre: “o governo de Honduras não tomou medidas efetivas para punir os crimes que constituem genocídio, nem deu garantias de indenização ou de reparação pelos danos causados aos salvadorenhos”. 92

63

Paralelo ao início deste procedimento diplomático para tentar resolver o que (supostamente) teria ocorrido na segunda partida de futebol, o governo hondurenho continua a hostilizar os salvadorenhos residentes em Honduras, através do que foi qualificado, mais tarde pela CIDH como: “Uma onda de agressão e violência contr a salvadorenhos residentes no dito país [Honduras], suas propriedades e indústrias, levando a excessos brutais e ao cometimento de graves crimes, provocando um êxodo literal de salvadorenhos do país... sob as mais dolorosas circunstâncias” 94.

Os jornais hondurenhos, que já haviam começado a espalhar o “anti salvadorismo”, continuam publicando acontecimentos sobre a violência, organizada por hondurenhos, em nome da “retaliação” do que supostamente ocorrera no segundo jogo de futebol. Em El Salvador, por sua vez, os jornais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

também não estão isentos e o El Diário de Hoy publica, em 26/06/69, que o vicecônsul salvadorenho da cidade de Tela (em Honduras) teria sido assassinado ao entrar em sua residência95. Essa exagerada reação dos meios de comunicação de ambos os países levou a CIDH a afirmar que “nos eventos ocorridos em El Salvador e em Honduras, a imprensa e a rádio têm enorme responsabilidade”96. Volta-se aos fatos ocorridos antes do conflito, por serem questionáveis em dois diferentes momentos: não se sabe ao certo a dimensão da violência em San Salvador por ocasião da segunda partida de futebol, nem a reação dos hondurenhos contra os residentes salvadorenhos em nome de uma suposta retaliação. Thomas P. Anderson (1981) acredita que os próprios registros de ocorrência da violência contra os salvadorenhos podem ter sido inventados, pois muitos contavam histórias das atrocidades, mas nenhum deles efetivamente presenciou nenhum tipo de violência física97. Em suas entrevistas e leituras realizadas em El Salvador, este autor descobriu que: “A questão da condição desses refugiados de Honduras é controvertida. Se se acredita nos jornais salvadorenhos da época, a maioria dos refugiados teria sido sujeita a tratamentos extremamente brutos; mas os registros da Cruz Vermelha, conforme aponta o Sr. Llort, não confirmam esta impressão. Os salvadorenhos

94

Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Informe Preliminar de la Comisión, Washington, D.C.: OEA, 1969, p. 13; apud Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 97. 95 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 101. 96 Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Informe Preliminar de la Comisión, Washington, D.C.: OEA, 1969, p. 14-5; apud Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 101. 97 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 103.

64

estavam exaustos, desorientados, e com freqüência famintos, mas eles não estavam machucados” 98.

Existe, portanto, a possibilidade de não ter havido uma reação tão violenta por parte dos hondurenhos depois do 2o jogo, embora tenha sido amplamente divulgada pela mídia. Isso quer dizer que o papel dos meios de comunicação foi de fundamental importância para a criação da violência direta naquele momento, tal como mencionado pela CIDH. Assim, caso realmente tenha havido alguma violência física contra os salvadorenhos residentes em Honduras99, elas não eram tão generalizadas como levavam a crer os jornais de El Salvador, e o medo da morte ou da perseguição acabava expulsando, por si, muitos salvadorenhos. Os primeiros dias de julho de 1969 encontram uma situação bastante tensa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

ao longo da fronteira, e pequenos porém freqüentes incidentes parecem incitar ainda mais a rivalidade entre os países. No dia 02/07, El Salvador convoca suas tropas, que passam a se concentrar em pontos estratégicos ao longo da fronteira e, no dia seguinte, 03/07, tem início a primeira luta na região: um avião hondurenho, modelo C-47, é derrubado por metralhadoras salvadorenhas após a decolagem de Nueva Ocotepeque, por invadir o espaço aéreo de El Salvador100. A partir de então, todas as noites ouve-se morteiros, especialmente na região fronteiriça entre Nueva Ocotepeque e El Poy. No dia 04/07, Honduras envia um telegrama ao Conselho Permanente da OEA, denunciando a queda do avião hondurenho em Nueva Ocotepeque, dizendo, ainda, ter sofrido invasão de espaço aéreo por aviões salvadorenhos – alguns aviões salvadorenhos, pilotados por civis integrantes da elite, teriam sobrevoado Honduras por diversas vezes ao longo do mês de junho, com o objetivo de fazer um reconhecimento do terreno101. O então Ministro das Relações Exteriores de Honduras, Tiburcio Carías Castillo, em uma carta para a OEA datada de 08/07, estima que, dos 300 mil 98

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 102. O “sr. Llort” é Baltasar Llort Escalante, o então chefe da Cruz Vermelha salvadorenha. 99 Não se pode simplesmente descartar essa hipótese. 100 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 109. Há uma pequena faixa para pousos e decolagens na cidade hondurenha de Nueva Ocotepeque, localizada a 8km da fronteira com El Salvador. A versão hondurenha estabelece que os aviões que decolam em direção ao sul precisam invadir uma pequena parte do espaço aéreo salvadorenho, para não colidirem com os aviões provenientes desta direção. A versão salvadorenha observa que a cidade é a 8km da fronteira e que, portanto, teria havido a intenção de espionar por parte de Honduras (James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 267).

65

salvadorenhos que residiam em seu país até o início da guerra de 1969, 18 mil já haviam retornado a El Salvador, ou seja, a maioria permanece em Honduras102. Não há na carta nenhuma menção sobre os motivos pelos quais esses salvadorenhos teriam regressado a seu país de origem. Deve-se atentar para o fato de que há várias situações ocorrendo de maneira simultânea a nível regional e a nível estatal ao longo dos meses de junho e julho: a OEA já foi acionada e atua através da CIDH; a ODECA também está presente através do apoio ao trio de mediadores centro-americanos103; o governo de El Salvador começa a se preparar para invadir o território hondurenho; o governo de Honduras, pressionado por grupos de influência, continua a perseguição de salvadorenhos em seu território; cerca de 18 mil salvadorenhos cruzam as

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

fronteiras em poucos meses; e os meios de comunicação de ambos os países continuam a incitar psicologicamente as populações. Na região fronteiriça, o fogo cruzado continua e, ainda no início de julho, o trio de mediadores requer a retirada das tropas localizadas nas zonas de maior instabilidade, o que é negado por El Salvador em 12/07. Em 13/07, os ataques se intensificam, e o principal foco de violência continua sendo a região próxima a El Poy-Nueva Ocotepeque. É difícil saber o que fez com que El Salvador optasse pela invasão de Honduras104, mas a estratégia militar adotada pelos salvadorenhos bem como o reconhecimento aéreo do território de Honduras derrubam a hipótese de que teria sido uma decisão de última hora. No que se refere à razão pela qual o governo salvadorenho teria optado pela invasão a Honduras, o próprio coronel Fidel Sánchez Hernández fez notar que estava sob forte pressão, exercida pela opinião pública, e que, caso não invadisse Honduras no dia 14, um golpe de estado prometido pelos militares ocorreria em 24 horas105. Com isso, Sánchez afirma que o objetivo da guerra foi o de pressionar

101

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 110. Carta de Tiburcio Carías Castillo a Galo Plaza Lasso, em 08/07/69, em “Correspondencia Despachado”, Julio 1969, apud Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 103. 103 As reuniões extraordinárias dos Ministros das Relações Exteriores na ODECA devem adotar suas medidas por unanimidade (art. 5o da Carta da ODECA), o que fez com que a ODECA não pudesse funcionar de forma plena (Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 155). 104 Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 110. 105 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 143. 102

66

Honduras a mudar sua política anti-salvadorenha, e que se os salvadorenhos quisessem vitória total, teriam invadido ao longo de toda a fronteira e não somente em pontos específicos. A tática adotada, no entanto, levava-o em pouco tempo à sede do poder hondurenho, em Tegucigalpa. O coronel Sánchez pensou que seria ajudado pela população e pelos políticos hondurenhos, que o levariam para Tegucigalpa, pois, segundo seus cálculos, estariam todos insatisfeitos com o governo local. Ocorre que: “O erro de percepção está no fato de assumir que os políticos hondurenhos odiavam mais seu ditador que a intervenção estrangeira. Na realidade, todos os segmentos da opinião pública hondurenha – os sindicatos, os partidos de oposição, e a classe média – apoiaram o governo quando a pátria pareceu estar em perigo” 106.

Para explicar a estratégia militar adotada por El Salvador, é preciso antes PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

observar que há apenas duas principais estradas entre Honduras e El Salvador: a Rota Pan-americana, que passa por Nacaome (próxima à costa hondurenha do Pacífico), e a Rota 4, que passa por Nueva Ocotepeque (próxima à fronteira com a Guatemala). Ambas as rotas levam à costa norte de Honduras e, por conseguinte, ao oceano Atlântico107. A rota Pan-americana cruza a fronteira na cidade de El Amatillo (El Salvador), passando pela ponte sob o rio Goascarán, seguindo, já do lado hondurenho, para a cidade de Nacaome, onde se divide em duas outras rodovias, sendo uma delas a que leva a Tegucigalpa, em apenas 97 km. De lá, segue para San Pedro Sula e para a costa norte. A Rota 4, por sua vez, tem início na cidade salvadorenha de Chalatenango, cruza a fronteira e segue para Nueva Ocotepeque e, de lá, para a costa norte. Há ainda uma terceira rota, menor que as outras duas, que atravessa a fronteira junto à província de La Paz, passa por Marcala e chega à estrada Tegucigalpa-San Pedro Sula logo adiante. Esta via alternativa, por suas precárias condições, não agüentaria os aparatos militares. Considerando o fato de o terreno de Honduras ser bastante acidentado e aproveitando-se das vias acima descritas, foi assim planejada a invasão terrestre por parte de El Salvador: o Exército se concentraria em quatro áreas estratégicas, chamadas de “Teatros de Operações”, localizados (i) próximo a Nueva

106 107

Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 112. Ver Mapa 2, em anexo.

67

Ocotepeque (Honduras); (ii) perto da ponte do rio Goascarán, onde a Panamericana cruza a fronteira; (iii) ao sul da cidade de Marcala (Honduras); e (iv) próximo a Chalatenango (El Salvador)108. Como se vê, trata-se de uma estratégia que tem como principal objetivo cercar Honduras e, ao mesmo tempo, possibilitar a chegada dos militares salvadorenhos a importantes cidades em poucos dias. Além do Exército, também a Aeronáutica salvadorenha foi mobilizada para o ataque: eram 11 aviões de combate da época da Segunda Guerra Mundial (Mustangues F-51 e Corsários F4-U), alguns aviões de porte mais leve e 5 transportes DC-3. Havia, porém, um único aeroporto em El Salvador de onde partiriam os aviões, localizado próximo à capital, em Ilopango. A Aeronáutica salvadorenha, ao contrário do Exército, não era tão bem equipada como a

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

hondurenha, que contava com mais pilotos, com 23 aviões de combate109 além de existirem vários pontos de onde poderiam decolar seus aviões, aí incluídos os aeroportos próximos a Tegucigalpa e a San Pedro Sula. A estratégia de El Salvador consistiu em iniciar um ataque aéreo à noite e uma invasão terrestre a partir da madrugada seguinte. Guardados em segredo pela cúpula militar até às 17h30m do dia 14/07/1969, quando as coordenadas de ataque foram repassadas aos pilotos salvadorenhos, os planos previam o ataque ao aeroporto próximo a Tegucigalpa às 18h10m110, atingindo também outros importantes centros urbanos, bem como bases da força aérea hondurenha, com vistas a dificultar ainda mais a resposta ao ataque. Ao contrário do previsto, as forças aéreas de Honduras não sofrem tantas perdas pois estão espalhadas pelos diversos aeroportos do país, mas o fato de se ter aviões de guerra sob o céu da capital de um país já tem um efeito moral devastador. No dia seguinte, toda a aeronáutica hondurenha, mais bem preparada, se mobiliza para o contra-ataque, bombardeando o aeroporto de Ilopango e os 108

Ver mapa 3, em anexo. Os nomes oficiais dessas operações são, respectivamente, (i) Teatro de Operaciones del Norte (TON), perto de Nueva Ocotepeque; (ii) Teatro de Operaciones de Oriente (TOO), no rio Goascarán; (iii) Teatro de Operaciones del Norte Oriental (TONO), ao sul de Marcala; e (iv) Teatro de Operaciones de Chalatenango (TOCH). (Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 175 e Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 116 e seguintes). 109 A maioria dos aviões de combate hondurenhos era de Corsários, recebidos entre 1956 e 1960 e, portanto, mais modernos que os aviões salvadorenhos. 110 O general José Alberto Medrano ressalta que a escolha deste horário reflete no fato de que “seria muito tarde para a força aérea hondurenha, que não tinha sofisticados equipamentos de navegação, para responder [ao ataque] antes do anoitecer” (Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 114).

68

portos de La Unión e Acajutla, bem como estabelecimentos de natureza econômica em El Salvador, fazendo com que, finalmente, o governo salvadorenho diminua sua ofensiva. Por terra, os salvadorenhos avançam pelo território hondurenho a noroeste e, a leste, chegam muito próximo a Nacaome. Honduras, de início, não consegue se organizar, já que não tem soldados em número suficiente e sofre devido às deserções e à falta munição ou víveres para suas tropas. De fato, o Exército de El Salvador era melhor e mais bem equipado que o de Honduras, com seus 8 mil homens regularmente treinados além dos convocados que estavam na reserva, mil tropas cedidas pelas forças de segurança (Guardia Nacional e Polícia Nacional), todos munidos com armas de melhor qualidade que as utilizadas pelo Exército de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Honduras. Este, além de rifles antigos, sofria com a corrupção no comando, a desorganização interna e tinham um contingente de apenas 2.500 tropas, somado à precária ajuda das forças de segurança. Após um início conturbado, a resistência civil hondurenha finalmente se organiza e começa a substituir as tropas hondurenhas em vários pontos do país. Os mais complexos conflitos ocorrem próximo a Nueva Ocotepeque: as tropas cruzam a fronteira em direção a Nueva Ocotepeque e tomam a cidade na noite do dia 15, onde ficam até o dia 22111. Tentam ainda avançar em direção ao norte de Honduras, mas são freadas pelo Exército hondurenho. Além disso, não há mapas precisos da região e os poucos que estão nas mãos dos salvadorenhos contêm informações erradas sobre o tortuoso terreno de Honduras. Também as tropas localizadas nas proximidades do rio Goascarán consegue avançar, principalmente por contar com rodovias em melhores condições. Dois batalhões invadem a Rota Pan-americana e outros três ingressam no território hondurenho através do Golfo de Fonseca, ao sul. As cidades próximas à fronteira são facilmente conquistadas devido à estratégia adotada por Honduras para defender cidades maiores, como Nacaome. O avanço dos salvadorenhos nesse setor é de aproximadamente 25 km e, ainda assim, não conseguem tomar Nacaome. Os outros dois fronts praticamente não conseguem entrar no território hondurenho.

111

Nueva Ocotepeque foi a maior cidade totalmente controlada pelos salvadorenhos – com cerca de 5 mil habitantes, é a capital da província de Ocotepeque.

69

Apesar do domínio e da superioridade do Exército salvadorenho demonstrados desde o início da invasão, alguns acontecimentos ocorrem diferentemente do planejado pelos salvadorenhos, e a falta de munição e de combustível para ambos os exércitos faz com que o conflito diminua de intensidade após três dias. Vale ressaltar que, enquanto se desenvolvia o conflito armado, ocorrem reuniões (i) do Conselho Permanente da OEA, em Washington, visando à obtenção do cessar-fogo e do retorno ao status quo ante bellum, e (ii) da Subcomissão da CIDH, também na capital norte-americana, com objetivo de resolver a situação relativa à violação dos direitos humanos pelos governos de Honduras e de El Salvador. Esses eventos, bem como a atuação do Secretário-

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Geral da OEA, Galo Plaza Lasso, serão analisados no Capítulo 3. Para o momento, afirma-se que o cessar-fogo é oficialmente obtido, por pressões ocorridas no âmbito da OEA, no dia 18/07, às 22h, quando as tropas salvadorenhas ocupavam aproximadamente 1.600 km2 do território hondurenho, incluindo cidades das províncias de Ocotepeque e Lempira112. Na manhã do dia 18/07, os jornais de El Salvador haviam declarado que não haveria cessar-fogo sem a garantia de indenização pelos fatos ocorridos contra salvadorenhos, o que fortaleceu ainda mais a moral das tropas nos campos de batalha e, de certa maneira, contribuiu para que somente no dia 20/07 fosse efetivamente suspenso o fogo cruzado. Em 29/07, El Salvador declara que começará a retirada das tropas remanescentes e, somente em 03/08, as tropas salvadorenhas retornam ao país de origem113. Segundo o governo salvadorenho, estas tropas ainda estariam em Honduras com o objetivo de supervisionar os observadores da OEA, que eram os responsáveis pela garantia da vida, da propriedade e da segurança dos salvadorenhos ainda residentes em Honduras. Com o retorno a El Salvador, as tropas são recebidas com festa na capital, onde o governo se declara vitorioso. Apesar de ter durado oficialmente apenas quatro dias, os números do conflito impressionam114: cerca de 2 mil pessoas morreram, dentre as quais a 112

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 175. Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador”, 1971; p. 176. 114 De acordo com , , Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1295 e Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 126. 113

70

maioria era de civis hondurenhos, e mais de 4 mil ficaram feridas; entre 60 mil e 130 mil salvadorenhos retornaram a seu país, gerando graves problemas em alguns setores da economia hondurenha. Problemas sócio-econômicos também surgem em El Salvador, já que uma enorme quantidade de indigentes passa a tentar sobreviver pelas ruas dos centros urbanos, onde a taxa de desemprego chega a 20% no início da década de 1970115. O comércio entre os dois países foi praticamente suspenso, Honduras fechou suas fronteiras com El Salvador, impedindo também a utilização da Rota Panamericana – através da qual os produtos salvadorenhos tinham acesso à Nicarágua e ao oceano Atlântico – o que fez com que El Salvador ficasse economicamente isolado116 e representou um fracasso para este Estado diante de seus objetivos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

iniciais. Assim termina a primeira fase da Guerra do Futebol. Nunca houve um conflito latino-americano com elementos de explosão demográfica e de integração regional. É também a primeira vez em o fluxo migratório tem origem em um país mais rico e mais desenvolvido. Alain Rouquié (1971), porém, vê um fator comum a outros conflitos da América Latina: “O fator comum a essas situações reside na existência, sobre o território de uma nação, de uma importante colônia de imigrantes originária do país vizinho e no fato de as duas nações serem desigualmente ricas e desenvolvidas e de terem controvérsias fronteiriças muito antigas” 117.

Por todo o exposto, pode-se afirmar que o estudo da origem da divergência entre hondurenhos e salvadorenhos torna mais fácil a compreensão da eclosão do conflito armado118. A parte histórica e as condições econômicas, sociais e políticas de ambos os Estados no momento prévio à guerra fornecem dados importantes que devem ser levados em conta para a resolução pacífica deste conflito através da atuação de um terceiro interventor. O próximo Capítulo é destinado à descrição da atuação da OEA na administração do conflito Honduras-El Salvador. Tentar-se-á também verificar o 115

Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1295. Em 1968, El Salvador exportava para a América Central cerca de US$ 85 milhões; em 1970, esta quantia caiu para cerca de US$ 35 milhões (dados de “Central America: the recovery of regional relations”, Bank of London and South America Review, déc. 1970, p. 672, apud Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1295, nota 9. 117 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador - la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1315. 116

71

grau de envolvimento, ainda que de forma não-evidente, dos Estados Unidos, devido à importância geopolítica da América Central dentro do contexto da

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Guerra Fria.

118 Após as leituras, pode-se compreender melhor as alegações de ambos os Estados para cada uma de suas ações políticas ou diplomáticas, muito embora se deva afirmar que não se concorda com todas elas.

3 A OEA na resolução imediata da Guerra do Futebol

“El enfrentamiento bélico entre dos países latinoamericanos fue un acontecimiento que puso a prueba todo el sistema de seguridad interamericano”1.

A atuação da OEA neste conflito deve ser analisada a partir do papel de alguns de seus órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

(“CIDH”), a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, o Conselho Permanente (“CP”) e o Secretário Geral (“SG”)2. Cada um desses órgãos, em suas reuniões, adotou medidas que minimizaram a tensão entre Honduras e El Salvador, ainda que de maneira tardia. Vale lembrar que uma série de eventos no ano de 1969 levou à adoção da política governamental de expulsão dos salvadorenhos residentes em Honduras a partir de maio. No fim do mês de junho, em 19/06/69, o Ministro das Relações Exteriores de El Salvador envia uma nota para seu correlato hondurenho com o objetivo único de protestar contra as expulsões de salvadorenhos do território hondurenho3, em uma tentativa, ainda no nível bilateral, de conter a ação de Honduras contra os imigrantes. A partir do fim de junho, começa-se a tentar resolver a controvérsia entre ambos os países em vários níveis e a partir de diferentes estratégias: participam dessas tentativas, de maneira prévia à eclosão do conflito armado, três mediadores centro-americanos e uma Subcomissão da CIDH. Com a eclosão do conflito, em meados de julho de 1969, o CP e o SG da OEA e, mais tarde, a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores também participam. Volta-se, portanto, aos detalhes de cada um desses eventos de maneira a compreender a 1

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conse cuencias del conflicto Honduras-El Salvador”, 1978; p. 75. Tradução livre: “O confronto bélico entre dois países latino -americanos foi um acontecimento que pôs à prova todo o sistema de segurança interamericano”. 2 OEA - Art. 53. “A Organização dos Estados Americanos realiza os seus fins por intermédio: (...) b) Da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores; c) Dos Conselhos; (...) e) Da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; f) Da Secretaria-Geral”. 3 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Ho nduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 40.

73

ação coletiva da OEA na resolução imediata do conflito. Ressalte-se que nos dias que antecederam o conflito, bem como nos dias subseqüentes, diferentes acontecimentos ocorreram de maneira simultânea, o que torna necessária à descrição diária dos principais eventos daqueles meses.

3.1 Antes da eclosão do conflito armado

A OEA intervém pela primeira vez no conflito em estudo em 25/06/1969, através da CIDH4. Nesse dia, o chanceler salvadorenho, José Francisco Guerrero,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

solicita a visita da CIDH ou de uma Subcomissão à região centro-americana com a finalidade de investigar as violações de direitos humanos dos salvadorenhos residentes em Honduras, por ocasião da reação à (suposta) violência da 2a partida de futebol do dia 15/06, e devido à política de expulsão adotada pelo governo hondurenho. No mesmo documento, El Salvador acusa Honduras de praticar atos de genocídio, já que “falar de ‘genocídio’ era uma maneira segura de chamar a atenção no plano internacional”5. Honduras, também no dia 25, oferece sua denúncia perante a CIDH, através de telegrama ao SG, por conta das violações de direitos humanos ocorridas contra os hondurenhos antes e durante a 2a partida de futebol em San Salvador, também requerendo a visita deste órgão ao local para a investigação dos fatos relatados. Respondendo à acusação de genocídio realizada por El Salvador, Honduras informa que os salvadorenhos residentes “não são objeto, e nunca foram, de perseguições ou violações de qualquer espécie”6. Essas ações inauguram a atuação da OEA no conflito entre Honduras e El Salvador de 1969. De fato, é de se ressaltar que uma das principais características da CIDH é “sua capacidade de deslocamento ao território de qualquer Estado 4

A CIDH, que funciona desde 1960, tem por função a defesa e o respeito aos direitos humanos dentro dos territórios dos Estados-membros da OEA. Para tanto, a CIDH recebe petições de indivíduos e de ONGs e tem competência para ir ao local da violação, após a permissão do governo, para promover investigações. Caso o problema não seja resolvido, a CIDH prepara um relatório com os fatos averiguados e suas conclusões, que vêm a público pelos Relatórios Anuais ou pelos Relatórios Especiais sobre países e/ou situações (Estatuto da CIDH). 5 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 70.

74

americano, com a anuência ou a convite do respectivo governo, a fim de observar in loco a situação geral dos direitos humanos” 7, e é isso o que ocorre na prática: uma Subcomissão da CIDH é enviada para El Salvador no dia 04/07, onde fica até o dia 07/07, e chega em Honduras em 08/07, onde permanece até o dia 10/07. Antes, porém, deve-se voltar a atenção para os fatos ocorridos ainda naquele mês de junho: no dia seguinte ao da denúncia, ou seja, em 26/07, El Salvador, sem ter obtido resposta da CIDH, rompe relações diplomáticas com Honduras. A reação hondurenha ocorre através de uma nota ao SG da OEA que denuncia a intenção belicosa de El Salvador e pede para que os outros Estados-membros sejam avisados desse fato8. Em 27/06, é a vez de Honduras romper as relações diplomáticas com seu

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

vizinho e, na iminência de um possível período de hostilidades, os Ministros das Relações Exteriores da Guatemala, da Nicarágua e da Costa Rica oferecem-se como mediadores da disputa, sob a supervisão da ODECA9. Neste mesmo dia, de Washington, a CIDH envia uma nota a ambos os governos comunicando-lhes que será nomeada uma Subcomissão para a investigação no local, conforme requerido10. Honduras e El Salvador aceitam oficialmente a mediação do trio de chanceleres centro-americanos em 28/06 e, assim, tem início a ação regional em busca de um entendimento entre as partes11. No dia 30/06, El Salvador envia um telegrama ao SG da OEA em que afasta a hipótese sustentada por Honduras de que seu governo teria uma atitude belicosa e afirma que os hondurenhos teriam sido os responsáveis pelo início da divergência12. Também no dia 30, após viajar entre Tegucigalpa e San Salvador, o trio de mediadores centro-americanos apresenta uma lista com oito recomendações que

6

Informe Preliminar da CIDH, p. 2, XIII MFM, Doc. 3, p. 91-2. apud James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 70, e Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras El Salvador: analisis sociologico de las relaciones internacionales”, 1971; p. 157. 7 J. A. Lindgren Alves, Os Direitos Humanos como Tema Global, 1994; p. 82. 8 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Ho nduras-El Salvador...”, 1971; p. 158. 9 O fato de as decisões serem unânimes nas reuniões extraordinárias dos Ministros das Relações Exteriores fez com que a ODECA não funcionasse (art. 5o da Carta da ODECA, apud Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 155). 10 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 71. 11 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 42. 12 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 74.

75

visam a facilitar a resolução pacífica da questão13, em que se destacam os Itens 2 e 8. O Item 2 sugere que ambos os Estados abandonem a atitude belicosa e que suas tropas sejam deslocadas para uma área a, pelo menos, 5km da fronteira, a fim de criar uma “zona de segurança”. O Item 8, por sua vez, recomenda a adoção de mecanismos para executar os itens anteriores, em uma clara tentativa de colocar em prática as sugestões dos mediadores e de prevenir um eventual conflito armado. A lista de recomendações foi prontamente aceita pelo governo hondurenho; El Salvador apresenta sua resposta positiva após alguns dias e assim termina o mês de junho de 1969. Os primeiros dias de julho ocorrem de forma tensa: no âmbito das organizações internacionais, em 01/07, El Salvador notifica a ONU sobre o

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

rompimento das relações diplomáticas com Honduras14. É a primeira vez que uma das partes procura essa organização de caráter universal no que se refere ao conflito de 1969. No âmbito regional, o Ministro das Relações Exteriores da Guatemala, Alberto Fuentes Mohr, que é parte do trio de mediadores, informa à OEA sobre o progresso em direção à paz, pois a fronteira estaria praticamente aberta e, conseqüentemente, o retorno ao intercâmbio comercial entre Honduras e El Salvador estaria próximo15. Ocorre que, no âmbito doméstico, o presidente salvadorenho, Fidel Sánchez Hernández, em discurso na Assembléia Nacional, afirma que a mediação tripartite está fadada ao fracasso, já que as partes não são obrigadas a aceitar as propostas dos mediadores. De fato, uma das principais características da mediação é a que garante a inviolabilidade da soberania, sendo 13

Em resumo, são esses os oito itens: 1) os governos devem reforçar sua autoridade para evitar violação de direitos humanos contra cidadãos do outro país; 2) os governos devem deixar de lado atitudes bélicas e se recomenda que as tropas se concentrem a 5 km da fronteira; 3) os governos devem fazer apelo aos meios de comunicação suprimirem a propaganda escrita, de rádio e TV, e cessarem com a distorção e o exagero das notícias, sem prejuízo da liberdade de imprensa; 4) devem renovar seus compromissos com o MCCA para não prejudicar o interesse dos cinco países; 5) iniciar investigações judiciais para punir os responsáveis pelos incidentes que deram origem à controvérsia; 6) iniciar investigações quanto aos danos causados à propriedade de cidadãos de ambos os países, para punir os responsáveis e compensar os danos; 7) que os dois países assinem, com os outros países centro-americanos, um tratado para regular a migração, e que ofereçam facilidades às pessoas que deixaram suas residências por causa dos últimos acontecimentos para retornarem às suas casas, se o desejarem; 8) mecanismos para o cumprimento das obrigações anteriores devem ser criados de comum acordo entre os mediadores e as partes (International Legal Materials, v. 8, n. 5, pp. 1079, 1080-82, apud James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 72-74; e Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 155). 14 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 153. 15 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 75.

76

este um ponto bastante controverso por oferecer vantagens e desvantagens; uma das desvantagens é justamente a não-obrigatoriedade de aceitação das propostas dos mediadores, o que pode fazer com que o conflito se prolongue no tempo. Também nos primeiros dias do mês de julho, dois porta-vozes de Honduras visitam outros países centro-americanos com vistas a explicar a posição de seu governo, declarando, ainda, que El Salvador estaria se preparando para o ataque, “realizando constantes preparações bélicas e fechando a fronteira em sigilo”

16

,

contradizendo as informações divulgadas pelo trio de mediadores. No dia 03/07 a região fronteiriça próxima a El Poy (El Salvador) e Nueva Ocotepeque (Honduras) passa por um grave incidente, envolvendo a derrubada de um avião hondurenho. Este fato é controverso e há a possibilidade de que

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Honduras, temerosa diante dos preparativos bélicos de El Salvador, tenha enviado um avião àquela região para observar a formação das tropas salvadorenhas, invadindo o espaço aéreo vizinho. É incontroverso o que ocorre a partir daí, quando o ataque armado da infantaria salvadorenha derruba o avião hondurenho, tendo ocorrido, ainda, um tiroteio entre soldados de ambos os Estados, a violenta invasão de um posto aduaneiro hondurenho localizado em El Poy e a subseqüente invasão do espaço aéreo hondurenho. El Salvador envia, no mesmo dia, uma nota ao SG da OEA em que relata o incidente e afirma que as tropas salvadorenhas começaram a atirar depois que um C-47 da Força Aérea hondurenha sobrevoou seu território. Ainda no dia 03/07, Honduras envia uma nota ao SG da OEA, denunciando que o ataque teria sido contra um C-47 comercial, em vôo regular, e que a invasão do espaço aéreo teria ocorrido pois há uma única faixa para pousos e decolagens na cidade de Nueva Ocotepeque, e os aviões que decolam em direção ao sul, para não entrarem em colapso com os que vêm desta direção, precisam invadir uma pequena parte do espaço aéreo salvadorenho17. Aproveitando a nota, Honduras avisa ao SG que pedirá uma reunião urgente do Órgão de Consulta caso continue a troca de tiros na fronteira. Vê-se que cada Estado oferece uma diferente motivação para a derrubada do avião. De fato, um avião hondurenho, seja comercial ou das forças armadas, invadiu o espaço aéreo salvadorenho naquele dia 03/07 e, por causa da tensão já 16 17

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 76. Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 109.

77

existente naquela região, foi imediatamente derrubado. Parece mais plausível, no entanto, que o avião hondurenho tenha tido a intenção de praticar espionagem, já que a cidade de Nueva Ocotepeque se encontra a 8km de distância da fronteira18. No dia seguinte a esse grave incidente fronteiriço, em 04/07, vários eventos ocorrem simultaneamente em Washington e na região centro-americana. Honduras recorre ao sistema de segurança interamericano e solicita ao CP uma reunião urgente do Órgão de Consulta, a fim de que seja discutida a agressão a Honduras por parte de El Salvador19, com base nos arts. 39, 40 e 43 da Carta da OEA e no art. 9o do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR)20. Em resposta à petição de Honduras, o presidente do CP convoca uma reunião para o próprio dia 4. Iniciados os trabalhos, o presidente lê a petição

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

hondurenha e as notas que ambos os países haviam enviado à OEA no dia anterior e abre-se um espaço para a discussão, em que os representantes de Honduras e de El Salvador expõem seus pontos de vista. Honduras avisa ser necessária a adoção de medidas firmes por parte do CP, enquanto El Salvador diz ainda acreditar na atuação do trio de mediadores centro-americanos. Diante dessa situação, o Presidente do CP sugere o recesso por uma semana, com vistas a esperar o 18

Com base em , e , e nas entrevistas com o piloto privado Rafael Padilha Calábria, é possível afirmar que o C-47, uma versão militar do DC-3, era usado pelos militares tanto como cargueiro como para o transporte de tropas. Também existe a possibilidade de ter sido utilizado como avião de reconhecimento ou mesmo como avião comercial, o que era comum em Estados menos desenvolvidos nas décadas de 1950 e 1960. Este modelo não requer uma pista de decolagem longa e seu mecanismo de manobras permite o rápido desvio de tráfego em direção contrária, ainda que imediatamente após a decolagem. Concorda-se, portanto, com a opinião de James ROWLES, para quem o avião hondurenho teria invadido propositalmente o espaço aéreo salvadorenho (El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 267), ainda que sem a intenção de bombardear o território vizinho. 19 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 158. 20 O conflito ocorreu em 1969 e, assim, leva-se em consideração a redação desses tratados àquela época. OEA - Art. 39 - “A Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores deverá ser convocada, a fim de considerar problemas de natureza urgente e de interesse comum para os Estados Americanos, e para servir de Órgão de Consulta” (redação original) ; Art. 40 “Qualquer Estado Membro pode solicitar a convocação de uma Reunião de Consulta. A solicitação deve ser dirigida ao Conselho da Organização o qual decidirá, por maioria absoluta de votos, se é oportuna a reunião” (redação original); Art. 43 - “E m caso de ataque armado, dentro do território de um Estado Americano ou dentro da zona de segurança, demarcada pelos tratados em vigor, a Reunião de Consulta efetuar-se-á sem demora, mediante convocação imediata, emanada do Presidente do Conselho da Organização, o qual convocará, simultaneamente, o próprio Conselho” (redação original). TIAR - Art. 9o - “Além de outros atos que, em reunião de consulta, possam ser caracterizados como de agressão, serão considerados como tais: a) o ataque armado, não provocado, por um Estado contra o território, a população ou as forças terrestres ou aéreas de outro Estado; b) a invasão, pela força armada de um Estado, do território de um Estado Americano, pela travessia das fronteiras demarcadas de conformidade com um tratado, sentença judicial ou laudo arbitral, ou, na falta de fronteiras assim demarcadas, a invasão que afete uma região que esteja sob a jurisdição efetiva de outro Estado” (redação original).

78

progresso da mediação na região, sendo apoiado pelos representantes da Guatemala, da Nicarágua e da Costa Rica, interessados na mediação de seus Ministros. O representante dos EUA faz também um breve pronunciamento em que oferece seu apoio à tentativa do trio de mediadores21. Fica então decidido, por unanimidade, que a nova sessão do CP ocorrerá no dia 10/07. Desejava-se que, até lá, um maior progresso já tivesse sido alcançado pela mediação regional e, assim, a OEA seria apenas utilizada como último recurso22. Sabe-se, no entanto, com o decorrer dos acontecimentos, que esta foi uma decisão desacertada, apesar de ter sido aprovada também pelo delegado de Honduras. É no mesmo dia 04/07 que chega a El Salvador a Subcomissão da CIDH.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Seguindo imediatamente para o Ministério das Relações Exteriores, a Subcomissão estabelece um diálogo com o ministro Guerrero sobre a violação dos direitos humanos de salvadorenhos a partir de 15/06, por ocasião da reação hondurenha aos acontecimentos da 2a partida. Para Guerrero, as partidas foram uma maneira indireta de acelerar o processo de expulsão de salvadorenhos que vinha ocorrendo oficialmente desde o início do mês de maio daquele ano23. Há na reunião uma nova referência a “atos de genocídio” que, para Guerrero, incluem: “A destruição, o incêndio, o saque e a pilhagem de negócios e comér cios, grandes e pequenos, que tinham muitos salvadorenhos no território de Honduras; somam-se a isso as flagelações, as mutilações de todo tipo, as lesões e até os assassinatos perpetrados em Honduras contra homens, mulheres e crianças salvadorenhos” 24.

Assim, naquele 04/07 atuam em fronts diferentes três grupos representantes da comunidade interamericana: (i) a Subcomissão da CIDH; (ii) o trio de mediadores centro-americanos, com a expressa aprovação do CP; e (iii) o próprio CP, pois a próxima sessão já está marcada e os membros da OEA, interessados em observar o que ocorre ao longo da semana, trocam informações extraoficialmente. No entanto, apesar da atuação conjunta dos três grupos, a tensão na região continua a crescer.

21

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 79-80. Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 43 e Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 159. 23 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 86. 24 CIDH - Informe Preliminar da Subcomissão sobre violações dos Direitos Humanos em Honduras e El Salvador, OEA/Serv. L/II 22, Doc. 2, inglês, p. 12, de 15/06/69, pp. 23-24; apud James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 87. 22

79

Em 05/07, como já havia feito em 01/07, o Ministro das Relações Exteriores de El Salvador procura o Conselho de Segurança da ONU e informa que Honduras tem intenções belicosas25. A ONU, mais uma vez, mantém-se afastada do conflito e não responde a nota, mantendo sua política de não se envolver no sistema de segurança interamericano. O trabalho de investigação in loco da Subcomissão da CIDH chega ao fim depois da visita de locais próximos à fronteira onde se encontravam os refugiados salvadorenhos. Antes de deixar El Salvador em direção a Honduras, a Subcomissão envia, em 06/07, uma nota ao governo esclarecendo que já iniciou o estudo dos casos, mas que precisa de tempo para chegar a conclusões definitivas26.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

No dia seguinte, em 07/07, o chanceler salvadorenho responde a nota afirmando que confia no trabalho da Subcomissão; esta segue para Tegucigalpa, via aérea, pela Guatemala. No mesmo dia 7, em uma demonstração do amplo interesse regional pela resolução pacífica do conflito, o governo da Colômbia oferece sua mediação e seu apoio aos mediadores centro-americanos, e a Venezuela faz o mesmo dois dias depois27. Os dois governos, então, passam a atuar como mediadores autônomos. A Subcomissão da CIDH inicia seus trabalhos em Honduras em 08/07, quando se encontra com o Ministro das Relações Exteriores hondurenho, Tiburcio Carías Castillo. Na conversa, Castillo não nega a ocorrência de atos violentos contra salvadorenhos, mas diz que são uma reação à dominação exercida há décadas por El Salvador, que tem sido demonstrada com freqüência através da invasão da fronteira e da violação da soberania hondurenha. Afirma ainda que, naquele momento, há mais de 200 mil salvadorenhos residindo em Honduras, o que demonstra que a violência não foi tão devastadora como se alega28. Enquanto ocorre a reunião em Tegucigalpa, na área fronteiriça outros incidentes ocorrem também no dia 8, e tropas salvadorenhas conseguem conquistar uma pequena cidade hondurenha próxima à fronteira29.

25

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 153. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 91. 27 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 43. 28 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 95. 29 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 45. 26

80

Em 09/07, El Salvador finalmente entrega ao trio de mediadores centroamericanos a resposta à lista de oito recomendações elaborada em 30/06, discordando apenas da concentração das tropas a 5km da fronteira, prevista pelo Item 230. Em Washington, a próxima sessão extraordinária do CP ocorre na tarde de 10/07, conforme a decisão de 04/07. Antes da reunião, no entanto, El Salvador envia um telegrama ao Presidente do CP para avisar que aceitara quase todas as recomendações dos mediadores centro-americanos, ou seja, tenta demonstrar aos membros do CP que suas intenções são favoráveis à resolução pacífica; ocorre que a recusa à aplicação do Item 2, que implica na transferência das tropas para uma área a 5km da fronteira, denuncia, por si só, a intenção belicosa de El

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Salvador. Também naquela manhã do dia 10 o presidente norte-americano Richard Nixon envia uma mensagem aos presidentes de Honduras e de El Salvador mostrando-se preocupado com o desenrolar da situação e pedindo uma resolução pacífica do conflito; neste sentido, percebe-se que “os Estados Unidos pretendiam assumir um papel secundário na disputa, já que de qualquer forma era pouco o que poderiam fazer” 31. Durante a sessão plenária do CP, os esforços do trio de mediadores são novamente reconhecidos e é mantida a decisão do CP de deixar a resolução do conflito no nível sub-regional. Mais uma vez o plenário do CP transforma-se em foro de exposição dos pontos de vista das partes: o representante de El Salvador, o primeiro a tomar a palavra, renova seu apoio aos mediadores centro-americanos32. O representante hondurenho, por sua vez, concorda com El Salvador e, portanto, com a não-intervenção da OEA naquele momento. Apesar de, mais tarde, ter-se verificado outro grave erro nesta decisão, não havia opção a Honduras, já que, se não concordasse, correria o risco de ser interpretada pelos outros delegados como se não lhe interessasse a solução pacífica do litígio. Enquanto ocorria em Washington a reunião de 10/07, a Subcomissão da CIDH, antes de deixar Honduras, envia nota a Tegucigalpa nos mesmos termos da 30

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 107. Esta frase teria sido dita pelo Secretário de Estado Adjunto dos EUA para Assuntos Interamericanos, Charles A. Meyer, para o chefe da missão especial salvadorenha, Martínez Moreno, apud James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 108. 32 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 110. 31

81

nota enviada a San Salvador, afirmando precisar de mais tempo para analisar as evidências. Antes de sair do território hondurenho, porém, a Subcomissão reúnese em Tegucigalpa com os três mediadores centro-americanos, que acabavam de chegar naquele país, o que caracteriza a ação conjunta de dois diferentes atores em direção à resolução do conflito. Após a reunião com a Subcomissão, ainda no dia 10/07, o trio de mediadores conversa com altos funcionários do governo hondurenho para avisálos de que El Salvador não teria aceito o Item 2 da lista de recomendações datada de 30/06. Na região fronteiriça, neste mesmo dia 10, tem-se a notícia de que, “por medida de precaução”, as Forças Armadas salvadorenhas passam a deter o

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

controle direto dos meios de comunicação, das pontes e das principais rodovias de El Salvador33. Assim, inobstante os pronunciamentos do representante salvadorenho no plenário do CP favoráveis à mediação, o governo de El Salvador mantém suas tropas na zona fronteiriça e permite que os militares controlem os meios de comunicação e as principais vias de acesso, em uma atitude que reflete suas verdadeiras intenções. No dia 11, há graves incidentes na fronteira, envolvendo a troca de tiros nas províncias hondurenhas de Valle e Lempira. Logo após os incidentes, o trio de mediadores envia um telegrama aos Ministros das Relações Exteriores dos dois países em que pede a suspensão de toda atividade belicosa na região fronteiriça, requerendo expressamente que o governo de El Salvador garanta a nãocontinuidade dos preparativos para a guerra. O chanceler hondurenho responde ao telegrama do trio no mesmo dia, notificando que não realizará atos bélicos e que oferece garantias aos salvadorenhos legalmente residentes em seu território, em idênticas condições às oferecidas a todos os outros estrangeiros ali residentes; esta nota é imediatamente enviada ao Ministério das Relações Exteriores de El Salvador. El Salvador só responde ao telegrama no dia seguinte, em 12/07, e lamenta “que atitudes defensivas obrigadas pela constante agressão que El Salvador vem sofrendo de Honduras sejam interpretadas como atividades belicosas (...)” 34. No que se refere às garantias oferecidas por Honduras, o governo salvadorenho 33 34

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 115. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 119.

82

continua a exigir que todos os salvadorenhos residentes em Honduras obtenham a mesma garantia – vale notar que os imigrantes ilegais compunham a vasta maioria dos residentes. Enquanto o governo salvadorenho parece não colaborar com a prevenção do conflito armado, aumenta o clamor pela adoção de medidas de caráter militar no seio da população daquele país, o que demonstra que o grau de envolvimento tanto do governo como da sociedade de El Salvador com o conflito armado é cada vez maior. Ainda em 12/07, a Subcomissão da CIDH, a caminho dos EUA, passa pela Guatemala, de onde expede um comunicado para o governo de ambos os países, em que “recomenda aos governos de El Salvador e Honduras que requeiram à imprensa e à radiodifusão o cessar de toda a propaganda que induza a atos de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

perseguição, ou que gerem o temor de que tais atos possam vir a ocorrer” 35. Mais uma vez, reconhece-se os efeitos negativos obtidos pela campanha feita pelos meios de comunicação dos Estados. Nesse mesmo dia, na região fronteiriça, Honduras bloqueia as principais estradas para El Salvador, inclusive a Rota Pan-americana, para impedir a passagem de veículos comerciais e tentar evitar que pedestres hondurenhos façam compras em El Salvador36. Enquanto a crise não é controlada com uma decisão mais firme por parte da OEA, novos incidentes ocorrem ao longo da fronteira próxima a El Poy e Nueva Ocotepeque durante a madrugada do dia 13. Honduras oferece uma denúncia ao Presidente do CP avisando que tropas salvadorenhas haviam atirado por mais de 2 horas contra civis hondurenhos, ao que El Salvador responde que suas tropas haviam atirado em tropas hondurenhas que tentavam invadir o território salvadorenho. Diante da urgência da situação, o CP se reúne informalmente na casa de seu presidente ainda na manhã do dia 13 e, apesar disso, nenhuma medida é tomada37. Em vista dos acontecimentos dos últimos dias na fronteira e da recusa de El Salvador em aceitar tanto as garantias de Honduras como a totalidade da lista de recomendações dos mediadores, Honduras requer, em 13/07, a reunião imediata e oficial do CP. Nesse dia, em Washington, na sede da Secretaria Geral da OEA, o 35

. Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 47. 37 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 123. 36

83

SG Galo Plaza Lasso designa uma Comissão que irá à região centro-americana para acompanhar os três mediadores centro-americanos, conforme havia sido requerido pelo próprio trio38. Novamente a ação da OEA restringe-se ao apoio formal e de supervisão aos mediadores centro-americanos. Segundo Rouquié (1971), isso se dá porque, neste momento, “As autoridades da OEA consideram que a crise deva ter uma solução centro americana e que, em razão de ‘relações particulares’ existentes entre as nações na referida zona, o Conselho não irá intervir nem convocar uma reunião de consulta no nível dos ministros” 39.

Deve-se descrever também os acontecimentos do dia 14/07 tanto em Washington como na região Honduras-El Salvador. Em Washington, na sede da CIDH, é apresentado o Informe da CIDH, baseado nas evidências coletadas pela PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Subcomissão, em que se conclui que a mais séria violação de direitos humanos foi a expulsão massiva dos salvadorenhos de território hondurenho, culpando, assim, o governo e a sociedade de Honduras. Este Informe também não isenta El Salvador de culpa, pois conclui que, à época da 2a partida de futebol, muitos de seus nacionais haviam maltratado cidadãos hondurenhos e ofendido os símbolos nacionais de Honduras40. No mesmo Informe, a CIDH calcula que mais de 14 mil salvadorenhos tenham saído de Honduras até aquela data, “a maioria deles pertencente às famílias mais pobres, temerosas da propaganda da imprensa e da rádio”

41

e,

diante dessa situação, a CIDH recomenda: “1) o cessar imediato da propaganda pela imprensa e pelos meios de radiodifusão; 2) que os governos de Honduras e de El Salvador iniciem uma investigação para depurar a responsabilidade das autoridades, por ação ou omissão; 3) a Comissão faz saber a ambos os governos que os atos que determinaram sua intervenção configuram graves violações de direitos humanos; 4) a indenização das vítimas pelos danos sofridos – inclusive dano moral – na medida em que demonstrem que tais danos são conseqüências de ações ou omissões dolosas ou culposas das autoridades” 42.

As violações dos direitos humanos ocorridas em junho de 1969 não é a única causa da divergência entre Honduras e El Salvador, mas, de fato, os eventos 38

Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1311. Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1312. 40 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflict o Honduras-El Salvador...”, 1971; p. 157. 41 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 158. 42 Informe de la Comisión de Derechos Humanos, apud Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 158. 39

84

decorrentes das duas partidas de futebol, envolvendo a violação de direitos humanos de cidadãos de ambos os Estados, tiveram um efeito catalisador em uma disputa que já durava décadas. Naquele mesmo dia 14, após outros incidentes na zona fronteiriça, Honduras requer uma nova reunião do CP, em Washington, por saber que a mediação regional havia fracassado. Durante a reunião, no início da tarde de 14/07, o delegado de El Salvador diz ainda acreditar na mediação centroamericana – apesar de conhecer a tensão na fronteira com Honduras – e pede ao presidente do CP um recesso de algumas horas a fim de receber instruções de seu governo43, o que é aceito por unanimidade, ou seja, inclusive por Honduras. Findo o recesso, às 18h55, hora local, o delegado salvadorenho inicia um discurso de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

quase uma hora, em que discorre sobre a posição de seu governo, desde os antecedentes históricos da disputa até os incidentes do início de julho de 1969, e observa ter havido um tipo especial de genocídio – por deportação ou desterro – cometido por Honduras44. A conclusão, segundo ele, é a de que as Forças Armadas salvadorenhas estariam apenas reagindo à provocação de Honduras e que, portanto, se trataria de uma situação de legítima defesa. A atmosfera em Washington estava muito hostil a El Salvador45 e, para tentar amenizar a situação, no fim de seu discurso o representante salvadorenho solicita a reunião do Órgão de Consulta para que atue juntamente com os mediadores centro-americanos sem, no entanto, retirar do trio a principal responsabilidade da mediação46. É uma sábia solicitação, já que, naquele exato momento, a Força Aérea de El Salvador invade o território de Honduras, à ignorância dos presentes da sessão do CP, e a invasão de um país americano requer, quase necessariamente, a reunião do Órgão de Consulta para tentar resolver a questão. A palavra é transferida para o delegado de Honduras, a quem também interessa a convocação do Órgão de Consulta, por saber que os esforços da mediação haviam fracassado. O delegando hondurenho pede também para que o CP solicite aos Estados-membros da OEA algumas armas, aviões e munição para

43

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 125. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 129. 45 Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 129. 46 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 132. 44

85

a defesa da população hondurenha47. No que se refere à origem da questão migratória, afirma: “Apesar de El Salvador ter fracassado em resolver seu problema demográfico interno, os salvadorenhos tinham livre acesso a Honduras; o único requisito legal era a documentação para que pudessem viver e ser úteis em Honduras. Este requisito não era diferente nos EUA ou em qualquer outro país civilizado” 48.

A questão da migração é de suma relevância, por estar no cerne do problema entre ambos os Estados: o próprio governo salvadorenho favoreceu ou simplesmente “permitiu”, ainda que de maneira indireta, a emigração de seus nacionais. É verdade que deveria haver uma fiscalização mais rígida nas fronteiras de Honduras, para evitar a entrada de cerca de 300 mil salvadorenhos até o início do ano de 1969. Os salvadorenhos que detinham documentos encontravam-se em PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

um status idêntico ao do imigrante de qualquer outra nacionalidade, segundo o governo hondurenho, mas a grande maioria dos salvadorenhos residentes em Honduras não possuíam qualquer tipo de identificação, o que lhes conferia a posição de imigrantes ilegais. Independentemente da legalidade de sua situação, graves problemas sócio-econômicos começam a surgir entre os hondurenhos e os salvadorenhos residentes em Honduras, e a solução encontrada pelo governo hondurenho foi a de expulsar os salvadorenhos sem documentos, em uma tentativa de restabelecer a paz em seu próprio território. No entanto, a política governamental de expulsão, inflamada pelas pressões da própria sociedade hondurenha, permitiu a utilização da violência contra salvadorenhos. Voltando à sessão do CP de 14/07, ambos os delegados dos países em litígio apresentam seus argumentos e outros delegados também são ouvidos. Para os representantes da Nicarágua, da Guatemala e da Costa Rica, a mediação de seus Ministros não fracassou, pois a situação estaria pior sem a atuação dos três ministros. De uma maneira ou de outra, decide-se que o Órgão de Consulta deve ser convocado, o que é feito pelo presidente do CP, através de uma resolução aprovada por unanimidade. Sob o manto do TIAR, o Órgão de Consulta tem autoridade para aplicar as sanções previstas pelo art. 8o desse mesmo tratado49 e as 47 Em New York Times, 18.07.69, p. 8, apud Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 44, n. 154. 48 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 133. 49 TIAR - Art. 8o - “Para os efeitos deste Tratado, as medid as que o órgão de consulta acordar compreenderão uma ou mais das seguintes: a retirada dos chefes de missão; a ruptura de relações diplomáticas; a ruptura de relações consulares; a interrupção parcial ou total das relações

86

medidas adotadas são obrigatórias a todos os membros50. Vale ressaltar que o CP da OEA pode atuar provisoriamente como Órgão de Consulta enquanto não é convocada a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores51, sendo a ele também conferida a autoridade para a aplicação das sanções previstas pelo art. 8o do TIAR.

3.2 A eclosão do conflito armado

Imediatamente após a resolução do CP que convoca o Órgão de Consulta,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

no início da noite do dia 14, o representante de Honduras recebe a notícia da invasão de seu território por El Salvador e, assim, repassando-a aos membros do CP, solicita sua reunião o quanto antes52. O representante de El Salvador não impede a reunião e, alguns minutos depois, o CP já atua como Órgão de Consulta. Aprova-se uma nova resolução, também por unanimidade, que cria um Comitê de sete membros, nomeados pelo presidente do CP, para ir à região centro-americana a fim de estudar a situação e de manter um contato permanente com os membros do CP enquanto atua como Órgão de Consulta. São nomeados os representantes da Nicarágua, da Guatemala, da Costa Rica, da Argentina, da República Dominicana, do Equador e dos EUA para integrar o “Comitê dos Sete” 53, sendo eleito para presidir o Comitê o representante da Nicarágua, Guillermo Sevilla Sacasa. Naquela reunião, o delegado de El Salvador assume que a invasão armada foi a solução que restava a seu governo para obter a certeza de que os direitos humanos de seus nacionais não mais seriam violados por Honduras. Ao tentar econômicas ou das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas, telegráficas, telefônicas, radiotelefônicas ou radiotelegráficas, e o emprego de forças armadas” (redação original). 50 TIAR - Art. 20 - “As decisões que exijam a aplicação das medidas mencionadas no artigo 8.º serão obrigatórias para todos os Estados signatários do presente Tratado que o tenham ratificado, com a única exceção de que nenhum Estado será obrigado a empregar a força armada sem seu consentimento” (redação original). 51 TIAR – Art. 12 – “O Conselho Diretor da União P an-americana poderá atuar provisoriamente como órgão de consulta, enquanto não se reunir a Órgão de Consulta a que se refere o artigo anterior” (redação original). A expressão “Conselho Diretor da União Pan americana” foi substituída, em 1975, por “Conselh o Permanente da Organização das Nações Unidas”. 52 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 137.

87

explicar o motivo pelo qual El Salvador teria iniciado o conflito armado, o presidente salvadorenho, Fidel Sánchez Hernández, afirma mais tarde, em uma entrevista: “(...) o governo de San Salvador justifica sua ofensiva diante da passividade da OEA e do aumento da violência por parte de Honduras contra os imigrantes salvadorenhos: considerando que os ataques a seus emigrantes têm valor de um ato de agressão, El Salvador está usando de seu direito de ‘legítima defesa’ para dar fim ao ‘genocídio’ perpetrado pelos hondurenhos” 54.

Neste sentido, a CIDH, o trio de mediadores e o CP haviam fracassado em seu intento de satisfazer as demandas de El Salvador e, assim, as forças armadas resolvem invadir Honduras, apoiadas pela população salvadorenha55. Agindo em nome da “legítima defesa de genocídio” e alegando o fracasso da comunidade

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

interamericana, El Salvador pretendeu usar seus próprios recursos para: (i) forçar Honduras a parar com a violência contra cidadãos salvadorenhos; (ii) levar Honduras a adotar novas políticas de imigração, deixando de aplicar o art. 68 da sua lei de reforma agrária contra os salvadorenhos; (iii) obter compensação pelos danos materiais e morais; e (iv) fazer com que Honduras adote uma política mais cooperativa no MCCA56. A invasão do espaço aéreo hondurenho tem início por volta das 19h e, ao longo da noite do dia 14 e da madrugada do dia 15, o território hondurenho foi atacado por ar e por terra. Na manhã do dia 15, a invasão continua mas Honduras, após a imprecisão inicial do que está acontecendo, consegue diminuir o ritmo do avanço salvadorenho através de ataques aéreos. Em Washington, ainda na manhã do dia 15, o CP, atuando como Órgão de Consulta, convoca uma reunião especial e, invocando a primeira parte do art. 7o do TIAR57, os Estados-membros da OEA se reúnem para obter o cessar-fogo e a

53

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 159. Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1293. 55 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 142. 56 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 141. 57 TIAR – Art. 7o – “Em caso de conflito entre dois ou mais Estados Americanos, sem prejuízo do direito de legítima defesa, de conformidade com o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas, as Altas Partes Contratantes reunidas em consulta instarão com os Estados em Litígio para que suspendam as hostilidades e restaurem o status quo ante bellum, e tomarão, além disso, todas as outras medidas necessárias para se restabelecer ou manter a paz e a segurança interamericanas, e para que o conflito seja resolvido por meios pacíficos. A recusa da ação pacificadora será levada em conta na determinação do agressor e na aplicação das medidas que se acordarem na reunião de consulta”. 54

88

retirada das tropas58. Por coincidência ou não, é nessa reunião que o enviado do presidente Nixon, J. J. Jova, tem início no cargo de representante dos EUA no CP; ele havia sido embaixador em Tegucigalpa de 1965 até 1969, o que causou bastante desconforto entre os presentes, em especial entre a delegação de El Salvador59. Mais uma vez, a sessão do CP, como Órgão de Consulta, é onde as partes discutem seus pontos de vista. O representante de Honduras tenta mostrar aos delegados as incoerências da argumentação de seu adversário, observando que “El Salvador havi a organizado traiçoeiramente uma invasão armada a Honduras no mesmo momento em que o Conselho estava colocando em prática os meios para um acordo pacífico prescrito pelo Sistema Interamericano”.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Em vista disso, o representante hondurenho solicita aos membros que El Salvador seja declarado agressor para os fins do art. 8o do TIAR60 e que, portanto, o art. 7o seja aplicado em sua totalidade, e não apenas a primeira parte61. No mesmo dia, depois de um breve recesso, os representantes dos EUA, do México e da Venezuela apresentam um projeto de resolução para tentar alcançar o status quo ante bellum e, após discuti-lo com os outros delegados, pedem, de acordo com a primeira parte do art. 7o TIAR, que ambos os governos suspendam as hostilidades e que restabeleçam a paz e a segurança62, ou seja, não consideram o pedido de Honduras de declarar El Salvador como agressor a fim de lhe impor as sanções previstas pelo art. 8o do TIAR. Ainda no âmbito das organizações internacionais, nesse dia 15 Honduras envia uma nota à ONU, com o objetivo de informar ao SG desta organização sobre o início da invasão de seu território sem, no entanto, sugerir que esta organização participe da solução do conflito63. Na noite do dia 15, o Comitê dos Sete chega à região Honduras-El Salvador. Seus membros são separados em dois grupos, e os representantes dos EUA, da 58

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 159 e Alfredo Bruno BOLOGNA, “Consecuencias del conflicto Honduras -El Salvador”, 1978; p. 75. 59 Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 122-4. 60 TIAR - Art. 8o - “Para os efeitos deste Tratado, as medidas que o órgão de consulta acordar compreenderão uma ou mais das seguintes: a retirada dos chefes de missão; a ruptura de relações diplomáticas; a ruptura de relações consulares; a interrupção parcial ou total das relações econômicas ou das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas, telegráficas, telefônicas, radiotelefônicas ou radiotelegráficas, e o emprego de forças armadas” (redação original). 61 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 144-5. 62 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 149. 63 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 153.

89

Argentina e do Equador, liderados por Guillermo Sevilla Sacasa, chegam em San Salvador, enquanto o outro grupo segue para Tegucigalpa64: “Em seu papel de chegar ao cessar -fogo e ao retiro das tropas, o Comitê deve trabalhar parcialmente como um mediador e parcialmente como juiz no local (...) Apesar deste mandato de atual e implícita autoridade [conferida pelo CP], o enfoque básico do Comitê é conciliar – levar as partes a um acordo o mais rápido possível” 65.

Na reunião com o Ministro das Relações Exteriores de El Salvador, José Francisco Guerrero, fica claro que a cooperação do governo salvadorenho está condicionada às garantias apresentadas por Honduras66, o que significa uma recusa por parte de El Salvador em retornar ao status quo ante bellum enquanto Honduras não garantir a vida e a propriedade de todos os salvadorenhos residentes

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

em seu território67. Diante da recusa de retirada das tropas, informação esta que é repassada por telefone para os membros do Órgão de Consulta, a organização interamericana decide impor a vontade dos outros Estados-membros a El Salvador e, assim, uma resolução é aprovada por unanimidade no CP, impondo o cessar-fogo e o estabelecimento da “zona de segurança” anteriormente sugerida pelo trio de mediadores, em 30/06, a 5km da área da fronteira. El Salvador não concorda com esta parte da resolução e tenta, mais uma vez, condicionar a retirada de suas tropas ao oferecimento de garantias aos salvadorenhos residentes em Honduras68. Ressalte-se que, também no dia 15, atuando na questão da violação dos direitos humanos, a Subcomissão da CIDH encontra-se pelo 2o dia consecutivo em Washington, a fim de analisar e discutir as evidências colhidas na região centro-americana durante o início do mês de julho. A ONU entra em contato com os litigantes pela primeira e única vez em 16/07, quando o então Secretário Geral, U Thant, envia uma nota a ambos os governos pedindo “para que se ponha fim imediatamente aos atos de força e se inicie sem demora o processo de negociações” 69.

64

Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 124 e James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 143-4. 65 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 140. 66 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 152. 67 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1294. 68 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 45. 69 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 154.

90

No dia 16, o grupo do Comitê dos Sete que está em San Salvador novamente se reúne com o Ministro Guerrero para informá-lo de que Honduras aceitou tanto o cessar-fogo e como o retorno ao status quo ante bellum, ao que Guerrero responde que seu governo não pode aceitar a interrupção da guerra pois isso causaria uma revolução social naquele momento, a não ser que o cessar-fogo e a retirada das tropas fossem realizados em etapas70. Guillermo Sevilla Sacasa observa a impossibilidade deste pedido, já que as imposições do art. 7o TIAR são indivisíveis. Enquanto a questão da indivisibilidade do art. 7o está sendo discutida em San Salvador, o outro grupo do Comitê que está em Tegucigalpa recebe do presidente hondurenho a informação de que: (i) as garantias exigidas por El

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Salvador serão plenamente atendidas; (ii) o problema da imprensa local será resolvido em uma reunião com os proprietários dos meios de comunicação; e (iii) a OEA tem a permissão do governo para colocar em seu território observadores civis e militares71. Com isso, percebe-se que, no que se refere à resolução imediata do conflito, Honduras parece colaborar com o Comitê e com o CP, ao contrário do que ocorre com o governo salvadorenho. É difícil especular os motivos que teriam levado o governo hondurenho a reagir desta maneira: talvez por saber que suas Forças Armadas eram despreparadas e desorganizadas, ou mesmo para tentar manter-se protegida pelos princípios do Direito Internacional, como o da soberania e o da não-intervenção, como vinha fazendo até então nas sessões do CP e nas negociações in loco. Na noite do dia 16, em Washington, após falar ao telefone com Sevilla Sacasa, o presidente do CP convoca uma reunião do Órgão de Consulta em que o delegado de El Salvador tenta, mais uma vez, justificar a recusa de seu governo ao cumprimento da resolução do CP de 15/07 – que implica no cessar-fogo e na retirada das tropas –, além de manter a acusação de crime de genocídio contra Honduras e de sustentar que a invasão territorial é um ato de legítima defesa. O delegado hondurenho, por sua vez, denuncia que as tropas salvadorenhas continuam avançando e novamente solicita aos membros do Órgão de Consulta aviões e armas para a defesa de seu território.

70 71

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 153. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 154-5.

91

Observa-se que ambos os delegados mantêm os discursos do dia anterior, não havendo, portanto, grandes diferenças na posição adotada por cada governo após a resolução que impõe o status quo ante bellum. Com isso, o presidente do CP, apoiado pelos representantes do Panamá, Equador, EUA, Chile, Brasil, Haiti, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Argentina, declara que, a partir daquele momento, o Órgão de Consulta está em sessão permanente72. No início da madrugada de 17/07, retomam-se os trabalhos do Órgão de Consulta, após um breve recesso. O delegado de El Salvador é o primeiro a falar e finalmente aceita o cessar-fogo, mas sob a condição de que o CP e o Comitê dos Sete ofereçam garantias à vida e à segurança dos salvadorenhos residentes73. Abre-se a palavra ao delegado de Honduras, que diz não ser possível a aceitação

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

condicional do cessar-fogo, e solicita a interpretação integral do art. 7o do TIAR e do art. 17 da Carta da OEA74. Tem-se início no foro de negociações do Órgão de Consulta uma grande polêmica no que se refere à aplicação do art. 7o do TIAR. O delegado de El Salvador sustenta que o art. 7o não estabelece o imediatismo do cessar-fogo nem da retirada das tropas e, ainda que o estabelecesse, trata-se de uma situação de legítima defesa, o que constitui a exceção do próprio art. 7o. Observa, ainda, que as condições impostas por El Salvador para o retorno ao status quo ante bellum não podem ser consideradas como recusa da ação pacificadora75. Assim, El Salvador conclui que, já que no art. 7o não se fala em imediatismo, o status quo ante bellum é negociável e, portanto, pode ser atingido em etapas. Após uma longa discussão, que se estendeu por toda a madrugada e boa parte da manhã do próprio dia 17, conclui-se que somente é negociável a questão da violação dos direitos humanos, e não o cessar-fogo e a retirada das tropas. Também no início do dia 17/07, na região Honduras-El Salvador, o Comitê dos Sete leva para os dois governos uma lista com quatro pontos indispensáveis à resolução imediata do conflito76: 72

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 159. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 160. 74 OEA – Art. 17 – “O território d e um Estado é inviolável; não pode ser objeto de ocupação militar nem de outras medidas de força tomadas por outro Estado, direta ou indiretamente, qualquer que seja o motivo embora de maneira temporária. Não se reconhecerão as aquisições territoriais ou as vantagens especiais obtidas pela força ou por qualquer outro meio de coação” (redação original). 75 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 162. 76 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 167-8. 73

92

-

o cessar-fogo, a partir das 5h do dia seguinte (18/07); a retirada das tropas nas 72 horas posteriores ao cessar-fogo; oferecimento de garantias por parte de cada um dos governos para os cidadãos do outro país residentes em seu território; verificação do cumprimento dos pontos por observadores civis e militares.

El Salvador conhece os pontos do Comitê ainda pela manhã e Guerrero pede algumas horas para refletir; à tarde, o ministro diz que aceita os quatro pontos, mas que as tropas se retirariam 96 horas depois do cessar-fogo – e não 72 horas depois –, por razões logísticas e para realmente ter a certeza de que os observadores da OEA estariam garantindo a segurança dos salvadorenhos ainda residentes em Honduras. O ministro pede ainda para que a notícia seja levada a Honduras e que a resposta deste país lhe seja enviada naquele mesmo dia, até às

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

22h, a fim de que tivesse tempo hábil para coordenar o cessar-fogo a partir das 5h do dia seguinte. No fim da tarde do dia 17, o Comitê leva as notícias ao conhecimento do Ministro das Relações Exteriores hondurenho, Tiburcio Carías Castillo, que concorda com as pequenas alterações realizadas por El Salvador. Após este acordo, Guillermo Sacasa faz uma chamada telefônica para San Salvador a fim de informar ao ministro Guerrero sobre a aceitação de Honduras, ainda dentro do prazo estipulado, ou seja, antes das 22h. Porém, problemas de comunicação impedem que sejam completadas as chamadas de Sacasa para San Salvador. Um pouco antes das 22h, Sacasa telefona para o SG da OEA, em Washington, avisando da aceitação de Honduras e pedindo para que ele tente informar San Salvador sobre a notícia. Às 22h15, Guerrero recebe as informações, mas afirma não ter mais tempo para organizar o cessar-fogo e que, além disso, a opinião pública salvadorenha está muito agitada e, assim, um cessar-fogo na manhã seguinte teria uma baixa taxa de adesão77. Apesar de o CP não ter se reunido na tarde do dia 17, como previsto, vez que esperava informações de Guillermo Sacasa e essas vieram somente às 22h, continuaram as consultas informais entre os delegados em Washington. Na madrugada do dia 18, após a recusa de Guerrero em ordenar o cessar-fogo para as 5h, Sacasa comunica-se com presidente do CP solicitando uma reunião do Órgão de Consulta com vistas a tomar as medidas cabíveis, o que ocorre ainda na manhã

77

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 170.

93

do dia 1878. Vários projetos de resolução são redigidos e, para não postergar ainda mais uma firme intervenção do CP, os delegados sugerem que as medidas sejam tomadas o quanto antes. Após novos e intensos debates no Órgão de Consulta, o que dificulta e torna lento o processo decisório no âmbito da OEA, conclui-se que, de acordo com o art. 3o (2) do TIAR79, o Órgão de Consulta tem autoridade para adotar medidas e para fazer com que elas sejam cumpridas de imediato. Entra-se em recesso e, ao reinício da sessão, quatro projetos de resolução, discutidos ao longo do recesso, são lidos e tomam a forma das seguintes resoluções80:

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Resolução I81 - ordena o cessar-fogo a partir das 22h de 18/07, hora local, bem como a retirada das tropas em no máximo 96 horas; solicita a presença de observadores com vistas a assegurar o cumprimento desta resolução; Resolução II - de modo a garantir do cessar-fogo e a retirada das tropas, deve-se estabelecer um sistema de vigilância; as cidades hondurenhas conquistadas devem ser imediatamente libertadas; Resolução III – oferece garantias à vida e à propriedade dos cidadãos de um país que viviam no território do outro e também exige garantias dos dois Estados; pede para que a Comissão vinculada ao SG da OEA crie postos de observação a fim de verificar o cumprimento das garantias oferecidas pelos Estados, podendo ser assessorado pela CIDH; pede ainda que os Estados-membros da OEA ajudem com serviços, víveres, remédios, etc. para os refugiados; Resolução IV82 - exige medidas concretas de ambos os governos com a vistas a suprimir as campanhas difundidas pela imprensa, pelo rádio e pela televisão que sejam contrárias à tradição integracionista das sociedades centro-americanas.

Durante a votação de tais resoluções, o representante salvadorenho diz não poder aprová-las, pois as mais altas autoridades de seu governo já negociam com o Comitê dos Sete (do CP), em San Salvador, cada um dos itens previstos pelas

78

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 171. TIAR – Art. 3º - “(...) 2) Por solicitação do Estado ou dos Estados diretamente atacados, e até decisão do órgão de consulta do Sistema Interamericano, cada uma das Partes Contratantes poderá determinar as medidas imediatas que adote individualmente, em cumprimento da obrigação de que trata o parágrafo precedente e de acordo com o princípio de solidariedade continental. O Órgão de Consulta reunir-se-á sem demora a fim de examinar essas medidas e combinar as de caráter coletivo que seja conveniente adotar. (...)” (grifou -se). 80 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1294; e James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 176. 81 As resolução I, II e III foram redigidas por um grupo de 14 países, inclusive EUA, Costa Rica, Nicarágua e Guatemala, apud James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 176-179. 82 Redigida pelo representante do Peru. 79

94

quatro resoluções83. Apesar da recusa do adversário, o representante hondurenho aprova as resoluções em sua totalidade. As notícias da recusa do representante salvadorenho em aprovar as resoluções do Órgão de Consulta chegam à região centro-americana logo após as 17h; o governo hondurenho ratifica a posição de seu representante e o governo salvadorenho, por sua vez, afirma que cumprirá somente a Resolução I, referente ao cessar-fogo, à retirada das tropas e à presença dos observadores militares da OEA em seu território84. Assim, o cessar-fogo entra em vigor às 22h do mesmo dia e, no entanto, El Salvador não dá início à retirada das tropas. Na manhã do dia 19, os observadores militares da OEA chegam a Honduras, onde se reúnem com o Comitê dos Sete a fim de montarem um plano

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

de ação85. Tais observadores foram de suma importância pois impediram a retomada do conflito armado e mantiveram uma rede imparcial de informações com o Comitê dos Sete, com o CP e com ambos os governos. São esses observadores que divulgam o avanço de tropas salvadorenhas em algumas regiões no dia 20, à margem do cessar-fogo86. El Salvador reconhece que ainda há o avanço apesar do cessar-fogo e reafirma, em 21/07, que não haverá a retirada das tropas sem as garantias que exige para os salvadorenhos ainda residentes em Honduras. Ainda na região centro-americana, é este o dia em que os observadores civis da OEA tomam seus postos87. É de se notar que os observadores militares, que haviam chegado à região em 19/07, têm competência para monitorar o cessar-fogo e a retirada das tropas, e aos observadores civis, por sua vez, cabe monitorar o cumprimento das garantias dadas por ambos os governos. Em Washington, o CP, enquanto Órgão de Consulta, reúne-se em sigilo pela manhã de 21/07. O presidente do CP e o SG apresentam aos membros um resumo dos últimos acontecimentos relacionados ao conflito, inclusive a não retirada das tropas salvadorenhas, que estariam condicionadas às garantias exigidas por El Salvador, conforme informado pelos observadores militares. Na reunião, os 83

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 179. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 181. 85 Tais observadores eram provenientes dos seguintes países: EUA, Argentina, Equador, Nicarágua, Guatemala, República Dominicana e Costa Rica (Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 124). Tomam seus postos em Honduras às 5h e em El Salvador às 16h do dia 20/07. 86 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 182. 84

95

representantes dos governos reafirmam que a retirada das tropas não é negociável e que as garantias já foram oferecidas tanto por Honduras como pela própria OEA. Isto posto, o CP envia notas para os presidentes de ambos os países: para El Salvador, o presidente do CP, discorrendo sobre as garantias exigidas, menciona a presença de 25 observadores civis em Honduras e pede o cumprimento do prazo das 22h do dia 22/07 para a total retirada das tropas. Para o presidente de Honduras, a nota reitera a confiança nas garantias oferecidas pelo governo no que se refere à proteção da vida, da segurança e da propriedade dos salvadorenhos residentes em Honduras88. A nota do CP enviada para El Salvador, no entanto, não obtém o efeito

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

desejado, o que leva o Comitê dos Sete a reunir-se novamente com o presidente salvadorenho, que apresenta um documento com as garantias exigidas por seu governo: (1) mecanismos internacionais para garantir a proteção de direitos humanos; 2) apuração da responsabilidade pelos crimes cometidos desde 15/06 contra salvadorenhos; 3) reencontro das famílias separadas e restituição de suas propriedades; 4) indenização por danos morais e materiais a partir de 15/06; e 5) supressão

das

disposições

legislativas

de

Honduras

que

discriminem

salvadorenhos89. Ao perceber que algumas dessas garantias levariam cerca de um ano para serem efetivamente cumpridas, o presidente salvadorenho afirma que a mera aceitação de Honduras é suficiente. Pede também o presidente salvadorenho para que a data inicial do status quo ante bellum, fixada pelo Órgão de Consulta, seja 15/06, e não 14/07. Por outras palavras, o presidente de El Salvador afirma que retira suas tropas do território de Honduras sob duas condições: que Honduras aceite a lista de garantias e que a data do status quo ante bellum seja modificada para 15/06. Depois de fracassar na tentativa de convencer o presidente salvadorenho, o Comitê volta a Tegucigalpa em 22/07. Há a informação de que o conflito armado pode ser retomado a qualquer momento, devido a graves incidentes nas áreas dominadas pelos salvadorenhos. O presidente do Comitê, Guillermo Sacasa, avisa 87

Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 46. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 186. 89 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 186-7. 88

96

ao presidente do CP que o prazo das 96 horas para a retirada das tropas chegou ao fim mas que as tropas salvadorenhas ainda se encontram em território hondurenho. Diante da audácia salvadorenha, em 22/07 o presidente do CP convoca formalmente a Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores, a ser iniciada em quatro dias90. Assim, em 26/07, tem início em Washington a XIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, atuando como Órgão de Consulta, e o SG da OEA observa que o principal objetivo das próximas reuniões não é apenas obter a retirada das tropas, mas também tentar a reconciliação entre ambos os países91. Portanto, se durante as reuniões do CP as sanções contra El Salvador estavam quase sendo efetivamente aplicadas, volta-se a falar em conciliação com

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

o início das sessões da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores.

3.3 A obtenção do cessar-fogo de facto e a retirada das tropas

No âmbito do Órgão de Consulta, fixa-se o dia 28/07 para a apresentação de projetos de resolução e espera-se que, até essa data, El Salvador já tenha modificado sua estratégia. Porém, o projeto de resolução apresentado por El Salvador causa espanto nos ministros quando requer ao Órgão de Consulta a condenação de Honduras pela prática de atos de agressão e pede para que os arts. 7o e 8o do TIAR sejam aplicados. A partir desse momento, os representantes dos Estados-membros, indignados, aprovam três projetos de resoluções, que são logo colocados em pauta, em que se determina El Salvador como o agressor92. Declarado o início do recesso, o SG Galo Plaza Lasso segue para a Embaixada de El Salvador em Washington, onde exibe ao embaixador Julio Adalberto Rivera os projetos recém-aprovados pelo Órgão de Consulta, com as sanções a serem impostas caso as tropas salvadorenhas não sejam imediatamente retiradas de

90

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 159. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 189. 92 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 191; e Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 160. 91

97

Honduras93. No dia seguinte, em 29/07, o SG insiste no mesmo aviso e, só então, o Ministro das Relações Exteriores de El Salvador anuncia que dará início à retirada das tropas ainda no mês de julho94. As últimas tropas saem do território hondurenho em 03/08, quando as cidades ocupadas são entregues aos observadores da OEA que, por sua vez, as devolvem ao governo hondurenho95. Como se vê, os três projetos de resolução aprovados pelo Órgão de Consulta fizeram com que o governo salvadorenho repensasse sua estratégia, já que previam expressamente a utilização do mecanismo da segurança coletiva do sistema interamericano, qualificando El Salvador como agressor. O Projeto de Resolução I, fundamentado no art. 7o do TIAR e no art. 17 da OEA, declara que El Salvador cometera um ato de agressão contra Honduras e que, por isso, está

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

sujeito às sanções previstas pelo art. 8o do TIAR96. O Projeto de Resolução II, por sua vez, prevê as sanções a que está sujeito El Salvador e, entre elas, destaca-se a interrupção parcial das relações econômicas entre os membros do TIAR e El Salvador, englobando a exportação ou a importação de petróleo e derivados, de café, de algodão e de açúcar97. Além disso, Honduras passa a ter a seu lado ajuda material dos Estados-membros para, caso queira, exercitar seu direito à legítima defesa98. Assim, El Salvador só dá início à retirada de suas tropas sob a pressão dos três projetos de resolução aprovados em 28/07 pelo Órgão de Consulta. Somente nesse momento a coletividade interamericana consegue impor sua vontade à soberania salvadorenha. Apesar disso, vale notar que “se está tão longe de uma solução durável da crise às vésperas da retirada salvadorenha como se estava às vésperas da invasão militar” 99. De fato, a completa resolução da controvérsia Honduras-El Salvador não é ainda alcançada, e é por isso que se prefere chamar a atuação da OEA de administração ou “resolução imediata” da diver gência, vez que apenas é obtido por essa organização o cessar das atividades belicosas e às partes é imposto o retorno ao status quo ante bellum. No entanto, deve-se ressaltar

93

Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 125. James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 193. 95 Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 160; Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 125. 96 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1294. 97 Projeto de Resolução II, itens 1 e 2. 98 Projeto de Resolução II, item 3. 99 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 46. 94

98

que as origens do problema não foram resolvidas pela OEA, como se infere do comentário de Alfredo Bruno Bologna (1978): “Apesar de a OEA ter obtido êxito na finalização da guerra e na devolução do território ocupado por El Salvador, ainda existem inúmeras questões não resolvidas que impedem a normalização das relações entre os dois países” 100.

Após o sucesso de sua atuação com os projetos de resolução, a XIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores aprova três resoluções e uma declaração, em 30/07, que criam mecanismos de fiscalização à retirada das tropas salvadorenhas e ao fiel cumprimento das garantias oferecidas por ambos os Estados no que se refere à vida, à propriedade e à segurança dos nacionais do outro Estado residentes em seu território. As resoluções também abrangem, entre

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

outros, os seguintes itens: documentar o fato de que ambos os países aceitaram submeter as controvérsias surgidas entre si nos próximos dois meses a qualquer dos procedimentos de solução pacífica previstos pelo Pacto de Bogotá; estabelecer a manutenção ou o aumento, se necessário, do número de observadores militares da OEA na região, para que continuem informando ao CP e ao SG sobre o processo de retirada das tropas; recomendar o censo de nacionais de um país residentes no território do outro, com vistas ao estudo e à adequada solução dos problemas migratórios; a cooperação entre órgãos, organismos e entidades internacionais, principalmente do sistema interamericano, na solução dos problemas demográficos e de desenvolvimento de ambos os países; reiterar o pedido para que os Estados-membros forneçam fundos, mantimentos, remédios e serviços para auxiliar os cidadãos que tenham sido deslocados. Vale também ressaltar que fica mantida em sessão a XIII Reunião de Consulta e se declara que a situação dos imigrantes é regida pelas leis dos países em que se encontram, embora não sejam aceitas as violações de direitos humanos desses imigrantes101. Essas declarações finais, portanto, conferem razão parcialmente a Honduras e a El Salvador e assim, em 30/07, chega ao fim a primeira parte da XIII Reunião de Consulta, iniciada em 26/07. No mês de agosto, a atuação da CIDH ainda persiste no que se refere às violações dos direitos humanos ocorridas antes do conflito: de 05 a 07/08, ocorre 100

p. 83.

101

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Consecuencias del conflicto Honduras -El Salvador”, 1978;

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 195-8; Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 160 -1.

99

a 1a parte do 22o Período de Sessões deste órgão, para discutir as conclusões da Subcomissão. Conclui-se que os meios de comunicação devem colaborar para o alcance da paz entre as duas populações e que a Subcomissão da CIDH deve ser reenviada à região para complementar o trabalho já iniciado. Assim, a Subcomissão volta para Honduras em 12/08 e para El Salvador em 17/08, retornando a Washington somente em 29/10. Apesar de a Subcomissão não mais estar in loco, a CIDH continua seus estudos em relação a este conflito até meados de 1970102. Os representantes do CP que estão na região durante o mês de agosto buscam a situação de normalidade entre ambos os Estados e, assim, estimulam a regulação da situação das pessoas deslocadas, a aplicação das resoluções do

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Órgão de Consulta e, sobretudo, a troca de prisioneiros103. Outras negociações, também no âmbito da OEA, restabelecem as comunicações postais, telefônicas e telegráficas, embora as principais rodovias entre os países continuem fechadas e o comércio no MCCA não seja retomado. As expulsões dos salvadorenhos residentes em Honduras recomeçam em setembro, apesar dos esforços, e continuam até dezembro daquele ano104. Em 30/09, o representante de Honduras apresenta um novo documento à OEA, em que informa que as controvérsias ainda pendentes entre esse país e El Salvador compreendiam “a) o problema

demográfico; b) o problema

armamentista; c) as controvérsias surgidas pela falta de delimitação da fronteira; e d) as controvérsias relacionadas com o Programa de Integração Econômica” 105. A resposta salvadorenha é oferecida uma semana mais tarde, em 06/10, e nela se afirma que a questão limítrofe não é a causa do conflito, já que o genocídio contra os salvadorenhos atingiu um maior grau de violência em locais longe das fronteiras, como Olancho, Yoro e na costa norte de Honduras106. Ambos os documentos são enviados à comissão especial do Órgão de Consulta. Devido à continuidade das ofensas e das divergências entre ambos os países, em 27/10, o Órgão de Consulta aprova, por unanimidade, outras sete resoluções, com vistas a 102

Special Report – Honduras e El Salvador 1970, OEA/Ser.L/V/II.23, doc. 9 (esp.), 29/04/1970. 103 A primeira troca de prisioneiros após o conflito armado é datada de 12/08/69 (Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 47). 104 Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Hondura s et du Salvador de 1969”, 1979; p. 49. 105 Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 49. 106 Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 50.

100

estabelecer limites à disputa para tentar facilitar a resolução; com este objetivo, são esses os temas das sete resoluções: (i) paz e tratados; (ii) trânsito livre; (iii) relações diplomáticas e consulares; (iv) questões limítrofes; (v) Mercado Comum Centro-americano; (vi) reclamações e controvérsias; e (vii) direitos humanos e família107. Logo após a aprovação das resoluções, em 07/11, tem início a 2a parte do 22o Período de Sessões da CIDH, em San José, Costa Rica, que se estende até o dia 22/11. Durante as reuniões, é apresentado um documento salvadorenho em que se afirma que a situação em território hondurenho continua tensa e que, apesar de o governo hondurenho não estar mais perseguindo salvadorenhos, ele tem permitido que indivíduos o façam108. Com isso, a CIDH aprova, em 11/11, uma

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

resolução em que solicita ao SG a permissão para que as oficinas da OEA de San Salvador e de Tegucigalpa possam transmitir informações sobre novas violações de direitos humanos diretamente à CIDH. Vê-se, assim, que os órgãos da OEA continuam atuando em conjunto em prol da resolução imediata do conflito109. Têm início em Manágua, Nicarágua, em dezembro de 1969, as negociações entre os Ministros das Relações Exteriores dos cinco países centro-americanos no que se refere aos temas aprovados pelas sete resoluções do Órgão de Consulta. O mediador escolhido pelas partes em 04/12/69, após aprovação da OEA, é o uruguaio José A. Mora, ex-Secretário Geral da OEA e, no entanto, ao longo das reuniões de janeiro de 1970 não se obtém nenhum progresso em direção à paz nas relações entre Honduras e El Salvador110. Percebe-se que, nessas negociações, a OEA está presente de maneira indireta, através da aprovação do nome de seu expresidente para mediar e supervisionar as negociações entre os cinco ministros centro-americanos. Parece não ter havido grande mudança no comportamento dos atores estatais de 1969 para 1970. No fim de janeiro de 1970, há nova tensão na fronteira: Honduras alega que aviões salvadorenhos bombardearam duas cidades hondurenhas e que uma cidade em Lempira foi atacada por mais de 100 107

Special Report – Honduras e El Salvador 1970, OEA/Ser.L/V/II.23, doc. 9 (esp.), 29/04/1970; e Documento n. 66, da OEA, 27/10/69, apud Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 50-1. 108 Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 131. 109 Special Report – Honduras e El Salvador 1970, OEA/Ser.L/V/II.23, doc. 9 (esp.), 29 abril 1970. 110 Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 52.

101

soldados111; alguns dias mais tarde, em 05/02, quatro soldados salvadorenhos são morte em retaliação. A partir daí, surgem com freqüência novos incidentes envolvendo invasão de espaço aéreo e violência contra civis praticada por tropas ao longo de todo o mês de março de 1970, e “o desenrolar dos acontecimentos, em vez de melhorar, havia se agravado lamentavelmente” 112. A CIDH continua atuando no conflito na esfera de sua competência e, em 06/04, tem início o 23o Período de Sessões deste órgão. Dez dias mais tarde, em 16/04, chega-se à conclusão de que ambos os governos não cumpriram as medidas necessárias para a reparação das violações dos direitos humanos e também não adotaram medidas contra futuras violações desses direitos113. Portanto, a situação permanece praticamente a mesma da época anterior ao conflito não apenas nas

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

fronteiras, mas também em relação aos direitos humanos. Assim, o risco de um novo conflito entre Honduras e El Salvador eclodir a qualquer instante não abandonou a região centro-americana. De 02 a 04/06, novamente um encontro entre os Ministros das Relações Exteriores centro-americanos em San José, Costa Rica, tenta solucionar um dos temas conflitantes entre Honduras e El Salvador, relativo aos incidentes fronteiriços, e decide-se pela criação de uma zona de segurança localizada a 3km da fronteira, nos moldes da idealizada pelo trio de mediadores centro-americanos um ano antes, de onde todas as tropas deveriam ser retiradas, exceto a polícia local114. Ocorre que algumas dessas áreas ainda estavam muito confusas, a exemplo da região ao sul da cidade de Marcala, na província hondurenha de La Paz115, e não foi possível implementar essa decisão. Nos anos que se seguem, no meio de tantas tentativas fracassadas, pequenos avanços começam a ser notados, obtidos através de negociações bilaterais e de reuniões entre os Ministros das Relações Exteriores centro-americanos. Ainda assim, a situação na região permanece tensa e, em abril de 1971, após conflitos

111

Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 132; Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 52, n. 15. 112 Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 54. 113 Special Report – Honduras e El Salvador 1970, OEA/Ser.L/V/II.23, doc. 9 (esp.), 29/04/1970. 114 Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 54. 115 Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 137.

102

fronteiriços, a OEA intervém novamente e envia 20 oficiais para patrulhar as áreas mais desestabilizadas116. Volta-se à OEA em 07/03/1973 quando, em uma reunião da comissão especial da XIII Reunião de Consulta, chega-se à conclusão de que suas tarefas já estavam chegando ao fim e, de modo a estimular as negociações, a comissão convoca os Ministros das Relações Exteriores de ambos os países para um encontro em Washington, realizados nos dias 20 e 21/08/73. No encontro, os chanceleres salvadorenho, Mauricio Borgonovo Pohl, e hondurenho, César A. Batres, concluem que, até o momento, as negociações informais não haviam sido colocadas em prática e que, por isso, era preciso iniciar as formalidades de um tratado de paz, a ser negociado até 16/12/73, e assinado até

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

31/01/74117. Ainda que de maneira indireta, a OEA continua a ser uma organização bastante presente durante as negociações e, fundamentando-se nas resoluções aprovadas no Órgão de Consulta da OEA em 27/10/69, também listadas pelo trio de mediadores, os chanceleres concordam que oito pontos são de suma importância para a resolução pacífica do conflito entre Honduras e El Salvador: “1) um tratado de paz; 2) livre trânsito entre os países; 3) relações diplomáticas e consulares; 4) fronteiras; 5) MCCA; 6) responsabilidade civil pelos danos morais e materiais causados; 7) direitos humanos e reunificação familiar; e 8) disposições gerais” 118.

Mais uma vez a implementação das negociações não ocorre e, em 13/07/1976, sete anos após o início do conflito armado, graves conflitos voltam a ocorrer no sul da província hondurenha de La Paz. Duas semanas mais tarde, a OEA atua na tentativa de manutenção da paz e envia, em 01/08, um grupo de peacekeepers para aquela área119 que, mais tarde, foi chamada de “Setor 5”, quando da ação no âmbito da CIJ.

116

Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 132. Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 59-60. 118 Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 134. 119 Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, 1981; p. 138. 117

103

Naquele mesmo ano, em 06/10, os representantes plenipotenciários das partes120 decidem, em Washington, que sua controvérsia será resolvida através da mediação e, assim, é nomeado o especialista em Direito Internacional peruano, José Luis Bustamante y Rivero. A mediação tem início com uma reunião em Lima, Peru, em 18/01/1978, entre o mediador e os delegados especiais de ambos os países. Após intensos debates, que duraram cerca de dois anos, o Tratado Geral de Paz é assinado em Lima, em 30/10/1980, e prevê o restabelecimento das relações diplomáticas e consulares entre os dois Estados a partir daquele momento, sem a necessidade de nenhuma outra formalidade (art. 10). Prevê ainda o livre trânsito de pessoas, bens e veículos sem discriminação quanto à origem nacional (art. 7.º),

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

deixando expresso que o livre trânsito de pessoas restringe-se ao ingresso e à circulação das pessoas, por tempo determinado e sem objetivo de permanecer no território vizinho (art. 8.º, alínea a). Vê-se que os itens do Tratado Geral de Paz referem-se praticamente aos mesmos oito pontos elencados pelas resoluções da XIII Reunião de Consulta de 1969 e pelas negociações dos chanceleres de Honduras e de El Salvador de 1973. Ainda no Tratado Geral de Paz são reafirmados os desejos das partes de resolver por meios pacíficos quaisquer controvérsias que venham a existir (art. 3.º) e, no que se refere à controvérsia atual, são delimitadas as fronteiras em sete áreas não-questionadas (art. 16). Ainda no que se refere a este tema, o Tratado estabelece que a Comissão Mista de Limites El Salvador-Honduras, criada e instalada em maio de 1980, acrescerá às suas funções o importante objetivo de demarcar as fronteiras não-controversas e de delimitar, através de mapas da época colonial expedidos pela Coroa Espanhola, as áreas de fronteira ainda questionadas121. O Tratado estabelece ainda que esta Comissão tem o prazo de cinco anos para cumprir o seu trabalho e, findo este prazo sem a realização dos objetivos préestabelecidos, as partes se comprometem a manter o status quo ante bellum, ou 120

Os Ministros das Relações Exteriores salvadorenho, Fidel Chávez Mena, e hondurenho, César Elvir Sierra. 121 É de se notar que a delimitação é diferente da demarcação das fronteiras. A delimitação, como se pode deduzir, ocorre em um momento prévio, em que são definidos os limites de um determinado território. A demarcação, por sua vez, é mais complicada, pois envolve a implementação daquilo que fora delimitado. Neste sentido, o Tratado estabelece, em seu art. 16, a

104

seja, a não alterar as divisas nas zonas controversas tal como estavam antes do dia 14/07/1969 (art. 37), além de “negociar e subscrever um compromisso por meio do qual submetam, conjuntamente, a controvérsia ou controvérsias existentes à decisão da Corte Internacional de Justiça” (art. 31). É o que ocorre na prática e, decorrido o prazo de inércia da Comissão, os Estados recorrem à CIJ, em 1986, finalizando a segunda fase do conflito e dando início à terceira tentativa de sua resolução pacífica. Por todo o exposto, percebe-se que as atuações dos órgãos da OEA (a CIDH, o CP, o SG e a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores) se sobrepõem de uma forma bastante intensa e conferem a essa organização o caráter de “administradora” do con flito em estudo. Como se vê,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

esta ação coletiva engloba um período relativamente extenso, que se inicia em junho de 1969, e se estende no tempo até a aplicação indireta de suas resoluções pelo Tratado Geral de Paz de 1980.

delimitação de áreas não controversas e confere à Comissão Mista de Limites El SalvadorHonduras a tarefa de demarcar tais áreas.

4 Análise da atuação da OEA na resolução imediata da Guerra do Futebol

“(...) a busca da segurança internacional envolve a renúncia incondicional, por todas as nações, em determinada medida, à sua liberdade de ação, ou seja, à sua soberania, e é absolutamente evidente que nenhum outro caminho pode conduzir a essa segurança”1.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

A análise da atuação da OEA na administração do conflito Honduras-El Salvador envolve a compreensão de algumas questões preliminares, vez que se trata de uma organização regional na resolução de uma controvérsia entre Estados soberanos. Assim, deve-se entender de que maneira as organizações regionais atuam no plano internacional e por que os Estados soberanos decidem cumprir as decisões emanadas dos órgãos dessas organizações. Inicia-se a discussão, no item 4.1, com o papel da cultura e das normas no plano internacional, pois são esses os principais responsáveis pela legitimação das ações de atores não-estatais perante os Estados soberanos. No item 4.2, deve-se analisar a composição e o funcionamento da cultura e das normas do sistema de segurança interamericano, já que a administração, ou resolução imediata, do conflito Honduras-El Salvador envolveu os mecanismos para a prevenção e repressão de ameaças à paz prescritos por esse sistema. Após discorrer sobre a função das normas no plano internacional e sobre o funcionamento do Sistema Interamericano, pretende-se analisar a atuação da OEA, através de seus órgãos, na administração do conflito em estudo e, assim, o item 4.3 deverá mostrar de que forma a OEA desempenhou os papéis de: (i) ator; (ii) de modificador do comportamento estatal; e (iii) de espaço para discussões. É ainda no item 4.3 que se tentará explicar o motivo pelo qual, no caso concreto, os

1 Carta de Albert Einstein a Sigmund Freud, datada de 30/07/1932, em Sigmund Freud, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud, 1932-1936, “Por que a guerra?”, p. 242.

106

Estados soberanos decidiram cumprir as regras emanadas por essa organização regional.

4.1 A função das normas no sistema internacional

Os Estados não se encontram em um ambiente de vácuo: eles coexistem com outros atores, estatais ou não, e o grau de interdependência entre Estados que possuam valores e interesses comuns em relação a determinadas matérias – o que possibilita a criação de regras e instituições comuns –, confere ao sistema

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

internacional o status de sociedade internacional2. Essa relação de interdependência, no entanto, existe em um contexto anárquico, onde não há uma entidade superior que garanta a ordem e a coexistência pacífica entre os diversos atores3. Porém, mesmo em um contexto anárquico, é possível manter a ordem no nível internacional, ainda que precária ou imperfeita, por diversos motivos. Um desses motivos decorre do fato de que os Estados que compartilham valores e interesses criam e cumprem determinadas regras, implícitas ou explícitas, cujo principal objetivo é prescrever a conduta desejada como reação a determinadas situações. Nas palavras de Martha FINNEMORE (1996), as normas “compartilham expectativas de uma comunidade de atores quanto ao comportamento apropriado” 4. Na realidade, não se pretende afirmar que as normas contribuem para a homogeneização dos Estados, mas sim ressaltar que elas propiciam aos atores estatais uma expectativa de cumprimento porque prevêem a adoção de um modelo comportamental específico para cada situação, existindo, por trás das normas, a “lógica da ação apropriada”5. Há também no âmbito internacional a cultura, que vem a ser concretizada através das normas. Essa cultura, que está em constante mutação, vai definir o objeto de cada norma, sendo, portanto, preexistente à própria norma. A cultura, portanto, é o elemento que vai distinguir o sistema internacional da sociedade 2

Hedley BULL, The Anarchical Society – A Study of Order in World Politics, 1977; p. 13. Hedley BULL, The Anarchical Society – A Study of Order in World Politics, 1977; p. 46. 4 Martha FINNEMORE, National Interests in International Society, 1996; p. 22. 5 Martha FINNEMORE, National Interests in International Society, 1996; p. 29. 3

107

internacional; é ela que possibilita que valores e interesses comuns tomem a forma de regras comuns e sejam implementados por instituições também comuns. Desse modo, a cultura da renúncia à guerra, por exemplo, existe desde os movimentos pacifistas europeus de meados do século XIX6 embora só tenha adquirido “formato de norma” em 1928, com a assinatura do Pacto de Paris (ou Pacto Briand-Kellogg), o que não impediu que a Liga das Nações, quase 10 anos antes da formalização dessa idéia, tivesse por principal fundamento o horror à guerra. Portanto, a cultura está difusa no seio da sociedade, tanto a nível doméstico como no plano internacional, e também está em constante modificação, vez que é construída pela relação existente entre os diversos atores. Com isso, ainda de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

acordo com Martha FINNEMORE (1996)7, o fato de se viver em uma sociedade faz com que as normas sociais, as regras e os relacionamentos que se tem uns com os outros sejam os principais responsáveis por moldar os interesses e, em certa medida, a própria identidade dos atores. Assim, os Estados estão inseridos neste ambiente de normas maleáveis que, por sua vez, desempenham o importante papel de socializar os Estados. Trata-se, portanto, de uma “via de mão dupla”, em que os Estados criam normas que, por sua vez, socializam esses mesmos Estados. As organizações intergovernamentais, enquanto instituições, também são criadas nesse ambiente normativo e, portanto, estão sujeitas às regras a elas preexistentes. Já que as normas surgem, em certa medida, para manter a ordem nesse meio anárquico, pode-se afirmar que também as organizações intergovernamentais podem vir a desempenhar um importante papel na manutenção dessa ordem. Neste sentido, vale a explicação de Margaret P. KARNS e Karen A. MINGST (1987): “As organizações intergovernamentais fornecem os componentes institucionais formais dos ‘regimes internacionais’, através dos quais os Estados buscam a manutenção da ordem e a redução da incerteza”8.

6 Pierre RENOUVIN e Jean-Baptiste DUROSELLE, Introdução à História das Relações Internacionais, 1967; pp. 273 e segs. 7 Martha FINNEMORE, National Interests in International Society, 1996; p. 128. 8 Margaret P. KARNS e Karen A. MINGST, “International Organizations and Foreign Policy: Influence and Instrumentality”, 1987; p. 457. No mesmo sentido: “Os objetivos das instituições são o de incorporar normas e regras, e o de criar padrões de certeza e de previsibilidade nas

108

Assim, as organizações internacionais que refletem a existência de valores e interesses comuns dos Estados em determinadas matérias também são responsáveis, direta ou indiretamente, pela manutenção da ordem internacional e pela redução da incerteza em um ambiente anárquico. Além da relação que existe dos Estados entre si, há também aquela existente entre os Estados e as organizações por eles criadas. Pode-se dizer que essa última relação ocorre em três momentos: (i) o momento da formação da cultura propícia à criação das organizações intergovernamentais; (ii) o momento da própria criação das organizações intergovernamentais, com base nesse ambiente normativo; e (iii) o momento em que as organizações agem no plano internacional.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

De acordo com Charles PENTLAND (1991), quando agem no plano internacional, as organizações são capazes de desempenhar os seguintes papéis: (i) o de instrumento da política externa; (ii) o de agente modificador do comportamento dos Estados; e (iii) o de ator autônomo9. Enquanto instrumentos de política externa, as organizações são analisadas a partir de um cálculo utilitarista, em que os custos e os benefícios são mensurados tanto pelos grandes como pelos pequenos Estados. A participação desses Estados nas organizações, de acordo com essa lógica, está condicionada à possibilidade de este Estado conseguir exercer alguma influência sobre a organização a fim de favorecer a adoção de políticas a ele favoráveis. Segundo o autor, apesar de ser raro o fato de as organizações internacionais servirem como instrumento da política externa de um Estado, há casos, como o da OEA no período da Guerra Fria, em que o Estado hegemônico consegue, com freqüência, determinar para que áreas devam se voltar as políticas dessas organizações10. O segundo papel a ser desempenhado por uma organização internacional, sob uma visão mais institucionalista, é o de modificador do comportamento dos Estados. Neste sentido, as organizações internacionais são “canais institucionais,

interações internacionais” (Lisa MARTIN, “An Institutionalist view: International Institutions and State Strategies”, 2000; p. 91). 9 Charles PENTLAND, “ International Organizations and their roles”, 1991; p. 242. 10 Charles PENTLAND, “ International Organizations and their roles”, 1991; p. 243.

109

obstáculos e ajudas criadas coletivamente pelos Estados para modificar o laissezfaire tradicional e característico de suas relações”11. No que se refere ao terceiro papel, as organizações agem como atores no sistema internacional e, assim, coexistem com seus próprios criadores, após atingir uma relativa autonomia em relação a esses. Aos papéis elencados por Pentland (1991) soma-se a possibilidade de uma organização internacional, especialmente a de natureza regional, desempenhar a função de espaço de debates ou foro de negociações. Este também é um papel de extrema relevância para as organizações regionais e, ainda que não se adote nenhuma resolução ou medida política após as discussões, o fato de existir uma arena em que determinadas matérias podem ser debatidas já confere à organização

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

o desempenho desse papel. Neste sentido, Connie PECK (2001) observa: “Uma das mais óbvias e mais úteis funções das organizações regionais, em relação a questões de paz e segurança, é o estabelecimento de um fórum regular, onde os líderes dos Estados-membros podem compartilhar suas diferentes perspectivas, discutir seus problemas comuns, oferecer idéias e propostas sobre como as idéias podem ser alcançadas, e – onde o consenso existe – responder com a ação apropriada” 12.

No caso em estudo, ou seja, no que se refere à atuação da OEA na resolução imediata do conflito Honduras-El Salvador, pretende-se verificar as hipóteses de que a OEA, nesta situação específica, tenha cumprido através de seus órgãos os seguintes papéis: (i) o de atuar de maneira relativamente autônoma em relação aos Estados, no que se refere especificamente à questão dos direitos humanos; (ii) o de influenciar a redefinição da política externa dos Estados litigantes em diferentes momentos e por diferentes razões, através da mudança no comportamento; e (iii) o de oferecer uma arena para debates, negociações e exposição dos pontos de vista das partes. Nota-se que, ao contrário da tendência dos anos 1960, 1970 e 1980, a utilização da OEA enquanto instrumento da política externa norte-americana para a América Latina não ocorre no conflito em estudo, pelos motivos expostos adiante. No que tange à primeira hipótese, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o órgão da OEA responsável pela proteção dos direitos humanos, conseguiu obter um grau relativamente elevado de autonomia em 11

Charles PENTLAND, “ International Organizations and their roles”, 1991; p. 244.

110

relação à própria OEA e sua atuação na Guerra do Futebol confere a função de ator a esta organização regional. Além da autonomia, as normas de direitos humanos atualmente existentes no plano internacional conferem também um certo grau de legitimidade à CIDH, e é este caráter subjetivo que faz com que os Estados procurem a CIDH no momento prévio ao conflito armado. Quanto à segunda hipótese, pode-se afirmar que a OEA influenciou o comportamento e, portanto, a redefinição da política externa de Honduras e principalmente de El Salvador, sem ter necessariamente feito com que a identidade ou os interesses nacionais daqueles Estados se modificassem. O comportamento de El Salvador é modificado quando o cessar-fogo é efetivamente obtido, em 29/07/69, ainda que por uma reação auto-interessada deste Estado.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Exatamente por isso não se pode afirmar ter havido uma mudança no interesse nacional ou na identidade de El Salvador em relação a Honduras já que, até 2002, a questão fronteiriça mantém-se indefinida na prática, apesar de já ter sido teoricamente delimitada pela Corte Internacional de Justiça em setembro de 1992, e o cumprimento desta decisão por parte de El Salvador vem sendo questionado perante o Conselho de Segurança da ONU desde janeiro de 2002. No que se refere à terceira e última hipótese, o espaço oferecido pelas organizações regionais para a consulta e a negociação de conflitos atuais ou em potencial é uma de suas principais funções e, segundo J. G. MERRILLS (1998): “As oportunidades para o contato i nformal que são decorrentes desses encontros dentro da organização podem ter grande valor nas situações em que as relações diplomáticas regulares tenham sido suspensas” 13.

De fato, no conflito em estudo, as relações diplomáticas são rompidas ainda no mês de junho de 1969 e as negociações no âmbito da OEA restabelecem o diálogo entre os representantes de Honduras e de El Salvador. Este capítulo, portanto, pretende demonstrar de que forma a OEA, através de quatro de seus principais órgãos, cumpriu o papel de ator, de modificador do comportamento do Estado e de espaço de discussão em sua atuação na administração do conflito Honduras-El Salvador. Antes, porém, faz-se necessário compreender, de forma concisa, o que é e como funciona o sistema de segurança

12 Connie PECK, “The Role of Regional Organizations in Preventing and Resolvin g Conflict”, 2001; p. 565. 13 J. G. MERRILLS, International Dispute Settlement, 1998; p. 266.

111

interamericano, uma vez que as partes recorreram aos mecanismos institucionais desse sistema para a resolução de sua controvérsia. 4.2 O Sistema de Segurança Interamericano

A formação da cultura propícia à criação de um sistema interamericano surge em 1824, quando alguns Estados latino-americanos, recém-independentes, resolvem se unir a fim de se protegerem contra uma eventual reconquista ou vingança da Coroa Espanhola. O regionalismo no continente dá origem, no fim do século XIX, a uma nova fase – conhecida por Pan-americanismo –, que conta com

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

a participação dos EUA. Em 1889-1890, na Conferência Interamericana realizada em Washington é criada a União Internacional das Repúblicas Americanas que, mais tarde, se transforma na União Pan-americana14. Com o decorrer dos anos, já no início do século XX, surge entre os Estados latinos a desconfiança de que a principal instituição do sistema interamericano da época – a União Pan-americana – estaria criando e mantendo vantagens desproporcionais aos EUA e, além de a sede desta organização ser em Washington, o seu orçamento constituía-se principalmente de recursos provenientes do Departamento de Estado norte-americano15. Alguns problemas passam a existir a partir da desconfiança em relação à parcialidade da União Pan-americana, e aos Estados latino-americanos era execrável a idéia de legitimar o já existente domínio norte-americano no continente. Os EUA, por sua vez, também não mais desejavam a manutenção da União Pan-americana pois temiam que essa instituição pudesse regular e, assim, minimizar o seu poder na região. Aos poucos, então, a União Pan-americana começa a perder sua força política, até seu completo desaparecimento na década de 1940. Deixa-se as instituições regionais e passa-se a uma instituição de escopo universal, a Organização das Nações Unidas. A Carta da ONU, datada de 1945, é posterior ao sistema interamericano e, com isso, nas discussões que lhe deram

p. 1.

14

Aida Luisa LEVIN, The OAS and the UN: relations in the peace and security field, 1974;

15

Jerome SLATER, The OAS and United States foreign policy, 1967; p. 19.

112

origem, realizadas em San Francisco, surgem algumas questões referentes à dualidade “universalismo vs. regionalismo”. Tais questões tornam difícil a tarefa de encontrar uma fórmula que satisfaça a todos, sem alterar a primazia da organização universal estabelecida pelo texto de Dumbarton Oaks16. A solução encontrada para o impasse adiciona o recurso a entidades e a arranjos regionais à lista de métodos pacíficos para a resolução de conflitos internacionais do art. 33 (1) da Carta da ONU – artigo que elenca os métodos pacíficos de resolução de controvérsias a serem utilizados pelas partes, antes de recorrerem ao Conselho de Segurança da ONU17. No caso em estudo, as partes utilizam-se deste artigo ao recorrerem ao sistema de segurança interamericano em julho de 1969. Após a criação da ONU, os Ministros das Relações Exteriores dos Estados

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

americanos, inspirados pelo então novo conceito da indivisibilidade da paz18, preservam o sistema regional através da assinatura do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR)19, da Carta da OEA20 e do Tratado Americano de Soluções Pacíficas21 (Pacto de Bogotá). Estes documentos legais formam o tripé institucional sobre o qual repousa o sistema de segurança interamericano. São seus princípios fundamentais: (i) a nãointervenção na política doméstica alheia; (ii) a igualdade jurídica; (iii) a adoção de medidas coletivas para dirimir os conflitos entre seus membros – seja por métodos pacíficos de resolução de conflitos, seja por medidas de segurança coletiva; e (iv) a adoção de medidas de segurança coletiva entre os Estadosmembros contra qualquer agressão externa. Vale ressaltar que os dois primeiros princípios têm base no princípio da soberania, enquanto os dois últimos fundamentam-se no princípio da cooperação internacional. A adoção destes dois grandes princípios – o da soberania e o da cooperação – têm fundamentação na história da região americana. O princípio da soberania, 16

Aida Luisa LEVIN, The OAS and the UN: relations in the peace and security field, 1974; p. 6; Jean-Paul HUBERT, “L’Organisation des États Américains”, 1971; p. 343. 17 ONU – Art. 33 (1) – “As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça, à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha”. Ressalte -se que, além do art. 33, § 1.º, também todo o Capítulo VIII (arts. 52 a 54) da Carta da ONU prevê expressamente a possibilidade do recurso a entidades ou acordos regionais, desde que coincidam com os propósitos e princípios das Nações Unidas (art. 52, parte final). 18 Jean-Paul HUBERT, “L’Organisation des États Américains”, 1971; p. 339. 19 Assinado no Rio de Janeiro, a 02.09.1947. 20 Assinada em Bogotá, a 30.04.1948.

113

ou da não-intervenção, foi violado várias vezes ao longo do século XX pela política externa dos EUA para a América Latina. Esta política intervencionista, mesmo quando disfarçada sob a política da boa vizinhança de 1933, gerou desconfiança entre os Estados, criando dificuldades de colaboração especialmente no que tange às questões de segurança. Vê-se, assim, que o princípio da cooperação internacional está intrinsecamente ligado ao da soberania e ao da não-intervenção. Além disso, a cooperação entre os Estados fazia-se necessária tanto para contra-balancear o poderio norte-americano dentro da nova organização regional (OEA), como para promover o desenvolvimento político, econômico e, principalmente, do sistema de segurança das Américas.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Existe portanto uma tendência, fundamentada no art. 33 (1) e também no art. 52 da Carta da ONU22, a preconizar o afastamento desta organização em relação a conflitos internacionais em que estejam envolvidos membros de uma organização regional competente para dirimir pacificamente suas controvérsias. Por outras palavras, e em relação ao caso em estudo, pode-se afirmar que a ONU abriu um espaço político e diplomático para a atuação da OEA quando da resolução pacífica do conflito entre dois de seus membros. O movimento de abrir espaço a uma organização regional não exclui a possibilidade de a ONU ser eventualmente acionada, caso os métodos empregados pela organização regional não venham a alcançar seus objetivos, o que faz com que haja a cooperação entre as organizações regionais e a ONU. Os outros dois documentos da base do sistema de segurança interamericano também prevêem essa relação de cooperação entre a ONU e a OEA. O art. 1o da Carta da OEA prevê que, dentro das Nações Unidas, a OEA constitui um organismo regional e, portanto, os mesmos princípios estabelecidos na Carta da ONU devem ser seguidos pela OEA em sua atuação no continente americano. 21

É uma espécie de anexo à Carta da OEA. ONU - Art. 52 - 1) Nenhum dispositivo da presente Carta impede a existência de acordo ou de entidades regionais, destinado a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades coincidam com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas; 2) Os Membros das Nações Unidas, que forem parte em tais acordos ou que constituírem tais entidades, empregarão todos os esforços para chegar a uma solução pacífica das controvérsias locais por meio desses acordos e entidades regionais antes de submetê-las ao Conselho de Segurança; 3) O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da solução pacífica de 22

114

O TIAR, por sua vez, estabelece em seu art. 10, que o Conselho de Segurança da ONU deve ser informado sobre as atividades que sejam desenvolvidas no âmbito da OEA com o propósito de manter a paz e a segurança interamericanas. É por este motivo que, apesar de a ONU não ter participado de maneira ativa do conflito entre Honduras e El Salvador, todas as decisões tomadas pelo Órgão de Consulta – constituído tanto pelo CP da OEA como pela Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores – foram levadas ao Secretário Geral da ONU, a fim de deixá-lo a par dos acontecimentos na região centroamericana e, portanto, fazer cumprir o disposto no art. 10 do TIAR23. Vale notar que, durante a Guerra Fria, por causa do “congelamento” do Conselho de Segurança da ONU decorrente do poder de veto de seus membros

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

permanentes, os EUA passaram a utilizar a OEA como instrumento de sua política externa para a América Latina24. Com isso, as ameaças à democracia e à liberdade econômica ou o perigo de um inimigo extracontinental foram combatidas pela OEA e pelos EUA sem a supervisão da ONU, ao contrário do que é previsto pelo art. 52 (1) da Carta da ONU e pelo art. 1o da Carta da OEA. Assim, no caso em estudo, apesar de existir, em tese, a possibilidade de cooperação entre a ONU e a OEA, na época da eclosão do conflito armado entre Honduras e El Salvador, a ONU não intervinha diretamente nas relações interestatais do continente americano, que era considerado zona de influência dos EUA. Com isso, a ONU manteve-se afastada do conflito por pressão, ainda que indireta, de uma das superpotências da Guerra Fria. Não se pretende afirmar que os EUA dominem as Nações Unidas, mas não se deve negar o fato de que o poder de veto deste membro no Conselho de Segurança da ONU contribuiu para a aproximação e para o afastamento da ONU em várias questões de segurança e paz do continente americano durante o período da Guerra Fria. Manter-se afastada não significa, no entanto, manter-se omissa e as partes procuram a organização universal para informá-la sobre os acontecimentos da região centro-americana antes mesmo da eclosão do conflito em 14/07/69. Assim, a ONU tem conhecimento da interrupção das relações diplomáticas entre controvérsias locais mediante os referidos acordos ou entidades regionais, por iniciativa dos Estados interessados ou a instâncias do próprio Conselho de Segurança. 23 James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 195-8; Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 160 -1. 24 Inis L. CLAUDE, JR., “The OAS, the UN and the United States”, 1973.

115

Honduras e El Salvador por uma nota enviada de San Salvador em 01/07/69; alguns dias mais tarde, em 05/07, El Salvador envia uma outra nota à ONU para denunciar as intenções belicosas de Honduras, depois dos incidentes ocorridos nas zonas fronteiriças do início daquele mês. A próxima notificação das partes vem do Ministro das Relações Exteriores de Honduras, informando as Nações Unidas, em 15/07, de que o território hondurenho havia sido invadido pelas Forças Armadas de El Salvador. Nota-se que, até o dia 15/07, nenhuma comunicação havia sido enviada pela ONU: as partes enviam mensagens à Secretaria Geral da ONU de quem, no entanto, não obtêm nenhum tipo de resposta. Apenas em 16/07, dois dias após a eclosão do confronto armado, o Secretário Geral da ONU, U Thant, envia uma

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

nota a ambos governos em que pede o fim imediato dos atos de guerra e o início do processo de negociações entre as partes25. A nota do Secretário Geral da ONU demonstra, de maneira indireta, a colaboração da organização universal com o alcance da paz e da segurança interamericanas através da atuação da organização regional. Esta nota pretende ainda demonstrar que, embora reconheça as capacidades organizacionais e materiais da OEA, a ONU oferece seu apoio político em busca por uma resolução pacífica do conflito em nome da comunidade internacional26. Apesar de se defender atualmente a doutrina de que deva haver cooperação entre a ONU e a OEA em questões de segurança e paz, vê-se que no conflito Honduras e El Salvador, pelos motivos já mencionados, não houve a atuação conjunta dessas duas organizações e, mais, a ONU manteve-se afastada durante toda a administração da divergência. Após discorrer sobre a relação existente entre a ONU e a OEA, e sobre a atuação da ONU em conflitos de evidente natureza regional, passa-se aos métodos de resolução pacífica de conflitos e às medidas de segurança coletiva especificamente empregados no âmbito do sistema interamericano. Antes, porém, faz-se notar a existência, dentro do sistema interamericano, de uma espécie de “sub -sistema”, composto por um conjunto de países latino -

25 26

p. 75.

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Conflicto Honduras -El Salvador...”, 1971; p. 154. Aida Luisa LEVIN, The OAS and the UN: relations in the peace and security field, 1974;

116

americanos, especialmente os que sofreram colonização espanhola27. Este subsistema consiste basicamente na adoção de duas premissas: (i) a soberania, e o corolário da não-intervenção, é o mais importante princípio dessa sub-cultura; e (ii) a existência e a manutenção de rivalidades duradouras, cuja origem freqüentemente remonta à época da independência dos Estados. Existe uma aparente contradição, que surge a partir da utilização prática dessas duas premissas, pois Estados rivais consideram legítima a intervenção militar em nome da preservação da soberania. A contradição é apenas aparente porque na América Latina, muitas disputas interestatais fundamentam-se sobretudo em questões territoriais e fronteiriças, e o início de um conflito armado entre Estados latino-americanos cuja questão

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

principal seja a disputa territorial não envolve a destruição ou conquista, mas sim a proteção de sua própria soberania28. Por outras palavras, pretende-se afirmar que os conflitos interestatais na América Latina, muitas vezes, por contarem com questões fronteiriças em sua origem, não procuram a expansão de seus territórios, mas sim a manutenção do que é considerado seu território nacional. Sendo o território um dos aspectos da soberania, trata-se, em última instância, de guerras que se limitam à preservação da soberania. Assim, é também de extrema relevância a questão das rivalidades, muitas vezes duradouras, dentro dessa sub-cultura latino-americana, já que elas “impedem o expansionismo e legitimam a resolução de disputas territoriais através da aplicação do direito internacional”29. A aplicação do direito internacional para dar fim a situações violentas ou que ameacem a paz podem ocorrer através da resolução pacífica dos conflitos ou dos mecanismos de segurança coletiva e, no sistema interamericano, existe uma forte relação entre essas duas formas de se lidar com a desarmonia de interesses30. No que se refere à resolução pacífica, a regulamentação do Capítulo V da Carta da OEA31, ou seja, dos procedimentos referentes à resolução pacífica de conflitos 27

G. Pope ATKINS, Latin America in the International System, 1995; p. 199. Monica HERZ e João Pontes NOGUEIRA, Ecuador vs. Peru: peacemaking amid rivalry, 2002; p. 18. 29 Monica HERZ e João Pontes NOGUEIRA, ob. cit., 2002; p. 18. 30 Margarita DIÉGUEZ, “Regional Mechanisms for the Maintenance of Peace and Security in the Western Hemisphere”, 1998; p. 102. 31 A Carta da OEA traz entre seus fundamentos (art. 2.º, alínea b) a defesa da solução pacífica de controvérsias, tendo para o tema reservado o Capítulo V (arts. 24 a 27). Assim estabelece o art. 25: “São processos pacíficos: a negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a 28

117

intra-regionais, foi efetivada pelo Pacto de Bogotá. Os tratados e as declarações até então existentes, referentes ao tema, eram assinados porém não ratificados, o que impedia sua concretização sempre que um conflito ocorria. Assim, um mecanismo de consultas multilaterais ou recíprocas é criado32 com o objetivo de coordenar e centralizar os métodos pacíficos previstos nos vários pactos bilaterais ou multilaterais para, enfim, consolidar a paz americana. Este mecanismo é formalizado com o Pacto de Bogotá, assinado juntamente com a Carta da OEA, em abril de 1948. Através de seu texto, as partes reafirmam seu compromisso perante a comunidade internacional de que tentarão resolver suas contendas por meios pacíficos antes de adotarem o uso da força ou da coerção. Em seus capítulos, é descrito com detalhes o procedimento a ser utilizado quando

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

da adoção de cada método pacífico previsto no art. 25 da Carta da OEA. No entanto, até os dias atuais, apenas um único conflito foi resolvido através deste tratado33. Alguns problemas de implementação dos procedimentos elencados pelo pacto fizeram com que muitos Estados não o tenham assinado ou ratificado. Soma-se a isso o fato de que existe um movimento na América Latina que tende à busca de meios pacíficos de resolução de conflitos que sejam mais práticos e mais flexíveis. Por ambos os motivos, é grande o número de conflitos intra-regionais resolvidos por soluções ad hoc, isto é, fora do mecanismo institucional do sistema de segurança interamericano34. Com isso, o sistema de segurança interamericano teria ficado sem uma de suas bases de sustento. Por muitos anos, o TIAR — o principal instrumento de segurança coletiva do sistema interamericano — teria substituído o Pacto de Bogotá, devido à sua responsabilidade de alcançar a paz através de todas as maneiras possíveis; justifica-se esta substituição pelo fato de que as sessões do

investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes”. Verifica -se a predileção pelos métodos pacíficos de resolução de controvérsias. Esta não é uma afirmação ingênua, a ponto de excluir a guerra do contexto internacional; há o reconhecimento, ainda que implícito, de que os Estados eventualmente participam de conflitos. É neste sentido que a Carta da OEA prescreve de maneira expressa que os Estados, ao participarem de conflitos, devem tentar resolvê-los, a priori, de forma pacífica. 32 O Órgão de Consulta é criado pela Conferência Interamericana de Buenos Aires, de 1936, e regulamentado pela Declaração de Lima, de 1938, em que se estabelece que este Órgão deverá ser formalizado através da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores. 33 O conflito Honduras vs. Nicarágua, de 1957. 34 Antonio Augusto Cançado TRINDADE, “Reg ional Arrangements and Conflict Resolution in Latin America”, 2000; pp. 144, 146 e 157.

118

Órgão de Consulta, atuando sob a fundamentação do TIAR, teriam recorrido a métodos pacíficos para a resolução de vários conflitos regionais35. Nota-se que o TIAR precede inclusive à Carta da OEA, tendo sido assinado na Conferência Interamericana para a manutenção da paz e da segurança continentais, realizada no Rio de Janeiro, de 15/08 a 02/09/1947. A assinatura deste tratado, no fim do período da Conferência, foi o primeiro passo para a institucionalização definitiva do sistema de segurança interamericano. Sua relação com esta organização regional está prevista no Capítulo VI da Carta da OEA (arts. 28 e 29), em que, baseados no princípio da solidariedade regional ou da legítima defesa coletiva, os Estados-membros consideram que atos de agressão realizados contra algum Estado americano serão considerados uma agressão contra todos os

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

demais. Após descrever em linhas gerais o tripé que sustenta o sistema de segurança interamericano, passa-se à explicação de como funciona este sistema em caso de atos de agressão ou de ameaça à paz, a fim de melhor compreender os procedimentos adotados na resolução imediata da Guerra do Futebol. O Conselho Permanente da OEA (CP), composto por um representante de cada Estado-membro, é o órgão responsável pela manutenção das relações amistosas entre os Estados americanos e, assim sendo, deve ajudá-los na resolução pacífica de suas controvérsias36. Em havendo agressão ou ameaça de agressão, tal como definida pelo art. 9o do TIAR37, o Órgão de Consulta deve se reunir de imediato para restaurar a paz e a segurança interamericanas, podendo o CP atuar provisoriamente como Órgão de Consulta até a convocação formal da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores38.

35

Margarita DIÉGUEZ, “Regional Mechanisms...”, 1998; p. 103. OEA – Art. 84 – “O Conselho Permanente velará pela manutenção das relações de amizade entre os Estados membros e, com tal objetivo, ajudá-los-á de maneira efetiva na solução pacífica de suas controvérsias, de acordo com as disposições que se seguem”. 37 TIAR – Art. 9o - “ 1) Agressão é o uso da força armada por um estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de outro estado (...). O primeiro uso da força armada por um estado, em transgressão dos instrumentos antes mencionados, constituirá prova prima facie de um ato de agressão, ainda que o órgão de consulta possa concluir, de conformidade com os referidos instrumentos, que a determinação de que um ato de agressão foi cometido não estaria justificada à luz de outras circunstâncias pertinentes, inclusive, o fato de que os atos em apreço ou suas conseqüências não são de suficiente gravidade. Nenhuma consideração, seja de natureza política, econômica, militar ou de outro caráter, poderá servir de justificação para uma agressão. (...)”. 38 OEA – Art. 83 – “O Conselho Permanente agirá provisoriamente como Órgão de Consulta, conforme o estabelecido no tratado especial sobre a matéria”; TIAR - Art. 15 – “O 36

119

Esta atuação do CP, de criar uma comissão para investigação e de se autodeclarar como Órgão de Consulta para, mais tarde, convocar a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, já havia ocorrido em outras três situações anteriores: em ambos os conflitos entre Costa Rica e Nicarágua (de 1948 e de 1955) e no conflito entre Haiti e República Dominicana (de 1949-50). Nesses três casos, não houve a necessidade de se convocar formalmente a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores e, muito menos, de impor sanções a qualquer um dos Estados litigantes39. No caso em estudo, no entanto, o CP, enquanto Órgão de Consulta, viu-se obrigado pelo decorrer da situação a convocar formalmente a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores após 12 dias do início da eclosão do confronto armado, como será analisado no item

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

4.3. A Reunião de Consulta, atuando como Órgão de Consulta, tem competência para impor, entre outras medidas, a retirada dos chefes de missão, o rompimento de relações diplomáticas e consulares, a interrupção parcial ou total das relações econômicas ou das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas, postais, telegráficas, telefônicas, radiotelefônicas ou radiotelegráficas ou outros meios de comunicação, além do emprego da força armada40. Além de sua competência para impor as sanções acima referidas, o Órgão de Consulta da OEA dispõe de recursos materiais e financeiros, próprios ou através de seus membros, para colocar em prática qualquer sanção, o que ressalta a importância das medidas adotadas por este órgão. Assim, após discorrer brevemente sobre o funcionamento do sistema interamericano em caso de atos de agressão ou ameaça à paz e, considerando que o caso em estudo envolve um ato de agressão de El Salvador em relação a Honduras em que foi acionado o sistema interamericano, deve-se tentar compreender como funcionou este sistema no caso em análise, levando-se em consideração cada uma das hipóteses acima levantadas referentes às funções que teriam sido desempenhadas pela OEA quando da resolução imediata do conflito Honduras-El Salvador.

Conselho Permanente da OEA poderá atuar provisoriamente como órgão de consulta, enquanto não se reunir o Órgão de Consulta a que se refere o artigo anterior. 39 Jean-Paul HUBERT, “L’Org anisation des États Américains”, 1971; p. 351. 40 Art. 8o do TIAR.

120

4.3 Os papéis desempenhados pela OEA na resolução imediata da Guerra do Futebol

Pretende-se verificar a hipótese de que a OEA, através de seus órgãos, tenha desempenhado três diferentes papéis na resolução imediata da Guerra do Futebol, quais sejam: (i) o de ator autônomo, através da CIDH; (ii) o de modificador do comportamento estatal; e (iii) o de arena ou espaço para debates, através das

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

sessões do CP e da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores.

4.3.1 As organizações enquanto atores autônomos

O papel de ator autônomo em relação aos Estados vem sendo desempenhado por algumas organizações internacionais principalmente depois da Segunda Guerra Mundial. Um conjunto de fatores propicia o desempenho desta função, tais como a detenção de informação técnica, os recursos financeiros próprios, a capacidade decisória, a legitimidade, a capacidade de executar suas próprias decisões e as habilidades diplomáticas41. Não se pode afirmar que a OEA, enquanto organização, tenha todas essas características, mas a CIDH, sem dúvida, demonstrou possuir cada uma delas ao longo de sua atuação no conflito entre Honduras e El Salvador. A CIDH é o órgão da OEA responsável pela promoção e respeito aos direitos humanos42. Criada por decisão da V Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores, em 1959, a CIDH foi logo transformada no principal órgão da OEA. Com a entrada em vigor da Convenção Americana de Direitos Humanos, ou Pacto de San José, em novembro de 1969, a CIDH teve ampliada a sua competência, antes restrita às matérias determinadas pela OEA e por seus Estados-membros.

41 42

CIDH.

Charles PENTLAND, “ International Organizations and their roles”, 1991; p. 247. Art. 106 da Carta da OEA, art. 1o do Estatuto da CIDH e art. 1o do Regulamento da

121

A crise na República Dominicana (1965-1966) e a Guerra do Futebol (1969) conferem à CIDH o status de órgão de ação, e não somente de órgão de observação, como era vista até então, já que, em ambas as situações, a CIDH envia delegações aos locais das violações de direitos humanos, a fim de se iniciarem as investigações. Deve-se notar que a CIDH não tem capacidade de executar algumas de suas próprias decisões, já que as conclusões deste órgão são meras recomendações, a serem cumpridas dentro de um determinado prazo, estipulado pela própria CIDH43. Não cumprido o prazo, o Estado violador poderá ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos caso tenha se submetido à sua jurisdição44. Além disso, devido à cooperação existente entre os órgãos da OEA, uma

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

recomendação da CIDH pode ser lida em sessão do CP ou mesmo na Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, o que certamente influencia a decisão a ser tomada por esses dois órgãos da OEA. Após discorrer sobre as principais características da CIDH, parte-se para a descrição de sua atuação na resolução imediata do conflito Honduras-El Salvador para, a seguir, analisar o desempenho desde órgão enquanto ator.

A Atuação da CIDH no Conflito Honduras-El Salvador

Pretende-se analisar a atuação da CIDH enquanto ator na administração do conflito Honduras-El Salvador. No caso da Guerra do Futebol, há evidências de que os Estados envolvidos no conflito reconhecem a autonomia da OEA para atuar em relação a questões específicas. Esse reconhecimento não abrange todas as medidas tomadas pela OEA para a resolução imediata deste conflito: apenas aquelas relacionadas com as áreas em que suas ações são reconhecidas como legítimas pelos Estados conflitantes, como é o caso dos direitos humanos45.

43

Art. 43 (2) do Regulamento da CIDH. Art. 44 do Regulamento da CIDH. 45 A legitimidade é um fator subjetivo e, portanto, de difícil aferição e não se deve ignorar a possibilidade de os Estados terem procurado a CIDH por auto-interesse. Após as leituras, no entanto, pode-se afirmar que os Estados teriam conferido legitimidade à CIDH pelo fato de que as questões de direitos humanos, bem como as relativas ao meio-ambiente, vêm ganhando força e espaço entre os Estados desde a década de 1960. De toda forma, deve-se chamar a atenção para o fato de que a CIDH desempenhou o papel de ator na administração do conflito Honduras-El 44

122

A CIDH intervém pela primeira vez em 25/06/1969, antes da eclosão do conflito armado. Naquele momento já existem fatores que indicam a complexa situação em que se inserem ambos os Estados, e é nessa data que El Salvador solicita o envio uma Subcomissão para a região de modo para verificar a violação de direitos humanos de salvadorenhos residentes em Honduras, bem como dos que haviam sido expulsos. No mesmo dia, Honduras requer à CIDH a análise das violações de direitos humanos cometidas contra seus nacionais que haviam comparecido a San Salvador por conta da 2a partida de futebol. Como resposta às denúncias de ambos os Estados, a CIDH designa uma Subcomissão, enviada à região no início do mês de julho, que permanece em El Salvador do dia 4 ao dia 7, e em Honduras do dia 8 ao dia 11 daquele mês. São

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

realizadas reuniões com os Ministros das Relações Exteriores de cada Estado, separadamente46, o que coloca em evidência a atuação da CIDH enquanto órgão de ação. Após cada uma das reuniões, a CIDH volta a cumprir sua competência original de órgão de estudos e de observação e coleta informações em ambos os territórios, junto à população local e aos altos funcionários do governo, sobre as violações de direitos humanos ocorridas naquela ocasião. De volta a Washington, as reuniões da Subcomissão são retomadas na sede da CIDH nos dias 14 e 15/07, e chega-se ao Informe Preliminar, com conclusões e recomendações aos governos de Honduras e de El Salvador47 que, mais tarde, é relido pelo Secretário Geral da OEA na abertura da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, em 26/07. Em 25/07, dias após o início da invasão de seu território, Honduras oferece nova denúncia à CIDH referente às violações de direitos humanos praticadas pelas forças armadas de El Salvador ao longo do conflito armado, e pede para que a Subcomissão retorne aos territórios em que ocorreram as violações para verificar esses novos fatos. Assim, com o intuito de estudar a situação em que se encontravam os nacionais de ambos os Estados, a própria CIDH, e não mais sua Subcomissão, Salvador e o motivo pelo qual os Estados resolveram procurar este órgão, seja a legitimidade ou o auto-interesse, parece-nos menos relevante que a qualificação das ações da CIDH como ator. 46 A reunião com o Ministro Guerrero ocorre em San Salvador, em 04/07/1969, e a reunião com o Ministro Castillo ocorre em Tegucigalpa no dia 08/07 do mesmo ano.

123

reuniu-se entre os dias 05 e 07/08 no XXII Período Extraordinário de Sessões48, que deu origem à Resolução da CIDH, baseada no Informe Preliminar da Subcomissão, contendo recomendações aos dois governos para tornar mais efetiva a observância dos direitos humanos em seus respectivos territórios. A Subcomissão é novamente enviada à região, chegando em Honduras em 12/08 e em El Salvador no dia 17/08, e permanece na América Central até o dia 29/10 do mesmo ano, depois de julgar terminados os seus trabalhos. A segunda parte do XXII Período Extraordinário de Sessões da CIDH ocorreu de 7 a 22/11/1969 e, apesar de não ser inteiramente dedicado à questão dos direitos humanos em Honduras e El Salvador, faz outras recomendações a respeito da situação. A Resolução publicada em meados deste período de reuniões

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

(em 11/11) reconhece o esforço dos membros da Subcomissão e confirma que seus trabalhos já podem ser encerrados. Também observa a dita Resolução que nem Honduras nem El Salvador respondeu aos pedidos requeridos pela Subcomissão, com o objetivo de recolher informações de ambos os governos sobre as violações dos direitos humanos ocorridos em seus territórios. Assim, a Resolução de 11/11 ameaça os Estados ao afirmar que, caso o pedido de informações continue a ser ignorado, serão presumidos como verdadeiros os fatos alegados pelos indivíduos salvadorenhos e hondurenhos em suas denúncias e em seus testemunhos. De modo a evitar que novas denúncias continuem a ser prejudicadas pela inércia dos Estados, a Resolução de 11/11 também solicita ao SG para que as representações da OEA existentes em San Salvador e em Tegucigalpa transmitam para a CIDH as denúncias de violações de direitos humanos que receberem. A atuação da CIDH no conflito entre Honduras e El Salvador continua no ano seguinte, por ocasião do XXIII Período de Sessões (de 06 a 16/04/1970)49. Nesse momento, a CIDH classifica os atos denunciados no ano anterior como: “(...) graves violações dos direitos humanos, principalmente dos direitos à vida, à liberdade, à segurança e integridade das pessoas, de proteção contra a detenção

47

Trata-se do Informe Preliminar de la Subcomisión sobre Violaciones de los Derechos Humanos en Honduras y El Salvador (OEA/Ser.L/V/II.22, Doc. 2 de 15 de julho de 1969, reservado). 48 Essa reunião dividia-se em duas grandes partes, em que a primeira, realizada entre os dias 5 e 7 de agosto de 1969, foi integralmente dedicada à discussão do conflito de Honduras e El Salvador. A segunda parte foi realizada de 7 a 22 de novembro do mesmo ano. 49 Ver OEA/Ser.L/V/II.22, Doc. 13, Rev. 2.

124

arbitrária, de propriedade, de residência e de trânsito, consagrados nas Declarações Americana e Universal dos Direitos Humanos” 50.

Ainda naquele momento, a CIDH observa, mais uma vez, que os governos não adotaram nenhuma das medidas recomendadas pela CIDH na Resolução de agosto de 1969, com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos em seus territórios.

A Análise da atuação da CIDH no conflito Honduras-El Salvador

A toda ação corresponde uma reação; este também parece ser um brocardo

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

válido no sistema internacional e, neste sentido, deve-se verificar de que maneira os Estados envolvidos reagiram à atuação da CIDH. De acordo com Ian HURD (1999), os Estados podem vir a obedecer às regras ditadas pelas organizações internacionais por três razões: (i) a coerção; (ii) o auto-interesse do Estado; e (iii) a legitimidade da organização internacional. Cada um desses motivos é identificado a seguir. A coerção se refere ao medo de sofrer uma sanção por parte da organização intergovernamental ou de um Estado mais poderoso. O maior problema da coerção é que esta motivação “tende a gerar ressentimento e resistência, mesmo nos casos em que a norma é cumprida”51. Assim, a obediência de normas através de métodos coercitivos nem sempre é duradoura: pode-se, inclusive, afirmar que a obediência durará enquanto durar a “sombra” da coerção. O auto-interesse, por sua vez, consiste na crença de que o Estado segue as normas porque essas estão de acordo com seus interesses. Dessa maneira, esta seria a opção mais racional, que se dá devido à presunção de os Estados serem atores egoístas52. Por fim, a legitimidade faz com que o Estado tenha a percepção de que determinada norma deve ser obedecida por ser considerada legítima. Em relação à legitimidade, Ian HURD (1999) esclarece: “É uma qualidade subjetiva, que pertence à relação entre o ator e a instituição, e é definida pela percepção do autor a respeito daquela instituição. (...) Esta percepção 50

Apud Relatório Especial Honduras-El Salvador (29 de abril de 1970). Ian HURD, “Legitim acy and Authority in International Politics”, 1999; p. 384. 52 Ian HURD, ob. cit., 1999; p. 385. 51

125

afeta o comportamento porque é internalizada pelo ator e ajuda a definir como o ator vê seus próprios interesses” 53 (grifo no original).

Após discorrer sobre os três principais motivos pelos quais os Estados obedecem às normas expedidas pelas organizações internacionais, nota-se que nem sempre é possível verificar a verdadeira intenção dos Estados e, por isso, não se pode saber ao certo qual dos motivos acima mencionados teria sido utilizado. Como o comportamento é algo “externo”, é para ele que se devem voltar as atenções

quando

se

pretende

estudar

a

influência

das

organizações

intergovernamentais na política externa dos Estados. Passa-se à análise da atuação da CIDH e as reações dos Estados às suas ações. Partindo-se dos motivos enumerados por Ian HURD (1999) para explicar a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

obediência de um Estado às normas das organizações internacionais, pode-se afirmar, com base exclusivamente no comportamento dos dois Estados ao levarem sua contenda à CIDH, que ambos conferem um grau relativamente alto de legitimidade a esse órgão54; legitimidade esta que só é mantida em um primeiro momento, já que, no momento seguinte, El Salvador não respeita as imposições da CIDH e nem mesmo do CP, além de desconsiderar a mediação do trio centroamericano como legítima para a resolução do conflito. Isso ocorre já que “a extensão da resposta do Estado, no entanto, depende também da importância da questão para seu interesse nacional (…)”55. Assim, percebe-se que, em um primeiro momento, ambos os Estados conferem relativa legitimidade à CIDH quando da denúncia de 25/07/1969, ou seja, Honduras e El Salvador reconhecem que as normas de direitos humanos do sistema interamericano são legítimas e, por isso, quando ocorrem violações contra seus nacionais, recorrem à CIDH para denunciá-las. Neste sentido:

53

Ian HURD, “Legitimacy and Authority in International Politics”, 1999; p. 381. Através de um olhar retrospectivo, poder-se-ia afirmar que El Salvador teria provocado a CIDH mais por auto-interesse que por legitimidade. Tal afirmação, no entanto, deve ser realizada com algum cuidado, já que El Salvador, apesar de não ter cumprido as recomendações feitas por esse órgão, não impediu a investigação da Subcomissão quando esta se encontrava em território salvadorenho. Assim, torna-se bastante difícil afirmar qual seria o real motivo pelo qual El Salvador teria provocado a CIDH. Com isso, opta-se por propor o reconhecimento da legitimidade, sem, no entanto, deixar de reconhecer a possibilidade de uma ação auto-interessada. 55 Margaret P. KARNS e Karen A. MINGST, “International Organizations and Foreign Policy: Influence and Instrumentality”, 1987; p. 461. 54

126

“a proteção dos direitos humanos depende do crescimento de uma ordem internacional viável e de organizações internacionais imparciais nas quais os Estados possam ter certa confiança” 56.

Em um segundo momento, no entanto, nem Honduras nem El Salvador colaboram com a CIDH na investigação dos fatos que eles mesmos haviam denunciado57, caracterizando uma clara mudança de comportamento. Não é possível analisar a verdadeira intenção dos atores mas tão-somente o seu comportamento, e essa mudança brusca poderia caracterizar a não-preocupação desses governos com a violação dos direitos humanos de seus nacionais ou o medo de uma possível sanção por causa das violências que eles mesmos teriam praticado contra os nacionais de seu vizinho.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Honduras, desde momentos anteriores à eclosão do conflito armado, mostrase mais favorável à atuação da OEA na região, de modo a tentar evitar o conflito. Essa postura permanece ao longo das tentativas de resolução. El Salvador, ao contrário, somente se mostra favorável quando do oferecimento da denúncia acima referida58. Aliás, é de se observar que a primeira denúncia à CIDH é feita por El Salvador, que vem seguida, no mesmo dia, pela denúncia de Honduras. Assim sendo, o bom desempenho das ações da CIDH é dificultado pelos próprios governos: verifica-se que, no segundo momento, ambos os Estados apenas aproveitaram-se de maneira auto-interessada da atuação da CIDH, talvez para que pudessem manter, perante a comunidade internacional, a imagem de que repulsam as violações dos direitos humanos. Porém, se realmente não admitissem essas violações, teriam contribuído com a Subcomissão para a investigação dos fatos. Ocorre que não foram prestadas as informações necessárias, o que torna ambos os governos coniventes, por omissão, com essas violações. Com isso, após a análise da ação da OEA e da reação dos Estados, pode-se concluir que a CIDH agiu como ator autônomo, nos limites de sua competência. Atuou, inclusive, como órgão de ação, e não apenas como órgão de estudos e de 56

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 236. Não obstante as denúncias oficiais de ambos os governos, houve também denúncias individuais. 58 No mesmo sentido: “Existe pouca pesquisa, porém, referente à predisposição relativa dos governos e dos indivíduos em relação à colaboração multilateral. Alguns Estados claramente optam por resistir à colaboração e por minimizar a interferência ainda que formal de organizações intergovernamentais (e de outras influências externas), enquanto outros seguem estratégias e resposta favoráveis a maximizar as influências e as intervenções das organizações 57

127

observação, o que inaugurou um novo âmbito de atuação deste órgão. No entanto, os Estados do conflito em análise não souberam contribuir durante todo o tempo, o que retira, ao menos momentaneamente, a legitimidade por eles mesmos conferida à CIDH. Assim, este órgão, embora tenha agido como ator, não obteve resultados concretos e diretos na resolução imediata da Guerra do Futebol.

4.3.2 As organizações enquanto modificadoras do comportamento estatal59

No presente item, pretende-se discorrer sobre um outro papel passível de ser PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

desempenhado pelas organizações internacionais, segundo Charles PENTLAND (1991): o de modificador do comportamento estatal. Após percorrer a não tão vasta literatura acerca da influência das organizações intergovernamentais na elaboração da política externa dos Estados, faz-se uma breve análise a respeito do assunto, a fim de utilizá-la para compreender a atuação da OEA enquanto modificadora do comportamento estatal na administração do conflito Honduras-El Salvador. Inicia-se a discussão com dois grandes temas, um a nível sistêmico e o outro a nível doméstico. O primeiro tema refere-se ao modelo de sociedade internacional fundado na cultura, e suas conseqüentes normas, regras e instituições, desenvolvidas nesse ambiente valorativo. O segundo tema refere-se à definição do interesse nacional, tema este que, por sua vez, está também inserido nesse mesmo sistema normativo. Chama-se a atenção para a relação existente entre esses temas, ou seja, a influência das organizações intergovernamentais – fundadas na cultura existente no plano internacional – na alteração da política externa de seus Estados-membros – relacionada com a definição do interesse nacional.

intergovernamentais” (Margaret P. KARNS e Karen A. MINGST, “International Organizations and Foreign Policy: Influence and Instrumentality”, 1987; p. 469). 59 As organizações internacionais são capazes de influenciar não só o comportamento, como querem os neo-realistas e os neoliberais, mas também conseguem, por vezes, definir os interesses de seus Estados-membros. Haveria, assim, o exercício de influência dessas organizações na elaboração da política externa.

128

Os Estados encontram-se em um ambiente anárquico e um dos motivos que garante a ordem internacional é a existência de regras comuns, originadas de interesses e valores comuns, e cuja principal função é a redução do grau de incerteza nas interações internacionais através da previsão de um modelo de comportamento a ser seguido frente a determinadas situações. Esta previsão de um modelo comportamental não propicia a homogeneização dos atores mas sim reduz a incerteza entre os Estados por gerar expectativas comuns. As organizações internacionais, também criadas neste ambiente normativo, são responsáveis pela criação e execução de normas e, portanto, podem vir a desempenhar uma relevante função na manutenção da ordem no plano internacional. No entanto, ainda é pouco discutido o fato de essas normas ou

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

organizações influenciarem concretamente na redefinição da política externa de alguns Estados, em determinadas issue-areas. Há que se ressaltar que a política externa tem fundamento na identidade coletiva do Estado, concebe os limites do interesse nacional, e se concretiza através do comportamento do Estado mediante uma situação específica. Assim, a política externa engloba três importantes fatores para a presente discussão: a identidade, o interesse nacional e o comportamento. Pode-se afirmar, então, que a redefinição da política externa pode se concretizar a partir da determinação de um novo interesse, da alteração da identidade ou da mudança do comportamento. A mudança de interesse ou de identidade pode surgir no seio da política doméstica daquele Estado ou mesmo a partir de sua relação com outro Estado. Mas a mudança do comportamento, e por vezes da identidade e do interesse nacional, pode ter origem no seio de uma organização intergovernamental. A mudança de comportamento já representa uma modificação da política externa, ainda que de maneira superficial. A modificação da identidade coletiva e do interesse nacional, no entanto, envolve fatores mais complexos e talvez seja incorreto afirmar sem restrições que as organizações conseguem influenciar na modificação desses dois elementos da política externa. Assim, restringe-se a análise da atuação das organizações internacionais enquanto modificadoras da política externa dos Estados através, apenas, da influência que exercem em prol de uma mudança de comportamento.

129

A idéia de como deve ser um “Estado”, enquanto modelo de organização política, é constantemente difundida e renovada no plano internacional pelos mais diferentes atores. Não são apenas os Estados que atuam no âmbito internacional: as organizações intergovernamentais têm um papel cada vez mais importante. Assim, essas organizações também são responsáveis pela propagação das normas referentes ao comportamento apropriado desses Estados enquanto “Estados” 60. Essas regras comuns existentes no plano internacional socializam os Estados e conseguem modificar seu comportamento, tanto de forma prévia como de forma posterior à ação do Estado: (i) o Estado pode adequar seu comportamento ao ingressar como membro em uma organização61; ou (ii) pode obedecer a uma norma imposta pela organização, em momento posterior ao seu ingresso62. Assim,

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

conclui Martha FINNEMORE (1996), que as “estruturas sociais  normas de comportamento e instituições sociais  podem fornecer direção e metas para a ação estatal63, influenciando, portanto, na modificação do comportamento do Estado. Até o momento, tentou-se demonstrar a existência de uma relação entre a modificação do comportamento estatal e as normas sociais internacionais, que muitas vezes são concretizadas através das organizações intergovernamentais. A partir de agora, tentar-se-á comprovar a hipótese de que algumas organizações intergovernamentais conseguem efetivamente influenciar na redefinição da política externa de certos Estados, através da modificação do comportamento. Sabe-se que as organizações intergovernamentais agem a partir de atas de reuniões, de resoluções e de encontros que dão origem a documentos oficiais. São de natureza política as ações que emanam dessas organizações, com objetivos políticos diferenciados — dependerão da área de atuação de cada organização. Essas medidas políticas têm um impacto, de maior ou menor intensidade, sobre as 60 Ver, neste sentido, Martha FINNEMORE, National Interests in International Society, 1996; p. 35: “os Estados se reorganizam, se redirecionam e se expandem, pelo menos em parte, de acordo com entendimentos normativos compartilhados sobre o que ‘o Estado’ enquanto forma política deve fazer. Alguns desses entendimentos são locais, mas muitos são compartilhados ‘transnacionalmente’ e, com freqüência, são desenvolvidos e espalhados com a ajuda das organizações intergovernamentais”. 61 Pode-se exemplificar com as organizações internacionais cujo objeto seja o meioambiente ou os direitos humanos, em que “(…) os governos são por vezes forçados a mobilizar recursos para estudar questões que não estavam em suas agendas nacionais” (Margaret P. KARNS e Karen A. MINGST, “Interna tional Organizations and Foreign Policy: Influence and Instrumentality”, 1987; p. 461). 62 Esse é um ponto extremamente delicado e será analisado mais adiante.

130

atitudes de seus principais destinatários e podem ser analisadas através da reação dos Estados a essas normas. Apenas a mudança no comportamento dos Estados é passível de análise e, dependendo da situação, é possível afirmar ter havido mudança também no interesse. No entanto, a mudança de comportamento, além de mais fácil de ser analisada por ser observável, pode ser aferida em um pequeno período de tempo. A mudança do interesse ou da identidade é mais complicada, porque tanto sua elaboração como sua redefinição requerem medidas de médio a longo prazo. O presente trabalho, no entanto, não permite a extensão da pesquisa neste sentido. Assim, restringe-se a reação do Estado à mudança de comportamento, o que não minimiza a importância da mudança de interesse ou da identidade64.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

A partir daí, é possível concluir que, já que o comportamento é um dos elementos constitutivos da política externa, pode-se afirmar que a mudança do comportamento de um Estado, quando caracterizada como reação a medidas tomadas por organizações intergovernamentais, indica ter havido uma influência dessa organização na redefinição da política externa daquele Estado. A seguir, verificar-se-á em que medida houve influência da OEA na política externa de Honduras e de El Salvador em relação aos desentendimentos ocorridos no ano de 1969.

A OEA enquanto modificadora dos comportamentos de Honduras e El Salvador

A política externa dos Estados, constituída pelos interesses, pela identidade e pelo comportamento, tem elementos internacionais e elementos domésticos. No que se refere aos elementos internacionais, Martha FINNEMORE (1996) afirma que:

63

Martha FINNEMORE, National Interests in International Society, 1996; p. 28. Há ainda alguma discussão a respeito da nomenclatura utilizada: a mudança de interesse significaria mudança de percepção? Acredita-se que sim. Mas a mudança de comportamento não necessariamente significaria uma mudança de percepção  embora possa ser caracterizada como mudança na política externa  porque determinado comportamento pode ter sido imposto por um Estado mais poderoso ou por uma organização intergovernamental. Assim, pode-se dizer que tal comportamento, apesar de refletir na modificação da política externa perante determinada situação, não implica necessariamente na mudança da percepção para aquele tema específico. 64

131

“[As no rmas internacionais, o discurso, a cultura e outros] podem moldar e definir as preferências dos atores de maneiras não relacionadas com suas condições domésticas, com suas características ou com suas necessidades funcionais” 65.

Assim, Estados com características políticas, sociais e econômicas distintas, como Honduras e El Salvador, conseguem ter, em alguns momentos, posturas bastante semelhantes, como no momento em que ambos denunciam, perante à CIDH, as violações de direitos humanos contra seus nacionais, em 25/06/69, e quando ambos aceitam a solução pacífica de seu conflito através da mediação do trio centro-americano, em 28/06/69. Neste sentido, ainda Martha FINNEMORE (1996) conclui que “normas internacionais de comportamento e de valores compartilhados

podem

provocar

comportamentos

similares

em

atores

66

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

dissimilares” . Essa coincidência de comportamentos ocorre porque a política externa não é indivisível, e o aspecto histórico da política externa tanto de Honduras como de El Salvador é muito semelhante. Ao longo da história desses dois Estados, desde a independência em 1821, existe a percepção do Outro enquanto inimigo em relação a questões fronteiriças; no início do século XX, essa percepção do Outro adquire características belicosas, naturais às rivalidades duradouras, e, assim, nem a OEA, em sua atuação prévia ao conflito armado, consegue conter os ânimos de El Salvador em julho de 1969. A construção da rivalidade duradoura só ocorre a médio ou longo prazo. Desde a criação dos Estados de Honduras e de El Salvador, a percepção do Outro como rival é disseminada pela sociedade, faz parte da identidade coletiva e, portanto, da política externa de ambos os Estados. Essa rivalidade histórica, aos poucos, transfigura-se em violência direta e, com a eclosão do conflito armado, a rivalidade entre Honduras e El Salvador atinge o seu ápice. Por conseguinte, pode-se afirmar que a rivalidade, duradoura ou não, é socialmente construída, e a alteração dessa percepção, em regra, não ocorre de maneira brusca. Assim, divergências entre rivalidades duradouras costumam ser caracterizadas como “conflitos prolongados” 67. Os conflitos prolongados, por definição, são de difícil resolução e envolvem uma mudança fundamental na 65

Martha FINNEMORE, National Interests in International Society, 1996; p. 22. Martha FINNEMORE, ob. cit., 1996; p. 6. 67 Jacob BERCOVITCH, Paul F. DIEHL e Gary GOERTZ, “Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts”, 1997; p. 752. 66

132

relação entre os Estados envolvidos. Assim, já que a OEA não conseguiu fazer com que houvesse essa relevante mudança na rivalidade, deve-se caracterizar a atuação da OEA no conflito Honduras-El Salvador como a administração da situação e não como a resolução do problema. A descrição da administração de um conflito enquadra-se no presente item pois certamente envolve a modificação do comportamento dos Estados belicosos, modificação esta que pode ser evidenciada a partir da interrupção do fogo cruzado, da redução da violência direta e do retorno à mesa de negociações68. Por outras palavras, a atuação da OEA na administração do conflito Honduras-El Salvador pôde modificar o comportamento de ambos os Estados quando obteve, com sucesso, o cessar-fogo, a redução da violência nas fronteiras e a retomada das

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

negociações bilaterais, ainda que supervisionadas. Pode-se afirmar ainda que, na administração do conflito, a OEA conseguiu modificar a percepção das partes referente à solução do conflito e não ao conflito em si: em um dado momento, esgotados os meios de obter a “vitór ia” através das Forças Armadas e pressionado pelas ameaças da comunidade interamericana, El Salvador deixa de tentar resolver sua divergência através da guerra e passa a se comportar como se aceitasse a resolução pacífica do conflito69. A percepção do Outro enquanto rival, no entanto, se mantém e é por isso que os métodos pacíficos utilizados para a resolução deste conflito têm fracassado70. A mudança de percepção em relação à solução do conflito só pôde ser observada a partir da mudança de comportamento dos Estados, principalmente de El Salvador. Assim, conclui-se que as organizações internacionais são capazes de redefinir a política externa dos Estados, através da modificação do comportamento desses atores. No entanto, nem sempre as organizações internacionais conseguem obter a modificação do comportamento de Estados soberanos. No caso em estudo, apesar de se verificar uma leve alteração no comportamento das partes, e especialmente de El Salvador, deve-se ressaltar que a atuação das organizações na administração 68

Jacob BERCOVITCH, Paul F. DIEHL e Gary GOERTZ, ob. cit. p. 756. Isso porque El Salvador pára de guerrear e resolve sentar à mesa de negociações. Não é possível, no entanto, afirmar que El Salvador tenha efetivamente modificado sua política externa no sentido de aceitar a resolução pacífica de seu conflito com Honduras. Na realidade, somente o comportamento dos Estados é passível de análise e, a partir daí, conclui-se pela influência da OEA na elaboração da política externa salvadorenha em relação às suas divergências com Honduras. 69

133

ou na resolução dos conflitos internacionais, ainda que não venha a obter a desejada mudança do comportamento, oferece aos Estados uma arena propícia para os debates e para a exposição dos pontos de vista das partes e dos outros Estados-membros, a ser analisada no próximo item. 4.3.3 As organizações enquanto espaço de discussão

É mais correto afirmar que a administração ou a resolução de um conflito internacional é obtida através de uma organização e não pela organização71. De fato, as organizações internacionais agem através de seus órgãos e de seus

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

prepostos e, assim, quando a OEA atua na administração ou resolução de um conflito, deve-se compreender que são seus órgãos, e não a organização em si, os responsáveis pela condução dos processos que levarão à administração ou à resolução de um conflito. Os órgãos agem através de reuniões regulares, de sessões plenárias, de resoluções ou apenas projetos de resoluções e, em última instância, são os indivíduos representantes de cada Estado-membro ou prepostos da organização, como o Secretário Geral ou o presidente do Conselho, os verdadeiros mediadores das divergências levadas às organizações. Ademais, a cooperação existente entre os diversos órgãos de organizações do nível institucional da OEA favorece ainda mais a construção da idéia de que a administração ou resolução de um conflito seja realizada através da organização e não pela organização. A atuação do Conselho Permanente (CP) e da Reunião de Ministros das Relações Exteriores, atuando como Órgão de Consulta sob os auspícios do TIAR, descrita no Capítulo 3, oferece ao leitor a noção de “organização enquanto espaço de discussão”. Vê -se que, através da arena oferecida por esses dois órgãos, os representantes dos Estados litigantes tinham um espaço para restabelecer indiretamente as relações diplomáticas, rompidas em 26-27/06/1969, e para expor os divergentes pontos de vista de seus governos aos representantes dos outros Estados americanos. 70

83.

Alfredo Bruno BOLOGNA, “Consecuencias del conflicto Honduras -El Salvador”, 1978; p.

134

Dessa forma, deve-se analisar as ações ocorridas na esfera do CP e da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, de modo a comprovar a hipótese de que a OEA, através desses órgãos, cumpriu a função de “espaço de discussões”.

O CP e a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores

No conflito em estudo, depois dos violentos acontecimentos do mês de junho de 1969, Honduras requer ao CP a reunião do Órgão de Consulta, o que leva à conclusão de que Honduras acredita que a OEA seja um órgão legítimo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

para a solução de seu conflito com El Salvador. Tal reunião acontece em 04/07 e, no entanto, fica decidido que nenhuma ação firme será tomada naquele momento em relação ao latente conflito. Nenhuma medida enérgica é tomada pelos representantes dos Estados no CP pois a Subcomissão da CIDH e o trio de mediadores centro-americanos já atuam na região naquela data. A Subcomissão da CIDH chega em San Salvador no próprio dia 04/07 enquanto o trio de mediadores centro-americanos viaja entre Tegucigalpa e San Salvador para tentar convencer as partes a evitar a eclosão do conflito armado. Já que a Subcomissão da CIDH e o trio de mediadores procuram atuar de modo a prevenir um confronto armado, cada um em sua área de especialização, o CP simplesmente aguarda o momento apropriado para agir. Porém, não aguarda em silêncio, e seu plenário passa a se constituir, desde a primeira reunião, em um espaço para debate entre as partes e entre os outros Estados-membros. Neste sentido, lembra Connie PECK (2001) ser este um importante papel desempenhado por algumas organizações intergovernamentais, já que: “Foros regulares oferecem uma oportunidade para os oficiais dos governos de níveis diferentes discutirem tanto questões gerais que afetam a paz e a segurança na região como disputas, crises ou conflitos que tenham surgido” 72.

71

J. G. MERRILLS, International Dispute Settlement, 1998; p. 270 e Samuel G. AMOO e I. William ZARTMAN, “Mediation by Regional Organizations: the OAU”, 1992; p. 133. 72 Connie PECK, “The Role of Regional Organizations in Preventing and Resolving Conflict”, 2001; p. 565.

135

De fato, o espaço para a exposição dos pontos de vista das partes é mantido em todas as reuniões do CP, inclusive antes de o CP atuar como Órgão de Consulta. Ao longo das sessões extraordinárias do CP ocorridas no mês de julho de 1969, vê-se que os representantes dos países litigantes demonstravam ter pontos de vista bastante divergentes nas mais diversas matérias. No que se refere à questão fronteiriça, percebe-se ao longo dos debates que, para Honduras, a fronteira é a questão que está na origem da disputa e, portanto, deve ser a primeira a ser discutida e resolvida; para El Salvador, no entanto, a divergência é causada pela expulsão dos imigrantes e a alegação de que a fronteira indefinida precisa ser discutida apenas atrasa as negociações73. Outra divergência de pontos de vista que se percebe ao longo das sessões da

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

OEA é referente à legitimidade que cada uma das partes litigantes confere à solução pacífica do conflito. Honduras, desde o início, mostra-se favorável aos métodos pacíficos de resolução de controvérsia, o que é demonstrado pelas exposições orais de seu representante no plenário do CP e pelas conversas com o Ministro das Relações Exteriores em Tegucigalpa. Honduras, portanto, demonstra confiança na mediação tripartite – nos níveis diplomático e político – e em quaisquer outras formas de resolver pacificamente suas controvérsias. A este Estado são oferecidos os instrumentos do direito internacional e os representantes do governo, sabiamente, conseguem fazer bom uso de todos eles, apesar das pequenas incoerências74. El Salvador, por sua vez, se opõe à participação da OEA desde o início, embora de maneira indireta: afirma que se deve continuar a tentativa de solução pacífica através do trio de mediadores e que, por isso, o CP não deveria intervir no conflito – é o que ocorre nas sessões de 4, 10 e 14/07/6975. Vale ressaltar, no entanto, a existência de uma distância entre as posições adotadas pelo representante de El Salvador nas sessões da OEA e os pronunciamentos do chanceler Guerrero e dos altos funcionários do governo salvadorenho. O representante salvadorenho na OEA sempre acreditou – ou disse acreditar – na 73

Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 50 e Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, pp. 135 e 137. 74 Incoerências como a afirmação, em 25/06, de que os salvadorenhos nunca teriam sido objeto de perseguições ou de violações em território hondurenho ou a afirmação de que o incidente fronteiriço de 03/07 teria sido provocado pelo desvio de um avião comercial ao tráfego proveniente de direção contrária. São, no entanto, pequenas inverdades que, a meu ver, não comprometem as políticas adotadas por Honduras em favor do alcance da paz regional.

136

solução pacífica do conflito através da mediação centro-americana, o que foi ratificado em três oportunidades distintas. Ao passo que, em território salvadorenho, a postura de Guerrero demonstra nunca ter tido plena confiança no trio de mediadores e a guerra lhe parecia uma solução natural para aquela situação. Portanto, o CP atuou em dois momentos diferentes e, em ambos os momentos, confere à OEA o desempenho do papel de espaço de debates. Antes da eclosão do conflito armado, o CP foi transformado em uma arena para a exposição dos pontos de vista das partes, com vistas a evitar o confronto. Também em sua atuação provisória como Órgão de Consulta, depois de declarada a invasão do território de Honduras, o CP mantém aberto o seu espaço de discussões entre os

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

representantes dos Estados-membros da OEA, na tentativa de eliminar os atos de força. A existência de uma arena neutra em que as partes e os representantes dos outros Estados-membros possam expor seus pontos de vista sobre as mais diferentes questões possibilita a definição de uma agenda comum entre os Estados litigantes e, assim, é extremamente relevante para o sucesso da administração de um conflito prolongado, como o do caso em estudo. Após alguns dias do início da atuação do CP enquanto Órgão de Consulta, as ações do governo salvadorenho ainda indicavam o não-cumprimento das resoluções referentes ao cessar-fogo e à retirada das tropas do território hondurenho. Assim, é de se ressaltar que, apesar de os debates nas sessões do CP não terem alcançado os objetivos desejados, elas puderam restabelecer o diálogo entre os representantes das partes litigantes e demonstram que as organizações regionais oferecem um relevante espaço para a negociação e para a discussão das situações ocorridas entre os seus Estados-membros. O CP, atuando enquanto Órgão de Consulta, não tinha somente o objetivo de servir como espaço para discussões, e o “fracasso” de sua atuaçã o leva à convocação da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, para o dia 26/07, ou seja, para 12 dias após o início do conflito armado. Alguns atores criticam a demora desta convocação76 porém, apesar de não se ter tido acesso aos 75

Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 34. Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1311; Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 20. 76

137

documentos oficiais da OEA e, portanto, à fundamentação do CP para a convocação da Reunião de Consulta, pode-se especular que a lentidão se deve ao fato de que ainda havia esperança em alcançar uma solução pacífica sem a necessidade de mobilizar os Ministros das Relações Exteriores dos Estadosmembros da OEA. Os debates realizados nas sessões da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, atuando como Órgão de Consulta, também não foram capazes de convencer El Salvador de que seus atos de força deveriam ser suspensos e, assim, o espaço para discussões teve de ser transformado. Fez-se necessária a aprovação de três projetos de resolução com a previsão de graves sanções econômicas em face de El Salvador, a fim de traduzir em ações os

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

esforços políticos e diplomáticos da OEA na repressão do conflito armado. Os projetos de resolução exigiam um segundo cessar-fogo que, desta vez, por conta das sanções previstas, foi cumprido na prática. Após a obtenção do cessar-fogo de facto e da expressa concordância em retirar de Honduras as tropas salvadorenhas, em 29/07, ainda persistem as discussões no plenário do Órgão de Consulta, ainda constituído pela Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores. Observa Gerardo Martínez BLANCO (1991) que, depois do fim do conflito armado, “Entre recriminações e acusações recíprocas em um ambiente cheio de incertezas devido aos freqüentes incidentes fronteiriços, teve início a penosa via-crúcis em que se converteram as negociações entre ambos os Estados na busca pela paz. Essas negociações se tornaram particularmente difíceis já que cada país defendia com vigor suas pretensões e seus pontos de vista” 77 (grifou-se).

Cabe analisar brevemente o motivo pelo qual o primeiro cessar-fogo imposto pelo CP, em 15/07, não foi cumprido por El Salvador. Voltando-se para Ian Hurd, pode-se afirmar que esse cessar-fogo imposto para as 22h do dia 18/07 não foi alcançado porque teria sido uma reação salvadorenha à medida coercitiva do CP e, como ressalta Hurd, tais comportamentos não perduram por causarem resistência e ressentimento. Assim, El Salvador resiste e permanece em território hondurenho até 03/08, retirando da OEA a legitimidade que lhe havia outorgado em junho daquele mesmo ano.

77

Gerardo Martínez BLANCO, Enfoque Histórico y Jurídico..., 1991; p. 48.

138

O segundo cessar-fogo, ou seja, o cessar-fogo de facto, obtido pelos projetos de resolução que declaravam El Salvador como o agressor, somente foi cumprido por este país, ainda segundo a perspectiva de Hurd, por uma mistura de autointeresse e de coerção. Isso porque os projetos de resolução do Órgão de Consulta, de 28/07, previam graves sanções econômicas a El Salvador. Não se poderia afirmar que este país sentiu-se pressionado pela OEA, já que, 10 dias antes, uma medida imposta por este órgão havia sido descumprida pelo governo salvadorenho. Pela teoria de Hurd, a única explicação plausível para o cumprimento da segunda imposição de cessar-fogo, portanto, seria a de que El Salvador, tanto por auto-interesse como por coerção, teria resolvido obedecer às normas impostas pela organização interamericana.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

O auto-interesse seria aplicável pelo fato de que a imagem de El Salvador perante a comunidade interamericana já estava desgastada à época dos projetos de resolução que impuseram o segundo cessar-fogo. A coerção, por sua vez, concretizada através da cominação de sanções econômicas, é aplicável já que o peso dessas sanções prejudicaria ainda mais a já tão devastada economia salvadorenha. Neste sentido, é interessante observar que: “(...) a autoridade da OEA em aplicar sanções tem sido um importante fator que contribui para a habilidade desta organização de assegurar que as disputas entre seus membros sejam resolvidas por meios pacíficos” 78.

Ainda é preciso analisar um outro momento da atuação do CP, que reflete a demora por parte desta organização regional em tomar uma decisão mais firme. Este momento tem início quando, expirado o prazo conferido pelo Órgão de Consulta para a retirada das tropas salvadorenhas sem que o governo de El Salvador tivesse dado início à retirada das mesmas, às 22h do dia 22/07, o presidente do CP convoca a Reunião de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores para atuar como Órgão de Consulta. Somente neste momento, cerca de 20 dias após o conhecimento detalhado dos problemas da região, a OEA resolve tomar uma medida séria em relação ao conflito Honduras-El Salvador, percebendo que a vontade de El Salvador ainda se impõe sobre a vontade coletiva de seus membros.

78

p. 73.

Aida Luisa LEVIN, The OAS and the UN: relations in the peace and security field, 1974;

139

A opinião dos autores diverge no que se refere à lentidão da intervenção da OEA neste conflito79. De fato, a OEA é uma organização bastante complexa, mas a burocracia não é a principal responsável pela demora na intervenção do conflito. Vê-se que quatro de seus órgãos envolveram-se diretamente no conflito desde o final de junho de 1969, quando, pela primeira vez, esta organização é solicitada a intervir. Não se pode negar, no entanto, que: “Os diplomatas familiarizados com a organização interamericana manifestaram publicamente seu espanto em relação à velocidade e à firmeza da atuação da OEA em conflitos anteriores – principalmente naquele que se deu entre Honduras e Nicarágua em 1957 – em comparação com sua atitude em julho de 1969” 80.

Questiona-se a lentidão da OEA e também a apatia de seu mais poderoso membro na prevenção e na repressão do conflito armado de 1969. Há basicamente PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

três hipóteses que tentam explicar a distância norte-americana do conflito em estudo. Alain ROUQUIÉ (1971) sustenta o argumento de que a OEA, influenciada pelos EUA e pelo clima de Guerra Fria que se instalou na região após o “trauma” cubano (1959/1961), teria a tendência de subestimar as diferenças entre os Estados americanos nos conflitos sem ameaça à liberdade econômica ou à democracia, ou sem o perigo de uma “intervenção extracontinental” 81. Para sustentar sua hipótese, ressalta o autor que no fim do mês de julho, isto é, na época em que a OEA ainda tentava obter o cessar-fogo e a retirada das tropas de ambos os Estados, o presidente Nixon visita vários países da Ásia, acompanhado por seu secretário de Estado, que não retorna ao continente americano a tempo de participar das primeiras sessões do Órgão de Consulta, já constituído pela Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores82. Nos anos anteriores ao conflito, as intervenções norte-americanas na Guatemala (1954), em Cuba (1961) e na República Dominicana (1965) retiraram parte da legitimidade norte-americana no que se refere ao princípio da nãointervenção. Portanto, levanta-se a hipótese de que a ausência de intervenção dos EUA no conflito Honduras-El Salvador poderia diminuir o sentimento 79 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1311; Daniel A. HOLLY, “Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969”, 1979; p. 20. 80 Eduardo Augusto Garcia, “La paz y la seguridad en el sistema interamericano”, La Nación (Buenos Aires), 31 jul. 1969, apud Alain ROUQUIÉ, “ Honduras-El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1312, n. 43. 81 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1312.

140

antiamericanista na região e afastar a idéia de que a OEA só agiria em nome de interesses norte-americanos83. Há uma segunda hipótese: o governo de El Salvador, com ou sem intenção, colocou o governo norte-americano em uma situação complexa quando justificou a invasão de Honduras através da necessidade de proteger os salvadorenhos ali residentes porque o governo hondurenho não era capaz de fazê-lo. A situação é delicada para os EUA porque, em 28/04/1965, o então presidente norteamericano, Lyndon B. Johnson, envia milhares de marines à República Dominicana sob a alegação de que precisava proteger a vida de cidadãos norteamericanos lá residentes, já que as autoridades dominicanas não conseguiam

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

protegê-los84: “A intervenção na República Dominicana foi um p recedente desastroso, e que provavelmente não deixou de ter seu efeito nas decisões dos dirigentes salvadorenhos” 85.

Existe, ainda, uma terceira hipótese no que se refere ao comportamento norte-americano: não seria interessante aos EUA que El Salvador fosse considerado um agressor, nos termos do TIAR, já que suas conseqüências imediatas envolvem sanções econômicas, e os EUA eram, na época, um grande importador do café de El Salvador, dentre outros produtos. Assim, pode-se concluir que a imparcialidade norte-americana estava mais baseada em seus interesses econômicos e políticos do que no alcance da paz regional através da ação coletiva da OEA. Por todo o exposto neste capítulo, pode-se afirmar que o sistema interamericano, apesar de não ter evitado a eclosão do conflito armado, conseguiu impor um rápido termo à guerra através de seus mecanismos de resolução pacífica de conflitos e de segurança coletiva. Ademais, acredita-se que a OEA, através de seus órgãos, tenha realmente desempenhado três importantes funções durante a resolução imediata do conflito entre Honduras e El Salvador. A CIDH, com sua legitimidade perante as partes e sua autonomia perante a própria OEA, desempenha o papel de ator; a forma através da qual as partes aceitam e internalizam as medidas tomadas pela OEA 82

Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures...”, 1971; p. 1314. Thomas P. ANDERSON, The War of the Dispossessed, 1981; p. 173. 84 Alain ROUQUIÉ, “Honduras -El Salvador, la guerre de cent heures”, 1971; p. 1315. 83

141

conferem-lhe o papel de modificador do comportamento dos atores envolvidos no conflito; e a maneira através da qual ocorrem as sessões do CP e da Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, atuando enquanto Órgão de

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Consulta, caracteriza o espaço de debates no âmbito desta organização regional.

85

James ROWLES, El conflicto Honduras-El Salvador..., 1980; p. 239.

5 Conclusão

“Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto, que não se deixe ao leitor nada a fazer. Não se trata de fazer ler, mas de fazer pensar”1.

O presente trabalho inicia-se com a descrição das controvérsias existentes

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

entre Honduras e El Salvador desde sua constituição enquanto Estado, em 1821. Nota-se que as disputas até a década de 1960 eram de origens fronteiriças e, assim, decorriam diretamente da abstrata delimitação das fronteiras internacionais à época da independência além de contribuírem para a construção de rivalidades duradouras entre ambos os Estados. Alguns fatores demográficos, políticos e sócio-econômicos ampliaram a natureza do conflito ao longo do século XX, especialmente a partir da década de 1960 e, quando da eclosão da Guerra do Futebol, diversas eram as questões a serem resolvidas; eram questões de natureza subjetiva, como a percepção do outro enquanto rival, que precisavam ser analisadas a fim de que se obtivesse uma resolução integral do conflito Honduras-El Salvador. No fim de outubro de 1969, a resolução imediata do conflito permitiu que cada uma dessas questões fosse evidenciada, através da cooperação entre os mediadores centro-americanos, a CIDH, o CP, o SG e a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores. São aprovadas sete resoluções pelo Órgão de Consulta em que se coloca patente os grandes temas envolvidos no conflito: (i) paz e tratados; (ii) trânsito livre; (iii) relações diplomáticas e consulares; (iv) questões limítrofes; (v) MCCA; (vi) reclamações; e (vii) direitos humanos e família. Esta talvez tenha sido a maior contribuição da OEA para a resolução imediata do conflito: formalizar, em meio a um ambiente conflituoso, a clara

1

Montesquieu, Do Espírito das Leis (1748), Livro XI, Capítulo XX.

143

delimitação da natureza da controvérsia com a finalidade última de resolver de maneira integral a situação entre Honduras e El Salvador. Os sete temas levantados pelo trio de mediadores centro-americanos e formalizados pelo Órgão de Consulta em julho de 1969 foram retomados por duas outras vezes, quando da reunião dos Ministros das Relações Exteriores da América Central em Manágua, em dezembro de 1969, e quando da elaboração da do Tratado Geral de Paz, em 1978/1980. O Tratado Geral de Paz previa um prazo para a delimitação das fronteiras e, caso não fosse cumprido, as partes deveriam levar a questão à CIJ, através de um acordo especial2. Os outros temas, no entanto, dependiam apenas da boa-fé dos dois Estados, não tendo sido previsto nenhum mecanismo de implementação

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

ou de fiscalização para eventuais ações ou omissões. Assim, a dimensão multifacetada do conflito Honduras-El Salvador é afastada quando da elaboração do Tratado Geral de Paz e completamente abandonada quando esses dois países levam sua controvérsia à jurisdição da CIJ. O acordo especial assinado pelas partes em 24/05/1986, que delimita a atuação da CIJ, estabelece de maneira expressa que o objeto do litígio é a delimitação das linhas fronteiriças nas zonas não descritas no art. 16 do Tratado Geral de Paz bem como a determinação da situação jurídica marítima e insular3. A sentença da CIJ de 1992, portanto, detém-se ao que foi requerido. Dessa forma, acredita-se que se deva retomar os outros temas afastados pelas partes de modo a conseguir tornar efetiva a resolução integral deste conflito. De fato, faz-se necessária a definição das questões territoriais existentes entre rivalidades duradouras, como é o caso de Honduras e El Salvador. Esse tipo de rivalidade está relacionado a conflitos prolongados, cuja resolução integral é bastante complexa devido à existência dessa rivalidade. A clara definição das questões territoriais pendentes podem gerar a extinção da rivalidade duradoura o que, conseqüentemente, possibilitará uma futura e menos complicada resolução integral do conflito prolongado4. Assim, pode-se afirmar que a decisão da CIJ,

2

Art. 31 e seguintes do Tratado Geral de Paz. Art. 2o do Acordo Especial, assinado em 24/05/1986 e enviado para a CIJ, em 11/12/1986, que inaugura a jurisdição dessa Corte em relação ao conflito Honduras-El Salvador. 4 Paul HUTH, “Enduring Rivalries and Territorial Disputes, 1950-1990”, em Conflict Management and Peace Sciences, v. 15, n. 1, 1996, pp. 163-213 e D. Scott BENNETT, “Security, Bargaining and the End of Interstate Rivalry”, em International Studies Quaterly, v. 40, n. 2, 1996, 3

144

tendo definido, teoricamente, as questões territoriais através da delimitação das fronteiras questionadas por Honduras e El Salvador, contribuiu para o início da resolução integral de um conflito que dura mais de um século. No que se refere à utilização de vários métodos pacíficos para a administração do conflito Honduras-El Salvador, como foi demonstrado ao longo do trabalho, pode-se afirmar que a maioria dos conflitos entre Estados que buscam a resolução pacífica de suas controvérsias envolve a adoção de dois ou mais métodos diferentes. Neste sentido, é de se notar que “(...) uma única percepção ou um único método de resolução de conflito não se adapta a todas as suas fases”5. O conflito entre Honduras e El Salvador não foge a essa regra, especialmente porque se trata de um conflito prolongado, e em sua resolução foram empregados

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

todos os métodos elencados no art. 33 (1) da Carta da ONU6. Sua peculiaridade, porém, reside no fato de que nenhum desses métodos conseguiu influenciar de maneira concreta na redefinição dos interesses nacionais de cada Estado – principalmente no de El Salvador – a fim de que fosse implementada uma mudança efetiva de identidade no que se refere à percepção do Outro enquanto rival. Por outras palavras, todos os métodos utilizados até o ano de 2002 podem ser enquadrados apenas na fase da administração do conflito Honduras-El Salvador e não em sua resolução integral. A dificuldade de se alcançar a resolução integral de um conflito prolongado fundamenta-se na existência de uma rivalidade duradoura entre as partes. Somente após a extinção dessa rivalidade duradoura, portanto, é possível a completa resolução de um conflito dessa natureza7. Assim, no conflito em estudo, identifica-se uma mudança no comportamento dos Estados envolvidos. No entanto, os interesses e a identidade – elementos que, junto com o comportamento, também compõem a política externa de um Estado e, portanto, têm forte relação

pp. 157-84, apud Jacob BERCOVITCH, et al, “Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts”, 1997; pp. 763 -4. 5 Louis KRIESBERG, The Development of the Conflict Resolution Field, 1999; p. 70. 6 ONU – Art. 33 (1) – “As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça, à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha”. 7 Douglas GIBLER, “Enduring Rivalries and Territorial Disputes, 1950 -1990”, em Conflict Management and Peace Sciences, v. 15, n. 1, 1996, pp. 7-41, apud Jacob BERCOVITCH, et al, “Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts”, 1997; p. 764.

145

com a concepção de rivalidade duradoura – permanecem iguais aos da década de 1960. De acordo com I. William Zartman8, a resolução de um conflito deve: “(...) remover as causas e também as manifestações de conflito entre as partes, além de eliminar as fontes da incompatibilidade de suas posições. Este processo é uma proposição de longo prazo e, em última análise, só o tempo resolve os conflitos”.

A remoção das causas e das manifestações de conflito entre as partes pressupõem a redefinição dos interesses dos Estados, mas também da identidade coletiva já que, no conflito em estudo, a questão da identidade é de fundamental importância para a constituição da rivalidade duradoura entre Honduras e El Salvador. Devido à manutenção de velhos interesses e identidades nacionais, torna-se pequena a chance de se obter uma resolução integral das controvérsias PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

existentes entre Honduras e El Salvador enquanto isso não for modificado. É certamente uma tarefa bastante complicada, que não será resolvida apenas pela execução da decisão da CIJ, que se limita a delimitar fronteiras – apesar de esta decisão constituir o início da resolução mediata do conflito –, mas sim através de uma nova luz sobre as dimensões sócio-psicológicas da situação Honduras-El Salvador. Assim deve ser porque “quando conflitos com raízes profundas são internalizados no cotidiano de uma sociedade, as pessoas começam a aceitar o conflito como uma parte natural da vida”9. De fato, percebe-se com clareza o forte aspecto cotidiano do conflito em análise, o que leva a crer que somente uma releitura da controvérsia através de lentes sócio-psicológicas possa conseguir resolver por completo a situação controversa10. Vale ainda ressaltar, especificamente em relação à teoria das organizações internacionais, que o conflito Honduras-El Salvador favorece uma mais ampla compreensão do desempenho das organizações regionais na resolução pacífica dos conflitos entre seus Estados-membros. Isso se dá porque na administração da Guerra do Futebol, a OEA, através de quatro de seus principais órgãos, desempenhou papéis extremamente relevantes para a harmonização dos interesses, das necessidades e dos comportamentos dos Estados litigantes. 8

I. William ZARTMAN, “Toward the Resolution of International Conflicts”, 1999; p. 11. J. Lewis RASMUSSEN, “Peacemaking in the Twenty -First Century”, 1999; p. 43. 10 Para mais informações sobre as dimensões sócio-psicológicas dos conflitos internacionais, vide Jay ROTHMAN e Marie L. OLSON, “From Interests to Identities: Towards a New Emphasis in Interactive Conflict Resolution”, 2001, pp. 289 -305 e Herbert C. KELMAN, “Social -Psychological Dimensions of International Conflict”, 1999; pp -191-237. 9

146

A análise da atuação da OEA enquanto ator, enquanto modificador de comportamento e enquanto espaço de discussões comprova as teorias de que algumas organizações internacionais podem vir a desempenhar funções que estão além dos interesses egoístas de seus mais poderosos membros11. Por outras palavras, afirma-se que algumas organizações internacionais, em determinadas ocasiões, não são apenas instrumentos da política externa de um ou outro Estado e conseguem obter o cumprimento de suas normas, seja através da legitimidade, do auto-interesse ou mesmo da coerção12. Em última instância, o cumprimento da norma por parte do Estado é tanto ou mais importante que o motivo pelo qual o Estado decide cumpri-la. Isso porque, a partir do cumprimento da norma, o Estado possivelmente deverá

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

modificar seu comportamento e, portanto, sua política externa, o que leva à conclusão imediata de que as organizações conseguem modificar a política externa de alguns Estados em situações específicas. Pelo exposto, apesar de ainda não ter sido resolvido por completo, o presente conflito é de relevante avaliação pois contribui de diversas maneiras para o avanço do estudo das Relações Internacionais. A seguir, faz-se uma breve descrição da eventual atuação do Conselho de Segurança da ONU na resolução mediata do conflito em estudo, já que este órgão deverá agir em resposta à recente denúncia oferecida, em janeiro e março de 2002, por Honduras em face de El Salvador.

A eventual atuação do Conselho de Segurança da ONU

Desde o início do ano de 2002, a questão ainda existente entre Honduras e El Salvador está sob o domínio do Conselho de Segurança da ONU (CS). Apesar de não se ter tido acesso às cartas enviadas pelo Ministro das Relações Exteriores de Honduras ao Presidente do Conselho de Segurança da ONU, datadas de 22/01 e 11/03/2002, sabe-se que são “comunicações referentes às relações entre

11 12

Charles PENTLAND, “ International Organizations and their roles”, 1991; pp. 242 e segs. Ian HURD, “Legitimacy and Authority in International Politics”, 1999; pp. 381 e segs.

147

Honduras e El Salvador”13 e, portanto, especula-se que Honduras esteja buscando a execução da sentença da Corte Internacional de Justiça (CIJ), datada de 11/09/1992. Há uma interessante forma de cooperação entre esses dois órgãos da ONU no que se refere à justiça internacional: as decisões da CIJ são obrigatórias às partes que se submetem à sua jurisdição14 e, no entanto, a execução dessas decisões, baseada apenas na boa-fé dos Estados, é facultativa e não existe órgão para fiscalizá-la. No entanto, a parte vencedora de uma disputa judicial no âmbito da CIJ, caso pretenda que a parte perdedora execute as medidas que favoreçam a execução da decisão judicial, pode recorrer ao CS, nos termos do art. 94 (2) da Carta da ONU15. Ao que parece, é esta a situação em que se encontram Honduras

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

e El Salvador na mais nova etapa de sua divergência. A provocação do CS, porém, não oferece nenhuma garantia a Honduras de que El Salvador vá realmente executar as medidas propícias à demarcação das fronteiras tal como delimitadas pela CIJ em 1992, já que o CS tem autonomia para decidir sobre as conseqüências de uma eventual não-execução. Pode ainda o CS fazer recomendações e impor sanções a El Salvador, ou seja, o CS não perde a competência estabelecida pelos Capítulos VI e VII da Carta da ONU16. Ressalta-se, ainda, que qualquer questão submetida ao CS está sujeita ao veto, previsto pelo art. 27 (3) da Carta da ONU. Aparentemente, nenhum dos membros, permanentes ou não, deste órgão teria intenção de exercer seu direito de veto numa situação como a de Honduras-El Salvador nos dias atuais. No entanto, deve-se considerar este ponto, já que existe a possibilidade, embora não a probabilidade, de este direito ser exercido. Se o CS porventura decidir pelo não-cumprimento da decisão da CIJ, Honduras poderá ainda recorrer aos seus próprios meios para tentar fazer com que 13

Relatório do Conselho de Segurança para a Assembléia Geral – Parte V: “Questões trazidas à atenção do Conselho de Segurança, embora não discutidas nas sessões do Conselho ao longo do período em relato (16/06/2001-31/07/2002)”, Capítulo 35 - “Comunicações referentes às relações entre Honduras e El Salvador”,. Assembléia Geral, 57 a Sessão, Suplemento n. 2 (A/57/2), em . 14 ONU – Art. 94 (1) – “Cada Membro das Nações Unidas se compromete a aceitar a decisão da CIJ em qualquer caso em que for parte”. 15 ONU – Art. 94 (2) - “Se uma das partes em um caso deixar de cumprir as obrigações que lhe incumbem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito a recurso ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença”.

148

El Salvador execute a decisão judicial. Assim, desde que não esteja envolvido o uso da força17, podem vir a ser impostas medidas unilaterais como são as represálias e a interrupção das relações econômicas ou diplomáticas18. Deve-se ainda acrescentar que a função atual do CS em relação ao conflito Honduras-El Salvador não é a de mediar o conflito, pois este já foi, em tese, solucionado por um outro órgão: a CIJ. O CS, portanto, caso julgue necessário, limita-se a prover meios de convencer El Salvador de que a decisão judicial deve ser executada. O julgamento da necessidade, ou não, de executar a decisão da CIJ levanta uma questão referente à própria natureza desses dois órgãos: a CIJ, enquanto órgão jurídico e autônomo, tem diferentes visões e aplicações das normas e dos

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

costumes do Direito Internacional que o CS, um órgão essencialmente político. Assim, a diferença dos pontos de vista e das interpretações dos fatos, mais voltada para a Política ou para o Direito, torna difícil, senão impossível, prever se e quando o conflito Honduras-El Salvador será finalmente resolvido.

16

J. Reissmann, “L’Execution des Décisions de la Cour In ternationale de Justice et de la Cour de Justice des Communautés Europeennes – une comparaison”, 1991; p. 575. 17 O uso da força está interditado por uma interpretação teleológica da Carta da ONU, ou seja, já que esta organização propõe a manutenção da paz e da segurança internacionais, não é apropriado o uso da força para impor a execução de medidas resolutórias de um conflito, o que certamente desenvolveria um novo conflito entre as partes. 18 J. Reissmann, “L’Execution des Décisions de la Cour Internationa le de Justice...”, 1991; p. 576.

6 Referências Bibliográficas

ALMANAQUE ABRIL - Edição Brasil. São Paulo: Abril, 2001. ALVES, J. A. Lindgren. Os Direitos Humanos como Tema Global. São Paulo: Perspectiva; Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

AMOO, Samuel G.; ZARTMAN, I. William. Mediation by Regional Organizations: the OAU. In: Mediation in International Relations  Multiple Approaches to Conflict Management. Jacob Bercovitch e Jeffrey Z. Rubin (eds.). New York: St. Martin’s Press, 1992; pp. 131-148. ANDERSON, Thomas P. The War of the Dispossessed: Honduras and El Salvador, 1969. Lincoln [etc.]: University of Nebraska Press, 1981. ANDERSON, Thomas P. Politics in Central America: Guatemala, El Salvador, Honduras, and Nicaragua. New York/London: Praeger, 1988. ATKINS, G. Pope. Latin America in the International System. Colorado: Westview Press, Oxford: Westview Press, 1995; cap. 8 (The Inter-American System, pp. 197-229). BERCOVITCH, Jacob. Mediation in International Conflict: An Overview of Theory, A Review of Practice. In: Peacemaking in International Conflict – Methods and Techniques, I. William Zartman, J. Lewis Rasmussen (eds.). Washington: United States Institute of Peace Press, 1999; pp. 51-77; pp. 125-153. ______. The Structure and Diversity of Mediation in International Relations. In: Mediation in International Relations  Multiple Approaches to Conflict Management, Jacob Bercovitch e Jeffrey Z. Rubin (eds.). New York: St. Martin’s Press, 1992; pp. 1-29. BERCOVITCH, Jacob; DIEHL, Paul F.; GOERTZ, Gary. The Management and Termination of Protracted Interstate Conflicts: Conceptual and Empirical Considerations. Millenium - Journal of International Studies (1997), v. 26, n. 3, pp. 751-769. BLANCO, Gerardo Martínez. Enfoque Histórico y Jurídico de la Controversia limítrofe entre Honduras y El Salvador. Tegucigalpa: Editorial Universitaria, 1991. BOLOGNA, A. Bruno. Consecuencias del conflicto Honduras-El Salvador. In: Revista de politica internacional (1978), v. 159, pp. 75-92. BOLOGNA, A. Bruno. Conflicto Honduras-El Salvador: analisis sociologico de las relaciones internacionales. Revista de Derecho Internacional y Ciência Diplomática (1971), v. 20, n. 39/40, pp. 103-176.

150

BULL, Hedley. The Anarchical Society – A Study of Order in World Politics. New York: Columbia University Press, 1977. CABLE, Vincent. The ‘Football War’ and the Central American Common Market, International Affairs (1969), v. 45, n. 4, pp. 658-671. CASCON. MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY (MIT). Organiza informações referentes a diversos conflitos internacionais, de modo a possibilitar a comparação. Disponível em: . Acesso em: 10 e 12 abr. 2002. CLAUDE, I. L. The OAS, the UN and the United States. In: Regional Politics and World Order, Richard A. Falk e Saul H. Mendlovitz (eds.). San Francisco: W. H. Freeman, 1973; pp. 269-307.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

DIÉGUEZ, Margarita. Regional Mechanisms for the Maintenance of Peace and Security in the Western Hemisphere. In: Regional Mechanisms and International Security in Latin America, Olga Pellicer (ed.). Tokyo: United Nations University Press, 1998; pp. 93-111. DIRLA. Apresenta informações variadas sobre a América Central e o Caribe, inclusive bons mapas. Disponível em: . Acesso em: 4 out. 2002. DOUGLAS DC-3. Apresenta informações sobre o DC-3 (versão não-militar do C47). Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2002. EL SALVADOR. Ministério das Relações Exteriores de El Salvador. Apresenta informações sobre a política externa de El Salvador, entre outras. Disponível em: . Acesso em datas variadas, entre abr. e nov. 2002. EL SALVADOR. Força Aérea Salvadorenha. Apresenta informações sobre a atuação das forças aéreas de El Salvador na Guerra do Futebol. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2002. EL SALVADOR. Imprensa On-line. Apresenta notícias sobre a denúncia de Honduras em face de El Salvador (2002). El Diário de Hoy, disponível em , acesso em 30 abr. 2002; outras notícias sobre a denúncia de Honduras. La Prensa online, disponível em , acesso em: 30 abr. 2002; ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY (CIA). (Agência Central de Inteligência). The World Factbook 2001. Informações e estatísticas sobre Honduras e El Salvador. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2002. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - STATE DEPARTMENT (Departamento de Estado dos EUA). Informações variadas sobre Honduras e El Salvador. Disponível em: . Acesso em datas variadas, entre abr. e nov. 2002. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - LIBRARY OF CONGRESS (Biblioteca do Congresso Nacional dos EUA). Informações diversas sobre Honduras. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2002.

151

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - LIBRARY OF CONGRESS (Biblioteca do Congresso Nacional dos EUA). Informações diversas sobre El Salvador. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2002. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - LIBRARY OF CONGRESS (Biblioteca do Congresso Nacional dos EUA). PORTALS TO THE WORLD (Portais ao mundo). Disponível em: . Acesso em: 01 mai. 2002. ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - NASA. Apresenta uma foto obtida através da Shuttle Radar Topography Mission, a bordo da espaçonave Endeavour, em fevereiro de 2000. Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2002. FINNEMORE, Martha. National Interests in International Society. Ithaca, Cornell University Press, 1996.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969-1980, 24 vol.; v. 22 (1932-1936), “Por que a guerra?”, pp. 241-259. HERZ, Monica; NOGUEIRA, João Pontes. Ecuador vs. Peru: peacemaking amid rivalry. Boulder: Lynne Rienner, 2002. HOLLY, Daniel A. Le conflit du Honduras et du Salvador de 1969, Études internationales (1979), v. 10, pp. 19-51. HONDURAS. Secretaria de Relações Exteriores de Honduras. Apresenta informações sobre a política externa de Honduras, entre outras. Disponível em: . Acesso em datas variadas, entre abr. e nov. 2002. HONDURAS. Imprensa On-line. Apresenta notícias sobre o oferecimento da denúncia de Honduras perante o Conselho de Segurança da ONU. Terra, disponível em: , acesso em: 30 abr. 2002; no mesmo sentido, ver: La Prensa, disponível em: , acesso em: 30 abr. 2002; HUBERT, Jean-Paul. L’Organisation des États Américains, Révue Française de Science Politique (1971), v. 21, pp. 339-361. HURD, Ian. Legitimacy and Authority in International Politics, International Organization (1999), n. 53, v. 2, pp. 379-408. INFOPLEASE.COM. Informações diversas sobre El Salvador. Disponível em: . Acesso em 10 abr. 2002. INFOPLEASE.COM. Informações diversas sobre de Honduras. Disponível em: . Acesso em 10 abr. 2002. INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE (ICJ). Corte Internacional de Justiça (CIJ). Apresenta informações oficiais e o conteúdo integral das deciões judiciais proferidas pela CIJ desde 1946. Disponível em: . Acesso em datas variadas, entre abr. e nov. 2002. KARNS, Margaret P. e MINGST, Karen A. International Organizations and Foreign Policy: Influence and Instrumentality. In: New Directions of Foreign Policy, Charles F. Hermann, Charles W. Kegley Jr. e James N. Rosenau (eds.). London: Unwin Hyman, 1987; pp. 454-474.

152

KELMAN, Herbert C. Social-Psychological Dimensions of International Conflict. In: Peacemaking in International Conflict – Methods and Techniques, I. William Zartman, J. Lewis Rasmussen (eds.). Washington: United States Institute of Peace Press, 1999; pp. 191-237. KRIESBERG, Louis. The Development of the Conflict Resolution Field. In: Peacemaking in International Conflict – Methods and Techniques, I. William Zartman, J. Lewis Rasmussen (eds.). Washington: United States Institute of Peace Press, 1999; pp. 51-77. ______. The Growth of the Conflict Resolution Field. In: Turbulent Peace – The Challenges of Managing International Conflict, Chester A. Crocker, Fen Osler Hampson e Pamela Aall (eds.). Washington: United States Institute of Peace Press, 2001; pp. 407-427.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

LEVIN, Aida Luisa. The OAS and the UN: relations in the peace and security field. New York: United Nations Institute for Training and Research, 1974. MARTIN, Lisa. An Institutionalist view: International Institutions and State Strategies. In: International Order and the Future of World Politics, T. V. Paul e John A. Hall (eds.). Cambridge: Cambridge University Press, 2000; pp. 7898. MERRILLS, J. G. International Dispute Settlement. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. ONWAR.COM. Informações sobre conflitos, inclusive sobre a Guerra do Futebol. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2002. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Apresenta informações sobre os órgãos, os Estados-membros e sobre os programas executados pela ONU. Disponível em: . Acesso em datas variadas, entre abr. e nov. 2002. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. CONSELHO DE SEGURANÇA. Apresenta o Relatório do Conselho de Segurança para a Assembléia Geral – Parte V: “Questões trazidas à atenção do Conselho de Segurança, embora não discutidas nas sessões do Conselho ao longo do perído em relato” (16/06/2001-31/07/2002), Cap. 35 - “Comunicações referentes às relações entre Honduras e El Salvador”. Assembléia Geral, 57a Sessão, Suplemento n. 2 (A/57/2). Disponível em: . Acesso em 01 nov. 2002. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. SEÇÃO CARTOGRÁFICA. Apresenta mapas de Estados e de regiões do globo relacionados a conflitos internacionais. Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2002. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Apresenta documentos oficiais e informações institucionais sobre a OEA. Disponível em: . Acesso em datas variadas, entre abr. e nov. 2002. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH). Apresenta os relatórios especiais e anuais da CIDH relacionados ao conflito Honduras-El Salvador. Disponível em:

153

. Acesso em 11 abr. 2002. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA) - SISTEMA DE INFORMAÇÃO SOBRE COMÉRCIO EXTERIOR (SICE). Tratado Geral sobre a Integração Econômica entre Guatemala, El Salvador, Honduras e Nicarágua, assinado em Manágua, a 13/12/1960. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2002. PECK, Connie. The Role of Regional Organizations in Preventing and Resolving Conflict. In: Turbulent Peace – The Challenges of Managing International Conflict, Chester A. Crocker, Fen Osler Hampson e Pamela Aall (eds.). Washington: United States Institute of Peace Press, 2001; pp. 561-583.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

PENTLAND, Charles. International Organizations and their roles. In: Perspectives on World Politics, Richard Little e Michael Smith (eds.), London, New York: Routledge, 1991; pp. 242-249. QUIROS, Roman Mayorga. Banco Interamericano de Desarrollo e Instituto para la Integración de America Latina. El crecimiento desigual en Centroamérica (1950-2000). Buenos Aires: [s.n.], 1982. RASMUSSEN, J. Lewis. Peacemaking in the Twenty-First Century. In: Peacemaking in International Conflict – Methods and Techniques, I. William Zartman, J. Lewis Rasmussen (eds.). Washington: United States Institute of Peace Press, 1999; pp. 23-50. REISSMANN, J. L’Execution des Décisions de la Cour Internationale de Justice et de la Cour de Justice des Communautés Europeennes – une comparaison. Pacific Settlement of disputes (diplomatic, judicial, political, etc.). Thessaloniki, Institute of Public International Law and International Relations of Thessaloniki (1991), v. 18; pp. 573-581. RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002. ROTHMAN, Jay; OLSON, Marie L. From Interests to Identities: Towards a New Emphasis in Interactive Conflict Resolution. Journal of Peace Research (2001), v. 38, n. 3, pp. 289-305. ROUQUIÉ, Alain. Honduras-El Salvador, la guerre de cent heures: un cas de ‘désintégration’ régionale, Revue Française de Science Politique (1971), v. 21, pp. 1290-1316. ROWLES, James. El conflicto Honduras-El Salvador y el orden jurídico internacional (1969). San José, Costa Rica: Ed. Univ. Centroamericana (EDUCA), 1980. RUDOLPH, J. P. Investment possibilities in the Central American Common Market, Case Western Reserve Journal of International Law (1971), v. 4, pp. 37-60. SHAW, Malcolm N. International Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2000; cap. 1 (The nature and development of international law, p. 1-35), cap. 2 (International law today, p. 36-53) e cap. 18 (The settlement of disputes by peaceful means, p. 717-776).

154

SLATER, Jerome. The OAS and United States foreign policy. Columbus: Ohio State University Press, 1967. TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Regional Arrangements and Conflict Resolution in Latin America. In: Conflict Resolution: New Approaches and Methods (série: Peace and Conflict issues). Paris: UNESCO, 2000; pp. 141-162. WALLENSTEEN, Peter. Understanding Conflict Resolution: War, Peace and the Global System. London: Sage Publications, 2002.

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

ZARTMAN, I. William. Toward the Resolution of International Conflicts. In: Peacemaking in International Conflict – Methods and Techniques, I. William Zartman, J. Lewis Rasmussen (eds.). Washington: United States Institute of Peace Press, 1999; pp. 3-19.

155

Anexos

Tabela 1

Volume de importações e exportações de Honduras e de El Salvador, em 1953 e 1968 (em relação aos EUA e à América Central)

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Ano 1953 1968

EL SALVADOR HONDURAS Importação Exportação Importação Produtos Produtos Para os Produtos Produtos originados originados na EUA originados nos originados na nos EUA América Central EUA América Central 59,9% 9% 70% 71,6% 3,7% 29,4% 31,4% 19,6% 45,9% 26,3% (Fonte: Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, p. 67).

Exportação Para os EUA 70% 43,9%

Tabela 2

Negócios realizados entre Honduras e El Salvador (em milhões de pesos centro-americanos) Ano

De El Salvador De Honduras para Honduras para El Salvador 1959 4.299 6.470 1960 1.124 6.299 1961 4.644 6.577 1962 5.734 10.414 1963 7.851 10.772 1964 8.956 13.016 1965 12.264 15.682 1966 16.335 13.343 1967 19.872 12.369 1968 23.236 14.838 1969 12.415 7.339 Fonte: Secretario Permanente del Tratado General de Integración Económica Centroamericana, El Desarollo Integrado de Centroamerica en la Presente Década, p. 10. Jeffrey B. Nugent, Economic Integration in Central America, p. 75, apud Thomas P. Anderson, The War of the Dispossessed, p. 67, tabela 4.

156

Tabela 3

Evolução do Produto Interno Bruto de Honduras e de El Salvador a preços constantes (em milhões de dólares norte-americanos de 1970) 1950 1955 1960 1965 1970 El Salvador 376.90 470.90 594.10 827.40 1,028.60 Honduras 320.20 362.30 435.80 583.70 714.80 Fonte: CEPAL, com base em números oficiais, apud Roman Mayorga QUIROS, “Banco Interamericano de Desarrollo e Instituto para la Integración de America Latina. El crecimiento desigual en Centroamérica (1950-2000)”, 1982; quadro 2, p. 3.

Tabela 4

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Produto Interno Bruto de Honduras e de El Salvador, por habitante (preços de 1970) Produto Interno Bruto por Habitante (em dólares) (variação percentual) 1950 1978 1978 / 1950 El Salvador 203 347 70,9 Honduras 234 297 26,9 Fonte: CEPAL, com base em números oficiais, apud Roman Mayorga QUIROS, “Banco Interamericano de Desarrollo e Instituto para la Integración de America Latina. El crecimiento desigual en Centroamérica (1950-2000)”, 1982; quadro 3, p. 4.

157

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Mapa 1 América Central, com a (livre) demarcação dos territórios nacionais de Honduras e de El Salvador

Fonte: Foto obtida através da Shuttle Radar Topography Mission, a bordo da espaçonave norte-americana Endeavour, em fevereiro de 2000.

158

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Mapa 2 As principais rotas entre Honduras e El Salvador, em 1969

Legenda, sem cores: Rota Quatro – à esquerda Rota Panamericana – à direita Via alternativa – ao centro

159

PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0114307/CA

Mapa 3 “Teatro de Operações” Estratégia da invasão militar de Honduras concebida por El Salvador

TON – Teatro de Operaciones del Norte, perto de Nueva Ocotepeque TOO – Teatro de Operaciones de Oriente, no rio Goascarán TONO – Teatro de Operaciones Norte Oriental, ao sul de Marcala TOCH – Teatro de Operaciones de Chalatenango

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.