A síndrome da busca do “verdadeiro eu”

July 22, 2017 | Autor: Joao Angelo Fantini | Categoria: Self and Identity, Psicanálise, Filosofia Psicanalise, Immaginario simbolico
Share Embed


Descrição do Produto

A síndrome da busca do “verdadeiro eu” A busca contemporânea por uma “essência humana” talvez possa ser associada a uma série muito variada de comportamentos e movimentos sociais, que vão da ciência até as novas formas de obscurantismo. Nesse sentido, o esforço em busca de um “sujeito autônomo”, distanciado dos papeis sóciosimbólicos preestabelecidos, pode assinalar uma forma de angústia sentida como perda da identidade. Em suma, a angústia é correlativa do momento em que o sujeito está suspenso entre um

tempo em que não sabe mais onde esta, em direção a

um tempo onde se será alguma coisa na qual jamais se poderá se reencontrar. É isso aí, a angústia. (Lacan, 1956-

57/1995, p. 231).

A fonte de angústia primeira no entanto para a psicanálise é o fato da criança ser objeto que recobre a falta – lugar do falo materno – e portanto herdeiro na cadeia significante do desejo do Outro: o que o Outro quer de mim? a questão do desejo do Outro, do ‘Que queres de mim?’ leva à relação entre lei e desejo, ocultada pelo complexo de Édipo: desejo e lei, que parecem opor-se numa relação de antítese, não são senão uma única e mesma barreira, para barrar-nos o acesso à Coisa. Assim, a criança-falo encontra seu lugar no desejo em relação a falta estruturante, que marca a castração materna e ao mesmo tempo o lugar da criança como objeto da falta no Outro (o falo imaginário). A dialética do desejo se situa aí, diz Lacan (1964): um falta recobre a outra, fazendo junção do desejo do sujeito com o desejo do Outro. Para a criança então, a angustia provem da impossibilidade deste lugar de realização do desejo materno, o que no plano imaginário pode evocar fantasias de fusão com o corpo materno, o perigo de uma possessao anunciada pela angustia. Se a a criança tem relação com o falo, diz Miller (1997) e apenas como um objeto qualquer, que faz suplência à falta. Por seu lado, na sua função de terceiro termo, o que o pai faz na sua função simbólica de fato não é ‘impedir’ o contato da criança com o objeto de gozo, isto é, a Coisa materna: ao contrário, o que ele faz é sustentar a ilusão de que esta intervenção impediu o impossível livre acesso ao objeto incestuoso. Daí ser uma metáfora paterna, e não o pai de carne e osso. No momento, no entanto, que esta metáfora não funciona (o que ‘produz’ a faltai), o sujeito se

depara com a angústia. Essa angústia pode ser pensada deste modo como resultado da proximidade de algo que ameaça deixar o eu sem recurso, enfim uma ameaça de desaparecer. O chamado ‘declínio da metáfora paterna’ coloca hoje em discussão o paradoxo de que quanto mais os sujeitos são livres para ‘reflexivamente construírem sua identidade’ (fora dos lugares simbólicos pré-estabelecidos pela tradição), mais têm que suportar o contraponto do anonimato. A idéia de uma crescente ‘angústia do anonimato’ parece indicar para algumas contradições em relação ao discurso vulgar no ocidente da liberdade suportada pela ‘escolha do sujeito fora das amarras da tradição ou da natureza’. De outro modo, como seria possível pensar porque então, se podemos ‘ser quem quisermos’, existir no mundo ocidental uma corrida desenfreada em busca de se tornar uma celebridade? Não seria possível pensar isso como sintoma da indiferenciação do anonimato? Uma das respostas encontradas fora da psicanalise a estas questões relacionadas à identificação pode ser encontrada na teoria da Sociedade de Risco de Anthony Guiddens um dos pensadores mais difundidos sobre estes temas hoje, que sustenta a idéia da possibilidade do sujeito realizar suas escolhas a partir de parâmetros próprios. A regulação desta autogênese, para Giddens, estaria fundada numa espécie de ‘fala interna’:

“O desenvolvimento da atenção reflexiva implica, como ponto de partida básico, o reconhecimento da escolha.(...) A conversa consigo mesmo é uma reprogramação, uma maneira de se considerar até que ponto as rotinas estabelecidas podem ser modificadas ou, se possível, descartadas.” (Giddens,1993:103).

Sem entrar no mérito de que essa fala implica uma lógica de divisão do sujeito (com quem este sujeito “consciente” fala?), o ‘risco intrínseco’ reconhecido pelo autor neste processo de escolha inclui a possibilidade de não se ter certeza absoluta das escolhas, como

por exemplo, dos efeitos dos alimentos genéticos sobre o corpo humano ou ainda sobre as conseqüências da pesquisa genética. A sugestão de Guiddens, no entanto, é que não tenhamos nem uma atitude intransigente, nem tampouco sejamos condescendentes, pois se trata do ‘saber da ciência’. O democratismo de Guiddens é inegavelmente sedutor, afinal, quem não quer ‘ser’ o que gostaria? Porque aceitar a “escolha forçada” da entrada no simbólico, aquele lugar desde sempre pronto à nossa espera, se podemos escolher um outro lugar no mundo? A psicanálise, ciência do erro e mensageira histórica das más notícias, está no entanto atenta a outra reflexividade, a inconsciente. Assim, mantém seu foco de interesse sobre as conseqüências da desintegração das estruturas tradicionais, as novas angústias e as possíveis saídas entre a antiga “noção de responsabilidade pessoal e identidade (como gênero sexuais fixos e estrutura familiar) e a nova situação de fluidez, identidades mutáveis e múltiplas escolhas” (Zizek, 2000 : 342). A positivação desta angústia — sem o aparato da metáfora protetora patern e materializando-se na dúvida da identidade — encontra um exemplo cômico na agência “Slave are us”, em Nova York, citada por Zizek (2004). Nesta agência, executivos e funcionários bem pagos se oferecem para limpar apartamentos de graça, desde que os moradores concordem em tratá-los rudemente, como se fossem antigas donas de casa. Eles justificam este comportamento dizendo que estão simplesmente cansados de passar por mudanças o tempo todo. Outra ilustração irônica pode ser encontrada no filme Clube da luta (Dir: David Fincher, 1999) , nas cenas em que o personagem Jack procura dominar sua angústia freqüentando todo tipo de grupos de auto-ajuda, entre eles o “Permanecendo Homens Juntos”, para homens que perderam os testículos. …................................................................ O esforço de cada um para ser “verdadeiramente ele”, mesmo para pensadores como Giddens, poderia, aind,a gerar sintomas corpóreos. Assim, diz ele, a anorexia por exemplo poderia ser pensada como uma reação defensiva aos efeitos da incerteza artificial na vida cotidiana, resultado do esvaziamento

dos contextos locais de ação — o “desencaixe” de atividades — que implicam processos de destradicionalização intensificada. A

busca

do

“eu

verdadeiro”

pode

ser

relacionada

a

discussão

contemporânea da autonomia do sujeito pode ser detectada em diversas modalidades de discursos. Na publicidade atual por exemplo, com poucas variações e muita freqüência se atualiza esta questão como uma forma de mantra: 'você pode ser o que quiser, só depende de você' (claro, você tem que consumir algo). É, no entanto, este “sujeito autônomo” — reflexivizado — que funcionaria como ego consciente - justamente - o sujeito angustiado desta época. Para a Psicanálise a questão é ainda mais crucial: a idéia de reflexivização (na acepção da teoria da “Sociedade de Risco”) só seria possível em se descartando o inconsciente como substância que resiste a reflexivização. A “reflexividade”, aliás, lembra Zizek 1 . , é o próprio cerne da teoria psicanalítica: na histeria, a impossibilidade de satisfazer o desejo é reflexivamente invertida no desejo de não-satisfação, o desejo de manter o próprio desejo insatisfeito; na neurose obsessiva, encontramos o reverso da regulação “repressiva” no desejo do desejo de regulação. Este “masoquista” retorno reflexivo, continua Zizek (2000), por meio do qual os procedimentos regulam a repressão por si mesmos, são investidos libidinalmente e funcionam como uma fonte de satisfação libidinal, oferecendo a chave de como os mecanismos de poder funcionam: os mecanismos regulatórios de poder permanecem operativos apenas na medida em que são secretamente sustentados pelo verdadeiro elemento, que se esforça para “reprimir”. Assim funcionam, por exemplo, o ascetismo, onde o discurso de menosprezar o corpo, reflexivamente aparece no fato de que todo o discurso é sobre o corpo; ou nos teleevangelistas que reclamam da decadência de valores e de como isso afeta os valores morais, e no entanto oferecem como recompensa aqueles que seguem a subscrição ‘aos mais altos valores morais que a sociedade de consumo destruiu’, não uma vida espartana alimentada pela espiritualidade, mas uma vida narcísica cercada de mercadorias, no sentido mais liberal e capitalista. 1

. ZIZEK, S. The Ticklish Subject: The Absent Centre Of Political Ontology (Wo Es War). New York, Verso. 2000.

O sujeito pós-moderno é obrigado a sustentar as responsabilidades por decisões das quais é forçado a fazer sem conhecimento próprio da situação: esta suposta liberdade de decisão desfrutada pelo sujeito na ‘sociedade de risco’ de Guiddens aparece assim como uma liberdade ‘provocadora de ansiedade’, de alguém que é constantemente compelido a tomar decisões sem estar consciente das conseqüências: destituído da dimensão divina ('minha escolhas são guiadas por Deus'), do inconsciente ('minhas decisões não são totalmente conscientes'), da utopia política ('as razões de estado'). Sobra a este sujeito, a angústia do desamparo de ter que sustentar uma verdade não partilhada (o ‘somos todos culpados’ do catolicismo ou ‘o homem não é senhor na sua própria casa’ freudiano) Por

outro

lado,

Freudianamente,

Giddens

volta-se

para

a

máxima

psicanalítica de que toda diferença, cedo ou tarde, defronta-se com a sexualidade, o que não implica uma solução real para o impasse, como defende Guiddens: (...)

A

identidade

sexual

poderá

ser

formada

pelas

diversas

configurações de traços relacionando a aparência, a conduta e o comportamento. A questão da androginia seria estabelecida em termos do que poderia ser justificado como uma conduta desejável — e nada mais. (1993:217) Para a psicanálise, a lógica do desejo é estar sempre em outro lugar, ou seja, não há saída ‘positiva’ para a questão da sexualidade. Isto explica porque a multiplicidade de gêneros e tipos sexuais hoje não garantem a saída ao impasse da sexualidade.Um exemplo do lugar da falta no desejo é o ciúme (para Lacan, o arquétipo dos afetos sociais) que se distingue de qualquer rivalidade vital (como seria uma disputa por alimentos), na medida em que ele cria seu objeto. Por fim, os resultados desta angústia resultante da busca do “verdadeiro eu” podem ser pensadas em seus by-products, inscritas nas praticas sociais em vários campos do fazer humano, como na política (o aparecimento de lideres autoritários que sabem a verdade); nas inscrições no corpo (a busca de marcas identificatórias únicas); na ciência (a redução do sujeito ao corpo e a profusão de medicamentos que garantem ‘a volta a normalidade idílica); no mundo da auto-ajuda (onde a busca do verdadeiro eu passa cedo ou tarde por Deus (Grande Outro); nas políticas de diversidade (as micropolíticas da identidade);

nas ações afirmativas (a tentativa de positivar o real da raça).

i

The syndrome of seeking "real me"

The contemporary search for a "human essence" may be associated with a varied range of behaviors and social movements, ranging from science to the new forms of obscurantism. In this sense, the effort to seek an "autonomous subject", far removed from the socio-symbolic pre-established roles, may signal a form of anxiety experienced as loss of identity. The first source of anxiety for psychoanalysis is that the child will be covering the missing object - instead of the maternal phallus - and thus heir to the signifying chain of desire of the Other: what the Other want from me? the question of the desire of the Other, 'What you want from me? "leads to the relationship between law and desire, hidden by the Oedipus complex: desire and law, which seem to oppose a relation of antithesis, are but one and the same barrier to stop us access to the Thing. What the father does in his symbolic function is in fact not 'prevent' the child's contact with the object of enjoyment, that is, the maternal thing: rather, what it does is to sustain the illusion that this intervention prevented impossible to free access to the incestuous object. Hence it is, as Lacan says, a paternal metaphor, not the father of the flesh. At the moment, however, that this metaphor works in (which 'produces' lack) the subject is faced with distress. This anxiety can be thought of then as a result of the proximity of something that threatens to leave me without resource, and finally a threat of extinction. The so-called 'decline of paternal metaphor' discussed today puts the paradox that the more subjects are free to 'reflexively construct their identity' (symbolic places outside the preestablished by tradition), most have to bear the counterpoint of anonymity. The idea of a growing 'anguish of anonymity' seems to indicate some contradictions in relation to the ordinary speech of freedom in the West supported the "choice of the subject out of the shackles of tradition or nature '.Otherwise, how could anyone think of why, if we can 'be who we want', in the western world there is a wild race in pursuit of becoming a celebrity? It would not be possible to think of it as a symptom of differentiation of anonymity? The fundamental idea of identification found in the theory of Risk Society Guiddens - one of the most widespread thinkers on the subject today - supports the idea of the possibility of the subject make your choices from the parameters themselves. The setting of this autogenesis to Giddens, was founded in a kind of 'inner speech': "The development of reflexive attention involves, as basic starting point, the recognition of choice .(...) The conversation with yourself is a reprogramming, a way to consider the extent to which established routines can be modified or, if possible , dismissed. "(Giddens, 1993:103). Without going into the merit of that speech by the logic implies a division of the subject (the conscious subject who speaks?), The 'inherent risk' recognized by the author in this process includes the possibility of choice, for example, not be absolutely sure the genetic effects of food on the human body or about the consequences of genetic research. The suggestion, however, is not to have even an intransigent attitude, nor do we condone, as it is the 'knowledge of science'. The democracy is undeniably seductive, after all, who does not want to 'be' what would you like?Why accept a "forced choice" entry into the symbolic (which is opposed to psychosis), this place has always been ready waiting for us if we can choose a place in the world? Psychoanalysis, science of historical error and messenger of bad news, however is aware the other reflexivity, unconscious. So, keep your focus of concern about the consequences of the disintegration of traditional structures, new anxieties and possible solutions between the old "notion of personal responsibility and identity (such as gender and sexual fixed family structure) and the new situation of fluidity, changing identities and multiple choices " The positivation this distress - without the protective apparatus of the paternal metaphor, and materializing the question of identity - is a comic example in the agency "Slave Are Us" in New York quoted by Zizek (2004). In this agency, executives and highly paid employees volunteer to clean apartments for free, since residents agree to treat them rudely, as if they were old housewives. They justify this behavior by saying they are simply tired of going through changes all the time. Another illustration is ironic in the movie Fight Club, in the scenes where the character Jack seeks to master his anguish attending all kinds of self-help groups, including the "Remaining Men Together," for men who lost their testicles.

The effort of each to be "truly him," even for thinkers like Giddens, could lead to bodily symptoms. Thus, he says, the anorexia could be thought of as a defensive reaction to the artificial effects of uncertainty in everyday life as a result of depletion of local contexts of action - the "undock" activities - involving processes detraditionalization intensified. The search for the "true self" seems to lie in contemporary discussion of the autonomy of the subject in various types of speeches. The current advertising discourse for example, with few changes and updates very frequently this issue as a mantra: you can be whatever you want, just depends on you (of course, you have to eat something). It is, however, this "autonomous subject" - reflexivizado - which act as the conscious ego, precisely, the subject of this troubled time. For psychoanalysis the question is even more crucial: the idea reflexivização (under the theory of "Risk Society") is only possible in disposing of the unconscious as a substance that resists reflexivização. The "reflexivity", in fact, Zizek reminds. Is the very core of psychoanalytic theory: the hysteria, the inability to satisfy the desire is the desire to reflexively inverted non-satisfaction, the desire to keep his own unsatisfied desire; in obsessional neurosis we find the reverse of regulation "repressive" the desire of the desire for regulation. This "masochistic" return reflective continues Zizek (2000), through which the procedures governing repression by themselves, are libidinal investment and act as a source of libidinal satisfaction, providing the key to how the mechanisms of power work: the regulatory mechanisms of power remain operative only insofar as they are covertly supported by the real element, which strives to "repress": so for example the work asceticism, where the speech of ignoring the body reflexively appears in the fact that all discourse is on the body or the televangelists who claim the decay of values and how it affects moral values, yet offer as reward those who follow the subscription 'to the highest moral values that the consumer society destroyed, "not a Spartan life nourished by the spirituality, but a narcissistic life surrounded by goods, in the most liberal and capitalist at the top in consumer society. The postmodern subject is required to sustain the responsibility for decisions which are forced to do without proper knowledge of the situation: this supposed freedom of choice enjoyed by the subject in the 'risk society' Guiddens of freedom appears as an 'anxietyprovoking ', someone who is constantly compelled to make decisions without being aware of the consequences: removed the divine dimension (my choices are guided by God), the unconscious (my decisions are not fully conscious), the political utopia (the reasons for the Soviet state ). On this subject, the anguish of helplessness having to support a true nonshared (the 'we are all guilty' of Catholicism or 'man is not master in his own house' Freudian) On the other hand, in Freudian terms, Giddens turns to the maximum psychoanalytic all difference, sooner or later, confronted with sexuality, which does not imply a real solution to the impasse, as advocated Guiddens: move towards androgyny.For psychoanalysis, the logic of desire is always somewhere else (the unconscious), that is, no way out 'positive' to the question of sexuality. This explains the multiplicity of genres and types sex today do not guarantee the output to the deadlock of sexuality. An example of the place of desire is lacking in jealousy (for Lacan, the archetype of the social emotions) that is different from any rivalry vital (as it would be a competition for food), to the extent that it creates its object. Jealousy exemplifies the fact that the subject only access to your desire by the double (Unheimlich). The results of this anguish resulting from the pursuit of "true self" in social practices are inscribed in various fields of human making, as in politics (the emergence of authoritarian leaders who know the truth), the inscriptions on the body (the search for unique identificatory marks ) science (subject to the reduction of the body and the profusion of drugs that ensure 'the idyllic back to normal) in the world of self-help (where the quest for truth sooner or later I pass by God (Another Big) in diversity policies (the micropolitics of identity), the affirmative action (the attempted positivism actual race).

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.