A revitalização como elemento de sustentabilidade da paisagem urbana: o caso do Corredor Cultural do Rio de Janeiro

September 11, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Arquitectura, Ciências Sociais, Arquitetura, Arquitetura e Urbanismo, Ciencias Sociales, Arquitectura y urbanismo
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A revitalização como elemento de sustentabilidade da paisagem urbana: o caso do Corredor Cultural do Rio de Janeiro Irma Miriam Chugar Zubieta1 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil)

Este artigo analisa a importância da preservação, revitalização e renovação de centros históricos. O objetivo é traçar uma leitura das transformações da paisagem urbana a partir de novas abordagens, que promovem o respeito às preexistências ambientais, à cultura e aos universos sociais urbanos. A área de estudo abrange o Corredor Cultural situado no Centro da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. A metodologia se fundamenta no método de observação e análise. O estudo apresenta uma descrição da evolução e contextualização histórica a partir das fontes de dados bibliográficos e periódicos. As observações incorporadas precederam as etapas de levantamento fotográfico, conforme a estratégia metodológica proposta. Consideramos que a integração da diversidade de atores sociais foram os principais instrumentos reguladores do planejamento da área central. Como conseqüência da implementação do projeto estão a revitalização econômica e comercial e a revalorização histórica de áreas decadentes e a atração de visitantes e turistas às áreas centrais. Como conseqüência indireta, destaca-se a reabilitação do uso residencial, considerado fundamental para a vitalidade de um lugar. This article examines the importance of historic centers’ preservation, revitalization and renovation. The goal is to draw a reading of the transformations of urban landscape from new approaches that promote respect for the preexistence of environmental, cultural and urban social worlds. The study’s area covers the Corredor Cultural located in the City of Rio de Janeiro, Brazil. The methodology is based on the method of observation and analysis. The study presents a description of the evolution and historical background from the sources of bibliographic data and periodicals. The comments preceded the steps incorporated photographic survey, as the methodological strategy proposed. We believe that the integration of diverse social actors were the main regulatory instruments of central planning. As a result of project implementation is the commercial and economic revitalization and upgrading of historical run-down areas such as attracting visitors and tourists to central areas. As an indirect result, stands out the rehabilitation of residential use, considered to be fundamental to the vitality of a place. Palavras-chave: Paisagem urbana, revitalização, Rio de Janeiro. Key words: Landscape; revitalization; Rio de Janeiro.

1 Arquiteta, M Sc., Investigadora e Doutoranda do PROARQ/FAU/UFRJ (Programa de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro) - Bolsista do CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior). [email protected]

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INTRODUÇÃO O centro da cidade é parte da historia viva que transmite emoções através dos monumentos que são verdadeiros tesouros conservados do passado. Portanto, é importante prever um tratamento especial nas intervenções urbanas; buscando sempre caminhos de renovação com respeito ao lugar e à preservação de sua historia e sua memória, para manter da forma mais fiel possível a paisagem urbana da cidade, através de uma restituição a sua condição original ou revitalização, reinterpretando e conferindo-lhes novos significados. Conforme Aldo Rossi (1995), o “processo dinâmico da cidade tende mais à evolução do que à conservação e que na evolução os monumentos se conservam e representam fatos propulsores do próprio desenvolvimento” (ROSSI, 1995, p. 57). Deste modo, os centros urbanos para as futuras gerações devem ser construídos revitalizando a cidade do passado de forma contínua, para conseguir um desenvolvimento sustentável, conservando a paisagem natural e mantendo o patrimônio arquitetônico. As propostas sustentáveis são integradas e estratégicas, deste modo, para construir uma cidade sustentável “devemos levar em conta também como os homens se orientam na cidade, à evolução e à formação de seu sentido do espaço”. (ROSSI, 1995, p. 22). A persistência de uso e identidade visual da paisagem urbana, como a apropriação de suas formas e espaços pelo coletivo social, é representativa de uma significada cultura, como afirma Rossi, (1995, p. 23) - “só é artisticamente importante o que pode ser abarcado com o olhar, o que pode ser visto; logo cada rua cada praça” - portanto, a gestão da preservação e a revitalização como elementos de sustentabilidade, significa a renovação dos centros históricos sem agredir a paisagem urbana.

CONCEITUAÇÃO Paisagem, definida como valor ambiental com a premissa de que a manutenção de padrões estéticos no cenário urbano encerra inegável interes por relacionar-se diretamente com a qualidade de vida e com o bem-estar da população. Segundo Milton AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Santos “a paisagem é um conjunto de formas, que num dado momento exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza” (SANTOS, 2002, p.103). Entretanto, José Afonso da Silva (1999) afirma que a paisagem urbana “é a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes” em sua opinião “a boa aparência das cidades surte efeitos psicológicos importantes sobre a população, equilibrando pela visão agradável e sugestiva de conjuntos e elementos harmoniosos, (...)”. (SILVA, 1999, p. 97). Sustentabilidade é um conceito sistêmico, relacionado à continuidade que atinge diversos pilares2 de uma sociedade e abrange vários níveis de organização, desde a vizinhança local até o planeta inteiro. Segundo o Relatório de Brundtland (1987), “sustentabilidade é a que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de que as gerações futuras possam atender as suas próprias necessidades”3. Assim, sustentabilidade seria a promoção de empreendimentos de qualidade para os indivíduos e para o ambiente, sem esquecer os quatro requisitos básicos: ser ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo e culturalmente aceito, tanto para a atualidade como para um futuro indefinido. Revitalização urbana, é atribuir uma nova vida à cidade; Conforme Yazigi (2006) “A revitalização, por conservar estruturas pré-existentes, tem muito de preservação física, mas poderá também significar a etapa de um amplo processo de requalificação4 do todo urbano (...)” (YAZIGI, 2006, p. 22). Seu objetivo é a re-significação do passado em relação ao presente, e a recuperação da tradição através da memória coletiva, implicando em um desenvolvimento respeitoso e integrado as estruturas físicas préexistentes e aberta às características intrínsecas a contemporaneidade (DEL RIO; OLIVEIRA, 1996).

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Econômicos, sociais, culturais e ambientais. Tradução da autora. 4 È a atribuição de uma nova qualidade urbana. 3

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A metodologia empregada para o estudo do recorte urbano se fundamenta no método de observação e análise. “A analise morfológica espacial tem com meta conhecer o ambiente construído, (...) sua evolução, as transformações físicas decorrentes de processos urbanísticos e as alterações espaciais e sociais ao longo de seu desenvolvimento” (ALCÂNTARA, 2008, p. 72). O trabalho foi desenvolvido em duas fases: de observação direta, utilizando a técnica de registro fotográfico para aprender tanto o conjunto da paisagem urbana, quanto às tipologias arquitetônicas das edificações e seu entorno; e pesquisa bibliográfica, para identificar os aspectos históricos e de evolução urbana. O recorte urbano em estudo abrange a área do Corredor Cultural, situada no centro da cidade de Rio de Janeiro.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA E TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM No final do século XVIII, a cidade do Rio de Janeiro possuía cerca de 48.000 habitantes5. Em 1808, quando a Família Real desembarcou na cidade, a população era de 50.144 habitantes, os efeitos desses assentamentos inesperados e do novo modo de vida trazido pela Corte promovem o inicio de um processo de reestruturação espacial. Como consequência, “(...) a instalação da corte rompeu o equilíbrio da cidade. Em menos de duas décadas, a população do Rio de Janeiro praticamente duplicou, passando a 100.000 habitantes, aproximadamente em 1822 e atingindo 135.000 em 1840”. (GRUPO EXECUTIVO DE ESTUDOS DOS PLANOS URBANOS, 2008 p. 92). Foram construídas 600 casas e abertas 100 chácaras. Também foram reformados prédios antigos para receber a nova população. Foi estendida a iluminação pública feita através de azeite de peixe, a área aterrada foi ampliada, e se deram inicio à abertura de novas estradas, e ao melhoramento do calçamento de outras vias.

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GRUPO EXECUTIVO DE ESTUDOS DOS PLANOS URBANOS, 2008.

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Século XIX As intervenções urbanas ocorridas nesse século podem ser distribuídas por três períodos: o primeiro de 1808 a 1850; o segundo de 1850 a 1876 e o terceiro de 1876 a 19086. O marco inicial é representado pela chegada de Don João VI e de sua corte ao Brasil, quando a cidade assume novos estatutos, como sede temporária da metrópole portuguesa. No intuito de dar solução aos problemas urbanos, neste período foram desenvolvidos três documentos: o primeiro documento oficial propositor de modificações no espaço urbano é formulado em 1843 por Henrique de Beaurepaire Rohan, então Diretor de Obras Municipal, e intitulado Remodelação do Rio de Janeiro; o segundo elaborado pela comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro, do Ministério do Império, é realizado em dois relatórios, que datam de 1875 e 1876; e o terceiro constituiu o plano do governo Rodrigues Alves/Pereira Passos, apresentado nas mensagens do prefeito ao Conselho Municipal entre 1903 e 1906, tratando das intervenções propostas e realizadas pelo governo central e a municipalidade (GRUPO EXECUTIVO DE ESTUDOS DOS PLANOS URBANOS, 2008). A proposta do relatório Beaurepaire era conceber um novo desenho para uma nova cidade, criando uma malha articulada para melhorar a circulação viária, o ordenamento do espaço e a adequação da infra-estrutura, tendo por objetivo a cidade consolidada e não a cidade futura, desta forma ficando restrito apenas ao território ocupado.

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Idem.

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Fig. 01: Século XVIII Fig. 02: Século XIX A evolução da cidade de Rio de Janeiro - Área do Corredor Cultural Fonte: Instituto Municipal de Arte e Cultura, 2002.

O Rio de Janeiro no segundo período de 1850-1870 Na segunda metade do século XIX a estrutura espacial da capital de Rio de Janeiro sofre uma significativa transformação pela execução de inúmeros aterros e a expansão do transporte coletivo - o trem e o bonde. Na década dos 60 na área central da cidade se complementam os serviços de infra-estrutura urbana - iluminação a gás, esgoto sanitário, rede domiciliar de água e limpeza pública. Caracterizada como cidade portuária e maior centro financeiro nacional, o Rio de Janeiro concentra na área central da cidade, funções predominantemente terciárias - comercio e serviços - e um significativo adensamento populacional em razão da existência de mão-de-obra barata, resultado da migração interna vinda de áreas degradadas da produção cafeeira, e da imigração de trabalhadores estrangeiros não qualificados. Sem poder de mobilidade, a população livre, migrante ou escrava, se tornou dependente da moradia localizada no centro da cidade e, pela falta de recursos econômicos passam a ocupar os cortiços, lugares vistos pelas autoridades como focos de proliferação de epidemias. Para combater essa epidemia foram tomadas medidas saneadoras, algumas das anteriormente sugeridas no Relatório Beaurepaire, como a canalização das águas do Rio Maracanã e em 1850, a transferência, do matadouro da cidade da Rua Santa Luzia para as proximidades da atual Praça da Bandeira. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Na freguesia da Candelária onde se encontravam localizadas as casas comerciais, os consulados, os bancos e as companhias de navegação, algumas das ruas passaram a serem calçadas com paralelepípedo. Em 1876 com o aumento da população e a facilidade de transporte - com a estrada de Ferro Don Pedro II e os trilhos urbanos - a cidade se foi expandindo ainda mais, dando lugar a formação de novos bairros. 3° período 1876 a 1908 As intervenções urbanas deste período foram: a abertura de uma rua larga nas margens do litoral, desde a estrada de ferro Dom Pedro II até Botafogo, e do outro lado, até São Cristóvão, isto visando facilitar o comércio de importação e exportação concentrado na área entre a Praça Don Pedro II e a Saúde. Por outro lado existia uma proposta para a implantação de uma estação marítima objetivando desafogar as ruas por onde transitavam as mercadorias em pesados veículos. Também foram ratificadas as propostas segundo as quais parte dos terrenos a serem aterrados sobre a margem esquerda do prolongamento do canal seria utilizada para este fim, deslocando parte do comércio, e aliviando o centro da cidade do grande movimento de carroças. Em 1880, surgem duas novas ferrovias, que contribuem para o desenvolvimento de áreas mais afastadas, a estrada de Ferro Rio D’Ouro, passando pela Quinta Imperial do Caju. Posteriormente, em 1881, é transferido o matadouro público de São Cristóvão para Santa Cruz. Com o processo de crescimento populacional acelerado, o problema habitacional se foi agravando, aumentando o adensamento das moradias precárias, estalagens e cortiços. Para restringir a proliferação, a política governamental regulou a reforma dos cortiços existentes, bem como a edificação de habitações semelhantes. Em 1889 com a proclamação da república, o Rio de Janeiro passa de Município Neutro a Distrito Federal, sede do governo republicano. Em princípio se promove a renovação dos contratos das companhias de bondes, ainda de tradição animal; se expande a linha que parte da Rua Gonçalves Dias até a Praia Vermelha e a inauguração do ramal para Copacabana. Em 1892 foi aberto o Túnel Barroso - atual túnel Alaor Prata - ligando a Rua Real Grandeza à Rua Barroso (atual Rua Siqueira Campos). Foi inaugurado também o primeiro bonde elétrico partindo do Largo da Carioca até o Largo de AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Machado. Esse sistema de administração perdurou até a promulgação da Lei Orgânica do Distrito Federal7 quando a cidade passa a ter um Conselho Municipal eleito. Logo de assumir o governo, o novo prefeito da cidade começou seu mandato combatendo os cortiços; define a implantação do afastamento das construções novas em relação ao alinhamento projetado das ruas; determina o concerto dos prédios e a interdição dos que se apresentam em ruínas ou más condições higiênicas; e por fim inicia o contrato para o levantamento da carta cadastral da cidade. Século XX A cidade do Rio de Janeiro a inícios do século XX apresentava uma série de problemas, em parte originários da industrialização e urbanização incipiente. A classe política republicana visando difundir no território urbano a idéia de modernidade, pautadas em experiências européias, impõe mudanças na cidade, sugerindo a ampliação e embelezamento, a fim de serem usufruídos por uma população de novos hábitos e atitudes. (GRUPO EXECUTIVO DE ESTUDOS DOS PLANOS URBANOS, 2008). Assim, na primeira década do século XX, a cidade sofre intensos processos de transformação com grandes obras públicas de saneamento e embelezamento, de ampliação do porto, e de melhorias nos sistemas de circulação e transporte público. Com inspiração haussmaniana e total apoio do governo federal o prefeito Pereira Passos apresentou propostas de intervenção de grande porte para a cidade, tratava-se de uma reforma urbanística que contemplava um conjunto de obras públicas, concebidas em mais de trinta anos. Seu empenho na modernização da capital do país e a construção de uma nova imagem internacional eram para fazer frente a sua maior rival, Buenos Aires. As obras de saneamento e ações de saúde pública buscavam a erradicação das doenças endêmicas - como o tifo - cujas epidemias dissipavam a população e assustavam o comercio internacional. O modelo cosmopolita internacional se imponha exigindo a transformação da antiga morfologia colonial numa metrópole, à semelhança dos grandes centros urbanos da Europa e dos Estados Unidos, através de uma reorganização espacial que refletisse a 7

No. 85, de 1892.

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nova lógica capitalista e permitisse a consolidação do capital imobiliário. Assim, a abertura de novas avenidas foi configurando novos eixos e novas acessibilidades, dentre elas a Avenida Central - atual Avenida Rio Branco - que desde 1912 até fins de século foi o coração de negócios da cidade. Nessa época, o alargamento das vias principais, a demolição e substituição dos antigos casarios, a expansão residencial ao longo da faixa litorânea e o surgimento de edifícios e monumentos arquitetônicos ecléticos, transformaram a cidade nos moldes da belle epoque parisiens. Em 1920, com a chegada da era industrial, se deu inicio à renovação do Centro da cidade para o Centenário da Independência, e a construção da exposição Internacional de 1922. Assim, foram erradicados vários morros e eliminados o bolsão de baixa renda sobrevivente das reformas anteriores. O morro do Castelo - marco de fundação da cidade - foi inteiramente arrasado e deu lugar à esplanada do Castelo. Hoje essa esplanada é ocupada segundo o projeto do Plano Agache, feito em 1930 como o primeiro Plano Diretor da cidade, tendo como inspiração a tradição beaux-arts. O Plano Agache propunha uma capital monumental, funcional e eficiente; buscava transformações sociais através da remodelação física, da criação de novos subúrbios jardim e a divisão da cidade em zonas determinadas. Apesar de que nunca foi totalmente implantado, o plano motivou a construção de um novo setor comercial no centro da cidade, que ainda hoje permanece na legislação de uso do solo, bem como na tipologia e na volumetria dos quarteirões, influenciados nas transformações e na verticalização que se seguiu. Na década seguinte, foi aberto um novo eixo monumental a Avenida Presidente Vargas - dando lugar à demolição de uma faixa de dois quarteirões e mais de três quilômetros de extensão, como conseqüência ficaram expulsas inúmeras famílias de baixa renda à periferia da cidade. Embora o Centro do Rio de Janeiro possuísse estruturas arquitetônicas e urbanísticas consolidadas no inicio dos anos 50 os efeitos do crescimento da cidade foram sentidos, particularmente com a expansão do mercado imobiliário. De 1950 a 1960 foram marcados por decisões relativas à engenharia de transportes, particularmente através da priorização do automóvel em detrimento do pedestre - alargamento de ruas, calçadas estreitadas, novas vias expressas, avenidas e viadutos - transformando de forma violenta AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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o tecido urbano tradicional. Os anos 70 foram marcados pelas grandes obras para a construção do metrô, que embora subterrâneo, provocaram a reurbanização de diversas áreas no centro da cidade. Desta forma a lógica modernista permaneceu durante todo o período da ditadura militar.

Fig. 03: Inicio do Século XX Fig. 04: Meados do Século XX A evolução da cidade de Rio de Janeiro - Área do Corredor Cultural Fonte: Instituto Municipal de Arte e Cultura, 2002.

Por outro lado, o progressivo abandono do centro da cidade pela população burguesa desde o inicio do século XX, deixou para trás um vasto patrimônio edilício, dando lugar assim, a um processo de deterioração destes imóveis. Seu consequente esvaziamento e desvalorização se deram por não mais atenderem às demandas mais favorecidas que buscavam novas localizações (VILLAÇA, 1998) e por não mais se adequarem ao funcionamento preconizado pelo modernismo.

O CORREDOR CULTURAL O projeto do Corredor Cultural foi concebido em fins da década de 1970 e inicio de 1980, num momento histórico de retorno à democracia e fim do regime militar imposto no país desde 1964. Assim, através de seus movimentos sociais a população e a imprensa com maior liberdade de expressão, pressionaram aos governantes a agirem contra os agressores e aos excessos da urbanização e da indústria imobiliária. (ALCÂNTARA, 2007). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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Para tanto, em 1979, uma equipe de planejadores da prefeitura que inventariava o patrimônio edilício e que resistia a renovação urbana propôs o Projeto Corredor Cultural. Primeiro projeto de revitalização para o centro de forma pioneira e integrada, que tentava conciliar a preservação do patrimônio histórico e cultural, à recuperação ou renovação de bens arquitetônicos e urbanísticos, bem como a revitalização social e econômica.

Fig. 05: Limites do corredor cultural Fonte: Instituto Municipal de Arte e Cultura, 2002.

Desta forma o Corredor Cultural foi dividido em quatro áreas conforme se observa na figura 05: Lapa/Cinelândia, Praça XV, Largo de São Francisco e imediações e do SAARA8, as quais estão interconectadas através de corredores de circulação. As quatro áreas em questão apresentam limites, seja em relação a seus usos, atividades, arquitetura e/ou ambiência.

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Sociedade dos Amigos dos Arredores da Rua da Alfândega

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Fig. 06: Inicio do século XX Fig. 07: Vista Atual Fonte: Instituto Municipal de Arte e Cultura, 2002 Foto tomada pela autora em 24.04.09 Largo da Lapa antes e após a redefinição do traçado viário

Na figura 06, se observa a paisagem urbana da Lapa a inícios do século XX, e a figura 07 nos mostra a transformação da paisagem urbana ocorrida até a primeira década do século XXI. Em 1995, foi reurbanizada com um traçado viário reestruturado para melhorar e ordenar o fluxo veicular, por outro lado o Largo da Lapa (Fig. 07) foi requalificado paisagisticamente com palmeiras imperiais, e uma ampla praça com anfiteatro enfrente aos arcos monumentais, considerados cartão postal da cidade.

Fig. 08: O Largo da Lapa e imediações, (R. Visconde de Maranguape, Arcos da Lapa e Av. Men de Sá) Fotos tomadas pela autora em 24.04.09

A permanência da função residencial nos arredores do Centro, ainda sobrevive. No entanto, os ambientes do pavimento térreo com vista à rua foram destinados ao comercio. As lojas funcionavam como comércios de gêneros alimentícios e atividades

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artesanais, mas a os poucos vêm sendo substituídas por pequenas e medias oficinas, como mostram as figuras acima. As características formais dos sobrados antigos induziram a sua transformação em pequenos hotéis, restaurantes, bares, academia de dança e/ou antiquários. Como se observa na figura 08, especificamente na Avenida Men de Sá, as edificações encontram-se revitalizadas, entretanto existem de forma pontual prédios em ruínas, como se observam sobre a Rua Visconde de Maranguape.

Fig. 09: Inicio do século XX Fig. 10: Vista Atual Fonte: Internet, acessada em 24.05.09.

A Cinelândia apresenta uma volumetria diversificada com edificações em altura mais elevada, gerando variação no conjunto da área e seus arredores (Fig. 10) para decrescer progressivamente, com algumas exceções, até chegar ao relógio da Glória. A fisionomia assumida pelas diferentes partes desta área e também determinada pelo tipo de atividades instaladas em cada uma delas.

Fig. 11: Inicio do século XX Fig. 12: Vista Atual Fonte: Internet, acessada em 24.05.09 Praça XV de Novembro, antigo largo do Paço.

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A Praça Quinze de Novembro - atual denominação para o antigo largo do Paço configura uma área intensamente urbanizada. O lugar, que já foi palco para importantes eventos como a chegada da família real no inicio do século XIX, possuí uma significativa presença de marcos e edifícios que remontam aos períodos, colonial e republicano da evolução da cidade. A intensa presença destes monumentos, mesmo de forma descontínua, dá certo tom de nobreza a este local. Os modernos edifícios de alto gabarito, localizados na periferia da área, definem visualmente seus limites. Este ambiente urbano tem um valor paisagístico determinado por amplos espaços sem edificações e pela presencia do mar.

Fig. 13: Inicio do século XX Fig. 14: Vista Atual Fonte: Instituto Municipal de Arte e Cultura, 2002. Foto tomada pela autora em 24.04.09 Sobrado na Rua Senhor dos Passos com Tome de Souza (SAARA)

O Largo de São Francisco e o SAARA são duas áreas marcadas pelas características arquitetônicas, ambientais e funcionais. O SAARA apresenta um ambiente repleto de significados e onde acontecem diversas atividades, com vida e cor ao nível da rua. Formalmente apresenta uma volumetria homogênea, como resultado da persistência do conjunto arquitetônico do inicio do século XX caracterizado por sobrados ou construções de dois e três pavimentos de estilo eclético. A regularidade de seu traçado corresponde à divisão das quadras em lotes estreitos e de grande profundidade.

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Figs. 15: Rua Senhor dos Passos e Alfândega – O coração do SAARA Fotos tomadas pela autora em 24.05.09

Nas ruas da Alfândega e Senhor dos Passos - o coração do SAARA - a tipologia predominante é o eclético, a maioria dos edifícios foram construídos a inícios do século XX, entretanto muitos dos andares superiores dos sobrados permanecem como depósitos outros até vazios e fechados. De forma geral, na área que abrange o Corredor Cultural se observam características homogêneas. O gabarito das edificações é predominante baixo, variando de dois a três pavimentos em média; os prédios do início do século XX correspondem ao estilo eclético, mas também podem ser observados exemplares do art-decô, outros cujas fachadas foram modernizadas com materiais que cobrem os ornatos e elementos artísticos. Há ainda alguns casos de edificações que foram revitalizadas, porém não foram recuperados seguindo os parâmetros do projeto, já outros que foram totalmente descaracterizados. Além disso, existem edifícios degradados ou em ruínas que, precisam ser recuperados e revitalizados.

A REVITALIZAÇÃO DE CORTIÇOS PARA USO HABITACIONAL A preservação e revitalização de cortiços para o uso habitacional, no incluía no projeto do Corredor Cultural, desse modo a ausência da população residente representou por muitos anos, o quase total esvaziamento fora do horário comercial. Recém, em janeiro de 1994 a ação governamental, através do Decreto de 2002 estabeleceu a modificação das condições de uso e ocupação do solo no Centro e adjacências da cidade, permitindo AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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e incentivando novamente o uso residencial, com objetivo de atrair atividades comerciais e de serviços com funcionamento permanente. Posteriormente o Decreto foi estimulado pela Secretaria Municipal de Habitação em parceria com a Caixa Econômica Federal para reutilização do patrimônio existente, no intuito de motivar novas atividades através da produção habitacional. Desta forma criou-se o programa, Novas Alternativas com o propósito de desenvolver um projeto inovador para reabilitar edifícios considerados patrimônio cultural da cidade destinado à habitação social. A proposta tinha como foco a recuperação de edifícios desocupados, degradados e vazios urbanos, como o aproveitamento da infra-estrutura existente. Assim, a recuperação do centro histórico acabou por melhorar também a paisagem urbana da cidade. Conforme afirma Solange Amaral (2000), a reabilitação urbana tem como objetivo requalificar a cidade a partir de intervenções múltiplas destinadas a valorizar suas potencialidades sociais, econômicas e funcionais, com o intuito de melhorar a qualidade de vida da população residente, mantendo assim a identidade e as características originais da cidade. (AMARAL, 2000).

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇOES FINAIS O centro do Rio de Janeiro é o resultado de quase quatro séculos de historia. Ao longo deste período, as sucessivas transformações urbanas decorrentes da expansão da cidade modificaram suas ruas, sua arquitetura e até seu perfil natural. Assim as diferentes épocas deixaram seu registro presente através dos estilos arquitetônicos, característicos de cada época. Neste espaço urbano, os edifícios modernos e os prédios antigos, as amplas avenidas e as estreitas ruas de pedestres convivem e se articulam, oferecendo uma viva documentação da história carioca. O Corredor Cultural foi regulamentado pelo Plano de Preservação Paisagística, Ambiental e Cultual para as áreas consideradas de interesse histórico e arquitetônico localizado no centro da cidade. O projeto propõe através de sua legislação e normas, proteger o conjunto arquitetônico antigo e orientar a inserção das novas construções com a participação da população na concretização dos projetos. Os projetos AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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desenvolvidos nesse âmbito foram transformando a paisagem urbana, resgatando as referências sociais, culturais e arquitetônicas como pontos de partida do processo de renovação respeitando assim a identidade da ambiência e a memória da cidade, além de valorizar as características arquitetônicas. O Desenvolvimento urbano sustentável se materializa num conjunto de obras, no entanto, só se constrói a cidade sustentável respondendo a um projeto global com mecanismos mais participativos, eqüitativos, transparentes e dando resposta as atuais e futuras gerações (RUANO, 1999). Portanto consideramos que as constantes transformações da paisagem urbana no centro histórico do Rio Janeiro têm acarretado inúmeros problemas tanto morfológicos quanto ambientais. A paisagem como elemento de sustentabilidade significa a gestão desta paisagem para que ela seja revitalizada e conservada com o cuidado necessário, sem agredir a mesma. Por outro lado a gestão da paisagem deve ser vista como um instrumento de planejamento territorial. O pressuposto para ter a gestão da paisagem como instrumento efetivo se dará através da integração das políticas setoriais. Segundo Barbosa esta integração consiste na dimensão da sustentabilidade que se refere às formas de participação nas políticas públicas tendo em vista o processo de construção da cidadania e a inclusão social nos programas de desenvolvimento. “A criação de um ambiente mais propicio à vida e intencionalidades estéticas são as características estáveis da arquitetura” (ROSSI, 1995), portanto para preservar o centro histórico, é importante buscar caminhos de renovação e impedimento da degradação das edificações de maneira cautelosa e planejada, como premissa para o melhor desenvolvimento urbano.

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AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 5, nov 2013

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