A restauração do concelho de Pedrógão Grande em 1898

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Jornal da Golpilheira

. história .

21

Julho de 2016

.história. Miguel Portela Investigador

A restauração do concelho de Pedrógão Grande em 1898

Nos finais do século XIX, sucedeu-se um conjunto de mudanças do mapa administrativo no norte do distrito de Leiria. Tanto se extinguiram concelhos como, anos volvidos, foram restabelecidos, mudando-se freguesias entre eles ou criando-se mesmo novos municípios, como sucedeu com Castanheira de Pera, em 1914. Desses acontecimentos dão conta os jornais da época, a partir de cuja leitura se denota claramente o aumento do peso político dos republicanos no norte do distrito de Leiria, sobretudo na região de Pedrógão Grande. A 7 de setembro de 1895, a comarca e o concelho de Pedrógão Grande foram extintos, transferindo-se a sede da comarca para o concelho de Figueiró dos Vinhos. A imprensa regional, sobretudo o periódico Correio de Leiria, na sua edição de 19 de setembro de 1895, noticiava a nova divisão administrativa do distrito de Leiria nos seguintes termos: «Divisão de Concelhos - No districto de Leiria é classificado como concelho de 1.ª ordem o concelho de Leiria; são classificados como concelhos de 2.ª ordem os de Alcobaça, Ancião, Caldas da Rainha, Figueiró dos Vinhos, Obidos e Pombal, e é classificado como concelho de 3.ª ordem o de Peniche, que fica agrupado ao das Caldas da Rainha e elegerá dois vereadores para a camara municipal da sede da respectiva comarca. (…) É supprimido o concelho de Pedrogão Grande, sendo as sua freguezias annexadas ao de Figueiró dos Vinhos (…) São annexadas ao concelho de Ancião as freguezias de Avellar, Chão de Couce, Maçãs de Dona Maria e Pousa Flores, que actualmente pertencem ao concelho de Figueiró dos Vinhos (…) Divisão de Comarcas - É transferida para a villa de Figueiró dos Vinhos a séde da comarca de Pedrogão Grande, e á mesma comarca ficam pertencendo as freguezias de Aguda e Arega do concelho de Figueiró dos Vinhos» (Arquivo Distrital de Leiria [ADL], Correio de Leiria, Dep. VIII-56-B, ano 1.º, edição n.º 33, de 19 de setembro de 1895). Porém, a 13 de janeiro de 1898, o concelho de Pedrógão Grande seria restaurado. A imprensa regional, nomeadamente o jornal Correio de Leiria, no dia 20 de janeiro desse ano, noticiava que o concelho de Pedrogão estava constituído pelas freguesias de Castanheira, Coentral, Graça, Pedrógão e Vila Facaia, deixando de fazer parte, nesse ano, do concelho de Figueiró dos Vinhos. De igual modo, a imprensa nacional relatava nessa mesma data um dos episódios mais conturbados resultante da aprovação e aplicação da nova reforma administrativa - o caso específico de Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, assim como de toda a região norte do distrito de Leiria (Ibidem, ano 3.º, edição n.º 154, de 20 de janeiro de 1898). Reconhecemos no jornal Folha do Povo, na sua edição de 21 de janeiro de 1898, um desses exemplos, do qual citamos um pequeno excerto de uma notícia: «Reforma Concelhia - Figueiró dos Vinhos, 18. - Para se avaliar o que é e a que principios obedeceu a reforma concelhia, bastará narrar o seguinte: O concelho de Figueiró dos Vinhos, antes da reforma concelhia de 1895, sancionada por carta de lei de 21 de maio de 1896, era composto de oito freguezias, a saber: Pousaflores, Chão de Couce, Avellar, Maçãs de D. Maria, Arega, Aguda, Campello e Figueiró dos Vinhos. Por virtude d’esta reforma passaram a fazer parte do concelho d’Ancião as quatro primeiras freguezias acima mencionadas, e as restantes, com as cinco do concelho de Pedrogam Grande, que então foi extincto, constituiam ultimamente o concelho de Figueiró dos Vinhos. Deve-se notar que tres das cinco freguezias de que aquelle concelho se compunha, estão

incontestavelmente, melhor para a villa de Figueiró dos Vinhos, não só por estarem com ella ligados por estradas macadamisadas, o que lhes não acontece com Pedrogam, mas pela maior proximidade pelas suas tendencias e relações, accrescendo a que, sendo a Villa de Figueiró séde na comarca, grandes vantagens d’ahi resultam pela economia de tempo. E não se imagine que o concelho, como ultimamente estava com as nove freguezias era grande e rico, pois a Camara Municipal, para occorrer ás despezas indispensáveis, via-se na necessidade de lançar sobre as contribuições do estado a maxima percentagem que a lei lhe faculta. Não discutiremos agora a conveniencia da restauração do concelho de Pedrogam Grande e Alvaiazere, mas, se o governo êntendesse ser de justiça a sua restauração, de justiça era tambem que restituísse a Figueiró, as quatro freguezias que tinham passado para Ancião. Não o fez, porém, não porque as aludidas freguezias não desejassem voltar para o seu antigo concelho, mas porque, tendo ameaçado Figueiró de lhe reduzirem o concelho e comarca, caso voltasse ao candidato regenerador, e de á sua custa emgrandecerem os concelhos de Pedrogam e Alvaiazere, e, tendo elle resistido a estas e outras veniagas eleitoares, quis vingarse, convertendo a ameaça em realidade, e de facto o fez, reduzindo-o a quatro freguezias sem meios de poder satisfazer as suas despezas obrigatorias» (Folha do Povo, edição n.º 5409, de 21 de janeiro de 1898). Através do periódico Districto de Leiria de 22 de janeiro de 1898, reconhecemos que o concelho de Figueiró dos Vinhos protestava contra o que considerava ser uma tremenda injustiça - a desanexação de um conjunto de freguesias que lhe haviam sido retiradas para os concelhos vizinhos, mormente para os concelhos de Ansião e Pedrógão Grande. Citamos um excerto de uma notícia desse periódico, que elucida o que referimos: «Pedrogam foi egualmente restaurado, sendo licito acreditar que tambem seria augmentado se mais alguma freguezia houvesse entre aquella villa e a de Figueiró dos Vinhos. Só a esta é que não foi restituida nenhuma das freguesias que pela reforma de 1895 tinham passado para Ancião, sendo lhe aliás tiradas todas as que lhe tinham sido aggregadas; e todavia algumas d’ellas, como, por exemplo. Castanheira de Pera e Maças de D. Maria, mais uma vez tem representado em favor da sua annexação a Figueiró dos Vinhos. É que esta villa tinha contra si uma enorme culpa, um d’estes peccados que na egreja progressista não teem remissão: na ultima lucta eleitoral foi Figueiró dos Vinhos pela sua quasi unanimidade e a das freguesias limitrophes que decidiu a eleição em favor do candidato regenerador. Ahi tem agora a paga; que do partido progressista a nobreza é esta» (Distrito de Leiria, edição n.º 826, de

22 de janeiro de 1898). Dias depois, a imprensa nacional, sobretudo O Paiz, de 30 de janeiro de 1898, referia, em relação à restruturação de concelhos nesta região: «Foi finalmente cumprida a promessa da restauração dos concelhos, sem que para tão dificil e monstruoso parto fosse necessario o emprego do fórceps ou a operação cesariana. Prometteu o sr. José Luciano de Castro que tornaria tudo ao estado antigo attendendo ás reclamações dos povos, para afinal nem uma nem outra coisa fazer. Como filho de Figueiró dos Vinhos, e como cidadão no pleno uso dos meus direitos, cometteria um crime indescupavel se não tornasse publico o meu solemne protesto contra o procedimento inqualificavel do governo que o procedimento inqualificavel do governo que desgraçadamente gere os negocios d’este malfadado paiz. Figueiró dos Vinhos foi, certamente, o concelho visado por s. ex.ª e pelos seus amigos para bode expiatório do seu rancor. E senão vejamos: Este concelho, desde 1855 até setembro de 1895, era composto de oito freguesias, ficando pela refórma d’este ultimo anno composto do supprimido concelho de Pedrogram Grande e quatro das suas antigas freguezias. Mas como Figueiró, acorrentado durante vinte anos ao partido progressista, que lhe promettia a restituição da comarca como um acto justo, pois que esta lhe havia sido arrebatada em 1875 por ter trabalhado demodadamente na eleição a favor do fallecido Carlos Ribeiro, deputado progressista, e vendo que este partido faltou descaradamente ás suas promessas, não obstante as razões imperiosas para tão justificado desejo da parte de Figueiró, resolveu de vez abandonar tal gente e procurar no partido regenerador a realização de tão ardente desejo de justiça» (O Paiz, edição n.º 815, de 30 de janeiro de 1898). Com a nova divisão administrativa, os festejos sucederam-se no concelho de Pedrógão Grande. O periódico Correio de Leiria, na sua edição de 24 de fevereiro de 1898, noticiava-os, assim como relatava a mudança dos arquivos que se encontravam no concelho de Figueiró dos Vinhos para o concelho de Pedrógão Grande. Relatava esse periódico: «Pedrogam Grande. 10 de fevereiro de 1898. É com o maior jubilo que registamos n’esta epocha tenebroza que vae passando, a ingerencia do partido progressista, nos negócios do nosso paiz. E visto que nos temos referido á restauração d’este concelho, vamos relactar o que se passou na mudança dos archivos, de Figueiró para esta villa; Deram entrada n’esta villa no dia 3 do corrente mez os archivos e alguma mobília da camara e administração do concelho. Durante aquelles dias 3, 4 e 5, fizeram-se festejos n’esta villa, que causaram assombro e admiração a todos os visitantes. No dia 3 de madrugada apresentaram-se em Figueiró dos Vinhos 10 carros com

Paços do Concelho de Pedrógão Grande. Fotografia de 1909. Coleção Miguel Portela.

os seus conductores e 12 operarios. Estavam aguardando a chegada os empregados que receberam os archivos e mobília. Em menos de 2 horas fez-se o transporte para os carros e em seguida rodaram para esta villa. Não foi preciso tropa nem policia. A melhor arma é a razão e a justiça» (ADL, Correio de Leiria, Dep. VIII-56-B, ano 4.º, edição n.º 159, de 24 de fevereiro de 1898). O jornal Correio de Leiria, na sua edição de 10 de março de 1898, dava conta, ainda, do episódio da mudança dos arquivos de Figueiró dos Vinhos para o restaurado concelho de Pedrógão Grande: «Foi extincto este concelho em setembro de 1895 e tal foi o zêlo do funccionario que assistiu ao despejo dos archivos e mobília que não poupou um barril de barro e um pacote de assucar que um empregado tinha na sua repartição para refrescos! Só ficaram as paredes! Note os leitores que o decreto de 7 de setembro de 1895, não auctorisou o desvio da mobília da séde dos concelhos extinctos, e muitas camaras, mais generosas, como foi a da Alcobaça, Certã e outras, não retiraram a mobília dos edificios das camaras extinctas. Foi restaurado o concelho por decreto de 13 de janeiro ultimo, e no dito dia 3 de fevereiro ordenou-se o transporte dos archivos e mobília, conforme determina o n.º 1 e seguinte artigo 5.º do mesmo decreto. Os empregados respectivos receberam os archivos e não fizeram reclamação alguma, visto que isso não competia, mas reconheceram logo a falta de objectos, cuja entrega lhes foi negada, com o pretexto de estarem em serviço em varias repartições. (…) Os leitores vão vêr cousa estupenda: De mobília, a camara de Figueiró, restituiu á d’esta villa pequena porção de cadeiras, as quaes não serviam por se acharem partidas, quatro secretarias, duas mezas e uma estante envidraçada. Escolheram 18 cadeiras que custaram 2:000 rs. Cada, e collocaram-as no tribunal judicial; uma bôa meza de nogueira tambem se acha no tribunal; a cadeira que era da presidência da comarca custou 8:000 réis, é occupada pelo juiz sobre o estrado da presidência (estes moveis eram da salla das sessões da actual camara); uma secretaria que pertencia á administração do concelho e 18 cadeiras da mesma repartição! Alem d’estes objectos, tambem foram negados 80 cobertores de lã, lenções, quatro jogos de cordas que eram dos sinos das torres d’esta villa, dois pares de algemas, um bom diccionario, etc. E querem os leitores saber o destino que têem os ditos moveis? Parte d’elles emprestados a indivíduos particulares e outros para espectáculos. Ainda o que nós julgamos mais notavel é existir nos orçamentos da camara de Figueiró do anno de 1896 e 1897, duas verbas importantes, sendo uma de 300:000 réis com applicação a mobília para o tribunal e outra de réis 500:000 para obras do mesmo tribunal: e parecendonos esta somma mais que suficiente para occorrer aos reparos da sála do dito tribunal, fomos examinar o que ali existia e qual foi a nossa surpresa quando vamos encontrar ali a mobília da sála das sessões d’esta camara e a invejada cadeira occupada! Encontramos somente, feita de novo, uma bancada para os individuos que assistem aos differentes actos do tribunal. Não nos parece que houvesse necessidade de occultar a mobília que a camara de Figueiró deve ter adquirido com aquellas verbas e servirem-se com os moveis que lhes não pertencem. Se o inspirador da camara de Figueiró fosse realmente o que aparenta, deveria attender sem a menor relutância á letra do decreto, não forjar evasivas, e attender ainda a que este concelho foi esbulhado de tudo quanto possuia e ainda entregou o saldo em dinheiro de 3:410$151 réis; por isso, não devia regatear-lhe o que é só d’elle. Alem do que fica expendido, inda temos documentos á vista por onde se mostra que a camara de Figueiró distribuiu nos seus orçamentos de 1896 a 1897, para obras só dentro da villa réis 8:216$000, em quanto que na área d’este concelho distri-

buiu 371$200 réis» (A.D.L., Correio de Leiria, Dep. VIII-56-B, edição n.º 161, ano 4.º, de 10 de março de 1898, p. 2). A 19 de maio de 1898, o supracitado periódico narrava o sucedido na primeira reunião do executivo camarário do restaurado concelho de Pedrógão Grande. Pela sua importância como fonte documental, transcrevemos esta notícia na íntegra: «A camara municipal d’este concelho, manifestando o seu unanime sentimento de gratidão pela restauração da sua autonomia concelhia, resolveu na sua primeira sessão depois de eleita, em 21 d’abril ultimo, patentear o seu agradecimento ao Ex.mo Conselheiro José Luciano de Castro, ao Ex.mo Governador Civil d’este Districto Barão do Salgueiro e ao nosso respeitável amigo Ex.mo Doutor Francisco Ferreira Gaspar. Ninguem poderá contestar que a restauração d’este concelho como a de muitos outros, foi um acto de justiça que immortalisou o partido progressista, cujos membros governam os destinos d’este paiz. A nossa admiração é tanto maior quanto vemos que ainda há homens que sabem respeitar as regalias de um povo extremamente trabalhador e obediente, cumprindo integralmente as suas promessas, embora impelido para caminho diverso pelos inspiradores do anterior governo opressor. Distinguindo-se pelas acções e não só pelo nome, procedem os nobres ministros que occupam o poder. Vamos transcrever parte do resumo da acta que nos referimos, para melhor identificação dos leitores: A camara municipal do concelho de Pedrogam Grande, na primeira sessão ordinaria que celebra, depois de eleita, compenetra dos sentimentos dos seus munícipes, faltaria a um sacratíssimo dever se não consignasse na respectiva acta um voto de profundo reconhecimento ao Ex.mo Conselheiro Doutor José Luciano de Castro, pela nobre intenção e intemarato espirito de justiça com que se dignou attender as legitimas reclamações dos povos do antigo concelho de Pedrogam Grande, restaurando-o e dando-lhe autonomia de que injustamente tinha sido privado. Egualmete esta camara, no cumprimento do indiclimavel dever que lhe incumbe, em nome dos povos d’esta circunscripção administrativa, protesta ao Ex.mo Sr. Barão do Salgueiro, dignissimo Governador Civil de Leiria, a sua indelével e eterna gratidão pelos inextimaveis serviços que com tão rara dedicação e tão desvelado empenho, S. Ex.ª prestou á causa da restauração do antigo concelho de Pedrogam Grande, e para perdurável recordação dos benefícios feitos por S. Ex.as a este concelho determinar que o Largo da Deveza d’esta villa passe a ser denominado - «Largo do Conselheiro José Luciano de Castro» - e o do Adro - «Largo do Barão do Salgueiro» - e finalmente, que ao Ex.mo Doutor Francisco Ferreira Gaspar, dignissiimo facultativo do partido municipal d’esta villa, se patentei a mais eterna gratidão, por se haver mostrado até á evidencia que foi elle quasi o único que n’este concelho trabalhou com verdadeiro afinco para se conseguir a mencionada restauração d’este concelho» (Ibidem, edição n.º 171, de 19 de maio de 1898). Apesar de todos os protestos movidos pelos Figueiroenses contra a nova divisão administrativa de 1898, não foram atendidas as suas aspirações de continuarem a ser um concelho composto por oito freguesias, ficando reduzidos a apenas quatro, nomeadamente Campelo, Arega, Aguda e Figueiró dos Vinhos. Pedrógão Grande conquistava assim, nesse ano, a sua autonomia concelhia, sendo constituído pelas freguesias de Castanheira, Coentral, Graça, Vila Facaia e Pedrógão Grande. Todavia, anos mais tarde, e por questões de desforra política, o concelho de Figueiró dos Vinhos viria a ser um apoiante incondicional da autonomia de Castanheira de Pera, que viria em 1914, a ascender a concelho, desanexando-se do então concelho de Pedrógão Grande.

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