A tradução de anglicismos em dicionários bilíngues na direção português-francês e francês-português

June 1, 2017 | Autor: M. Cristina Parre... | Categoria: Translation Studies, Culture, Francais Langue Etrangere, French, Anglicismos, Dictionaries
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ANAIS DO X ENCONTRO NACIONAL DE TRADUTORES & IV ENCONTRO INTERNACIONAL DE TRADUTORES (ABRAPT-UFOP, Ouro Preto, de 7 a 10 de setembro de 2009)

A tradução de anglicismos em dicionários bilíngues na direção português-francês e francês-português Maria Cristina Parreira da Silva (Universidade Estadual Paulista) Resumo: Para os puristas, os anglicismos são considerados uma invasão destruidora porque trazem ao léxico de um idioma características que não lhe pertencem. Na realidade, os idiomas nacionais constituem-se de variadas contribuições, além da(s) língua(s) que está(ão) na origem de sua formação. Essa característica extrapola a questão do estudo da origem da língua e atinge também o ensino-aprendizagem da língua estrangeira, quando entra em jogo a questão da inclusão dos estrangeirismos nos dicionários bilíngues (DBs), porque nem sempre essas obras contemplam a dinamicidade da língua ou acompanham as necessidades atuais do ensino. Assim, a tradução, uma atividade linguística presente na sala de aula, também carece de material de apoio adequado. Neste trabalho, discute-se a apresentação de alguns anglicismos usados no português do Brasil e no francês da França em DBs francês-português usuais no Brasil, demonstrando-se que, além da questão da discrepância da inclusão dessas unidades, há uma necessidade de que elas sejam veiculadas e repensadas nos espaços escolares. Palavras-chave: Tradução; Anglicismo; Dicionário Bilíngue; Ensino de FLE; Cultura.

1 Introdução Muito se discute sobre como ensinar a língua portuguesa e as línguas estrangeiras. Em primeiro lugar, acreditamos que os docentes devem ter um conhecimento constituído tanto das questões sincrônicas quanto diacrônicas de seu domínio, com um posicionamento claro com relação à formação das línguas e de sua evolução na história. É sempre salutar discutir questões relativas ao ensino do léxico, levando em consideração sua dinamicidade, para que os aprendizes, tanto de língua materna quanto de língua estrangeira, não percebam ou recebam com preconceitos antigos a evolução natural das línguas. Essas, ao mesmo tempo em que se distinguem e se distanciam, influenciam-se ao longo da história, interpenetram-se, complementam-se. Estrangeirismos são sinônimos, em sentido lato, de empréstimos. Trata-se da entrada de um vocábulo ou expressão estrangeira em uma

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língua receptora. Na constituição de qualquer língua, sempre há uma parcela do léxico que tem origem estrangeira. Assim, é natural que essas unidades, consideradas estranhas à língua, entrem nos programas como tópico a ser discutido. Em vez de criticar sua existência e proibir ou coibir seu uso, é mais proveitoso tentar entender os mecanismos linguísticos que estão em sua base. Para isso, além de ter conhecimento sobre a origem e constituição das línguas, os docentes devem ter uma formação ampla com relação ao ensino de línguas e muita curiosidade e espírito investigativo para buscar informações que permeiam a criação e a evolução do léxico da(s) língua(s) com que trabalham. Verifica-se, assim, a suma importância do ensino de forma a mostrar a estrutura e as possibilidades de evolução do léxico, sem preconceito. Os idiomas nacionais não são puros, e a influência recebida pode criar dificuldades na aprendizagem do léxico de uma língua estrangeira (LE), principalmente porque essa diversidade nem sempre é contemplada nos dicionários bilíngues (DBs). No ensino do francês como língua estrangeira, ainda se nota uma escassez de estudos que apontem as necessidades dos aprendizes e que resultem em obras atuais que supram essas necessidades, principalmente de dicionários contrastivos dos mais diferentes tipos. Nesse contexto, este trabalho visa trazer à baila questões sobre a dinamicidade do léxico, por meio da apresentação da tradução de alguns anglicismos do português do Brasil e do francês da França em DBs P-F e F-P. Os exemplos apresentados adiante evidenciam como cada cultura faz escolhas peculiares das unidades adotadas, havendo divergências e convergências no uso de anglicismos. O alvo da reflexão é propor como incluir os anglicismos na nomenclatura de um DB para aprendizes brasileiros, visto que não se pode negar sua importância no ensino de FLE (francês como língua estrangeira), enquanto presença certa nos documentos autênticos, primordiais atualmente em sala de aula.

2 Tradução, estrangeirismo e ensino Traduzir é reformular uma mensagem, transmitindo-a em um idioma diferente daquele em que ela foi originalmente criada. De acordo com Ronai (1981), a tradução é interlingual, quando conceituada desse modo, mas pode também ser considerada, de forma figurada, como tradução intralingual, sociolinguística e intersemiótica etc., quando

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contempla a transmissão de conteúdo de um contexto a outro. Nos dicionários Aurélio e Houaiss, encontram-se as seguintes origens para as palavras “tradução” e “tradutor”: • •

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Tradução – [Do lat. Traductione, ‘ato de conduzir além, de transferir’.] (Aurélio) lat. Traductìo,ónis ‘ação de levar em triunfo, ação de transferir de uma ordem a outra, curso, andar (do tempo); espécie de repetição’, ver –duz-; f.hist. 1662 traducção (Houaiss) tradutor(ô) - [Do lat. Traductore, ‘o que conduz além’, ‘o que transfere’.] (Aurélio) lat. Tradúctor,óris ‘o que transfere’; ver –duz-; f.hist. 1721 traductôr, 1789 traductor (Houaiss)

Partindo dessas origens, percebe-se que o ato de “conduzir”, “transferir” está sempre presente. Contudo, é questionável que isso ocorra de fato nas traduções, porque não se consegue definir exatamente o que está sendo transferido, pensando no sentido da transferência do objeto, do nome do objeto, da ideia que se tem do objeto. Segundo Aubert (2002), nos últimos 50 anos houve um aumento vertiginoso da atividade da tradução. O autor complementa que a tradução se encontra no centro dos contatos interlinguisticos e interculturais e constitui-se em atividade de interação social e linguística. Para o autor, a tradução produz uma problemática porque perturba a ordem linguística e cultural já estabelecida em uma língua, ao compará-la com outra. Demonstra esse fato com exemplos de interlíngua por meio de decalque da língua de origem, ou seja, de traduções por unidades que não são usuais na língua de chegada. Mesmo que esse autor não esteja se referindo ao ensino de línguas, é interessante observar a mudança da relação que houve nos últimos tempos com as línguas estrangeiras. Hoje, muito mais do que antes, há a necessidade de traduzir, de fazer essa relação interlinguística, mesmo que muitos vocábulos, nesses contatos, mantenham a forma original (o significante ou apenas a parte ortográfica) – ou seja, continuem como estrangeirismos. Como a tradução está diretamente relacionada com a transposição de conteúdos de uma língua para outra, que, por excelência localizam-se no plano lexical, e sendo o léxico um inventário aberto e dinâmico, é de se esperar que seja um meio de entrada de novos itens estrangeiros. Esses itens podem ingressar com a aparência alógena ou

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com adaptações à língua de chegada, os chamados “empréstimos de tradução” (Bizzocchi, 1997). A dificuldade em traduzir de uma língua para outra pode ser explicada pela teoria do relativismo linguístico, como se pode entender com Biderman (2001) ao tratar do conceito de “palavra” relacionando-o à hipótese Sapir-Whorf: Parece certo que, dentro de certos limites, a hipótese do Whorf fornece a chave para a conceituação da palavra. Se cada língua recorta a realidade diferentemente e molda essa realidade em categorias linguísticas e mentais que lhe são exclusivas, então o conceito de palavra não pode ter um valor absoluto. O seu valor deve ser comparado ao de uma moeda – o dólar, por exemplo – que oscila de país para país. (Biderman, 2001, p.114)

Dada essa condição da palavra, as dificuldades de tradução aumentam tanto mais distantes forem as línguas contrastadas, pois, em seus significados léxicos, as palavras adquirem grande riqueza de implicações e associações que não é partilhada pelas palavras de correspondência mais próxima em outras línguas. Contudo, quando falamos em tradução de anglicismos, temos uma terceira língua e cultura envolvidas, observadas pela percepção de dois povos distintos, adquirindo características específicas. Ao ingressar em outro idioma, o item estrangeiro passa por várias fases. Inicialmente, é sempre sentido como alógeno; após algum tempo, tendo sido normalizado ou não, passa a ser aceito como pertencente ao léxico da língua de chegada. Depois que um estrangeirismo tiver entrado em um língua, adquire estatuto próprio e passa a evoluir por um caminho totalmente diferente daquele de sua língua de origem. Ninguém questiona, por exemplo, se “futebol” ou “constatar” pertencem à língua portuguesa hoje, pois já são tradicionais e soam como nacionais. “Office-boy”, “outdoor”, “shopping” e “x-queijo”, por sua vez, são unidades mais brasileiras que do inglês, porque desta língua só conservam uma falsa aparência, decorrente apenas do significante, já que o significado não ocorre no inglês, tomando a distinção saussureana como base. Esses itens tornam complexa a tarefa do estudante aprendiz de língua estrangeira por duas razões: (i) pensar que se trata mesmo de unidades estrangeiras; e (ii) por não constarem, muitas vezes, da nomenclatura dos dicionários, não conseguir descobrir seus equivalentes.

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3 Descrição de dicionários bilíngues no contexto brasileiro e o ensino No conceito popular, “dicionário” é um livro em que descobrimos os sentidos das palavras desconhecidas. No entanto, com base em muitas definições constantes da literatura especializada, poderíamos afirmar que se trata de um produto fabricado para responder às exigências de informação e comunicação, devendo representar um instrumento pedagógico e funcional de educação permanente, uma vez que visa aproximar o conhecimento dos leitores àquele de toda comunidade linguística. Portanto, é útil para auxiliar a seus usuários (estudantes, professores, tradutores, intelectuais, pesquisadores e leigos) a descobrir a ortografia correta, o emprego sintático adequado e as possibilidades de sentido de palavras comuns (dicionário de língua) ou de palavras especializadas (dicionário técnico ou terminológico), vocabulários especiais (dicionário fraseológico), além de auxiliar na tradução (dicionário bilíngue ou plurilíngue) e aumentar o saber geral dos leitores (dicionário enciclopédico). O título de um dicionário indica a primeira informação sobre o seu conteúdo: dicionário monolíngue, bilíngue, etimológico, técnico, de rimas, de sinônimos etc.. Assim, “o título indica o tipo de elementos que compõem a obra” (Silva, 2002, p. 36), mas, algumas vezes, a apresentação das informações diferem bastante da expectativa gerada. Enquanto o dicionário monolíngue (ou unilíngue) é a obra de referência que trata das palavras de uma língua, definindo-as, apresentando sinônimos e fornecendo informações sobre elas (fonéticas, gramaticais, sintáticas) através de paráfrases nessa mesma língua, seja ela materna ou estrangeira, o dicionário bilíngue trata da equivalência das palavras comparando duas línguas. Indica, portanto, a tradução do item de uma língua de partida para a língua de chegada. O primeiro tem a função de decodificar informações ao usuário, que busca geralmente “palavras difíceis” e pouco frequentes em sua própria língua e desconhecidas na língua estrangeira; o segundo tem a função seja de decodificar (partindo da língua estrangeira), seja de codificar (partindo do português). Todos os dicionários bilíngues para estudantes brasileiros começam pela seção da língua estrangeira à língua materna, porque a decodificação escrita é a ação mais comum para o estudante. Ao contrário do que é veiculado pelo mercado editorial, a riqueza de um dicionário não se mede apenas pelo número de entradas. É uma pena que, muitas vezes, a escolha dos dicionários não segue os

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parâmetros referentes à qualidade ou modernidade da obra, mas à praticidade e disponibilidade. Por conta disso, é importante conhecer essas obras e avaliá-las. Silva (2008) descreve os dicionários bilíngues em uso no Brasil, classificando-os entre dicionários tradicionais e dicionários didáticos. Retomamos parte da descrição dessas obras, mas neste trabalho tomaremos apenas quatro obras bilíngues que contemplam o português do Brasil. Mais adiante, vamos comparar como elas tratam da amostra dos elementos estrangeiros que apresentamos neste trabalho. O Dicionário brasileiro francês-português e português-francês (DBOT – Oficina de Textos, 1998) apresenta mais de 40.000 verbetes nas duas partes, em um volume. Em sua apresentação, sucinta, há uma informação importante para a lexicografia brasileira: é uma das primeiras obras em que se utiliza o português do Brasil e não apenas inclui os “brasileirismos”, como se anuncia geralmente nas obras editadas em Portugal. Entretanto, não há um tratamento ideal da microestrutura: as várias acepções são separadas por ponto-e-vírgula e os sinônimos, por vírgula, com poucas indicações de uso. Além disso, agrupa itens lexicais que não têm nenhuma relação de sentido, de gêneros distintos, como livre (sm, ‘livro’) e livre (sf, ‘libra’). Por outro lado, há algumas vantagens: unidades da linguagem coloquial, equivalentes idiomáticos para algumas unidades complexas, termos atuais de diferentes áreas do conhecimento. Na apresentação do Minidicionário francês-português e português-francês (MDMA – Ática, 1999), não há a indicação da extensão de sua nomenclatura. Talvez gire em torno de 20.000 verbetes nas duas partes. O MDMA, como o DBOT, também trata do português do Brasil. Há uma novidade na apresentação: uma descrição detalhada do “verbete-entrada”. Graças ao tratamento homonímico, acepções diferentes são 1 separadas em verbetes distintos numerados, como em livre (livro), 2 3 livre (libra, peso) e livre (libra, moeda). Em sua microestrutura, estão inclusas várias lexias compostas e complexas, mas não de uma forma sistemática, havendo discrepância entre a quantidade de informações de cada verbete. As expressões são colocadas após o símbolo [♦]. O Dicionário escolar francês-português e português-francês (DEMM – Melhoramentos, 2002) tem 28 mil verbetes nas duas partes. É um dicionário didático do tipo escolar. Elaborado no Brasil, apesar da nomenclatura ainda restrita, apresenta uma microestrutura bem organizada, seguindo normas lexicográficas, de acordo com seu prefácio. Porém, na edição consultada, ainda há muitos erros tipográficos e inclusive de classificação de gênero (quota sf), além da ausência de

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palavras do vocabulário básico, como souvent. As acepções são enumeradas, as unidades lexicais compostas e complexas vêm em negrito, seguidas das traduções. Há notas explicativas do uso de certos itens entre parênteses no corpo do verbete e remissões para uma visão contrastiva de certas unidades. Além disso, informações gramaticais e de uso, dispostas em quadros separados, contribuem para enriquecer o verbete: por exemplo, quanto aos falsos cognatos – zélateur,-trice (defensor de uma causa; zelador = concierge). Esse DB apresenta dedeira e entradas coloridas: um avanço para as obras bilíngues português-francês (essa informação parece banal em relação às publicações dos dicionários em inglês). O Dicionário Larousse Mini Oui francês-português – portuguêsfrancês (DLMO – Larousse do Brasil, 2005) tem uma nomenclatura que atinge em torno de 40 mil verbetes. A frase na capa, “dicionário ideal para o aprendizado da língua francesa”, aponta para classificação como um dicionário pedagógico. Certamente tem a qualidade de ser muito atual e mais atualizado em comparação às outras obras. Os verbetes têm uma apresentação simples e há a inclusão de suplementos na macroestrutura, como textos sobre a cultura e geografia da França e do Canadá, a francofonia e modelos de conjugação verbal. Segundo o editor, o público-alvo é o estudante brasileiro, mas a transcrição fonética utilizada é da variante do Rio de Janeiro. A metalinguagem utilizada está em francês na parte F-P e em português na parte P-F. Alguns nomes próprios estão inclusos, como Rhône – “Ródano”, mas como não se explica que se trata do nome de um rio, há falha nas informações enciclopédicas. O tratamento dos verbos é diferenciado, com inclusão nas entradas de particípios irregulares como souffert. Há símbolos como flechas e parênteses angulares que devem ser decodificados para se entender melhor a nomenclatura. Conhecidas as obras verificadas, passamos à descrição da metodologia desta análise.

4 Metodologia e análise dos itens nos dicionários Na metodologia de nossa análise, para constituição do corpus, consideramos unidades coletadas empiricamente, com as quais nos deparamos no dia a dia do trabalho enquanto docente de língua francesa para alunos do curso de Letras com habilitação em tradução. Durante as aulas, notamos que, após sugestão de consulta em dicionários bilíngues, algumas questões formuladas pelos alunos quase

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sempre não eram sanadas por ausência ou inadequação da informação buscada. A consulta aos dicionários monolíngues também não era suficiente para resolver a questão, pois somente explicava o conceito da unidade buscada, mas não o equivalente usual na outra língua. Procedemos então a uma investigação para comparar algumas dessas unidades, como se pode verificar nos quadros da página seguinte. Observamos que esses anglicismos, em sua maioria, embora pertençam a uma área técnica, a informática, constituem-se exemplos indispensáveis de serem analisados, por conta da frequência com que vêm sendo usados em textos modernos e pela nova geração de estudantes, que não pode prescindir do conhecimento dessa terminologia. Como resultado, organizamos as unidades lexicais aqui apresentadas em quatro grupos, da seguinte forma: o primeiro aponta o anglicismo em português brasileiro, com não uso dele (ou uso raro) em francês da França; o segundo, do contrário, com anglicismo em francês da França e uso do vernáculo em português do Brasil; o terceiro grupo considera anglicismos usuais nas duas línguas, embora com pequenas alterações fonéticas; o quarto já mostra que, para alguns anglicismos ainda em forma alógena em francês, há forma adaptada, ou melhor, aportuguesada no Brasil, o que surpreende de certa forma. Sobre este último caso, faltou tratar também do que seria o “afrancesamento”, como no caso do verbo kidnapper, com base inglesa e morfologia francesa. Além disso, convém ressaltar que essas considerações não seriam pertinentes se estudássemos, por exemplo, a variante lusitana ou canadense das línguas em questão. Os quadros apresentadao na próxima página ilustram o resultado da análise, indicando a presença de 20 anglicismos nos quatro dicionários bilíngues listados e descritos acima: “backup”, “barbecue”, “clown”, “club”, “cockpit”, “cocktail”, “hall”, “hardware”, “hold-up”, “jean(s)”, “Jeep”, “ketchup”, “kidnapping”, “knock-out”, “mouse”, “selfservice”, “shampo(o)ing”, “short”, “software”, “week-end”. No corpo do quadro, o símbolo “—” indica que a unidade não está na nomenclatura do DB e os colchetes com reticências – […] – denotam que houve uma parte do verbete que não foi transcrita, porque utilizamos apenas a tradução do anglicismo, e não exemplos e outras informações. Procuramos anotar a mesma configuração adotada no DB para a informação gramatical, seja nm ou nf / m ou f / sm ou sf, para os substantivos. Quanto às marcas de uso, também mantivemos aquelas comumente usadas nos DBs – Angl ou Ingl. – para palavras de origem inglesa e Inform. para a área técnica da informática. A seguir, podemos

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visualizar os quatro quadros, referentes aos quatro grupos detectados, conforme explicamos acima.

Quadro 1: P-F com anglicismo em português do Brasil

Quadro 2: F-P com anglicismo em francês e vernáculo em português

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Quadro 3: Anglicismo nas duas línguas

Quadro 4: Adaptação/aportuguesamento em PB

Há muitos dados nos quadros que poderiam ser analisados e comentados. No entanto, nos limitaremos a apontar alguns aspectos mais relevantes. É natural que a maioria dos anglicismos presentes em línguas de morfologia complexa seja constituída de substantivos, dado que o uso de verbos nessas línguas exige flexão, que já seria uma primeira adaptação, como no verbo “kidnapper” já mencionado. É interessante

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perceber as diferenças de marcação de uso nas obras e outro dado importante é a presença nos dicionários mais antigos da concorrência do anglicismo e do neologismo para ”hardware” inicialmente no francês e vantagem para “matériel” mais recentemente, o que denota uma evolução na língua. O DBOT ousou ao colocar informações que não são, de maneira alguma, unanimidade, como por exemplo “hal” (com apenas uma letra ‘l’, que talvez seja um erro tipográfico) e “cabine do piloto” e “taco de golfe” (pouco frequentes na língua). O MDMA, por ser a obra de menor nomenclatura, foi a que menos contemplou os anglicismos, principalmente na parte português-francês. O DEMM e o DLMO apresentaramse coerentes com as propostas de suas nomenclaturas, sendo que este último teve a vantagem de ser o mais moderno. Algumas unidades lexicais necessitam de um estudo mais apurado, confrontando com as informações dos dicionários monolíngues e também de páginas da Internet para comprovar a frequência de seu uso e o sentido em que são realmente empregadas, como, por exemplo, “self-service”, que pode significar, por um lado, o “tipo de restaurante em que as pessoas se servem livremente” e, por outro, “o uso de uma bomba de gasolina em um posto de combustível”. O que podemos asseverar até aqui é que estrangeirismos, que se incluem na categoria de neologismos, fazem parte do vocabulário fundamental das línguas receptoras e precisam ser devidamente estudados e classificados. Aqueles aqui apresentados, por exemplo, já estão em uso na língua (francesa da França ou portuguesa do Brasil) há décadas; então não é coerente que sejam negligenciados em qualquer instância de ensino. Concluímos com uma citação em Silva (2006, p. 216) que explica essa afirmação apenas aparentemente incoerente: À primeira vista, parece que os neologismos não fazem parte das listagens de um vocabulário fundamental, que gira em torno de umas duas mil a três mil unidades lexicais para as línguas latinas. Mas num segundo momento, percebe-se que eles só se consolidam na língua por causa de um amplo uso, devendo, pois, ser contemplados nessas listagens.

5 Considerações finais Embora se afirme com frequência que as imprecisões, incoerências e lacunas encontradas nos dicionários constituem um obstáculo

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para a aprendizagem, podemos assegurar que todo dicionário ultrapassa a competência lexical de seus consulentes, o que significa que sempre temos a aprender com ele. Todo tipo de dicionário servirá para assegurar a permanência da norma linguística e capacitar o indivíduo para que possa adquirir uma competência lexical satisfatória para seu cotidiano, mas deve acompanhar a dinamicidade do léxico, que com o advento da informática e da Internet, transformou-se consideravelmente nos últimos dez anos. Podemos afirmar que falta material didático de referência para as aulas de tradução em FLE no Brasil. Com a análise apresentada de apenas alguns anglicismos do português do Brasil e do francês da França em DBs usuais no Brasil, demonstramos que há ainda uma certa discrepância na inclusão dessas unidades, mas o mais importante é perceber que há a necessidade de que elas sejam inseridas e veiculadas nos espaços escolares. Como obra de referência depositária de informações que vão desde a simples classificação gramatical até os complexos dados culturais, como a recepção dos estrangeirismos, um dicionário que atenda às necessidades do usuário torna-se imprescindível para uma boa tradução e para uma aprendizagem eficaz.

Referências bibliográficas AUBERT, F. H. A interlíngua da tradução. Um fator de risco? In: HENRIQUES, C. C.; PEREIRA, M. T. G. (Org.) Língua e transdisciplinaridade: rumos, conexões, sentidos. São Paulo: Contexto, 2002. p. 209-215 BIDERMAN, M. T. C. Teoria linguística: teoria lexical e linguística computacional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. BIZZOCCHI, A. Léxico e ideologia na Europa Ocidental. São Paulo: Annablume, 1997. RONAI, P. A tradução vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. SILVA, M. C. P. Estudo comparativo dos substantivos mais frequentes em dicionários bilíngues francês-português e português-francês. 2002. 266f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) – Curso de Pós-graduação em Linguística e Língua Portuguesa, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2002. SILVA, M. C. P. Os estrangeirismos e o vocabulário fundamental nos dicionários bilíngues. Cadernos de Tradução, v. 18, p. 215-234, 2006.

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SILVA, M. C. P. Reflexões sobre o verbete dos dicionários bilíngues para fins pedagógicos. In: ISQUERDO, A. N.; FINATTO, M. J. B. (Org.). As ciências do léxico IV: lexicologia, lexicografia e terminologia. Uberlândia: UFU, 2008. v. 4. p. 329-349.

Dicionários analisados D’OLIM MAROTE, J. T. (Org.) Minidicionário francês / português e português / francês. 5. ed. São Paulo: Ática, 1999. DICIONARIO Larousse OUI francês-português, português-francês : mini. 1.ed. São Paulo: Larousse do Brasil, 2005. [Coordenação editorial: José A. Galvez] MICHAELIS dicionário escolar francês: francês-português e português-francês / Jelssa Ciardi Avolio, Mára Lucia Faury. São Paulo: Melhoramentos, 2002. SIGNER, R. Dicionário brasileiro francês-português / português-francês. São Paulo: Oficina de Textos, 1998.

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