A SOLUÇÃO DE NINO AO PROBLEMA DO CONFLITO DE NORMAS DE DIFERENTE HIERARQUIA E A DIFERENCIAÇÃO ENTRE VALIDADES (Nino\'s Solution for Problem of Antinomy between Norms of Different Hierarchy and the Differentiation of the Validity)

June 2, 2017 | Autor: V. Brito Júnior | Categoria: Legal Theory, Metaphysics of Modality, General Jurisprudence, Hans Kelsen
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A SOLUÇÃO DE NINO AO PROBLEMA DO CONFLITO DE NORMAS DE DIFERENTE HIERARQUIA E A DIFERENCIAÇÃO ENTRE VALIDADES
(Resumo expandido apresentado na III Jornada de Teoria do Direito, em 30/10/2015)

Resumo: O objetivo é mostrar como a solução de Nino ao problema do conflito de normas de diferente hierarquia em Kelsen é satisfatória ao introduzir uma noção de validade distinta à original kelseniana, mas sua elaboração dessa outra noção de validade de modo a diferenciá-la substantivamente da original de Kelsen só é significativa na medida em que considere a original como uma atribuição de validade necessária, e essa atribuição de necessidade à validade de normas é criticada aqui pelas sérias dificuldades filosóficas que apresenta.
Palavras-chaves: Hierarquia, Necessidade, Validade.

A SOLUÇÃO DE NINO AO PROBLEMA DO CONFLITO DE NORMAS DE DIFERENTE HIERARQUIA EM KELSEN
No ensaio El Concepto de Validez de Kelsen Aplicado al Problema del Conflito de Normas de Diferente Jerarquia, constante do livro La Validez del Derecho, Carlos Santiago Nino (2012) critica o modo como Hans Kelsen lida com o problema do conflito de normas de diferente hierarquia e formula uma solução alternativa.
Segundo Nino (2012, p. 30-32), Kelsen defende que a norma de menor hierarquia em conflito com a norma de maior hierarquia remanesce válida, até que seja anulada, por meio de uma autorização aberta na norma superior pela qual se faculta ao órgão competente ditar normas mediante o procedimento e conteúdo que ele determine mesmo em contradição ao texto expresso daquela. Se uma norma pode coincidir com uma norma superior com base nessa cláusula tácita, então inexistiriam reais conflitos entre normas de diferente hierarquia.
Por que Kelsen seguiria um caminho tão tortuoso para evitar que uma norma de hierarquia inferior seja capaz de desobedecer a uma norma de hierarquia superior? Como a validade é definida em termos de autorização de sua criação por uma norma superior, disso se seguiria trivialmente que não é válida uma norma que contradiga as condições de sua criação prescritas pela norma superior (NINO, 2012, p. 35), mas também leva à conclusão indesejável para Kelsen de que essa norma não gera obrigações válidas (NINO, 2012, p. 37), o que não se



1 Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA). Advogado.




adequa ao fato de normas criadas nessas condições serem normalmente (e validamente) impostas, até que o órgão competente declare-as inválidas.
Uma solução seria expandir o conceito de validade, aceitando que existem duas formas distintas de validade no sentido relevante para Kelsen de força obrigatória ou vinculante (NINO, 2012, p. 39): uma baseada no fato de uma norma válida autorizar a criação de outra, e uma baseada no fato de uma norma válida declarar seu cumprimento ou aplicação obrigatórios (NINO, 2012, p. 38, 40). Para deixar mais claro o teor da solução ofertada, deve- se recorrer a outra diferenciação, feita pelo autor no ensaio El Concepto de Validez Jurídica en La Teoría de Kelsen, constante do mesmo livro: aquela entre validade e pertença ao sistema jurídico.
Nino (2012, p. 15) critica a tese da equivalência de Kelsen, segundo a qual a validade de uma norma jurídica é equivalente à sua pertença ao sistema jurídico. Um de seus argumentos é que não existe co-extensividade entre a classe de normas que são válidas de acordo com certa norma básica e a classe de normas que pertencem a um sistema para o qual se usa a norma básica. A diferenciação é atribuída a Raz (2002, p. 153), o qual nisto vê o caráter aberto do sistema jurídico, que o torna apto a "adotar" normas que não pertencem ao mesmo e torna-las vinculantes. Assim, a validade não é transmitida apenas pela criação de uma norma por outra norma, mas quando uma norma é feita de cumprimento obrigatória por outra, por exemplo, as regras de outro sistema jurídico ou das associações privadas.
Para fazer sentido à solução de Nino nestes termos, temos de fazer a seguinte diferenciação substantiva entre validades: 1) normas pertencentes ao sistema jurídico e necessariamente válidas: derivam de uma norma de ordem superior que as autorizou; 2) normas não pertencentes ao sistema e contingentemente válidas: são de obediência obrigatória por uma norma (válida necessariamente) impor seu cumprimento.
A norma inválida, portanto, não seria válida necessariamente, mas sim contingentemente até que o órgão competente a declare inválida. Não tem validade necessária por contradizer uma norma de hierarquia superior cuja validade é necessária, mas tem validade contingente porque o sistema jurídico determina seu cumprimento até a decisão do órgão competente em sentido diverso. Portanto, normas inferiores criadas em desacordo às normas superiores são válidas no exato sentido em que contratos e regras jurídicas de sistemas jurídicos externos são válidos, não pertencendo ao sistema jurídico desde sua criação.




VALIDADE NECESSÁRIA x CONTINGENTE

Enquanto a solução de Nino nos convence, por sua elegância em evitar as aporias incorridas por Kelsen, não nos parece que sua posição contra a tese da equivalência de Kelsen e a subsequente diferenciação em validade necessária e contingente seja convincente. Ao contrário, a própria solução leva ao esvaziamento explanatório da validade necessária, pois os casos desta podem ser definidos em termos de validade contingente, evitando a necessidade.
O que é validade necessária? É considerar necessariamente verdadeira ou necessariamente falsa a predicação de validade a uma norma. Essa atribuição pode ser a priori ou a posteriori.
Duvidamos que Nino pretendesse afirmar que a validade das normas inferiores cuja criação é autorizada por uma norma superior seja necessária a priori, como se pudesse ser conhecida antes mesmo do ato de criação jurídica do Direito positivo.
Faz tanto melhor uma necessidade a posteriori? Segundo Kripke (1990, p. 128-129; cf. também p. 149-150), são possíveis verdades necessárias a posteriori. Por exemplo, água sempre foi H20, mesmo que seja a posteriori que a melhor explicação físico-química para a água fosse o composto H20. A água sempre teve por referência H20, mesmo que isso não fosse conhecido, de modo que é necessariamente verdadeiro a posteriori que água seja H20.
Mas, como Leiter (2012, s. n.) comenta ao criticar uma tentativa de transplantar a teoria causal da referência de Kripke para a semântica jurídica, é duvidoso que referida análise possa ser feita para além de uma classe limitada de expressões, quais sejam, nomes próprios e "tipos naturais" (natural kinds), uma vez que as referências desses termos podem ser entendidas como possuidoras de características essenciais, de modo que elas causam o significado do termo, fixando-o, o que não ocorre com os conceitos jurídicos.
Suponha que uma norma superior indique o procedimento P que a produção de qualquer norma y precise seguir. Neste caso, y é uma variável que não é necessariamente substituível apenas por uma norma inferior específica de uma classe de normas possíveis (N1, N2, ..., Nn), nenhuma das quais viola P. (Pode-se pensar em uma classe alternativa de normas possíveis que viole P, que pode conter um número finito de regras ou ser o conjunto vazio caso P seja uma exigência puramente formal, como o quórum para votação no legislativo. Portanto, o exemplo serve para critérios de validade formal e material igualmente.)




Não há como afirmar que atribuir validade a N1 seja necessariamente verdadeiro, enquanto negar a validade de N1 seja necessariamente falso, com a correspondente consequência em relação à necessária negação de validade das demais. Que quaisquer dessas normas seja a escolhida é uma contingência, pois nenhuma delas viola P. O máximo que se pode atribuir necessidade seria ao procedimento de sua criação, ou seja, a característica de todas elas de não violarem P.
A consequência do exemplo anterior deve estar clara ao leitor: para seguir à risca a diferenciação de Nino, o que pertence ao sistema jurídico é a característica da norma escolhida, digamos, N1, de ter sido criada segundo P (ou, para dizer o mesmo, de não violar P), mas o conteúdo de N1 não pertence ao sistema jurídico, pois não é possível atribuir uma verdade necessária à atribuição de validade para N1. É possível, inclusive, que o mesmo procedimento P futuramente seja utilizado de modo a substituir N1 por N2, e isso não poderia significar que a verdade necessária da validade de N1 tornou-se falsidade necessária e que agora a validade de N2 é a verdade necessária. Temos uma explicação mais simples à disposição: a atribuição de validade às normas inferiores criadas por autorização de uma norma superior é contingente, não necessária.
Se não aceitarmos que "pertencer ao sistema jurídico" seja definível em termos de validade necessária, o que permanece? Apenas a etiologia da norma. Isto é, sua produção por um órgão do sistema jurídico. É exclusivamente isso que diferencia o que é considerado "pertencente" e "não pertencente" ao sistema jurídico. A simples predicação de que N1 foi criado por um órgão do sistema jurídico, não pelo órgão de um sistema jurídico estrangeiro ou por particulares. E a verdade dessa predição é contingente, verificada pela produção efetivamente ocorrida ou não da norma. Não precisamos nos comprometer ao acréscimo de uma misteriosa verdade necessária a posteriori da predicação de validade a N1.
O exemplo das regras contratuais ajuda a ver com mais clareza. Da mesma forma como uma norma criada por um órgão do sistema jurídico pode ser invalidada por um procedimento de averiguação após sua criação, assim o pode uma regra contratual. Da mesma forma como uma norma criada por um órgão do sistema jurídico já estava em desacordo com o procedimento P desde sua criação, assim também a norma contratual com o correlato ao procedimento C aplicável no Direito Contratual (onde C é constituído por dispositivos de ordem pública e por regras que culminam vícios à coação ou à fraude). E inversamente: da mesma forma que uma regra contratual é vinculante porque há uma norma do sistema que




obrigue a obediência à mesma, assim também a norma criada por um órgão do sistema jurídico só o é porque há uma norma do sistema que obrigue sua obediência, tanto no caso da norma em desacordo à norma superior quanto da norma de acordo.
A solução de Nino ao problema do conflito de normas fica salvaguardada, uma vez que ainda há diferenças entre uma norma em conflito na hierarquia e uma de acordo com a hierarquia. A norma N1 de acordo com P apenas pode deixar de ser obedecida com uma mudança normativa dentro do sistema, seja pela edição de uma nova regra contraditória a N1 pelo órgão jurídico que a fez, seja pela substituição da norma superior com a consequente substituição de P por P'. Já a norma N1 em desacordo com P pode deixar de ser obedecida sem necessidade de uma mudança normativa dentro do sistema, bastando que outro procedimento, digamos I, esteja previsto para avaliar a compatibilidade de uma norma N qualquer com P.
Algo semelhante ocorre para as regras contratuais: Uma regra contratual de acordo com C apenas pode deixar de ser obedecida com uma mudança normativa dentro do sistema, que altere C. Já a regra contratual em desacordo com C pode deixar de ser obedecida sem necessidade de uma mudança normativa dentro do sistema, bastando que um procedimento correlato ao I esteja previsto para avaliar a compatibilidade da regra contratual com C.
Conclui-se que a solução de Nino funciona explicando-se o caráter vinculante ou válido do Direito em termos do 2º tipo de validade, sendo que a diferenciação entre normas que pertencem ao sistema jurídico e que não pertencem pode ser mais bem entendida como uma diferença etiológica que não afeta a natureza da validade.

REFERÊNCIAS

KRIPKE, Saul. Naming and Necessity. Oxford: Basil Blackwell, 1990.

LEITER, Brian. Naturalism in Legal Philosophy. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy). Disponível em: Acesso em 29/09/2015.

NINO, Carlos Santiago. La Validez del Derecho. Buenos Aires, Bogotá: Astrea, 2012. RAZ, Joseph. Practical Reasons and Norms. Oxford: Oxford University Press, 1999.
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