A responsabilidade civil do Estado por omissão do dever de conservação de rodovias

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Direito Civil E Processual Civil
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Nº CNJ RELATOR APELANTE APELADO ADVOGADO REMETENTE ORIGEM

: 0040307-29.1997.4.02.5102 : JUIZ FEDERAL CONVOCADO MARCELO PEREIRA DA SILVA : UNIAO FEDERAL : MARISA LOBATO PINHEIRO : IURI ENGEL FRANCESCUTTI E OUTROS : JU I Z O F E D E RA L D A 3 A V A RA D E NITEROI-RJ : TERCEIRA VARA FEDERAL DE NITERÓI (9700403076) RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pela União Federal (fls. 190/196), objetivando a reforma da sentença de fls.179/184, proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Federal de Niterói/RJ, que, sob o fundamento de que o ente federativo teve corresponsabilidade pelos danos sofridos pela parte autora, decorrentes de acidente automobilístico, julgou parcialmente procedentes os pedidos para “a) condenar a Ré a pensionar mensalmente a Autora, em caráter vitalício, com a importância correspondente a cinco salários mínimos desde 02.02.1992, pagando os atrasados com atualização monetária desde o vencimento de cada parcela e segundo os índices aprovados pelo Conselho da Justiça Federal e com juros de mora, desde a citação, de 0,5% ao mês. b) condenar a Ré a pagar à Autora a importância de R$150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) a título de ressarcimento de danos morais, atualizada monetariamente, desde a presente data, segundo os índices admitidos pelo Conselho da Justiça Federal”. O Juízo a quo deixou de condenar a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios, face à sucumbência recíproca. Em suas razões recursais, alegou a União, em síntese, que não foi comprovada a mecânica dos eventos aduzidos na inicial, não tendo sido realizada a perícia técnica no local do acidente. Afirma que, segundo a narrativa da autora, o acidente foi causado por uma ultrapassagem de outro veículo, o que configura fato de terceiro e que afasta a responsabilidade civil da Apelante, não havendo nexo causal entre o evento e as condições da estrada. Acresce que o laudo médico juntado às fls. 158/160 não contempla as respostas aos seus quesitos, bem como que a autora e o Juízo desistiram da realização da prova técnica, na especialidade de Engenharia, a qual se prestaria a descrever a mecânica do acidente, sem a anuência da Apelante, ressaltando que foi intimada pela última vez em agosto de 2004.

O recurso foi recebido no duplo efeito (fl. 198), tendo sido oferecidas contrarrazões pela Apelada às fls. 205/208. Remetidos os autos a esta Corte, foram encaminhados ao Ministério Público Federal que, às fls. 212/216, não vislumbrou interesse público a justificar sua intervenção no feito. É o relatório. Peço dia para julgamento. MARCELO PEREIRA DA SILVA Juiz Federal Convocado VOTO Trata-se de ação ajuizada por Marisa Lobato Pinheiro em face da Fundação Departamento Nacional de Estradas de Rodagem-DNER, hoje extinta, e da União Federal, objetivando a condenação da parte ré ao pagamento de uma pensão mensal no valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), e de uma indenização correspondente ao prejuízo decorrente dos danos causados ao seu automóvel (perda total), bem como por danos morais, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Como causa de pedir, alega que em 02/02/1992, por volta das 19h, trafegava com seu veículo na BR-101, na altura do km 302, dentro da velocidade permitida, quando foi ultrapassada por um veículo mais pesado, no trecho entre a BR-040 e a RJ-104, tendo o carro se desgovernado e saído para o acostamento. Afirma que, ante a ausência da mureta de proteção (“guard rail”) no referido acostamento o veículo transpôs o espaço entre o término do mesmo e a ponta da mureta do viaduto, camuflado pelo mato ali existente, caindo de uma altura de nove metros, tendo a autora sido lançada para fora do carro em razão do impacto, ficando gravemente ferida. Após o acidente, a autora ficou paraplégica, passando a sofrer de hipertonia, obstruções no esôfago e lapsos de memória. Acresce que interrompeu o exercício profissional da medicina, sendo aposentada por invalidez pelo Ministério da Saúde, com a perda de alguns direitos decorrentes do serviço ativo, tendo sua situação econômica agravada, ainda, pelas várias despesas com as quais teve que arcar em razão de sua condição clínica. Cumpre destacar que o Juízo a quo, para acolher parcialmente os pedidos autorais, considerou que a mecânica do acidente não foi refutada pela União, e que a ausência de mureta de proteção no local do acidente foi fundamental para a queda do veículo, pelo que o ente federativo seria corresponsável pelos danos sofridos pela parte autora.

Inicialmente, impende ressaltar que, em se tratando de dano decorrente de suposta omissão do Estado, torna-se aplicável a teoria da responsabilidade subjetiva. A este respeito, insta citar as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 21ª ed., 2006, p. 967, no sentido de que “a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo).” Desta feita, torna-se necessário ficar demonstrada a existência dos elementos caracterizadores da responsabilização pretendida pela parte autora, quais sejam: a omissão, o dano, o nexo de causalidade entre a omissão e o dano e a concorrência de culpa. Com efeito, o acidente que vitimou a parte autora acarretou-lhe danos gravíssimos, eis que a mesma perdeu sua capacidade laborativa, em razão das sequelas decorrentes dos ferimentos. Contudo, da narrativa dos fatos e dos documentos acostados à exordial não é possível concluir a existência de nexo de causalidade entre a ausência da mureta e a gravidade do acidente automobilístico, que poderia ser tão ou até mais grave se houvesse a referida mureta, em razão do impacto de colisão do veículo na mesma. Veja-se que a mureta, cuja inexistência se imputa à União como sendo sua omissão culposa, estaria situada como um fechamento do prolongamento da pista de acostamento, em razão da ponte ali existente, conforme fotos de fls. 168/169. Ao contrário do entendimento adotado pelo Magistrado de primeiro grau, não se pode considerar que a parte ré não refutou a mecânica do acidente, tendo em vista os argumentos expendidos em sua peça de bloqueio (contestação do DNER às fls. 47/54). E, ainda que a ora Apelante não tivesse combatido a narrativa da parte autora, isto não bastaria para a comprovação das alegações. Conforme a cópia da ficha de ocorrência acostada à fl. 16, a descrição do acidente é caracterizada como uma presunção, tanto em relação à velocidade do veículo da autora, quanto aos fatos propriamente ditos. Ainda, os depoimentos das testemunhas colhidos às fls. 89/94 demonstram que estas não presenciaram o momento do acidente, chegando ao local após o evento.

Ainda, deve ser destacado que, conforme consta da assentada de fls. 87/88, restou expressamente consignado que “pelo MM. Juiz foi observado que a matéria de fato narrada na inicial demanda a realização de prova pericial. A prova técnica de engenharia de onde se poderá concluir o nexo de causalidade entre a alegada omissão da ré e o acidente que vitimou a autora, assim como eventual culpa exclusiva da autora” (sic). Entretanto, intimada à fl. 166 para dizer se ainda tinha interesse na realização da perícia de engenharia, a parte autora afirmou que o mesmo não mais existia, tendo em vista que a empresa concessionária construiu no local do acidente a mureta de proteção antes faltante (fl. 167). De se ver que a alegação da autora no sentido de que seu carro se desgovernou em razão da ultrapassagem de outro carro mais pesado, e que tendo seguido pelo acostamento, a queda do veículo teria sido evitada por uma mureta de proteção, não restou comprovada nos presentes autos. Não há como se aferir como se deu a dinâmica dos fatos, tampouco se a referida mureta teria bastado para evitar as graves sequelas sofridas em decorrência do evento danoso, não sendo possível, ainda, afastar a possibilidade de maior gravidade de um acidente pelo qual houvesse uma colisão frontal com uma mureta, que estaria praticamente a fechar a pista do acostamento, por onde desceu o veículo da autora. Por conseguinte, não há como imputar à Apelante a responsabilidade por omissão pelos danos sofridos pela autora, ante a ausência de comprovação do nexo causal entre a aludida omissão e o acidente e a gravidade das consequências suportadas pela parte autora. Neste sentido: CIVIL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO. DNER. ACIDENTE DE VEÍCULO. MORTE. RODOVIA FEDERAL. ANIMAL NA PISTA. DANO. ATO COMISSIVO/OMISSIVO. NEXO DE CAUSALIDADE. FALTA DE COMPROVAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA. PRECEDENTE. 1 - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço, tem por base o risco administrativo e pode ocorrer diante da existência de dano e da ação administrativa, não esquecendo que deve haver nexo de causa entre o primeiro e o segundo elemento. 2 - Para que haja um dano, uma ação administrativa, aqui entendida como conduta comissiva ou omissiva, sendo esta última calcada em uma específica falta de serviço que se traduz em um dever jurídico, e uma possibilidade de atuar de fato, é preciso que entre ambos

exista um nexo de causalidade, informado pela teoria do dano direto e imediato. 3 - Se porventura ausente de algum desses requisitos ou na presença de causa excludente ou atenuante culpa exclusiva ou concorrente da vítima no evento danoso -, a responsabilidade estatal será afastada ou suavizada. 4 - É certo que em locais habitados onde o trânsito de pessoas é intenso de um lado para outro da rodovia não é viável o estabelecimento de barreiras ou cercados, como que sitiando a estrada, sob pena de se penalizar as próprias comunidades lindeiras. 5 - Concluir que o DNER teria por obrigação disponibilizar fiscais para dia e noite impedir a entrada de animais em rodovias públicas não se mostra razoável, mormente porque, na maioria das vezes, tal situação ocorre em virtude de descuido do respectivo proprietário. 6 - Embora os autores tenham alegado a falta de iluminação no trecho onde ocorreu o acidente, não conseguir provar efetivamente se de fato não havia luz, tampouco que sua falta seria a responsável pelo evento. 7 - Se de um lado não há como imputar ao Estado o dever de impedir a entrada de animais 24 (vinte e quatro) horas por dia nas pistas das rodovias, bem como os autores não conseguiram comprovar a ausência de iluminação adequada no momento do acidente, tenho que não há que se falar em existência de nexo de causa entre o mesmo e a conduta comissiva ou omissiva da Autarquia. 8 - O Estado não pode ser visto como segurador universal. Há que ser comprovada a existência de liame entre o fato e a conduta, sob pena de não restar caracterizada a responsabilidade objetiva com base na teoria do risco. Somente provado o nexo de causalidade entre a falta de serviço ou serviço mal prestado e o evento danoso, poder-se-ia transferir ao DNER a responsabilidade em arcar com os danos sofridos em decorrência da morte do companheiro e pai dos autores. 9 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200102010210490, Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, 09/10/2009) CI VI L E CONS T I T UCI ONAL . ADMI NI S T RAÇÃO PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. A CI D E N T E A U T O MO BI L Í S T I CO E M RO D O V I A FEDERAL. DANO. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Caso em que os Autores pretendem a condenação da União por danos morais e materiais, em razão de acidente automobilístico ocorrido no dia 12.7.2000, no km 642 da BR 364, quando o

caminhão em que viajavam capotou, alegando terem esbarrado em desnível não sinalizado existente na pista de rolamento. A sentença julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de inexistir prova do nexo de causalidade entre a alegada omissão e os danos sofridos. 2. O ordenamento jurídico pátrio adotou a teoria do risco administrativo, no que tange à responsabilidade civil do Estado (CF, artigo 37, §6º), pelo que a responsabilidade passou a fundar-se na causalidade e não mais na culpabilidade. Assim, para que o ente público responda objetivamente é suficiente que se prove o dano sofrido, o nexo de causalidade entre a omissão/conduta da Administração e o aludido dano, além da inexistência de caso fortuito, força maior, ou de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. 3. No presente caso, não há prova da relação de causalidade entre a conduta do extinto DNER (ao manter, próximo ao local do acidente, desnível não sinalizado na pista de rolamento, com altura entre 8 e 10 centímetros) e o alegado dano. Nenhuma das testemunhas arroladas presenciou a dinâmica dos fatos, chegando ao local do acidente após a sua ocorrência, sendo que o boletim de ocorrência policial apenas narrou os acontecimentos de acordo com a ótica do condutor do veículo sinistrado. 4. Apesar de a responsabilidade objetiva da Administração poder ser afastada por caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, não se dispensa o Autor de uma pretensão indenizatória do dever de provar os fatos constitutivos do direito (Precedente deste Tribunal: AC 1999.32.00.004367-2). 5. Apelação a que se nega provimento. (AC 200241000025035, JUIZ FEDERAL DAVID WILSON DE ABREU PARDO (CONV.), TRF1 - SEXTA TURMA, 09/06/2008) Assim, ante a ausência de demonstração de nexo de causalidade, descabe imputar à União Federal a responsabilidade pelos danos sofridos pela parte autora, devendo ser reformada a sentença. Do exposto, DOU PROVIMENTO à remessa necessária e à apelação da União Federal para, reformando a sentença, julgar os pedidos improcedentes. Condeno a parte autora em honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), sob a condição do art. 12, da Lei nº 1.060/50, tendo em vista a gratuidade deferida à fl. 37.

É como voto. MARCELO PEREIRA DA SILVA Juiz Federal Convocado VOTO - VISTA APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE OCORRIDO EM RODOVIA FEDERAL. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. MÁ CONSE RVAÇÃO DA RODOVIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO E A OMISSÃO DO PODER PÚBLICO DEMONSTRADO. 1. A dinâmica dos fatos narrada nos autos revela que no dia 2.2.1992, a Demandante trafegava com seu veículo pela Rodovia BR-101, na altura do Km 302, quando seu veículo foi atirado para o acostamento ao ser ultrapassado por outro automóvel. Todavia, naquele trecho da rodovia, o acostamento terminava em uma ribanceira, encoberta por uma espessa vegetação e sem mureta de proteção (v. fotografias de fls. 30/34). Como resultado do acidente, a Demandante ficou paraplégica, com a consequente perda definitiva de sua capacidade laborativa (fls. 56 e 158/159). 2. A Constituição Federal de 1988 acolheu a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, segundo o qual, “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 3. Com relação à responsabilidade do Estado em decorrência de atos omissivos de seus agentes, quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado, é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva (Precedentes: STJ, 2ª Turma, RESP

201000024710, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJE 24.3.2010, TRF2, 8ª Turma, AC 200350010042190, Rel. Des. Fed. RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, DJU 27. 2. 2008, T RF 4, 4ª T ur ma, AC 200971170000468, Rel. Des. Fed. MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E. 12.7.2010). 4. Para que se configure a responsabilidade civil do Estado por omissão, impõe-se a comprovação da omissão estatal, da culpa, do dano e do respectivo nexo de causalidade com a omissão apontada. 5. A omissão está caracterizada pelos elementos de prova dos autos, que revelam a ausência de conservação da rodovia e da mureta de proteção, assim como a ocorrência de acidentes anteriores naquele mesmo trecho, o que denota uma omissão específica do ente público. A culpa, por sua vez, resulta da negligência da União que, como ente responsável pela guarda e manutenção das estradas de rodagem em questão, deveria zelar pelo bom estado das rodovias e proporcionar satisfatórias condições de segurança aos seus usuários. O dano é incontroverso, posto que a Demandante encontra-se paraplégica e incapacitada para o trabalho, conforme atesta o laudo pericial de fls. 158/160. 6. Quanto à existência de nexo causal entre a conduta omissiva da União e os prejuízos causados à Demandante, embora não seja possível afirmar que se aquele trecho da rodovia contasse com perfeitas condições de segurança o acidente não teria ocorrido, é certo que a negligência do Poder Público contribuiu decisivamente para que o dano alcançasse a dimensão que alcançou, suprimindo, ainda, as chances de um desfecho diferente. Ademais, a conduta omissiva foi relevante, pois mesmo sendo notórias as más condições de segurança da rodovia, tornando previsível o evento danoso, o Poder Público não diligenciou no sentido de evitá-lo ou de minimizar as chances de sua ocorrência, embora lhe fosse plenamente possível fazê-lo. 7. Apesar de persistir o nexo de causalidade, este não pode ser imputado exclusivamente ao Poder Público, tendo em vista a concorrência de fato de terceiro, reconhecido pela própria Demandante em sua inicial, o que conduz a uma mitigação da verba indenizatória.

8. Os elementos de prova constantes dos autos foram suficientes para o deslinde da questão, de forma que a alegada falta de perícia, suscitada pela União, não merece prosperar. 9. Remessa necessária e Apelação não providas.

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: Como consta no Relatório de fls. 253/254, cuida-se de Remessa Necessária e de Apelação Cível interposta pela UNIÃO FEDERAL em face da sentença proferida pelo MM. Juízo da 3a Vara Federal de Niterói (fls. 179/184), que julgou procedente o pedido de indenização por danos morais e materiais, nos termos seguintes: [...] Em vista do exposto, julgo, por sentença, PROCEDENTES, em parte, os pedidos e extingo o processo com solução do mérito para: a) Condenar a Ré a pensionar mensalmente a Autora, em caráter vitalício, com a importância correspondente a cinco salários mínimos desde 02.02.1992, pagando os atrasos com atualização monetária desde o vencimento de cada parcela e segundo os índices aprovados pelo Conselho da Justiça Federal e com juros de mora, desde a citação, de 0,5% ao mês. b) Condenar a Ré a pagar à Autora a importância de R $ 150.000,00 (centro e cinqüenta mil reais) a título de r essar ci m en t o d e d an o s m o r ai s, at u al i zad a monetariamente, desde a presente data, segundo os índices admitidos pelo Conselho da Justiça Federal. c) Deixar de condenar a União Federal ao pagamento dos honorários advocatícios ante a sucumbência recíproca. P.R.I. Sentença sujeita ao reexame necessário. O MM. Juízo a quo sustentou, como fundamento de decidir, o seguinte: [...] Narra a inicial que a Autora tivera o seu veículo ultrapassado por outro maior causando a perda do controle do seu veículo que se projetou no abismo existente ao final do acostamento que não contava com grade de proteção. Com efeito, como se infere dos depoimentos testemunhais por mim colhidos, houve

outros acidentes no mesmo local e com vítimas fatais, podendo-se presumir que a Administração era conhecedora da falha decorrente da ausência da grade de proteção e descurou-se do seu dever legal de assegurar a adequada manutenção da rodovia afixando, no local do acidente, grade de proteção como fizera em diversos outros trechos, caracterizando a sua culpa em sentido estrito. Vale dizer, as causas eficientes do acidente foram a falta de dirigibilidade que pode ser imputada ao terceiro, condutor do veículo que a Autora ter ultrapassado o seu, ou à própria Autora, assim como a falta de manutenção da rodovia consistente na ausência da grade de proteção no local da queda. [...] A União, em suas razões (fls. 191/196), alegou que “o fato de ter ou não ter mato no acostamento e a ausência de mureta não tem relevância na mecânica do acidente, pois não foram estas as condições que levaram a desgovernar o seu veículo, mas sim a ultrapassagem de outro e posterior descontrole”. Alegou, ainda, que não foi realizada perícia técnica, a qual seria de extrema relevância para a elucidação do fato. Preliminarmente, registro que os elementos de prova constantes dos autos são suficientes para o deslinde da questão, de forma que a alegada falta de perícia, suscitada pela União, não merece prosperar. No mérito, a dinâmica dos fatos narrada nos autos revela que no dia 2.2.1992, a Demandante trafegava com seu veículo pela Rodovia BR-101, na altura do Km 302, quando seu veículo foi atirado para o acostamento ao ser ultrapassado por outro automóvel. Todavia, naquele trecho da rodovia, o acostamento terminava em uma ribanceira, encoberta por uma espessa vegetação e sem mureta de proteção (v. fotografias de fls. 30/34). Como resultado do acidente, a Demandante ficou paraplégica, com a consequente perda definitiva de sua capacidade laborativa (fls. 56 e 158/159). A Constituição Federal de 1988 acolheu a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, segundo o qual, “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Todavia, com relação à responsabilidade do Estado em decorrência de atos omissivos de seus agentes, entendem nossos Tribunais que quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado, é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE

TRÂNSITO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ANIMAL QUE SE ENCONTRAVA EM RODOVIA ESTADUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. D E V E R D E F I S C A L I Z A Ç Ã O . O MI S S Ã O INEXISTENTE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA AFASTADA. 1. Há responsabilidade subjetiva do Estado que, por omissão, deixa de fiscalizar rodovia estadual com trânsito freqüente de animais, contribuindo para a ocorrência do acidente. 2. É inadmissível o recurso especial se a análise da pretensão da recorrente demanda o reexame de provas (Súmula nº 07/STJ). 3. Tendo o Tribunal a quo enfrentado e decidido as questões suscitadas pelas partes, com adequada fundamentação, não há omissão ou negativa de prestação jurisdicional. 4. Inexiste sucumbência recíproca se a condenação por danos morais tiver sido fixada em montante inferior ao pleiteado na inicial. 5. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ, 2ª Turma, RESP 201000024710, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJE 24.3.2010.) (grifo nosso) ADMI NI S T RAT I VO – I NDE NI Z AÇÃO – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO – ACIDENTE RODOVIÁRIO EM ESTRADA – CONCORRÊNCIA DE CULPAS – DANO MORAL E MATERIAL – ART. 5º, inc. X, DA CF/88. I- A responsabilidade é subjetiva, uma vez que o Estado descumpriu seu dever de obstar o evento danoso, por sua omissão, restando caracterizada a culpa da União, na modalidade de negligência, em virtude do seu não atuar, cabendo responsabilizá-lo, uma vez que está obrigado a impedir o dano, tendo descumprido dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo. IIConcorrência de culpas entre a omissão estatal preponderante - e a própria imprudência do Autor, restando corretos, portanto, os fundamentos invocados, quanto à arbitração do pedido de indenização por danos materiais, que atendeu a critérios de justiça e razoabilidade. III- O dano moral, a partir da Constituição Federal de 1988, uma vez comprovado, passou a ser indenizável quando houver violação às

garantias fundamentais, segundo o inciso X, do art. 5º, entre elas a dignidade da pessoa. IV- A indenização por dano moral deve ser fixada em patamares razoáveis, de modo a aquilatar a ofensa efetivamente realizada, não podendo ser estabelecida em valor tão elevado que importe em enriquecimento sem causa, nem tão baixo o ofensor esteja incentivado a reincidir em sua conduta. V- Recurso de apelação e remessa necessária a que se nega provimento. VI- Sentença mantida in totum. (TRF2, 8ª Turma, AC 200350010042190, Rel. Des. Fed. RALDÊNIO BONIFACIO COSTA, DJU 27.2.2008) (grifo nosso) DI RE I T O CI VI L E ADMI NI S T RAT I VO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRECARIEDADE DA RODOVIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO DNIT. AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO DA RODOVIA. CUL P A E XCL US I VA DA VÍ T I MA. NÃOCOMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1. O pedido de indenização por danos materiais e morais sofridos em virtude de acidente na BR 153, do qual resultou a morte do filho dos apelantes, não pode ser analisado sob o prisma da responsabilidade objetiva do Estado, pois não imputada a prática de uma ação por parte dos entes estatais. 2. Tendo em vista a alegada omissão da União (DNIT) em promover a devida manutenção da rodovia, o feito deve ser julgado segundo a teoria da responsabilidade subjetiva, sendo imprescindível a comprovação da culpa no evento danoso. 3. Os requisitos para a comprovação da responsabilidade subjetiva são: a) a omissão do Estado; b) a comprovação da culpa do ente estatal; c) o dano; d) o nexo de causalidade entre a omissão e o dano ocorrido; e) a inexistência de causas excludentes da responsabilidade. 4. De acordo com as provas produzidas nos autos, o sinistro ocorreu em virtude da quantidade expressiva de buracos na pisca, alguns profundos, que em dia de chuva intensa não podiam se enxergados. 5. O DNIT deve ser responsabilizado pelo acidente que causou a morte do filho dos recorrentes,

pois er a conhecida a péssima condição de trafegabilidade da BR 153, a qual foi até mesmo atestada pelo Policial Rodoviário Federal que registrou a ocorrência. 6. Culpa exclusiva da vítima não comprovada, dada a ausência de provas de que teria havido excesso de velocidade. 7. Devida a indenização por danos materiais e morais, os quais vão indenizados de acordo com a estrita observância da jurisprudência do E. STJ quanto ao tema. 8. Invertida a condenação nos ônus sucumbenciais, sendo fixada a verba honorária de acordo com os parâmetros desta Turma. (TRF4, 4ª Turma, AC 200971170000468, Rel. Des. Fed. MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E. 12.7.2010.) (grifo nosso) Dessa forma, na hipótese vertente, para que se configure a responsabilidade civil do Estado por omissão, impõe-se a comprovação da omissão estatal, da culpa, do dano e do respectivo nexo de causalidade com a omissão apontada. A omissão está caracterizada pelas fotografias de fls. 30/34, em cotejo com os depoimentos das testemunhas de fls. 89/93, os quais revelam a ausência de conservação da rodovia e da mureta de proteção, assim como a ocorrência de acidentes anteriores naquele mesmo trecho, o que denota uma omissão específica do ente público. A culpa, por sua vez, resulta da negligência da União que, como ente responsável pela guarda e manutenção das estradas de rodagem em questão, deveria zelar pelo bom estado das rodovias e proporcionar satisfatórias condições de segurança aos seus usuários. O dano é incontroverso, posto que a Demandante encontra-se paraplégica e incapacitada para o trabalho, conforme atesta o laudo pericial de fls. 158/160. Demonstrados, portanto, a omissão, a culpa e o dano, a questão cinge-se em averiguar a existência de nexo causal entre a conduta omissiva da União e os prejuízos causados à Demandante. Nessa esteira, verifica-se que o acidente foi ocasionado pela conjunção de dois fatores sucessivos; o abalroamento do veículo da Demandante por outro veículo e o consequente lançamento do mesmo para o acostamento da estrada, que termina de forma repentina em uma ribanceira não protegida por mureta e encoberta por espessa vegetação. Embora não seja possível afirmar que se aquele trecho da rodovia contasse com perfeitas condições de segurança o acidente não teria ocorrido, é certo que a negligência do Poder Público contribuiu decisivamente para que o dano alcançasse a dimensão que alcançou, suprimindo, ainda, as chances de um desfecho diferente. Ademais, a

conduta omissiva foi relevante, pois mesmo sendo notórias as más condições de segurança da rodovia (fl. 73), tornando previsível o evento danoso, o Poder Público não diligenciou no sentido de evitá-lo ou de minimizar as chances de sua ocorrência, embora lhe fosse plenamente possível fazê-lo. Registre-se, por oportuno, que apesar de persistir o referido nexo de causalidade, este não pode ser imputado exclusivamente ao Poder Público, tendo em vista a concorrência de fato de terceiro, reconhecido pela própria Demandante em sua inicial (abalroamento por outro veículo), o que conduz a uma mitigação da verba indenizatória. Em circunstâncias semelhantes à descrita nos autos, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RE SPONSABI L I DADE CI VI L . INDENIZAÇÃO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. AUSÊNCIA DE GRADES DE PROTEÇÃO NO LOCAL. DEMONSTRAÇÃO DE RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO ENTRE A OMISSÃO E AS MORTES. 1. Recurso especial interposto contra v. Acórdão que julgou improcedente ação ordinária de reparação de danos em face da Prefeitura Municipal de São Paulo, objetivando a indenização pelo falecimento dos pais dos recorrentes, ao argumento de que os mesmos vieram a falecer em razão de acidente automobilístico ocorrido na Marginal do Tietê, pois no local do acidente não existiam grades de proteção, o que impediria a queda do veículo. 2. Para que se configure a responsabilidade objetiva do ente público basta a prova da omissão e do fato danoso e que deste resulte o dano material ou moral. 3. O exame dos autos revela que está amplamente demonstrado que o acidente ocorreu e que o evento morte dele decorreu e que a estrada não tinha grade de proteção. 4. A ré só ficaria isenta da responsabilidade civil se demonstrasse - o que não foi feito - que o fato danoso aconteceu por culpa exclusiva da vítima. 5. A imputação de culpa está lastreada na omissão da ré no seu dever de, em se tratando de via pública, zelar pela segurança do trânsito e pela prevenção de acidentes (arts. 34, parágrafo 2°, do Código Nacional de Trânsito, e 66, parágrafo único, do Decreto nº 62.127/68). 6. Jurisdição sobre a referida marginal de competência da ré, incumbindo a

ela a sua manutenção e sinalização, advertindo os motoristas dos perigos e dos obstáculos que se apresentam. A falta no cumprimento desse dever caracteriza a conduta negligente da Administração Pública e a torna responsável (art. 66, parágrafo único, do Decreto nº 62.127/68) pelos danos que dessa omissão decorrerem. 7. Estabelecido assim o nexo causal entre a conduta omissiva e o falecimento dos pais dos recorrente, responde a ré pela reparação dos prejuízos daí decorrentes, no caso, os danos patrimoniais pela cessação da fonte de sustento dos menores. 8. Recurso provido. (STJ, 1ª Turma, RESP 200200714926, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 21.10.2002) (grifos nossos) Dessa forma, evidenciado o nexo de causalidade entre o dano e a omissão do Poder Público, deve a r. sentença ser mantida em sua integralidade. Assim, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado EMENTA AÇÃO ORDINÁRIA. responsabilidade civil. acidente automobilístico em rodovia FEDERAL. ausência de mureta de proteção (“GUARD RAIL”). NEXO DE CAUSALIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. HONORÁRIOS. I- No caso de acidente automobilístico, a caracterização da responsabilidade do Estado por omissão, ante a ausência de muretas de proteção ao longo de rodovias, exige a demonstração do nexo de causalidade entre a ausência da referida estrutura e os danos decorrentes do evento. II- À parte vencida incumbe o pagamento das despesas efetuadas no processo, quais sejam, as custas judiciais e os honorários advocatícios, sendo certo que a imposição da sucumbência não é afastada pela concessão de gratuidade de justiça, tendo em vista que o art. 12 da Lei n.º 1.060/50 apenas possibilita a suspensão do pagamento das despesas processuais, pelo período de cinco anos.

III- Apelação e remessa necessária providas. Sentença reformada. Julgamento improcedente dos pedidos. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas: Acordam os membros da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, em dar provimento à remessa necessária e à apelação, na forma do voto do Relator. Vencido o Juiz Federal Convocado Ricardo Perlingeiro. Rio de Janeiro, 3 de abril de 2012 MARCELO PEREIRA DA SILVA Juiz Federal Convocado

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