A revolucao dos anoes livro

July 24, 2017 | Autor: Maurini Souza | Categoria: Bertolt Brecht, Teatro, Teatro Politico
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PERSONAGENS 1 Branca dos anões" nos de Neve A peça "A Revolução remete às grandes linhas 2de pensamento sobre o teatro no Ocidente. Leva-nos, sobretudo, Cinderela a 3Bertolt Brecht e Príncipe Encantado Antonin Artauld, no que tange à postura crítica daII 4direção da peça e de como tanto o espectador e atores se portam Madrasta ao 5recepcionar e interpretar a performance. Em tempos pós-modernos Espelho 6em que somos instados Príncipe a consumir produtos Encantado e serviços de modo I 712 gratuito, leviano e buscando somente o entretenimento vazio de 7sentido, Maurini de Souza e seus anõespupilos nos brindam com umMestre, teatro Soneca, Dunga, que nosFeliz, na contra mão, Zangado, um teatro crítico,Dengoso, um teatro desagradável faz Atchim sair da zona de conforto e verificar as mazelas sociais e pensar em agir 13 Fada Madrinha para a mudança. 14 Burguesia 15 A peça também nos leva a pensar que fora das molduras João dos 16 Robespierre (Büchner) discursos ideológicos e da sociedade do consumo de bens e serviços 17 (Büchner) que a tecnologia burguesa eCarcereiro capitalista nos oferece, podemos encontrar 18 Billaudse quebrou por um ato da nobreza (Büchner) uma saída. A moldura do espelho e 1923 pode haver mais caminhos a seguir à medida que estamos, talvez, soltos 5emouum 6 Atores doscom intervalos....´´UAlessandra (Branca Neve) universo mais alternativas. Vale a Santos pena ver e ler adepeça "A Bom, eu realmente não sei por onde começar... Da mesma forma, não revolução dos anões". sei quando comecei no Revanche, simplesmente aconteceu. Na primeira peça, como quem não quer nada, eu estava sempre em volta, carregando cenário, ajudando na maquiagem, acompanhando os ensaios e, finalmente, no grande dia, com a função de ponto, atrás das cortinas. Achei o máximo ver meus atuando perfeita Profa.colegas Dra. Angela MariatãoRubel Fanini, e profissionalmente e decidi continuar por perto do grupo, com asCuritiba. minhas UTFPR, Campus habilidades de contra-regra sempre à disposição. Foi aí que a professora Maurini me surpreendeu com o papel da Branca de Neve. Relutei no início, pois fiquei com medo de assumir tamanha responsabilidade, a de tentar atuar ao lado de tão bons atores – A exceção e a Regra foi maravilhosa, um excelente espetáculo. - Acabei

sendo convencida e, desde então, amando a experiência de estar em cima do palco. Medo, frio na barriga, excitação, alegria e muito mais de um a vez só. Do começo ao fim da encenação. Foi um turbilhão de emoções que só pude sentir quando as luzes estavam sobre mim e dezenas de pessoas em silêncio prestavam atenção em todos meus gestos, movimentos e palavras. Foi maravilhoso. E é incrível saber que temos esse vínculo tão forte, depois de passar tanto tempo ensaiando, se ajudando, rindo e, às vezes, até brigando. Enfim, agora TEXTO não dá mais para sair porque como Maurini de Souza todos sabem, quem foi princesa, nunca perde a alteza... Obrigada a todos que fizeram e fazem parte dessa parte de mim que é MÚSICAS atriz.

A Revolução dos anões Juliano Ribeiro

FOTOGRAFIA Leticia Maldaner

A Revolução dos anões TEXTO Maurini de Souza MÚSICAS Juliano Ribeiro FOTOGRAFIA Leticia Maldaner

FICHA CATALOGRÁFICA SOUZA, Maurini (texto), RIBEIRO, Juliano (músicas), MALDANER, Letícia (fotografia). A revolução dos anões. Curitiba:XXXXXX, 201 4.

A Revolução dos anões TEXTO Maurini de Souza MÚSICAS Juliano Ribeiro FOTOGRAFIA Leticia Maldaner

PREFÁCIO A Peça A Revolução dos anões nos remete às grandes linhas de pensamento sobre o teatro no Ocidente. Levanos, sobretudo, a Bertolt Brecht e Antonin Artauld, no que tange à postura crítica da direção da peça e de como tanto o espectador e atores se portam ao recepcionar e interpretar a performance. Em tempos pósmodernos em que somos instados a consumir produtos e serviços de modo gratuito, leviano e buscando somente o entretenimento vazio de sentido, Maurini de Souza e seus pupilos nos brindam com um teatro na contra mão, um teatro crítico, um teatro desagradável que nos faz sair da zona de conforto e verificar as mazelas sociais e pensar em agir para a mudança. A peça foi inaugurada no palco da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e vinculase aos estudos realizados no “Grupo de Pesquisa sobre Trabalho, Tecnologia e identidades nacionais”, sendo, portanto, fruto de fazer universitário. Esse trabalho, no entanto, dá-se no sentido de problematizar as relações sociais e, mormente, os discursos, a fim de mostrar que é possível outra alternativa para a nossa sociedade, instaurando-se apeçacomo umdiscurso parao ato de alteração social. Falamos em discursos porque A Revolução dos Anões recupera uma gama já clássica de discursos e os reinventa à luz da contemporaneidade. É uma peça essencialmente interdiscursiva que recupera grandes obras ocidentais para com elas encetar um diálogo crítico a fim de jogar luz sobre o contexto imediato em que vivemos. Assim, a peça vive ora no contexto de longa duração, dialogando com que ouvimos falar e lemos em contos de fadas clássicos, reinterpretando personagens como Branca de Neve, Cinderela, príncipes encantados, anões, madrastas, fadas e também interage discursivamente com importantes acontecimentos históricos que mudaram o curso do Ocidente como a Revolução Francesa e seus desdobramentos. Porém, não se instaura como um discurso pedagógico e enciclopédico, no

sentido didático estreito que leva o espectador ao tédio, mas inteligentemente, agencia vários expedientes teatrais de desidentificação quebrando a barreira palco/plateia, usando técnicas de interpretação, focando no distanciamento épico, alterando o palco pelos próprios atores, introduzindo a figura do narrador e, sobretudo, utilizandose do humor carnavalizado que possibilita um repensar dos discursos clássicos tanto de ficção quanto históricos sobre nossa realidade. Nesse sentido, a peça foca na crítica discursiva, centrandose na discussão sobre os discursos sociais que nos formam e revelandoos em suas limitações históricas. A peça instaura, assim, um novo discurso a partir do já dito dos contos de fadas e da historiografia das grandes revoluções, mostrando o quanto esses discursos são ideológicos no sentido de mostrar apenas um viés da realidade. A Revolução dos anões lança um olhar sobre o trabalhador na figura dos anões e de como, ao longo da história do Ocidente, o trabalho material tem sido desmerecido e degradado visto que quem está no poder dele apenas se apossa. O período dos anões no poder é julgado como injusto e maléfico, mas, nesse julgamento, a plateia tem a oportunidade de ver que outra sociedade foi e é possível. Entretanto, fica uma ponta de pessimismo crítico quando a personagem burguesia fala de nossos tempos em que a tecnologia e as suas benesses nos arrefecem qualquer projeto de mudança revolucionária, inclusive dos trabalhadores das classes mais humildes: “Também em muitas outras coisas (Solta os cabelos, levanta e deixa que ele sente). Hoje, nosso reino é próspero – primeiro mundo. Temos tecnologia de ponta, armamentos inimagináveis no tempo dos anões, política competente. Não precisamos mais de anões, pois temos máquinas. Bem, alguns anões mais coerentes, aproveitamos em nosso sistema. Mestre e Atchim, por exemplo, trabalham conosco.” Porém, a peca também nos leva a pensar que fora das molduras dos discursos ideológicos e da sociedade do consumo de bens e serviços que a tecnologia burguesa e capitalista nos oferece, podemos encon

-trar uma saída. A moldura do espelho se quebrou por um ato da nobreza e pode haver mais caminhos a seguir à medida que estamos, talvez, soltos em um universo com mais alternativas. Vale a pena ver e lerapeça "Arevolução dos anões". Profa. Dra. Angela Maria Rubel Fanini, UTFPR, Campus Curitiba.

PERSONAGENS 1 Branca de Neve 2 Cinderela 3 Príncipe Encantado II 4 Madrasta 5 Espelho 6 Príncipe Encantado I 7-12 7 anões Mestre, Soneca, Zangado, Dengoso, Dunga, Feliz, Atchim 13 Fada Madrinha 14 Burguesia 15 João 16 Robespierre (Büchner) 17 Carcereiro (Büchner) 18 Billaud (Büchner) 19-23 5 ou 6 Atores dos intervalos.

PRÓLOGO (https://www.youtube.com/watch?v=LDxa9Mac-1I) No palco, uma dançarina, sozinha.Todos os atores entram no auditório, cantando, dos fundos até o palco. Na Pt.1, todos felizes, os nobres na frente, os anões atrás. Os nobres, no decorrer do caminho, vão jogando frutas e flores; os anões, sorrindo, catam tudo o que vai caindo e jogam nas sacolas que carregam. Na Pt.2, depois do grito REVOLUÇÃO. Todos correm, os anões quebram o que está no palco. MÚSICA - Revolução ou Nada (https://www.youtube.com/watch?v=2RF2I1wQcPE) Pt.1 – Grande Terra Encantada Pássaros cantam pelo jardim Harmonia esta no ar Em todo o reino, o povo sorri Problemas aqui não há Princesas vivendo o final feliz Perfeitos como devem ser Todo o tormento deixado pra trás Resta a alegria de viver Grande terra encantada Só do bom e do melhor Ouça essa canção O que diz seu coração agora? Todo o encanto das fadas Magia e amor no ar Ouça essa canção O que diz seu coração agora? REVOLUÇÃO!!!!!

Pt.2 Revolução Vivendo oprimidos, a vida é um castigo pra nós Falta de esperança, alimenta a vingança e traz O desejo pela mudança Queremos vida melhor Portanto, não resta saída Começa a revolução! Tempo de brandir sua espada Mostrar ao mundo o seu melhor Ouça essa canção O que diz seu coração agora? Lutando pela nossa glória Um novo tempo dos anões Ouça essa canção O que diz seu coração agora? Revolução! (Entra Cinderela, roupas de princesa – velhas, surradas varrendo. Olha para o público, joga a vassoura, faz pose de mulher fatal – estilo Marilyn Monroe) Cinderela: Uma barata me ensinou que resistir é viver enquanto se morre. (Encara o público, decepcionada). Não, né. (Faz pose de intelectual, “ajeita” os óculos imaginários, solene) Cinderela: Uma barata me ensinou que resistir é viver enquanto se morre. (Encara o público, decepcionada. Apanha a vassoura, repete a frase, volta à postura inicial varrendo, e, vai saindo de cena. No caminho, pisa várias vezes, como se matando uma barata). Sai..

PRIIMEIIRO ATO (Uma cama. PEII fala enquanto dorme) PEII: (dormindo): Vai, e vai, e Príncipe Encantado II entra no garrafão. É sensacional! É a bandeja e... cesta! (Entra Branca de Neve) PEII: É hoje a definição do campeonato mundial de vale-tudo. O favorito do público? Há, há, há, há BN: (cutucando PEII) Príncipe encantado II, acorda. PEII: E é gooooooool.. É mais um golaço de Príncipe Encantado II, the second, o famoso ‘Pé2’, que define a partida. BN: Ah, meu Deus, filho, acorda logo, vamos. É todo o dia a mesma coisa. (vai para boca de cena enquanto PEII, dormindo, continua a falar.) BN: Ah! Como é diferente do pai! Aquele sim era demais. Mal me lembro, quando aquela cachorra da minha madrasta me enganou com a maçã – também, eu era muito burra, naquela época. Acreditava em divisão de renda, igualdade social, anões e coisa e tal. Mas até que valeu a pena. Se tudo aquilo não tivesse acontecido, eu não teria conhecido o Príncipe Encantado I. O meu amado PE I. Ah, ele adorava quando eu o chamava assim. Depois de todas aquelas festas maravilhosas, cheias de fadas e outros convidados do primeiro escalão – se bem que, naquela época, já alguns membros dos “anões” (blágh) se infiltravam em nosso meio. Coisas do Príncipe, sempre achando que deveríamos ser gratos pela acolhida que aquelas pestes me deram. É, isso que dá gratidão, mas também, se pudéssemos imaginar. Aqueles puxasacos ficavam: Príncipe Encantado I pra cá, Príncipe Encantado I pra lá - ele adorava quando ía-

mos para a varanda – ele nunca foi muito bom de quarto, mas era ótimo de varanda – e pedia para que eu passasse a noite inteira chamandoo de PE1 querido, PE1 amado, ah, era maravilhoso. É verdade, às vezes eu perdia a paciência e começava com PE1 burro, PE1 lento, PE1 brocha... Ah, eu sempre fui um pouco impaciente com ele. É, brocha, mas um verdadeiro príncipe. Príncipe Encantado II não tem nada do pai. Deixa eu tirar esse vagabundo da cama. (volta para o filho) BN: Príncipe Encantado II, larga mão de ser vadio e acorda, filho. Você não está em estádio nenhum, meu amor! Filho, você está em nosso palácio e precisa ir à hípica treinar com nossos cavalos. PEII (acordando, senta na cama, meio sonolento): Ih, mãe, eu que durmo e você que alucina! Que palácio, doida!!! Estamos neste barraco e eu vou pra hípica, mas é porque eu trabalho lá, né, princesa! Esqueceu? Eu lavo os cavalinhos e num treino nada. BN: Ah, mas você não tem nada mesmo de seu pai. Ele sim era um grande cavaleiro... Você precisa ver quando ele chegou lá na clareira da floresta por ocasião de meu enterro. PE II: Ué, você não tava morta? BN: Príncipe Encantado Segundo, você quer ficar quieto e parar de me interromper? PE II: Mas eu não tenho razão, mãe? A vida toda você conta essa história, mas como é que você viu o pai chegando se você tava morta ou encantada, sei lá, não entendo bem essas histórias malucas. BN: História maluca, então não conto. Vê se isso é jeito de falar com sua mãe Príncipe Encantado II.

PEII: E pelo que eu sei, contada pelas meias... BN: Como assim, pelas meias? PEII: Bem, pelo que eu sei, né, quando “ele chegou lá na clareira pela ocasião de seu enterro”, e lhe deu um beijo – sua reação foi impublicável para contos de fada. BN: Como assim? Na verdade, quando ele me beijou, eu abri os olhos, apaixonada, e disse: PEII (levanta, esticando o dedo indicador): É príncipe ou proletário? Porque se for proletário, eu prefiro continuar no caixão. BN: Quem disse isso, menino? Da onde você tirou essa história? No mínimo foi Cinderela, aquela Gata Borralheira!!! Ela inventou essa mentira. Veja só! Minha vida é um livro aberto... PE II: Uma mãe “Branca de Neve” dizer isso pra um filho negro, cujo pai era loiro, é gozação, né. Livro aberto! BN: Seu pai não era loiro! Quer dizer, não era bem loiro; demonstrava que, na família havia pessoas não tão claras. E você é moreno, Príncipe Encantado II, Moreno. Sua pele amorenou por causa desta terra cheia de sol, que amorena as peles. PE II: Só a minha, né, mãe. A sua e a da tia Cinde continuam iguais. Ah, mãe. Se eu sou moreno, Zumbi era japonês. Eu sou um negão. É, pelo jeito, a genética dos plebeus não é tão diferente da dos nobres, não é? BN: Não repita mais isso, ouviu bem, Príncipe Encantado II. Se você é uma aberração , não culpe a nobreza por isso. Você é uma decepção. No lugar de ficar feliz por seu sangue nobre, superior ao desse povo

vulgar, acusa sua mãe de relacionamentos escusos. Mais parece filho da Cinderela, que sempre foi virada. PE II: É, o príncipe da tia Cinde que o diga, né. Cortaram a cabeça dele na guilhotina – essa história não se conta para as crianças, né, mãe? BN: Mas como você brinca com uma catástrofe dessas? A revolução dos anões não deve ser contada nem para crianças nem para ninguém. É a vergonha de nosso povo. E justo eu, que vivi na floresta, com eles, concedendo-lhes o privilégio de hospedar uma princesa... tive que fugir despenteada e com apenas uma pequena caixa de roupas – que eu própria carreguei. PE II: Ué, e papai? BN: Ah, seu pai era um nobre no mais total sentido da palavra! Isto é, totalmente inútil. Ele seguia à minha frente, altivo, como seu fosse dar uma volta em seu cavalo. Ao entrar na condução que nos traria para cá... PE II: Ah, o navio? BN: Na verdade, era uma embarcação marinha. PE II: ‘Ces vieram num bote, mãe? Que decadência! BN: Uma embarcação pesqueira. Ah, filho, sua sorte foi ter nascido depois. Acredito que você é assim, rebelde, devido ao sofrimento que passei naquela viagem fétida. PE II: Põe fétida nisso, hein? Chegou aqui cheirando a sardinha... BN: Bacalhau, príncipe encantado, bacalhau. Por favor, não piore a situação que já era trágica.

PE II: Mãe, mas na verdade, como é que foi essa história, hein? A tia Cinde vive dizendo que a senhora sempre dá uma desvirtuada nos fatos. BN: Ah, Cinderela, Cinderela!!! (entra Cinderela, estava fazendo faxina) Cinderela: Alguém me chamou? PE II: Iche! Ta parecendo Fada Madrinha. A gente chama, aparece. Cinderela: Ah, nem brinque com isso, Pé2. BN: Príncipe Encantado II, Cinderela. PE II: Ah, mãe, não encana... Cinderela: Minha criança, se eu tivesse um pingo do brilho que a Fada Madrinha tinha. Quando ela entrava nos ambientes, era como se a luz tivesse entrado... BN: E morrer naquela prisão fétida... PE II: Como foi, mesmo, que ela morreu? BN: Suicidou-se nos porões do castelo durante o “governo” fétido daqueles anões que Cinderela tanto defende. Cinderela: Porões construídos pelos avós de nossos maridos e mantidos por nós, Branca. BN: Não comece, Cinderela. PE II: Péra aí, começa sim. Gente, isso aconteceu há tanto tempo, tão poucos de nós sobrevivemos, se eu não souber da história verdadeira, ela vai se perder...

BN: Pois tem mesmo que se perder, essa tragédia horrenda. Mas a história há de julgálos. PE II: Não dramatiza, mãe. A história somos nós. BN: Você não imagina o que aconteceu, filho. PE II: Imagino, sim, mãe. Às vezes, à noite, fico imaginando coisas, que, com certeza, são muito loucas, talvez até mais terríveis do que realmente aconteceram. Cinderela: É igual quando a gente lê um livro e depois vê o filme, né? É muito mais cruel... BN: Cinderela, essa é batida demais. Cinderela: Ah! PEII: Mas é real, mãe. Eu fico vendo os anões comendo espinafre e ficando fortudos, crescendo e comendo todas as pessoas que vêem pela frente... Cinderela: Nossa, Branca, esse menino é normal? E esse desenho é tão antigo. PE II: E também todos os nobres ficando sem peles, como é o nome disso, quando tiram a pele das pessoas? BN: Eu sou uma princesa e não um dicionário, Príncipe Encantado II. Cinderela: Ela não sabe, sua mãe sempre foi um pouco ignorante: é escalpelar. PE II: Então, todos despelados correndo pelas ruas com medo da cruel-

dade deles. Cinderela: Branca! Você viu o que fez com essa criança, de tanto falar mal dos anões? BN: E ele está errado, Cinderela? Quem imaginou que os anões fariam aquilo? Cinderela: Como nós pudemos não imaginar, Branca! Era óbvio que um dia eles fariam. BN: Nós sempre os tratamos bem! Lembra que Príncipe Encantado I, mais para o final, até os convidava para as festas? PE II: Pô, tia, ponto pra ela. Cinderela: Pra trabalhar, Pé2, trabalhar. No final, como os ministros disseram que o Príncipe precisaria reduzir um pouco os gastos, por causa dos custos da guerra contra a madrasta, ele resolveu “convidar” os anões para servirem a festa. Mas eles não participavam conosco, só serviam. PE II: E eles iam? Por quê? BN: Imagine o privilégio, meu filho, de servir a nobreza... Cinderela: Pela comida, Pé2. No castelo, pelo menos, havia comida. BN: E eles comiam do bem e do melhor. O mesmo que nós... Cinderela: E também dos mesmos pratos. Eles comiam os restos dos pratos das festas. Para quem não tinha o que comer, já era muito. Também, no tempo da guerra, era útil o trabalho na copa, como espionagem para a revolução.

BN: Aquele bando de vagabundos fétidos. PE II: É mesmo, tia, eles não trabalhavam? Cinderela: Passavam o dia todo nas minas. Ou nos campos, plantando. PE II: Mas também iam para casa: “Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou... parará timbum, parára timbum”. Disso eu sei, né, mãe. Cinderela: Das 5 da manhã até o sol se pôr, eles trabalhavam nas minas. PE II: Cruel, hem. BN: Olha aqui, Cinderela. Se você quer contar essa história fétida e deturpada para essa criança, tudo bem. E se ele quer ouvir essa versão desgarrada... Eu não vou dizer nada. Mas não estarei presente para compartilhar desse crime contra a mais bela história da humanidade: a das fadas, príncipes (chorando), e princesas (sai chorando). PE II: A mãe surta, né, tia. E como gosta de fétida. Cinderela: É, Pé2. Talvez eu não deva contar a você a realidade sobre a revolução dos anões. Às vezes, a ignorância é a melhor companhia. PE II: Nem venha, tia. Agora que você começou, vá até o fim. Os anões trabalharam por muito tempo nas minas? Cinderela: Centenas de anos, criança. Eles enriqueceram nossos tataravós, bisavós, avós, pais e continuavam nos enriquecendo, cada vez mais. PE II: Se eles trabalhavam o dia todo, por que não tinham sequer comida?

Cinderela: Bem, no tempo da revolução, estávamos saindo de uma terrível guerra. PE II: A da madrasta da mami contra o reino de meu pai, né? Cinderela: Isso mesmo. Os nobres se dividiram. Minha madrasta apoiou a madrasta de Branca de Neve. Meu marido apoiou Príncipe Encantado I, devido aos nossos laços de amizade, e também interesse – seu pai e meu príncipe tinham muitos negócios juntos, a derrota de um seria a falência do outro. PE II: E as fadas? E a magia? Cinderela: Pé2, desse tamanho e acreditando ainda em fadinhas com varinhas de condão? Me poupe. PE II: Mas a senhora não era afilhada da Fada Madrinha? E os poderes dela? Cinderela: Os poderes dela eram os nossos, criança. O que as fadas tinham de especial era dinheiro. Dinheiro faz de abóbora carruagem e, de ratos, belos cavalos. Quando a nobreza estava perdida, pois gastava horrores e não administrava nada, era a elas que recorriam – mais ou menos como os banqueiros de hoje, mas em vez de dinheiro dos nobres de volta, elas recebiam, por seus empréstimos, mais terras, mais impostos dos anões, mais poder. Por isso, elas eram tão valiosas para nós. Era muito mais fácil explicar para o povo que tudo se resolvia com mágica. A mágica, em última análise, saía do suor dos anões. PE II: Meu Deus, tia, então não existem fadas? Cinderela: Querido, você ainda acredita em Papai Noel? PE II: Papai Noel não, né. Mas fadas... Tá, e a guerra?

Cinderela: Essa guerra foi fundamental para a organização dos anões. PE II: Como? Cinderela: Eu vou contar tudo direitinho.

ENTREATO II (Entra Narrador, conversa com o público) Narrador: Alguns autores falam da situação dos países germânicos pósnapoleão, que teve como grande nome o chanceler austríaco Metternich, responsável por uma política conservadora e voltada ao absolutismo. O exército se fortaleceu e se tornou respeitado mundialmente. Em contrapartida, os impostos, de que eram isentos a nobreza e altos funcionários do governo, castigavam o povo. A perspectiva de vida era, então, de quarenta e cinco anos, e a luxúria dos nobres dividia espaço com a miséria da população, alcoólatra e mendiga: "A mendicância em Hessen é inigualável', observou, em 1831, um viajante. (...) Centenas de famílias necessitadas podiam conceber um futuro somente na América, Brasil ou Austrália" Bianquis, em A vida cotidiana da Alemanha na época romântica, conta que, dentre as atrocidades cometidas na época contra o povo, estavam as conseqüências do direito irrestrito à caça por parte dos nobres. Enquanto, durante as caçadas, os nobres pisoteavam as plantações dos camponeses, destruindo, muitas vezes, toda a alimentação deles, o camponês não tinha o direito de caçar o que quer que fosse na floresta, nem mesmo cortar lenha, sob pena de prisão, amputação de membros ou morte. MÚSICA - No Caminho do Divino Diga se isso terá um fim Andando descalço, perco a noção do real Diga se o “nosso divino”, amargo destino, ouve as nossas preces. Incerteza de ter um lar, incerteza de um amanhã Se o bem precioso é ti, o que será de mim?

Os camponeses eram expulsos das terras todas as vezes em que o latifundiário desejasse utilizar o local para ampliar seu espaço para caça ou qualquer outro motivo, que não precisava justificar. Os camponeses saiam errantes com suas famílias, passando a viver de forma nômade, realizando os serviços que lhe viessem às mãos. Alguns acabaram ingressando nas indústrias, que começavam a se desenvolver na época. Os príncipes tinham o direito divino. Um dos irmãos Grimm, escritor dos mais belos “contos de fadas” alemães e considerado um sábio entre o povo, comentou a alegria de um povo "quando se traz de novo para o país um bem precioso que o próprio Deus acaba de nos restituir" – falando da volta do governante de seu Estado. MÚSICA - No Caminho do Divino Veja o meu suor cair Dias de sol, noites em claro e nada. Diga, pode- se viver assim? Carrego o menino, pequeno e faminto, e deixo em tuas mãos. Incerteza de ter um lar, incerteza de um amanhã Se o bem precioso é ti, o que será de mim? No caminho do divino, eu sou a pedra. No caminho do divino, eu sou a pedra.

SEGUNDO ATO Cena I (Cinderela e PE II sentados no canto do palco. Sala do palácio da Madrasta representado por uma cadeira. Madrasta. Entra o Espelho). Madrasta: Então, Espelho, quais são as novas? Espelho: Tão ruins quanto as velhas, senhora. Desde que o exército de Cinderela se uniu ao de sua enteada, é uma derrota atrás da outra. Não estávamos preparados para enfrentar as duas. Deveríamos ter imaginado isso. Elas são muito unidas. Madrasta: Ah, espelho! Como você é ingênuo! Aliás, hoje você não me respondeu ainda... Espelho: Pois não, Senhora! Madrasta: Se eu tiver que repetir a frase que toda a platéia já sabe, eu lhe darei outro soco. Espelho: Por favor, senhora! Seu último soco quebrou minha moldura, e eu tenho que ficar andando para cima e para baixo desde então. Madrasta: Meu Deus! Há mais de duzentos anos eu lhe faço a mesma pergunta, e você ainda não registrou? Espelho: Ah, senhora! A senhora sabe que eu não tenho uma grande memória – espelho é algo tão fugaz! E, na verdade, a senhora me ocupou de tantas coisas durante a guerra – eu assumi a função do mordomo, do copeiro, da governanta, dos cozinheiros e até do Office boy...

Madrasta: Ah, disso você lembra, não é? Mas o que você se esquece é de que eles não estão aqui porque estão no front. Precisamos economizar. Aliás, foi você que preferiu ficar aqui comigo do que ir para a guerra. Na época, disse que era porque não poderia viver sem a minha beleza... Espelho: Eu disse isso, senhora? Madrasta (gritando): Disse. E naquela época eu achava que você ainda não tinha aprendido a mentir. Espelho: Ah! Madrasta: Vamos lá: espelho, espelho meu... MÚSICA - Espelho, Espelho Eu (https://www.youtube.com/watch?v=1q1GZdEsNII) Entre o início e o fim Refletindo o bom e o ruim... em mim Todo dia é assim A mesma resposta chinfrim, enfim... Espelho, espelho meu Somente espelho, espelho eu. Só um olhar para lhe mostrar sua alma Espelho, espelho meu Somente espelho, espelho eu. Espero ainda ter um pouco mais de calma Seja chuva ou sol Acabo levando a pior, normal... Todo dia é assim A mesma rotina chinfrim, enfim...

Espelho, espelho meu Somente espelho, espelho eu. Só um olhar para lhe mostrar sua alma Espelho, espelho meu Somente espelho, espelho eu. Espero ainda ter um pouco mais de calma Espelho, o que me diz? Mais bela que ela sou assim... sempre Espelho, diz pra mim... Responda logo que sim, enfim... Espelho, espelho meu Somente espelho, espelho MEU Só um olhar pra me mostrar minha alma Espelho, espelho meu Somente, espelho, espelho MEU Espero ainda ter um pouco mais de calma Espelho: Sim, senhora. Madrasta: Espelho, espelho meu... Ah, essa parte é ridícula... Existe alguém no mundo mais bonita do que eu? Espelho: Mais bonita, senhora? Madrasta: Sim, espelho. Espelho: Ah, claro que não, senhora. Ninguém. Não. Lógico que não. Até suas olheiras são belas. Também o tortinho de suas pernas é incomparável. É, a senhora é muito mais linda. A sua cárie... Madrasta: Basta! A da cárie eu não tolero. E quer parar de enrolar e me dar o relatório?

Espelho: Já dei, senhora. Estamos sendo dizimados. Madrasta: Ah, é mesmo. Você disse que não tínhamos calculado a união entre Branca de Neve e Cinderela. Espelho: Boa memória, senhora. Madrasta: E, para variar, estava errado. Espelho: Ah, estava, senhora? Madrasta: Sim, estava. Espelho: Então, nós calculamos, senhora? Madrasta: Não, nós não calculamos. Espelho: A senhora está confusa, senhora. Madrasta: Não, espelho, NÓS não calculamos. EU calculei. Eu, a Madrasta, a perversa, a mázinha. E a mais esperta de todos os tempos. Espelho: Perdão, senhora, mas aquela da maçã foi fraca. Madrasta: Se disser isso de novo, te enfio uma maçã goela abaixo! Espelho: Sim, senhora. Madrasta: Como lhe disse, eu calculei. Espelho: Perdão, senhora. Mas a senhora calculou, então, que nós seríamos dizimados? Madrasta: Sim.

Espelho: Perdão novamente, senhora, mas isso é esperteza? Madrasta: Não, Espelho. Isso é estratégia. Espelho: Desculpe, senhora, mas metade do reino morreu. Inclusive, nossos ótimos cozinheiros, nosso gentil mordomo, nosso copeiro maravilhoso, nossa governanta eficiente e nosso office boy de pés ligeiros. O fato de eu estar trabalhando tanto quanto um camelo no lugar de todos eles também é estratégico, senhora? Madrasta: Mas você é um egoísta, mesmo. Só pensa em você. Eu aqui, preocupada com o reino, tentando ampliar nossas terras, e você pensando em seu bem estar. É claro que muitos morreram. A história é feita de mortes. Os grandes feitos são feitos de morte. Você já ouviu a expressão “bucha de canhão”? Espelho: Bucha de canhão? Metade do reino, senhora? Madrasta: Metade do reino... metade do reino... Alguém contou para saber se foi a metade? E, além do mais, tudo vale a pena se a alma não é pequena. Espelho: Puxa, é tão bom que parece plágio. Madrasta: Obrigada. Eu tenho um plano B. Infalível! Espelho: Se ele é infalível, senhora... Eh... perdão perguntar: mas por que ele não foi o plano A? Madrasta: Até que enfim uma pergunta inteligente! Espelho: Thank you, lady. (Madrasta olha sem entender) Obrigado, senhora!

Madrasta: Ele não foi o plano A porque ele é muito arriscado. Espelho: Arriscado, senhora? Madrasta: Muito. Espelho: Como, por exemplo, entrar sozinha na floresta naquele dia da maçã? Madrasta: Muito mais. Espelho: Mais do que perder, talvez, metade do reino? Madrasta: Muito mais. Espelho: Muito? Madrasta: Muito. Espelho: Era isso que eu temia. Madrasta: Chame o segurador de painéis de planos para abrir aquele rolo para mim. Espelho: Morreu ontem, senhora. Madrasta: O que? Espelho: O segurador, lembra – a senhora o enviou para a guerra anteontem, dizendo que nunca ocupava seus serviços... Madrasta: Tá, tá, tá, já ouvi essa história antes. Então, está esperando o quê? Assuma logo essa função.

Espelho: Perdão, senhora, mas como eu já imaginava isso, eu providenciei um preguinho e coloquei aqui, na parede, para podermos colocar os planos. (Pega o cartaz, com um desenho de cavernas e os anões, com machadinhos, saindo e entrando). Pois não, senhora. Se não me engano muito, esse são... Não, não são... Madrasta: São. Os anões. Espelho: Eles não gostam mesmo da senhora, senhora. Madrasta: Mas também não gostam de Branca de Neve. Quando a ajudaram, os anões tinham esperanças de que ela fosse uma governante mais justa, que os tirasse da vida miserável que levam. Mas não tirou. Espelho: Não, mesmo! Tudo o que a bela faz é festa. E os pobres é que pagam! Uma injustiça que deveria ser combatida... Madrasta (gritando): Odeio discursos socialistas, Espelho. Muito mais quando vêm de você, que sempre se encostou na nobreza. Espelho: Sim, senhora. Perdão, senhora. Madrasta: Eu estudei de perto a insatisfação desses anões. Trabalham 15 horas por dia, nas minas ou nos campos, entregam tudo o que pegam ou plantam para a nobreza, não têm comida, nem assistência médica. Nas suas casas, não há luz. Suas crianças morrem antes de completar um ano. E são a grande maioria da população. Tem dez vezes mais anões do que componentes do exército; cem vezes mais do que burgueses... a nobreza, nem conto. Espelho: Já entendi, já entendi... E a senhora vai ajudálos. Dar comida, médicos, luz e remédios para conquistálos. É uma grande idei... Madrasta: Você está louco? Ou é apenas burro? Dar bem estar pra essa

gente não é plano, é suicídio. Espelho: Mas... o que a senhora vai dar pra eles, senhora? Madrasta: Nós estamos numa guerra, Espelho. Espelho: Sim? Madrasta: E o que alimenta guerras, espelho? Espelho: Ganância, senhora? Madrasta: Armas, asno serviçal, armas. Espelho: A senhora vai... dar... Madrasta: Armas para os anões. Há muito tempo eles estão se mobilizando para tentar algum tipo de revolução. Coitados, acham que poderão tomar o poder com algumas machadinhas e muita fome. O que eles não imaginam é que a fome cauterizou suas mentes e os tornou mais burros do que eles seriam normalmente. Eles seriam eternamente gratos a quem os ajudasse nessa “revolução”. Espelho: Sim. E essa pessoa seria... Madrasta: A Branca de Neve, espelho? Espelho: Como, senhora? Madrasta: Eu, paspalho. Espelho: Espelho, senhora. Madrasta: Tenho um contato que está no meio dos anões há muito

tempo. Ele me dá relatório de tudo o que eles estão fazendo. Um espião. Espelho: Espião? Madrasta: É. Uma pessoa que você conhece, mas de quem não lembra mais. Ele está prestando um trabalho muito eficiente, e eu o recompenso por isso. Espelho: Desculpe, senhora. A senhora não está pensando em mandálo para a guerra, não é? Madrasta: Por que você quer saber? Espelho: Não, nada, é que... Madrasta: É claro que não. Ele me é muito útil. Você nunca teria capacidade de substituílo. Está liderando a tal “Revolução”, que, na verdade, é a minha estratégia para fazê-los derrubar o poder de Branca de Neve e Cinderela. Espelho: Senhora, aí está o problema. Madrasta: Qual problema? Espelho: Cinderela. Os anões amam Cinderela. Ela é a nobre mais popular de todo nosso povo, a “gata borralheira” deles. Nunca os anões se voltariam contra Cinderela. Madrasta: É verdade. Mas meu espião conseguiu convencêlos que o problema de Cinderela é o marido, que ele deve ser morto e a princesa, apenas exilada para algum país tropical no hemisfério sul. (Apaga a luz. Em cena, somente Cinderela e PE II.)

PE II: Então, foi por isso que vocês conseguiram fugir? Mamãe me dizia que você se disfarçou de Gata Borralheira e fugiu como alguém do povo... Cinderela: É que sua mãe inventa tanta história, que nem sabe o que diz. Na verdade, eu negociei com Dengoso, que tinha uma paixão enrustida por sua mãe e permitiu a saída dela comigo. PE II: E meu pai? Cinderela: Ah, seu pai foi um problema. Nós o vestimos de trapos e dissemos que ele era nosso carregador. Só que era muito difícil esconder de quem quer que seja que nós carregávamos as malas e o carregador não levava nada. Ah, mesmo vestido de trapos, seu pai era um nobre completo, Pé2. PE II: Isto é, inútil. Cinderela: É, inútil. PE II: Mas então, quem governou a revolução foi a Madrasta? Eles trabalhavam para ela? Ninguém descobriu o espião? Cinderela: Isch! Essa história é que é complicada. Os anões não eram tão burros quanto parecia à nobreza. Mas para você entender, é preciso voltar a alguns anos antes da guerra entre a Madrasta e o reino de sua mãe.

ENTRECENA IIII (Entra Narrador – vestido de anão. De preferência, vem falando do fundo da platéia até chegar ao palco) Narrador: No oriente, a situação não era outra, apesar de singular. Desde a Antigüidade, a Índia possui um sistema de castas. Segundo sua religião, no princípio, Brama criou os primeiros homens. De sua boca saíram os sacerdotes, casta mais pura de todas; de seus braços, os guerreiros; das suas pernas, os agricultores e mercadores. Os párias não saíram de parte alguma de Brama. São considerados impuros, não podem se banhar no rio Ganges. São chamados de “os intocáveis”. Quem nasce numa casta, morre nela. Os párias, desde a Antigüidade, trabalham carregando as fezes e urinas, assim como o trabalho imundo, tendo apenas uma esperança: a de reencarnar, após a morte, em uma casta mais elevada. Apesar de terem conseguido garantias constitucionais a partir de 1946, esse povo oprimido milenarmente ainda vive nessa situação. É a realidade da Índia. Ainda hoje, são mais de 350 milhões de analfabetos. Em Nascidos em Bordéis, documentário de Ross Kaufmann e Zana Briski, produzido com as crianças de um bordel de Calcutá, em 2004, uma menina, cerca de 10 anos, declarou: “É preciso aceitar que a vida é triste e dolorida”. As coisas não mudaram muito por lá. Cena II (Sala com anões. Reunião. Uma certa agitação – alguns andando, outros sentados) Soneca: Então, é isso.

Zangado: Revolução? Feliz: Ai, genteeeee! Vamos fazer revolução! Adoro! Mestre: (empolgado) Sim, Zanga, Revolução. O que você acha? Atchim: Atchim! Feliz: Eu concordo! Zangado: Que vocês comeram cocô. Dunga: Você tem uma idéia melhor? Zangado: Do que morrer de uma vez, sob as armas dos soldados? Acho que não. Pelo menos, é diferente. Eu sou a favor. Dunga: Eu também. Dengoso: Mas, gente, vocês já sabem o que nós vamos fazer com Branca de Neve? Zangado: Há, há, como você é otimista. “O que NÓS vamos fazer com Branca de Neve”, há, há. Mestre: Bem, Dengoso, a nobreza tem cometido crimes contra o povo há milhares de anos. Criminoso deve ir pra cadeia. Dengoso: Mas a cadeia é muito cruel. Zangado: Você sugere que a convidemos para morar conosco novamente? Aquela víbora! Me fazia lavar toda a louça. Atchim: Atchim!

Soneca: Então, pessoal – podemos levar adiante a proposta? Dengoso: (triste) Eu concordo. (Todos falam que concordam, que devem seguir adiante, etc.) MÚSICA - Impérios e Ilusões (https://www.youtube.com/watch?v=PnXU-ArzUW0) Quando o povo reage a injustiça E a voz começa a se ouvir Enxergamos mudanças a vista Quando a bandeira do trabalho e da luta Ergue-se contra o regime cruel Somos filhos de tempos sofridos Não acredite nas velhas mentiras Não acredite nas falsas morais Chega de ilusão Não seremos deixados pra trás Não acredite na fortuna perdida Não acredite na palavra a mais Chega de ilusão Não seremos deixados pra trás Quando o povo clama por força Por tempos de paz e união Por palavras que digam a verdade Quando teremos os nossos direitos Direito de ser cidadão

Não acredite nas velhas mentiras Não acredite nas falsas morais Chega de ilusão Não seremos deixados pra trás Não acredite na fortuna perdida Não acredite na palavra a mais Chega de ilusão Não seremos deixados pra trás Não, Não, Não. Não Ah-Não. Zangado: Eu gostaria de lembrar aos amigos revolucionários que, a princípio, nós não temos dinheiro, comida, trajes, e, se for útil, também não temos armas. Mestre: Nós não temos, mas sabemos quem tem. Zangado: Claro. A víbora. E vai usar tudo isso contra nós. Soneca: A madrasta. Todos: (menos o Mestre) A madrasta! Dengoso: Eu não gosto dela. Dunga: Ela é muito má. Dengoso: Nós não podemos confiar nela. Zangado: Vocês realmente comeram cocô. Atchim: Atchim!

Mestre: Nós não podemos confiar nela, Dengoso, mas também não podemos confiar em ninguém da nobreza. Dunga: Nem na Cinderela? Feliz: Ai, a Cinderela é tão legal! Mestre: Nem na Cinderela. Dunga: Mas ela é tão boazinha! Mestre: Mas se beneficia com a atual situação. Dunga: O que vamos fazer, então? Mestre: Se vocês tiverem um pouco de paciência... Soneca, explique o plano, por favor. Há anos que ele vem gastando suas noites bolando uma estratégia para a revolução. Zangado: Ah, existe um plano. Que bom! Isso me tranquiliza muitíssimo. Soneca: Há algum tempo, Mestre está se infiltrando no castelo da Madrasta. Ele vai lá, durante o tempo de serviço, duas vezes por semana. Dunga: Ahammm! Então por isso você não tem ido para as minas às segundas e quartas? E você dizia que era por sentir dor de barriga! Zangado: E você acreditava que ele tinha dor de barriga todas as segundas e quartas! Eu quero morrer! Você é um Dunga mesmo! Dunga: Ué, eu acreditava. Ele falava. No domingo, eu já pensava:

amanhã o Mestre não vai, coitado, por causa da dor de barriga. E também pensava na terça. Até dizia: Até quinta, Mestre, boa dor de barriga! Zangado: Se eu acertar bem forte a cabeça dele, será que melhora? Feliz: Nossa, o Dunga é um barato! Soneca: Por favor, deixem-me continuar. Zangado: (irônico) Por favor, continue. Só quero ver como ele vivia, trabalhando apenas cinco dias na semana. Soneca: Mestre inventou um produto e Mestre vendeu para madrasta. Atchim: Atchim! Todos: Produto? Mestre: Sim, um produto revolucionário, que faz maçãs crescerem o dobro que o normal e na metade do tempo. Como vocês sabem, a bruxa adora maçãs. Feliz: Eu também adoro maçãs. Dengoso: Mas como foi que você conseguiu entrar no reino? Mestre: Não foi muito difícil. Há alguns anos, a Madrasta quebrou o Espelho. Lembra? Espelho, espelho meu... Todos: Lembramos, claro, espelho horroroso (etc) Mestre: Então, e o idiota que vivia lá dentro saiu e vive por lá.

Dengoso: ué, não era um gênio? Mestre: Pura propaganda enganosa. Ele é um idiota completo. E também o homem de confiança da bruxa. Eu e Soneca conseguimos fazer uma supermaçã, e apareci na frente dele com a fruta. Daí, ele comeu a isca e me levou para a megera. Soneca: Se vocês ficarem me interrompendo, não conseguirei contar o plano, nem hoje, nem em um ano. Atchim: Atchim! (Soneca continua falando. Luz em PEII e Cinderela) PE II: Supermaçã, tia? E depois você zoa quando eu digo que acreditava em fadas? Cinderela: Ué, Pé2, um produto químico ou biológico, nem sei bem, mas que realmente era responsável pelas maiores maçãs que já vi em minha vida. PE II: Você viu? Cinderela: Comi. Eles me deram uma – coitados, tinham tão poucas, mesmo assim, dividiram comigo quando nos despedimos. PE II: Tudo bem, né, tia. Eles estavam ficando com o seu reino. Cinderela: Mas foram anos de reuniões, estratégias e muita repressão. (Volta aos anões. Zangado não está no meio. Entra Dengoso.) Dengoso: Mestre, Mestre, o Zangado foi preso.

Soneca: Eu sabia que eles estavam desconfiados. Dunga: Ah, disso até eu sabia, né, Soneca. Soneca: O movimento cresceu muito. Grande parte dos anões sabe que nós somos os líderes. Mestre: Mas o Zangado não dirá nada. Eles não sabem com quem estão lidando. Dengoso: Nós é que não imaginamos até que ponto chega a maldade deles. Soube que o Zanga está sendo torturado desde hoje pela manhã. Atchim: Atchim!

ENTRECENA III (Entra Ator 3 e fala com o público (pode ser estilo jornalista, com um monte de livro e revista, entra olhando para os lados, com medo; às vezes, derruba algum papel e se abaixa, assustado, para pegar), Ator 4 (ou Zangado) está sentado na boca de cena. Luz em Ator 3) Narrador: No livro Cale a boca, Jornalista, Fernando Jorge denuncia torturas contra jornalistas em todos os períodos ditatoriais brasileiros. Dentre muitos, ele transcreve o depoimento do jornalista Frederico Pessoa da Silva: (luz em Ator 4) Ator 4: Na sala de tortura, me mandaram tirar a roupa e me recusei. Começaram a me bater: soco, pontapé, tapa, palmada com as mãos, com cacetete. Um monte de caras me dando porrada pra me obrigar a tirar a roupa. Como eu não tirava, me atiraram no chão, baixaram o pau de novo e aí arrancaram minha roupa... Aí entrou outro cara, que foi quem mais me torturou. Eu já estava sangrando. Fui amarrado na cadeiradodragão... (Luz em todo o palco. Vários personagens, caminhando como se procurassem algo, perguntam, de forma desencontrada: “cadeira-dodragão, cadeira-do-dragão? O que é isso?” Entra em cena um Ator segurando o Manual de tortura, e lê:) Cadeira-de-dragão: cadeira com MUITOS eletrodos, sobre a qual é amarrada a vítima. (para o público) Ela toma choque pra caramba! (sai, volta a iluminação para o Ator 4) Ator 4: É uma cadeira comum com o encosto alto e com partes de metal. Começaram então a dar choque. Amarraram uns fios nos dedos

dos pés, inclusive um fio na sola do pé. A única marca visível que eu tenho – cicatriz de tortura – é esta aqui, por baixo do pé. É do fio de cobre que ficava queimando. Com o impacto do choque, da dor, eu esperneava, o fio ia cortando e aqui cortou fundo. Outro fio estava ligado no pinto. Tinha fio nas mãos e também no ouvido, enrolado na orelha, com a ponta para dentro. E o cara, ao meu lado, com um bastão de dar choque, ficava percorrendo o meu corpo, procurando descobrir a área mais sensível... Depois de umas 10 horas de tortura, eles então – achando que nada conseguiriam – foram prender minha mulher para torturála na minha frente. CENA III (Cinderela e PE II) PE II: É, não foi fácil. Mas, pelo jeito, no final, deu tudo certo para os anões. Cinderela: Eles souberam aproveitar bem a ganância da Madrasta. E a nossa também. No fim da guerra contra as bruxas, o exército delas não existia mais. E o nosso estava em frangalhos. Daí, ela deu as melhores armas que tinha para os anões. E eles, que se organizavam há anos, terminaram com tudo. PE II: Prenderam todo mundo. Cinderela: Mataram todo mundo. Os líderes eram Mestre, Soneca e Zangado. Logo que tomaram o poder – e foi algo muito rápido – a maior parte dos nobres não entendia o que estava acontecendo... PE II: Só a senhora.

Cinderela: Não, eu também não sabia de nada. Logo que eles tomaram o poder, Dengoso foi à minha casa. Eu não sabia que meu marido já estava morto. Ele me falou que todos os nobres iriam para a prisão a espera de julgamento, mas que eu seria poupada pela revolução. Só que teria que fugir para um país distante, no Hemisfério Sul, e nunca mais voltar. PE II: E você aceitou? Cinderela: E o que eu iria fazer, Pé2? Eu imaginava que isso um dia poderia acontecer. Até já falara para meu marido e outros nobres. Mas todos riam de mim. Eles me achavam alucinada. Branca de Neve e seu pai estavam comigo no castelo. PE II: Nossa, tia, que barraco! Meu pai não fez nada? Cinderela: Seu pai? Vamos fazer uma coisa: você faz seu pai nessa parte. Ponha essa camisa. Eu vou tirar esse avental, porque naquele tempo eu não usava isso. Não esqueça, seu pai era um verdadeiro nobre. (Cinderela vai para um lado do palco, encontra Dengoso. PE II, como PE I, fica do lado oposto, com Branca de Neve, sempre inalterado). MÚSICA - Canção da Compaixão Cinderela não nasceu em berço de ouro Em sua casa, sofreu tanto Mas um dia, varinha de condão Fez-lhe princesa até a meia noite Sapatinho de cristal e carruagem Belo vestido azul e maquiagem Enfim, tudo começou assim

Branca de Neve era a mais bela do seu reino Mas não teve vida fácil também não. Sua madrasta dela sentia tanta inveja E envenenou a pobre Branca no final Até que um príncipe a encontrou deitada Deu-lhe um beijo e ela retornou Em um segundo, tudo muda a sua volta A bela Branca era a mais bela, afinal. Enfim, tudo começou assim Sei que nada permanece igual Sei que passou, que mudou, que terminou Tudo pode ter começado assim Mas esse não é o fim... Cinderela: Mas Dengoso, isso é muito cruel! Dengoso: Desculpe, Cinderela, mas crueldade foi o que fizeram conosco até agora. Não espere que o Zangado tenha peninha dos nobres. Branca de Neve: Algum problema, Cinderela? PE I: Cinderela está um pouco exaltada, meu amor. Talvez fosse melhor pedirmos para que os criados preparem um banho morno para ela. Sabe, dizem que os banhos mornos têm grande utilidade como calmantes. Cinderela: Mas e meu marido, como farei para encontrálo agora? Dengoso: Cinderela, você terá que ir sem ele. Cinderela: Eu não vou sem ele, Dengoso.

Dengoso: Ele foi decapitado diante de todo o povo, hoje pela manhã. BN: Cinderela, o que esse mensageiro da Madrasta quer de nós? Por que você está nervosa? PE I: Calma, querida. Ela deve ter mandado o mensageiro para pedir perdão. Diga-lhe que não concedemos, Cinderela. Fale que agora é tarde demais. Dengoso: É isso mesmo, Cinderela. Agora é tarde demais. BN: Por que tarde, Dengoso? O que você falou pra ela? (Corre até Cinderela) Cinderela: Nós precisamos ir, Branca. O Dengoso vai nos levar a um lugar para que possamos nos salvar. BN: Como assim? Dengoso: Cinderela, na verdade, eu só vou levar você. Branca de Neve e seu marido irão para a prisão, esperar o julgamento, com os outros nobres. PE I: Ah, não vou mesmo! Apesar de nunca haver adentrado esse recinto, estou muito bem informado quanto a sua situação, e nossas prisões são fétidas. Dengoso: Pra o povo estava bom, né? PE I: É que o povo não sabe muito bem o que é fétido. Já entrou numa daquelas casinhas em que eles moram? Dengoso: O senhor já, senhor Príncipe?

PE I: Ééééé... não. Mas estou muito bem informado quanto a sua situação, e também são fétidas. Dengoso: Como foi que a senhora se casou com esse paquiderme, princesa? BN: Foi o que apareceu, né, Dengoso. A situação em que me encontrava não era a das melhores, lembra? Tava comendo maçã envenenada pra não morrer de fome. Você sabe que eu sempre gostei de você. Você é muito melhor do que esse príncipe bobo. Mas você sabe que meu status de princesa me impedia de seguir o coração. Dengoso, não me mate. Dengoso: Eu pedi pela senhora. Preocupeime desde o começo com sua segurança. Quando vim até aqui, foi para que ninguém lhe fizesse mal... mas eles são irredutíveis quanto a seu castigo. A senhora viu como vivíamos e não fez nada para mudar a situação. BN: Eu tentei. Juro que tentei. Mas como mudar uma estrutura social de milhares de anos? Dengoso, não deixe que nossa história de amor termine aqui. (Cena congela Branca de Neve e Dengoso, voltam PEII e outra Cinderela.) PE II: Péra aí, tia. Minha mãe amava um anão? Cinderela: É claro que não, Pé2. Mas Branca de Neve sempre foi uma grande atriz. PEII: Mas ela falou tudo isso na frente do meu pai? E ele não fez nada? Cinderela: Seu pai era um nobre, não esqueça.

PE II: Ah, bela nobreza. Pra mim, ele era um corno. BN: Dengoso, deixenos ir com Cinderela. Um dia... quem sabe... em outra situação.Seeuforparaaprisãoeumorro. PE I: Ah, meu amor, também não precisa ser tão drástica. Na pior das hipóteses, mandaremos os criados darem uma lavadinha no recinto, e também compraremos móveis novos. Soube de umas madeiras novas do oriente que são fenomenais. BN: E alguns me perguntavam por que eu nunca quis um bobo da corte. Não é uma crueldade, Dengoso, mandar esse débil mental para a prisão? Dengoso: Esse débil mental, ao seu lado, nos oprime há anos, princesa. BN: Não é culpa nossa. (Entra Dunga) Dunga: Oi, princesas! Boa tarde, príncipe! PE I : Boa tarde anão... Dunga: Dunga. PEI: Boa tarde anão Dunga. Dunga: Dengoso, é que já deu a hora. Daqui a pouco, vai estar cheio de gente aqui. Dengoso: É verdade, eles já estão vindo. Princesas, eu não estou sozinho aqui. Dunga está comigo. Nós só viemos obedecer ordens.

BN: Mas é claro, Dengoso, que o Dunga não vai achar ruim a Cinderela ser acompanhada por dois criados, para a ajudarem a carregar as malas, não é, Dunga? Dunga: É claro que não, princesa. Mesmo porque, nosso problema não é com os serviçais, só com os nobres, né Dengoso? Deixa a Princesa levar os criados – você não quer que ela carregue tudo sozinha, quer? Dengoso: Não, não quero. Mas os criados não se vestem como os nobres. Dunga: É claro que não. É bom até que não se vistam, porque assim a gente pode diferenciar as classes. BN: É verdade. Muito esperto você, Dunga. Dunga: Puxa, obrigado, princesa. E a senhora que sempre me achava um burro. Bem agora que tá ficando legal, você vai pra prisão. Dengoso: Vamos descer, Dunga. Em cinco minutos, Cinderela, você deverá estar lá embaixo com seus dois serviçais. Cinderela: Está certo. Obrigada, Dengoso. (Saem Dengoso e Dunga) BN: Como conseguiremos as roupas dos serviçais tão rápido e sem serem apanhados? Cinderela: Tenho algo melhor. Há alguns dias, alguns maltrapilhos passaram por aqui e eu os acolhi num cômodo atrás do castelo. Deilhes de comer e troquei suas roupas. Acho que os trapos ainda estão no quartinho em que eles se trocaram. (sai)

BN: Vamos Príncipe, tire a capa (como ele não se mexia, ela vai até ele e lhe tira os acessórios, assim como os dela) PE I: Sabe Branca, eu não apreciei sua forma de me tratar há pouco. Acho que você foi um pouco explícita demais com a expressão débil mental na frente daqueles anões fétidos. Bem, a Cinderela já está acostumada, ela nem repara. Mas os anões, Branca? Eles nem sabem o que significa débil. (Volta Cinderela) Cinderela: Aqui estão, vamos colocar bem rápido. (as duas começam a colocar os trapos no príncipe) PEI: Meu Deus, vocês não estão sentindo o cheiro? Isso está fétido. Branca, também essa cor não combina com os sapatos. Cinderela: Os sapatos! BN: Isso mesmo! Príncipe, sente aqui. Vamos tirar os sapatos e as meias. PE I: Meu Deus, não há necessidade, Branca. Isso é apenas uma fuga, não um baile de fantasias. (Branca de Neve coloca os trapos sobre sua roupa, tira os sapatos.) Cinderela: Tudo bem. Vamos. BN: E seu marido? Cinderela: Ele não vai. BN: Onde ele está, Cinderela?

Cinderela: Depois eu explico. (Saem) MÚSICA - As Fugitivas (https://www.youtube.com/watch?v=rcgDJbpW40g) Lêiêo...Da Terra Encantada pra América do Sul Lêiêo...Lá estão as fugitivas Descendo pelos rios de todo o Brasil Disfarçado em trapos, ninguém viu Fugindo das piranhas no pantanal Misturando rock e samba em pleno carnaval Dançando frevo nas ruas de Recife Fazendo dança da chuva com o cacique Ê... Lá estão as fugitivas Lêiêo...Da Terra Encantada pra América do Sul Lêiêo...Lá estão as fugitivas Pegando trânsito na terra da garoa E um belo bronzeado em João Pessoa Aquele inverno rígido no Sul até o Machu Picchu no Peru Chegaram até a ir pra Argentina Refugiadas lá na ilha das Malvinas Ê... Lá estão as fugitivas Lêiêo...Da Terra Encantada pra América do Sul Lêiêo...Lá estão as fugitivas

ENTREATO III Narrador: Em A morte de Danton, o dramaturgo Georg Büchner traz à tona conflitos da revolução Francesa. O virtuoso e incorruptível Robespierre tinha uma opinião formada: (Entra Robespierre) Robespierre: A revolução social ainda não foi concluída; e quem faz uma revolução pela metade está abrindo a própria cova. A alta sociedade ainda não morreu e cumpre que essa classe, apodrecida até a medula dos ossos, ceda o lugar à força sadia do povo. O vício deve ser punido, a virtude deve dominar pelo terror. Narrador: o autor alemão denuncia, em sua peça, um diálogo que ilustra a conversa entre o carcereiro e um dos líderes da revolução, sob o governo de Robespierre: (Entram dois atores, representando) Carcereiro: As pessoas estão morrendo na prisão, em São Pelagie. Elas precisam de um médico. Billaud: Que nada! Menos trabalho para o verdugo. Carcereiro: Há mulheres grávidas lá. Billaud: Melhor ainda, as crianças não precisarão de caixão para o enterro.

III ATO (Quarto de PEII. Cinderela e PEII sentados na cama, conversando) Cinderela: E foi isso. Colocaramnos num barco de peixes, com uma maçã, um pouco de dinheiro, e viemos parar aqui, neste país tão diferente do nosso. Trabalhamos muito. Algum tempo depois, você nasceu. Seu pai morreu de gripe, nós criamos você praticamente sozinhas. (entra Branca de Neve) BN: Mas vocês ainda estão nessa conversa? Cinderela, meu filho precisa trabalhar. PE II: Calma, mami. Nós estamos reconstituindo a história. BN: História que não deve ser reconstituída. História de sofrimentos, violência, injustiça e dor. PE II: Também acho que não precisaria ter sido tão cruel. Mas pelo menos, os anões fizeram um governo mais justo, não é? BN: O que? Mais justo? Mais terrível, isso sim. Cinderela, você não contou pra ele? Cinderela: Eu contei sobre a revolução, Branca... BN: Mas sobre a tragédia que foi quando eles assumiram o poder você nem citou, né... PE II: Que tragédia?

Cinderela: É difícil de avaliar. Nós estávamos muito envolvidas. Houve coisas boas e ruins. BN: Ruins? Você chama carnificina de ruins? Desculpe, Cinderela, mas você está bem pior do que eu pensava. PE II: (Apita) fim do quadragésimo quinto round. O otário aqui ta boiando raso.O governo dos anões foimais justo,nãofoi? (Cinderela responde “foi” e Branca de Neve, “não”, simultaneamente.) BN: só se crueldade for justiça. Cinderela: A fome diminuiu, Branca. BN: É, as pessoas morriam bem mais rápido. Cinderela: A mortalidade infantil teve uma queda tremenda. BN: Até as doenças fugiram daquele terror. PE II: (Apita) quadragésimo sexto round também termina empatado. Gente, vamos fazer uma coisa? Um julgamento histórico! Vocês contam, e eu julgo. BN: Príncipe! Agora você me lembrou seu pai. Ele era habilidoso em dar um status nobre a qualquer futilidade. Certa vez reuniu todos os sábios do reino para decidir se deveria comer o pão ou o brioche numa manhã. Até decidirem, os dois já estavam meio endurecidos. Cinderela: (Corre para pegar uma toga) Julgamento! Muito bom. Pé2, vista isso. Você vai decidir. Eu, como já estava contando a história, começo a defesa primeiro.

(PE II põe a toga, senta na cadeira. Cinderela fica em pé de um lado, Branca de Neve, que pegou uma cadeira, senta do outro). BN: Pode começar. A ordem da narração não altera o terror do absurdo. Cinderela: Obrigada, Branca. (como um anunciante de circo, dá a volta pelo palco, proclamando) : Atenção, atenção, senhores e senhoras! Não percam! Venham ver! O grande julgamento histórico da Revolução dos Anões. É a sua oportunidade de condenar ou absolver os grandes e pequenos de nossa história. Pelo visto, os jurados já estão a postos. A decisão será sua, senhores... afinal, o circo é nosso!!! BN: Só por causa dessa palhaçada vai começar depois. E pegue uma cadeira pra você, porque esta é minha. Cinderela: Sabia. Era bom demais pra ser verdade você me deixar começar. BN: Não seja infantil. Eu deixei. Você é que fez aquela palhaçada. Cinderela: Tudo bem, Branca. Sua vez. BN: Para começar os levantamentos dos fatos, quero chamar minha primeira testemunha: o anão Dengoso!!! (Entra Dengoso, senta na cadeira indicada por Branca de Neve) BN: Anão estemunha Dengoso. Você não precisa jurar sobre nada porque nós estamos verdes de saber que o pessoal jura, jura, mas só fala a verdade no que lhe convém. Então, é melhor evitar o perjúrio. Eu gostaria de lhe perguntar se o senhor participou da revolução desde o começo.

Dengoso: Sim senhora. Quer dizer, desde o dia em que o Soneca e o Mestre lançaram a proposta, eu apoiei e sempre lutei ao lado deles, fazendo tudo o que me era requisitado, e também contribuindo com ideias. BN: Muito bem, senhor anão testemunha Dengoso. Se não me engano, o senhor lutou pela revolução colocando até em risco a sua segurança e a de sua família. Dengoso: É, porque quando o Zangado foi preso, eu estava com ele. Eu me safei por pouco – quase que também fui preso. O governo lançou a polícia em cima da gente. Também, eles tinham medo de perder o poder e as regalias. BN: Dengoso! Limitese a responder ao que eu lhe perguntar. Dengoso: Perdão, princesa. BN: Tudo bem. Continuando... Se você participou de toda a luta, seria justo que você também participasse da vitória, não acha? Dengoso: Sim, senhora. BN: Só que, um dia depois dos anões tomarem o poder, o que fizeram com você? Dengoso: Jogaram-me na prisão. BN: Condenandoo à guilhotina logo em seguida, não é? Dengoso: Sim, senhora. BN: E qual o grande crime que você cometeu para uma condenação tão rígida?

Dengoso: A senhora não lembra? BN: É claro que eu lembro, senhor anão testemunha Dengoso, mas gostaria que o senhor mesmo dissesse. Dengoso: Eu deixei que o Príncipe Encantado I e a senhora fugissem quando fui dar o recado a Cinderela. BN: Porque você teve compaixão de mim, que vivi com vocês, era amiga de vocês, havia sofrido ao seu lado, você foi condenado à morte? Dengoso: Sim, senhora. BN: Bem, senhor juiz, bem senhores jurados, a pergunta é: o governo dos anões foi mais justo? Eu gostaria de perguntar que justiça é essa que condena companheiros por terem compaixão, um dos sentimentos mais nobres que um ser humano, mesmo um anão, pode ter. Sem mais perguntas, Dengoso. Pode ir. Cinderela: Espera aí. Pode ir nada. A defesa tem o direito de inquirir as testemunhas. BN: Da onde você tirou isso, Cinderela? PE II: Isso é normal em todo julgamento, mãe. Ela tem esse direito. BN: Tudo bem. Cuidado para que ela não o manipule, hem, Dengoso? Cinderela: Pode deixar, Dengoso, eu serei breve. Quando assumiram o poder, os anões encontraram um reino destruído por uma guerra que durou alguns anos. Uma minoria nobre que escondera dinheiro e jóias até embaixo do colchão, alguns burgueses, que preferiram não se intrometer nessa transição política...

BN: Política? Você chama isso de transição política? PE II: Por favor, senhora acusadora, não interrompa a defesa. BN: Príncipe Encantado II, isso é jeito de falar com sua mãe? PE II: Mãe, ela deixou você falar sossegada. Agora, vê se manera. BN: Sim senhor, senhor juiz. Engolirei o bom senso e ouvirei tudo quietinha. PE II: Prossiga, tia Cinde. Cinderela: Obrigada, senhor juiz. Como dizia, além dessas duas classes sociais, havia os funcionários públicos e exército, e a grande maioria da população, que eram os anões. BN: Grande novidade – eram a maioria porque não paravam de ter filhos nunca. Cinderela: Eu gostaria, portanto, de perguntar ao anão Dengoso: quando propuseram a revolução, os anões disseram que tomariam o poder e destituiriam Branca de Neve? Dengoso: Sim, senhora. BN: Cuidado, Dengoso. PEII: Mãe! BN: Desculpa, só estava alertando, porque a Cinderela é fogo. Cinderela: Como é sabido, você sempre gostou muito de Branca de Neve, mesmo depois dela têlos abandonado.

BN: Protesto! Eu nunca abandonei ninguém. Ela está seduzindo a testemunha. PE II: Induzindo, mãe. Cinderela: Eu mudo a pergunta. Você sempre gostou muito de Branca de Neve, mesmo depois que ela se casou com Príncipe Encantado I? Dengoso: Sim, senhora. Na verdade, eu era o único anão a ainda gostar da princesa, mesmo depois de tudo o que ela fez. Cinderela: Mas, pelo que ouvi há pouco, você foi a favor da revolução. Dengoso: Sim, senhora. Fomos unânimes na votação. Cinderela: Você pode explicar por quê, gostando da princesa, aceitou participar de uma revolução contra ela? BN: Posso interromper? PE II: Não. BN: Mas... PEII: Não. Responda, Dengoso. BN: Ah, nunca foi juiz, nem sabe fazer direito. Dengoso: Era nossa única chance. Nós trabalhávamos o dia todo e não recebíamos nada. Ou melhor, o que recebíamos era para pagar o aluguel das minas, o aluguel de nossa casa e os impostos, tudo para a nobreza. Cinderela: Vocês pagavam aluguel das minas em que trabalhavam.

Você sabe quanto era, mais ou menos? Dengoso: Quase 80% de tudo o que conseguíamos. Para o pessoal que trabalhava nos campos, a situação era a mesma. O dono da terra ficava com tudo. Os 20% restantes eram para aluguel de nossas casas – por isso morávamos em sete numa casa de quarto e cozinha – para os impostos, que variavam de acordo com o bom humor da nobreza, e o que sobrava, mal dava para comer. Vivíamos na sujeira, doentes e sem médicos. BN: Pelo menos viviam. E depois que não sobrou ninguém. Cinderela: Dengoso, se você hoje soubesse de tudo o que passou, você ainda assim votaria a favor naquela reunião? Dengoso: Sim, senhora. Nós lutamos, Cinderela. Foi a melhor coisa que fizemos na vida. Cinderela: Obrigada, Dengoso. (Dengoso vai a um canto do palco e senta, assistindo ao julgamento.) BN: Olha só. Aí está a prova do quanto eles são cabeçadura. Inteligência é aprender com as adversidades. Essa anta não aprendeu com nada. Cinderela: Eu gostaria apenas de salientar que, para os anões, grande maioria da população, a revolução foi, mais do que a única saída para poder sobreviver – o único ato de dignidade que lhe restava. BN: Nossa! Essa foi linda! Quase que me emocionei. Senhor juiz, posso chamar minha próxima testemunha? PEII: A vontade, mãe.

BN: Como disse a caríssima Cinderela, a população era formada por anões, nobres e funcionários do exército e do governo. Gostaria de convidar como testemunha o funcionário da Madrasta (blagh), Espelho. (Entra Espelho, faz reverência às duas princesas, a PEII e ao público antes de sentar) BN: Senhor Espelho, qual a sua função no reino dos Contos de Fadas? Espelho: Eu era funcionário da sua Madrasta, como a senhora sabe. BN: Qual a sua função? Espelho: A princípio, a de Espelho e informante – eu dava informações a ela sobre tudo o que ela quisesse. Ah, e também falava sobre sua beleza. BN: Essa parte, todos sabemos. Também me parece claro o fato de que o senhor era muito maltratado por sua patroa, não é? Espelho: (levanta, permanece no lugar) Põe maltratado nisso. Ela me ameaçava, me batia... veja, até quebrou minha moldura. No tempo da guerra, quando faltava um soldado, ela mandava um serviçal para o front e eu tinha que assumir a função. BN: Isso quer dizer que você sofria e era oprimido no tempo do governo dos nobres. Espelho: Sim...sim. BN: E quando os anões assumiram o poder, certamente a sua situação melhorou. Espelho: Melhorou? Pelo amor de Deus. Daí é que piorou de vez.

(Senta) Muitas vezes eu falei que a situação dos anões era injusta, que eles mereciam uma atenção maior... mas a Madrasta me repreendia. Ela odiava discursos socialistas. Mas quando eles tomaram o poder, eles não quiseram ouvir ninguém. No meu julgamento, eu tentei explicar isso, mas eles zombaram de mim, e me mandaram para a guilhotina. Imagine! Fui julgado sem nem sequer ter sido ouvido. BN: Julgado sem ter sido ouvido. Essa foi a justiça do governo dos anões. Espelho: Além do mais, o período em que passamos na prisão nos fez desejar a morte. Eu nunca imaginei que se pudesse ter um tratamento tão desumano e cruel. BN: Por favor, fale um pouco disso. Espelho: Eles não nos davam comida. Água, era uma miséria. Quando pedíamos algo para os guardas, eles diziam que estávamos provando apenas um pouco do que eles passaram durante toda a vida. Homens e mulheres, sempre acostumados ao luxo, ficavam doentes, morriam, e eles levavam dias para recolher os corpos. Foi uma tortura atrás da outra. BN: Obrigada, Espelho. Se Cinderela quiser fazer alguma pergunta... Cinderela: O senhor sabe pelo que foi condenado, senhor Espelho? Espelho: Por alguns crimes: ter delatado à Madrasta quanto ao paradeiro de Branca de Neve, ter coordenado o ataque da bruxa, e também por ter coordenado a defesa, quando os anões atacaram. Cinderela: Vamos falar dessas duas últimas acusações – o ataque e a defesa, durante a guerra. Como vocês costumavam proceder com os presos de guerra?

Espelho: Ah, no começo, a gente só torturava um pouco – pros nossos soldados se divertirem, ninguém é de ferro – e jogava na prisão. Depois, no tempo dos anões, nós quase nem torturávamos, só matávamos mesmo – não dava tempo pra levar pra lugar nenhum, e as cadeias estavam cheias. Cinderela: E quem cuidava dos presos, nas prisões? Espelho: Ah, ninguém, né. Estava todo mundo envolvido com a guerra, e as prisões são muito seguras. A gente só trancafiava lá e deixava. Cinderela: Morrer ao relento. Espelho: Ah, só morriam se quisessem, a gente não matava ninguém. Cinderela: Sem mais perguntas. Obrigada, Espelho, pode ir. Espelho: Desculpe, senhora princesa, mas eu posso dizer só uma coisinha? Cinderela: Claro. Espelho: É que, eu nunca achei que o governo dos nobres foi bom. Eu também não acho que coordenei bem o lado da Madrasta – também, eu era coordenador de guerra, cozinheiro, mordomo e até Office boy. Mas a revolução dos Anões era a nossa esperança. Todo mundo pensava que eles seriam diferentes dos nobres, porque eles sabiam pelo que tinham passado. Eu fiz o que me mandaram. Eles fizeram... quem sabe por quê? Desculpe. (Levanta, fazendo reverência a todos, sentase ao lado de Dengoso). BN: (depois da saída do Espelho) Yes, essa foi de arrasar, hem? PE II: Mais alguma testemunha, mãe?

BN: É claro. Já que o povo e os funcionários foram ouvidos, é muito justo que ouçamos um representante da nobreza. PE II: Da nobreza? Cinderela: Da nobreza? Quem? BN: Gostaria de chamar a mais nobre de todas. A grande, a linda, a imortal, embora suicida... Fada Madrinha. (Todos aplaudem a entrada de FM. PE II volta a si e tenta por ordem no julgamento) PE II: Oh, gente, isto é um julgamento, não um show. Até você, tia. Cinderela: Desculpe, senhor juiz, mas ela é demais, né. BN: Boa tarde, maravilhosa. Nossa, mesmo com esse vestido, não tão novo, a senhora está deslumbrante. FM: Obrigada, Branca. PE II: Por favor, senhora acusadora, abstenha-se às perguntas. BN: Pois bem, senhora. Apesar do reino dos contos de fadas estar cheio de reis, príncipes e princesas, todos sabemos que as verdadeiras governantes eram as fadas, que administravam o dinheiro e nos auxiliavam sempre que precisávamos. FM: Isso mesmo. BN: Como explica então tamanha crueldade, como a de que se queixam os anões?

FM: (Levanta da cadeira e caminha pelo palco durante todo seu depoimento, dirigindo-se ora ao público, ora ao juiz, ora a Branca de Neve) Crueldade nada, Branca. A nobreza realmente gastava muito. Os impostos eram insuficientes para cobrirem as despesas. Eles trocavam nossos empréstimos por terras, o que fez de nós as maiores proprietárias do reino. Então, centenas de anos antes da revolução dos anões, resolvemos cobrar dos trabalhadores porcentagem sobre seu ganho. Como um aluguel. Eles trabalhavam e nós cobrávamos o aluguel. Isso se fazia em qualquer reino, em qualquer lugar; em troca, os anões tinham segurança, infraestrutura, até shows nós promovíamos para alegrar o Natal e a Páscoa. Veja bem, não tínhamos obrigação de fazer isso, só fazíamos porque pensávamos no bemestar deles. Dengoso: (Grita de seu lugar) Bem estar? A vida toda pagamos por esses shows infelizes, que assistíamos morrendo de fome. BN: Quantas vezes os anões a procuraram para discutir a sua situação? FM: Nunca. Nenhuma vez. Dengoso: Também, ninguém conseguia passar pelos guardas. BN: Cale a boca, Dengoso. Dengoso: Desculpe, princesa. BN: Então, quando foi atacada pelos anões, a senhora se surpreendeu? FM: É claro! Nós sempre procuramos fazer o melhor por todos. Lógico, a situação estava difícil, mas nós temíamos a Madrasta, que sempre foi inimiga. Os anões, para nós, eram aliados. BN: Como podemos ver, a senhora é uma pessoa totalmente equilibrada. Como explica seu suicídio na prisão?

FM: Desespero, Branca de Neve. Dignidade. Nós estávamos vivendo em condições subhumanas, sendo condenados sem um julgamento prévio. Como eu, uma nobre, que sempre busquei viver com dignidade e também a tratar os outros com igualdade... Você, anão Dengoso, responda, por favor, eu lhe faltei com o respeito e educação alguma vez? Você lembra que eu passava por vocês e sempre cumprimentava, sorria, perguntava como vocês iam? Dengoso: A senhora sempre foi muito simpática com todos nós. FM: Sim. Mas na prisão, sequer simpatia me deram. Eu era tratada com escárnio, desrespeito, ódio. Mas o que sempre fiz foi procurar acertar. Por isso, optei por morrer. BN: Obrigada, Fada. Por favor, Cinderela. Mas pega leve, pq é a fada madrinha. Cinderela: Fada Madrinha, a senhora sabe o quanto eu sempre lhe fui grata e a admiro. Em todo esse tempo, a senhora não percebeu que os anões viviam na miséria? FM: Ah, Cinderela, você não sabia? Aliás, você era uma das defensoras do povo. Dizia que o povo vivia na miséria, precisava de ajuda, que deveríamos realizar reformas. Sempre aceitei tudo o que você dizia. Mas fazer como? Nunca, ninguém chegou à minha porta e saiu sem um prato de comida. Eu sempre procurei ajudar as pessoas mais necessitadas. Mas as reformas precisariam passar pelas festas caríssimas da nobreza, e você sabe que muitas fadas viraram bruxas ao tentar melar as festas. Os príncipes não tinham consciência da situação. Não foram criados para terem consciência. Cinderela: Mas a senhora achava justo o governo da nobreza? FM: Não. Tanto que eu tinha muitos projetos de mudança. Apenas

não executá-los. Tinha boa intenção, mas faltava-me uma luz par saber como começar. Não é o governo da nobreza que eu questiono. A questão, para mim, está no governo dos anões. Cinderela: Você sabia que eles promoveram a reforma nas terras que o alimento passou a ser subsidiado pelo governo, e que a saúde passou a ser direito de todos? Será que era tão difícil fazer isso, Fada? FM: Ah, minha boa e crédula Cinderela. Por quanto tempo os anões fizeram isso? Cinderela: Durante os quatro anos em que governaram. FM: Durante quatro anos, pode-se fazer quase qualquer coisa. Eu quero ver manter o poder durante séculos. Esses benefícios que eles fizeram lhes custaram caro. Eles caíram porque, na verdade, não governaram coisa alguma. Só distribuíram o reino e mataram. Mataram soldados, mataram nobres, mataram-se a si mesmos. O que eles não sabiam é que, quando chegassem na burguesia, teriam uma surpresa. Com a burguesia ninguém mexe, nunca. Se a questão de vocês é se o governo anão foi justo, eu lhes garanto que não foi. E não é nem por questão de justiça. É por questão de governo. Aquela bagunça não era nada. Cinderela: Obrigada, senhora fada. (Fada Madrinha se levanta, dirige-se para Dengoso e o Espelho. Este pega uma cadeira de fora de cena e oferece à fada, que senta). PE II: Então, acredito que a declaração da Fada Madrinha feche o círculo de testemunhas. BN: Ainda não. PE II e Cinderela: Não?

BN: Não. Eu tenho ainda mais uma testemunha. Para esclarecer de uma vez por todas essa situação, é importantíssimo que se ouça a verdadeira beneficiada com toda essa bagunça. A herdeira, por sua perspicácia, de tudo o que já foi de todos nós. Gostaria de chamar a burguesia. (Congela a cena. A burguesia pode ser interpretada por 2 atrizes, que falam juntas, algumas falas separadas. Bem vestidas – tailleur. Durante a música, fazem uma coreografia demonstrando que dominam PEII (o juiz); no final, param ao lado da cadeira de PE II) MÚSICA - Burguesa, Burguesia Quem esqueceria de chamar a tal da Lady Burguesia, cheia de moral Adentra o recinto como ninguém mais Deixa ser benevolente aquele que se faz Vem cá que eu te pago um café Lucro voluntário sempre que eu quiser O mundo inteiro em torno de mim Enquanto existir Money, não existe tempo ruim Burguesa, Burguesia Antes que anoiteça, a grana toda será minha Burguesa, Burguesia Antes que eu me esqueça, sua vida não é cortesia BN: A senhora pode se sentar aqui. Burguesia: Estou muito bem em pé, obrigada. BN: Mas é um julgamento.

Burguesia: Se eu estiver incomodando o senhor juiz, eu me sentarei. PE II: Por mim, a senhora pode ficar onde quiser. Burguesia: Então, se possível, seja breve Branca de Neve, pois estou deveras ocupada. BN: (para o público) Essa empáfia dessa dona é que eu não suporto – em pensar que ela possui o MEU palácio – mas vamos lá. Senhora Burguesia, a questão é: o governo dos anões foi justo? Burguesia: (a medida em que ela vai falando, aproxima-se cada vez mais de PEII, encosta nele. Aos poucos, enquanto ela responde, ele vai se afastando, sentando mais para o lado oposto) Segundo o mais simples dos dicionários, e o senhor meritíssimo deve convir comigo, governar quer dizer dirigir, administrar, reger. Não acredito que os anões fizeram isso. Por conseguinte, a resposta é não. BN: Mas eles estiveram no poder durante quatro anos. Burguesia: Estar no poder não é governar, minha cara. Eles realmente alimentaram os esfomeados às custas do que roubaram da nobreza... Dengoso: (levantando) Nós nunca roubamos nada de ninguém não. BN: Senta, Dengoso. Dengoso: Desculpa, princesa, mas é que essa senhora me faz lembrar o ditado de que as coisas sempre podem piorar. BN: Senta e fica quieto. Ninguém mandou vocês se rebelarem. (Dengoso senta)

Burguesia: Como estava falando, os bens da nobreza deram um ótimo caldo. Além disso, os anões aumentaram o nosso imposto, pensando que éramos bobos para aceitarmos tudo passivamente. Literalmente pagamos para ver. E quando chegou a hora – bingo! – colocamos todos esses anões nos seus devidos lugares novamente. Cinderela: Eu sempre quis saber como vocês tomaram o poder se não possuíam estratégia de guerra. Burguesia: Encomendamos. Cinderela: Soldados. Burguesia: Alugamos. Cinderela: Nem armas. Burguesia: Compramos. Cinderela: Mas ninguém percebeu? (Nesse momento, PEII cai da cadeira e Burguesia senta em seu lugar) Burguesia: Essa é a verdadeira revolução, querida. A que se faz conscientemente, sigilosamente. Quando se percebe, ou melhor: quando o antigo regente percebe, ele já está no chão, e o poder já mudou de mãos. (Olha sorrindo para PEII) Ou de cadeira. PE II (levantando): A senhora é boa nisso, hem? Burguesia: Também em muitas outras coisas (Solta os cabelos, levanta e deixa que ele sente). Hoje, nosso reino é próspero – primeiro mundo. Temos tecnologia de ponta, armamentos inimagináveis no tempo dos anões, política competente. Não precisamos mais de anões, pois temos

máquinas. Bem, alguns anões mais coerentes, aproveitamos em nosso sistema. Mestre e Atchim, por exemplo, trabalham conosco. PE II: Mas e o desemprego? Burguesia: Controle de natalidade. Há muitos anos nossa população está rigidamente controlada. Sem filhos, sem problemas. BN: Não há mais crianças no país dos Contos de Fadas? Burguesia: Nem crianças – com cocô, catarro e vômito – nem Contos de Fadas. Hoje somos o país do progresso. Um progresso controlado, consciente, maduro. Afinal, é preciso que tudo mude para que tudo fique como está. Pois bem, se era final feliz que vocês queriam, eilo. E por falar em final, estou indo, pois os três minutos e 45 segundos que reservei para esta cena já se findaram e tenho outros compromissos. Passar bem. (Sai e todos os presentes ficam lado a lado, olhando sua saída, sem se mexer). Branca de Neve: A Burguesia é fétida. Espelho: É, sábio anão, as coisas sempre podem piorar. Dengoso: Não deixa de ser um consolo ver quão miseráveis eles se tornaram. Fada Madrinha: Depois dessa, eu também me retiro. Até a próxima, para todos (sai). Cinderela: Afinal, o governo dos anões foi justo? BN: A essa altura, você acha que isso importa, Cinde?

Cinderela: Ué, você odeia apelidos e me chamou de Cinde. É a primeira vez, sabia? Você está mudando, Branca. PE II: Daqui a pouco ta me chamando de Pé 2. Que tal, mãe, realizar a revolução da Branca de Neve? BN: (Saindo da posição e conduzindo PEII para fora) Príncipe Encantado II, quer deixar de brincar? Que revolução, que nada. Você vai é trabalhar. Ah, arrume essa postura, não esqueça seu sangue real. PE II: Tia, ela tá igualzinha. Foi só impressão. BN: Quem foi princesa, nunca perde a Alteza. Cinderela: É verdade, é ela mesmo, Pé2. Fazer o que, né? Cada um tem a Branca de Neve que merece. BN: (Para Dengoso e Espelho) E vocês estariam fazendo o que aqui ainda? Por motivos de força maior, não serviremos cafezinho aos convidados.Até. (Os dois se olham, olham para o público e saem. Branca de Neve olha para Cinderela). Cinderela: Já estou procurando minha vassourinha. Não fique braba, Branquinha. (sai) BN (na boca de cena): Desculpem pela falta de requinte. Se Príncipe Encantado I estivesse aqui, tudo seria diferente. Com certeza, vocês teriam sido servidos com a melhor bebida deste reino. Nem que amanhã ele precisasse vender parte do reino para pagar as dívidas. Mas amanhã, quem sabe se haverá, não é mesmo? E do hoje, restam-nos

revoluções sem vencedores, julgamentos sem veredictos, comédias sem finais felizes. É, Príncipe Encantado I era um sábio. Sábio não reconhecido. E muito a frente de sua época. Meu Deus! Falando nisso, esqueci do João (vira-se para a cama de PE II) Ah! João, pode sair que o pessoal já foi embora. (Enquanto um homem com aspecto rude, mal vestido, sai de debaixo da cama e vai ao seu encontro, BN se volta para o público). E se vocês me dão licença, numa paródia pra lá de utilizada pelos plebeus: as princesas também amam. (Abraça o João e sai pelo lado oposto).

Bast

tidores

Grupo Revanche

Maurini de Souza O Revanche apareceu na minha vida. Meio como aquela pessoa de que você tem saudade sem nunca ter conhecido, mas fica feliz quando o enxerga – tipo gente, concreta mesmo – e sabe que fará parte das coisas boas da sua vida. Ele nasceu de uma proposta de teatro didático, ofertada como matéria optativa para o curso de Letras da UTFPR. “Vamos ensaiar, mas não precisamos apresentar”, pois, afinal, a proposta do didático (Brecht) é justamente investir no processo do fazer teatral como forma de gerar conhecimento. Como se, como se, fossemos resistir ao momento mágico do palco e do público e do frio na barriga e das pessoas gritando ‘merda pra vocês’. O “A exceção e a Regra”, de Bertolt Brecht foi ao palco. E daí não paramos. Pessoas foram, outros chegaram, e nos fizemos porto, no qual cada um vem com suas experiências e seu olhar curioso e leva um pouco do nosso ser.

Juliano Ribeiro (Músico e Clown) Falar de Revanche nunca será restrito ao aspecto teatral. Falar de Revanche é falar sobre histórias dignas de serem contadas, falar sobre o talento anteriormente inerte de pessoas que nunca pensaram que um dia teriam a chance de subir em um palco, falar sobre a oportunidade de fazer arte em um ambiente acadêmico, falar sobre amizades, falar sobre as injustiças do diaadia, falar sobre aprendizado, falar sobre consciência social, falar sobre expandir seus horizontes, falar sobre arte em si, falar sobre teatro, falar sobre dança, falar sobre música e através da união de todos esses aspectos aqui citados e de mais tantos outros atingir o objetivo principal: falar com o público. Falar de Revanche também é falar sobre o orgulho de cada um que passou pelo grupo e ajudou a construir essa bela história que, certamente, continuará a acrescentar muito na vida de todos que a vivenciaram em algum momento, de dentro ou de fora do palco.

Tássia Setti (Cinderela) O teatro só se realiza no palco. Foi por meio desta frase que a professora Maurini convenceu um pequeno grupo de estudantes de Letras a ensaiar e apresentar duas vezes a peça “A Exceção e a Regra”, de Bertolt Brecht. A partir daí, só alegrias – ocupamos três vezes o palco com a peça “A revolução dos anões”, escrita pela professora Maurini e com trilha sonora original por Juliano Ribeiro. O grupo Revanche cresceu muito de um ano para outro e muitos de nós descobriram verdadeira paixão pelo teatro, especialmente depois de percebermos como as peças que apresentamos são capazes de provocar reflexão no pensamento dos espectadores. Depois de lidar com teatro, não consigo imaginar um futuro para mim sem ele.

Mariana Marino (Madrasta) A delícia de trabalhar com o Teatro Revanche é que o meu lado cômico sempre foi muito levado a sério. Eu adoro fazer uma comédia, mesmo dentro de um texto que incita a reflexão como o da “Revolução dos Anões”, escrito pela professora e diretora Maurini de Souza. Não há o que dizer sobre o processo, que foi deliciosamente incorporado por todos os atores – me peguei por muitas vezes gritando e gesticulando como a madrasta e dando ordem aos serviçais (digo, colegas de cena). Gostaria de agradecer por mais um ano com esse grupo de atores e pessoas sensacionais, desses nossos encontros que não são só fantásticos no palco, mas na vida.

Yuri Amaury (Príncipe Encantado II e Anão Dengoso) Estou às voltas com o Revanche há três anos, e posso dizer que trabalhar com esse pessoal é um divertidíssimo caos. As emoções e desafios diários que vivemos em grupo envolvem: lidar com a diretora

perfeitamente maluca e hiperativa que temos; se encantar com as músicas cativantes que nosso Juliano compõe com a mesma facilidade com que descascamos uma banana; ler e reler os textos até conseguir utilizar algumas falas e diálogos completos em conversas cotidianas nos corredores da faculdade, à guisa de piada interna; correr de um lado pro outro carregando roupas, sacolas e uma malona desajeitada que pesa toneladas; participar de uma guerrilha permanente e interminável em busca de espaços para o grupo ensaiar; manufaturar figurinos e cenários com poucos recursos; ficar maluco analisando agendas e marcando ensaios impossíveis; espantar-se com talentos inesperados de seus colegas; alargar seu círculo de amizades e estreitar relações imprevistas; lidar com idas e vindas constantes; conviver com veteranos e novatos; presenciar os primeiros passos em palco para alguns, e os últimos, para outros. Envolve também, às vezes, ter objetos pesados caindo perto de você; passar por longos ataques de riso durante os ensaios; fazer exercícios e aquecimentos temíveis; descobrir vocações e lados seus desconhecidos; conhecer todos os cantos da UTFPR, à força das perambulações costumeiras em busca de materiais e salas; e, enfim, passar meses conciliando a vida pessoal e acadêmica com o trabalho intenso da peça, para, afinal, subir ao palco e fazer a melhor apresentação possível para a plateia que todo ano se reúne no auditório para nos assistir.

Wilney Dovhepoly (Príncipe Encantado II) Não fazia ideia de como seria difícil escrever um pequeno parágrafo falando sobre a minha experiência com a Maurini e os amigos que fiz dentro da “Revolução dos Anões”. No momento, estou trancado no quarto tentando expressar meus sentimentos numa tela preta, escutando uma música que coincidentemente exprime uma das mais importantes qualidades que o teatro cobra de nós: "Somos anjos de uma asa só, que pra poder voar temos que nos abraçar." É o que a banda Black Maria diz e o que o Grupo Revanche me provou ser verdade. Eu

tive e tenho a sorte de participar de uma equipe que entende o significado do trabalho em grupo, que não é hipócrita e admite as divergências, usando-as em prol do objetivo maior, que é conseguir passar uma mensagem ao público e fazê-lo interagir conosco. Meus olhos se enchem de lágrimas quando me lembro de todos nós juntos, lado a lado, cantando em uníssono e sentindo a emoção que aquele momento acarretava. Estávamos em harmonia, mas ao mesmo tempo sentindo algo único, singular. Agora eu entendo o que Joseph Campbell queria dizer quando falava sobre a "experiência de estar vivo".

Letícia Dohms (Coringa) Após passar pelo grupo, a frase que não sai da minha cabeça é: "chega de inventar que o teatro não me pertence. Aliás, não pertence mesmo. Eu é que pertenço ao teatro". Assim como na pedagogia do Paulo Freire, em que o aprendizado acontece de maneira dialética, no Grupo Revanche o espaço é preenchido pela experimentação e liberdade que cada um tem para criar, encontrar o tom e reaprender. É momento de troca de técnicas, experiências, ideias e indignação. Ser Revanche é devolver em forma de arte o tapa na cara que levamos todos os dias no ônibus lotado, nos altos preços do mercado, nos baixos salários, na falta de qualidade de vida, na educação deficiente, na corrupção e nos latifúndios de riqueza cercados – visíveis, mas inalcançáveis.

Luana Tucunduva (Fada Madrinha) Entrei para o grupo de teatro Revanche quase sem querer. Em um ano, estava nos bastidores, ajudando no que podia (como cansar os braços fazendo um rio de pano ganhar vida) e compartilhando das alegrias e ansiedades do grupo. No ano seguinte, fui surpreendida pelo papel de fada madrinha na nova peça, “A Revolução dos Anões”. Os

ensaios, ao mesmo tempo em que traziam a sensação de medo, nervosismo e até desespero, também traziam alegria, diversão e amizade, além de um orgulho imensurável do grupo no dia da apresentação. Durante os ensaios, foi preciso não só olhar para aquelas personagens fictícias tão reais, mas vê-las de verdade, o que nos levou a reflexões que tentamos fazer nascer no público por meio das apresentações. Compartilhar essas experiências com as pessoas maravilhosas que compõem o grupo foi gratificante.

Bruna Dias (Branca de Neve) Falar do grupo Revanche é fácil! Ele me ajudou a realizar um sonho, fazer novas amizades e me deu coragem e entusiasmo para alcançar novas metas. Sou tímida e quando cheguei na UTFPR tive dificuldades em fazer novas amizades. Depois da primeira peça apresentada, fiquei sabendo do grupo e me juntei a eles. Além de conhecer ótimas pessoas, com as quais passei por diversos momentos de raiva, frustração, tristeza e de muita alegria e cumplicidade, também me descobri no teatro. Foi incrível perceber o quanto eu ia mudando com o passar do tempo. Já não sou mais tão tímida, tenho novos amigos, mais autoconfiança e mais que tudo, realizei um sonho de infância! Isso porque eu sempre sonhei em ser atriz, mas, como a maioria das pessoas, "deixei esse sonho de lado" conforme fui crescendo. Foi a audácia da diretora Maurini e a paciência de meus novos colegas que me fizeram realizada com minha atuação na peça “A Revolução dos Anões”. Hoje busco me aperfeiçoar na área para, quem sabe, seguir nessa bela e desafiadora profissão. Antes de concluir, devo dizer que participar do grupo Revanche é mais do que uma honra, pois além de me apresentar ao teatro, foi incrível estar com pessoas maravilhosas que possuem o mesmo objetivo e se ajudam para alcançálo juntos. Por fim, não sei dizer exatamente se o teatro faz parte do grupo ou se o grupo pertence ao teatro.

Natasha Saboredo (Anão Zangado e Branca de Neve) Eu posso resumir minha experiência no grupo da seguinte maneira: eu interpretei o anão mais ridículo e esfarrapado, Zangado, porque embaixo de todos aqueles trapos estava um lindo vestido de princesa... Afinal, na cena seguinte eu tinha que interpretar a nobre Branca de Neve. Eu interpretei dois lados díspares: nobreza e povo. Sendo assim, o processo de criação, ensaio após ensaio, para interpretálos, um seguido do outro, foi, no mínimo, interessante. E mais interessante ainda foi ver a construção dos demais colegas e, principalmente, das outras duas Brancas de Neve (porque Branca de Neve não se resumia a uma única versão, assim como o julgamento não chegou a uma conclusão acerca de uma versão certa). A Maurini resgatou um sentido de humor que vem se perdendo no século XXI, ou seja, um humor verdadeiramente crítico e inteligente, que faz o espectador sair de sua zona de conforto para participar da peça; que quebra diversos paradigmas e permite a reflexão, pois não induz o espectador a interpretações forçadas. E o mais interessante é como essa quebra se deu: utilizando-se o terreno dos contos de fadas (cujas histórias são idealizadas) para abordar questões sociopolíticas e históricas. E não bastando isso, a Maurini ainda conseguiu a façanha de me fazer interpretar uma princesa e, além de tudo, me fez pegar gosto pelo papel.

Robinson Kremer (Espelho) Dos bastidores, para o palco. De um pano azul, para um figurino prateado. De dar suporte no palco, para um papel só meu. Cheguei sem pretensões e sem intenções, ou melhor, cheguei com a melhor das intenções: a de ajudar. Comecei agitando aquele longo e pesado pano azul, para simular um rio e no ano seguinte, apenas me ofereci para ajudar novamente nos bastidores de "A Revolução dos Anões". Acabei com a proposta de um papel, pensei que me viria um

papel com poucas falas, e ganhei um papel com muitas deixas e tiradas e um grande diálogo: eu era o Espelho. Não apenas atuei, como cantei e dancei. Dançar é fácil, mas cantar e atuar? Foi um desafio e ele foi concluído com êxito. Grande ajuda dos colegas e da excelentíssima diretora Maurini, ela fez com que eu acreditasse que tudo era possível, e que eu poderia cantar, atuar, dançar e fazer os outros rirem. A experiência foi incrível, os resultados excelentes e uma nova pessoa surgiu, sou mais confiante agora. Qual será o meu próximo desafio? Não sei, mas aceitarei e enfrentarei com vontade.

Vitória Bandeira (Anão Zangado) Revanche é muito mais que um grupo de teatro, é um lugar para chamar de meu. Mais do que decorar a fala, vestir o figurino e subir ao palco, teatro é tornar-se parte de algo muito mais profundo, muito mais mágico, é aprender a ver o mundo e as escolhas que fazemos de formas diferentes, a ser outro alguém por um momento e talvez levar algo desse aprendizado para a vida toda. Atuar é se redescobrir. Há sempre aquela sensação de que depois de se descobrir ator, você jamais consegue viver sem a emoção de estar se preparando para subir no palco, há sempre expectativa, nervosismo e curiosidade sobre o resultado final. Diante do desafio de realizar algo que nunca havíamos tentado, seja atuar, cantar ou dançar, nossa diretora sempre tira o melhor de nós, inspiranos a fazer mais e melhor. E é deste amor pelo que se faz que o Revanche surgiu e se tornou o que é, somente pela dedicação e o comprometimento das pessoas que ali estão é possível realizar o trabalho que este grupo tem como objetivo, o de não simplesmente entreter, mas, acima de tudo, conscientizar.

Ana Clara Bordinião (Anão Mestre e Branca de Neve) A Revolução dos Anões foi uma experiência nova no teatro para

mim, foi um passo a frente em questão de maturidade, de escolhas, do que eu sabia sobre teatro, foi uma chance de aprender teatro fazendo teatro, mas como experiência pessoal foi uma chance, bem aproveitada, de aprender a confiar em mim e nos outros. Porque teatro não se faz sozinho. Assim como na vida precisamos do outro, da ação do outro para dar ação a nossa vida, assim é o teatro! É a ação desenvolvida no palco que nos faz refletir, rir e viver. Resumindo, minha experiência no Grupo Revanche, no tempo da peça “A Revolução dos Anões”, foi viver e aprender a cada ensaio com meus colegas e amigos o que é viver no PALCO!

Sissa Oliveira (Clown) Participar do grupo Revanche foi um desafio para mim. Eu, atriz tão ligada a regras, métodos e disciplina, chegar ao grupo no qual Maurini Souza era diretora foi como dito antes, um desafio. Não é novidade para ninguém, Maurini é assim, por natureza, uma legítima anarquista, e é claro que ela adotou tal filosofia, política e porque não dizer cultura, ao grupo Revanche. Mas o que posso falar? Eu sabia onde estava me metendo, quando nos corredores da UTFPR Maurini olhava para mim e perguntava “e aí, temos um Clown?”, eu parava e pensava “será que tínhamos um Clown?” Tinha, eu queria ser o Clown, eu queria fazer parte daquilo. Depois de ensaios que não eram bem ensaios, resoluções que mudavam a cada hora, textos refeitos de última hora, confesso, cheguei a pensar que não tínhamos uma peça. Mas uma coisa eu nunca duvidei, é que nós tínhamos um grupo de pessoas que queriam fazer teatro, seja lá como fosse, eles queriam fazer. E fizeram, ou melhor, fizemos. É isso que eu levo do grupo, à vontade em fazer teatro. No meu aprendizado como atriz levo o desenvolvimento do meu Clown, as técnicas corporais, os improvisos realizados no palco, e é claro, a anarquia, que vamos ser francos, não faz mal a ninguém.

Alessandra Santos (Branca de Neve) Bom, eu realmente não sei por onde começar... Da mesma forma, não sei quando comecei no Revanche, simplesmente aconteceu. Na primeira peça, como quem não quer nada, eu estava sempre em volta, carregando cenário, ajudando na maquiagem, acompanhando os ensaios e, finalmente, no grande dia, com a função de ponto, atrás das cortinas. Achei o máximo ver meus colegas atuando tão perfeita e profissionalmente e decidi continuar por perto do grupo, com as minhas habilidades de contra-regra sempre à disposição.Foi aí que a professora Maurini me surpreendeu com o papel da Branca de Neve. Relutei no início, pois fiquei com medo de assumir tamanha responsabilidade, a de tentar atuar ao lado de tão bons atores – A exceção e a Regra foi maravilhosa, um excelente espetáculo. - Acabei sendo convencida e, desde então, amando a experiência de estar em cima do palco. Medo, frio na barriga, excitação, alegria e muito mais de um a vez só. Do começo ao fim da encenação. Foi um turbilhão de emoções que só pude sentir quando as luzes estavam sobre mim e dezenas de pessoas em silêncio prestavam atenção em todos meus gestos, movimentos e palavras. Foi maravilhoso. E é incrível saber que temos esse vínculo tão forte, depois de passar tanto tempo ensaiando, se ajudando, rindo e, às vezes, até brigando. Enfim, agora não dá mais para sair porque como todos sabem, quem foi princesa, nunca perde a alteza... Obrigada a todos que fizeram e fazem parte dessa parte de mim que é atriz.

Emily Oksana (Branca de Neve) Ao entrar no grupo revanche, quase que por acidente, não esperava que apresentar uma peça pudesse ser uma experiência tão intensa, inspiradora e até mesmo assustadora. A revolução dos Anões foi algo ímpar, que em muito pouco tempo me ensinou a não ter medo

de mostrar minhas ideias, e me fez entender o verdadeiro encanto do teatro. Fazer teatro não é apenas decorar várias falas, é comprometimento e esforço, existe uma ideia a ser passada, algo que desperta emoções e pensamentos diversos. O palco é um lugar de descoberta, de liberdade, tanto para quem produz a peça quanto para quem a assiste.

FICHA TÉCNICA Peça teatral apresentada em 2013 na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Paraná. Roteiro, produção e direção: Maurini de Souza Diagramação da obra e revisão do roteiro: Katia Bruginski Mulik Músicas: Juliano Ribeiro Fotografia: Letícia Maldaner

ELENCO Alessandra Santos (Branca de Neve) Anna Clara Bordinião (Anão Mestre e Cinderela) Bruna Dias (Branca de Neve) Emily Oksana (Branca de Neve) Greici Machado ( Anão Dunga ) Jeferson Torres (João) Jo Vernick (Cinderela) Juliano Ribeiro (Músico e Clown) Letícia Dohms (Coringa) Luana Tucunduva (Fada Madrinha e Anão Soneca) Mariana Marino (Madrasta) Natasha Saboredo (Anão Zangado e Branca de Neve) Robinson Kremer (Espelho) Sissa Oliveira (Clown) Tássia Setti (Cinderela) Vinicius Mazzuchetti (Principe Encantado I e Billaud) Vitória Bandeira (Anão Zangado) Wilney Dovhepoly (Príncipe Encantado II e Anão Feliz) Yuri Amaury (Príncipe Encantado II, Anão Dengoso, Robespierre e Carcereiro)

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