A Sexualidade Feminina

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Capítulo 1: Experiências do cotidiano, relacionamentos, sexualidade. Capítulo 2: Foucault e a sexualidade.
Os corpos dóceis

GIDDENS, 1992, p.22-23



A sexualidade feminina pelas teorias de Giddens e Foucault

Júlia Fregni Lins
Ciências Sociais
UFCG


Resumo: Ao estudarmos a história da sexualidade, dois importantes autores do século XX se destacam pela análise que fornecem sobre a sexualidade humana. No presente ensaio visaremos refletir, essencialmente, sobre a sexualidade feminina no contexto pré-moderno e moderno, considerando as transformações ocorridas de um contexto a outro. Para tal, utilizaremos como base teórica a obra A transformação da Intimidade, de Anthony Giddens, e a obra Vigiar e Punir, de Michel Foucault.

Palavras-chave: sexualidade; liberação; transgressão



Introdução
Este ensaio visa a analisar o desenvolvimento característico da sexualidade feminina ao longo dos séculos que acompanharam a sociedade pré-moderna e moderna, para que haja reflexão sobre a condição feminina atual. Tal análise será baseada nos estudos teóricos de Giddens e Foucault, dos quais se mantiveram voltados ao estudo da sexualidade humana nestes períodos.
Aprofundar-nos-emos, especificamente, nos dois primeiros capítulos do livro citado acima, de Giddens, visando concentrar-nos nos aspectos cotidianos e políticos referentes a posição social da mulher quanto a sua sexualidade. E especificaremos também o aprofundamento do primeiro capítulo do livro, também citado anteriormente, de Foucault, visando relacionar o conceito de corpo dócil à posição submissa da mulher, severamente disciplinada para se comportar recatadamente e, nos parâmetros da sexualidade, ser útil apenas para a reprodução da família, sem que exista atenção direcionada ao seu prazer sexual.
Destacamos a crítica feita por Giddens à Foucault, no capítulo Foucault e a Sexualidade, aproveitando-nos, assim, simultaneamente da perspectiva de ambos os autores.
A igualdade sexual contemporânea
Em suas primeiras considerações, Giddens descreve a história de uma novela tragicômica, na qual observamos, em contraste com o comportamento sexual da pré-modernidade, os conflitos advindos da modernidade em relação a posição sexual da mulher. A contemporaneidade presume certo grau significativo de igualdade sexual, na qual mulheres e homens são forçadas(os) a mudarem seus pontos de vista e comportamento em relação um(a) a(o) outra(o), para que possam se relacionar de acordo com o novo mundo, no qual o prazer feminino não é mais silencioso; pelo contrário, é exigido pelas próprias mulheres.
A dominação sexual masculina não é mais admitida por elas. A vida pessoal de ambos os gêneros – consideramos aqui, por enquanto, a lógica heteronormativa – passam por profundas transformações, das quais a maioria se caracterizam radicalmente. A formação da família e a estabilidade do casamento se modificam e desestabilizam: com a liberação sexual feminina, o aspecto social naturalmente se transfigura.
Se antes a relação sexual era, para as mulheres, algo restrito, considerando seus receios quanto ao severo julgamento social e a maternidade excessiva, agora ela é praticada espontaneamente, por assim dizer, e não mais é necessariamente relacionada ao amor-eterno ou ao casamento-fardo. Porém, se esta realidade aparenta ser positiva para as mulheres, não podemos ignorar o fato que as mudanças comportamentais masculinas não acompanharam essa liberação sexual feminina no mesmo passo, portanto continuam a influenciar censurada-mente a liberdade de expressão sexual, e consequentemente social, econômica e política, das mulheres, culminando em conflitos constantes entre as necessidades e ideais de cada gênero, provocando, portanto, reações de revolta em ambos. Como consequência, observamos, atualmente, soluções feministas progressivas, por um lado de caráter radical, e por outro de caráter reformista.
Contudo, a busca pela igualdade, seja de forma radical, seja reformista, no âmbito sexual, assim como em outros principais âmbitos, propõe automaticamente a reprodução da lógica patriarcal, da qual advém a censura masculina. Em seu texto, Giddens comprova tal fato: "A proporção de mulheres casadas há mais de cinco anos que têm encontros sexuais extraconjugais é, hoje em dia, virtualmente a mesma que aquela dos homens [de tempos atrás]" (GIDDENS, 1992, p. 22). Entendemos que é esta uma consequência natural e em grande parte eficiente, porém não se pode considerar que é a única maneira de lidar com a desigualdade entre gêneros. Pensemos na reflexão que atualmente se encontra em meio as relações homossexuais: aquela de não seguir o padrão proposto, mas sim a de reinventar maneiras de pensar, agir e se relacionar. Poderíamos buscar, aí, inspiração para novos caminhos, visando buscar uma igualdade mais pena entre os gêneros?
Como se discute a homossexualidade feminina?
No processo entre a pré-modernidade e a modernidade, foi concluído, em uma pesquisa realizada por Kinsey, que apenas 2% das mulheres americanas eram assumidamente homossexuais, e 13% já tinham se envolvido em alguma forma de atividade homossexual. Mesmo considerando as profundas mudanças sociais ocorridas no processo da modernidade em relação ao homossexualismo em geral, ainda hoje observamos (saliento que com significativas diferenças) o que a pesquisa demonstrou: a invisibilidade lésbica.
Podemos relacionar tal invisibilidade à ideia, explorada por Foucault, da sexualidade como segredo (no âmbito comum). Porém, como argumenta Giddens, o autor silenciou quanto à conexão da sexualidade com o amor romântico, não considerando, assim, a questão da identidade de gênero, o eu, como pensado na modernidade. Analisemos a ideia de Giddens quanto à censura da sexualidade, especialmente para a mulher, no período vitoriano, e trazemos a reflexão para o âmbito do homossexualismo:
O confinamento da sexualidade às áreas técnicas de discussão era uma forma de censura de facto; esta literatura não era disponível à maioria, mesmo em se tratando da população educada. Tal censura afetava tangivelmente mais as mulheres do que os homens. Muitas mulheres casavam-se virtualmente sem qualquer conhecimento sobre o sexo, exceto o de que ele estava relacionado aos impulsos indesejáveis dos homens e tinha de ser suportado. (GIDDENS, 1992, p.34)
Ao compreender tal fato, entendemos que, para as mulheres, a sexualidade se trata de um tabu, assunto que não se discute em ambientes públicos e até mesmo em ambientes privados. As mulheres modernas, em sua maioria, ainda apresentam dificuldade em compartilhar suas experiências e curiosidades sexuais umas com as outras, fazendo com que não se sintam a vontade para se afirmarem como sentem que são, para expressarem ao mesmo tempo suas identificações sexuais como mulher – chamamos a isso de irmandade – como também suas diferenças autênticas. Isto se deve ao fato de que por muito tempo foram elas levadas a acreditarem que sua sexualidade não tinha valor, quem dera diversidade.
Nos anos 80, a ativista lésbica Amber Hollibaugh fez uma convocação às mulheres, para que se manifestassem quanto aos seus anseios, até então não inteiramente enunciados. Nesta, testemunhamos a voz da transgressão da mulher para a modernidade, na qual diversas rupturas culturais se fizeram necessárias:
Onde estão todas as mulheres que não revelam docilmente e nem querem revelar; elas não sabem do que gostam, mas pretendem descobrir; são as amantes das sapatões ou das mulheres femininas; que gostam de foder com os homens; praticam o sadomasoquismo consensual; sentem-se mais como viados que como lésbicas; adoram vibradores, penetração, ternos; gostam de suar, de falar palavrões, de ver a expressão da ansiedade de coito nos rostos de seus amantes; são confusas e precisam tentar as suas próprias ideias experimentais da paixão; e sentem tesão com a ejaculação de um gay. (GIDDENS, 1992, p.35)

Admitamos que a convocação citada acima corresponde a uma perspectiva; se adequa ao caráter do que hoje conhecemos como o feminismo radical. Por radical, se admite uma postura inflexível, porém de (re)ações persistentes, que buscam o extermínio pela raiz do problema, e que refletem grandes incômodos e inquietos sofrimentos. Imaginemos, então, quão impressionante essa convocação se fez, considerando a ainda forte presença da tradição patriarcal na década de 80 – tradição esta que atualmente se encontra fragmentada na sociedade. Porém, a autonomia sexual feminina já estava em desenvolvimento. A revolução sexual, de todas as identidades, expandia a noção do livre arbítrio individual, em um grau ou outro.
É necessário pensarmos, sem etnocentrismo, sobre a diversidade sexual humana. E pensarmos, com muito respeito, sobre a homossexualidade feminina, pois esta, apesar de ter conquistado, gradativamente, maiores compreensões da sociedade em relação a sua autenticidade, ainda sofre grande objetificação, não sendo, portanto, vista com legitimidade real, mas sim com violenta curiosidade, por seu aspecto de fetiche, ideia culturalmente enraizada no Brasil afora.
A cultura do corpo dócil
Foucault argumenta, em Os corpos dóceis, que no século XVIII o corpo é descoberto enquanto uma fonte inesgotável de poder, enquanto máquina, sistema e disciplina. É simultaneamente dócil e frágil, algo possível de manipular e facilmente adestrável, enfim, suscetível de dominação. Utilizaremos neste tópico, essencialmente, para fins de análise, a dimensão da utilidade do corpo dócil, descrito pelo autor.
Ao pensarmos na utilidade do corpo dócil, temos de considerar seu caráter disciplinar, que é obrigatoriamente necessário à constituição de um corpo submisso ao poder. O corpo do qual nos referimos aqui é, infelizmente, o da mulher inserida na lógica patriarcal. A utilidade de seu corpo, nesse tipo de sociedade, se caracteriza pelas seguintes ideias: seu corpo como máquina de reprodução; como objeto de desejo e uso masculino; como objeto não pensante, não capaz, defeituoso; como corpo não suscetível a desejos sexuais, não permitido a espaços públicos, não merecedor de respeito ou confiança; e tantas outras negativas, das quais ainda hoje são impostas à imagem da mulher.
Porém, a história da mulher, principalmente em relação a seu corpo, vai muito além do estado em que é submetida atualmente. O corpo da mulher como representação da vida, referência de força física, mental e espiritual, foi símbolo de poder e respeito entre os homens. Antes da dominação religiosa judaico-cristã, a mulher, a partir de seu corpo, era considerada, e venerada, como símbolo do poder de dar e tirar vida. Sua essência humana, capaz de ação – no mínimo válida -, foi reprimida severamente ao longo dos anos conseguintes da dominação cristã. Portanto, sua posição como submissa não se inicia no século XVIII, junto à massificação geral dos indivíduos como corpos dóceis.
Com este conhecimento, podemos entender a origem da cultura do corpo dócil feminino em relação a sua posição de inferioridade. A partir do julgamento da mulher como representante de todo mal da humanidade, seu corpo é domesticado, docilizado, para que então a humanidade possa ser guiada exclusivamente pela opinião masculina. Usando as palavras de Foucault, "Um corpo disciplinado é a base de um gesto eficiente" (1975, p.147). Tal eficiência significa, na história do corpo da mulher, sua obediência, seu silêncio, e sua reverência perante o homem, sendo este último o poder autoritário que a adestra indiretamente, e se apropria, diretamente, de seu corpo.
A noção de resistência da/para a mulher é enfraquecida através do sistema opressor de dominação imposto a ela. A generosidade de suas intenções, a docilidade de seus gestos, a inocência de seus pensamentos, a manipulação de seu comportamento, são consequências de uma política de coerções impostas pela sociedade do falo. A mulher é disciplinada a dar a luz, organizar a casa e inspirar o marido, com o fim único de dar continuação à reprodução da sociedade patriarcal.
Observamos que a teoria da docilidade dos corpos, de Foucault, se aplica perfeitamente a condição feminina atual, seja sexual, social, econômica ou política. Grandes quebras de padrões de pensamentos machistas, e cansativas resistências femininas, ao longo dos séculos, ou melhor observado, ao longo das últimas décadas, vêm gradativamente, essencialmente através do questionamento social, modificando a sacrificada realidade feminina. A consideração de ambos os gêneros como seres igualmente capazes de qualquer ação é cada vez mais imposta à sociedade. Imposta, pois o que ocorre atualmente, em algumas sociedades patriarcais, é a coerção de uma força que tende a se tornar maior do que a opressão vigente. Considerando a fluidez das relações sociais, o processo de mudança cultural não apresenta direção fixa, mas sim tentativas incertas e resistências possíveis. Com a conscientização de uma massa, e a realização de atos que confrontem o poder opressivo, inesperadas mudanças podem ocorrer. O importante é que continuemos em reflexão, e ação.
Considerações Finais
Ao propor reflexões sobre a condição sexual da mulher, em mais de um contexto, percebemos que não é possível nos atermos somente a tal esfera. A sexualidade feminina está relacionada à totalidade que representa o ser humano: sua posição social, econômica, política, pública, privada. Pudemos, aqui, discutir apenas algumas questões, através de apenas algumas perspectivas. Portanto, consideramos ser estas reflexões úteis para gerir mais reflexões, propostas, e, principalmente, ações.
Referências
FOUCAULT, Michel. Os corpos dóceis. In: Vigiar e punir: nascimento e prisão. Petrópolis, RJ : Vozes, 2010.
GIDDENS, Anthony. Experiências do cotidiano, relacionamentos, sexualidade. In: A transformação da intimidade: sexualidade, amor & erotismo nas sociedades modernas. São Paulo : Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993.
GIDDENS, Anthony. Foucault e a sexualidade. In: A transformação da intimidade: sexualidade, amor & erotismo nas sociedades modernas. São Paulo : Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993.


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