A SUBSTITUIÇÃO DO USO DA BICICLETA PELO MODAL MOTORIZADO NO PERÍODO DE 1980 A 1990: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE MARINGÁ/PR

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A substituição do uso da bicicleta pelo modal motorizado no período de 1980 a 1990: um estudo de caso no município de Maringá/PR Eduardo Simões Flório de Oliveira Universidade Estadual de Maringá - [email protected]. Bárbara Moraes Santos Universidade Estadual de Maringá - [email protected] Henrique Manoel da Silva Universidade Estadual de Maringá - [email protected] Primeiramente, será feita uma contextualização, em macro escala, das propagandas, da forma de urbanização, do status ligado ao consumo dos veículos auto motores e ainda do aumento das linhas de crédito para este. Dentre outros fatores, estes foram os que mais influenciaram na substituição da bicicleta pelos veículos motorizados, pois o uso deste tem se perpetuado quase indiscriminadamente mundo a fora, sem uma ponderação em relação a sua pertinência e eficácia. Nos países periféricos ou emergentes a entrada dos modais motorizados foi mais marcante, já que as corporações tem grande força política principalmente pelo contexto histórico do neoliberalismo, que proporcionou um incremento desses grupos hegemônicos, dentre eles o setor automobilístico, em detrimento da autonomia política e econômica dos Estados-nações. A escolha política centrada no automóvel no Brasil começa a se expressar mais claramente no governo de Juscelino Kubistchek a partir da priorização da indústria automobilística. Ela teve sua importância para o crescimento econômico, mas, por consequência, a saturação da estrutura urbana se intensifica já na segunda metade do século XX. Através da consolidação da Política Nacional de Abertura às Rodovias, do desenvolvimento industrial e do aumento vertiginoso da população urbana em relação à rural por volta de 1960 e 70, o carro se tornou o principal símbolo de modernização do século XX. Além disso, a indústria automobilística passou a ditar os rumos das políticas urbanas promovidas pelo governo.

Gráfico 1: Crescimento da população urbana e rural no Brasil.

Fonte: IBGE (2007) adaptação pelo autor de Ramão, F.

De acordo com o gráfico 1 é possível entender o contexto no qual a indústria automobilística se inseriu de forma mais intensa no país, ou seja, da mudança de uma população rural para urbana de forma crescente e constante. Ao mesmo tempo, o consumo de veículos motorizados também aumentou, provavelmente favorecido por essa mudança do país de rural para urbano tanto em termos de sua população quanto da própria estrutura, através de uma composição rodoviária mínima para suportar esses novos modais. O avanço da indústria automobilística está intimamente ligado ao fenômeno da urbanização pois, sem esse processo, a venda de veículos se limitaria consideravelmente visto que a maioria das zonas urbanas até meados de 1970 não comportava esse tipo de urbanismo rodoviarista. Gráfico 2: Evolução da frota de veículos no Brasil (1970 até 1998).

Fonte: Sistema Nacional de Estatística de Trânsito. Brasília, 2008.

Consequentemente o índice de motorização (relação habitantes/veículos) se elevou vertiginosamente juntamente com a industrialização, proporcionando um crescimento importante naquele período que era o objetivo no momento. Sendo assim, cabe esclarecer que este meio é denominado de Mobilidade Física Horizontal, e abrange as mobilidades que tem como palco de desenvolvimento o espaço geográfico físico. Esta ainda pode ser subdividida em Macromobilidade e Micromobilidade, sendo que a primeira diz respeito aos deslocamentos físicos praticados pelos indivíduos em escala internacional, nacional, estadual e municipal (M.M. Rocha, p. 14), e tem sua temporalidade em escalas de deslocamentos não cotidianos e se caracteriza como fluxos migratórios. Já a micromobilidade diz respeito aos deslocamentos diários com escala temporal reduzida, como por exemplo se observa nos deslocamentos de casa ao trabalho, compras e ir a faculdade ou a escola, e é este o conceito que será aprofundado neste trabalho: a micromobilidade física horizontal intraurbana com bicicletas e sua substituição por outros meio de transporte. Portanto, essa investigação tem como objetivo compreender a substituição do uso de bicicletas como meio de transporte por veículos automotores, de modo mais acentuado a partir do final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990 quando houve um incremento no uso dos modais motorizados, considerando os aspectos socioeconômicos, infra estrutural e comportamentais constitutivos desse processo.

Além disso, também pretendo entender como o processo de urbanização e o aumento acentuado da população urbana em relação a rural está relacionado ao aumento da frota de veículos. Com isso, também cabe investigar se houve uma presença mais marcante da bicicleta em décadas passadas em Maringá e fazer um paralelo com a atualidade. Essa pesquisa será baseada em uma metodologia através de um caráter multidimensional, envolvendo o cruzamento de fontes a partir de: coleta de dados estatísticos, pesquisa documental, levantamento bibliográfico, análise comparativa entre determinadas cidades norte paranaenses e uma abordagem quantitativa. Vale ressaltar que essas, se complementam, consolidando uma base de dados para o desenvolvimento do projeto. Haverá o uso da vivência do pesquisador como usuário da bicicleta como meio de transporte com o objetivo de comparar Maringá hoje correlacionando com o período delimitado da pesquisa para confrontar com as mudanças ocorridas. Esta proporcionará uma imersão no objeto pesquisado, enriquecendo o trabalho e aproximando-o da realidade, o que proporcionará ao estudo uma visão do todo. Com essa base de dados quantitativos e com o pesquisador como usuário, é possível uma visão mais ampla e real do objeto estudado.

Resultados preliminares Todos esses fatores contribuem para a complexa conjuntura que inibe o uso da bicicleta, considerando principalmente a sua vulnerabilidade em termos de segurança viária. A escolha dessa periodização automobilística em parte gerou um considerável aumento da frota brasileira que, nos anos 1980 contava com 10.766.765 e na década seguinte atingia a marca de 18.267.245 de veículos e, em 2012, alcançou a marca de 35 milhões de veículos, sendo que 27 milhões deste montante correspondem à automóveis de passeio e utilitários leves.

Ao investigar o processo de substituição do uso de bicicletas como meio de transporte pelos veículos automotores, percebe-se que o mesmo ocorreu de modo acentuado justamente no período em que houve um incremento no uso dos modais motorizados. Destaca-se que tal substituição se deu em maior número pela motocicleta, sobretudo entre os trabalhadores de renda menor que a média nacional. Fatores como a melhora do poder aquisitivo e principalmente o acesso a linhas de crédito e financiamentos podem explicar essa mudança, além dos subsídios concedidos pelo Estado às indústrias montadoras, que desse modo ampliaram a oferta e a gama de seus produtos no país gradativamente. Tal fenômeno teve desdobramento em escala nacional atingindo todos os municípios. Em nossa pesquisa destacaremos o município de Maringá/PR que, segundo os dados de 2012 da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM), indicavam a existência de 45 estabelecimentos comerciais especializados na venda e revenda de veículos para uma população de 357.077 habitantes (IBGE, 2010) e que a cidade possuía a maior frota de veículos por habitante do estado do Paraná, com um carro para cada 1,35 habitantes, na frente até mesmo da capital, Curitiba. Esse quadro atual é reflexo do processo de substituição das bicicletas em tempos passados, pois nas décadas de 80 e 90 a bicicleta era bem mais presente na paisagem urbana do que atualmente. Para consolidar tal afirmação, algumas imagens históricas de Maringá podem nos ajudar a entender a situação do período destacado. Figura 1 :Estádio Willie Davids na década de 60, com destaque para as bicicletas na parte inferior.

Fonte: Acervo fotográfico do Grêmio Maringá1.

Essa foto demonstra a quantidade elevada de bicicletas presentes no Estádio Willie Davids, fornecendo uma ideia de como ela era mais usada no cotidiano dos deslocamentos intra-urbanos na cidade. Evidentemente, Maringá mudou muito nos últimos anos, e a malha urbana se expandiu consideravelmente, assim como sua população: em 1980 eram 168.232 habitantes e na década seguinte 239.000. Mas outros fatores foram fundamentais, como a ideia do status e de elevação social relacionados ao consumo dos veículos, e também contribuíram para essa progressiva substituição da bicicleta. Figura 2: Essa fotografia tirada provavelmente em 1970 registra a presença de um número considerável de bicicletas que eram usadas pelo Jornal O Diário.

1

Disponível em: http://reliquiasdofutebol.blogspot.com.br/2012_12_23_archive.html

Fonte: História de Maringá do Jornal O Diário2.

A foto tirada em frente ao Diário do Norte do Paraná revela mais uma constatação da presença da bicicleta em deslocamentos intra-urbanos com mais intensidade do que nas décadas seguintes. Isso proporciona algumas questões, pois o que vemos hoje é um crescente uso da bicicleta como forma de lazer, diferente do que víamos no período de 1980 e 1990 quando ela ainda se caracterizava como meio de transporte. Ao mesmo tempo em que foi se valorizando os transportes motorizados em detrimento da bicicleta, vemos uma contradição com o transporte coletivo que também foi colocado em segundo plano. Mas o que esses dois têm em comum? Ao que tudo indica, é o fato de não serem associados a um status, mas sim a um significado pejorativo construído historicamente. Um pouco disso pode ser entendido ao analisar um jornal local de 1972 veiculado na cidade de Maringá. Figura 3: DAMA S.A. em 1972 quando se torvou uma Revendedora autorizada da Volkswagen motivo de celebração.

2

Disponível em: http://www.odiario.com/historiademaringa/fotos#ad-image-0; acesso em junho/2014

Fonte: Revista Maringá Ilustrada, maio de 19723.

Essa imagem e, sobretudo, o texto logo abaixo dela demonstra a estreita relação dos automóveis com a concepção de desenvolvimento, integração, evolução empresarial e a inserção de Maringá na chamada "modernidade", e os veículos movidos a combustíveis faziam parte dessa ideia. Neste período, pela dificuldade do acesso ao automóvel ainda ser evidente, tornava-o ainda mais exclusivo e valorizado ideologicamente. Ou seja, “o carro, como uma mansão à beira-mar, é somente desejável e vantajoso a partir do momento em que a massa não dispõe de um” (Gorz, 2008, p. 78). Apesar de todos os problemas ocasionados pelos veículos motorizados, sua desvalorização ideológica ainda não aconteceu, pois continua sendo visto como símbolo de status quo. No que diz respeito ao valor ideológico dos automóveis, a obra citada 3

Disponível em: http://issuu.com/maringahistorica/docs/maringailustrada1972?e=3457405/2718193; acesso em junho/2014.

evidencia o debate sobre o consumo desse produto, extremamente valorizado pela sociedade. Figura 4: Propaganda de uma locadora de automóvel mostrado a ligação do uso do desse modal com um discurso de aceitação social.

Fonte: Campanha Publicitária Unidas 4.

Essa propaganda é atual, mas nos mostra a exacerbação dos benefícios prometidos com o consumo do automóvel, e que evoluíram muito com o tempo, confirmando a ligação desse modal com o tão cobiçado status, respeito e conforto de acordo com o slogan. Portanto, é necessário compreendemos esse processo, pois ele contribuiu para a progressiva substituição da bicicleta pelo automóvel, para os mais abastados, e pela motocicleta para os que dispõem uma renda mais limitada.

4

Disponível em: http://raizasas.blogspot.com.br/2011/02/10-bons-motivos-para-nao-ter-um-carro.html;. Acesso em junho de 2014.

Desta forma, o carro não é usado somente como necessidade básica (valor de uso), ele foi imposto estrutural e ideologicamente, e colocaram os outros modais de transporte como opções inviáveis. A urbanização foi se adaptando para os modais motorizados e impossibilitando outros meios de transporte, desde o início do surgimento de maior parte das cidades brasileiras, uma vez que os centros urbanos cresceram juntamente com a indústria automobilística para atender esse novo mercado. Gráfico 3: Evolução da população urbana e rural no Município de Maringá (1950 – 2000). Fonte: IBGE: Censo Demográfico de 1950, 1960, 1970,1980, 1991 e 2000.

Organização: Adaptação pelo autor de SOBRINHO, A. P. M. 2011

Com essa elevada taxa de urbanização a partir de 1970 e o consequente aumento da zona urbana, é evidente que as distâncias se acentuaram entre o centro e a periferia e os deslocamentos como um todo se modificaram. Essa nova espacialização limita o uso da bicicleta como meio de transporte, até mesmo para Maringá que possui uma topografia ideal para esse modal, e não podemos esquecer do fatores ideológicos e estruturais já tratados no presente trabalho e são fundamentais para compreender o processo de substituição das bicicletas. Neste sentido, a priorização dos modais motorizados em Maringá tem reflexos na atualidade, em que não existe uma rede cicloviária adequada e políticas de incentivo à

mobilidade urbana com bicicletas são escassas, e mesmo quando feitas são ineficientes pois não é realizado um estudo sério de demanda, além de não haver diálogo com o público usuário. Cabe ressaltar a conexão das escolhas do passado interferindo na conjuntura contemporânea. Maringá tem perpetuado uma apologia ao uso do automóvel sem uma ponderação em relação aos outros meios de transporte como: a bicicleta, o transporte coletivo e o pedestrianismo. Como proposto na metodologia, buscamos outra cidade do norte do Paraná e a mais emblemática na região encontrada foi Arapongas, outrora conhecida como a cidade das bicicletas nas décadas de 1980 e 1990. Ainda hoje, observamos um número relevante dessa modal na cidade, sobretudo em uma área de fábricas que é cortada por longas ciclovias que se estendem por pelo menos 6 km, onde vimos muitas pessoas indo de bicicleta ao trabalho e muitos bicicletários dentro das empresas.

Referências BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN). Sistema Nacional de Estatística de Trânsito. Brasília, 2008. Disponível em: Acesso em: Abril de 2014. NED LUDD, (org.). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. Tradução Leo Vinicius. 2ª edição. São Paulo : Conrad Editora do Brasil, 2005. RAMÃO, F. P.; WADI Y. M. Espaço urbano e criminalidade violenta: análise da distribuição espacial dos homicídios no município de Cascavel/PR. Rev. Sociol. Polit.,Curitiba, vol.18, no.35, Feb. 2010. ROCHA, M. M. A espacialidade das mobilidades humanas: um olhar para o norte central paranaense. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo. 1999. SILVA, H. M. Froteireiros: as condicionantes históricas da ocupação do oriente paraguaio. 1ª edição. Maringá: Eduem, 2010. 364 p. SOBRINHO, A.; MENDES C. Caracterização de um subcentro: o caso da avenida Pedro Taques – Maringá-PR. Revista Percurso - NEMO, Maringá, v. 4, n. 1 , p. 175202, 2012.

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