A Sociedade Internacional Global e os Desafios do Novo Milênio: Da luta interestatal à emergência do terrorismo globalizado

June 7, 2017 | Autor: Leonardo Bandarra | Categoria: Terrorism
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O Fórum Centro-Oeste de Relações Internacionais (FoCO RI) é um projeto acadêmico desenvolvido por alunos de graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Tendo como objetivo preparar os estudantes para o FoCO RI, a RI em FoCO se propõe a condensar tanto os relatórios dos grupos de estudo quanto artigos produzidos por outros estudantes e por convidados do evento. Desta forma, a RI em FoCO procura servir como uma orientação geral para o evento, assegurando a coesão do evento dentro de linhas mestras.

Conselho editorial: Mariana Barros da Nóbrega Gomes Mário Augusto Frasson Rafael de Souza Pavão Victória Monteiro Sousa Santos Projeto e edição gráfica: Carolina Sanches Lecornec Dias

RI em FoCO RI e os debates contemporâneos sobre segurança: possibilidades e limites do Direito Internacional Número 1 – Outubro de 2012 Coordenação: Mariana Barros da Nóbrega Gomes Mário Augusto Frasson Projeto e edição gráfica: Carolina Sanches

Instituto de Relações Internacionais Campus Universitário Darcy Ribeiro – Gleba A Caixa Postal: 04306 70919-970 – Brasília – DF [email protected]

Editorial Mário A. Frasson

Segurança: confrontando perspectivas, buscando definições Security: confronting perspectives, looking for definitions Bárbara Bueno Débora Lobato Henrique Benassi Jasmim Madueno

Controvérsias de Intervenção no Direito Internacional Interventions Controversies on the International Law Ana Júlia Fernandes Ana Luiza Pessato Pena Denisse Veja Flores Jaqueline Azevedo Julia Rovery de Souza

Abordagens pós-positivistas de Relações Internacionais sobre Ordem Internacional Post-positivists aproaches in International Relations about International Order Larissa Pressotto João Paulo Nacarate Thais Oliveira

Do tradicionalismo à modernidade: a política de segurança brasileira From traditionalism to modernity: the Brazilian security policy Amanda Evelyn Cavalcanti de Lima Ana Maria de Sousa Chagas Jéssika Santiago de Assis

Organizações internacionais: equilibrando as demandas da Segurança e do Direito Internacional International Organizations: balancing demands of Security and International Law César Costa Carvalho Fabiane C. Almeida Freitas Luisa Maria Silva Merico Sarah Raquel Fróz Silva Thábita de Maria S. Pereira

Além do humanitário: segurança, política e direito no regime internacional de proteção aos refugiados Beyond the humanitarian: security, politics and Law in the international regime of refugees’ protection Ananda Carvalho Martins Deborah Cristina Rodrigues Ribeiro Patrícia Nabuco Martuscelli

A Sociedade Internacional Global e os Desafios do Novo Milênio: Da luta interestatal à emergência do terrorismo globalizado The Global International Society and the Challenges of the New Millennium: From the interstate struggle to the globalised terrorism Fernanda Ferreira de Freitas Leonardo Carvalho Leite Azeredo Bandarra

Missão de paz da ONU e o Congresso Nacional do Brasil UN peace operations and the Brazil’s National Congress Helvisney dos Reis Cardoso Lucyane Bertrand Pinto

A relação entre Direito Internacional e Segurança Internacional na América Latina contemporânea The relation between International Law and International Security in the contemporary Latin America Andressa da Mota Silveira Rodrigues Humberto Mayese Correa Jamerson S. Albuquerque Oliveira

América do Norte – Direito e Segurança North America – Security and Law Gustavo Huppes Simone Lima

O processo de securitização na Primavera Árabe – Estudo comparado dos casos da Líbia, Síria e Bahrein The securitization process of the Arab Spring A comparative study on the cases of Libya, Syria and Bahrein Liliane Pessoa Silva Pedro Henrique L. do Nascimento Rodrigo Guerra Bergmann

A expansão da agenda de segurança na Ásia-Pacífico: uma análise em zoom out The expasion of the security agenda in Asia-Pacific: an analysis in zoom out Letícia Tofoli Márcio Nascimento Ricardo Prata Filho

ENCICLOPÉDIA

É com imenso prazer que lhe apresento as primeiras palavras da RI em FoCO, uma revista gestada desde a fundação do Fórum Centro-Oeste Relações Internacionais (FoCO RI), em 2009. Esta revista que tem em mãos é um resultado tanto de um esforço de toda equipe do IV FoCO RI, quanto do histórico de comprometimento do fórum com a excelência acadêmica. A RI em FoCO é uma consolidação de esforços para a criação de espaços para reflexões e para debates de estudantes de graduação em Relações Internacionais. Sem abrir mão da busca por excelência acadêmica e por pluralidade de opiniões, esta revista chega à sua forma final expondo as reflexões da equipe e de colaboradores em torno do tema central do IV FoCO: RI e os debates contemporâneos sobre segurança – possibilidades e limites do Direito Internacional. Pensando nas relações entre Direito e Segurança Internacionais, propôs-se o FoCO RI a levantar as harmonias e as contradições desta relação. Em tempos de questionamentos emergentes sobre a ordem internacional, de dúvidas sobre as estruturas de segurança internacional e de demandas urgentes ao Direito Internacional; esta revista vem insistir em debater e em explorar pontos de tensão. Organizando as discussões em três grandes grupos temáticos – grandes temas; conhecimento aplicado; e estudos de área –, a RI em FoCO tenta estabelecer um panorama geral não pra sustentar opiniões a ela alheias, mas sim para iniciá-los. Ou seja, não se propõe aqui respostas definitivas, mas se procura oferecer reflexões iniciais para que os leitores cheguem às suas conclusões. Se esta RI em FoCO não é a síntese máxima do IV FoCO RI, é parte indissociável de seus impulsos fundamentais à guisa de novos diálogos. Entre todos os seus desdobramentos possíveis, a revista faz um último esforço em suas últimas páginas: a Enciclopédia do FoCO, um compêndio de referências básicas que pretende fornecer informações para iniciar pesquisas nos temas aqui levantados. Ainda que seja uma resultante de muitos esforços, esta revista é apenas uma tentativa de início. O que deixamos aqui é somente uma contribuição para a reflexão, um primeiro movimento que precisará ser animado tantas outras vezes. Porém, fica aqui o primeiro passo, o início necessário em suas virtudes e em seus defeitos; mas um início. Um bom IV FoCO RI a todos nós,

MÁRIO A. FRASSON Coordenador acadêmico – IV FoCO RI

RESUMO

ABSTRACT

O artigo traça uma panorama sobre o campo de estudos de segurança dentro das Relações Internacionais, começando por uma abordagem histórica e apresentando, em seguida, diferentes perspectivas sobre a segurança e os pontos fortes assim como os pontos de crítica de cada uma destas. Por fim, são apresentadas análises de temas relacionados ao campo de segurança com vistas a se mostrar como as correntes teóricas podem ser aplicadas.

This paper provides an overview of the field of security studies in International Relations. It begins with a historical approach, then different perspectives within the field are presented, and their strengths as well as the critiques that can be made to them are also presented. Finally, topics related to the international security field are analyzed in order to show how the theoretical strands may apply.

PALAVRAS-CHAVE: Segurança Internacional, Segurança Humana, Securitização, Terrorismo, Intervenção Humanitária.

KEYWORDS: International Security, Human Security, Securitization, Terrorism, Humanitarian Intervention.

1

Débora Lobato cursa o 4° semestre de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB). Esta é segunda vez que participa do Fórum do Centro Oeste de Relações Internacionais (FoCO-RI), já participou, também, da organização de dois outros projetos da UnB e foi membro do Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CAREL) da UnB por dois anos. Bárbara Bueno cursa o 3° semestre de Relações Internacionais da UnB. Já participou da organização de outros projetos da UnB, tendo sido coordenadora do projeto social AMUN Kids. É membro da atual gestão do CAREL e do PET-REL.

1. INTRODUÇÃO O presente artigo objetivava, inicialmente, traçar uma definição consistente de segurança, perante análise da evolução do campo de estudo ao longo do tempo e avaliação dos estudos contemporâneos de segurança. Apesar de ter -se empreendido o método descrito, não foi possível traçar a definição precisa de segurança que se pretendia. Ao contrário, tornou-se evidente a importância de cada uma das múltiplas definições propostas, como será notada ao longo do artigo. Este será estruturado da seguinte forma: será apresentada, em seguida, a evolução histórica do conceito. Na terceira seção serão apresentadas as teorias contemporâneas em torno das quais o debate sobre segurança se concentra, sendo todas avaliadas criticamente. Na última seção, serão apresentados três casos práticos em que o conceito de segurança pode ser aplicado, de modo que os conceitos trabalhados e desenvolvidos ao longo do artigo sejam efetivamente testados. 2. SEGURANÇA: ARCABOUÇO CONCEITUAL A presente seção traça uma evolução histórica do campo de estudo de segurança, se estruturando em torno de três marcos: a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria e, em seguida, apresenta duas principais vertentes deste: a que preza por sua ampliação e a que defende

sua restrição. O objetivo, aqui, é apresentar um panorama do campo de segurança, de modo a embasar as subsequentes análises. 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO O conceito de segurança tem sido objeto de discussão de teóricos das relações internacionais desde a formação deste campo de estudo, sendo possível remeter a preocupação normativa com questões de segurança internacional a períodos que precedem a formação da disciplina. De modo a sistematizar o estudo do conceito e de sua evolução até os debates contemporâneos, será adotada uma linha temporal que se divide em um período anterior à Segunda Guerra Mundial, sendo o marco escolhido a explosão da bomba atômica em 1945, um período que compreende do pós Segunda Guerra, até o fim da Guerra Fria, em 1991, e, por fim, o período do pós Guerra Fria, que se estende até os dias atuais. 2.1.1 Vertente dos Estudos de Guerra e Paz anteriores à Segunda Guerra Mundial A guerra é um dos aspectos mais analisados das relações internacionais, tendo sido um dos objetos de estudo que impulsionou a formação da própria disciplina. O Diálogo Mélio, do livro A Guerra do Peloponeso, de Tucídides, contrapõe o poder militar dos atenienses ao

poder meramente discursivo – e fundamentado por questões de moral e de justiça – dos mélios em uma contenda entre os dois povos, na qual os últimos tentavam dissuadir os atenienses a invadi-los sem ter de curvar-se ao poderio destes. O texto, nos primórdios das reflexões sobre guerra e paz e sobre qual destes – capacidades materiais ou valores morais – se sobressairia no cenário internacional, impulsionou e até hoje inspira estudos sobre a guerra. As ditas reflexões se desenvolvem paralelamente ao desenvolvimento das próprias civilizações, cabendo citar aqui Kant (2008 [1795])2 que, em sua obra A Paz Perpétua, reflete sobre as condições que possibilitariam o estabelecimento da paz entre os países. O autor enfatiza, dentre as referidas condições, que a Constituição Civil de cada Estado deve ser republicana, pois o soberano não agirá despoticamente e o povo, consciente dos sofrimentos que lhe serão infligidos na guerra, seja pela imposição de que combate por seu país ou mesmo pelas percas de patrimônio que pode vir a sofrer, hesitará em deliberar favoravelmente à mesma. Semelhante argumento é desenvolvido pela Teoria da Paz Democrática, segundo a qual, democracias não entram em guerra com outras democracias (NOGUEIRA & MESSARI, 2005). Apesar da semelhança, deve-se 2

lembrar que a defesa ao modelo republicano de Kant não implica defesa da democracia como condição para a paz, tendo o próprio autor pontuado esta distinção explicitamente em sua obra3. Norman Angell (2002 [1910]) seguiu a tradição de pensamento kantiana, tendo argumentado no sentido de provar como a guerra é econômica e socialmente fútil e como seria cada vez menos frequente à medida que se ampliasse a interdependência entre os países. O autor busca, deste modo, desconstruir a ilusão de que o bem-estar e a prosperidade nacional dependem da capacidade do país de expandir suas fronteiras e de extrair as riquezas dos outros países mediante a força: para Angell (2002), a riqueza dos países se basearia em créditos e contratos oriundos das relações econômicas entre os agentes e resultantes de uma crescente interdependência, de modo que a guerra, ao dificultar o andamento ordinário das relações citadas, se tornaria inviável. Percebe-se, logo, que o conceito de segurança ficava circunscrito aos estudos de guerra e paz, havendo, no período anterior à Segunda Guerra Mundial, uma expectativa de que se poderia evitar um conflito semelhante à Primeira Guerra Mundial através da aplicação efetiva da lei internacional e também em virtude da

É importante ressaltar que Kant entende o republicanismo como "o princípio político da separação entre o poder executivo (governo) e o legislativo" (KANT, 2008 [1795], p.13-14). 3 O autor afirma, inclusive, que a democracia seria um despotismo, na medida em que estabelece um poder executivo em que "todos decidem sobre e, em todo caso, também contra um (que, por conseguinte, não dá o seu consentimento), portanto todos, sem no entanto serem todos, decidem - o que é uma contradição da vontade geral consigo mesma e com a liberdade (KANT, 2008 [1795], p. 14).

percepção da inutilidade da guerra para atingir fins econômicos com o fim do mercantilismo (FREEDMAN, 1998). Com o advento da Segunda Guerra Mundial e com a explosão das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, houve uma mudança na orientação dos estudos sobre segurança, que culminou na vertente estratégica destes estudos, que será explorada a seguir. 2.1.2 Vertente Estratégica – Entre 1945 e o fim da Guerra Fria A vertente estratégica de estudos sobre segurança dominou o meio acadêmico nas décadas de 50 e 60, período denominado Golden Age, tendo sido especialmente voltada para o estudo das armas nucleares e de como estas poderiam ser estrategicamente utilizadas de modo a minimizar os riscos de uma hecatombe global (FREEDMAN, 1998). Ainda que a notabilidade desta vertente date do período descrito, ela remete a estudos mais antigos, como os empreendidos por Clausewitz e Sun Tzu4. Antes de analisar mais a fundo a vertente estratégica dos estudos de segurança é importante delimitar o que se entende por 4

estratégia. Será usada a definição de Baylis e Wirtz (2007) de que a estratégia é o meio pelo qual os efetivos militares são traduzidos em resultados políticos. Desta forma, uma estratégia de sucesso identifica objetivos e vantagens comparativas em relação ao inimigo, calcula custos e benefícios, examina riscos e estratégias alternativas e, por fim, convence o inimigo de que ele não conseguirá atingir seus objetivos (BAYLIS & WIRTZ, 2007). A questão de uma estratégia nuclear foi primeiramente problematizada por Brodie em 1946. Este buscou demonstrar como a posse de armas nucleares mudava a posição dos países em termos de segurança no cenário internacional. Brodie enfatiza, especialmente, a necessidade de que um país tenha poder de retaliar ofensivas no mesmo grau em que estas são feitas, o que, na era nuclear, pode ser entendido como a difusão da posse de armas atômicas de modo a criar uma situação de deterrence5. Deste modo, Brodie percebe as armas nucleares como meio de se evitar guerras e não como meios de se decidir quem será o vencedor das próximas guerras (BRODIE apud STEINER, 1991). A supracitada estratégia de deterrence foi, no entanto, levada a efeito de diferentes

Ambos desenvolvem estudos relativos à estratégia militar, sendo que Clausewitz coloca que a natureza da guerra deve ser entendida para que se possa desenvolver uma estratégia efetiva. É deste autor a máxima: "a guerra é a continuação da política por outros meios". Sun Tzu também foi um estrategista de guerra: no entanto, este se diferencia de Clausewitz na medida em que acredita que o inimigo pode ser vencido sem um necessário "banho de sangue". Neste sentido, Sun Tzu recomenda a destruição da estratégia do inimigo -mediante, por exemplo, ataque a sua alianças - em detrimento da destruição do exército do inimigo por si só, como recomendado por Clausewitz (MAHNKEN, 2007). 5 Por deterrence será entendido o processo de se dissuadir um inimigo a usar armas nucleares contra um dado país através da ameaça de potencial retaliação por meio de semelhante armamento.

modos em relação aos desenvolvimentos nucleares da então União Soviética. Até 1949, quando a então União Soviética testou sua primeira bomba nuclear, essa estratégia se baseava em uma superioridade nuclear dos EUA. A partir de então, e dos sucessivos desenvolvimentos das armas nucleares dos soviéticos, a estratégia de deterrence passa a se basear na teoria de Destruição Mútua Assegurada, de John Von Neumann, na qual se afirma que o uso de armas de destruição em massa por dois lados opositores resultaria na aniquilação completa de ambos (MCDONOUGH, 2005). Este período dos estudos estratégicos entrou em declínio a partir dos anos 60, quando a teorização sobre deterrence e estratégias nucleares se esgotou, não havendo muitas inovações e tendo permanecido os mesmos dilemas. Somam-se a isso as falhas percebidas dos estudos vigentes, que não possuíam uma boa base empírica para suas conclusões6 e que focavam em excesso a parte militar, negligenciando aspectos políticos. Além disso, contribuíram, também, a incapacidade dos EUA de vencer a Guerra do Vietnã, que colocou em dúvida as estratégias militares vigentes e o arcabouço teórico que as desenvolveu e a situação de détente dos EUA e URSS, que reduzia a importância de questões militares e abria espaço para a emergência de questões relativas à crescente interdependência econômica mundial (WALT, 1991). 6

A partir da década de 70, no entanto, surgiu uma nova onda de estudos estratégicos, com o fim da Guerra do Vietnã em 1975, com o maior financiamento do campo e com o fim da détente e as tensões entre EUA e URSS que ressurgiam. Esse renascimento dos estudos, como denominado por Walt (1991), se caracterizou por uma maior utilização da história na teorização, pelo questionamento a suposições básicas da teoria de deterrence e pelo desenvolvimento de novas estratégias para lidar com a questão das armas nucleares, dentre outras mudanças que diferenciam esta fase da Golden Age (WALT, 1991). Logo, os estudos estratégicos, como um todo, começam a ser questionados por, dentre outros motivos, uma obsessão com o conflito e a negligência de questões éticas; pela abordagem pouco acadêmica; por não levarem a uma efetiva resolução para os problemas de segurança – que assumiam novas dimensões, como econômica e societária –; e pelo caráter estadocêntrico em um período em que novas ameaças,não restritas ao Estado, estavam sendo identificadas (BAYLIS,WIRTZ, 2007). Mais do que isso, com o fim da Guerra Fria e o fim da União Soviética, a bipolaridade bem como a existência de um grande inimigo deixam de guiar a agenda internacional dos países (FREEDMAN, 1998), abrindo espaço para os novos conflitos que surgiam como a

A fraca base empírica se devia, principalmente, à própria dificuldade de se acessar as informações que eram frequentemente de acesso restrito.

descolonização africana, com a emergência de movimentos separatistas no leste europeu e como os problemas fronteiriços envolvendo a questão da migração e dos refugiados. Frente a estas alterações na agenda internacional dos países, surge a necessidade de reorientação dos estudos de segurança, que culminaria na vertente amplas dos Estudos de Securitização. 2.1.3 Vertente Ampla dos Estudos de Segurança e Teoria de Securitização Como delineado anteriormente, a partir da década de 80, surgem novas vertentes dos estudos de segurança, com um crescente declínio dos estudos estratégicos e um aumento de teorias que prezam por uma ampliação do conceito de segurança, de modo a extrapolar o setor exclusivamente militar. Ullman (1983) criticou a política de segurança do governo dos EUA, por sua estreiteza e sua preocupação quase que exclusiva com assuntos militares. O autor, então, propõe que sejam consideradas ameaças à segurança nacional, por uma lado, aquelas que levem a uma degradação, drástica e em curto prazo de tempo, da qualidade de vida dos habitantes de um Estado e, por outro lado, ameaças que levem a um estreitamento do rol de opções políticas disponíveis para o governo do Estado bem como para as pessoas, grupos e corporações dentro do Estado. Buzan, Waever e De Wilde também buscaram integrar assuntos não militares aos

estudos de segurança no livro Security: A new Framework of Analysis, de 1997. Os autores, no entanto, buscam distinguir certos objetos de referência que podem ser enquadrados aos estudos de segurança, mediante o adequamento a certos critérios. Um deles seria a efetiva apresentação do objeto como alvo de ameaça tão significativa que este passe do domínio da política normal para o de políticas emergenciais. Deste modo, estes autores propõem a ampliação da agenda de segurança mas rejeitam o foco desta em todo assunto que seja relativo ao bem estar humano, pois assim o conceito se tornaria amplo em demasia, abrangendo tudo e perdendo sua funcionalidade (PEOPLES; VAUGHAN-WILLIAMS, 2010). Paralela à abordagem dos autores citados, enquadrada na Teoria de Securitização, há os Estudos Críticos de Segurança, que prezam por uma agenda ampla e pela emancipação dos indivíduos. Uma inovação no campo é, também, a introdução do conceito de segurança humana, desenvolvido no primeiro relatório de desenvolvimento humano do PNUD, em 1994. Há que se considerar, no entanto, que o fato destas vertentes serem escolhidas para análise ao longo do artigo não significa que os estudos contemporâneos de segurança se resumem à vertente ampla ou à teoria de securitização. Teorias tradicionais como realismo e liberalismo também orientaram correntes contemporâneos. Michael Doyle (1983) resgatou o argumento kantiano de

que repúblicas são menos propensas a entrar em guerras e utilizou-se de dados compilados por vários projetos behavioristas para sustentar a ideia da paz democrática (é importante ressaltar que Doyle interpreta o conceito kantiano de república como democracia). Por outro lado, os realistas, frente às mudanças no cenário internacional que enfraqueciam a teoria de Waltz, buscam novas orientações, redescobrindo, por exemplo, velhos conceitos do realismo. Stephen Walt, expoente do realismo neoclássico, resgatou os princípios préwaltzianos da centralidade da guerra, e apresentou duas importantes contribuições que podem se relacionar ao campo de estudo de segurança: a troca do conceito de balança de ameaças por balança de ameaças, com a instituição do conceito de bandwagon7; e a suposição de que é o estudo da guerra que define o estudo da segurança internacional (NOGUEIRA & MESSARI, 2005). Percebe-se, logo, que os estudos ligados à segurança se desenvolveram de modo conexo à conjuntura internacional, refletindo estruturas de poder e desenvolvimentos tecnológicos. Apesar do impulso de se perceber esta evolução tratada de forma linear e progressiva, no entanto, isto não deve ser feito, pois tal evolução apresenta períodos de maior enfoque de determinadas vertentes, não sendo estas limitadas ao período em que estão descritas. Os estudos sobre deterrence, por exemplo, tiveram seu 7

ápice na Golden Age, mas não se restringiram a este recorte temporal, e ainda hoje são feitas teorias sobre o poder de deterrence de armas nucleares. As novas vertentes que surgem contemporaneamente não são necessariamente melhores ou mais verdadeiras do que as antigas, pois cada uma tem seu valor diferenciado, explicando, muitas vezes objetos distintos e incomensuráveis. 2.2 DUAS ABORDAGENS DISTINTAS A partir de 1994, devido à publicação do quarto relatório das Nações Unidas sobre desenvolvimento humano, em que se discutiu o conceito de segurança humana, tornou-se viável a identificação de duas abordagens dentre do campo de estudos de segurança: uma normativa e outra analítica. A primeira prima por um foco na realidade humana, em detrimento de um rigor teórico, enquanto a abordagem analítica coloca em primeira plano a teorização, afirmando que um rigor metodológico é indispensável para que se possa analisar efetivamente os assuntos pertencentes ao campo de estudos de segurança. Os estudos normativos são mais recentes que os analíticos, tendo surgido somente após as operações de policymaking8 (FLOYD, 2007). Tanto a abordagem analítica quanto a normativa fazem parte da

Por bandwagon entende-se a reação do país A de se alinhar ao país B que lhe ameaça em vez de estabelecer alianças com os países C e D para contrabalançar o poder de B. 8 Por policymaking entende-se a decisão governamental de tornar determinado assunto objeto da esfera política, incorporando a questão ao quadro orçamentário e ao processo de decisão nacional.

teoria crítica dos estudos de segurança, que contesta a abordagem tradicional, focada somente nos Estados e preocupada, sobretudo, com ameaças militares. 2.2.1 Abordagem Normativa A abordagem normativa afirma que os indivíduos devem ser o principal foco dos estudos de segurança (FLOYD, 2007), sendo contrária à visão tradicional sobre o assunto, que vê o Estado como o único ator relevante. Assim, esta abordagem se preocupa com a segurança humana, conceito inicialmente desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 1994, que trata da garantia de que as pessoas possam exercer suas escolhas e determinar a própria vida sem o medo que esta capacidade seja repentinamente destruída (PNUD, 1994). Ainda de acordo com o relatório de 1994 do PNUD, o conceito de segurança humana abrangeria sete categorias: segurança alimentar, da saúde, econômica, ambiental, pessoal, comunitária e política. Percebe-se, pela própria forma como o conceito de segurança humana é construído, que este possui uma relação de mútua dependência com o desenvolvimento humano. Isso porque a liberdade de escolha, central no conceito de desenvolvimento humano (PNUD, 1990), depende da garantia de que os indivíduos não serão frustrados por doenças, pela miséria ou por qualquer tipo de violência (PNUD, 1994). Ainda segundo o relatório, as questões

de segurança mudaram após a Guerra Fria, quando o medo de um inimigo externo cede espaço para temores que envolvem os problemas domésticos de cada país. Com a crescente amplitude dos conflitos internos em detrimento das guerras entre países torna -se necessário incorporar os problemas domésticos dos países nos estudos de segurança, bem como as condições humanas precárias que muitas vezes catalisam estes problemas. Tendo em vista este cenário, o relatório do PNUD traz o conceito de segurança humana, ressaltando que este deve ser entendido como universal, interdependente e preventivo. Universal porque deveria abranger todos os seres humanos indiscriminadamente; interdependente porque as ameaças não deveriam ser entendidas como isoladas, mas dentro de uma estrutura na qual ameaças podem se propagar; e preventivo porque deveria procurar eliminar potenciais ameaças à segurança humana antes que estas evoluíssem para um conflito, visto que isto seria menos custoso e mais humanitariamente responsável. Haja vista a questão da AIDS: a prevenção seria menos custosa que o tratamento dos infectados, tendo em vista o gasto de 240 bilhões, em 1994, em tratamentos dos soropositivos, quando a doença poderia ter sido prevenida, em grande parte, através de conscientização na educação de base (PNUD, 1994). O relatório de 1994 foi um marco por elucidar que, atualmente, as preocupações dos seres humanos, em geral, têm pouca

relação com questões militares, se concentrando em problemas cotidianos, como a procura por empregos. É a partir disso que foram elaboradas as sete categorias já apresentadas. As preocupações com a segurança humana tem, ainda, estado na agenda das grandes potências, tendo sido discutida pela primeira vez em 1999 em uma reunião do Grupo dos 8 (G8) – que é formado pelos sete países mais desenvolvidos do mundo e a Rússia. Na resolução desta reunião, ocorrida em Berlim, os ministros dos países que compõem o G8 decidiram que, para que os conflitos de segurança pudessem ser solucionados, seria preciso considerar mais fatores além dos militares, atentando-se para a extrema importância da preservação dos direitos humanos, bem como das questões ambientais e da sociedade civil (G8 INFORMATION CENTER, 1999). Devido à relevância do relatório de 1994, as discussões sobre segurança humana foram fomentadas, o que levou ao surgimento de algumas críticas. A principal delas seria a de que o relatório ampliaria em demasiado o conceito de segurança, acabando por englobar todo e qualquer assunto, e fazendo com que o conceito perdesse sua funcionalidade. Outra crítica difundida seria a falta de preocupação com o rigor científico, como já mencionado. Em contraposição a essa visão do PNUD (1994) de que a segurança é tanto a liberdade para querer quanto a liberdade de 9

não temer, teóricos como Keith Krause criaram uma versão mais estreita do conceito, que consideraria segurança apenas como a liberdade de não temer (KRAUSE, 2004). Segundo Krause (2004), se a liberdade para desejar fosse parte do conceito de segurança humana, ele passaria a ser uma “lista de compras”. Ou seja, passar -se-iam a considerar fatores que seriam desejáveis que todos os seres humanos tivessem, como boas condições trabalhistas, mas que não afetariam, necessariamente, a segurança das pessoas que não os tem. De acordo com esse pensamento, a liberdade para desejar faria com que o conceito de segurança perdesse sua principal função, que é a de identificar indivíduos em condições de risco. Apesar dessas divergências, todos os conceitos desenvolvidos sobre segurança humana concordam que esta deve ser centrada nos indivíduos. Dessa forma, os estudos sobre segurança humana não apresentariam grandes preocupações analíticas, sendo uma das grandes críticas apresentadas a eles. Todavia, os teóricos dessa abordagem acreditam que não há necessidade de uma teorização da segurança humana, visto que outros acadêmicos, como os da Escola de Copenhagen9, já se preocupariam em teorizar sobre segurança (FLOYD, 2007). Assim, os estudos sobre segurança humana pretendem corrigir o que consideram como um erro da abordagem analítica: a limitação da teoria – já que os assuntos que não foram

São estes os três passos criados pela Escola de Copenhagen: identificação da ameaça, ação emergencial e efeitos que a violação das leis causam (FLOYD, 2007).

considerados relevantes dentro de determinada teoria passariam a ser ignorados quando são, no entanto, muitas vezes cruciais para o entendimento da situação. É o que ocorreria com os três passos definidos pela Escola de Copenhagen para se securitizar um assunto; para os defensores da segurança humana, essa teoria seria superficial em sua primeira premissa, a identificação de possíveis ameaças, por não esmiuçar quais ameaças podem ser essas. Em tais momentos, as ideias de segurança humana prevaleceriam sobre a teoria (FLOYD, 2007). 2.2.2 Abordagem Analítica Outra maneira de se compreender os estudos de segurança seria através da abordagem analítica. Existem várias áreas de estudo dentro dessa abordagem, como a análise conceitual e a teoria da securitização, por exemplo. A primeira procura definir os conceitos utilizados nos estudos de segurança, tendo em vista que vários ainda não se consolidaram. Os teóricos da análise conceitual estudam os conceitos de maneira aprofundada, a fim de que se possa atribuir um único significado para cada um deles. A análise conceitual não é, obviamente, substituta para experimentos e teorias sobre segurança, mas é de extrema relevância para a construção de uma base sólida para o 10

campo de estudo (ULLMAN, 1983). Outra teoria analítica importante é a de securiti zação e dessecuritização, desenvolvida por teóricos da Escola de Copenhagen. As análises realizadas por essa escola buscam atingir um maior rigor teórico, a fim de evitar qualquer parcialidade do autor – crítica feita à abordagem normativa, pois se acredita que a pouca preocupação com metodologia pode levar a um aumento da interferência das preferências dos autores (FLOYD, 2007). A Escola de Copenhagen também tende a diminuir a importância do Estado nos assuntos de segurança, focando em outros atores. Apesar disso, importantes teóricos dessa Escola, como Ole Waever e Barry Buzan ainda escrevem estudos focados no Estado, por acreditarem que esse continua a ser o principal ator responsável pelos processos de securitização (FLOYD, 2007). Assim, a principal proposta dessa abordagem seria realizar uma análise apurada da realidade a fim de se desenvolver uma teoria ou metodologia eficaz para a resolução de conflitos, evitando, por exemplo, casos de intervenção seletiva10. É importante ressaltar que o foco na teorização não necessariamente exclui estudos sobre a segurança humana, mas teóricos como Buzan e Waever (FLOYD, 2007) acreditam que eles não seriam muito relevantes para os estudos de segurança, assim como questões

Quando duas situações políticas ocorrem de maneiras muito parecidas, mas para uma coloca-se como solução a intervenção e para outra não, tem-se a intervenção seletiva, o que leva ao questionamento dos critérios para a consideração da intervenção como necessária. Um caso recente que reanimou as discussões sobre intervenção seletiva foi a intervenção na Líbia e a não intervenção na Síria, sendo ambas as situações muito parecidas.

ambientais e econômicas. Para eles, estas questões ampliariam o conceito de segurança de tal maneira que se tornaria impossível criar uma analise efetiva sobre o assunto. Dessa maneira, as duas abordagens apresentadas – abordagem normativa e abordagem analítica - pareceriam, em um primeiro momento, contraditórias. Contudo, é possível perceber uma correlação na medida em que uma procura corrigir as limitações da outra ao estudar questões consideradas de segundo plano em cada abordagem, de modo que não se deve encarar estas duas abordagens como competindo entre si para estabelecer uma hegemonia sobre o campo de estudo de segurança, mas sim como complementares. 3. DEBATES CONTEMPORÂNEOS DE SEGURANÇA Tendo sido feita uma análise do desenvolvimento histórico do conceito de segurança e da vertente normativa, que preza pela ampliação do conceito, bem como da vertente analítica, que preza pela restrição da abrangência do mesmo, serão agora apresentadas duas teorias de segurança correntemente em debate: Teoria de Securitização e os Estudos Críticos. Foram escolhidas estas duas teorias objetivando ilustrar as vertentes descritas na seção anterior, posto que os teóricos da securitização primam por uma abordagem 11

mais teórica, enquanto os teóricos críticos abaixo analisados primariam por uma abordagem mais próxima à da vertente normativa. É importante ressaltar no entanto, que os debates contemporâneos de segurança não se resumem aos dois apresentados em seguir. 3.1. TEORIA DA SECURITIZAÇÃO A Teoria da Securitização ganhou muito destaque a partir da década de 90, mostrando -se uma alternativa interessante às concepções clássicas de segurança que, embora contestadas, ainda se mantinham em relativa posição de hegemonia. Essa teoria está ligada a uma escola de pensamento conhecida como Escola de Copenhagen, tendo a frente Barry Buzan e Ole Wæver como principais teóricos. O nome Escola de Copenhagen se deu por um de seus críticos, ao aproximar os escritos dessa corrente ao Copenhagen Peace Research Institute (COPRI). Embora no início seja vista como uma contribuição europeia para os estudos de segurança, a teoria é atualmente usada por diversos autores, sendo restritivo equacionar a Teoria da Securitização e a Escola de Copenhagen (PEOPLES e VAUGHAN-WILLIAMS, 2010). Em essência, “securitizar” um assunto é fazer com que um assunto de “política normal” se torne um assunto de “política extraordinária”11. Uma vez ocorrido esse processo, o assunto será visto como

Entende-se aqui que um assunto de “política normal” é qualquer assunto debatido dentro da esfera pública, enquanto um de “política extraordinária” é tão essencial à sobrevivência de uma dada ordem social, que sua

fundamental para manter a sobrevivência do objeto a que se quer proteger (“objeto de referência”), e todas as medidas possíveis serão tomadas para se tratar do assunto. Será explanado adiante que esse processo é realizado por um “ator securitizante”, que o faz por meio de um “ato de fala”, em referência à Teoria do Ato de Fala como proposta por John L. Austin e John Searle (WÆVER, 2007). A finalidade de “securitizar” um assunto é proteger o objeto de referência de uma “ameaça existencial”, percebida pelo ator securitizante, que busca convencer uma audiência de que se trata de uma ameaça real. 3.1.1. O que é a Teoria da Securitização? O impulso inicial da Escola de Copenhagen foi fundir duas inovações conceituais e teóricas de Barry Buzan e Ole Wæver. Buzan, em seu livro de 1983 Peoples, States and Fear, propôs o alargamento dos setores englobados pela segurança, acomodando além do setor militar, os setores ambiental, social, econômico e político. Wæver, em publicação de 1995, propôs o conceito de “Securitização”, visto como o procedimento

que transforma um assunto de política normal em um assunto de política extraordinária (PEOPLES e VAUGHANWILLIAMS, 2010). É importante notar que segurança, aqui, não é tratada como uma condição objetiva (número de tanques nas fronteiras, por exemplo), mas sim como um processo social específico, onde um ator constrói a ideia de que uma ameaça existe e que põe em risco a sobrevivência de um objeto de referência12. O sucesso desse processo securitizante depende da aceitação do discurso por uma audiência. Ao colocar a segurança como uma construção social ideacional, cuja “existência” depende de um entendimento compartilhado pela audiência, a Teoria da Securitização vai ao encontro de uma das premissas básicas do construtivismo, a de que conceitos, regras e costumes são construtos sociais ratificados pela aceitação coletiva. Mas é importante lembrar que nem todos os construtivistas estão de acordo com a Teoria da Securitização. Há, também, quem proponha que exista uma influência do Realismo Clássico nesta teoria, ao abordar o tema da “sobrevivência” e o da “política extraordinária” (realismo político de Carl Schmitt)13 (WILLIAMS,

resolução é prioritária a todos os outros assuntos (PEOPLES e VAUGHAN-WILLIAMS, 2010). 12 Como a segurança se trata de “sobrevivência”, o “objeto de referência” pode ser definido basicamente como algo que possa demandar a tomada de medidas emergenciais com objetivo de garantir sua sobrevivência (PEOPLES, VAUGHAN-WILLIAMS, 2010). 13 Para Carl Schmitt (2007), não é a natureza de um determinado assunto que o torna político, mas sim a intensidade com a qual os atores se relacionam em relação ao assunto. Um assunto político em termos schmittianos seria aquele que causasse uma relação de amizade-inimizade entre os cidadãos. Então um assunto que outrora fosse estritamente “religioso” poderia se tornar “político” caso houvesse uma polêmica muito grande ao seu redor que fosse capaz de separar grupos rivais entre si dependendo de seu posicionamento em relação ao assunto. O “político” para Carl Schmitt se assemelha à “segurança” para a Escola de Copenhagen, pois não é a

2003). Deve-se, contudo, ter em mente as divergências entre essas teorias. Para o Realismo Clássico, a sobrevivência seria exclusivamente do Estado, e o meio de assegurá-la seria através de uma capacidade militar superior aos Estados considerados como ameaças. Já a Teoria da Securitização amplia o objeto de referência e não se restringe ao âmbito militar da segurança, sem mencionar as distintas metodologias utilizadas por essas correntes. Antes de especificar como um assunto pode ser securitizado e por quem, vale mencionar que outra dissidência com as concepções clássicas de segurança é que, para a Teoria da Securitização, o tratamento de assuntos como questões de segurança seria, na maioria das vezes, nocivo e indesejável. A noção de que a segurança é sempre positiva e desejável é questionada pela Teoria de Securitização mediante o argumento de que todo assunto securitizado demanda a tomada de medidas emergenciais, que podem extrapolar a legalidade e que comumente impõe restrições aos direitos e liberdades individuais. O desejável, na maioria dos casos, seria o processo inverso (dessecuritização), no qual uma política extraordinária retornaria ao campo das políticas normais (WÆVER, 2007). 3.1.2. Como se securitiza um assunto?

Como proposto na introdução, securitizar um assunto é fazer com que ele passe de uma política normal para uma política extraordinária. Os assuntos podem ser classificados como “não-politizados”, “politizados” ou “securitizados”. Um assunto não-politizado passa a ser politizado quando seus problemas se tornam alvo do debate na esfera pública, sujeitos a serem discutidos e tratados pelos protocolos existentes em uma dada organização política. Já o assunto securitizado seria dominante nos debates, e seus problemas são considerados vitais para a sobrevivência, sendo de suma importância resolvê-los a qualquer custo, com a urgência com que se trataria uma guerra (PEOPLES e VAUGHAN-WILLIAMS, 2010). Para securitizar um assunto, seria preciso mostrá-lo como uma ameaça existencial a algum objeto de referência. É preciso que o assunto já esteja politizado para que isso aconteça, e caso não esteja, deve-se inseri-lo no debate público. Tanto a inserção do assunto no debate público quanto sua securitização são feitas por meio de uma “fala”. Segundo Wæver (2007), um ator profere um “ato de fala” visando à aceitação de uma audiência, e tenta dessa forma securitizar um assunto. É isso o que o autor quer dizer quando propõe que ao se “falar segurança”, na verdade se “faz segurança”. O processo de securitização se conclui quando a audiência é convencida e medidas extremas passam a reger o assunto.

natureza do assunto que o torna político ou securitizado, mas sim o processo social específico de ato de fala que o faz.

Evidentemente, nem toda securitização é bem sucedida. Com isso em mente, Wæver (2000) propôs um conjunto de condições que facilitariam a conclusão do processo de securitização. A primeira dessas seria a lógica interna do discurso, sua coerência para com a estrutura da securitização (apresentação de uma ameaça existencial de um objeto de referência, buscando legitimar medidas extraordinárias para salvaguardálo). A segunda seria a autoridade ou a legitimidade do ator securitizante, pois seria diferente a credibilidade que um especialista em segurança e um vidente teriam ao falar sobre o assunto. Finalmente, condições históricas específicas ajudariam a securitizar um assunto, já que a audiência seria mais sensível a eles (PEOPLES e VAUGHANWILLIAMS, 2010). Elucidando a última condição, caso houvesse uma ameaça de supressão dos direitos civis por meio de um governo ditatorial, esse assunto seria mais facilmente securitizado em países que já sofreram com ditadores no poder do que em outros países. 3.1.3. Quem pode securitizar um assunto? Um ato de fala seria necessário para securitizar um assunto, então, naturalmente, quem poderia securitizar um assunto seria todo aquele que conseguisse produzir um ato de fala, embora atualmente se fale no uso de recursos visuais e de performances corporais para securitizar um assunto. Um Estado pode (por meio de representantes) tentar

securitizar um assunto sendo a audiência a sociedade de Estados, da mesma maneira que um político influente pode tentar securitizar um assunto buscando legitimidade entre os cidadãos de um país. Foi sugerido na subseção anterior que um especialista em segurança teria mais facilidade do que um vidente ao securitizar um assunto, mas caso o vidente tenha credibilidade, ele também pode ser um ator securitizante. Para reiterar, não é todo agente que conseguiria securitizar um assunto. Ao analisar os assassinatos de honra no Paquistão, Lene Hansen mostra que os estupros das mulheres nessa região não poderiam ser alvo de securitização, pois ao denunciar um estupro, a mulher estaria ao mesmo tempo confessando que teve relações com outro homem, sendo alvo de punições segundo os costumes islâmicos. Como são coagidas a não denunciar, essas mulheres não podem ser atores securitizantes, já que não produzem atos de fala (HANSEN, 2000). Os atores securitizantes podem às vezes ser conflitantes. Tome como exemplo um caso de movimento separatista em um país, em que manifestantes protestam contra o governo. Caso isso seja entendido como uma ameaça existencial ao Estado, os seus representantes tentarão securitizar a existência do Estado, alegando, por exemplo, que os manifestantes ameaçam o Estado por meio de atividades terroristas, reivindicando o uso de coerção contra os mesmos. Mas, da mesma maneira, os

integrantes do movimento poderiam tentar securitizar a sociedade, cuja existência estaria sendo ameaçada pelo governo opressor. Não há, aqui, um ator mais legítimo que o outro, de modo que a securitização efetiva venha da aprovação do discurso do governo ou do discurso do movimento separatista. Este tipo de problematização é visível atualmente em alguns países do Oriente Médio, em que ditadores e grupos dissidentes disputam a credibilidade de suas audiências. É comum notar que alguns grupos dissidentes são classificados como terroristas e outros como separatistas, o que poderia indicar quais securitizações foram bem sucedidas. Nas palavras de Yasser Arafat: “a diferença entre o terrorista e o revolucionário reside na razão pela qual cada um luta. Pois todo aquele que defende uma causa justa e luta pela liberdade e pela libertação de suas terras por invasores e colonialistas não deve ser chamado de terrorista” (SHUGART, 2006, p.10, tradução livre). Poder-se-ia dizer, portanto, que os movimentos classificados como “separatistas” tiveram sua securitização concluída, pois são vistos como defensores de uma causa justa. Já os classificados como “terroristas” teriam sua securitização mal sucedida, pois atribui-se a eles uma psicopatia social, deslegitimando e desmoralizando sua conduta (SHUGART, 2006). 3.1.4. Como “dessecuritizar” um assunto?

Observa-se que o excesso de políticas extraordinárias pode ser nocivo à democracia, mas há outros problemas que a securitização pode trazer. A securitização da imigração, por exemplo, ao criar barreiras a entrada de pessoas em um país, pode deflagrar conflitos étnicos, ao criar distinções de grupos humanos amigos (“nós”) e inimigos (“eles”) (WILLIAMS, 2003). Estaria sendo afirmado que os imigrantes ameaçam a identidade da sociedade, e consequentemente, sua sobrevivência. De maneira controversa, a “dessecuritização” é um aspecto pouco desenvolvido na Teoria da Securitização, mesmo sendo vista para alguns autores como o ideal a ser seguido. Como uma política extraordinária retornaria ao campo das políticas normais? Um dos autores que buscou responder essa complicada questão foi Jef Huysmans em uma publicação de 1995. Tratando da questão dos imigrantes, Huysmans propôs três estratégias para a dessecuritização: a objetivista, a construtivista e a desconstrutivista A primeira seria a saída objetivista, onde simplesmente se buscaria provar que a ameaça existencial não é real. Essa estratégia buscaria mostrar que a presença de imigrantes não ameaça a identidade cultural de uma sociedade, embora isso seja algo complicado de se “provar”. A segunda seria uma saída construtivista, expondo como a ameaça, na verdade, é uma construção social, que favoreceria a certos interesses políticos.

Dessa forma se mostraria como não seria justo constituir os imigrantes como ameaças apenas por favorecer interesses de terceiros, interesses como por exemplo o apoio em campanhas eleitorais. O último caminho seria o desconstrutivista, por meio do qual se daria a oportunidade de entender o outro lado, de verificar de maneira empática a fonte da ameaça, para então desconstruí-la. Em outras palavras, seria “dar o direito de resposta” aos imigrantes, para que se defendam das acusações (PEOPLES e VAUGHAN-WILLIAMS, 2010). A desconstrução dos discursos que fazem parte do processo de securitização também seria um caminho possível para a dessecuritização. Foucault (1999) discutiu sobre como o discurso é organizado na sociedade, e como analisá-lo. O dito discurso, segundo Foucault, é sempre constrangido pelas instituições vigentes, instituições estas que sempre coagem todos a praticar o discurso de uma certa maneira e inclusive sobre certos assuntos. O modo de discursar propagado pelas instituições varia de acordo com a época e o lugar em que se discursa, e para fazer uma análise plena dos discursos, é preciso corrigir certos vícios do discurso por meio da “crítica” e da “genealogia”. Ao fazer o uso dessas análises, é possível desmascarar a pretensão de verdade (e não a verdade em si) do discurso (análise crítica), além de analisar as condições em que ele foi criado, mostrando a relatividade do seu conteúdo (análise genealógica).

3.1.5. Críticas à Escola de Copenhagen A Escola de Copenhagen e a Teoria da Securitização foram alvo de diversas críticas, mas é interessante como elas são resilientes às suas críticas mais comuns. Uma dessas críticas seria a de que o conceito de segurança para a Escola de Copenhagen é muito amplo, já que envolve diversas áreas e diversos atores e pode se referir a qualquer coisa, além de poder ser visto como uma ameaça, o que traria a perda de utilidade do conceito. Para a Escola de Copenhagen, no entanto, é justamente a especificidade do processo de securitização que restringe o conceito de segurança. Nem tudo, na verdade, pode ser securitizado, e nem todos os atores são capacitados para securitizar um assunto (WILLIAMS, 2003). Outra crítica que se faz à Teoria da Securitização é que ela seria politicamente irresponsável, pois, se a segurança é um ato de fala, qualquer discurso deve ser considerado legítimo, até os discursos fascistas (por exemplo). A Escola de Copenhagen não fugiu desse assunto, e aqui entra a problemática sugerida por Wæver (2007): essa questão deve ser resolvida dentro das políticas normais, não dentro do âmbito das políticas extraordinárias. Como sugerido na seção anterior, securitizar algumas questões relativas à imigração pode gerar xenofobia. Isso ocorre pois as políticas extraordinárias empreendidas podem propagar o ódio a certas etnias, religiões e

nacionalidades. O ideal nesse caso é a dessecuritização. Ainda em relação a essa crítica, outra linha de argumentação afirma que a ética prática do discurso seria a “solução” para o problema. Dentro da ação comunicativa, não é qualquer discurso que é aceito pela audiência. Há todo um processo de legitimação, por meio de argumentos e evidências que funcionariam como um “filtro” que reteria discursos irracionais. Por meio desse argumento, a Teoria da Securitização conseguiu se “imunizar” contra várias críticas a respeito do conteúdo dos discursos securitizantes (WILLIAMS, 2003). Um foco de críticas está no ato de fala, a maneira pela qual se securitiza um assunto. O que antes era entendido como uma condição objetiva, nessa teoria está incorporada na linguagem. O problema do ato de fala é sua especificidade, tendo em vista que, da maneira como é desenvolvido, só abrange o diálogo falado e escrito, deixando de fora outras formas de expressão. Alguns autores apontam que a Teoria da Securitização não inclui em sua análise as revoluções da telecomunicação, com destaque para a Internet, que é um veículo de informações em franca expansão. Lene Hansen (2000) defende que o ato corporal também deve ser levado em conta como um ato de fala, baseada nas teorias de expressão corporal de Butler14. Segundo 14

essas teorias, a linguagem corporal pode ser entendida, de modo que complemente a linguagem verbal. Se é possível se comunicar com o corpo, ele seria capaz de produzir atos de fala, e nas situações onde o ator securitizante não pode usar a linguagem verbal (como as mulheres do Paquistão), sua linguagem corporal deveria ser levada em consideração na construção de um discurso securitizante. Williams (2003) mostra que com a revolução midiática, principalmente a vasta difusão das imagens televisivas, a imagem se tornaria uma maneira de emitir um ato de fala, sendo importante na securitização de assuntos atuais. Hansen (2000) também menciona o advento da Internet como uma inovação a ser levada em conta pela Teoria da Securitização. Essas críticas podem complementar alguns silêncios gerados pela Teoria da Securitização, necessitando de melhor desenvolvimento teórico para que nela sejam efetivamente implementadas. 3.2 ESTUDOS CRÍTICOS DE SEGURANÇA Existem duas vertentes de estudos críticos de segurança. A primeira diz respeito às teorias que criticam o mainstream, rejeitando a fundamentação realista e a orientação militarista dos estudos da Golden Age. Nesta primeira vertente se enquadra a própria Teoria de Securitização,

Butler (1997) mostra que somos “vulneráveis” à linguagem, e que por meio dela podemos ser ameaçados. A autora mostra que a linguagem gramatical, sozinha, não é capaz de nos ameaçar. A ameaça provém da linguagem gramatical somada à linguagem corporal do emissor na hora da fala, de modo que uma complementa a outra. Butler conclui, portanto, que a linguagem corporal seria o “ponto cego” da linguagem gramatical.

discutida na subseção anterior. A outra vertente dos estudos críticos, que será efetivamente abordada nesta subseção, propõe uma abordagem com um comprometimento emancipatório15, baseada na Teoria Crítica das Relações Internacionais e na Escola de Frankfurt (WILLIAMS, 2005). 3.2.1 Arcabouço Conceitual A vertente de Estudos Críticos de Segurança tem sua origem com o fim da Guerra Fria e a ascensão dos debates críticos em todos os campos das ciências sociais, fortemente influenciados pela Escola de Frankfurt e por Habermas. Esta vertente pode ser definida, como o foi por Booth (2004), por seu comprometimento teórico com um conjunto de ideias que exploram crítica e permanentemente a ontologia, epistemologia e práxis da segurança, da comunidade e da emancipação na política mundial; e por sua orientação política, que visa incrementar a segurança através de políticas emancipatórias e de redes comunitárias, a todos os níveis, incluindo o global (BOOTH apud WILLIAMS, 2005). Percebe-se, então, que os teóricos desta vertente prezam por uma agenda ampla, comprometida com os indivíduos e sua emancipação, e não apenas com os aspectos militares prezados pelos teóricos estrategistas. No entanto, como colocado por 15

Williams (2005), estes teóricos não tomam parte no debate entre defensores da ampliação e defensores da restrição da agenda de segurança, pois acreditam que a importância de outros aspectos da segurança já era reconhecida antes dos debates recentes em relação ao alargamento do conceito. No que diz respeito ao objeto adotado pelos teóricos dos Estudos Críticos de Segurança, o foco é o indivíduo. Esta abordagem pode ser comparada à abordagem do PNUD (1994) que, em seu primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano, no qual se desenvolve o conceito de segurança humana, que preza pela manutenção da capacidade dos indivíduos de escolher e determinar a própria vida. Isso porque ambas assumem o compromisso de promover a liberdade do indivíduo em face das ameaças que eventualmente se fazem presentes, sejam elas militares, econômicas, políticas ou de qualquer outra natureza. Edward Said (1994) ainda propõe o aprofundamento deste compromisso, salientando a importância de que pessoas e assuntos que são rotineiramente esquecidos, como grupos minoritários, sejam especialmente representados. Os Estudos Críticos de Segurança também possuem paralelos com a abordagem da Escola Inglesa, o que será analisado a seguir (WILLIAMS, 2005). 3.2.2 Paralelos entre os Estudos

Por emancipação, adota-se a definição de Ashley (1981) de uma garantia de “liberdade contra restrições desconhecidas, de relações de dominação, e de condições de comunicação e compreensão que neguem aos seres humanos a capacidade de construção de seus próprios futuros através de suas plenas vontades e consciências” (ASHLEY apud DEVETAK, 1996, p.145, tradução livre).

Críticos, a Escola Inglesa e outras abordagens. A Escola Inglesa se aproxima, em muitos aspectos, da abordagem dos Estudos Críticos no que diz respeito à segurança. Apesar de Bull, um dos grandes expoentes da Escola Inglesa, assumir em sua teoria o modelo16 grociano de Sociedade Internacional (que foi profundamente criticado por um dos expoentes dos Estudos Críticos de Segurança, Ken Booth), sua teoria permite o desenvolvimento de uma abordagem da segurança em termos kantianos, com espaço para as noções de emancipação, justiça e sociedade global, que tanto são prezados pelos críticos (WILLIAMS, 2005). Apesar do foco da Escola Inglesa no Estado como ator fundamental das RI, podese delinear certa convergência desta abordagem com a dos críticos na medida em que o Estado só faz sentido, para os teóricos da Escola Inglesa, enquanto meio de proteção dos cidadãos, o que está de acordo com a abordagem crítica focada nos indivíduos. No que diz respeito à construção do objeto de segurança, há certa convergência entre a Escola Inglesa e a teoria de Waever, visto que ambos afirmam que esta construção se dá por meio de processos de tomada de decisão intersubjetivos conduzidos por titulares de 16

altos cargos. De tal modo, uma ameaça se efetivaria mediante uma construção adequada, por meio de um ato de fala, que leve as outras pessoas a aceitaram a adoção de medidas extraordinárias para contê-la. Quando os Estudos Críticos se confrontam com a Teoria da Securitização, por outro lado, percebe-se maiores divergências do que convergências. Primeiramente, os críticos não assumem a dualidade 'nós versus eles'17 do trabalho de Waever e, ao conceituar a segurança em outros termos – os de emancipação – tornam o movimento de securitização positivo em vez de negativo (como assumido pelos teóricos da securitização), visto que a libertação humana muitas vezes requer a tomada de medidas emergenciais. Outro ponto de crítica é direcionado à suposição de que uma determinada ameaça pode ser separada de outras ameaças e assuntos para ser resolvida. Os críticos afirmam que essa separação não pode ser feita, visto que as medidas tomadas podem gerar múltiplos efeitos e, logo, a negligência em considerar todo o sistema pode ser desastrosa. O último ponto diz respeito a quais objetos de securitização deveriam ser priorizados, visto que a Teoria de Securitização permite a construção de uma ameaça por qualquer agente mediante o ato de fala. Considere, por exemplo, uma

Bull adota, em seus estudos, os seguintes três modelos: hobbesiano, kantiano e grociano. De acordo com o primeiro, a política internacional seria um estado de guerra; no modelo kantiano, seria preconizada a atuação de uma comunidade potencial na política internacional; e de acordo com o modelo grociano a política internacional ocorreria dentre de uma sociedade de estados (BULL, 2002[1977]). 17 Esta dualidade diz respeito ao problema de se criar uma divisão entre o eu e o outro durante o processo de securitização, o que poderia instigar, por exemplo, movimentos xenofóbicos.

situação em que o governo represente uma minoria de seu país como ameaça porque esta está lutando por seus direitos e, em contrapartida, esta minoria represente o governo como ameaça porque este a está oprimindo em sua luta. Quem deveria ser priorizado no processo de securitização? Qual estaria certo? Este problema deriva da Teoria de Securitização mas não é por ela resolvido (WILLIAMS, 2005). 3.2.3 Considerações Finais sobre os Estudos Críticos Tendo em vista a explanação acima realizada sobre os Estudos Críticos de Segurança, percebe-se, em primeiro lugar, que estes buscam apresentar uma forma inovadora de entender a segurança nas relações internacionais, que critica a abordagem restrita e militarista dos estudos estratégicos e, também, muitos pontos da Teoria de Securitização. Ao apresentar um comprometimento com a emancipação, esta vertente assume um papel de transformação social até então ausente deste campo de estudo das relações internacionais, demonstrando que o conceito de segurança, que por si só apenas faz sentido se ampliado, pode e deve ser um meio pelo qual se atinge a libertação dos indivíduos. Para estes teóricos a segurança não é, pois, um fim último pelo qual os indivíduos sacrificam tudo, e sim um instrumento que possibilita o desenvolvimento destes. 4. TEMAS RELEVANTES EM

ESTUDOS DE SEGURANÇA INTERNACIONAL Tendo em vista as considerações acima feitas sobre as várias formas assumidas pelo conceito de segurança e a argumentação apresentada, parte-se agora para uma análise de como este conceito pode ser verificado em situações contemporâneas. Elencou-se, para isto, três temas: a questão nuclear, as intervenções humanitárias e o terrorismo. Estes foram escolhidos porque, primeiramente, são assuntos de grande relevância no cenário internacional atual e em segundo lugar, porque cada um possui peculiaridades que levam à priorização de diferentes aspectos do conceito de segurança. A questão nuclear, apesar de já estar em voga desde o lançamento das bombas à Hiroshima e Nagasaki na década de 40, ainda é um tema atual, haja visto, por exemplo, o debate em torno do possível desenvolvimento de armas nucleares por parte do Irã e a problemática do acesso a armas nucleares por parte de organizações terroristas. No que concerne à segunda razão, a questão nuclear enfatiza o Estado como principal foco, não negligenciando, claro, os casos de disseminação das armas nucleares para atores não estatais. Mas, em essência, esta questão se atém a conceitos mais tradicionais de segurança, com enfoque militarista e estratégico, trazendo de volta, inclusive, a deterrence do Golden Age. As intervenções humanitárias, ainda que também não sejam um fenômeno

exclusivamente contemporâneo, são relevantes em virtude dos vários debates que suscitam, sendo interessante atentar para a centralidade que as intervenções assumiram nas agendas internacionais de vários Estados com o advento da Primavera Árabe. Além disso, as intervenções se relacionam estreitamente à abordagem normativa, com foco nos indivíduos e permeada por dilemas morais. E, por fim, o terrorismo foi elencado por ser o caso de maior proeminência na agenda internacional de atores não estatais relacionado aos estudos de segurança internacional, sendo, também um tema em que se pode aplicar a Teoria de Securitização satisfatoriamente. 4.1 PODERES NUCLEARES: UMA AMEAÇA OU UMA POLÍTICA DE DISSUASÃO O primeiro teste nuclear foi realizado pelos Estados Unidos em 1945. Menos de um mês depois, essas armas foram usadas nos ataques às cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki, marcando o fim da Segunda Guerra Mundial e a intensificação do debate sobre o significado das armas nucleares para as relações internacionais e para a humanidade (WALTON, GRAY, 2002). A preocupação gerada pelas armas nucleares fez com que diversos acadêmicos desenvolvessem estudos sobre os motivos que levariam um Estado a desenvolvê-las. A resposta mais comum seria que os Estados as desenvolvem como resposta a uma

ameaça que não pode ser encarada de outra forma. Esse senso-comum tem como embasamento a teoria neo-realista de Kenneth Waltz, segundo a qual os Estados estariam inseridos em um sistema internacional anárquico e, por isso, só poderiam contar consigo mesmos para proteger sua soberania e segurança nacional (SAGAN, 1997). Neste sentido, uma das explicações para o programa nuclear iraniano seria a manutenção da segurança nacional, ameaçada por Israel e pelos Estados Unidos (BRAUM,CHYBA, 2004). A capacidade nuclear de Israel foi comprovada através de ataques a potenciais rivais nucleares – Iraque em 1981 e Síria em 2007 – para manter seu monopólio regional. Assim, o Irã só conseguiria garantir sua segurança adquirindo capacidades nucleares suficientes para dissuadir Israel a atacá-lo, ou seja, através da política de deterrence (WALTZ, 2012). Scott Sagan, em seu artigo, tenta apresentar outros motivos para que os Estados construam armas nucleares: Armas nucleares, como outras armas, são mais do que ferramentas da segurança nacional; elas são objetos políticos de importância considerável em debates domésticos e na burocracia interna e também podem servir como símbolos normativos internacionais de modernidade e identidade. (SAGAN, 1997, p. 73, tradução livre).

Quando os Estados Unidos e a União Soviética desenvolveram suas armas

nucleares, outros Estados também começaram a desenvolver um programa nuclear, como Grã-Bretanha, França, China, África do Sul, Israel e Índia. Apesar de o arsenal destes não se comparar ao obtido pelas duas superpotências, a questão da proliferação ganhou espaço na agenda internacional (WALTON, GRAY, 2002). Em 1961, na Assembleia Geral das Nações Unidas, foi discutida a ideia de prevenir o aumento das armas nucleares para outros países do mundo. Dessa ideia nasceu, em 1968, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) (BUNN, 2005), que deixa explícito em sua consideração inicial a preocupação com a “devastação que seria causada sobre toda a humanidade por uma guerra nuclear e a consequente necessidade de fazer todos os esforços para evitar o perigo de uma guerra” (AIEA, 1970, p.1, tradução livre). Signatários do TNP são menos propensos a iniciar programas de armas nucleares, no entanto o Tratado não impediu a proliferação (DONG-JOON JO & GARTZKE, 2007). George Bunn (2005) afirma que, sem o TNP, a quantidade de países detentores de armas nucleares seria muito maior. O Artigo X do Tratado (que afirma que cada signatário tem o direito de revogá-lo em prol do supremo interesse nacional e da soberania) permitiu, por exemplo, que a Coréia do Norte se retirasse, se tornando, juntamente com Paquistão e Irã, grandes desafiadores do regime de nãoproliferação (BRAUN & CHYBA 2002). Esse desafio seria gerado pela proliferação

de segundo nível, o que Chaim Braun e Christopher F. Chyba (2002) chamam de “anéis de proliferação”, nos quais países em desenvolvimento, para aumentar seus esforços estratégicos e nucleares trocariam informações e capacidades entre si. Desta forma cria-se uma rede de proliferação que ajudaria a diminuir o custo total e o tempo necessário para o desenvolvimento das tecnologias nucleares. Percebe-se, tendo em vista o exposto, que a questão das armas nucleares possui estreita relação com a vertente estratégica dos estudos de segurança. Isto porque, como discutido na primeira seção, esta vertente preza por uma análise centrada no Estado e no cálculo de custos e benefícios de um conjunto de ações que poderiam ser tomadas pelo Chefe de Estado. A vertente em questão ainda se relaciona ao tema corrente na medida em que os estudos estratégicos, em seu auge, na Golden Age, praticamente se restringiram a problematizar a questão nuclear. Teóricos buscavam explicar como o fato de um país possuir armas nucleares alteraria a balança de poder no cenário internacional e como países beligerantes que possuem tais armamentos poderiam utilizálos com mínimo risco de desencadear uma hecatombe global. Dentre as mais celebradas teorias que surgiram está a de deterrence que, como já explicado, cria uma situação em que um país é dissuadido de atacar outro com armas nucleares, por receio de que este último retalie de semelhante forma. A teoria de deterrence desenvolvida durante a Guerra Fria foi criada em um

contexto de bipolaridade e, na maioria das vezes, observadores da política internacional assumiam que os líderes não agiam de certa forma porque não era de seu interesse. No entanto, com a nova configuração internacional pós-Guerra Fria, se tornou necessário considerar que a cultura política de cada Estado, e de seu líder, são únicos. (WALTON & GRAY, 2002). O conceito de deterrence não poderia mais utilizar as mesmas suposições, e a imprevisibilidade deste ilustra o problema que as armas nucleares geram para a segurança mundial. A questão do armamento nuclear, logo, se relaciona mais estreitamente com as vertentes mais tradicionais de segurança, que ainda consideram o Estado como sujeito principal do estudo, e que lidam com contendas entre países e guerras. É importante observar, no entanto, que o tema corrente suscita aspectos de outras vertentes dos estudos de segurança. A posse de armas nucleares por atores não estatais - como terroristas - por exemplo, foge ao escopo das teorias de estratégia, podendo ser melhor explicada pela teoria de securitização. 4.2 INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS Intervenções humanitárias são relativamente novas nas relações internacionais e se tornaram cada vez mais proeminentes na ética e na política 18

internacional com o fim da Guerra Fria, com o surgimento de novos regimes políticos e com a queda de outros (MILLER, 2000). Elas têm o propósito de prestar assistência emergencial e de proteger os direitos humanos. Farrel (2002) considera que as intervenções, muitas vezes, assumem uma forma não-militar, por meio de ajuda emergencial em dinheiro, medicamentos, comida e da promoção dos direitos humanos através da diplomacia e de sanções. Intervenções humanitárias geram controvérsias desde o conceito. Ao contrário de Farrel, há acadêmicos que consideram qualquer interferência não consensual nos assuntos internos de outro Estado como intervenção, enquanto outros limitam o conceito ao uso da força militar (ICISS, 2001). De acordo com Seybolt (2008), intervenções humanitárias que utilizam forças militares são as que geram grandes dilemas por desafiarem a soberania18 de um Estado . Ainda de acordo com Seybolt (2008), o sistema internacional seria fundado na premissa de que o Estado soberano tem direito à não intervenção, de estar livre de envolvimentos externos indesejáveis em seus assuntos internos. No entanto, repetidas intervenções humanitárias desde 1991 têm violado a ideia de soberania19 em nome da proteção de civis contra danos, principalmente em relação à violação dos

Cabe aqui explicar o significado de soberania: Ayoob (2002) adota o conceito de soberania como autoridade, ou seja, é o direito de “ditar as regras” dentro de um território. 19 É importante ressaltar a ideia exposta no relatório Responsability to Protect (2001), elaborado pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado (ICISS), de um foco na soberania como responsabilida-

direitos humanos. Esta perspectiva se baseia na crença de que os direitos das pessoas emanariam de sua condição humana e não dos Estados, de modo que deveriam ser garantidos independentemente da opinião do Estado sobre estes. É nesse sentido que as intervenções são justificadas: quando o Estado deixa de garantir os supracitados direitos ou, ainda, quando ele é o sujeito a violá-los, a comunidade internacional assume esta responsabilidade para si. Percebe-se, aqui, uma relação clara com a abordagem normativa. Como especificado no relatório do PNUD de 1994, segurança deveria ser entendida como um conceito universal e interdependente, ou seja, para que cada país pudesse estar verdadeiramente seguro, seria preciso que a segurança humana fosse garantida em todos. Isso ocorreria porque eventos em um país tem o potencial de afetar outros países, como nos casos de conflitos violentos que levam a população da região a se refugiar em outros países. Com base nas ideias apresentadas pelo relatório, a intervenção humanitária passaria a ser justificada, já que violações de direitos individuais e outras situações emergenciais a nível local podem disseminar problemas de segurança por todo o sistema internacional. Ademais, com o advento da evolução dos meios de comunicação, as condições domésticas dos países são difundidas para praticamente todo o mundo, e passa-se a ter

maior ciência do sofrimento humano em locais distantes, o que afeta empaticamente indivíduos de vários lugares do mundo, que podem vir a pressionar seus governos para tomar alguma ação no sentido se aliviar o sofrimento destes outros indivíduos. Apesar de, inicialmente, parecerem justificadas e até mesmo bem-vindas, as intervenções humanitárias, na maioria das vezes, geram controvérsias quando ocorrem e quando não ocorrem. Em 1994, cerca de 800 mil pessoas morreram no genocídio em Ruanda. Esse acontecimento deixou sua marca na Organização das Nações Unidas (ONU), que apesar de ter intervindo no país, não agiu de forma satisfatória para evitar tais atrocidades. No ano seguinte, a morte de milhares de civis que procuravam refúgio nas áreas de segurança delimitadas pelas Nações Unidas na Bósnia, foi outro exemplo de intervenção mal sucedida. Em 1992, na Somália, a intervenção internacional que visava salvar vidas e restituir a ordem foi marcada por uma estratégia mal planejada e excesso de dependência de força militar. No Kosovo, em 1999, a intervenção humanitária gerou muitos questionamentos sobre a legitimidade de uma intervenção militar não autorizada pela ONU em um Estado soberano. Esses casos ilustram muitos dos problemas das intervenções militares. Para alguns autores solidaristas, como Vincent, é uma obrigação da sociedade intervir para

de – na qual se reconhece a soberania do Estado na medida em que este cumpre sua responsabilidade de proteger seus cidadãos – em detrimento da ideia de soberania como controle, na qual o Estado teria total controle sobre sua população e território.

impedir atrocidades (VINCENT apud WHEELER, 2000). No entanto, é difícil saber de antemão se em uma intervenção mais vidas serão salvas do que perdidas por ela, ou seja, se será bem sucedida ou fracassada. Levando em conta esses e outros acontecimentos, em 2000, o governo canadense, juntamente com outros países, apoiou o estabelecimento da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania do Estado (ICISS) para “enfrentar o desafio da responsabilidade da comunidade internacional para agir em face das mais graves violações dos direitos humanos, respeitando a soberania dos Estados” (BAJORIA, 2011, tradução livre). Esta intenção carrega consigo o dilema entre ordem e justiça, onde a ordem está ligada ao respeito à soberania e a justiça aos direitos humanos. Além disso, ao pensar na possibilidade de intervir é preciso estar atento se os Estados interventores estão manipulando a situação a seu favor (WHEELER, 2000). A Primavera Árabe, especialmente no que diz respeito à Líbia e à Síria, levantou, mais uma vez, dúvidas sobre a intervenção. Neste sentido, vários acadêmicos teorizam sobre que fatores deveriam ser considerados para se decidir se a intervenção é necessária e legítima. É interessante citar os seis critérios levantados no relatório da ICISS que justificariam uma intervenção: autoridade correta, que é relativo a quem pode autorizar a intervenção; causa justa, que analisa que tipo de dano é suficiente

para que uma intervenção seja iniciada a despeito do princípio derrogatório de não intervenção; a intenção correta; último recurso, que coloca que se deve recorrer à intervenção apenas quando todas as outras medidas á tiverem se esgotado sem sucesso na resolução do problema; os meios proporcionais; e as perspectivas racionais (ICISS, 2001). Neste sentido, Wheeler (2000) apresenta alguns fatores que devem ser considerados ao se pensar nessa possibilidade. Primeiro, deve ser uma causa justa, ou o que ele prefere chamar de uma emergência humanitária suprema, porque capta a natureza excepcional dos casos em apreço. Além disso, o uso da força deve ser um último recurso e deve alcançar um resultado (humanitário) positivo. Controvérsias sobre intervir ou não existem, logo, é importante analisar com cuidado a relação custobenefício ao tomar uma decisão que pode ser crucial para a segurança humana. 4.3 ATORES NÃO ESTATAIS: O CASO DO TERRORISMO Uma das maiores ameaças à segurança internacional contemporânea é o terrorismo. Apesar de sua crescente relevância, estudiosos e políticos estão apenas começando a entender como se dá seu funcionamento. A definição do conceito apresentada por Andrey Cronin (2004), em primeiro lugar, afirma que uma ação terrorista sempre possui natureza política, objetivando a busca de alguma mudança.

Em segundo lugar, embora muitos outros tipos de violência sejam inerentemente políticos, incluindo guerra convencional entre os Estados, o terrorismo se distinguiria pelo seu caráter não estatal, mesmo quando os terroristas recebem apoio militar, político ou econômico de fontes estatais. Por último, terroristas não respeitam leis ou normas internacionais e, para maximizar o efeito psicológico de um ataque, suas atividades têm uma qualidade deliberadamente imprevisível que atinge indivíduos inocentes. O terrorismo tem sido, muitas vezes, uma tática eficaz para o lado mais fraco em um conflito. Isto porque não segue a lógica das guerras convencionais, de modo que não haveria necessidade de grandes arsenais e nem de qualquer superioridade bélica para cumprir seu objetivo: o ato terrorista cumpre sua função através do ataque a alvos seletos que, geralmente, não são instalações militares, estando, pois, vulneráveis, chamando atenção para sua causa. A natureza sigilosa e o pequeno tamanho das organizações terroristas são, ademais, fatores que muitas vezes dificultam a defesa contra estes. Contra-estratégias efetivas não podem ser concebidas sem primeiro compreender a lógica que impulsiona a violência terrorista. O terrorismo não funciona simplesmente porque infunde medo nas populações-alvo, mas porque faz os governos e os indivíduos reagirem de maneira a ajudar a causa dos terroristas (KYDD &

WALTER, 2006, p.49, tradução livre).

Pouco mais de uma década depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, analisar o que se passou é tão importante quanto buscar soluções. Smith (2004) entende que os teóricos de relações internacionais e os tomadores de decisão foram “responsáveis” pelo mundo estar desprevenido para o incidente que foi gerado pelos ataques terroristas de 11 de setembro. Segundo Smith, as questões de segurança eram tradicionalmente orientadas a tratar de assuntos entre Estados, e não de agrupamentos menores (ou maiores). Como a al-Qaeda (grupo supostamente responsável pelo ataque) realizava atividades dentro dos países do Oriente Médio, não era de se esperar que o território estadunidense estivesse sob ameaça. Com a ampliação do conceito, no sentido da abrangência de diversos tipos de atores, a teoria de Securitização torna possível explicar o modo de ação dos terroristas: a alQaeda, por exemplo, poderia ser autora securitizante, que visa securitizar a situação dos islâmicos sunitas – passando-a do plano de políticas normais para o de políticas emergenciais – apresentando estes, por meio de ato de fala (incluindo-se expressão corporal como o próprio atentado), como ameaçados pelos Estados Unidos, que seriam apresentados como imperialistas, responsáveis por constantes intervenções em países islâmicos. Ao mesmo tempo, a al-Qaeda poderia ser entendida como o objeto de securitização,

ou seja, como a ameaça que justifica a adoção de medidas emergenciais. Este processo de securitização foi o que embasou, por exemplo, a Guerra ao Terror, empreendida pelos Estados Unidos. Neste processo, o ator securitizante seria os Estados Unidos ou, analisando mais a fundo a situação, o Congresso norte-americano que aprovou o Patriot Act de 26 de outubro de 2001, em resposta aos atentados e visando convencer a audiência (composta por norteamericanos) de que a sobrevivência dos Estados Unidos estava sendo posta em risco pelos grupos terroristas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Finalmente, após empreender uma análise das diversas abordagens de segurança, bem como das vantagens e desvantagens de cada uma, pretende-se agora apresentar o consenso a que se chegou sobre a definição de segurança. São várias as tentativas de se definir a segurança – seja em termos amplos ou restritivos, com foco no Estado ou nas pessoas, como um processo positivo ou negativo e mesmo como uma construção social mediante "ato de fala" ou como uma realidade objetiva passível de mensuração mediante a contagem de tanques e soldados - e talvez por isso tenha se tornado extremamente difícil chegar-se a um consenso a respeito do conceito correto. No entanto, em vez de ressaltar essa dificuldade como algo negativo, que impede a evolução do campo de estudo, preferiu-se, aqui, entendê-la de forma positiva.

A multiplicidade de definições de segurança reflete uma conjuntura de globalização e interdependência na qual os assuntos se tornam cada vez mais intrincados. A segurança, do mesmo modo, não pode mais refletir preocupações apenas militares e estratégicas, apesar de estas continuarem relevantes. Ainda que se considere como ameaça apenas algo que possa colocar fim a vida de alguém, questões ambientais, na medida em que tsunamis e terremotos podem matar milhares, e questões comunitárias, na medida em que problemas de migração e identidade abrem espaço para práticas violentas como o neonazismo, não podem ser excluídas da teorização. É, no entanto, válida a consideração tratada ao longo do presente artigo, de que uma ampliação desmedida do conceito pode fazer com que este perca sua funcionalidade e, por isso, é aqui colocado que a priori o conceito de segurança deve ser amplo na medida em que possibilita o estudo dos mais diversos fenômenos que possam ser apresentados como ameaça a qualquer que seja o objeto de referência. No entanto, antes de todo estudo, deve ser salientada a definição de segurança que o embasa, como se salientou no estudo dos temas contemporâneos deste artigo. Deste modo, aspectos do conceito de segurança humana, que são importantes para teorias sobre intervenção humanitária, não são desqualificados e nem o são aspectos da vertente estratégica dos estudos de segurança, importantes para questões

nucleares e mesmo para a questão de defesa nacional contra países externos, que ainda é um importante tópico da agenda internacional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGELL, Norman. A Grande Ilusão (1910). São Paulo: Editora Universidade de Brasília, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2002. AYOOB, Mohammed. Humanitarian Intervention and State Sovereignty. International Journal of Human Rights. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. BAJORIA, Jayshree. The Dilema of Humanitarian Intervention. Disponível em: . Acesso em: 19 de jul. 2012. PERRY, William J.. Proliferation on the peninsula: Five North Korean Nuclear Crises. Thousand Oaks, Sage Publications, 2006. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2012. PRZYSTUP, James J.. Japan-China relations: Happy 40th Anniversary…?, 2012. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2012. ________. Japan-China relations: Troubled Waters: Part II, 2011. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2012. RAJA MOHAN, C. India and the Balance of Power. Foreign Affairs, Vol. 85, N. 4 (Jul./Ago.,

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