A Trilha Perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no Século XX

October 7, 2017 | Autor: Noelio Spinola | Categoria: Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente
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A TRILHA PERDIDA: CAMINHOS E DESCAMINHOS DO DESENVOLVIMENTO BAIANO NO SÉCULO XX

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

A TRILHA PERDIDA: CAMINHOS E DESCAMINHOS DO DESENVOLVIMENTO BAIANO NO SÉCULO XX

Salvador Unifacs 2009

Copyright © 2009 by Noelio Dantaslé Spinola Editoração de texto, projeto gráfico e capa: Joseh Caldas Produção gráfica e formatação: Joseh Caldas Revisão: Vera Lúcia Nascimento Britto Editora Unifacs Alameda das Espatódias n. 915 Caminho das Arvores CEP 41820-460 – Salvador - Bahia Tel. 3273 - 8528 E-mail: [email protected] www.unifacs.br FICHA CATALOGRÁFICA (Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade Salvador – UNIFACS

Spinola, Noelio Dantaslé, 1941 –. A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX / Noelio Dantaslé Spinola. – Salvador: UNIFACS, 2009. 516 p.il. Inclui Bibliografia. 1. Desenvolvimento econômico – Bahia. 2. Economia baiana – séc. XX. I. Título. ISBN 978-85-87325-17-4

CDD 338.98142 [2009]

Este livro não pode ser reproduzido no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização de: NOELIO DANTASLÉ SPINOLA Rua Amazonas, 1335 - Apto.1001 41830-380 - Salvador - Bahia - Brasil – Telfax: 71-33441650 E-mail: [email protected]

A DENISE, luz da minha vida

Registro meus agradecimentos à UNIVERSIDADE SALVADOR (Unifacs), à FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DA BAHIA (Fapesb) e à FUNDAÇÃO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO ENSINO SUPERIOR PARTICULAR (Funadesp), que financiaram a pesquisa necessária para a elaboração deste livro. Agradeço também ao Arquivo Público do Estado da Bahia e a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), preciosas fontes de dados e a todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a sua elaboração, notadamente o pesquisador Valmir Almeida dos Santos, os meus estagiários em iniciação científica, Felipe, Carol e Vinicius e aos meus alunos do Mestrado e do Doutorado em Desenvolvimento Regional e Urbano do PPPDRU-UNIFACS. Por fim e, em especial, registro a cooperação dos colegas professores Manoel Figueiredo Castro, Jorge Antonio Santos Silva, Fernando Cardoso Pedrão, Gustavo Casseb Pessoti, José Luiz Luzon Benedict e Vera Lúcia Britto pelas fontes, críticas e sugestões apresentadas.

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante Estás e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, Rica te vi eu já, tu a mi abundante. A ti trocou-te a máquina mercante, Que em tua larga barra tem entrado, A mim foi-me trocando, e tem trocado, Tanto negócio e tanto negociante. Deste em dar tanto açúcar excelente Pelas drogas inúteis, que abelhuda Simples aceitas do sagaz Brichote. Oh se quisera Deus que de repente Um dia amanheceras tão sisuda Que fora de algodão o teu capote! Gregório de Matos (apud BOSI, 2006, p. 38)

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Terreiro de Jesus na segunda metade do Século XIX. Figura 2 – Indústria tradicional baiana: rótulos. Figura 3 – Associação Comercial da Bahia e a Praça Riachuelo, 1885. Figura 4 – Companhia Fabril dos Fiaes – Tecidos de Juta, 1890. Figura 5 – Oxum... Oxum - Bahia Figura 6 – O comércio e o porto de Salvador em 1918 Figura 7 – A classe operária: fábrica de confecções, 1918 Figura 8 – Início da exploração de petróleo na Bahia Figura 9 – Mapa do Polígono das Secas Figura 10 – Mapa da região semiárida da Bahia Figura 11 – Salvador de 1960: rampa do Mercado Figura 12 – Organograma do sistema das autarquias criado por Tosta Filho na interventoria de Juracy Magalhães, durante o Estado Novo Figura 13 – Hidrelétrica de Paulo Afonso, alavanca do crescimento industrial da Bahia. Figura 14 – Fac-símile de gráfico original do Plandeb Figura 15 – Fac-símile do esquema simplificado da petroquímica segundo o Plandeb Figura 16 – Mecanismo de difusão do dinamismo da nova atividade econômica sobre a economia de uma região Figura 17 – Fluxograma simplificado da produção do Pólo Petroquímico de Camaçari. Figura 18 – Planejamento espacial da Região Metropolitana de Salvador, 2000. Figura 19 – Pirâmide etária da população da Bahia1980 Figura 20 – Alagados (Salvador – Bahia Figura 21 – Gráfico das taxas de investimento (% do PIB a preços de 1980) – 1980/1994 Figura 22 – Participação relativa das regiões no valor da transformação industrial 1959/2000 11

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Figura 23 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em segmentos selecionados, entre 1970 e 2000 Figura 24 – Bahia: pessoal ocupado entre 1970 e 2000 Figura 25 – Mapa rodoviário da Bahia Figura 26 – Sistema ferroviário da Bahia (desativado) Figura 27 – Sistema elétrico da Bahia – 2000 Figura 28 – Mapa agrícola da Bahia

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Evolução das exportações de açúcar pelo Estado da Bahia (1853-1878) Tabela 2 – Exportações baianas dos principais produtos agrícolas (1851-1878) Tabela 3 – Distribuição geográfica estimada da indústria têxtil brasileira (1866, 1875 e 1885) Tabela 4 – Indústria têxtil na Bahia no período de 1834-1880 Tabela 5 – Execução financeira da Província da Bahia - 1850-1900 Tabela 6 – Balança de mercadorias do Estado da Bahia -1839-1899 Tabela 7 – Balança comercial da Bahia (comércio exterior) - 19011930 Tabela 8 – Estradas de ferro da Bahia em tráfego (extensão, bitola e custo) Tabela 9 – Execução orçamentária do governo da Bahia - 1904-1907 Tabela 10 – Estrutura ocupacional da classe operária de Salvador 1920 Tabela 11 – Comércio no interior baiano – 1923 Tabela 12 – Pequenas indústrias da Bahia – 1925 Tabela 13 – Bahia – comércio exterior (1932–1936) Tabela 14 – Balanço importações gerais x exportações gerais do Estado da Bahia – 1932–1936 Tabela 15 – Receita dos estados brasileiros – 1943 Tabela 16 – Bahia: sinopse estatística – 1950 Tabela 17 – Bahia: utilização das terras – 1950 Tabela 18 – Agricultura: valor da produção na Bahia e no Brasil (1950) Tabela 19 – Bahia:evolução da cultura cacaueira Tabela 20 – Distribuição regional da indústria do fumo em 1920 e em 1950 Tabela 21 – Serviços na Bahia:resultados líquidos por trabalhador Tabela 22 – Brasil: taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) – 1964 –1999 13

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Tabela 23 – Brasil: taxas anuais de inflação – 1949–1999 Tabela 24 – Brasil: áreas do Polígono das Secas e Semiárido segundo os estados do Nordeste Tabela 25 – Brasil: projetos de investimento empresarial concluídos pela Sudene –1959–1999 (distribuição segundo os estados) Tabela 26 – Brasil: projetos de investimento empresarial concluídos pela Sudene – 1959–1999 (distribuição segundo os setores) Tabela 27 – Plandeb: fontes e aplicações dos recursos (1960 – 1963) Tabela 28 – Plandeb: investimentos no setor de transportes e comunicações do Estado da Bahia (1960–1963) Tabela 29 – Financiamento do programa de energia (1960–1963) Tabela 30 – Programa de energia do Plandeb para o Estado da Bahia (1960–1963) Tabela 31 – Esquema de financiamento do PGI Tabela 32 – Complexo Petroquímico de Camaçari: inversões na estrutura física Tabela 33 – Evolução dos depósitos de incentivos fiscais (1968–1980) Tabela 34 – Depósito de incentivos fiscais segundo os ramos industriais Tabela 35 – Liberações de recursos autorizados pela secretaria executiva do CDI (1970–1980) Tabela 36 – Participação e evolução anual dos depósitos de incentivos fiscais por segmento industrial (1977–1980) Tabela 37 – Equipamentos turísticos inaugurados entre 1983 e 1987 Tabela 38 – Hotéis inaugurados (1983 a 1987) Tabela 39 – Produção agrícola 1995–1997 Tabela 40 – Brasil: indicadores macroeconômicos 1990–1998 Tabela 41 – Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indústria de transformação no valor da produção – 1959/1995 Tabela 42 – Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indústria de transformação no valor da produção – 1996/1999 Tabela 43 – Brasil: valor da transformação industrial –1959–2000 Tabela 44 – Brasil: índices do produto real (1970–2000) Tabela 45 – Brasil: composição da renda interna da indústria por classes 1970/1980 14

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Tabela 46 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústrias no VBP da indústria de transformação 1959/1980 Tabela 47 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústrias no VTI da indústria de transformação 1959/1980 Tabela 48 – Brasil: participação relativa das regiões no valor da transformação industrial 1980/2000 Tabela 49 – Brasil: participação relativa das regiões e respectivas unidades da federação no valor da transformação industrial 1970/2000 Tabela 50 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1959 Tabela 51 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1970 Tabela 52 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1980 Tabela 53 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1992 Tabela 54 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 2000 Tabela 55 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor da da transformação industrial (VTI), pessoal ocupado (PO) e salários (SAL), em segmentos selecionados, entre 1970 e 2000 Tabela 56 – Bahia: produto interno bruto e per capita, índices e taxas de crescimento entre 1975 e 2000 Tabela 57 – Bahia: estrutura do produto interno bruto (1975 – 2000) Tabela 58 – Bahia: participação percentual dos segmentos do setor serviços no produto interno bruto (1975–2000)

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SUMÁRIO

Prefácio ............................................................................................ Introdução .......................................................................................

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TÍTULO I – O CONTRADITÓRIO SÉCULO XIX .................

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1.1 A GRADATIVA PERDA DE LIDERANÇA DA ECONOMIA BAIANA ................................................................................. 1.2 O CONTURBADO SÉCULO XIX ...........................................

35 38

1.3 A ECONOMIA BAIANA NO SÉCULO XIX ........................ 1.3.1 Padrões monetários do Brasil ..............................................

48 74

TÍTULO II – DA PRIMEIRA REPÚBLICA À REDEMOCRATIZAÇÃO ........................................................................................

77

2.1 OS CONDICIONANTES EXTERNOS ..................................

77

2.2 A FALÁCIA DO “ENIGMA BAIANO” ................................

82

2.3 A ECONOMIA POLÍTICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA: FALAS DOS GOVERNADORES ................................................. 2.3.1 Luis Viana ............................................................................... 2.3.2 Severino Vieira ....................................................................... 2.3.3 José Marcelino de Souza ....................................................... 2.3.4 João Ferreira de Araujo Pinho ............................................. 2.3.5 José Joaquim Seabra .............................................................. 2.3.5.1 Movimentos sociais ............................................................ 2.3.6 Francisco Marques de Góes Calmon .................................. 2.3.7 Vital Soares .............................................................................

94 100 103 105 110 112 130 134 146

2.4 A REVOLUÇÃO DE 1930 NA BAHIA .................................. 2.4.1 Os interventores .................................................................... 2.4.1.1 Juracy Magalhães ............................................................... 2.4.1.2 Landulpho Alves de Almeida ......................................... 2.4.1.3 As interventorias no final do Estado Novo ....................

149 152 153 157 160

2.5 A REDEMOCRATIZAÇÃO: O GOVERNO MANGABEIRA .. 161 2.6 UM BALANÇO DA ECONOMIA BAIANA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX .................................................... 170 2.6.1 População e emprego ............................................................ 170 17

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2.6.2 Agricultura ............................................................................. 2.6.3 Culturas notáveis ................................................................... 2.6.4 Indústria .................................................................................. 2.6.5 Comércio ................................................................................ 2.6.6 Serviços ...................................................................................

172 175 179 182 183

TÍTULO III – PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

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3.1 CONCEITOS E CONDICIONANTES DO PLANEJAMENTO NO BRASIL ............................................................................... 185 3.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO PLANEJAMENTO BRASILEIRO ............................................................................................... 191 3.3 O PLANEJAMENTO REGIONAL E A QUESTÃO FEDERATIVA ........................................................................................... 204 3.4 O ESPECTRO DA SECA E O PLANEJAMENTO REGIONAL .................................................................................................. 209 3.5 A TEORIA ECONÔMICA DO PLANEJAMENTO REGIONAL NORDESTINO ...................................................................... 220 3.6 ENQUADRAMENTO POLÍTICO DO PLANEJAMENTO NACIONAL E REGIONAL .......................................................... 227 3.7 A SUDENE: UM MINISTÉRIO PARA O NORDESTE ....... 230 3.8 ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A FRUSTRAÇÃO DO PLANEJAMENTO REGIONAL ............................................ 235 3.9 O NORDESTE APÓS 1964: O LONGO OCASO E O FIM DA SUDENE ................................................................................... 238 3.9.1 Inventário dos financiamentos empresariais da Sudene .. 247 3.10 ANTECEDENTES DO PLANEJAMENTO NA BAHIA ... 252 3.11 AS PASTAS COR DE ROSA ................................................. 261 3.12 O PLANDEB ............................................................................ 3.12.1 Transportes e comunicações no Plandeb ......................... 3.12.2 Energia elétrica .................................................................... 3.12.3 Agricultura e abastecimento .............................................. 3.12.4 A estratégia industrial do Plandeb ................................... 3.12.4.1 Urbanismo e localização industrial no Plandeb .......... 3.12.5 O turismo .............................................................................. 3.12.6 Outros programas importantes do Plandeb ................... 3.12.7 Mecanismos de fomento ..................................................... 18

272 282 287 291 307 318 322 323 333

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TÍTULO IV – POLÍTICA GOVERNAMENTAL NA INDÚSTRIA, NO COMÉRCIO E NO TURISMO ............................... 341 4.1 PROGRAMAS E PROJETOS PÓS-1964 ................................. 341 4.2 INCENTIVOS FISCAIS DO ESTADO ................................... 405 4.2.1 Sistemática de incentivos ..................................................... 406 4.2.2 A década perdida .................................................................. 418 4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A POPULAÇÃO E A POBREZA NA BAHIA ............................................................................... 439 TÍTULO V – A ECONOMIA BAIANA NO FINAL DE SÉCULO XX ............................................................................................... 443 5.1 PANORAMA GERAL DA ECONOMIA .............................. 443 5.2 O PERFIL REGIONAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA ..... 460 5.3 A PARTICIPAÇÃO DA BAHIA NA INDUSTRIALIZAÇÃO NACIONAL E REGIONAL NO PERÍODO DE 1959 A 2000 .... 464 5.4 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO DA BAHIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX ...................................... 472 CONCLUSÃO ................................................................................ 501 REFERÊNCIAS .............................................................................. 507

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PREFÁCIO A apresentação do autor deste livro que é feita nas orelhas da capa não diz ao leitor alguns fatos que considero importantes para que se possa ter uma prévia impressão do conteúdo do livro. Alguns desses fatos são sobre o autor, que sempre foi um escritor prolífico e, aos 67 anos de idade, continua escrevendo livros alentados em que busca registrar as análises percucientes que faz do desenvolvimento baiano, seja em termos amplos como no presente volume, seja em termos mais restritos como, por exemplo, no livro em que analisou a questão dos fatores locacionais na localização industrial. A biografia, apresentada em termos compactos, também não registra que o autor se doutorou com mais de 60 anos na segunda maior universidade da Espanha, com aprovação plena de uma banca de especialistas em Análise Regional, obtendo assim o reconhecimento acadêmico da sua trajetória científica. Caberia, ainda, acrescentar o quanto a Universidade Salvador lhe deve. No nosso credenciamento a comprovação da atividade de pesquisa institucionalizada na Universidade se apoiou, entre outros, nos trabalhos executados pelo autor para estabelecer as condições de criação de atividades geradoras de emprego e renda em mais de 100 municípios baianos. E o nosso primeiro programa stricto sensu, o Mestrado em Análise Regional, resultou de projeto do Professor Noélio, que foi seu primeiro Coordenador e onde até hoje ele ensina. Trago inicialmente estes fatos à atenção do leitor para que ele já faça uma idéia do que pode encontrar na leitura do livro. Isto posto, sobre o livro propriamente dito, devo dizer que quando comecei a lê-lo relembrei a minha surpresa intelectual ao entrar em contato, ainda bem jovem, com o livro “Formação Econômica do Brasil” de Celso Furtado, onde, pela primeira vez, vi um texto histórico que para explicar o que é hoje o nosso país apresentava uma descrição das grandes forças econômicas e sociais que moldaram a nossa realidade. A surpresa se deveu a que eu estava acostumado aos livros de história tradicionais, centrados na apresentação dos chamados “grandes vultos” e na descrição de momentos marcantes do processo histórico sem, porém, contextualizá-los. Numa outra visão, Celso Furtado usava a metodologia dialética que o Professor Noélio emprega no seu livro com muita propriedade. 21

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O livro, no seu conjunto, além da fundamentada avaliação do tema de que trata, constitui-se também em uma visão do mundo. Isto é, não é um livro sobre economia política, mas a visão do autor como economista político, como um homem que exerceu o poder, que participou da elaboração e implementação de políticas públicas como as que discute e, com a autoridade que a sua experiência pública lhe confere, julga o processo de desenvolvimento da Bahia. Não julga, no entanto, só com esta autoridade da experiência, mas, também, com a autoridade científica de quem já tem outros textos analíticos sobre o assunto e, além disso, pesquisou longa e amplamente, em fontes primárias, para compor a obra que ora o leitor tem em mãos. Neste livro o leitor encontrará uma das revisões mais completas, em seu detalhe e em sua fundamentação teórica, da história econômica da Bahia e dos esforços dos seus governantes em buscar tornar a nossa terra um lugar de vida digna para o povo que aqui habita. Embora, como conclui o autor, este objetivo não tenha sido alcançado, houve alguma evolução em relação ao passado. O que precisamos agora, a partir dessa base, é que a maior capacidade analítica dos modernos estudiosos da Economia e o aperfeiçoamento gradual da estrutura política do país permitam que consigamos resultados melhores do que os conseguidos até hoje. Não será tarefa fácil, até porque a economia tecnológica mais intimamente globalizada que caracteriza o século atual apresenta uma dinâmica nova, com desafios específicos para os gestores macroeconômicos como, por exemplo, a necessidade de estimular produção de inovações. Além disso, a recente crise mundial, em que ainda estamos imersos, irá reorganizar a estrutura mundial de poder político e econômico, com o aparecimento de novos pólos como é evidente no caso da China. Com isto as condições estão postas para que, quem sabe daqui a alguns anos, o Professor Noélio produza um novo texto como o presente, para analisar como estamos nos saindo nestas novas circunstâncias. É aguardar para ver Para concluir, devemos destacar que é um livro que cumpre um importante papel, na medida em que sua postura crítica busca levar os seus leitores a uma tomada de consciência sobre os sucessos e insucessos das políticas públicas de desenvolvimento empregadas 22

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na Bahia ao longo do seu meio século de história como região. Políticas inicialmente ligadas aos interesses estreitos das classes dominantes, até o estágio atual em que são políticas de Estado, embora influenciadas pelas elites dominantes e, um fator novo, pela ideologia dos partido que está no poder. Esta tomada de consciência deve incitar os leitores e, principalmente, os gestores públicos à ação, à mudança, orientando-os sob os meios de tornar mais amplos e permanentes os efeitos das políticas de desenvolvimento, de forma a que este desenvolvimento não seja meramente crescimento econômico, mas um desenvolvimento pleno da nossa sociedade, com reais efeitos de integração da maioria desprivilegiada em termos de renda e, sobretudo, de acesso às condições necessárias a uma vida humana plena, como saúde, educação, moradia digna etc. O autor, portanto, milita no espírito do grande chamado de Marx para que os intelectuais não procurem apenas compreender o mundo, mas se dediquem a transformá-lo. Prof. Manoel J. F. Barros Sobrinho Reitor da Universidade Salvador – UNIFACS

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INTRODUÇÃO América te vejo florindo em outros dias igual ao céu, ao campo, aos rios desatados tecida de mil cores e de mil esperanças, sem medo, sem miséria, sem fome e sem soldados. Bandeira Tribuzi (2002, p.415)

Este livro estuda o desempenho da economia baiana ao longo do século XX, mediante a análise de suas variações cíclicas, de suas inter-relações com a conjuntura política e econômica internacional, nacional e estadual e de sua inserção no processo de desenvolvimento regional do Nordeste brasileiro. A singularidade do processo de planejamento na Bahia tem sido objeto de numerosos trabalhos. Porém, muitos deles foram realizados de forma fragmentada, não retratando as circunstâncias sociais e políticas cujos antecedentes remontam à Primeira República e aos embates com a estrutura do coronelato oligárquico que datam do governo Vargas e cujas conseqüências se fizeram sentir notadamente no final da década de 1940 e nas décadas de 1950 e 1960, mas cobrem todo o período compreendido pelo século XX. Será que o famoso enigma baiano, sobre o qual se debruçaram importantes pesquisadores da economia estadual, em busca das causas para a sua decadência e estagnação, na primeira metade do século XX, foi efetivamente superado com o novo surto de progresso dos anos 70? Ou apenas foi substituído por novos e intrincados desafios não superados pela iniciativa privada e pelo planejamento estatal? A difícil transição de um modelo agroexportador, esgotado pelas limitações das vantagens comparativas e pela dependência dos produtores de açúcar, algodão, fumo, café, sisal e cacau aos preços externos, para um novo processo de integração extrarregional, nos moldes do que se estabeleceu na Bahia a partir dos anos 50/60, poderia ter seguido rumos diversos, que propiciassem alternativas de desenvolvimento econômico ao Estado? Por que a Bahia não se desenvolveu como era esperado pelos seus empresários, planejadores e governantes, apresentando, na atualidade, um quadro dramático de desigualdade social e de concentração da renda? Em que medida as classes empresariais e as administrações estaduais foram responsáveis pelo quadro socioeconômico 25

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atual da Bahia? Poderiam realmente ter determinado rumos diferentes para o Estado? As respostas a estas questões constituíram os objetivos deste trabalho que apresenta os resultados de uma pesquisa realizada entre 2004 e 2008, no âmbito de um Pós-doutorado em Análise Regional, que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), do Programa de Pósgraduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador (Unifacs) e da Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular (Funadesp). Em termos gerais, objetivou-se promover o estudo da política econômica das sucessivas administrações estaduais baianas, vis-àvis a política econômica nacional e internacional. Procurou-se avaliar a aderência dessas políticas à realidade local e as conseqüências das ações e posicionamentos assumidos pela Bahia, realizados através das ações políticas das suas lideranças e das diretrizes de planejamento propostas e ou executadas no transcurso do século XX. Pretendeu-se, também confirmar as seguintes hipóteses: a) os movimentos do capitalismo internacional e as circunstâncias decorrentes do desenvolvimento tardio e dependente do capitalismo brasileiro, que permearam o processo de desenvolvimento estadual ao longo do período examinado, condicionaram e limitaram a eficácia das políticas e do planejamento econômico estadual que objetivaram a promoção do desenvolvimento da Bahia e contribuíram significativamente para o desequilíbrio inter-regional de emprego e renda; b) a política macroeconômica do governo federal, ao longo do século XX, foi discriminatória para com a Bahia e o Nordeste, respondendo significativamente pelos desequilíbrios regionais de desenvolvimento hoje registrados no país; c) esse desequilíbrio também decorre da ineficácia das ações desenvolvidas, ao longo do século XX, na formulação das políticas públicas e no planejamento econômico estadual, ao conferir-se prioridade ao princípio da geração de externalidades e de concessão de subsídios, através de incentivos fiscais, como elementos suficientes para a implantação e o desenvolvimento de parques industriais, e ao eleger-se a grande indústria, produtora de bens intermediários, como o “motor” do desenvolvimento regional que resultou na geração de uma base monoindustrial no Estado, fundada no segmento químico/petroquímico; 26

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d)observado em termos culturais, o problema decorre da herança do processo colonizador, baseado na escravidão, que resultou na cristalização da secular pobreza local e na formação de uma estrutura política cujo estamento social dominante, representado por uma elite agrocomercial e financeira conservadora, inibiu a formação de um capital humano qualificado, a mobilidade social de parte considerável da população, a formação de uma classe média local e o surgimento de um mercado interno significativo, o que, em última instância, impediu as condições de ocorrência de um processo de desenvolvimento endógeno. Em síntese, o livro se propõe a examinar, nos planos histórico, sociopolítico e econômico, o conjunto de acontecimentos que possam explicar o fenômeno de subdesenvolvimento registrado nos dias atuais. Neste plano, há que distinguir, nos primórdios da colonização, a forte influência exercida pelos colégios jesuítas, que nos legaram uma formação humanística que dominou as nossas elites dirigentes até, pelo menos, a segunda metade do século XX.1 Essa elite, carente de formação tecnológica, aliada aos representantes do comércio exportador-importador e aos grandes produtores agrícolas, dominou a máquina governante do império durante todo o século XIX e foi responsável por uma política liberal que abortou todas as possibilidades de uma emancipação manufatureira tanto do Brasil quanto, particularmente, da Bahia. Há que considerar também, segundo um enfoque eminentemente econômico, que, ao se examinarem os aspectos relacionados com o crescimento da economia baiana, notadamente a industrial, tem-se utilizado, com frequência um escopo macroeconômico, baseado na análise da participação do Estado no produto do setor industrial brasileiro, em termos de valores globais de investimento e de produção e nos registros das principais ocorrências relacionadas com a implantação de indústrias. Esta metodologia, que mascara a visão do desenvolvimento, confundindo-a com a do crescimento econômico, será revista neste estudo, tendo em vista que, a par da precariedade desses números e das demais informações so1

Vem daí nossa resistência às atividades manuais, consideradas indignas dos “homens bons” e, conseqüentemente, uma das nossas dificuldades para o desenvolvimento de manufaturas e tecnologia.

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bre a produção industrial, este é um critério extremamente pobre, por ignorar os principais aspectos do processo de globalização da economia mundial2, da própria ampliação e transformação da indústria no Brasil; por tratá-la como um setor isolado na estruturação do capital financeiro nacional e, finalmente, por abordar superficialmente os problemas resultantes do impacto da transformação da indústria nacional no âmbito da indústria baiana. Mais explicitamente, têm sido excluídas da análise questões relativas à tecnologia, ao tamanho e à forma de organização das empresas, aos problemas de financiamento da produção e da comercialização da produção industrial no mercado, assim como àqueles relacionados com a produtividade e com a eficiência, em termos da cada fábrica ou unidade de produção equivalente. A abordagem macroeconômica usual separa a análise dos fenômenos de produção dos fenômenos de emprego. Nesta análise, são destacados os aspectos relacionados com o volume dos investimentos e dos aumentos subsequentes da produção, sem que se entre no mérito dos impactos de tais aumentos sobre a estrutura do setor industrial ou da forma como eles contribuem para ampliar a capacidade instalada, a formação do capital e, sobretudo, a geração de empregos e de renda. Outro aspecto fundamental do processo de desenvolvimento da Bahia, que merece detido exame, por condicionar e qualificar as perspectivas de evolução da economia do Estado na segunda metade do século XX, constitui a sua limitada participação no processo identificado, no Brasil, como de substituição de importações. Uma análise retrospectiva permite observar que, no período marcado pela predominância deste processo como elemento motor da industrialização brasileira, basicamente de 1946 a 1960, a expansão da indústria, na Bahia, em seu conjunto, foi um movimento tímido que se limitou a incorporar alguns projetos industriais de pequenos e médios portes, com tecnologia equivalente ou inferior à média da indústria nacional. Assim, o crescimento econômico da Bahia, notadamente o industrial, até o início dos anos 1970, foi uma simples ampliação da capacidade de produção, baseada na renovação da capacidade instalada de fábricas já existentes e na implantação de processos industriais de transformação complementares e empreendimentos 2

Um fenômeno que pode ser datado do século XIX.

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agropecuários. É um fenômeno que se infere, entre outros elementos, da participação da indústria de produtos alimentares no valor bruto da produção do Estado que, no período citado, passou de 24,5% a 28,4%, indicando indiretamente a ausência de outros gêneros de maior dinamismo na composição da produção do setor (SPINOLA, 1983). Concretamente, ao longo de meio século e até o início da década de 1960, a expansão econômica da Bahia continuou carente de um impulso predominante que permitisse identificar uma ruptura com o esquema de economia regional estagnada. A pequena ampliação do parque industrial não foi suficiente para sustentar a decolagem do processo de desenvolvimento a partir de um aproveitamento significativo das matérias-primas regionalmente disponíveis, e não seria senão com a intensificação do planejamento estadual, a partir de 1956, que começariam a aparecer algumas respostas significativas no plano dos projetos industriais que captassem recursos das instituições de fomento já em operação na época. A própria timidez do crescimento industrial torna, praticamente, supérfluas as colocações acerca de alternativas industriais ou de prioridades, definindo-se o problema industrial regional, principalmente, em termos de incorporação das principais margens de transformação, em linhas de produção agropecuária. Embora as transformações da Bahia no contexto da economia brasileira não se possam creditar a um único fator, uma parte delas (que cabe investigar em detalhes), notadamente nos últimos 50 anos, tem sido atribuída à adoção de políticas públicas e ao planejamento governamental orientados por uma concepção desenvolvimentista. Tal orientação, em primeiro lugar, conferiu prioridade à descoberta das vocações produtivas regionais e ao dimensionamento de complexos industriais com a expectativa da formação de um mercado de âmbito nacional. Em segundo lugar, propiciou a criação de condições competitivas para que, a partir da atração do grande capital internacional para a Bahia - concorrendo com outras localizações alternativas no Nordeste e no Sul-Sudeste do Brasil -, nela se implementasse o desenvolvimento de um parque de indústrias produtoras de bens finais, de elevado valor agregado. O desenvolvimento industrial tem sido visto, historicamente, no plano econômico, como a melhor forma de resolver a questão da pobreza: por isso, muita esperança foi colocada na capacidade multiplicadora e de geração de empregos pelas indústrias. 29

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Há de se considerar, contudo, um aspecto crítico da industrialização na Bahia, visto que as indústrias dos gêneros dinâmicos, intensivas de capital, não conseguiram promover os famosos backward e forward effects (HIRSCHMAN, 1960) que possibilitassem a formação, via complementaridade, de uma rede industrial produtora de bens finais e de maior valor agregado regional, como esperavam os planejadores locais. O ramo siderúrgico, por exemplo, que perdeu o timing para modernizar-se na década de 1960 (graças ao retardamento e à redução do projeto original da Usina Siderúrgica da Bahia (Usiba)), viu limitadas as suas possibilidades de ampliar-se dado o quadro estrutural do setor, tanto em termos nacionais quanto internacionais, marcado por uma conjuntura de excesso de capacidade instalada e de superprodução. O segmento metal-mecânico praticamente desapareceu do Estado, quando se reduziu a demanda local por equipamentos para a indústria do petróleo. Tudo isso redundou em interrupção dos efeitos multiplicadores dos investimentos na economia baiana, provocando a desindustrialização nesses setores. Assim sendo, no sentido abrangente do termo, cabe examinar até que ponto a Bahia pode ser considerada um Estado industrializado, pois reúne, de um lado, um conjunto poderoso, mas reduzido de empresas produtoras de bens intermediários que respondem majoritariamente pelo valor bruto da produção e da transformação industrial e, do outro, uma miríade de micro-e pequenas empresas de pequena expressão econômica. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1985, a produção industrial baiana correspondia a 3,8% da produção nacional. Em 1990 (já na maturidade do Pólo Petroquímico de Camaçari), a participação se eleva para 4%. Esta é uma tendência histórica que todos os esforços desenvolvimentistas dos últimos oitenta anos da história baiana não conseguiram reverter, pois, segundo Almeida, R. (1977), a participação da Bahia no total da indústria nacional, que era de 3,5% em 1920, caiu para 1,9% em 1940, situando-se em 2,5% em 1957. Por tudo isto, justifica-se um exame profundo da problemática econômica baiana, o que ora se propõe neste livro. Isto será possível mediante uma análise do conjunto de fatores de natureza histórica, antropológica e sociológica que, associados com e/ou dependentes da forma mundial de acumulação e reprodução do sistema capitalista, devem responder pela ocorrência observada, reduzindo a importância do papel dos atores locais no processo 30

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decisório. Ademais, como afirma Pedrão (1997), presume-se que a produção de conhecimento científico é um movimento em expansão progressiva, que depende da reinserção de resultados avaliados. Daí a necessidade de controlar os resultados já alcançados. Diferentemente do conhecimento tradicional, que pode ser estacionário, ainda que sensível a alterações, porque mera repetição, o conhecimento científico distingue-se por sua tendência a progredir. Seu progresso depende dessa avaliação e da seleção dos resultados de um processo de trabalho, em princípio interminável (PEDRÃO, 1997). Há que se considerar também, nesta introdução, o plano metodológico segundo o qual, geralmente, parte-se da discussão sociológica do pressuposto de que somente o método científico específico transforma um fenômeno ou coisa em objeto da investigação científica. Isto implica no fato de que todo processo de investigação é cunhado integralmente pelo método escolhido. Segundo Berger (1980), tratando-se do objeto de investigação como de um objeto constituído pelo método, então o problema do dimensionamento e da limitação desse objeto se transforma, sobretudo, em uma questão metodológica. Assim, generalizando, podemos até afirmar que, com a escolha do método, já optamos por uma limitação específica do objeto de investigação. Considerações metodológicas, pois, já devem estar presentes fundamentalmente ao iniciar-se a escolha de determinado tema de investigação. Na prática, via de regra, o pesquisador em ciências sociais, segundo Lakatos (1991), deve decidir-se previamente por um dos quatro métodos de abordagem conhecidos, ou seja: indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo ou dialético e pelos métodos de procedimento: histórico, comparativo, monográfico, estatístico, tipológico, funcionalista e estruturalista, sendo que [...] estes últimos correspondentes a etapas mais concretas da investigação, com finalidade mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos e menos abstratos. Dir-se-ia até serem técnicas que, pelo uso mais abrangente, se erigiriam em métodos” (LAKATOS, 1991).

A seleção de um tema a pesquisar em História deve obedecer metodologicamente aos critérios de relevância, viabilidade, originalidade e de interesse pessoal (CARDOSO, 1982). O critério da relevância tem dois aspectos: o da relevância social e o da relevância científica. E, como afirmava Lucien Febvre (1989), a 31

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História é ao mesmo tempo ciência do passado e ciência do presente: é a forma pela qual o historiador atua na sua época, na sua sociedade e deve ajudar a explicar o social no presente (e, assim, auxiliar a preparação do futuro). Isto significa que a escolha de temas de pesquisa histórica deve estar atenta, como no caso deste estudo, às prioridades sociais do momento que se vive. Do ponto de vista da relevância científica, observe-se que a ciência histórica, como as demais, evolui e, em cada etapa, redefine os objetos, conceitos, prioridades e possibilidades, assegurando a trabalhos desta natureza um conjunto de instrumentais analíticos mais eficazes não só pela conjugação de ferramentais da análise econômica e da estatística, como pela assunção de uma linha de análise histórica baseada na escola dos anais3. Sob o prisma da viabilidade, tem-se clareza quanto à possibilidade da execução da pesquisa, dados os recentes progressos assumidos pelos procedimentos de armazenagem e resgate das informações, a ampliação do número de acervos disponíveis e mesmo de uma postura cooperativa das instituições no sentido de criar condições para a sua execução. No que tange à originalidade, estima-se que se trabalhou sobre temas cujo potencial de pesquisa4 ainda não está esgotado, o que permitirá o preenchimento de lacunas do conhecimento e, mesmo no caso de parte de temas já estudados, se estará trabalhando com documentação radicalmente renovada, partindo de bases teóricas diferentes, analisando e criticando teses anteriormente aceitas. Quanto ao interesse do autor, constitui este trabalho o fecho de um conjunto de pesquisas que deram origem a trabalhos anteriores de sua autoria que abordam esta temática. 5 Sem pretender aqui debater essas diretrizes, aponta-se, a seguir, esquematicamente, a orientação metodológica que foi adotada neste estudo. Adotou-se o método dialético na abordagem global do tema, ao derivarem-se as conclusões do exame dos condicionantes espaciais, políticos e econômicos que, partindo do mundo para o país e deste para a região e o estado, condicionaram o processo de desen3 4

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Braudel (1996); Wallrestein (2001); Arrighi (1997). Existe muito material não sistematizado sobre o assunto. Uma importante contribuição desta pesquisa consistirá na sistematização deste material e na montagem de um banco de dados reunindo informações sobre este período, que atualmente corre o risco de se perder. É o caso dos seguintes trabalhos: A indústria na Bahia: uma proposta de política industrial. Salvador: SIC/DIC. 1983; 30 anos da indústria, comércio e turismo na Bahia (1966/ 1996) Salvador: IPA/UNIFACS, 1997; Análise da política de localização industrial no desenvolvimento regional: a experiência da Bahia. Salvador: Unifacs, 2003 (Financiado pela Fapesb).

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volvimento da Bahia. No plano dos procedimentos, utilizou-se o método dialético aplicado no exame das contradições, lutas e sínteses do processo de planejamento brasileiro, do planejamento regional e estadual, resultantes do jogo das forças políticas e sociais segundo o contexto do processo de acumulação de capital que determinou o ordenamento do espaço e a criação do povo, num país em que o Estado surgiu primeiro e determinou os termos do funcionamento da Nação, como assinala Faoro (1979), em seu clássico estudo sobre Os donos do poder. Ademais, entende-se que um dos princípios fundamentais da dialética é o de não considerar a história como a acumulação de fenômenos isolados, mas como um todo em que os diversos elementos se condicionam reciprocamente. Este princípio é particularmente importante no estudo do subdesenvolvimento porque, nas economias capitalistas dominantes, as atividades são fundamentalmente autocentradas e autodinâmicas e o aspecto externo da acumulação aparece como um elemento essencial, mas complementar, no sentido de contribuir para uma dinâmica preexistente, mais do que para criar uma dinâmica nova. Já nas economias dependentes, pelo contrário, a atividade externa do capitalismo dominante constitui a dinâmica principal em função da qual estas economias dependentes se desenvolvem. Desse modo, , as formas de integração internacional condicionam o ritmo e a orientação do processo de desenvolvimento (AMIN, 1970). Como não poderia deixar de ser, dentro do escopo estruturante do método, utilizou-se o método histórico de investigação, pesquisando-se as raízes dos problemas para compreender sua natureza e função, explicitando-as. Neste procedimento, foram utilizados os recursos oferecidos pela história e pela geografia econômica nas abordagens espaciais da problemática nordestina e baiana, os quais, associados aos instrumentais sociológicos, possibilitaram um exame crítico de questões que têm sido o leitmotiv das políticas econômicas regionais, tais como: as do fenômeno da seca no semiárido regional; o “enigma baiano”; os modelos de regionalização da Bahia e a aplicação da teoria dos pólos de crescimento (PERROUX, 1977) aos complexos industriais da Região Metropolitana do Salvador (RMS) e aos distritos industriais do interior. O tratamento e a análise dispensados às variáveis que integram a pesquisa, utilizaram o método estatístico para demonstrar a ocorrência dos fenômenos investigados nos espaços regionais escolhidos para serem estudados. 33

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Operacionalmente, o trabalho demandou cinco anos para a sua execução (2004/2009) e exigiu a realização de um conjunto de técnicas de pesquisas documentais, bibliográficas e de campo. A pesquisa documental, em fontes primárias, compreendeu a recuperação de informações de arquivos públicos e de acervos particulares localizados no Estado da Bahia e em outras unidades da Federação, notadamente o Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Ceará e Brasília. Importância especial foi conferida aos pronunciamentos e projetos de parlamentares baianos no Congresso Nacional e na Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, às mensagens anuais encaminhadas pelos governadores à Assembléia Legislativa, aos relatórios de governo, textos de discursos e de conferências, artigos e notícias divulgados pela imprensa. A documentação direta, que compreende o levantamento de dados no próprio local onde os fenômenos ocorrem, foi efetuada mediante a realização de pesquisas de campo e da realização de entrevistas estruturadas com personalidades que foram protagonistas no processo histórico estudado, com estudiosos da temática, políticos e empresários. O livro está dividido em cinco títulos, com suas respectivas seções, mais esta introdução, uma conclusão e anexos estatísticos. Na primeira parte procede-se a uma análise das causas históricas do declínio econômico da Bahia que tem suas origens nos séculos XVIII e XIX. A segunda parte analisa o desempenho da economia baiana no período compreendido entre os anos 1900 e 1950, período que hospedou o enigma baiano, enfatizando-se os depoimentos dos governadores do Estado e as querelas políticas que entravaram o crescimento da economia estadual. A parte terceira reporta-se aos esforços governamentais de política pública e de planejamento, com o resgate de muitas informações esquecidas pelos historiadores. Na quarta parte trata-se dos esforços mobilizados para a promoção do desenvolvimento estadual nas décadas finais do século XX. Por fim, na quinta e última parte faz-se uma análise macroeconômica deste último período. Cabe, ainda, apenas registrar que este livro segue, no que se refere à ortografia, o sistema do Acordo ortográfico da língua portuguesa, posto em vigor a partir de 1º de janeiro de 2009 pelo decreto presidencial n. 6.583 de 29 de setembro de 2008 (BRASIL, 2008).

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TÍTULO I O CONTRADITÓRIO SÉCULO XIX Nos últimos dois séculos não produziu a península (Ibérica) um único homem superior, que se possa colocar ao lado dos grandes criadores da ciência moderna. Não saiu da península uma só das grandes descobertas intelectuais, que são a maior obra e a maior honra do espírito moderno (apud GOMES, 2007, p.59).

1.1 A GRADATIVA PERDA DE LIDERANÇA DA ECONOMIA BAIANA Os fatores que determinaram a gradativa perda da liderança da Bahia e, com ela, do Nordeste, no cenário político e econômico brasileiro, decorrem de um conjunto de circunstâncias. Tudo começa pelo processo de colonização, derivado dos eventos econômicos e políticos que condicionaram a história do pequeno reino de Portugal nos três primeiros séculos da nossa história. A fragilidade portuguesa frente à Inglaterra que expandia o seu império mundial contribuiu para que, na prática, se exacerbasse um processo de exploração que constituiu a marca da dominação lusitana. Esta fragilidade e uma relação de dependência financeira e militar fizeram de Portugal, desde o século XVI, um “intermediário” na apropriação das riquezas extraídas ou produzidas pela colônia brasileira, as quais, preponderantemente, acabavam canalizadas inicialmente para os holandeses e, a partir do século XVIII, para os ingleses. A partir da metade do século XVI a produção portuguesa de açúcar passa a ser mais e mais uma empresa em comum com os flamengos, inicialmente representados pelos interesses de Antuérpia e em seguida pêlos de Amsterdã. Os lusitanos se encarregavam da etapa produtiva, os fla-mengos, recolhiam o produto bruto em Lisboa, refinavam-no.A contribuição dos flamengos — particularmente dos holandeses – para a grande expansão do mercado do açúcar na segunda metade do século XVI, constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil. Especializados no comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de grande dimensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar. Existem indícios abundantes de que os capitalistas holandeses não se limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto.

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Tudo indica que capitais flamengos participaram no financiamento das instalações produtivas no Brasil, bem como no da importação da mão-de-obra escrava[...] Poderosos grupos financeiros holandeses, interessados como estavam na expansão das vendas do produto brasileiro, seguramente terão facilitado os recursos requeridos para a expansão da capacidade produtiva, Se se tem em conta que os holandeses controlavam o transporte (inclusive parte do transporte entre o Brasil e Portugal), a refinação e a comercialização do produto, depreende-se que o negócio do açúcar era na realidade mais deles do que dos portugueses (grifo nosso). Somente os lucros da refinação alcançavam aproximadamente a terça parte do valor do açúcar em bruto. (FURTADO, 1959, p.20).

Outro exemplo deste processo de dependência é o leonino tratado de Methuen, firmado entre a Inglaterra e Portugal, em 1703, que transformou o Brasil, do ponto de vista econômico, em colônia de uma colônia, visto que os portugueses, a partir dessa época, abdicaram praticamente da sua autonomia (colocando-se sobre a proteção militar inglesa) e, consequentemente, da capacidade de gerir com independência os seus negócios, ditando seus rumos, notadamente no setor industrial. Como observa Oliveira (2005, p. 24): Mas por que Portugal trocou as Índias pelo Brasil? Porque para obter as chamadas especiarias – pimenta, noz moscada, canela, cravo e gengibre, além do sândalo, o aloé, a seda, o ópio e a cânfora – tinha de pagá-las em moedas e/ou produtos. Produtos que Portugal não produzia. E como não tinha tais produtos, comprava-os a crédito, o qual era caríssimo, representando em um ano 25% do valor (juros) do empréstimo feito. Após 25 anos da primeira viagem às Índias – 1524 – Portugal devia da rolagem da dívida o equivalente a três anos de carregamento. E como para enfrentar a concorrência de outros países sua receita não cobria as despesas, obrigava-se a recorrer a financiamentos internos e externos. Nos meados do século XVI a dívida interna já era de 100 mil cruzados e a externa de 400 mil cruzados. Um país em bancarrota (grifo nosso). Às perdas monetárias somavam-se as perdas em homens. A mortandade no mar era enorme. De quatro mil pessoas embarcadas, diz Pyrard Laval, só duas mil sobreviviam. A ganância levava Portugal a sobrecarregar as caravelas muito além do peso que poderiam suportar. Os naufrágios eram fatais. Chegou o momento em que os portugueses compreenderam que esta tragédia – a famosa História Trágico-Marítima – não podia continuar. Eis o que leva Portugal a estabelecer o Governo Geral no Brasil, em 1548, com sede na Bahia.

O alvará de 5 de janeiro de 1785, baixado por D. Maria I, proibindo a existência de fábricas no Brasil e mandando fechar as que 36

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existiam é um testemunho eloquente dessa dependência6. Com ele, inaugurava-se a primeira medida política de (des)industrialização em nossas plagas, favorecendo a Inglaterra, cujo sistema imperialista passava a dominar econômica e financeiramente a colônia portuguesa, domínio que se estendeu até o final do século XIX. Em 1808, com a abertura dos portos, e em 18107 com os tratados que transformam a Inglaterra em potência privilegiada8, com direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais, consolidase no Brasil o imperialismo inglês e formata-se praticamente a matriz do nosso subdesenvolvimento. Essas medidas são complementadas com o acordo de 1827 e com a eliminação do poder pessoal de D. Pedro I, em 1831, o que consolida o papel dominante (no plano político) da classe formada pelos senhores da grande agricultura de exportação (FURTADO, 1959, p. 115) e, no plano econômico, pelo grande comércio exportador. No caso específico da Bahia, seu declínio inicia-se com a transferência do Governo Geral de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, perdendo a província sua condição de capital política do país e todos os ganhos inerentes a essa condição. Segundo Tavares (2001), isto se deveu ao fato de o pólo de desenvolvimento do Brasil ter saído do Norte/Nordeste, firmando-se no Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo). A descoberta do ouro nas Minas Gerais e, posteriormente, o advento do ciclo do café, plantado inicialmente no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, deslocaram o eixo da economia, marginalizando para sempre as províncias do Nordeste e do Norte. Por questões estratégicas, para a Coroa Portuguesa, [...] era necessário estabelecer um centro de poder e administração que ficasse mais próximo de Minas Gerais e Goiás e que facilitasse uma comunicação mais rápida com as capitanias de São Paulo e 6

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Alvará ditado pelos ingleses, temerosos com a concorrência de várias fábricas de tecido que começavam a surgir na Bahia e no Brasil. Segundo Simonsen (1944), pelo tratado de 1810 eram concedidas alíquotas preferenciais de 15% aos produtos ingleses; os produtos portugueses eram taxados em 16% e os dos demais amigos em 24%. As condições contidas na convenção de 1810 significavam a transplantação do protetorado britânico,cuja situação privilegiada na metrópole era consagrada na nossa esfera econômica e era mesmo imprudentemente consignada como perpétua. A ausência de reciprocidade era absoluta em todos os domínios; era, aliás, difícil de estabelecer, visto a ausência de artigos de necessidade comparável para o consumo: os produtos manufaturados eram mais necessários ao Brasil que as matérias-primas brasileiras à Inglaterra. A desigualdade manifestava-se ainda na importância que as exportações representavam para cada um dos países produtores, a Inglaterra constituindo o mercado quase único para o Brasil, enquanto aquele país repartia os seus interesses entre países numerosos. (Hypólito José da Costa, em Simonsen, 1937 v. 2, p.254).

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Rio Grande do Sul [...], mas o que a decidiu realmente foi a nova situação das fronteiras do Brasil com os Vice-reinados da Espanha na América do Sul. (TAVARES, 2001, p. 113).

A transferência da família real portuguesa e de todo o aparato cultural, técnico e político da metrópole lusitana para o Rio de Janeiro, em 1808, constituiu o golpe de misericórdia nas pretensões baianas de assumir uma posição hegemônica na economia nacional. Como bem assinala Braudel (1996), a convivência e a cumplicidade com o Estado são essenciais para o desenvolvimento do sistema capitalista. O investimento político e cultural efetuado no Rio de Janeiro, a partir da sua transformação em sede da monarquia portuguesa, transformou aquela cidade na metrópole do Brasil colonial, ali centralizando todo o poder político e econômico que prevaleceu ao longo do século XIX e parte do século XX. Assim fundaram-se as bases do sistema dominante que não só marcaria em definitivo os desequilíbrios regionais que se acentuaram no século XX, como praticamente definiu-se a matriz da decadência baiana.

1.2 O CONTURBADO SÉCULO XIX O século XIX esteve muito longe de ser um período tranquilo e de grande prosperidade para a província baiana. O seu transcurso foi marcado por revoltas, epidemias, secas, crise na agricultura, adversidades no comércio internacional e a perda do poder político nos anos iniciais com a instalação da corte no Rio de Janeiro e, no começo da Primeira República, com a ascensão ao governo da afluente classe dos barões do café. As revoltas ocorreram entre os escravos e os nativos mulatos e brancos, todas motivadas pelo anseio de liberdade dos grilhões da escravidão, do jugo português e das condições precárias da vida em Salvador. O negro, que é apresentado nos manuais escolares como um personagem pacífico, submisso, doce, ignorante, indolente e supersticioso, ou seja: uma “besta de carga” que devia ao branco a salvação da sua alma e o seu sustento, era, na realidade, o oposto disto tudo (REIS, 2003).9 Muitos negros, trazidos como cativos ao Brasil, 9

Reis (2003) é uma leitura indispensável para que quiser enxergar o Brasil por uma ótica diferente da do colonizador.

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eram guerreiros em África10. Foram prisioneiros das intermináveis guerras entre as diversas tribos e povos daquele continente, muitas vezes estimuladas pelo imperialismo europeu. Segundo Reis (2003), [...] não era totalmente errado o comentário do conde da Ponte em 1808, de que a maioria dos africanos então importados representava um alto risco à paz da ordem escravocrata. Eles pertenciam, segundo o conde, a “nações as mais guerreiras da Costa Leste”. Os iorubas, por exemplo, traziam a tradição militar do império de Òyó ou a experiência de oposição e resistência ao mesmo [...] Possivelmente havia entre os escravos que vieram para a Bahia muitos que tinham ocupado posições de liderança militar e outras. (p.309/310).

Na opinião de Gonçalves (2006) alguns desses negros eram, às vezes, mais cultos do que seus senhores portugueses semianalfabetos, ocupando na época funções como a de “guarda-livros” entre outras subalternas.11 Vários deles, como os malês12 sabiam ler e escrever em árabe, além de possuírem grande habilidade para operações aritméticas (REIS, 2003; GONÇALVES, 2006). Ainda segundo Reis (2003: 177) possuíam sua religião islâmica, difundida entre os haussás, bornos, tapas e nagôs. Estes grupos étnicos, entre os quais o Islã estava difundido, representavam entre 15% e 25% dos africanos de Salvador em 1835. A maioria dos iorubas era adepta do culto dos orixás.13 Viana Filho (1949, p. 120) afirmava que a substituição dos bantos (que eram predominantes no século XVII) pelos negros sudaneses daria à cidade um novo aspecto. 10

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Segundo Carneiro (1991, p. 29) os negros trazidos para o Brasil pertenciam a duas grandes categorias segundo a sua procedência – negros sudaneses e negros bantos. Os bantos, originários do Sul da África (Angola, Congo e Moçambique), foram localizados pelo tráfico no Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro. Em migrações menores, estenderam-se às Alagoas, ao Pará, a Minas Gerais e a São Paulo. Os negros bantos eram os angolas, os benguelas, os moçambiques, os macuas, os congos, etc. Os negros sudaneses, vindos da zona do Niger, na África Ocidental, foram introduzidos na Bahia, de onde se espalharam pelo Recôncavo. Negros sudaneses eram os nagôs (iorubas), os jejes (ewes), os minas (tshis e gás), os haussás, os galinhas (grúncis), os tapas, os bornus, etc. Ainda na Bahia entraram negros fulas e negros mandês (mandingas), carregados de forte influência africana. Equivalente ao contabilista nos dias atuais. Segundo Reis (2003, p.176), malê não denominava o conjunto de uma etnia africana, mas o africano que tivesse adotado o Islã, embora, se quisermos ser bem estritos e etnicamente corretos, malês seria apenas nagôs islamizados. Porém nem todos os africanos mulçumanos se denominavam assim. Os haussás, por exemplo, se diziam muçulmi ou mussurumin (GONÇALVES, 2006). Ainda segundo Gonçalves (2006) malê era uma forma pejorativa que os nagôs utilizavam para denominar os africanos islâmicos. Braz do Amaral, apud Reis (2003, p.175) sugeriu que a denominação derivava de “má lei” que seria como os católicos consideravam o Islã. Segundo Carneiro (1991, p. 33) Arthur Ramos identificou, no Brasil, três modalidades principais de religiões africanas, a saber: a) religiões sudanesas – fetichismo jeje-nagô; b) religiões sudanesas – culto malê; c) religiões bantas – fetichismo angola conguês. [...] como depois da iorubana, é a mitologia jeje a mais complexa e elevada, deve-se dizer que uma mitologia jeje-nagô prevalece no Brasil.

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A cidade e o Recôncavo haviam perdido a tranqüilidade que lhe dera o banto, pobre de místicas [...] uma nova religião negra, mais forte, e que se praticava, não mais a céu aberto, mas em interiores fechados, seria o ponto de partida das revoluções negras da Bahia [...] A Costa da Mina não nos mandara apenas negros escravos. Com estes exportara uma fé. É provável que o Sudanês, pelas suas características étnicas e religiosas, que parecem te-los marcado com um espírito de inconformismo, senão de rebeldia, haja emprestado à Bahia, a partir do século XVIII, fisionomia singular, bastante diversa das demais cidades do Brasil (VIANA, 1949, p.121).

Os motins e as sublevações de escravos ocorriam frequentemente, ora como incidentes isolados, ora como movimentos coletivos, gerando grande insegurança e instabilidade tanto no campo como na cidade. Os primeiros movimentos rebeldes aconteceram em Salvador, em que pese, posteriormente, serem mais numerosos no Recôncavo. As colinas, matas, lagoas e rios dos arredores da capital baiana serviam de suporte ecológico ao desenvolvimento de uma comunidade africana relativamente autônoma, e semiclandestina. A cidade estava cercada de quilombos e terreiros religiosos, comunidades móveis... alimentados pelo fluxo ininterrupto de escravos que sabiam tirar proveito da mobilidade proporcionada pela escravidão urbana (REIS, 2003, p.69). Em agosto de 1798, começam a aparecer, nas portas de igrejas e de casas da Bahia, panfletos que pregavam um levante geral e a instalação de um governo democrático, livre e independente do poder metropolitano. Os mesmos ideais de república, liberdade e igualdade que estiveram presentes na Inconfidência Mineira, agitavam agora a Bahia. As inflamadas discussões na “Academia dos Renascidos” resultarão na Conjuração Baiana em 1789. Esse movimento, também chamado de Revolta dos Alfaiates, foi uma conspiração de caráter emancipacionista, articulada por pequenos comerciantes e artesãos, destacando-se os alfaiates, além de soldados, religiosos, intelectuais, e setores populares. Se a singularidade da Inconfidência de Tiradentes está em seu sentido pioneiro, já que, apesar de todos seus limites, foi o primeiro movimento social de caráter republicano em nossa história, a Conjuração Baiana, mais ampla em sua composição social, apresenta o componente popular que irá direcioná-la para uma proposta também mais ampla, incluindo a abolição da escravatura. Eis aí a singularidade da Conjuração Baiana, que também é pioneira, por apresentar, pela primeira 40

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vez em nossa história, elementos das camadas populares articulados para conquista de uma república abolicionista. A Revolta dos Alfaiates teve efetivo início com a divulgação de panfletos feitos por Luis Gonzaga das Virgens e afixados e distribuídos nas ruas de Salvador, propagando as seguintes idéias: a) independência da capitania; b) governo republicano; c) liberdade de comercio e abertura de todos os portos; d) fixação do soldo de cada soldado em duzentos réis por dia; e) libertação das pessoas escravizadas. Luis Gonzaga foi delatado e foi preso no dia 24 de agosto de 1798. No texto dos panfletos, constava a seguinte frase: “Povo que viveis flagelados com o pleno poder do indigno coroado, esse mesmo rei que vós criastes; esse mesmo rei tirano é o que se firma no trono para vos veixar, para vos roubar e para vos maltratar.” Em outro se lia: “Animai-vos Povo Bahiense que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que todos seremos iguais.” Motivado pela severa crise de abastecimento que se abatia sobre a capital baiana e pela considerável expansão populacional14, este movimento inspirava-se na revolução das colônias americanas e nas idéias iluministas, republicanas e progressistas difundidas pelas classes mais esclarecidas, notadamente pela Maçonaria. A plataforma política do movimento consistia na proposta de abolição da escravatura, a instauração de um sistema de livre acesso aos cargos públicos e aos empregos em geral, baseado no mérito (abolição dos privilégios conferidos aos portugueses que discriminavam drasticamente os brasileiros), além da instalação de uma República na Bahia. A revolta, brutalmente sufocada pelas autoridades portuguesas, insere-se na crise urbana que convulsionou a Bahia até 1838, como a forma pela qual os brancos pobres e os negros tentaram fazer política. Este é, também, o caso das lutas de 1822 / 1823, pela idependência da Bahia, talvez o movimento mais importante e danoso para a 14

“Esta superpopulação relativa explica-se tanto pelo grande contingente de população branca pobre, portuguesa, excedente da metrópole europeia, como pela população brasileira, extremamente diversificada pela cor e pela condição civil, como também pelo grande contingente de africanos trazidos pelo intenso tráfico de escravos que se fazia nesta cidade.” (ARAÚJO, 2004, p.254).

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economia da província. Esta guerra constituiu uma autêntica luta de classes que objetivava, na prática, abrir caminho para a afluente sociedade brasileira de brancos e mestiços para os cargos e posições dominados pelos portugueses nas esferas políticas, sociais, militares e notadamente econômicas. Foi vitoriosa, mas abortou o ciclo de crescimento dos vinte primeiros anos do século XIX, cobrando um elevado preço à Bahia, por todo o restante do século: a criação e as despesas logísticas de um exército improvisado, com mais de treze mil homens em armas, consumiram fortunas e arruinaram fazendas, lançando na miséria famílias outrora abastadas. A esse respeito, afirma Calmon (1978, p. 27): “O golpe sofrido foi terrível para a vida econômico-financeira (da Bahia). Esta se desconjuntou e, desde então, começa a série infindável das desgraças que nos perseguiram durante todo o século XIX”. Porém outros incidentes marcaram o conturbado século XIX, a partir do Levante dos Periquitos, em 1824, que, na visão de Tavares (2001), indicava a frustração da província da Bahia na institucionalização do Império como um Estado monárquico, autoritário e centralizador. O sentimento anticolonial era muito forte e, em vários momentos entre 1823 e 1831, ocorreram revoltas populares contra os portugueses, apelidados de marotos. Esses ataques, denominados MataMarotos, traduziam-se como saques a casas comerciais, agressões, assassinatos e exigência de demissão dos portugueses dos cargos

Figura 1 – Terreiro de Jesus na segunda metade do Século XIX. Fonte: Rebouças (1979 p. 105).

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públicos. Muitas abastadas famílias portuguesas abandonaram a Bahia, levando consigo consideráveis fortunas acumuladas ao longo de séculos de dominação colonial. Este fato contribuiu para a desarticulação do monopólio português do comércio e de uma ordem e conjunto de relações sedimentados por fortes laços de intercâmbio importador e exportador que respondiam, até então, pela prosperidade mercantil da província. Segundo a CPE (BAHIA – CPE. 1978 p.46) os portugueses expulsos não foram substituídos pelos brasileiros, visto que inexistiam capitais nacionais disponíveis na província para financiar todas as atividades econômicas. Assiste-se, então, ao controle do comércio de importação e exportação pelos ingleses. Ocorre, também, a penetração de casas comerciais de outras nacionalidades, principalmente alemãs. Aos brasileiros, restaram apenas as atividades internacionais relacionadas com o tráfico de escravos e a intermediação do comércio do porto com as fontes de produção no interior. 15 Entre 1832 e 1833, a Revolução Federalista proclamou a Federação da Província da Bahia na então vila de Cachoeira. Entre os seus propósitos destacavam-se o seguinte: [...] item 8º [...] esta Província da Bahia não admitirá nada do Rio de Janeiro, senão como Federal [...] Todavia esta Província fica em perfeita paz com seus Irmãos Fluminenses que se portarem como amigos, assim como com os de tôdas as Províncias, as quais chama para a Federação e pede se reunam para a solidez do Governo Geral do Império” (TAVARES, 2001, p. 261).

Sem apoio, o movimento fracassou. Demonstrava, porém, a inconformidade dos baianos com a perda de autonomia que resultou na transferência, desde 1763, do governo central para o Rio de Janeiro, agora muito mais percebida e economicamente sentida com a criação do Império. Em 1833, presos no Forte do Mar (atual de São Marcelo), os federalistas se rebelam e, segundo Tavares (2001, p.262), Viraram os canhões para a cidade e hastearam a bandeira de duas listas azuis e uma branca, verticais e paralelas, inspirada na bandeira dos Estados Unidos da América do Norte. Exigiram que a proposta de federação fosse discutida pelas autoridades provinciais, caso contrário bombardeariam o Arsenal de Marinha. Ainda dessa vez sem apoio, resistiram três dias. Depois, entregaram-se.

15

Na verdade, a expulsão de comerciantes portugueses não implicou na sua exclusão do comércio provincial, apenas eliminou a sua hegemonia.

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Em 1835, eclodiu a Revolta dos malês, a mais importante revolta negra na Bahia. Esta revolta, que constituiu um movimento bem articulado por negros de religião islâmica, possuía uma ideologia religiosa libertária e não foi uma insurreição repentina como ocorreu em movimentos anteriores. Foi arquitetada para abranger o Recôncavo baiano e incorporar a população negra convertida ao Islã. Os malês, se vitoriosos, pretendiam matar todos os brancos, mestiços e africanos libertos e escravos que não professassem a fé islâmica. Segundo sugere Reis (2003, p. 265) instalariam um califado baiano. Em 1837, surge a Sabinada, um movimento separatista liderado pelo médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira. Segundo Chiavenato (1980, p. 51), em 7 de novembro de 1837, a revolução é vitoriosa, conquistando a adesão de parte das tropas do governo, tendo sido proclamada a república. “A Bahia fica desde já separada, e independente da Corte do Rio de Janeiro, e do Governo Central, a quem desde já desconhece, e protesta não obedecer nem a outra qualquer Autoridade ou ordens dali emanadas, enquanto durar somente, a menoridade do Senhor Dom Pedro II” ( Manifesto dos Sabinos, apud CHIAVENATO, 1980, p. 50).

Os sabinos não conseguiram obter apoio da massa popular ou das elites locais, sendo derrotados em 1838. A repressão foi brutal e desproporcional em relação a incidentes anteriores. Segundo Chiavenato (1980) foram feitos mais de mil mortos e três mil feridos. Salvador foi incendiada e jogaram nas casas em fogo os defensores da república baiana. Porém, se na Sabinada não houve a mesma participação popular da Cabanagem, nem o vigor da Farroupilha, ela foi muito mais nítida ideologicamente. As idéias que a nortearam, quase todas da Revolução Francesa, eram veiculadas nos jornais por intelectuais competentes, dentro de uma tradição retórica que ensaiava imporse na práxis política. (CHIAVENATO, 1980, p.51).

Segundo Tavares (2001, p. 264), “a cidade do Salvador ficou virtualmente sob ocupação militar até um pouco depois de 1840, situação que levou à desorganização administrativa da província da Bahia e da sua capital”. Outros movimentos populares, ligados mais às condições precárias da vida da população soteropolitana, notadamente a fome, e a um grande sentimento de insatisfação popular, ocorreram na metade do século XIX, merecendo registro pelas suas peculiaridades. A Cemiterada, em 1855, consistiu na destruição do primeiro 44

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cemitério construído em Salvador pela Santa Casa de Misericórdia, proibindo-se os enterros nas igrejas como era a tradição. O segundo, denominado “Carne sem osso, da farinha sem caroço e do toicinho do grosso” ocorreu em 28 de fevereiro de 1858, repetindo-se vinte anos depois. Nas palavras de Mattoso (1992), “A revolta de 1858 inscreveu-se num período de crises epidêmicas, misturadas aos problemas de abastecimento da cidade”. Pelos seus efeitos perversos sobre a economia baiana, cabe também registrar a Guerra do Paraguai (1864 – 1870), que recrutou da Bahia 18 725 soldados, em sua maioria negra, aumentando a escassez de braços na lavoura. (CALMON, 1978, p. 79). Este tumultuado século encerrou-se com a Guerra de Canudos (1896 – 1897), que se travou nos sertões da Bahia, mobilizando mais de 10 mil soldados oriundos de 17 estados brasileiros e distribuídos em quatro expedições militares. Estima-se que morreram mais de 25 mil pessoas, culminando com a destruição total do Arraial de Canudos, a fortaleza sertaneja de Antonio Conselheiro. Uma das muitas tragédias brasileiras, Canudos foi um produto da fome, da miséria, da ignorância, da patologia do catolicismo e do absoluto abandono a que esteve (esteve?) condenada a população do semiárido nordestino, ao longo da história e no curso do processo de exploração econômica inerente ao capitalismo mercantil associado aos interesses da classe dominante. Os infortúnios que marcaram Salvador, no século XIX, como foi anteriormente destacado, não se limitaram aos motins, revoltas e guerras. A cidade não possuía saneamento: suas condições sanitárias e higiênicas extremamente precárias. Ademais, o grosso da população, constituída por negros libertos16, mulatos e brancos pobres, sofria permanentemente com a escassez e com os altos preços dos alimentos, a precariedade das habitações e a promiscuidade. Isso tudo constituía um quadro de saúde pública caótico e receptivo a epidemias. Entre estas, mereceram maior destaque histórico as epidemias de febre amarela e do cólera, que ocorreram entre 1850 e 1855. A febre amarela, segundo Tavares (2001) chegou à Bahia a bordo de um brigue negreiro norte-americano e ocorreu em dois surtos, o primeiro, em 1850 e o segundo, em 1852. As estatísticas a seu respeito são controversas. A ausência das notificações de óbitos e os sepultamentos clandestinos eram comuns naquela época, principalmente 16

Os escravos até que tinham sorte neste caso, pois eram alimentados pelos seus donos.

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quando o governo da província proibiu os enterros nos cemitérios oficiais (SILVEIRA, 2000, p. 99). “Segundo o relatório do presidente da província, foram atingidas pela febre amarela nesta cidade e subúrbio mais de cem mil pessoas.” (SILVEIRA, 2000 p.100). O número de mortos varia. Tavares (2001) refere-se a mais de três mil, em 1850, e a um número maior em 1852, quando, segundo ele, o surto foi mais intenso. Já Silveira (2000) citando Francisco Gonçalves Martins, contabiliza 1 310 mortos entre novembro de 1849 e fevereiro de 1850. O interessante dessa estatística é que os negros foram os menos atingidos, com 9,47% para os africanos livres e 7,7% para os escravos. Os brancos responderam por 82,83% dos óbitos. Note-se, porém, que à época, a morte de um negro não era importante e, portanto, seus registros podem não corresponder à realidade. A maior queixa do governo reportava os prejuízos econômicos da província em decorrência da suspensão das atividades comerciais. Em 1855, o cólera chegou do Pará e matou, segundo Tavares (2001, p. 273), mais de 25 mil pessoas na Bahia. Já o Presidente da Província, Dr. Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima, no seu relato à Assembléia Legislativa da Bahia, afirmava que “da Capital, Cachoeira, Santo Amaro, Nazareth e Valença [...] chegou o seu número a 26.414 (mortos), com as outras sete comarcas que tem sofrido, excede nossa perda a 40 mil.” (Moncorvo e Lima, apud SILVEIRA, 2000, p.106). Preocupado com as consequências econômicas da epidemia, Calmon (1978, p.71) transcreve a seguinte carta “assignada por pessôa de responsabilidade política e econômica da época datada de 28 de outubro de 1855”: O certo é que o anno promettia alguma vantagem aos desgraçados lavradores, gosando o assucar bom preço. Veiu, porém, o cholera anniquilar tudo, e crear u´a crise horrível, cujos effeitos por aqui já começam a patentear, e a sentir-se, contando-se com o desenvolvimento mais amplo.17

Outro problema com que se defrontou a província da Bahia – e que influenciou de forma considerável a sua formação política e econômica – foi o fenômeno da seca que, como um acidente natural, inevitável, constituiu um dos diversos fatores que contribuíram para o drama da pobreza regional.18 17 18

Em todo o livro, optou-se pela manutenção da ortografia original das fontes transcritas. Na realidade, a pobreza nordestina decorre da forma como se organizou a ocupação do território, a partir do latifúndio monocultor escravagista, da estrutura agrária ainda predominante na região e dos mecanismos de acumulação e espoliação inerentes ao capitalismo agrário mercantil que se formaram na área.

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Quadro 1 - Bahia: cronologia das secas (1553-1998) ANOS/PERÍODOS 1553 1559 1564 1583 1592 1652 1690/92 1724 1731/32 1734/35 1776/93 1819 1823 1824/25 1833/34

1843/45 1857/61 1877/79 1896/98 1898/00 1914/15 1930 1950/52 1958 1970 1976 1979/84 1986/88 1990/96 1998

Fonte: Sudene/Codevasf (2003), com adaptação de formato.

Os dados destacados no Quadro 1, seguinte, totalizariam algo em torno de 21 anos de seca no século XIX. Já Mattoso (1992, p.461) informa que, entre 1809 e 1889, “registraram-se 25 anos secos e onze de chuvas excessivas”. O fato é que a seca impediu a formação de uma atividade agrícola regular em 2/3 do território baiano, contribuindo para a formação de oligarquias rurais nas esparsas “ilhas de fertilidade”, impedindo surgimento de um mercado interno e fomentando as sérias crises de abastecimento que marcaram todo o século XIX. A partir das secas de 1833/1834, agravam-se, mais ainda, as crises de falta de alimentos e o surgimento de movimentos especulativos com os produtos essenciais à sobrevivência da população. Segundo Calmon (1979, p. 83), “Em 1845, o negócio da farinha de mandioca mostrava-se em conjuntura difícil, provocada pela exportação que se fez para o norte do Império, com o fim de socorrer a fome que ali era intensa.” Funcionava a lei do mercado, o monopólio do abastecimento e as práticas atravessadoras, custeadas pelos capitais liberados do tráfico negreiro em decadência, faturavam alto em cima da escassez produzida pela seca. É Calmon (1878, p. 84) quem diz: 47

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Apareceram os atravessadores, em regra, commerciantes de largos recursos e capitaes, cuja acção se exercia de modo a evitar que chegasse o genero ao Celleiro Publico, visando pelo processo que empregavam elevar o preço para grangearem ganhos excessivos.

A despeito do quadro social conturbado, a Bahia também vivenciou períodos de prosperidade, com os sucessivos governadores, desde o marquês de Aguiar até os condes dos Arcos e da Palma, estimulando a economia e tomando medidas de ordem pública que melhoraram o potencial atrativo da sua praça e a feição urbana de Salvador. Em 1811, o vice-rei do Brasil, D. Marcos de Noronha e Britto, oitavo conde dos Arcos de Val de Vez, atendendo aos anseios dos empresários locais, cria a Associação Comercial da Bahia. Em 1815, foi introduzida a primeira máquina a vapor no engenho Inguaçu, em Itaparica (NASCIMENTO, 1997, p.23). Nessa época ocorreu a instalação e modernização de fábricas, de instituições de crédito, da escola de Medicina, do curso de Contabilidade e Geografia. Como não poderia deixar de ocorrer, ampliou-se o incentivo à agricultura do açúcar e a novas plantações, ampliaram-se as estradas para o interior, foram abertos jornais, e introduzida a navegação a vapor nas costas e grandes rios da província etc.

1.3 A ECONOMIA BAIANA NO SÉCULO XIX As atividades comerciais dominaram a vida econômica da Província da Bahia ao longo de todo o século XIX. Segundo Batista e Araújo (1978, p.11) o raio físico de ação dos comerciantes era extenso e conseguia dominar os produtores, expropriando-os de parte do seu lucro. Como o comércio era dominado pelas empresas estrangeiras, predominantemente inglesas, parte substancial deste lucro era transferido para o exterior, reduzindo-se drasticamente a capacidade de geração de poupanças que financiassem a formação bruta de capital interno. Araújo e Barreto (1978, p.47) informam que a dominação comercial européia, pela sua diversidade, não substituiu o antigo monopólio português. O comércio inglês (predominante) era realizado no porto e deixava um amplo espaço para a intermediação entre as fontes de produção (as fazendas) e o porto, atividade que era explorada pelos comerciantes brasileiros. A estes cabia também 48

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exercer o tráfico de escravos, o comércio com o interior da província e outras regiões nacionais, inclusive pelo sistema de cabotagem. Mantendo contacto direto com os produtores, os comerciantes brasileiros, além de intermediários comerciais, atuavam como intermediários financeiros. A nova divisão internacional e inter-regional do trabalho permite aos comerciantes baianos o estabelecimento de casas de crédito. Antes mesmo da ruptura política já se organizavam as Companhias de Seguros “Comércio Marítimo”,”Boa Fé”e “Conceito Público” em 1808, e instalavam-se a “Caixa de Descontos”(1818), filial do 1º. Banco do Brasil. Após a Independência, em 1834, instala-se a Caixa Econômica, posteriormente Banco Econômico da Bahia com o fim de “oferecer às classes laboriosas meios fáceis de acumular seus capitais[...]” Mais adiante, em 1845, funda-se o Banco Comercial da Bahia, em 1848, a Sociedade Comércio da Bahia, o Banco Hypotecário da Bahia e a Caixa Comercial da Bahia... Esta seria, pois, a base econômica de um novo bloco em que estariam solidários na dominação os comerciantes estrangeiros, principalmente os ingleses, controladores do comércio externo, comerciantes baianos, controladores de um comércio de escravos, de um comércio interno e do contacto direto com os produtores de açúcar; e por fim, os Senhores de Engenho, que apesar de não hegemônicos ao nível econômico, são amplamente compensados pelo exercício do poder político local, pela posição de prestígio na Corte pelo controle dos cargos na administração imperial. (ARAÚJO e BARRETO 1978, p.47).

Deve-se observar que, independentemente do sistema bancário e de modo acentuado nos períodos de crise, as principais casas comerciais, diversificando seu raio de atuação, operavam como representação de sindicatos bancários estrangeiros e submetiam o produtor agrícola a financiamento usurário,com taxas de juros escorchantes e prazos reduzidos. São os comissários do fumo e do açúcar, estes últimos caracterizados por Góis Calmon como os grandes credores dos “barões do açúcar”. No dizer de Falcon (1978, p. 26), [...] utilizando não apenas seus recursos próprios, mas recursos que são postos a sua disposição pelo Estado, que são repassados gananciosamente, são muitas as famílias da elite baiana ainda hoje cujas fortunas foram forjadas com recursos usurários – porque não inescrupulosos? – de tais expedientes que não são localizados, sofrem com eles: os combalidos “barões do açúcar”, os pioneiros pequenos produtores de cacau, garimpeiros de diamantes, plantadores empobrecidos de fumo etc. enfim, o conjunto dos produtores submetidos ao controle especulativo de uma ou duas dezenas de casas comerciais de porte, boa parte das quais estrangeiras. Vale ressal-

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tar que no período de 1850/1889, mais de 65% dos capitais movimentados na praça não são de procedência nacional, o que atesta o caráter de praça internacionalizada da Bahia.

Figura 2 – Indústria tradicional baiana: rótulos. Fonte: Museu Tempostal da Bahia, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, 1997, p. 67).

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Entende-se assim que as atividades agrícolas e industriais que se desenvolveram na Bahia, ao longo do século XIX e em boa parte do século XX, constituíram extensões dos interesses do capital mercantil (grifo nosso), carecendo de condições que possibilitassem o estabelecimento de um processo de desenvolvimento autossustentável a longo prazo, pela dificuldade estrutural da formação de uma classe média assalariada, capaz de constituir um mercado interno estimulador da produção local em setores da atividade industrial e de serviços. No caso baiano, na medida em que o comércio revela-se como setor hegemônico e que a acumulação de capitais se processa no circuito típico de uma economia mercantil, ou seja, na esfera da circulação, torna-se dificultado o processo de transformações das relações de trabalho em direção ao salariado, pereniza-se o hiato entre circulação e produção, dificultando as transformações estruturais da sociedade engendrada no escravismo. (BAPTISTA E ARAÚJO, 1981, p.28).

Na condição de empresa colonial agroexportadora, que passou do domínio formal português para o domínio econômico inglês, a economia baiana, no curso de da sua história, foi marcada pela sucessão de ciclos de longa e média duração (MATTOSO, 1992, p.571), em que vivenciou períodos de progresso e de crises das principais atividades agrárias ligadas ao comércio exterior, numa situação que perdura até os dias de hoje, em que as commodities agrícolas foram substituídas por outras de procedência industrial. Almeida, R. (1977), fazendo um balanço do século XIX, demonstra que, numa curva de longa tendência, a economia baiana apresentou um período de expansão no início do século, de retração nas décadas de 1820 e 1830, de recuperação entre os anos 1840 e 1850, logo interrompida, ligeira recuperação na década de 1860, para em seguida declinar com a guerra do Paraguai e somente registrar nova alta a partir de 1890. A sucessão de crises da economia baiana não correspondeu às crises da região Sudeste: em verdade, a Bahia foi se recolhendo no tempo (grifo nosso). Entre as atividades do setor primário da economia baiana, destacavam-se, no século XIX, o açúcar19, o tabaco20, o café e, 19

20

Segundo Calmon (1978), as exportações de açúcar atingiram 29 288 toneladas em 1821. Essas exportações sofrem uma redução de 79%, caindo para 6 163 toneladas em 1823, como consequência da guerra da Independência. Segundo Almeida, R. (1977) a produção do fumo atingiu 800 mil arrobas (12 mil toneladas) em 1821, constituindo a grande moeda de troca nas importações dos negros da África. Nascimento (1997) informa que no período de 1891/1898 estavam registradas na Junta Comercial da Bahia 15 fábricas de charutos, sendo que 12 localizadas no Recôncavo.

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gradativamente, o cacau, além de outros produtos de menor peso à época em sua balança comercial21 como o algodão22, a pecuária, a extração e a lavra dos diamantes.23 O açúcar, que atingiu o seu apogeu nos séculos XVII e XVIII, inicia, no século XIX, o seu longo processo de agonia e declínio, mantendo-se, porém, no centro das atenções, por constituir a base econômica da classe politicamente dominante. A guerra da Independência, por exemplo, abortou o ciclo de crescimento dos vinte primeiros anos do século XIX, e as crises agrícolas importantes, em vários anos da série histórica, cobraram um alto preço ao comércio, à lavoura e às finanças da terra, reduzindo a dimensão da herança deixada para o século XX. Segundo Mattoso (1992), 40% das exportações de açúcar da Bahia destinaram-se para a Inglaterra no período de 1852/1856. Após 1857, mais da metade e até 60% dessas exportações tinham o mesmo destino. A Bahia vivia, pois, sob forte dependência do comércio inglês. Como este tinha pouca necessidade de açúcar, sendo suprido por suas colônias, não espanta que o açúcar baiano tivesse problemas de mercado. Já nas exportações de todo o Brasil, a parcela destinada à Grã-Bretanha ia de 1/3 a 2/5 , o que sugere que outras praças comerciais do país dependiam menos da Inglaterra que a de Salvador (MATTOSO, 1992, p.521)

Por seu turno, Almeida, R. (1977) afirma que dois fatores contribuíram para a decadência da cultura açucareira. O primeiro, refere-se à evasão da mão-de-obra escrava como decorrência da atração exercida pela mineração do ouro a partir do século XVIII e o segundo, está associado com a elevação dos custos de produção. Destaca também a competição internacional, demonstrando que, já no final do século XVIII, o Brasil havia sido reduzido a pouco mais de 10% do mercado mundial de açúcar. Mattoso (1992) chama atenção para aspectos edafoclimáticos adversos à cultura do açúcar. Afirma que anos de secas e de chuvas abundantes eram incompatíveis com as necessidades dos solos 21

22

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Segundo Mattoso (1992) em todo o período de 1808/1816 a Balança Comercial baiana foi deficitária. Uma tendência que só é revertida no final do século. Segundo Calmon (1978) em 1821 foram exportadas 2.800 toneladas de algodão. Em 1823 as exportações deste produto foram reduzidas em 80%, caindo para 565 toneladas. Os escravos, em 1810, somavam, só em Salvador, vinte cinco mil, com os navios repondo anualmente no porto acima de oito mil novos braços para a lavoura e as atividades domésticas e urbanas (CALMON, 1978, p.56).

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Tabela 1 – Evolução das exportações de açúcar pelo Estado da Bahia (1851-1878) QUANTIDADE ANOS

1851 1852 1853 1854 1855 1856 1857 1858 1859 1860 1861 1862 1863 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877

QUANTIDADE

QUAN-

1851 = 100

1851 = 100

TIDADE (t)

CRESCIMENTO

CRESCIMENTO

BRUTO (%)

BRUTO (%)

100 127 92 98 72 73 52 97 29 35 105 110 64 87 100 87 97 93 60 98 107 70 58 112 59 69 87

27 (8) (2) (28) (27) (48) (3) (71) (65) 5 10 (34) (13) 0 (13) (3) (7) (40) (2) 7 (30) (42) 12 (41) (31) (13)

51.620 65.524 47.728 50.440 37.390 37.664 26.641 50.056 14.874 18.020 54.098 56.647 33.020 45.113 51.827 44.683 49.906 48.029 30.934 48.938 55.020 36.292 29.934 57.557 30.456 35.494 44.798

Fonte: Falas dos presidentes da Província da Bahia, Anos – 1884, 1855, 1868, 1878 e 1879. Propostas e Relatórios apresentados à Assembléia Geral pelos Ministros e Secretários de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro, Ministério da Fazenda. Anos 1855 -57, 1859, 1861 – 64, 1866 – 69 1875, 1877 e 1882, (Apud BAHIA – CPE. A inserção da Bahia na evolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. 5 vl. Salvador: CPE, 1978) Dados originais trabalhados pelo autor.

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argilo-arenosos do Recôncavo, o que gerava, conseqüentemente, queda substancial da produtividade dos canaviais. Outro problema consistia no desgaste dos solos. Abatidas as florestas, os solos do Recôncavo foram explorados como minas: buscava-se extrair o possível com a máxima brevidade (MATTOSO, 1992, p.462). Destaca também a questão dos parcelamentos das propriedades entre diversos herdeiros, o que reduzia a capacidade de obtenção de escala. A tudo isto se associou a praga que atingiu os canaviais a partir de 1873. A localização da Bahia no Atlântico Sul e as suas condições favoráveis para a produção agrícola não foram suficientes para enfrentar a concorrência internacional aos seus produtos. Evidentemente, o fumo não teve o mesmo peso do açúcar no valor das exportações baianas no século XIX, mantendo, porém, uma produção mais regular, a despeito de também estar sujeito às variações climáticas. Observe-se que, segundo os dados da Tabela 2, em alguns anos da série, ele assumiu a liderança nas exportações baianas. Moeda de troca no tráfico negreiro o fumo foi responsável pelo intenso comércio entre a Bahia e o Golfo de Angola e de Benguela. Segundo Borba (1978) A lavoura do fumo merece uma confrontação com a da cana, devido a total divergência entre as duas. Tal divergência se manifesta no plano econômico e nos seguintes aspectos: a lavoura do fumo não necessita de altos investimentos, estando, por isso mesmo, ao alcance de pequenos lavradores sem disponibilidade de capitais, enquanto que o cultivo da cana requer uma considerável quantidade de mão-de-obra nos seus processos de plantio, corte e transporte das safras; a do fumo, ao contrario do que acontece na lavoura canavieira, pode ser realizada pelo lavrador e sua família, que desenvolvem paralelamente ao plantio do produto a cultura de subsistência: milho, mandioca e feijão.(p.12)

A exemplo das demais culturas agrícolas baianas do século XIX, a do fumo foi dominada pelo capital mercantil, representado hegemonicamente por firmas alemãs. Isto significa que o excedente gerado por essa atividade foi apropriado por essas firmas e não revertido em inversões nas zonas de produção. Embora tenha sido o “produto constante” e carreado rendas consideráveis para a Bahia, sua contribuição, devido a forma pela quais as relações pré-capitalistas de produção reinantes nesta cultura se subordinaram ao movimento de expansão do capitalismo comercial, ficou singularmente limitada para fomentar o crescimento das regiões produtoras (BAHIA -CPE, 1978, p.89).

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Tabela 2 – Exportações baianas dos principais produtos agrícolas – 1851-1878 (valores em contos de réis)

Fonte: ANÚARIO ESTATISTICO DA BAHIA, 1923. Bahia, Diretoria do Serviço de Estatística do Estado, 1924. Falas dos Presidentes da Província da Bahia, Anos – 1884, 1855, 1868, 1878 e 1879. Propostas e Relatórios apresentados à Assembléia Geral pelos Ministros e Secretários de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro, Ministério da Fazenda. Anos 1855 -57, 1859, 1861 – 64, 1866 – 69, 1875, 1877 e 1882. (Apud BAHIA – CPE – A inserção da Bahia na evolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. 5 vl. Salvador: CPE, 1978) Dados originais trabalhados pelo autor.

O café, introduzido na Bahia na metade do século XIX, não produziu, nesta província, os mesmos efeitos de transformação gerados em São Paulo. Segundo a CPE (BAHIA – CPE 1978, p.159),24 a cafeicultura baiana não conseguiu dar o “salto capitalista” derivado do desenvolvimento do capitalismo em termos internacionais por ter se mantido sob o regime de trabalho escravista e de um campesinato ou parcerias precariamente vinculados ao circuito de trocas. A despeito de figurar na pauta das exportações baianas, o café, aqui, não prosperou no volume atingido na região Sudeste. Faltaram terras férteis, produtividade e um sistema articulado de 24

O capítulo 2.5 – Café, do trabalho da CPE (1978) foi elaborado por Luiz Chateaubriand Cavalcanti dos Santos e Hermano José Thomy Dultra.

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transporte e comunicações que possibilitassem a dinâmica da sua expansão. A produção do cacau, na Bahia, somente vai assumir grande significação no século XX. Conforme se observa da Tabela 2, sua participação nas exportações baianas, ao longo do século XIX, é reduzida, atingindo 9% em 1878. O seu cultivo, porém, responde por intensos movimentos migratórios e pela ocupação da região Sul da província. Em termos econômicos, sua exploração segue o mesmo padrão ditado pelo capitalismo mercantil que marcou o processo espoliação da Bahia ao longo do século analisado. Em outras palavras, os excedentes gerados pela cultura do cacau nunca retornaram sob a forma de inversões na região cacaueira ou em outras regiões da província. Merecem registro ainda no setor primário da economia baiana a produção de algodão e a pecuária. A produção do algodão no Brasil, e consequentemente na Bahia, sempre dependeu de fatores externos. Ou seja, das flutuações dos preços internacionais do produto. Sempre que estes aumentavam, em decorrência de conflitos na Europa ou na América do Norte, a atividade algodoeira se expandia em terras brasileiras. Segundo estudo da CPE (BAHIA – CPE. 1978, p.194)25, entre 1850 e 1862, a participação do algodão nas exportações da Província da Bahia oscilou em torno da média de 2,8%, com períodos bastantes críticos (1857/1862), quando a participação girou em torno de 0,6%, e outros, de recuperação, a partir de 186226, quando os preços nominais da exportação passam de 8$513 na safra 1860/1861 para 11$049 na safra de1861/1862, atingindo o seu valor máximo de 21$575 em 1863/1864. A produção, que atingira 65 458 arrobas na safra de 1864/1865, elevou-se para 446 726 arrobas em 1867/ 1868 (um acréscimo de 583%), quando os preços regridem para os patamares anteriores de 8$974 a arroba. Finda a Guerra Civil Americana, a produção, os preços e a participação desta cultura na pauta de exportação baiana declinam, chegando a 2 349 arrobas na safra de 1877/1878. 25

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O capítulo 2.7 – Algodão e Têxtil na Bahia, do trabalho da CPE (1978) foi elaborado por: José Luiz Pamponet Sampaio, Mércia Maria Lima Meira, Yara Cecy Falcon Lins e Maria de Fátima Nascimento. A prosperidade da cultura do algodão na Bahia deveu-se à Guerra Civil Americana (Guerra da Secessão) transcorrida no período de 1861 a 1865 e que desarticulou a produção americana que dominava o comércio internacional.

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Observe-se que o algodão exportado pelo Brasil era onerado por altos fretes e sobretaxado nos países importadores (medidas protecionistas). Enquanto isto, nos Estados Unidos, o grande concorrente, não se pagava imposto algum, interno ou de exportação. Também os custos logísticos eram bem inferiores, fazendo com que o produto norte-americano fosse ofertado no mercado por preços bem mais baixos, o que, aliado a sua qualidade técnica, tornava a concorrência impraticável. Na década de 1880/1889 a produção não foi suficiente para o suprimento das fábricas de tecido baianas, fazendo-se necessárias as importações de outras províncias (BAHIA – CPE, 1978 p.196). A pecuária teve papel importante na economia baiana pelo seu papel no suprimento alimentar da população urbana e pela ocupação do território. No plano das exportações, a participação dos seus subprodutos – couros e peles – não foi significativa, dadas as condições do mercado e a concorrência dos criatórios do Rio Grande do Sul. Outro fato de destaque na economia baiana, que contribuiu significativamente para o povoamento de sua região Sudoeste, foi a descoberta, em 1842, de diamantes na Chapada Diamantina (então Chapada Grande). A lavra teve uma produção significativa no período compreendido entre 1852 e 1870, atingindo seu ponto máximo de produção em 1856, quando foram exportadas oficialmente 7 714 oitavas (equivalentes a 27,770 kg). Segundo a CPE (BAHIA – CPE, 1978, p.125), a exploração do diamante na Chapada, deflagrando um movimento populacional de grande magnitude no centro da província, não foi suficiente, contudo, para desarticular o tradicional predomínio do Recôncavo sobre a economia baiana. Por outro lado, seguindo a tendência geral, a subordinação da empresa diamantina ao mercado internacional e ao controle do capital mercantil não permitiu que surgissem nas lavras relações de produção do tipo capitalista, embora o trabalhador livre convivesse com o escravo. A atividade industrial no Brasil remonta ao século XVI, fundada na produção do açúcar pelos engenhos que se implantaram nas diversas capitanias, financiados pelos holandeses que, como foi visto anteriormente, até 1580 foram os grandes beneficiados por esta cultura. Enquanto produzia açúcar, estava a colônia sintonizada com a metrópole portuguesa. Tudo se complicou, ensejando o famoso alvará proibitivo de D. Maria I, posteriormente revogado por D. João VI em 1808, quando começaram a prosperar atividades vincu57

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Figura 3 – Associação Comercial da Bahia e a Praça Riachuelo, 1885. Fonte: Fotografia de Rodolfo Lindemann, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, (1997, p. 101).

ladas à produção de tecidos fabricados no Pará, Maranhão, Ceará, São Paulo e posteriormente em Minas Gerais. Segundo Lima (1961), de tal modo essas atividades se desenvolveram e prosperaram que se chegou, em alguns lugares, a fazer tecidos tão finos que se exportavam para fora da capitania (LIMA, 1961, p.153). Os dados sobre a indústria na Bahia, ao longo do século XIX, são controvertidos e, em alguns casos contraditórios, variando segundo as fontes de pesquisa. A CPE (BAHIA – CPE. 1978, p. 245)27 identificou nove fábricas instaladas antes de 1850, enquanto, na década seguinte, mais 16 foram fundadas, não se incluindo a agroindústria açucareira que, desde 1833, de acordo com Miguel Calmon du Pin e Almeida, contava com 603 engenhos, dos quais 47 eram movidos a vapor e 62, a água. Este número segundo ainda o estudo referido (p. 260), citando como fonte Calmon (O assucar e o álcool na Bahia. Rio de Janeiro: Companhia Typographica do Brasil, 1903, p. 6), eleva-se para 893 engenhos em 1873, dos quais 282, a vapor. Excetuando-se as indústrias do setor açucareiro e fumageiro, as 27

O capítulo 2.8 Indústria, do trabalho da CPE (1978) foi elaborado por José Luís Pamponet Sampaio e Tânia Maria Bonfim da Silva.

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demais atuavam para o mercado interno. A maioria localizava-se em Salvador, sendo que, nas cidades do Recôncavo, como Cachoeira, São Felix, Muritiba, Maragogipe e Nazaré, concentravam as indústrias de fumo. Os engenhos e as fábricas centrais de açúcar espalhavam-se por todo o Recôncavo. Também se desenvolvia no território baiano, desde os tempos de Tomé de Souza, uma promissora indústria naval e, nos meados do século XVII, a indústria de óleo de baleias que empregava, na ilha de Itaparica, 420 trabalhadores (LIMA, 1961, p.185.) A posição estratégica do Brasil em relação à rota da Índia e a abundância de madeira de boa qualidade fizeram com que, logo nos primeiros tempos, se instalassem estaleiros, não só para reparos nas embarcações, mas também para a construção de novas. [...] Tomé de Souza, ao instalar o Governo Geral em 1549, trouxe um grupo de artífices especializados que incluía um mestre de construção, carpinteiros, calafates e um ferreiro. Quarenta anos mais tarde, Gabriel Soares de Souza no seu Tratado Descritivo do Brasil menciona a existência de 40 carpinteiros na Bahia, portugueses e mestiços que se ocupavam de fazer navios. Como iniciativa oficial, o primeiro estaleiro estabelecido foi o da Ribeira das Naus, ao final do século XVI, também na Bahia. [...] A partir de 1770 foi denominado Arsenal da Marinha. Mantido após a Independência, só veio a ser extinto em plena República, em 1899. Uma planta do século XVIII indica um imponente conjunto de construções, talvez com mais de 300.000 m2 de área total, incluindo grande carreira de construção, oficinas, depósitos, quartéis e uma bacia fechada. [...] Construiu durante os séculos XVII e XVIII numerosas e importantes embarcações. Uma Carta Régia de 1650 estabelecida que o estaleiro deveria lançar ao mar anualmente pelo menos um galeão de 700 a 800 toneladas.[...] Já nos inícios do século XVII construía navios maiores, com cerca de 1000 toneladas. Como elemento de comparação podemos tomar a indicação de que no fim do século XVIII os maiores navios ingleses da Companhia das Índias deslocavam cerca de 1200 toneladas.[...] Note-se, porém, que a construção naval pouco evoluiu durante o século XVIII. (TELLES, 2001)

Relata Smarcewski (2001, p.16) que em 1725 a quantidade de embarcações operando no porto de Salvador totalizava 1 859 assim especificadas: galeras, corvetas, barcas, saveiros, lanchas e jangadas. Segundo este autor, de 1500 em diante passaram os portugueses suas atividades navais de Gôa e Cochim para a cidade do Salvador e a Baía de Todos os Santos.Foram trazidos da India grupos nativos e mão-de-obra especializada na construção naval.Da Índia vieram o graminho ( um ábaco detentor dos parâmetros utilizados pelos mestres construtores orientais), o carro-de- boi, o monjolo, socador de grãos (movido a água corrente), a casa de pau-a-pique 59

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(sopapo)e a renda de bilro entre outros elementos da cultura indiana. Os estaleiros baianos estavam localizados em Massaranduba e Cabrito na península de Itapagipe, em Santo Amaro da Purificação, São Roque do Paraguaçu, Cachoeira, São Felix, Ilha de Bom Jesus, Madre de Deus, São Francisco do Conde, Santo Amaro do Catu, Tubarão, Salinas das Margaridas, Conceição de Salinas, Itaparica e Caboto. Os barcos para navegação de alto mar eram construídos no litoral Sul da Bahia em: Taperoá, Valença, Cairu, Camamu, Cajaiba, Ilha Grande, Ilhéus, Comuruxatiba, Canavieiras, Porto Seguro, Caravelas e Nova Viçosa. As primeiras fábricas de tecido surgiram na província ainda na década de 1830. Valença destacava-se por possuir duas fábricas de tecidos, uma das quais, a Todos os Santos, era a maior do país em meados do século XIX (SAMPAIO, J. 1975, Cap. 1). Segundo Calmon (1978), a Bahia presenciou, de 1840 a 1846, o reaquecimento da sua economia, com a formação da Companhia para Introdução e Fundação de Fábricas Úteis na Província da Bahia, seguida pela implantação de unidades produtoras de papel e de novos engenhos. Porém, em 1846, as fábricas de tecidos de Valença e os engenhos da Conceição e do Queimado entravam em crise, indicando o fim do breve interregno de expansão dos negócios. A despeito das oscilações da economia, a indústria têxtil, segundo Stein (1957, p. 21, apud SAMPAIO, J. 1975, p. 54), registrava na Bahia, em 1875, o funcionamento de onze fábricas de tecidos, o que correspondia a 37% do total existente no país. Uma década depois, este número se eleva para doze, mas a participação no total do país declina para 25%. Observe-se que, nessa época, S. Paulo possuía apenas nove fábricas (ver Tabela 3). Apesar de estes números terem sido citados em Sampaio, J. (1975), este pesquisador trabalha com um número de dez empresas que se fundiram em cinco sociedades por ações entre 1887 e 1891. Quanto ao porte, essas fábricas eram pequenas, em comparação com as similares existentes à época, na Europa e na América do Norte. Contudo, para a Bahia e o Brasil, constituíam grandes fábricas. Para melhor avaliar a posição e a magnitude relativas da indústria de tecidos na Bahia do século XIX, registre-se que, em 1930, ou seja, quase um século após o estabelecimento das primeiras fábricas de tecidos, apenas 61 fábricas na Bahia possuíam mais de 12 operários. Assim, mesmo que as fábricas de produtos têxteis fundadas antes de 1870 tivessem apenas metade do número de operários registrados

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Tabela 3 – Distribuição geográfica estimada da indústria têxtil brasileira (em 1866, 1875 e 1885)

Fonte: Stein, Stanley J. p.21 apud Sampaio, J. (1975, p. 54, quadro 3). Nota: Percentuais e destaques do autor deste livro.

em 1870/1876, poderiam ser consideradas pelos padrões da época, como grandes indústrias. (SAMPAIO, J. 1975, p.53).

Como demonstra a Tabela 3, a indústria têxtil baiana mobilizava, em 1875, um capital da ordem de 1.243.896$000 e gerava 958 empregos diretos28. Segundo Sampaio, J. (1975, p. 59), os operários dessas fábricas eram livres, com grande proporção de mulheres e crianças. Recrutados nos orfanatos e no seio da população mais miserável, eram alfabetizados pelas próprias indústrias. Ao entrarem são preguiçosos e insubordinados, porém com o tempo se tornam bons podendo ser comparados favoravelmente aos melhores da Europa [...] Trabalham desde o amanhecer até às 19h30min tendo 20 minutos para o almoço e meia hora para o jantar. Folgam aos domingos (SAMPAIO, J. 1975, p. 61).

Com respeito às relações trabalhistas, vale aqui registrar a seguinte observação da CPE (BAHIA – CPE. 1978, p. 219): De um ponto de vista estritamente econômico, não há dúvida quanto a existência de relações de trabalho tipicamente capitalistas. Entretanto é importante considerar as circunstâncias em que esse trabalho se desenvolvia. Em primeiro lugar, o quadro geral de uma sociedade escravocrata. Em segundo a origem desses operários: das camadas mais pobres da população urbana, e frequentemente de 28

Existe uma grande discrepância entre este número de operários e o apresentado pela CPE (5.542 homens e mulheres livres mais 929 homens e mulheres escravos). Este fato é registrado pela CPE, que explica: “além das inexatidões desse primeiro Censo, a existência de um artesanato de tecidos, principalmente no interior da Província, absorvendo apreciável quantidade de pessoas especialmente mulheres”. Ver CPE (1978 p. 215, tabela 19).

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orfanatos. Em terceiro lugar, as condições de vida e trabalho nas fábricas, especialmente para os operários procedentes dos orfanatos. Uma vez que a fábrica fornecia-lhes alojamento, educação, médicos e remédios, controlando também suas horas de lazer, é válido supor que essa assistência fosse descontada dos seus salários e, portanto, esse dispêndio fosse apenas de natureza contábil. Isto implicaria numa circulação monetária menor do que se poderia imaginar reduzindo, assim, o alcance das transformações de natureza capitalista nas relações de produção. Se isso acontecia no setor de proa da indústria, pode-se bem deduzir sobre a situação em setores mais atrasados – manufaturas, serviços –, para não falar no campo.

Essas fábricas possuíam, na época (1870/1875), 535 teares e 14 248 fusos, produzindo 3 486 825 m de tecidos e 119 512 kg de fios, o que representava, em 1875, 37% da produção brasileira (BAHIA – CPE, 1978, p.209). Segundo as Fallas dos presidentes da província, as fábricas baianas produziam tecidos grosseiros, destinados à sacaria e a roupas para os escravos e para a população de baixa renda. Contudo, algumas fábricas, a partir de 1875, começam a produzir tecidos de melhor categoria – tecidos brancos de primeira qualidade, tecidos de cores diversas e riscados de primeira qualidade, toalhas franjadas, etc. (BAHIA – CPE, 1978, p. 211). A produção era toda destinada ao mercado interno, pois a participação na pauta do comércio internacional era insignificante. Para o exterior, a Bahia só conseguiu exportar estopas e sacos As províncias do Norte e Nordeste (Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) constituíam os principais importadores internos. Exportava-se também para o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul (BAHIA – CPE, 1978 p.212). A matéria-prima utilizada pelas fábricas baianas era originada na própria província. A partir da década de 1880, a produção não foi suficiente para atender à demanda das fábricas baianas, sendo necessária a importação de outras províncias como Sergipe, Pernambuco e Alagoas (BAHIA – CPE, 1978 p.196). Segundo informam os estudos aqui referidos, a indústria têxtil baiana era tecnologicamente atrasada em comparação com as similares dos países mais desenvolvidos, o que, evidentemente, retirava boa parte da sua competitividade, o que se agravava pelo preço e pela qualidade da matéria-prima.29 As fábricas mais antigas ti29

Quando a indústria de extração de óleo de algodão começou a atuar no Nordeste, reduziu-se substancialmente a qualidade do algodão destinado às tecelagens.

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nham maquinário contemporâneo às primeiras invenções que marcaram o início da revolução industrial, como é o caso da referência ao maquinismo da Fábrica Bonfim (ou Nossa Senhora do Pilar), que possuía 2 400 fusos do Systema Mules Jeny (BAHIA – CPE, 1978 p. 207). Este fato é comum no processo de industrialização brasileiro, pelo menos nos primórdios da sua formação. Os países tecnológica e economicamente menos desenvolvidos foram os repositórios dos equipamentos e ferramentas descartados e substituídos, nos países desenvolvidos, por outros mais avançados. A Inglaterra, por exemplo, colocava à disposição do Brasil, por valores “acessíveis”, a sua sucata industrial gerada pelas novas tecnologias que ia desenvolvendo. Foi o que ocorreu também com o equipamento ferroviário de bitola estreita quando teve de ser substituído pelos equipamentos de bitola larga.

Figura 4 – Companhia Fabril dos Fiaes: tecidos de juta, 1890. Fonte: Museu Tempostal da Bahia, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, 1997, p. 67).

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Pelo exposto, observa-se que a indústria têxtil baiana não possuía condições técnicas e econômicas para crescer, sobreviver e perpetuar-se no cenário econômico nacional de longo prazo. Foram os comerciantes importadores que instalaram as fábricas de tecidos, principalmente a partir da década de 1870, buscando resguardarse das oscilações cambiais que encareciam os produtos importados, tornando vantajosa a produção interna. Tabela 4 – Indústria têxtil na Bahia (período 1834-1880)

Fonte: Sampaio, J. (1975).

De acordo com a CPE (BAHIA – CPE, 1978, p. 204): Dois fatores são em geral apontados como fundamentais para a criação e sobrevivência das indústrias de tecidos. O primeiro foram as oscilações do câmbio. No final da segunda metade do século XIX , as oscilações da taxa de câmbio constituíram-se num dos principais fatores determinantes de fases favoráveis ou desfavoráveis para os produtos nacionais. Essas oscilações ocasionavam, ao importador, efeitos opostos àqueles sentidos pelo produtor nacional, com o qual ele competia: o câmbio baixo, tendo efeito protecionista, era prejudicial aos negócios de importação. O início da produção interna vinha assim, somado às oscilações do câmbio, introduzir um elemento de instabilidade em tais negócios. Os ganhos dos importadores passavam a ser passíveis de variações súbitas, em função de um fator inteiramente fora do seu controle, sendo de notar ainda que o peso dos interesses ligados à exportação favorecia uma política de câmbio baixo, funcionando a desvalorização externa da moeda como um mecanismo de socialização dos prejuízos decorrentes das baixas dos preços do café. Nessa situação de

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA incerteza é adequado supor que houvesse de parte dos importadores uma tendência a diversificar a aplicação dos seus capitais, com o fito de diminuir a possibilidade de perdas decorrentes da baixa do café e do câmbio. Uma via naturalmente indicada para isso seria o investimento na produção interna: uma vez que passassem a produtores dos artigos que importavam, poderiam ganhar como produtores o que deixavam de ganhar como importadores, nas épocas do encarecimento das importações. O importador estaria também em situação vantajosa para superar a defasagem de condições favoráveis ao aumento de produção interna e à importação de bens de capital: os períodos de facilidade de importação seriam para eles fases de maiores lucros, o que facilitaria o custeio da importação de equipamentos com vistas aos tempos de “vacas magras” na atividade importadora. O outro fator explicativo foi a proteção governamental (dispensada através a política tributária para este segmento).

A indústria têxtil baiana, além de já ter surgido defasada tecnologicamente, enfrentou, ao longo da sua existência, três problemas sérios: o primeiro, referia-se ao encarecimento da matériaprima que se tornou mais cara pela distância das fontes de suprimento, na medida em que se reduzia a produção local; o segundo, derivou de uma autêntica guerra fiscal, deflagrada pelas províncias nordestinas que passaram a sobretaxar o tecido baiano considerado concorrente e o terceiro, decorria das limitações do mercado baiano que não estimulavam a sua expansão e obtenção de escala. Outras indústrias. Como foi salientado anteriormente, a atividade industrial baiana existiu desde o século XVI, dispersa por atividades básicas e essenciais ao suporte das atividades mercantis e à sobrevivência da população. É impossível imaginar que tudo, mesmo as mínimas coisas, possam ter sido importadas e que para cá não houvesse vindo artífices e profissionais afins, mesmo que em pequena quantidade. O que ocorre é que essas atividades provavelmente – faltam maiores registros – não se organizaram empresarialmente como ocorreu com a agroindústria açucareira e funcionaram em padrões artesanais ancilares às atividades agrocomerciais, de transporte e de sobrevivência da população. O que ocorre no século XIX, mercê da importante pesquisa intitulada A inserção da Bahia na evolução nacional, realizada pela CPE em 1978, passou-se a dispor de dados mais sistemáticos do funcionamento da economia baiana. Assim, independentemente da agroindústria açucareira e da produção de tecidos, os principais ramos industriais da província, merecem registro, ainda, as atividades vinculadas à metalurgia, à química, à madeira, ao vestuário, aos alimentos e às bebidas e ao fumo. 65

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Segundo as estatísticas da CPE, a maioria absoluta desta indústria localizava-se em Salvador. Nas cidades do Recôncavo, tais como Cachoeira, São Felix, Muritiba, Maragogipe e Nazaré, concentravam-se as manufaturas do fumo. Quase toda a manufatura e indústria existentes empregavam matéria-prima local. A maioria dessas empresas era de pequeno porte e a sua produção destinavase ao consumo popular, visto que as classes mais abastadas importavam todos os bens de que necessitavam. Os capitais aplicados no setor de transformação vinham do grande comércio de exportação. A CPE (BAHIA – CPE, 1978, p. 253) apresenta um registro formal da indústria metalúrgica a partir da década de 1850. Era composta por fundições, ferragens e fundições e máquinas. Foram identificados, no período, 14 estabelecimentos, sendo sete de empresários estrangeiros. Dez localizavam-se em Salvador e os demais em Santo Amaro (3) e Valença (1). Pela característica dos bens produzidos (engenhos, peças de reposição para máquinas a vapor), supõe-se que a metalurgia fosse tecnologicamente superior aos demais setores. Trabalhando com matéria-prima importada, esta indústria incorporava um razoável número de mão-de-obra estrangeira. O seu declínio, já no século XX, deveuse à falta de tarifas protecionistas ao similar nacional e consequentemente à concorrência externa. De acordo com a mesma fonte, na indústria química, funcionavam, entre 1819 e 1889, 35 empresas, havendo predominância das fábricas de sabão (16). Registrava-se ainda no setor a presença de fábricas de óleos (5), fósforos (4), velas (3), além de carvão, azeites, álcool e vinagre. A produção de óleo derivado da baleia, conforme anteriormente foi assinalado, já existia na província desde os tempos coloniais. Tratava-se de firmas de pequeno porte, todas localizadas em Salvador. A indústria madeireira apresentava oito unidades no período de 1861/1884, estando distribuídas por Salvador, Valença, Cachoeira, São Felix e Nazaré, produzindo tábuas e outros materiais para construção e funcionando, de modo geral, com equipamentos pouco sofisticados. Entre 1858 e 1882 existiam na Bahia sete empresas de vestuário, sendo seis de chapéus. Todas estavam localizadas em Salvador. É provável que essas empresas fossem antes manufaturas que indústrias. A pesquisa da CPE identifica, nesse conjunto, duas empresas que empregavam respectivamente 400 e 250 operários sendo a maioria de escravos. 66

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No período de 1869/1889 o gênero de alimentos e bebidas registrava 31 empresas, das quais 18 eram dedicadas à produção e ao refino de açúcar. Aparecem ainda produtores de aguardente, vinagre, uma “fabrica de cozinhar baleias”, massas e gasosas. Distribuíam-se por Salvador, Santo Amaro e Catu. Entre 1819 e 1889, funcionavam 31 manufaturas de fumo, localizadas no Recôncavo (Salvador, São Felix, Maragogipe, Muritiba e Cachoeira). Segundo o estudo da CPE (BAHIA – CPE, 1978), as manufaturas de fumo tinham, em geral, pequenas dimensões, capitais reduzidos, produção limitada, caracterizando-se pela instabilidade e não dispondo, na sua maioria, de recursos para reformas e adaptações quando necessário. As firmas com maiores capitais e capacidade de produção pertenceram aos alemães que dominaram a exportação do produto. No setor fumageiro, o capital comercial financiava os pequenos produtores agrícolas, em condições escorchantes que os reduzia a uma situação de pauperismo e dependência que perdurou até os tempos atuais. A conclusão deste exame da atividade industrial da Bahia no século XIX pode ser sumariada da forma seguinte e com base no estudo já referido da CPE (BAHIA – CPE, 1978 p. 266-267). O setor industrial, na economia baiana, estava dividido entre indústrias e manufaturas30. Estas últimas com seu processo produtivo concentrado em atividades manuais. A maior parte dos estabelecimentos, tanto industriais como manufatureiros, era de pequeno porte, a julgar por fatores tais como capitais investidos e mão-deobra empregada. As grandes empresas eram de caráter fabril, pertecendo à agroindústria açucareira e ao setor têxtil. Havia, entretanto, grandes empresas manufatureiras no setor fumageiro e, em menor escala, no setor de vestuário. No plano da modernização tecnológica registram-se diversas iniciativas em praticamente todos os gêneros de atividades. Essas tentativas de modernização não tiveram maior repercussão sobre uma sociedade como a baiana, na qual a estrutura social era impermeável. Ao contrário, no Sudeste do país, onde as inovações tecnoló-

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Esta divisão entre indústria e manufatura destaca uma questão tecnológica. Na época poucas empresas trabalhavam com um elevado grau de mecanização e o aporte de tecnologia nos processos produtivos era reduzido. Os pequenos empreendimentos, rudimentares, eram predominantes na Bahia.

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gicas foram acompanhadas de mudanças nas relações de trabalho, toda a estrutura social se transformou. As matérias-primas empregadas eram de procedência local e das províncias vizinhas, excetuando-se setores como metalurgia e, por algum tempo, madeira, couros e peles. Predominava a produção de artigos grosseiros destinados ao consumo popular, uma vez que a elite importava os bens de que necessitava preferencialmente da Europa. Na manufatura do fumo mesclava-se a matéria-prima local com a importada das províncias do Sul, de melhor qualidade, quando se pretendia obter um produto mais fino. Contudo, muitos bens eram consumidos por todas as classes sociais, indistintamente. Enquadravam-se neste caso os produtos dos setores de madeira, química, cerâmica (telhas e tijolos), alimentos e bebidas e vestuário (chapéus de feltro). A indústria textil tinha considerável parcela de sua produção consumida pela agroindústria açucareira, sobrevivendo, em grande parte, devido à demanda de sacos para embalagem dos produtos primários em bruto ou semibeneficiados, como o açúcar. Também a indústria metalúrgica fabricava, como um dos seus principais itens, maquinário para engenhos e peças de reposição. As dificuldades e a paulatina decadência da agroindústria açucareira não poderiam deixar de refletir-se negativamente sobre outros setores industriais. Parte da produção manufatureira e fabril era absorvida por outras províncias, como o fumo e os tecidos. Em 1875, exportava-se a terça parte dos tecidos aqui produzidos para outras províncias, exportação essa que decorria basicamente da privilegiada posição da Bahia como importante entreposto comercial. A maior parcela da mão-de-obra empregada era livre, porém, em 1872, cerca de 15% ainda eram escravos, existindo estabelecimentos, até à década de 1860, nos quais predo-minava o trabalho escravo Esse tipo de relação de trabalho deveria prevalecer tam-bém nos engenhos. Quando, porém, foram criadas as fábricas centrais de açúcar, nelas passou a preponderar o trabalho assalariado e, de um modo geral, o trabalho livre foi-se generalizando. O grande comercio de exportação era o responsável pelos capitais aplicados no setor industrial. A existência de matéria-prima local possibilitava ao comerciante – que agia como financiador – o controle da produção agrícola, sua transformação e comercialização. O caso mais evidente é o do fumo. Quanto aos tecidos, a matériaprima era oriunda principalmente das províncias vizinhas, e esse setor se constituía no mais importante depois da agroindústria 68

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açucareira. Até 1875, a Bahia foi o maior centro têxtil do Brasil, mas sua perda de posição, daí por diante, seria constante e irreversível. Persistiria, para além do século XIX, na Bahia, um tipo de economia mercantil originária da colônia, enquanto, no Sudeste do Brasil, instalou-se um tipo de desenvolvimento capitalista calcado no modelo europeu ocidental pós-revolução industrial (BAHIA – CPE,1978 p.267). No plano da política tributária praticada no século XIX, o estabelecimento das tarifas baseou-se preponderantemente na taxação dos produtos importados. Com o controle político do governo pelos grandes proprietários de terras, lançava-se sobre o conjunto da população o ônus pela sustentação da máquina pública, como assinalam Furtado (1959) e Sampaio, J. (1975). Em 1844, com a expiração dos prazos estabelecidos pelos diversos tratados comerciais, foram editados pelo governo imperial onze “pacotes” tributários. Todos compreenderam tarifas incidentes sobre as importações. De forma geral a política fiscal atendeu ao lobby dos grandes proprietários rurais e comerciantes interessados na manutenção de uma política antiprotecionista, prejudicando claramente os interesses da classe industrial. A tarifa Silva Ferraz, de 1860, por exemplo, prejudicou a metalúrgica da Ponta da Areia, de Mauá, forçando o seu fechamento (SAMPAIO, J. 1975, p. 23-26). Segundo a pesquisa da CPE (BAHIA – CPE, 1978), os mecanismos da política tributária e financeira do governo imperial foram desfavoráveis para a economia baiana. Mesmo tendo participação elevada nas exportações e importações brasileiras, no período, a Bahia sofreu substancial drenagem de recursos, através da taxação dos “direitos de exportação e importação”. A Tabela 5 apresenta dados das contas públicas da província no período de 1850/1889. Conforme se observa, em diversos anos da série, apresentam-se déficits públicos que levaram ao endividamento interno do governo provincial, mediante a contratação de sucessivos empréstimos junto aos agentes financeiros locais. O agravamento desta situação no final do século, a partir de 1872, vai levar ao primeiro empréstimo externo da província, em 1888.31 31

O empréstimo foi obtido junto ao Sindicat Brésilien de Paris, no valor de 22,5 milhões de francos que, convertidos, importavam em 6.317.947$445. Este empréstimo na verdade serviu para o pagamento de dívidas internas do governo com o sistema financeiro nacional (entre eles o Banco da Bahia), sobrando líquido para a caixa do tesouro menos de 1% (CPE, 1978 v. 3, p. 71).

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Tabela 5 – Execução financeira da Província da Bahia – 1850-1900 (valores em contos de réis)

Fonte: DEB. Anuário estatístico da Bahia, 1923. Apud BAHIA – CPE – A inserção da Bahia na evolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. v.3, p.60, tabela 6. Salvador: CPE, 1978. Dados originais trabalhados pelo autor.

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Esta situação iria transformar-se num processo de endividamento crônico, agravando e comprometendo o desempenho das administrações estaduais ao longo da primeira metade do século XX. No que tange à intermediação financeira, conforme já foi registrado, ela foi inicialmente praticada de forma intensiva pelas diversas casas comerciais que operavam no mercado exterior baiano. Em 1845, surge o Banco Commercial da Bahia, considerado um banco emissor (CALMON, 1978, p. 83), seguido por diversas outras instituições com poder de emissão de moeda, entre elas a Sociedade Mercantil da Bahia (Caixa Hipotecária), o Banco Hipotecário da Bahia, a Caixa Comercial da Bahia e a Caixa de Reserva Mercantil, todos de curta duração, não atingindo o final do século. Nas décadas seguintes, outras instituições financeiras também foram criadas, mas também não conseguiram sobreviver, com exceção do Banco da Bahia e do Banco Econômico da Bahia criados em 1857 e 1893 respectivamente. (AZEVEDO e LINS, 1969, p.68; OLIVEIRA, 1993, p.88). Em termos de obras públicas registrou-se nas décadas de 1870/ 1880 um surto de crescimento caracterizado pela abertura de novas vias de transporte para o interior notadamente as estradas de ferro cujos trilhos, partindo de Salvador, alcançaram os rios São Francisco e Paraguaçu. Existiam e trafegavam em 1895 sete ferrovias, com a extensão total de 1.245 km, extensão esta que se ampliou para 2.669 km em 1930 (TAVARES, 2001, p.369). No final do século XIX, além da Estrada de Ferro Bahia – São Francisco (573 km), que demorou 41 anos para ser concluída (1896), contava a Bahia com as seguintes estradas de ferro: E. F. Central da Bahia (316 km); E.F. de Santo Amaro (47 km); E.F. de Nazaré (79 km na época); E.F. Bahia – Minas (147 km em território baiano); Ramal do Timbó (83 km em direção de Sergipe) e E.F. Centro-Oeste da Bahia, cuja construção foi iniciada em 1896. (FREITAS, 2000, p.26).

Destaque-se que a implantação do sistema ferroviário na Bahia constituiu um excelente negócio para a Inglaterra, numa época em que a modernização de suas ferrovias, com a mudança de bitola das estradas, sucateava compulsoriamente grande parte do material rodante que, defasado, necessitaria ser descartado. Ocorre também nesta época o melhoramento do porto da capital e da navegação a vapor. Vale ressaltar que os investimentos na construção de infraestrutura, notadamente nas ferrovias, constituíram o principal fator de agravamento do déficit público provincial. 71

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Na década final do século XIX, a Bahia somente apresentou superávit em sua balança comercial nos anos de 1893, 1898 e 1899 (ver Tabela 6)32. Nesse mesmo período, a abolição da escravatura e a proclamação da República multiplicaram as suas dificuldades de ordem econômica (desorganização das bases produtivas das lavouras) e política (posição das elites políticas da Bahia, favorável à monarquia, reduzindo a influência da província no novo regime). Mesmo assim, em 1898/1899, graças à recuperação do câmbio, que se prolongou até 1910, e a política expansionista adotada pelo governo central a euforia tomou conta das elites dirigentes, visto que a Bahia ainda mantinha uma posição de destaque na economia nacional. Porém o déficit que prevaleceu na balança comercial baiana ao longo do século gerava uma carência de poupança interna necessária para a formação de capital fixo e, consequentemente, o deslanche de um processo de acumulação que propiciasse o crescimento real das atividades econômicas. Para concluir este capítulo, vale recuperar o inventário promovido pelo governador Francisco Marques de Góes Calmon (1924/1928), que contava, na Bahia, no ano de 1892, 123 fábricas em atividade, predominando as grandes unidades de tecidos da capital e do Recôncavo, em número de 12. Dessas, 3 eram de chapéus, 2, de calçados (uma das quais, da Companhia Progresso Industrial, empregava 800 operários em Plataforma), 5 eram alambiques, 12 eram fábricas de charutos e 4, de cigarros, 5 eram fundições de ferro, bronze e outros metais, 9 eram grandes engenhos centrais de açúcar, 7 fábricas de móveis e serrarias, 2 produziam chocolate, 2, cerveja, 10 eram de sabões e sabonetes; 6 produziam velas, 50, massas alimentícias, além de outras de camisas, rapé, gelo, óleos vegetais, biscoitos, pregos, luvas finas, fósforos, etc. O comércio registrava, na capital, a existência de 64 casas importadoras contra 11 exportadoras (em sua maioria, de capital estrangeiro). Trinta casas de negócios em comissão compunham o comércio atacadista, fornecendo toda sorte de produtos importados a 964 firmas que atuavam no varejo. Também um balanço industrial no final do século XIX indicava que existiam no Brasil 903 estabelecimentos industriais sendo 123 na Bahia – uma participação de 14%. Observe-se que, no período de 1875-1890, contava a Bahia com quase a metade das fábricas 32

Segundo Sampaio, J. (1975), a balança comercial baiana foi deficitária entre 1823 e 1860. Já Mattoso (1992) estende este período até 1887. Porém os dados da Tabela 5, que cobrem o período de 1839 a 1889 indicam a obtenção de superávitcomercial em apenas 10 anos dos 60 considerados.

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Tabela 6 – Balança de mercadorias do Estado da Bahia – 1839-1899 (valores em contos de réis)

Fonte: Anuário estatístico da Bahia, 1923. Bahia, Diretoria do Serviço de Estatísticas do Estado, 1924. Propostas e relatórios apresentados à Assembléia Legislativa pelos Ministros e Secretários de Estado dos Negócios da Fazenda, Rio de Janeiro 1852/1889. Fallas dos presidentes da Província da Bahia, 1850/1889. Apud BAHIA – CPE – A inserção da Bahia na evolução nacional 1ª. Etapa: 1850 – 1889. Salvador: CPE, 1978. Dados originais trabalhados pelo autor. Nota : (*) Os períodos de 1851 a 1861 e 1869 a 1887 incluem exportações para outras províncias brasileiras. Em destaque, os anos de superávit.

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do país (SAMPAIO, J.1975, p. 28). No caso específico da indústria têxtil, em 1866, possuía a Bahia 56% das fábricas existentes no país, mas, em 1885, esta participação é reduzida para 40%. Em termos demográficos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Bahia encerra, em 1900, o século XIX com uma população de 2.177.956 habitantes, correspondentes a 12,58% da população do país. Salvador, neste mesmo ano, totalizava 205 813 habitantes equivalentes a 9,72% do Estado. Segundo Mattoso (1992, p.119), em 1872, a população baiana era composta de 72,4% de negros e mulatos (dos quais 12,2% escravos), 24% de brancos e 3,6% de índios e caboclos 33. Também Sampaio, C. (1999, p.51) registra que, em 1890, o número de analfabetos correspondia a 81,9% da população, percentual este que não se modifica com a virada do século, pois, em 1920, a porcentagem situava-se praticamente inalterada, em torno de 81,6%. 1.3.1 - Padrões monetários do Brasil Para fins didáticos deste livro, deliberou-se incluir uma pequena observação sobre os diversos padrões monetários adotados no Brasil desde os tempos coloniais. O primeiro padrão monetário do pais, segundo o Banco Central do Brasil, foi o RÉIS, denominação derivada do REAL que era a moeda portuguesa nos séculos XV e XVI, na época do “descobrimento”. O símbolo era (Rs) e ($). Vigorou até 31 de outubro de 1942. Mil réis designava a unidade monetária e reis a unidade divisionária. O sistema era de base milesimal. A quantidade de mil réis era seguida do símbolo $. Um milhão de réis tinha a designação legal de um conto de réis. Exemplo: 5.000$000 (cinco contos de réis), correspondendo a cinco milhões de réis. O segundo padrão foi o CRUZEIRO, equivalente a 1$000 (um mil réis), o símbolo era Cr$. Vigorou entre 1° de novembro de 1942 (Dec. Lei 4791/42) e 1° de dezembro de 1964. Com base centesimal, a moeda divisionária era o centavo. Entre 2 de dezembro de 1964 e 12 de fevereiro de 1967 os centavos foram extintos ( Cr$ 1,00 = Cr$ 1 ). Por curiosidade, (não servindo para correção de valores nem demonstrando o poder de compra da moeda, segundo alerta do Banco Central do Brasil) na época Rs 1.020.100.800:120$230 (um 33

Com base no Censo de 2000, do IBGE, cerca de 80% da população de Salvador é constituída por negros (pretos, pardos e mulatos), a esmagadora maioria dos quais, por conseqüência, é pobre.

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bilhão, vinte milhões, cem mil e oitocentos contos, cento e vinte mil e duzentos e trinta réis) equivaliam a Cr$ 1.020.100.800.120,23 (um trilhão, vinte bilhões, cem milhões, oitocentos mil e cento e vinte cruzeiros e vinte e três centavos. O terceiro padrão foi o CRUZEIRO NOVO equivalente a Cr$ 1.000 (eliminação de três zeros - 1 cruzeiro novo igual a mil cruzeiros). O símbolo era NCr$. Vigorou de 13 de fevereiro de 1967 a 14 de maio de 1970. Voltou o centavo como moeda divisionária. O CRUZEIRO foi restabelecido, como o quarto padrão, em 15 de maio de 1970 e vigorou até 15 de agosto de 1984 tendo os centavos como moeda divisionária. Em 16 de agosto de 1984 o centavo foi eliminado, passando Cr$1,00 = Cr$ 1. Esse padrão vigorou até 27 de fevereiro de 1986. O CRUZADO, quinto padrão, vigorou de 28 de fevereiro de 1986 até 15 de janeiro de 1989. Seu símbolo era Cz$ representando o corte de três zeros no padrão anterior Cr$ 1.000 = Cz$ 1,00. Foram restabelecidos os centavos. Entre 16 de janeiro de 1989 e 15 de março de 1990 vigorou o sexto padrão representado pelo CRUZADO NOVO. O símbolo era NCz$. Novo corte de três zeros no padrão anterior, Cz$ 1.000 = NCz$ 1,00. Foram mantidos os centavos. Em 16 de março de 1990, junto com o escandaloso confisco das poupanças dos brasileiros, surge o sétimo padrão monetário, como restabelecimento do CRUZEIRO e manutenção dos centavos. Esse sistema vigorou até 31 de julho de 1993. O oitavo padrão monetário vigorou no período de 1° de outubro de 1993 até 30 de junho de 1994, representado pelo CRUZEIRO NOVO. O símbolo permaneceu Cr$ ocorrendo o corte de três zeros e a manutenção dos centavos. A partir de 1° de julho de 1994 entrou em vigor o nono e último padrão monetário brasileiro no século XX. O REAL cujo símbolo é R$ consagrou o processo de estabilização monetária do país, obtida com o Plano Real de estabilização econômica no governo Itamar Franco. Em termos de equivalência Cr$ 2.750,00 passou a corresponder a R$ 1,00. Ou, como diz o Banco Central, para fins de comparação didática: Cr$ 1,00 = R$ 0,00037.

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TÍTULO II A BAHIA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX O baiano gasta quatrocentos contos para impedir que um outro ganhe cem. Octávio Mangabeira (apud LINS, [1986], p.100).

2.1 OS CONDICIONANTES EXTERNOS Uma visão eurocêntrica caracterizou o século XIX como um período de paz mundial. Isto pela combinação de um conjunto de fatores, entre os quais se destacaram o estabelecimento de um sistema de equilíbrio de poder que impediu a ocorrência de grandes conflagrações duradouras e devastadoras entre as grandes potências, a vigência internacional do padrão ouro, que tornava viável e organizada a economia mundial, e o predomínio do liberalismo econômico e político (POLANYI, 2000, p.17). Talvez até pela repercussão sobre a economia brasileira à época, o padrão ouro constituía um fator de prejuízo para o Brasil nas suas operações financeiras com os países europeus. Como dizia em 1905 o governador José Marcelino em sua mensagem à Assembléia Legislativa da Bahia: [...] em regra geral os empréstimos externos, que são sempre contraídos em ouro, por paizes de papel-moeda de curso forçado são arriscados e sujeitos as eventualidades, que tocam às vezes às raias das peiores aventuras commerciaes. Infelizmente o nosso paiz, tão enriquecido pela natureza quão depauperado pela escassez de sua indústria, entrou desde muito cedo no regime perigoso do curso forçado do papel-moeda, e até hoje não pode sair deste labyrinto cujos enredos atam-lhe o movimento e impedem-lhe os passos para a riqueza e para a grandeza econômica (1905, p.36)34.

Enquanto, no século XIX, a Inglaterra exerceu o domínio econômico e político do mundo, o século XX assiste o estabelecimento da hegemonia norte-americana e a ascensão do sistema de livre iniciativa. Segundo Arrighi: [...] a capacidade do Reino Unido de ocupar o centro da economia mundial capitalista foi minada pela emergência de uma nova economia nacional, de riqueza, dimensões e recursos maiores que os seus. Tratava-se dos Estados Unidos, que evoluíram para tornar-se 34

Mantida a redação original, de acordo com as normas técnicas. Procedimento que será adotado em todo o livro.

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uma espécie de “buraco negro”, dotado de um poder de atração de mão-de-obra, capital e espírito de iniciativa da Europa com que o Reino Unido, e menos ainda as nações menos ricas e poderosas tinham poucas chances de competir. Os desafios alemão e norte-americano ao poderio mundial britânico fortaleceram-se mutuamente, comprometeram a capacidade da Grã-Bretanha de governar o sistema interestatal e acabaram levando a uma nova luta pela supremacia mundial, com uma violência e morbidez sem precedentes. (ARRIGHI, 1996, p.59).

Para Hobsbawm (1995), o século XX se caracterizou como a era dos extremos, pois transcorreu, significativamente, entre eventos dramáticos como a primeira Guerra Mundial (1914) e o final da Guerra Fria, com a débâcle do sistema soviético na década de 1990. A primeira Guerra Mundial (1914/1918) provocou uma grave crise no comércio exterior brasileiro, com a queda dos preços dos produtos tradicionais da pauta de exportações, a qual se prolongou até o ano de 1918. Segundo Fausto (2006), a balança comercial do país começa a apresentar déficits, cessam as entradas de capitais externos e a inadimplência da dívida externa impõe ao país, em 1914, novo funding loan, com a remessa, para os credores, de 10 milhões de libras esterlinas e a suspensão de novos pagamentos por um prazo de 13 anos, exceto os do próprio funding. Assim, encerra-se o ciclo de expansão econômica da economia brasileira no período, iniciando-se uma fase recessiva. Muitas empresas paralisaram as suas atividades, gerando desemprego e reduções salariais. O número de desempregados na cidade de São Paulo atingiu 10 mil pessoas. As emissões de papel moeda para sustentar a economia cafeeira e cobrir os déficits da receita federal deflagraram um processo inflacionário, com o índice de preços passando de 37,9, em 1917, para 109,8 em 1920. Na Bahia, cuja balança comercial ficou superavitária em todo o período, o cacau e o fumo, principais geradores de recursos para os cofres estaduais, tiveram sua exportação reduzida. Os capitais alemães, que irrigavam o comércio de Salvador, desapareceram, e as atividades mercantis ficaram praticamente paralisadas no período da guerra. Contudo, foi favorecida a exportação de produtos alimentares. A participação desses produtos, no valor total de exportações, passou de 3,8%, no período de 1901/ 1913, para 15,2% em 1914/1918, sendo que o volume decuplicou durante a guerra (VILLELA, 1973, p.137). Este fato, associado à impossibilidade de importações, contribuiu sensivelmente para o encarecimento dos alimentos no mercado interno, o que conduziu aos primeiros movimentos paredistas na cidade do Salvador. O conflito também prejudicou a obtenção de créditos externos para obras no gover78

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no de J. J. Seabra, levando a sua administração posteriormente a um estado de insolvência. Ainda sobre a primeira guerra, comenta Gustavo Franco: Muita gente diz que o mundo que desabou em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, era ainda mais globalizado que o de hoje. Pode ser. Mas com certeza suas entranhas macroeconômicas, e em especial as relações entre “centro” e “periferia”, para usar uma linguagem própria dos anos sessenta, tinham muito mais clareza. A City londrina era o centro do mundo e o Banco da Inglaterra, segundo se dizia, o regente de uma orquestra de bancos centrais, organizados hierarquicamente em círculos concêntricos, como o inferno de Dante. Em épocas de abundância de capitais, e juros baixos em Londres, a “periferia” era irrigada seqüencialmente, os mais próximos primeiro, e um a um, a fim de defender-se da enxurrada e de evitar uma apreciação cambial excessiva, adotavam o regime de câmbio fixo, vale dizer, entravam para o padrão ouro. Ocorreu conosco em diversas ocasiões, às vezes apenas por alguns meses, e em duas ocasiões por alguns anos: 1854-7, 1858-9, 1862-4, 1888-9, 1906-14, 192630. Quando os ventos viravam para pior, em geral por conta de alguma crise financeira em algum lugar, a reação era em cadeia, pois o sistema era interligado. A pressão se fazia sentir em Londres, que chamava para si a liquidez, elevando os juros e sangrando as reservas de toda a orquestra, que acompanhava o maestro no movimento de elevação de juros. Assim, a periferia mais remota, nos círculos mais afastados, era atirada para fora do padrão ouro por mais que se esforçasse em resistir. Esses pecadores não encontravam alternativa fora do “papel moeda inconversível”, ou seja, no regime de flutuação cambial. (FRANCO, 2002).

Como país subdesenvolvido, o Brasil mudou gradativamente, neste século, a sua relação de dependência, saindo do domínio econômico britânico para o norte-americano. Esta transferência ocorre de forma gradativa, pois a subordinação aos financiamentos europeus, notadamente aos britânicos, prevalece até a segunda Guerra Mundial. Com a Bahia não foi diferente. Numa situação de franca desvantagem, segundo Tavares (2001, p.368), em 1928, após sucessivas renegociações da sua dívida externa, estava devendo 8 milhões de libras ao London and Brazilian Bank e 48 milhões de francos ao Crédit Mobilier Français e a outros estabelecimentos bancários franceses, enquanto a dívida interna atingia 119.118:050$000 em 1929. Assim, endividada e sem capacidade de investimentos pelo déficit crônico da sua balança comercial35; controlada por velhas oligar35

Neste conceito estão inseridas as importações e exportações internas. Como a Bahia não possuía um parque industrial capaz de abastecê-la, era dependente de volumosa importações dos demais estados da Federação, notadamente do Sul e Sudeste.

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quias comprometidas com o capital mercantil e agroexportador, conservadoras e absolutamente impermeáveis às perspectivas do capitalismo industrial; sem o capital humano habilitado para empreender ou compor um vigoroso mercado interno que atraísse investidores estrangeiros e, por fim, sem o capital político que ainda detinha quando, no início da Primeira República, perde a influência política que deteve junto ao poder central durante o Império, para emergente classe dos cafeicultores paulistas. Na opinião de Furtado (1959), a solução do nosso problema de crescimento econômico passaria necessariamente pelo crescimento das exportações e geração de superávits em nossa balança comercial. Porém, de acordo com Pelaez (1976), em virtude da baixa elasticidade-renda da procura, os preços das exportações de produtos primários caíram a longo prazo. Com efeito, a elasticidade-renda da demanda constituiu outra causa da deterioração dos preços dos produtos primários, e era explicada por Prebisch, em 1951, da seguinte forma: à medida que crescia a renda, diminuía a demanda relativa por bens primários e aumentava a de bens industriais. Exemplificando: a cada aumento de 1% na renda por habitante nos Estados Unidos, as importações de produtos primários cresciam apenas 0,66%, enquanto, na América Latina, a demanda por produtos industriais aumentava 1,58%: A própria evolução da técnica fazia com que diminuísse a demanda por produtos primários nos centros industriais, seja pela substituição por produtos sintéticos ou pela melhoria na racionalização da produção. Além disto, estes centros usavam de proteção aduaneira para os seus próprios produtos primários. Por outro lado, em virtude da existência de mercados monopolistas e sindicatos poderosos nos países industriais, os preços dos produtos manufaturados importados pelas regiões atrasadas permaneceram rígidos, isto é, não declinaram durante as contrações econômicas. Como resultados destas duas características estruturais – preços e receitas de exportação de produtos primários em declínio e preços rígidos de produtos manufaturados –, as relações de troca dos países produtores de bens primários agravaram-se durante todo o período de crescimento acelerado do comércio internacional no século XX. Nas palavras de Prebisch: A maior capacidade das massas, nos centros cíclicos, para conseguir aumentos de salários na crescente e defender seu nível na minguante, e a atitude desses centros, pelo papel que desempenham

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA no processo produtivo, para deslocar a pressão cíclica para a periferia, obrigando a comprimir suas rendas mais intensamente que nos centros, explicam porque as rendas destes tendem persistentemente a subir com mais força que nos países da periferia, segundo torna-se patenteado na experiência da América Latina (1963).

Nesse contexto, destacam-se os benefícios resultantes do progresso tecnológico, conquistados pelos países mais desenvolvidos, que consistiram no aumento dos rendimentos dos produtores e no declínio dos preços pagos pelos consumidores. Os países industriais desfrutaram o melhor de dois mundos, recebendo rendimentos crescentes como produtores de bens manufaturados, cujos preços não declinaram, e consumindo produtos primários, cujos preços caíram através do tempo. Assim, os países industriais colheram todos os benefícios do progresso tecnológico e da divisão internacional do trabalho, consolidando-se definitivamente, no século XX, o padrão mundial de países ricos e pobres. A confirmação deste padrão e a perspectiva da sua irreversibilidade são demonstradas por Arrighi (1997) que, citando Harrod, Roy (1958) fala da divisão da riqueza pessoal em dois tipos que estão separados por obstáculos intransponíveis. O primeiro deles refere-se à riqueza democrática que constitui “um domínio sobre os recursos que, em princípio, está disponível para todos, em relação direta com a intensidade e eficiência de seus esforços” (ARRIGHI, 1997, p. 216). O segundo tipo é constituído pela riqueza oligárquica que nada tem a ver com a intensidade e a eficiência de quem a possui e nunca está disponível para todos, por mais intensos e eficientes que sejam seus esforços. Isso se demonstra pelo conceito de troca desigual que explica não podermos todos ter domínio sobre produtos e serviços que incorporam o tempo e o esforço de mais de uma pessoa de eficiência média. “Se alguém o tem, isso significa que uma outra pessoa está trabalhando por menos do que ele ou ela deveria controlar, se todos os esforços de igual intensidade e eficiência fossem recompensados igualmente” (ARRIGHI, 1997, p. 216). Assim, o uso ou o gozo da riqueza oligárquica pressupõe a eliminação de outros. O que cada um de nós pode realizar não é possível para todos. Segundo Arrighi, ao transpor este raciocínio para a análise dos sistemas mundiais (e regionais), numa economia capitalista, encontramos um problema de “adição” semelhante e muito mais sério do que aqueles que enfrentam os indivíduos quando buscam obter riqueza pessoal. “As oportunidades de avanço econômico, tal como se apresentam serialmente para um Estado de cada vez, não cons81

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

tituem oportunidades equivalentes de avanço econômico para todos os Estados” (ARRIGHI, 1997, p. 217). Como afirma Wallerstein (1988), “desenvolvimento neste sentido é uma ilusão” Ou seja: a riqueza dos estados do núcleo orgânico (o chamado primeiro mundo em termos globais, a região Sudeste, no caso brasileiro) é análoga à riqueza oligárquica de Harrod. Esta riqueza não pode ser generalizada porque se fundamenta em processos de exploração e de exclusão que pressupõem a reprodução contínua da pobreza da maioria da população num contexto regional. Por outro lado, como demonstra Santos (1979), ao tratar dos circuitos superior e inferior que constituem os espaços urbanos nas regiões subdesenvolvidas, a pobreza absoluta ou relativa dos estados semiperiféricos (Brasil Sudeste em relação ao primeiro mundo) e periféricos (Brasil Nordeste em relação ao Brasil Sudeste) induz continuamente suas elites a participar da divisão internacional do trabalho por recompensas marginais que deixam o grosso dos benefícios para os integrantes dos estados do núcleo orgânico. A luta contra a exclusão leva à busca de um nicho comparativamente seguro na divisão internacional do trabalho, forçando as regiões semiperiféricas a uma maior especialização em atividades pelas quais possam obter algum tipo de vantagem competitiva, o que leva a uma relação de trocas desigual (deterioração dos termos de intercâmbio), na qual os estados semiperiféricos fornecem mercadorias que incorporam mão-de-obra mal remunerada para aqueles do núcleo orgânico, em troca de mercadorias que incorporam mão-de-obra bem remunerada e a uma exclusão mais completa dos estados periféricos das atividades nas quais o estado semiperiférico busca maior especialização. Nos esforços pela reversão deste estado de coisas, que mobilizou o melhor da inteligência econômica baiana entre as décadas de 1940 e 1960, o economista Pinto de Aguiar (1972) certamente um homem adiante do seu tempo, já dizia em 1972: “aqueles Estados que conseguiram, à força de labuta e esforço, uma taxa de crescimento maior que a nossa, lutarão certamente para conservá-la. E se a nossa subordinação econômica for um elemento importante para isto, tentarão mantê-la”. Como, de fato, a têm mantido.

2.2 A FALÁCIA DO “ENIGMA BAIANO” No final da década de 1950, intelectuais baianos, entre eles Luís Henrique Dias Tavares (O problema da involução industrial da Bahia), dis82

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cutiam as causas da contradição entre os avanços obtidos pela Bahia na formação dos seus sistemas de transportes e energético, no crescimento demográfico, na melhoria urbana da capital e, em muitos outros aspectos, a redução da importância da sua indústria na primeira metade do século XX. Enfim, perguntavam-se: por que a Bahia não se desenvolveu como os principais estados da região Sudeste? Octávio Mangabeira, espantado com o que viu ao assumir o governo do estado (1946/1950), cunhou a expressão “enigma baiano” e, preocupado com a estagnação da economia estadual, encomendou a Ignácio Tosta Filho o primeiro Plano de desenvolvimento da Bahia, documento pouco divulgado na atualidade e praticamente desaparecido. Também Pinto de Aguiar escreveu uma monografia com o título Notas sobre o enigma baiano, em que acaba por decifrar o enigma, cujas causas devem ter ficado claras para quem leu o título anterior deste livro. Segundo Aguiar (1972, apud SPINOLA, 2003 p.103) Se conseguíssemos eliminar todas as causas de contenção que vêm do nosso passado, (grifo nosso) entre as quais são marcantes a subcapitalização, o retardamento técnico, teríamos de vencer agora, sobretudo como causas principais: 1. O problema de instabilidade da nossa economia, que, preponderantemente primária e evidentemente reflexa, depende, endogenamente, da sazonabilidade das safra e, exogenamente, das flutuações dos mercados exteriores e dos preços nestes vigentes; 2. O desgaste do nosso intercâmbio comercial interno, com a política cambial vigente no país, agravando a tendência estrutural da deterioração da relação de preços dos produtos que enviamos para os outros estados e das mercadorias que deles recebemos; 3. A escassa capacidade de poupança, decorrente destas causas, e o reduzido estímulo aos investimentos, em virtude de tais variáveis.

Também Rômulo Almeida cita como razões principais para o considerável atraso da economia baiana em relação à do Sudeste: [...] o ritmo fraco de capitalização devido à decadência política da Bahia na república, efeito e novamente, causa as dificuldades de transportes e a carência de energia, que, para vencê-las, não encontravam recursos na economia colonial baiana, as quais terão sido também causa de outra carência, a quase nula imigração (ALMEIDA, 1977, p. 19-54) (grifo nosso).

Aprofundando mais o seu argumento, Rômulo Almeida demonstra como um outro fator, [...] a falta de interesse dos ricos comerciantes da terra nos empreendimentos da produção: não tinham tirocínio industrial e, com

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isso, o espírito de iniciativa e indústria (grifo nosso), tão vivo e tenaz na história ainda recente da Bahia, havia de desencorajar-se e evadir-se [...], enquanto a indústria evoluía noutras partes. (ALMEIDA, 1977, p.19-54).

Por seu turno, o ex-ministro e banqueiro Clemente Mariani (1977) em estudo divulgado em fins dos anos 1950, sob o título Análise do problema econômico baiano, sintetiza e amplifica as considerações dos autores aqui citados em seu diagnóstico da economia estadual. A Análise do problema econômico baiano situa a proeminência econômica da Bahia nos séculos iniciais da colonização e estuda o que chama de “começo e progressão da relativa decadência econômica do Estado”. Os primórdios dessa decadência encontram-se na perda de importância do açúcar em nosso comércio exterior, acelerando-se com o fim da escravatura. Contudo, salienta que, com a nova lavoura do cacau, a economia estadual recupera-se, ensejando a realização de várias obras de infraestrutura. Detém-se também no exame da política econômico-financeira oficial do pós-guerra. O autor concluiu essa parte da exposição afirmando que o desenvolvimento da lavoura do cacau teria criado novas perspectivas de enriquecimento do Estado, com a consequente possibilidade de aplicação da poupança decorrente em benefício da sua economia, se o monopólio de câmbio, iniciado com a Revolução de 1930 (a quem chamava de madrasta da Bahia) e até hoje mantido sob formas diversas, não houvesse representado uma perfeita espoliação dos recursos do Estado, em benefício do governo federal36 que, desse modo, obteve as divisas baratas para atender a suas necessidades administrativas ou mesmo a sua política econômica, geralmente traçada com absoluta insensibilidade para com o interesse do Estado e de sua população (MARIANI, 1977, p. 55-121). Outro aspecto que merece destaque, no rol dos embaraços ao desenvolvimento da Bahia no século XX, encontra-se na formulação da política tributária nacional pela Constituição de 1891. Como assinala Sampaio, C. (2005, p. 21). A organização tributária da República foi calcada nas disposições preliminares da Constituição de 1891, segundo as quais as principais fontes de receita da União seriam o imposto sobre importa36

Só que Mariani se esqueceu que na monocultura cacaueira os resultados obtidos eram transferidos para o exterior pelas empresas exportadoras, e gastos no Rio de Janeiro e São Paulo, quando não em Paris, pelos familiares e descendentes dos velhos coronéis.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA ções, o imposto do selo e, mais tarde, o de consumo. Os Estados teriam a prerrogativa de decretar impostos sobre a exportação de mercadorias de sua própria produção, sobre bens imóveis rurais e urbanos, sobre transmissão de propriedades e sobre indústrias e profissões. Os municípios, em termos reais, não tinham qualquer fonte de renda. Essa política foi altamente favorável aos Estados do Centro Sul, cuja produção cafeeira dominava a pauta de exportações do País, e inversamente desvantajosa para aqueles que, como a Bahia, não tinham perspectiva de enfrentar a crise econômica que, em cheio, atingia a economia de mercado. A produção agrária na Bahia era diversificada (fumo, café, açúcar, cacau), mas nenhum desses produtos tinha valor significativo na pauta de exportações. Em decorrência, a renda gerada pelo setor exportador era diminuta, incapaz de gerar estoques de capital (grifo nosso). Além do mais, o Estado perdeu o imposto de importação e não teria chance, dada a forte resistência do setor agrário, de implementar uma política de taxação de bens imóveis, como havia ocorrido nos Estados do Centro-Sul. Esta situação explica, em parte, a forte resistência à implantação do regime republicano que se manifestou na Bahia.

Além dessas causas, acredita-se que a raiz do problema, que persiste até os dias atuais, está na pobreza da população baiana, que frustra as possibilidades da existência de um mercado interno com elevado poder de compra. Como ficou demonstrado no título anterior, a pobreza na Bahia originou-se, inicialmente, no modo de produção escravagista37, característico do processo de exploração colonial realizado pelo capitalismo agrário-mercantil europeu que consumiu quatrocentos anos da história brasileira. A passagem deste regime para o do trabalho livre foi marcada pela ausência de um conjunto de reformas estruturais no sistema sociopolítico e econômico do país, notadamente aquelas que se faziam necessárias na área educacional e no meio rural carente de uma reforma agrária. As limitações impostas pelo sistema educacional, tanto ao longo do século XIX quanto no século XX, influenciam diretamente a mobilidade social e, consequentemente, a geração do emprego e da renda que, abortada, limita a criação de um mercado interno vigoroso que, como foi visto, é justamente o “calcanhar de Aquiles” do nosso processo de desenvolvimento.38

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É muito importante destacar que a ênfase dada ao negro neste trabalho decorre do fato de que na Região Metropolitana de Salvador, que responde por mais de 50% do PIB estadual, 80% da população é constituída por negros e, como tal, pobres e com baixa instrução. Haja vista que, apesar de possuir a primeira faculdade de Medicina do país, a primeira universidade baiana (UFBa.) somente foi em criada em 1946, após a ditadura de Vargas.

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Talvez porque medidas deste porte só ocorreriam através de uma revolução sangrenta, totalmente contrária ao estilo do sistema político conciliador das elites brasileiras, registrou-se, na prática, uma total omissão do governo da União que, controlado por oligarquias reacionárias e conservadoras, abandonou os negros libertos à sua própria sorte, situação esta que se mantém até o presente.39 Em termos contemporâneos, as formas mais recentes do processo de globalização mundial, que assumiram condições hegemônicas a partir da revolução cibernética iniciada nos anos 1980, e da internacionalização do comando financeiro da economia mudaram a trajetória do processo de acumulação nos países latino-americanos, gerando uma tendência à integração de diferentes tipos de investimentos em alguns setores econômicos estratégicos que passaram a concentrar, em seu suporte logístico, os investimentos públicos com infraestrutura. Neste contexto, a geração de empregos, ou sua remuneração, ficou regulada pela rentabilidade ou pela eficiência do capital nesses setores, registrando-se, na Bahia, uma substancial redução do mercado de trabalho. A pobreza, portanto, a par de suas raízes históricas, tende a se acentuar como decorrência das exigências do mercado internacional, da abertura da economia nacional com o consequente imperativo da busca de produtividade para assegurar condições mínimas de competitividade, de acordo com um processo condicionado por regras transnacionais que fogem ao controle dos governos locais. Ianni (1988) observa, com propriedade, que o mercado internacional de trabalho também faz circular internacionalmente as técnicas de seleção, controle e repressão das “raças subalternas”. Quanto mais se desenvolve o caráter internacional do capitalismo, mais se internacionalizam e intensificam os movimentos das forças produtivas básicas, seja o capital e a tecnologia, seja a mão-de-obra. Contudo, estas circunstâncias não implicam a generalização da liberdade do trabalhador em termos sociais e políticos. Um operário negro, no Brasil, é sempre ao mesmo tempo negro e operário. O fato concreto é que as circunstâncias históricas, agravadas pelo fenômeno da globalização, respondem por uma massa considerável de mão-de-obra marginalizada, predominantemente de origem africana, destacando-se parcela majoritária da população

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Através de uma discriminação racista, sutilmente disfarçada.

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rural (em grande parte não assalariada, ocupada como agregados e mesmo como servos das propriedades agrícolas). Na área urbana, historicamente, a população negra foi absorvida pelas atividades mais elementares e rudimentares, quando não permaneceu na marginalidade ou na informalidade. As dificuldades de acesso à educação, mantidas de certa forma pela conveniência política das classes dominantes até os tempos atuais, limitaram substancialmente a mobilidade social dos negros, condenando-os a uma maior participação nos postos de trabalho menos remunerados do mercado de trabalho. A escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. Este é um quadro que se mantém constante desde a década de 1920. Por seu turno, as disparidades regionais em escolaridade da população infantil são ainda bem mais expressivas. Enquanto, em São Paulo, a proporção de crianças com 14 anos que nunca chegaram a completar um ano de estudo é de 3% e a proporção com menos de quatro anos de estudo é de 21%, no Nordeste, as proporções são de 13 e 52% respectivamente (HENRIQUES, 2001). A par dessa discriminação educacional, observe-se que o processo de acumulação capitalista, ao transitar do estágio agráriomercantil para o industrial, não abriu espaços para a absorção de mão-de-obra com melhor nível salarial, criando um contingente cada vez maior de excluídos. Este fenômeno se agrava nos tempos atuais de globalização, com o advento da informática, da automação e da importação de mão-de-obra do Sudeste e até do exterior (Espanha e Portugal). Veja-se, por exemplo, o brutal desemprego de mão-deobra qualificada que ocorreu em Salvador, na década de 1990, com a transferência, para o Sudeste, dos setores de administração, finanças e marketing das empresas do “polo” de Camaçari, que foram reduzidas à simples condição de fábricas. Assim o crescimento da economia baiana nos séculos XIX e XX somente ocorreria, pelo menos em termos de um desenvolvimento autossustentado, se as suas exportações, tanto internas quanto externas, se expandissem de forma substancial, gerando superávits que viabilizassem o poder de compra das importações e gerassem recursos que fossem canalizados para investimentos em setores dinâmicos da economia estadual e nas infraestruturas física e urba87

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na social possibilitando a formação de uma classe média e operária com amplas possibilidades de mobilidade social. Em outras palavras: se tivessem existido as condições objetivas para a criação de um amplo mercado interno ou regional. Mas são conhecidos os efeitos perversos do domínio do capital agrário-mercantil que comandou politicamente o Estado até a metade do século XX e que não se inclinava para as atividades manufatureiras, esbaldando-se com o consumo perdulário dos produtos importados da Europa. Tudo isso condicionou e limitou os efeitos das iniciativas que objetivavam a promoção do desenvolvimento industrial da Bahia, contribuindo decisivamente para a gradativa perda da sua importância no cenário econômico do país. Ainda examinando as peculiaridades da pobreza da Bahia, uma singularidade a destacar, no plano sociológico, é que todos os esforços mobilizados pela catequese jesuítica, objetivando ocidentalizar o negro no curso de uma escravidão cruel, não suprimiu sua cultura ancestral, conservada e transmitida de geração a geração através da história oral. Mas, até os anos 1990, pelo menos, como sequela, o fez acostumar-se com o pouco, num determinismo fatalista que o levou a aceitar pacificamente a pobreza como sendo uma condição (um destino, “uma sina”) dada por Deus e, para a consolidação deste comportamento, contribuiu de forma significativa o papel exercido pela filosofia e evangelização da Igreja Católica, secularmente posta a serviço das classes dominantes.40 O indivíduo, nesta circunstância, existe socialmente como objeto e não como sujeito, daí aceitar com naturalidade que é pobre, não lhe ocorrendo a alternativa e a possibilidade de mudar de verbo, assumindo, como uma condição passível de mudança, que está pobre. Nesta circunstância, não é demais relembrar o que disse Celso Furtado, em sua obra clássica sobre a formação econômica do Brasil, ao analisar a transição do negro de uma economia escravagista para outra de mercado: [...] o homem formado dentro deste sistema social está totalmente desaparelhado para responder aos estímulos econômicos. Quase não possuindo hábitos de vida familiar, a idéia de acumulação de 40

Este comportamento vem sendo modificado a partir dos anos 1980, graças ao surgimento de movimentos de afirmação da raça negra. No interior do Estado, através de movimentos populares como o do MST. Cabe, porém a pergunta, até onde as massas lideradas pelo MST não são semelhantes ao rebanho de Antonio Conselheiro?

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA riqueza lhe é praticamente estranha Demais, seu rudimentar desenvolvimento limita extremamente as suas “necessidades”. Sendo o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio um bem inalcançável, a elevação do seu salário acima das suas necessidades – que estão definidas pelo nível de subsistência de um escravo – determina uma forte preferência pelo ócio... Cabe tão somente lembrar que o reduzido desenvolvimento da população submetida à escravidão provocará a segregação parcial desta após a sua abolição, retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país. (FURTADO, 1959, p.167)

A manipulação colonialista do negro, com todas as suas consequências, em associação com a sua herança racial, contribuíram para que ele não se inserisse adequadamente no processo de acumulação capitalista européia ocorrido na Bahia, fazendo com que, sincreticamente, assumisse uma lógica econômica própria. A religião negra é a esfera sociocultural em que é mais evidente a compreensão ingênua ou crítica, das condições alienadas da sua vida e o ponto de partida de organização da sua consciência social. Assim, a religião, em conjunto com a magia, o folclore e a música, reteve as características africanas, mais do que a vida econômica. Tratando-se da elite dirigente e de seus aderentes, também quando se investigam as raízes do problema da perda de dinamismo e de competitividade da Bahia no século XX, não se pode desprezar outro efeito da formação humanista por esta recebida nos primórdios da colonização, fortemente influenciada pelos colégios jesuítas, que legaram o espírito bacharelesco que as dominou até, pelo menos, a segunda metade do século XX.41 Dos nove governadores que administraram a Bahia entre 1900 e 1930, oito eram advogados alguns dos quais juristas ilustres.42 Se em vez dos jesuítas tivéssemos como fundadores da cultura nacional os oratorianos, muito mais permeáveis à adoção no ensino das ciências, muito mais abertos ao iluminismo do que a escolástica, então a coisa teria sido diferente. Diferente para a sociedade brasileira e para o brasileiro enquanto cidadão. (OLIVEIRA, 2005, p.30).

A contribuição para a formação de uma classe média nada teve a ver com aquela transfusão de know-how e background familiar tra41

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Vem daí nossa resistência às atividades manuais, consideradas indignas dos “homens bons” e, consequentemente, a nossa dificuldade para o desenvolvimento de manufaturas e tecnologia. Não que isto implique preconceito contra a classe jurídica. Porém a vocação desta é mais política, faltando-lhe maior sensibilidade administrativa ou tecnológica. O único engenheiro que governou a Bahia, nos primeiros cinqüenta anos do século XX, foi Octávio Mangabeira, um governador competente apesar de ter se notabilizado como tribuno.

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Figura 5 – Oxum... Oxum - Bahia. Fonte: Verger (1982, p. 279).

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zidos pelos imigrantes japoneses, italianos, alemães etc. que vieram para as regiões Sul e Sudeste. No nosso caso, valeu o que dizia, em 1821, Rodriguez de Brito (apud ARAÚJO, 2004 p.1): Como qualquer grande cidade colonial, Salvador cumpria também o seu destino de ser uma das lixeiras dos impérios (Boxer, 1969). Aventureiros, excluídos de toda a natureza vindos do Reino, aqui buscavam fazer o seu “Brasil”, ou seja, mudar de condição social, fazendo valer apenas a brancura da pele e a condição de reinol, portanto superiores ao conjunto dos nascidos na Bahia, mesmo os mais ricos. Estes eram os grandes trunfos de uma população portuguesa em uma sociedade escravista baiana que terminariam por constituir o grande contingente de ociosos urbanos que recusava todo trabalho de negro, ou seja, todo trabalho manual que os pudessem desqualificar como superiores (grifo nosso). Esta era a mácula de sangue. Havia, igualmente, uma prática de excluir dos empregos públicos todo aquele que por si, seus pais ou avós, tivessem exercido artes mecânicas, isto é, que tivessem contribuído pelo seu trabalho para a multiplicação de riquezas. Esta era a mácula do trabalho (p. 37).

Administrativamente, na Bahia, prevaleciam as relações senhoriais, em que o poder se legitimava pelas alianças das famílias abastadas, pelo nepotismo e clientelismo, associado a um paternalismo decorrente das relações escravocratas que asseguravam, pelo domínio econômico ou da força, a fidelidade e a submissão de populações ignorantes e mantidas em um nível de pobreza extrema. Esta é a moldura que expressa o desenvolvimento de uma sociedade cujo poder fundamentava-se no prestígio e na capacidade da elite dirigente em favorecer os aliados e dependentes. A ordem jurídica institucional vigente privilegiava os detentores do poder e desestimulava qualquer iniciativa no sentido da sua alteração. Este poder baseava-se na propriedade da terra que atribuía condições determinantes das atividades econômicas aos seus possuidores, mesmo que decadentes como os barões do açúcar. Outra fonte eram as ligações familiares e a comunhão de interesses com outros poderosos, notadamente aqueles vinculados ao capital mercantil exportador e principalmente com o governo, que assegurava as condições de atendimento aos aliados, dependentes, afilhados com as benesses do poder. O quadro formado era de uma sociedade dominada por uma classe construída na terra, mediante títulos de nobreza e “patentes” da Guarda Nacional, vendidos desde os tempos de D. João VI (prática continuada no Império), em que pontificavam os “homens bons” que, por suas relações, prestígio e o apoio cúmplice da Igre91

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ja, eram capazes de proteger, assistir, assim como exigir e explorar as pessoas das classes subalternas. Durante o Império, esta oligarquia baiana foi possuidora de um largo poder baseado no prestígio e presença que mantinham junto ao Imperador. A República iria reduzir substancialmente este poder nacional, diminuindo a força dos políticos baianos, substituídos gradativamente pelos paulistas, mineiros e gaúchos, entre outros. Conservadoras, reacionárias ao novo regime e contando com menor poder de barganha e capacidade de atender seus aliados e grupos de apoio, era natural a resistência e mesmo a oposição das oligarquias locais ao governo central.43 Nessa circunstância, desenvolve-se o coronelismo no interior e registram-se, até a Revolução de Trinta, conflitos que dividem a oligarquia local em grupos políticos antagônicos. Estas disputas pelo poder, que se travaram ao longo da Primeira República, entre “gonçalvistas”, “vianistas”; “severinistas”, “marcelinistas”, “seabristas” e “ruysistas”44 revelaram-se um autêntico jogo de soma zero em que, na prática, ninguém ganhou e a Bahia perdeu muito no cenário nacional.45 Getúlio Vargas, incorporando o espírito modernizador da Revolução de 30, preteriu a todos os oligarcas baianos durante o seu longo período ditatorial, mas, nem por isto, conseguiu modernizar a Bahia. A arquitetura do poder no período da República Velha baseouse numa costura de interesses bem urdida entre o poder central e o estadual, configurando-se no chamado pacto dos governadores. Segundo Matta (2008). Desde o primeiro governo eleito, ficou claro que as articulações e disputas internas de cada Estado seriam resolvidas no plano regional. O governo federal passava a apoiar o grupo vencedor da disputa pelo poder de cada Estado, conseguindo assim a almejada estabilidade para o país. As oligarquias vencedoras conseguiam assim o prestígio que almejavam para alimentar sua articulação interna. Praticamente os Estados tinham suas situações controladas pelo governo republicano, que poderia concentrar-se no projeto de

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Somente em 1912, com a eleição de J. J. Seabra, a Bahia passa a aderir às políticas modernizadoras da República. Como eram denominados os partidários dos governadores José Gonçalves, Luis Vianna, Severino Vieira, José Marcelino, José Joaquim Seabra e Ruy Barbosa. Depois de 1930, ainda tivemos os “juracisistas” e, finalmente (?), os “carlistas”, grupos vinculados respectivamente aos governadores Juracy Magalhães e Antonio Carlos Magalhães. Quem diz isso é ninguém menos que Octávio Mangabeira, em sua primeira mensagem à Assembléia Legislativa da Bahia no ano de 1947.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA Estado Nacional. Por sua vez, os representantes dos Estados no governo federal deveriam ser fieis e estar em acordo com a política hegemônica, que não poderia deixar de ser aquela desejada pela agroindústria cafeeira e pela nascente indústria do Estado de São Paulo. Com exceção da afirmação hegemônica inequívoca dos projetos paulistas, a organização do poder não ficou muito diferente daquela existente no império, e talvez por isso, tenha logrado sucesso e estabilidade. Na Bahia as oligarquias puderam então articular-se da forma antiga. Cada grupo oligárquico se organizava em torno de um líder de maior prestígio. Segundo o estabelecido pela república velha, cada proprietário conseguia em sua região, uma base eleitoral que representava seu poder de barganha e articulação. Estas bases, os “currais eleitorais” eram verdadeiras máquinas preparadas para legitimar o poder destes senhores. Dentro de sua região de domínio os coronéis manipulavam como queriam os resultados das urnas, que ao nosso ver expressava legitimamente o poder constituído. Mesmo que a república tenha desejado criar o jogo democrático baseado na pluralidade de projetos políticos, desejos e interesses, na prática o que prevalecia era o velho clientelismo e dependência das populações, que recebiam respostas claras de punição, inclusive violenta, a cada tentativa de oposição. O oligarca era o poder. Os grupos oligárquicos, por sua vez, uniam-se através do tráfico de influências, da designação de cargos e do favorecimento na distribuição e aplicação de recursos, que em conjunto serviam para fortalecer seu prestígio ante as populações já dependentes de suas bases, o que o fortalecia ainda mais. Este jogo alimentava a dinâmica de formação das alianças e dos grupos políticos. Percebe-se também, a ausência de projetos políticos antagônicos: grosso modo os antagonismos existiam quanto a quem ocuparia os cargos. Por isso as oposições eram de cunho pessoal, críticas sobre a habilidade, caráter, capacidade das autoridades ou políticos. De nada ou muito pouco interessavam os projetos de desenvolvimento regional ou de outro tipo, e nem havia divergência, quanto à realização de algum plano político ou de Estado mais arrojado. Com uma economia basicamente agroexportadora ou de subsistência, politicamente baseada na propriedade das terras e alianças entre poderosos, e ainda convivendo com um ambiente social organizado segundo uma clientela dedicada e dependente dos grandes proprietários, o Estado da Bahia estava distante da modernidade e da organicidade econômica tão pregados pelos discursos republicanos (grifo nosso).

É realmente impressionante a intensidade do conflito que envolveu as lideranças baianas até os anos 1930. Toda uma considerável energia e capacidade política, que poderiam convergir para beneficiar o Estado mediante projetos que promovessem seu desenvolvimento, foram desperdiçadas em disputas movidas por interesses pessoais, ciúmes, vinganças políticas, intrigas, conspirações e outras atitudes negativas que, vistas de hoje, desmerecem vultos 93

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históricos como Ruy Barbosa, Luis Viana, Severino Vieira, José Marcelino, Araújo Pinho, J. J. Seabra e Antonio Moniz de Aragão. O governo federal, que frequentemente se envolvia nas querelas provinciais, também teve sua parcela de responsabilidade: por exemplo, o presidente Hermes da Fonseca mandou bombardear Salvador e Epitácio Pessoa firmou acordo irresponsável com os “coronéis jagunços” em 1920, ignorando radicalmente o governo estadual, como se verá nos capítulos seguintes. A este respeito, em 11 de janeiro de 1912, em editorial na sua primeira página, intitulado Lagrimas de Sangue, escrevia o Diário de Notícias: [...] A política, nesta boa terra, bradamos todos os dias, nós os prejudicados, tem sido a causadora de todos os nossos males, de todas as nossas queixas, de todas as nossas amarguras, de todas as nossas grandes infelicidades, passadas, presentes, e, talvez, futuras. O egoísmo criminoso de muitos, não querendo respeitar a soberania popular; a ambição natural, embora ilimitada de outros; a falta de patriotismo, por falta de comprehensão das coisas; a teimosia, a vaidade dos nossos homens públicos, arrastaram a Bahia, digna de ser um dos estados que marcham na vanguarda victoriosa da Federação Brazileira, á triste condição que o seu povo chora actualmente, com lagrimas de sangue...

O enigma baiano prova-se assim uma falácia porque nada poderia existir de enigmático num quadro bastante claro de perda de espaço econômico e político determinado no correr dos séculos XVIII e XIX e agravado nos primórdios do século XX pela ausência de uma política desenvolvimentista que congregasse a classe dirigente baiana.

2.3 A ECONOMIA BAIANA NAS FALAS DOS SEUS GOVERNADORES Conforme mostra o quadro 2, nos primeiros cinquenta anos do século XX, a Bahia foi administrada por vinte e sete governadores, entre titulares, interinos e interventores46. O quadro 3 relaciona-os de acordo com os períodos marcantes da história brasileira, ou seja, a Primeira República, também cha46

Até a metade do século XX Salvador foi administrada por 36 intendentes/prefeitos. Até o ano 2000 este número ascende a 60.

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Quadro 2 – Governadores e interventores da Bahia - 1889-1950

Fonte: Elaboração pelo autor, seguindo a CARTILHA (1981).

Quadro 3 – Convergências de mandatos: presidentes x governadores

Fonte: Elaboração do autor, seguindo CARTILHA (1981) Nota: (*) Ver quadro anterior.

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mada de República Velha, o período Vargas, aí compreendendo o Estado Novo e a redemocratização, a partir da Constituição de 1946. Ironicamente, a política econômica da Primeira República, em seus anos iniciais (1889/1891), foi conduzida pelo baiano Ruy Barbosa47 cuja gestão tornou-se objeto de controvérsias pelo episódio que ficou conhecido em nossa história como o “encilhamento”48. Ruy Barbosa era contrário às políticas econômicas protecionistas, classificando-as de “preconceito mercantilista do século 18 a refletir-se no século 19”. A despeito desta posição, teve de renderse à realidade dos fatos. Segundo Luz (1961, p.64, apud AGUIAR, 1973, p.179): O Governo Provisório da Republica, impressionado com o grande desenvolvimento econômico da Alemanha e dos Estados Unidos, simultâneo com a intensificação do protecionismo nesses paises, adotou uma política também nitidamente protecionista, preocupando-se, ao mesmo tempo, em criar novas fontes de receita no interior do país, a fim de diminuir a dependência em que se encontrava o Tesouro, dos impostos de importação. Com esse espírito decretou-se em 1890, a tarifa Ruy Barbosa, que elevou para 60% os direitos alfandegários sobre cerca de 300 artigos estrangeiros que competiam com os similares nacionais, notadamente os artigos têxteis e de alimentação, enquanto reduziu aqueles que incidiam sobre as matérias-primas empregadas na produção nacional (grifo nosso).

Ao exercer um cargo eminentemente de financistas, dedicouse, logo no início do seu período de 14 meses no governo, à elaboração da primeira Constituição republicana da qual foi o seu principal redator. Nelson Werneck Sodré resumiu as contribuições do ministro Ruy Barbosa da seguinte forma: A tarefa reformadora de Ruy Barbosa abrange grande variedade de iniciativas, afetando a estatística, o montepio do funcionalismo, o Tribunal de Contas, o crédito hipotecário, a reforma tributária, o crédito à lavoura e indústria, a legislação de sociedades anônimas, o problema das emissões. Todas essas iniciativas, porém, obedecem a uma razão coerente, ao sentido renovador, à necessidade de possibilitar o desenvolvimento das forças produtivas, até aí entravadas por um aparelho de Estado obsoleto e por um sistema econômico e financeiro retrógrado (SODRE, 1967, p.300)

Tendo encontrado um Tesouro falido e uma base monetária insuficiente para a demanda de moeda oriunda das transforma47

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Figura mitológica para os baianos, pela sua vasta cultura e renomado saber jurídico. Nunca pôde realizar o seu sonho de governar a Bahia, porém constituiu um vulto que influenciou profundamente a política estadual, contribuindo em muito para entravá-la até a sua morte, em 1923. Gíria carioca que se referia ao local do hipódromo onde ficam os cavalos.

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ções por que passava a economia nacional, o ministro não desistia dos seus propósitos da promoção do desenvolvimento mediante o fomento à industrialização e à expansão dos negócios, sobretudo através do incentivo à criação de sociedades anônimas. Entre 1889 e 1892 ocorre o fenômeno muito conhecido mas pouco estudado que se convencionou chamar encilhamento. Alguns dados nos permitirão verificar as suas exatas dimensões. Comecemos pêlos que dizem respeito ao meio circulante. A pressão para o seu aumento provinha principalmente da transformação no sistema de trabalho. A abolição do trabalho escravo demandava um acréscimo da ordem de 50.000 contos, num total de 200.000 da circulação da época, para remunerar a mão-de-obra. A pressão inflacionária estava devidamente estimulada, com as características iniciais. Ë que a abolição do trabalho escravo, nas zonas em que a passagem ao trabalho assalariado era possível, — e entre elas estava a do café, — provocava, efetivamente, uma redistribuição da renda em favor da mão-deobra. Ora, os mecanismos que, ao fim do século, surgem na estrutura económica, quando a situação em face aos mercados exteriores começa a oferecer perigos, fundavam-se na necessidade, precisamente, de, diante de um novo quadro, manter a concentração da renda. Tais mecanismos, agora muito mais complexos, não podiam mais operar, entretanto, com a impunidade antiga. Não podiam operar assim porque se haviam gerado no interior interesses diversos, que se contrapunham aos dos exportadores de alimentícios e matériasprimas, e, mais do que isso, que tinham a força, agora, de resistir à pressão daqueles mecanismos. Desde que relações capitalistas de produção são introduzidas progressivamente no país e alargam sua área de aplicação, o meio circulante recebe novos estímulos: a circulação cresce dos 206.000 contos de réis, de 1889, para 561.000 em 1891, isto é, quase triplica. O capital das sociedades por ações ascende de 800.000 contos de réis, em 1889, para os 3.000.000 de 1891. É o fenômeno que se conhece por encilhamento, visto em termos monetários, com o seu singular cortejo de ilusões, — as dos que supunham o Brasil muito menos colonial do que realmente era, — e a sequência inevitável de desastres. (SODRÉ, 1963, p.301).

O resultado das emissões, porém, foi um desastre. Em vez de financiar a industrialização, gerou um dos maiores surtos inflacionários do país e também desenfreada especulação financeira na Bolsa de Valores, pois o dinheiro fora desviado de seu propósito inicial para toda a sorte de negócios, muitos deles fictícios. Fortunas surgiram da noite para o dia, enquanto a economia brasileira sofreu violento colapso. A grande euforia industrial-financeira só terminou com o corte da emissão de moeda, muito desvalorizada, o que gerou uma grave crise econômica e contribuiu para o isolamento político de Deodoro da Fonseca. Em 20 de janeiro de 1891, o primeiro ministro da Fazenda do Brasil deixou o cargo. E o presidente renunciou em 23 de novembro do mesmo ano, sob iminente 97

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ameaça de deposição pelos republicanos, representados pelo vicepresidente Marechal Floriano Peixoto, que assumiu “naturalmente” a presidência. Analisando as consequências da política econômica do primeiro governo republicano, observa Sodré: As composições de forças oriundas de etapas de luta, nas condições que o Brasil apresentava ao aproximar-se o fim do século XIX, dificilmente resistem à prova do poder. Aquela que possibilitou a mudança do regime durou apenas o tempo necessário para realizar a sua tarefa específica. Como executantes da tarefa, os militares detiveram as rédeas, num primeiro e conturbado período. Não tinham condições para aprofundar as transformações necessárias, com o poder partilhado. A luta interna surgiu na vigência do próprio Governo Provisório, ao comando de Diodoro da Fonseca. A substituição de Rui Barbosa na pasta da Fazenda foi um sinal evidente do movimento para alijar a representação da classe média. O aparecimento no palco, sem nenhum constrangimento, de velhos titulares da monarquia indicava que não havia nenhuma incompatibilidade profunda entre esses velhos quadros, e o que representavam, com a nova ordem política. A classe senhorial recompunha apressadamente as suas fileiras divididas no episódio da mudança do regime. A presença militar impede, por algum tempo ainda, que a recomposição se efetive. Com a dissolução do Congresso, Diodoro provoca a ascensão de Floriano Peixoto ao poder. O florianismo é a representação típica de classe média, com a coloração militar a vincála. É a forma com que tal classe luta, após a mudança do regime, para resistir ao restabelecimento de uma situação condenada. Os choques serão, por isso mesmo, violentos; as manifestações da opinião, apaixonadas. Sob os seus aspectos superficiais, razões profundas movem as correntes e pontilham os episódios. É a crise da República. A fase de mudança do regime, e a própria mudança, surgem em consequência de alterações estruturais na economia brasileira: são tais alterações que, em pressão final, rompem o equilíbrio e arruinam a monarquia. (Estão presentes na crise a que o novo regime é submetido, desde logo. [...] E tudo isso se refletiria, finalmente, nas perturbações da ordem que ocorrem entre 1893 e 1895, por vezes de proporções inqüietantes. O declínio cambial é também um índice interessante: a taxa cai de 27 d, em 1889, para uma variação entre 16 e 10 d, em 1892, e para 6 d, em 1898, já depois da crise política, mas ainda no âmbito da crise económica. Quando se verifica que a população bra-sileira precisava, para fins elementares, de vestuário, alimento, utensílios, que só os fornecimentos externos proporcionavam, é fácil estimar os efeitos daquele declínio na massa de consumidores, cujo poder aquisitivo decaía muito depressa. “A grande depreciação cambial do último decénio do século, — assinala um economista, — provocada principalmente pela expansão creditícia imoderada do primeiro

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA governo provisório, criou forte pressão sobre as classes assalariadas, particularmente nas zonas urbanas (grifo nosso). Essa pressão não é alheia à intranquilidade social e política que se observa nessa época, caracterizada por levantes militares e brotes revolucionários, dos quais o país se havia desabituado no correr do meio século anterior”. A causa estava na estrutura econômica, em fase de adaptação a um quadro novo, quando se geravam e cresciam resistências ponderáveis à concentração da renda. Os elementos ligados à exportação, isto é, a classe dominante, representada peia fração ascensional, enfrentaria agora resistências continuadas e necessitaria, para enfrentá-las, gerar mecanismos económicos e políticos capazes de lhe assegurar o domínio. Ás resistências não provinham apenas da classe média, que pagava as importações, mas ainda de setores da classe dominante, excluídos da exportação e voltados para o mercado interno. A adaptação de uma estrutura colonial a uma estrutura externa de capitalismo em fase imperialista só poderia ser desenvolvida por uma sobrecarga atirada ao consumidor, às classes dependentes, àquela que fornecia o trabalho e à classe média. As populações mais prejudicadas eram, necessariamente, as urbanas. Vivendo de ordenados e de salários e consumindo uma parcela apreciável das importações, era minada em seu padrão de vida pelas alterações da taxa cambial, justamente onde ope-rava mais fortemente o mecanismo de concentração da renda que beneficiava os exportadores. (1967, p. 300/302)

Não foram somente econômicas as consequências do encilhamento. Como uma espécie de compensação pelas agruras que adviriam do saneamento financeiro do país, no governo Campos Sales (1898 – 1902), surgiu a “política dos governadores”, que consistia numa barganha na qual o amplo apoio e prestígio concedido pelo governo federal aos senadores e deputados correligionários dos governadores dos estados seriam retribuídos pelo apoio desses governadores à execução da política geral do país49. Reduzia-se, assim, a importância dos partidos e, simultaneamente, consolidavam-se as oligarquias regionais. Esta é a época do voto de cabresto, viabilizado nos “currais eleitorais”. A consequência direta da política dos governadores foi a formação de oligarquias estaduais que, tomando posse das administrações, realizariam doravante eleições repletas de fraudes e sufocariam drasticamente as tentativas de rebeldia contra o sistema estabelecido. A fiscalização das eleições era exercida pela Comissão de Verificação dos Poderes, formada por cinco deputados, normalmente indicados entre aliados do gover49

Também denominado de “pacto dos governadores”, este sistema beneficiava os estados mais fortes da Federação, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul e enfraquecia substancialmente o Estado da Bahia, que não possuía cacife militar ou econômico para inserir-se entre aqueles mais poderosos.

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no, o que impedia a vitória de qualquer oposição Estas eram as chamadas “eleições a bico-de-pena”, uma vez que a Comissão fraudava qualquer resultado favorável à oposição. Esta fraude eleitoral era conhecida como “degola”. É neste contexto que vão operar todos os governadores da Bahia até, pelo menos, a Revolução de 1930. As falas que são reproduzidas a seguir contêm muita retórica e declarações de intenções, quando não queixas e lamúrias pela permanente crise financeira do Estado, do que fatos concretos em termos de realizações. São, porém, um registro interessante da cena histórica e do pensamento da elite política baiana no período. Também constituem lições de economia política e muita sabedoria dos nossos velhos antepassados que bem ou mal pensaram e se preocuparam com a Bahia, até mesmo por um dever do ofício. 2.3.1 Luis Viana50 Segundo governador da Bahia eleito pelo voto popular51 e o primeiro do século XX. Governou a Bahia no período de 28/05/1896 a 28/05/1900. Em seu período de gestão o político de maior prestígio político na Bahia era Ruy Barbosa, de quem, por sinal, era correligionário.52 Luiz Viana teve o seu governo marcado pela Guerra de Canudos (1896/1897), um trágico massacre de sertanejos com idéias libertárias pelas tropas da República brasileira a serviço das classes dominantes. A seca, uma catástrofe natural, também perseguiu a administração de Luiz Viana, sendo responsável por movimentos migratórios atraídos para o sul do Estado onde começava a se expandir a cultura do cacau. Segundo o governador: A zona do sul prospéra sob um regimem de paz, e para ella vae afluindo a corrente immigratoria de nacionaes, levados pela fertili50 51

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Luiz Viana foi advogado, juiz, deputado provincial, desembargador e senador estadual. O primeiro governador eleito pelo voto popular foi Joaquim M. Rodrigues Lima, (28/ 05/1892 a 27/051896). Observe-se, porém, que o processo eleitoral carecia de legitimidade em um estado onde a maioria da população era analfabeta. Segundo Nicolau (1999) As eleições deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma forma de legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas de uma maneira muito mais intensa do que no Império. Dessa época vêm as famosas eleições a bico de pena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo quantas pessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que compareciam. Prevalecia o famoso “ voto de cabresto” nos “currais eleitorais” controlados pelas oligarquias estaduais. Salvador foi administrada por José Eduardo Freire de Carvalho Filho que permaneceu como intendente no período de 1900 (janeiro) a 1903 (dezembro).

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA dade do solo e pelas agruras da estação estiosa que esterilisou as plantações, tornando inhabitaveis, por algum tempo, os logares onde residiam esses immigrantes.

Falando da economia estadual destaca em sua Mensagem de 7 de abril de 1900 que: [...] o movimento agrícola e industrial do Estado, se não se avantajava, como era para desejar, tinha comtudo, incremento animador, quer por parte dos poderes públicos, quer pela iniciativa individual. De todos os productos agrícolas que formam a riqueza do Estado, o que mais tem se desenvolvido nestes dois últimos annos (1898/1899) é a canna de assucar, devido a multiplicidade de usinas existentes e em construcção na zona denominada do recôncavo, cujas terras são tão apropriadas á cultura desta gramminea.

Refere-se em seguida à intervenção efetuada pelo governo estadual, objetivando amparar a cultura açucareira mediante a construção de usinas que seriam exploradas por concessionários: “Das seis fabricas de assucar cujo contracto foi o Governo autorisado a fazer nos termos da Lei n. 255 de 4 de agosto de 1898, contratei, por emquanto tres, uma das quaes está funccionando, e fabricando excellente producto”[...] Destaca as realizações em sua região natal, o São Francisco, relatando que: [...] outrora estava aquella artéria fluvial, de mais de 1.300 kilometros navegaveis no tronco e cerca de 800 nos afluentes, com população talvez de um milhão de habitantes (um número exagerado pelo Governador) reduzida a uma viagem a vapor mensalmente. Hoje partem da cidade de Joazeiro seis vapores mensaes, e os depósitos da Empreza (Viação do Brasil) ficam tão sobrecarregados de mercadorias que ella cogita em augmentar o numero de viagens.

Luiz Viana tentou incentivar a vinda de imigrantes estrangeiros para a Bahia, construindo uma parte do ramal ferroviário do que posteriormente viria a ser a Estrada de Ferro de Nazaré, ligando São Miguel das Matas a Amargosa. Mas a imigração não logrou êxito na Bahia. Segundo Tavares (2001, p. 359) “no período considerado da maior imigração para o Brasil, 1916 – 1930, só entraram na Bahia 2.172 imigrantes”. Não foi por falta de esforços do governo. Nas palavras de Luiz Viana em sua mensagem de 1900: Tentei, como vos disse, com a máxima cautela o serviço de immigração. Prepararam-se accomodações convenientes, e mandei vir repetidas levas de immigrantes agricultores, artistas, jardineiros e para o serviço de criadagem. O anno de 1898 passou-se inteiro nesta experiência que custou centenas de contos de réis ao Estado. Mal localisava-se o imnigrante, feita a importância indispensavel para comprar uma passa-

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gem para o Rio ou Santos, abandonava o Estado e para ali se dirigia, parecendo que ao deixarem a patria tinham a ideia preconcebida de se transportarem áquelles logares. De uma leva de 400 que aqui aportaram e foram recebidos na Hospedaria de Immigrantes, teve o governo conhecimento de que mais de duzentos fizeram seguir logos sua bagagens para o Rio e Santos, desembarcando tão somente afim de fazerem jus á passagem que haviam tido para o nosso porto. Este facto e outros fizeram-me suspender a immigração subvencionada, parecendo-me preferível offerecer-lhes lotes de terra em logares apropriados, sob a condição de ahi se fixarem, não podendo alienal-os sinão depois da primeira succesão. A corrente immigratória está estabelecida para os Estados do sul, onde a amenidade do clima é attrahente. Emquanto, pois, o immigrante encontrar facilidade de viver bem ali, devemos perder a esperança de encarreirar a immigração estrangeira para o nosso Estado, onde ainda não tem ligação de espécie alguma. (1900, p.15)

O governador refere-se às dificuldades das comunicações no Estado, dependentes, à época, da construção de ferrovias cuja expansão era dificultada pela falta de recursos e outros entraves institucionais envolvendo o governo central. Reclama “da necessidade de uma Lei que tenda a incrementar a indústria de mineração”. Argumenta que os capitais que poderiam ser atraídos na exploração desses minerais (notadamente os externos) “afugentam-se com a ausencia de garantias effectivas”. É, também, enfática a sua preocupação com o povoamento do estado. Argumentava que “incrementar a industria mineralógica tão abundante no Estado, é, não só desenvolver mais uma fonte de riqueza pública, como attrahir bons elementos de immigração expontanea”. A despeito de ser um equívoco que a experiência internacional comprova, o governador, à época, justificava seu argumento explicando que “os factos demonstram que nos logares de sedes de companhias mineralógicas depois de annos, mesmo dissolvidas estas pela extincção das jazidas, ficam os núcleos coloniaes que começam então a desenvolver-se, dedicando-se a outros misteres.” No plano financeiro, o governador inaugura a ladainha de queixas que será a constante nos governos que o sucederão. Quedas nas arrecadações dos impostos e, consequentemente, na receita ordinária que no último ano integral da sua administração, 1899, foi de 10.964:767$139 contra 14.844:704$692 no ano anterior, representando uma redução nominal de 26%. A dívida consolidada externa totalizava 17.205.000 de francos franceses, correspondendo, em moeda nacional, ao câmbio de 27 por mil réis, a 6.973:365$000, ou seja, 64% do montante da arrecadação estadual. 102

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2.3.2 Severino Vieira53 Governou a Bahia entre 1900 e 1904. Exerceu seu mandato em um período de saneamento financeiro do país promovido a nível federal pelo presidente Campos Sales o que, evidentemente, restringia de forma drástica a capacidade de investimentos do Estado, mesmo com financiamentos externos.54 Campos Sales assinou um acordo na modalidade funding loan com os credores externos do Brasil. Para que a rolagem da dívida fosse efetivada, exigiram os credores que as finanças públicas fossem reorganizadas. Na execução de seu programa financeiro contou Campos Sales com o ministro Joaquim Murtinho. Foram feitos cortes nos gastos públicos, inclusive suspendendo algumas obras, aumentaram-se alguns impostos, desvalorizou-se o câmbio, restringiu-se o crédito e houve “enxugamento monetário”, chegando o dinheiro a ser queimado. Tais medidas provocaram queixas amargas e acusações de que se estava retardando o progresso do país. Realmente, tal fato pôde ser constatado posteriormente, com o agravante de que capitais estrangeiros haviam passado a controlar grande parte da economia nacional. Houve desemprego e recessão. O governador baiano, como bom representante das classes conservadoras e do capital agrário exportador e mercantil baiano, assumia também uma posição contrária à política industrialista adotada por Ruy Barbosa, de quem foi adversário político. Em sua mensagem à Assembleia Legislativa, datada de 11 de abril de 1901, investia o contra a emissão de papel-moeda, considerando-a uma desgraça para o país. Conclue-se, portanto, que os embaraços, que mais poderosamente têm obstado todo o esforço da administração em alcançar a normalidade das finanças do Estado, têm por causas originaes a depreciação dos nossos productos nos mercados consumidores e sua desvalorização em conseqüência da elevação da taxa cambial ...No momento actual, os paizes do velho mundo, a América do Norte e até algumas Repúblicas sul-americanas, como a Argentina e o Chile, dispondo de uma apparelhagem industrial moderna e versados na prática dos methodos scientificos de trabalho (grifo nosso), proporcionam as suas classes productoras meios de concurren53

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Severino Vieira (8/6/1849 - 23/9/1917) era formado em Direito. Foi jornalista, promotor público juiz municipal ,deputado provincial, ministro da Indústria,Viação e Obras Públicas e senador da República. Foram intendentes da cidade do Salvador no governo de Severino Vieira, José Eduardo Freire de Carvalho Filho até dezembro de 1903 e Antonio Vitório de Araújo Bulcão no período de 1904 (janeiro) a 1905 (dezembro).

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cia que supplantam nos mercados consumidores a producção de povos, como nós, ainda em estado rudimentar, desprovidos d’aquelles recursos e de homens habilitados por conveniente instrucção profissional. (BAHIA, VIEIRA, 1901, p.32).

No início da sua administração, em 1900, Severino Vieira criticava a industrialização, considerando-a impraticável, e alinhandose com os conservadores que defendiam a concentração dos esforços públicos no fomento à agricultura, notadamente aquela voltada para a exportação. Porém, em 1903, no final do governo provavelmente sensível à reação da opinião pública contrária aos elevados preços dos bens de consumo imediato, passa a defender a industrialização. Demonstrando clarividência, defende o governador uma política de instrução e a formação de escolas profissionais objetivando dotar o Estado de condições competitivas. Buscando justificar o baixo volume de obras públicas na sua administração, Severino Vieira, em sua mensagem, demonstra que em todos os anos de uma série compreendida entre 1896 e 1902 apresentou o Estado uma posição deficitária na execução do seu orçamento e informa que, sendo a importância arrecadada em todo o exercício apenas de 10.417:124$664, apura-se no exercício de 1903 um déficit de 1.533:728$046, observando que “para este resultado, que é desanimador, contribuem poderosamente os déficits de exercícios anteriores que, não tendo podido ser liquidados por falta de recursos, vão pesando desmedidamente sobre os exercícios seguintes.” Esta situação financeira, como se verá nas páginas seguintes, permanecerá nas administrações posteriores. A capacidade de investimentos do Estado é condicionada pela sua capacidade de exportar e produzir superávits na sua balança comercial (interna e externa) Isso não ocorrendo resta o recurso aos financiamentos externos que passam a cobrir os déficits, a amortização de juros sobre juros de débitos acumulados ao longo do tempo, pouco restando para a formação bruta de capital fixo imprescindível ao crescimento da economia estadual. Registre-se que neste governo foi criado, pela Lei n° 474 de 5 de setembro de 1902, o Banco de Crédito da Lavoura da Bahia, primeiro instituto de crédito estadual, dedicado ao fomento das atividades agrícolas.

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Tabela 7 - Balança comercial da Bahia (comércio exterior) - 1901-1930

Fonte: ANUÁRIO estatístico da Bahia, 1923 – 1935. Bahia, Diretora do Serviço de Estatísticas do Estado apud Bahia - Fundação de Pesquisas – CPE, 105 anos de economia baiana: estatísticas básicas - 1872 – 1976. Salvador: mimeo. 1979. Nota: t = toneladas (*) Valores em 1.000 libras esterlinas

2.3.3 José Marcelino de Souza55 Foi o nono governador da Bahia na República Velha e o quarto eleito pelo voto direto. Administrou a Bahia no período de 25/5/1904 a 28/5/1908.56 Sua gestão foi marcada pelo conflito com o Poder Judiciário, após a desobediência de seu chefe de Polícia, 55

José Marcelino de Souza (1848 – 1917) era bacharel em Direito, exerceu as funções de promotor público e juiz de direito tendo sido senador estadual e da República.

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Em sua gestão Salvador foi administrada por cinco intendentes: Antonio Victório de Araújo Falcão (jan.1904 – dez. 1905); Alfredo Ferreira de Barros (Interino, 17 a 25.12.1905); Leopoldino Antonio de Freitas Tantú (Interino, dezembro de 1905 a março de 1906) Antonio Victório de Araújo Falcão (abril de 1906 a dezembro de 1907) e Antonio Carneiro da Rocha (janeiro de 1908 a fevereiro de 1912).

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Aurelino Leal, em cumprir um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça. Deu grande importância aos meios de transporte, tendo ampliado em 78 km as vias férreas e estadualizado a Estrada de Ferro de Nazaré. Comprou a companhia Navegação Baiana, ameaçada de cessar suas atividades. Desenvolveu a navegação fluvial. Recebeu o Estado praticamente falido, tendo que contrair um empréstimo da ordem de um milhão de libras esterlinas junto ao London and Brazilian Bank, conseguindo, com isso, rolar a dívida flutuante, quitar a folha dos funcionários, então com oito meses de atraso e ainda realizar alguns investimentos nas ferrovias do Estado. Não foi fácil para o governador57 conseguir o empréstimo pretendido. Os banqueiros europeus estavam preocupados e arredios com o Brasil, de modo geral, dada a inadimplência tanto da União como dos Estados. A primeira tentativa junto aos banqueiros franceses (Banque de Paris et Pays Bas) fracassou, somente conseguindo-se sucesso junto aos banqueiros ingleses, porém a uma taxa bastante elevada. Basta observar que, para um milhão de libras esterlinas, o valor líquido recebido foi de oitocentas mil libras (typ de 80 ½ líquido, juros de 5% a.a. e amortização de ½ %). O empréstimo obtido foi calculado para pagamento em 5058 parcelas anuais do principal, acrescidas de juros e comissões, sendo programado o pagamento da última parcela para o ano de 1954. Pela estimativa na época, isto correspondia a uma anuidade de 55.560,000 de libras esterlinas, sendo o montante da dívida igual a 2.730.443,672 de libras esterlinas. Segundo o governador: A crise econômica, que nos aflige desde algum tempo, ainda perdura, se bem que um pouco atenuada. Devido mais à nossa inferioridade industrial do que a causas naturaes e aos phenomenos do commercio, aggravou-se sobremodo com seccas freqüentes e prolongadas, que, felizmente cessando no meiado de 1904, deram lugar a que melhorasse por este lado a nossa situação. A sua causa principal, porém, subsiste: e só com muito esforço de propaganda, de ensino e de demonstrações praticas, a fatal rotina poderá ceder passo ao trabalho intelligente e aperfeiçoado, quer no campo, quer nas fabricas, no tratamento e beneficiamento dos nossos productos agrícolas.(BAHIA,JOSÉ MARCELINO, 1905, p.30).

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José Marcelino contou com o apoio de Severino Vieira (seu antecessor no cargo) que, sem custos para o Estado, representou a Bahia em Londres nas operações de fechamento do financiamento. A rigor, segundo José Marcelino, o prazo de pagamento foi de 49 anos, 51 dias e 7 décimos (sic).

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Da mesma forma que o seu antecessor, José Marcelino ressalta a necessidade de elevação da produtividade e da qualidade dos produtos baianos como forma de aumentar sua competitividade. Em sua mensagem, ele registra que os produtos principais da Bahia (fumo, cacau e café) sempre tiveram cotações inferiores frente às dos seus concorrentes no mercado internacional. Em sua opinião: [...] para sahirmos dos grandes embaraços econômicos [...] é indispensável um conjunto de providências: o ensino profissional que prepare bons operários, feitores e administradores [...]; viação férrea e de rodagem, fluvial e marítima... e finalmente o crédito sob a forma cooperativa e syndicatária, para auxiliar o capital empregado (BAHIA, JOSÉ MARCELINO, 1905 p.31).

Comentando o superávit da balança comercial, que foi constante em seu período (ver Tabela 6), com uma visão de economista, afirma o governador: [...] se d’aquelle bonito saldo a nosso favor, porém, deduzirmos as grandes quantias remettidas, annualmente, para a Europa, a título de renda e de amortização dos capitaes estrangeiros aqui collocados, e para os touristes59, quantias estas que é impossível calcular, exactamente, mas que não será temerário estimarem-se em cerca de 5 a 6 mil contos, fica do dito saldo reduzido a muito pouco (grifo nosso). Para um Estado rico e novo como o nosso, é pouco lisonjeira esta situação econômica” (BAHIA, JOSÉ MARCELINO, 1905, p.31).

Na administração de José Marcelino, possuía o Estado 1 327,838 km de ferrovias em pleno funcionamento. Atualmente, o sistema ferroviário do Estado praticamente desapareceu. As nove estradas em operação produziram, em 1904, uma receita de 4.364:240$988 e uma despesa de 3.791:648$160, resultando, portanto, em um lucro da ordem de 715:916$307. A Tram-Road de Nazaré (Nazaré/Santo Antonio de Jesus) foi a ferrovia mais lucrativa, apresentando um superávit de 322:397$471, ou seja, 47,13% do lucro total do sistema. Na construção deste resultado positivo, destacam-se ainda a Estrada de Ferro Central da Bahia, com superávit de 209:265$704 (29,23%), a Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco, com superávit de 107:306$192 (14,99%) a Estrada de Ferro Bahia e Minas, com superávit de 37:216$280 (5,20%), a Estrada de Ferro do São Francisco, com superávit de 26:924$501 (3,80%), o Ramal de São Miguel das Matas a Areia (atual Ubaíra), com superávit de 12:806$216(1,79%). As estradas de ferro de Santo Amaro, Centro-Oeste e o Ramal do Timbó foram deficitárias. 59

O governador, àquela época, utiliza este conceito e suas repercussões no balanço de pagamentos, utilizando ironicamente o termo em francês relativo aos turistas. Ou seja, estrangeiros sem compromissos permanentes para com o país.

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Tabela 8 - Estradas de ferro da Bahia em tráfego (extensão, bitola e custo) - janeiro de 1905

Fonte: Mensagem encaminhada a Assembleia Legislativa da Bahia, em 1905, pelo governador José Marcelino de Souza Nota: (F) Estrada de Ferro Federal. (E) Estrada de Ferro Estadual

O sistema ferroviário até então construído obedecia a uma lógica de escoamento da produção do interior do Estado para a Capital, sistema este que a partir da década de 1930 foi gradativamente substituído pela estradas de rodagem. Ainda com relação ao sistema ferroviário, observa José Marcelino, em sua Mensagem, sua pequena contribuição para a economia estadual: A viação férrea do Estado pela sua extensão em trafego que já é de 1.327 kilometros, podia prestar reais e valiosos serviços ao nosso progresso, se suas tarifas fossem tão rasoaveis, que animassem o desenvolvimento da cultura dos productos econômicos, dos cereaes e legumes, da industria pastoril e de extracção nas vastas regiões do Estado... Com tarifas altas e até prohibitivas, porém, poucos serviços têm relativamente prestado (grifo nosso).

O governador informa que 73% das ferrovias do Estado pertencem ao governo federal, que insiste nas tarifas elevadas como forma de recuperar o capital investido. Discordando dessa posição, propõe a unificação das estradas e a redução das tarifas como uma forma de, obtendo escala, aumentar o volume dos negócios com rentabilidade econômica e benefícios sociais. Quanto à viação fluvial e costeira, critica o governador a concorrência predatória das duas empresas que exploram o transporte marítimo entre Salvador e Ilhéus/Canavieiras e informa as providências que adotou para incrementar o transporte no rio São Francisco. O governador relata também as providências adotadas para a implantação da viticultura em Juazeiro, com o início da irrigação na área experimental onde foram plantadas dez mil cepas. 108

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Registra, ainda no ano de 1906, a criação do Instituto Agrícola que passou a funcionar sob a direção de um técnico (Dr. L. Zehntner), contratado em Java pelo Dr. Miguel Calmon. Na área da energia, informa a realização de três concessões para “aproveitamento das forças hydraulicas”. A primeira, nas cachoeiras do rio Jaguaripe, no município de Nazaré, cuja energia aproveitável é, aproximadamente, de 2 mil CV; a segunda, nas cachoeiras do Macela e da Gameleira, no rio Paraguaçu, situadas nos municípios de Cachoeira e São Félix, com previsão de aproveitamento de aproximadamente 8 mil CV. Essas duas primeiras concessões foram dadas à empresa Guinle & Cia. A terceira concessão, ao engenheiro Horácio E. Williams, foi para aproveitamento das cachoeiras do rio Jiquiriçá, nos municípios de Valença e Jaguaripe, com energia aproveitável de 2 mil CV. Ou seja, um total de 12 mil CV. Nessa gestão, também foi criado o Banco de Crédito da Lavoura com um capital de cinco mil contos, cabendo ao Estado a subscrição de 80% do capital. A situação financeira do Estado foi precária ao longo de todo o mandato de José Marcelino, apresentando déficits sempre cobertos por empréstimos e pela rolagem da dívida. A Tabela 9 seguinte demonstra esta situação. Ao fechar o balanço da sua administração, José Marcelino passava para o seu sucessor um saldo devedor de 4.154:310$497, não considerando, neste total, os vencimentos futuros das dividas interna e externa que vinham sendo rolados governo a governo.

Tabela 9 - Execução orçamentária do governo da Bahia - 1904-1907

Fonte: Mensagem do Governador José Marcelino a Assembléia Legislativa da Bahia, 1906/ 1908. Arquivo Público do Estado da Bahia.

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2.3.4 João Ferreira de Araújo Pinho60 Governou a Bahia no período de 28/5/1908 a 22/12/1911, quando renunciou ao mandato numa manobra política objetivando a derrota dos seus adversários.61 Em sua primeira mensagem à Assembleia Legislativa, como de praxe, Araújo Pinho faz uma análise da situação econômica do estado, na qual se destacam os seguintes aspectos: inicialmente observa que “extincto o elemento servil, sem providencias parallelas desorganizou-se, em geral, o trabalho, tornando-se instável e deficiente”, comenta que a escravidão “como uma fatalidade útil engendrou o preconceito, que ficou tradicional,” de serem os trabalhos manuais indignos para os cidadãos, criando a grave distorção que nos levava à “mania dos empregos públicos convertidos em fallaz miragem, perseguida por concorrência apressurada”. Isto “nos qualificou paiz de doutores quando ainda é lamentavelmente considerável a cifra de analphabetos. Verdade é que necessitamos ser um paiz de homens doutos em suas profissões”, para em seguida defender “a instrucção profissional e technica do povo” como o instrumento para a prosperidade e o progresso (grifos nossos). Afirma que “a agricultura, a indústria e o commércio, já não podem ser tarefas de empíricos [...] à educação econômica, ao ensino profissional está reservada a missão de operarem uma revolução bemfaseja nas várias manifestações do trabalho nacional.” Defende a colonização, desde que com o apoio da União, afirmando que “as nossas condições não nos permittem a preocupação de raça e procedência [...] os imigrantes jornaleiros, versados em artes e officios, que nos procurem, não sendo vehículos de idéias subversivas (grifo nosso) são preciosos factores economicos: produzem, consomem, valorizam”. Já naquela época, defendia Araújo Pinho conceitos em destaque nos dias atuais, ao afirmar que [...] estabelecida uma corrente razoável do que se chama capital humano, disciplinado profissionalmente o trabalho, fecundado pelo capital, a agricultura desenvolverá nossas riquezas naturaes incom60

Advogado, promotor de justiça, deputado provincial, presidente da província de Sergipe, senador estadual na Bahia. Em sua gestão Salvador foi administrada pelo Intendente Antonio Carneiro da Rocha.

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Segundo Consuelo Novais Sampaio (1998, p.109) Araújo Pinho “cansara-se de ser um governador governado”. A sua renúncia, faltando 12 dias para a realização das eleições, em que era muito forte a candidatura de J. J. Seabra, foi articulada por José Marcelino objetivando adiar a data das eleições e transferir o governo para a cidade de Jequié, onde seria mais fácil derrotar Seabra.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA paráveis, reflectindo sua prosperidade na evolução ascendente da indústria e do commércio... principalmente se tiver ao seu alcance meios fáceis de comunicação e transporte que lhe colloquem à porta dos mercados de consumo.

Araújo Pinho cunhou para o seu governo o lema “mais administração, mais administração, menos política no sentido estreito desta palavra” e, coerentemente, cedeu o comando político do Estado ao seu antecessor e patrono José Marcelino, atitude que reduziu substancialmente a sua importância como governador62. Defendeu de forma moderada a intervenção do governo na economia, a qual deve ser discreta e sem exageros, considerando “razoável a protecção a indústrias [...,] mas não ultrapassando o período da infância e até que mais fácil e rapidamente alcancem o vigor imprescindível à luta da concorrência”. Ao assumir estarmos, à época, “muito longe da phase industrial” e sermos, “por muito tempo ainda um paiz agrícola”, defende a prioridade para o desenvolvimento da agricultura. Nesta linha de raciocínio pondera que: [...] alem da alta do preço do todas as utilidades em consequência da depreciação da nossa moeda em cerca de 45 % perseguem-nos a baixa do preço dos principais gêneros de nossa exportação, – a crise commercial, aggravada pela falta de Estabelecimentos de Credito, devorados pela ruína, e pelo abalo em outros produzido. - É manifesta a desconfiança dos capitaes. A moeda emigrou ou retraiu-se da circulação, motivando o mal estar oppressivo, que perturba a producção, diificulta as permutas, immobilisa os valores, esmorece o movimento das transacções e gera a apatia (grifo nosso). Sem institutos que satisfaçam as necessidades urgentes da praça, a ausência de numerário e a retracção do credito forçam o productor a queimar os seus productos para haver recursos que lhe minguam; e a oferta, por isso avultando, aceentúa baixa dos preços.Para mais experimentar-nos a paciência e a resignação, surgiu a sèca, que, vae talando as pastagens e plantações, quasi extinguindo os productos da lavoura e da industria pastoril em muitos pontos do Estado, onde já se manifesta o êxodo dos habitantes flagellados. Todos estes males e provações exercem damnosa intluencia na situação economica e financeira do Estado, opprimindo-o de modo excepcional.(BAHIA, ARAÚJO PINHO, 1909, p.9)

O governador esperava melhorar a situação financeira do Estado mediante a transferência das ferrovias estaduais, ou parte delas, para o governo federal. Pelo menos assim afirmava em sua Mensagem de 1909: 62

Acabou fazendo tanta política quanto os demais, apenas com menor competência. Perdeu o controle do governo foi levado a renunciar numa manobra política do seu grupo para impedir a posse de Seabra gerando o incidente que culminou com o bombardeamento de Salvador.

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A Bahia tem elementos que, discretamente utilizados, asseguram a restauração das suas forças. A encampação de suas estradas, correspondendo ao plano geral da viação férrea, criteriosamente organizado pelo Governo Federal com o fim patriótico de promover a ligação de todos os Estados à Capital da Republica, nos proporcionará recursos sem prejuízo dos melhoramentos que as estradas representam e dos benefícios que são destinadas a prestar.

Com efeito, a construção da malha ferroviária estadual custou substanciais recursos ao Estado e respondeu em parte pelo seu endividamento externo. Segundo Araújo Pinho: [...] a somma elevada de capitaes que exigem estes empreendimentos, principalmente tratando-se de linhas ferreas, não nos permite dar-lhes o desenvolvimento desejado, contando unicamente com os recursos ordinarios do Thesouro... sem falar na elevada cifra de 21.393:380$480 que o Estado tem empenhado até 31 de dezembro último nas suas linhas ferreas, ja monta à importância de 432:551$220 o compromisso annual do Thesouro com garantias de juros e os juros das apolicies emittidas para compra e construção das mesmas linhas. (BAHIA, ARAÚJO PINHO, 1909, p.50)

Examinando-se o Balanço geral do Estado da Bahia, de 31 de dezembro de 1908, constata-se que as cinco ferrovias estaduais, àquela época, respondiam por um investimento da ordem de 21.393:380$480 (como afirmava o governador em sua Mensagem de 1909 (p.69)), valor este que representava 53% do ativo do Estado. Adicionando-se a este valor os investimentos com a navegação interna e costeira (2.089:225$984) e a do São Francisco (2.826:417$348), o total das inversões atinge 65 % do ativo estadual. As ferrovias estaduais, à exeção da Centro-Oeste, apresentaram resultados positivos no ano de 1908, sendo a Estrada de Ferro de Nazaré (a mais extensa na época, com 185,323 km de tráfego, e a de maior volume de investimento - 11.953:096$364) a mais lucrativa, apresentando um lucro correspondente a 32% da sua receita. 2.3.5 José Joaquim Seabra63 Na visão dos historiadores, certamente o vulto histórico mais controvertido e polêmico entre os governadores baianos da primeira metade do século XX, J.J.Seabra foi eleito duas vezes para o gover63

Advogado, deputado estadual, deputado federal, ministro da Justiça (governo Rodrigues Alves),ministro da Viação (governo Hermes da Fonseca), posteriormente duas vezes senador federal.

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no da Bahia64. O primeiro mandato, exerceu-o no período de 1912 a 1916 e o segundo, de 1920 a 1924. Porém o seu poder político se estendeu, na prática, por 12 anos, entre 1912 e 1924, visto que elegeu o seu sucessor Antonio Ferrão Moniz de Aragão (1916-1920), que foi seu liderado.65 Como uma personalidade que contrariou muitos interesses e arregimentou ferozes e poderosos inimigos na elite oligárquica baiana, tendo contra sí os “vianistas”, “severinistas” e “marcelinistas”, é objeto de juízos divergentes66. Para uns, foi um modernizador, que efetivamente implantou o ideal republicano na Bahia, derrotando a velha oligarquia local, reduzindo a influência do “coronelismo”, integrando o interior (notadamente o “sertão) ao governo estadual, além de realizar uma administração profícua, responsável por importantes medidas político-institucionais e obras, entre as quais se destacou a reforma urbana da cidade do Salvador. Para outros, foi apenas um novo oligarca. Segundo Consuelo Sampaio: Havendo capturado (grifo nosso) o poder através da política das salvações nacionais, que, como já foi referido, pretendia o aniquilamento das oligarquias regionais, Seabra – garantindo-se o apoio dos coronéis e estendendo a ação do seu partido a todo o estado – estabeleceu na Bahia um domínio oligárquico como até então não se conhecera (SAMPAIO, C. 1998, p.111).

Há o que se discutir sobre o sentido da palavra oligarca, pois o fato é que Seabra morreu pobre no Rio de Janeiro, dando aulas, sem ter deixado um grupo de políticos ou de interesses econômicos associados como frequentemente aconteceu e acontece com os oligarcas antigos e modernos.67 Os inimigos de Seabra atribuiram-lhe a maquinação (em cumplicidade com o presidente Hermes da Fonseca) para o bombardeio da cidade do Salvador, ocorrido em 10 de janeiro de 1912, como uma forma de impor o poder federal em um Estado que até então 64

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Na sua primeira gestão Salvador foi administrada por quatro intendentes, a saber: Engº Júlio Viveiros Brandão (1912-1914); Monsenhor João Gonçalves da Cruz (Interino, 1913); Cel. João de Azevedo Fernandes (Interino, 1914 – 1915) e Antonio Pacheco Mendes (1915 – 1917). Primeiro Intendente nomeado pela Reforma da Lei Orgânica dos Municípios. Neste tópico comentar-se-á todo o período “seabrista” inclusive o governo de Moniz de Aragão. Segundo Tavares (2001, p.331), “Polêmico e temido pelos velhos chefes da política baiana – Luis Viana, Severino, José Marcelino e Araújo Pinho – por causa do seu estilo descomprometido e ousado” e porque não os obedecia. Ver o exemplo recente do “carlismo” que vicejou e viceja em torno da figura também polêmica do falecido ex-governador Antonio Carlos Magalhães.

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oferecia resistências à hegemonia do governo central. Isto, porém, nunca ficou provado. Verdade ou não, o fato é que este acontecimento, pela sua dramacidade e pela verdadeira guerra civil que provocou em Salvador, marcou indelevelmente a biografia de Seabra. Segundo Silva (2008): Diversos prédios foram atingidos pelos tiros, incluindo o próprio Palácio do Governo. A biblioteca estadual foi incendiada, destruindo livros e documentos insubstituíveis. O número de mortos e feridos é incerto, mas a batalha nas ruas foi sangrenta. Para o próprio Seabra, a repercussão do bombardeio foi ruim, inclusive na política nacional. Muitas pessoas importantes do governo Hermes discordaram da ação. O almirante Marques de Leão pediu demissão e o Barão do Rio Branco, que nunca havia vindo a Salvador, morreu pouco depois – de desgosto, segundo a lenda que correu na Bahia, pelo bombardeio. Por mais que negasse, Seabra foi acusado a vida inteira de ser o idealizador da ação. Até hoje, esse episódio é um dos mais marcantes de sua biografia. Ninguém sabe, com absoluta certeza, se foi Seabra quem ordenou o bombardeio. Mas ele foi certamente o maior beneficiário. Após mais alguns dias de tumulto, conseguiu finalmente ser eleito.

Como político, e por motivos óbvios, em sua primeira Mensagem à Assembleia Legislativa, em 7 de abril de 1912, Seabra não faz qualquer menção aos incidentes que cercaram a sua assunção ao governo do Estado. Inicia sua exposição com a defesa do progresso, afirmando que a Bahia não participava, em “qualquer aspecto”, da [...] grande obra de bem estar, de cultura e de civilização, pela qual se afirma, gloriosamente, o poder moral das nações bem governadas [...] O problema imposto aos responsáveis pela sua direcção, na ordem econômica, política e social, não é o de melhorar o que está conseguido, senão lhe obter, em todos os departamentos da administração, uma actividade nova (grifo nosso) convenientemente apparelhada, em condições de influir com exito na reviviscencia e regeneração do Estado (BAHIA, SEABRA,1912 p.4).

Prega “uma ampla e necessária reforma” que, de fato, realizou, considerando os embaraços decorrentes da penosa situação financeira do Tesouro em que o sacrifício do imposto não deixa renda para a realização de investimentos. Alfinetando seus adversários, refere-se às “fortes resistências levantadas principalmente contra a indispensável remodelação da vida econômica da Bahia”, afirmando que o seu programa de governo contemplaria: 114

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA A inadiável necessidade de regular e consolidar por todos os meios que não embaracem, e entorpeçam a actividade creadora do Estado, a situação das suas finanças, normalisando, ao mesmo tempo, a acção do Thesouro pela realidade do orçamento (grifo nosso) e o uso escrupuloso dos dinheiros publicos em despezas uteis, de absoluta legalidade; a gradual organisação de todos os serviços administrativos sob as modestas bases em que as actuaes circumstancias a permitem, de modo, porem, a lhes garantir, com os recursos de que disponham e entregues á direcção e vigilancia de competencias reaes, a effectiva utilidade de seu destino; a intervenção, emfim, decisiva e ousada do poder público, em tudo quanto entenda com o desenvolvimento economico do Estado, excluida a idéa, por incompativel com as suas funções, da acção industrial directa, e alargado o pensamento de animar e favorecer o trabalho, attrahindo os capitaes, encorajando as novas explorações, acudindo ás necessidades da lavora, attendendo ás justas exigencias da industria e do commercio [...] (BAHIA, SEABRA, 1912, p.5).

Numa visão de desenvolvimento integrado, associando à construção da infraestrutura e penetração ao interior o seu povoamento, até mesmo para dar viabilidade as ferrovias em termos de carga e passageiros, afirma em sua mensagem: Quando tive a honra de auxiliar o governo do Marechal Hermes da Fonseca, occupando o cargo de Ministro e Secretario dos Negócios da Viação e Obras Publicas, entendi, que era a viação ferrea deste Estado a sua maior necessidade, grande força de sua, já retardada, transformação econômica. Sob esse pensamento foi que revi o contracto existente, fazendo abranger nas clausulas do novo accordo a solução do importantíssimo problema da colonisação, que,após uma série de inúteis experiências, quase sempre desorientadas e mal conduzidas, cahiu em absoluto abandono.Orçando por cerca de mil quatrocentos e dez kilometros de linhas trafegadas, foi a viação férrea da Bahia elevada, no referido contracto de Abril, a pouco menos de três mil e quinhentos kilometros, pois excederá de dois mil a nova rêde, de estudos bastantes adeantados,e cujos trabalhos de construcção estarão iniciados dentro de trinta dias. Considerando, por sua vez, o povoamento do solo como um factor indispensável á proveitosa utilisação das novas linhas, ficou estabelecido no contracto, como uma obrigação desse accordo, a colonisação por nada menos de 5 nucleos por cada cem kilometros, á margem das estradas, onde a utilíssima medida possa ter conveniente applicação. (p.7).

Antecipando que faria a reforma urbana de Salvador, o novo governador declara que fez [...] adeantar definitivamente no cargo de Ministro da Viação do atual governo da República, o segmento das obras do porto desta capital, e sob a responsabilidade do seu contracto, com os saldos disponíveis da contribuição do commercio, que as paga iniciei a reforma desta cidade, absolutamente necessária, máxime na parte baixa, onde a ativi-

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dade mercantil, à falta de espaço, se sentia opprimida, e o aspecto da estreita faixa occupada entre a collina e o mar patenteava na conservação do passado, mais que atrazo,os testemunhos formaes de uma verdadeira decadência. Estes melhoramentos devem ser extendidos a toda capital, porque, ponto de convergencia de todas as atividades do Estado, em fácil comunicação com o litoral do paiz e os centros de civilisação exterior, onde, na Europa e na América do Norte, se acham os grandes mercados de sua exportação, não deve esta cidade continuar no abandono em que já se não encontram, mesmo entre nós, capitaes de muito menos importancia (grifos nossos).

Uma das mais importantes contribuições de J. J. Seabra para a modernização política e administrativa da Bahia foi, sem dúvida, a redução do poder semifeudal exercido pelos coronéis no interior do Estado em sua primeira administração68. Para esclarecer este aspecto, é importante transcrever o relato de Pang (1979 p.123-124): O Governador Seabra encontrou uma solução parcial para o monopólio de poder dos clãs, no interior, na centralização das ajudas e na seleção dos funcionários públicos dos municípios. Pela Constituição de 1891, cada município da Bahia podia eleger seu intendente. O sistema de eleições para o chefe do executivo podia ser facilmente manipulado, contanto que a política entre o governador e os coronéis estivesse bem organizada por um domínio unipartidário e/ou um forte poder estadual, apoiado por forças militares, como em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Nesses estados as chances dos coronéis locais se rebelarem contra os líderes políticos estaduais eram ainda mais minimizadas pelas oportunidades econômicas em expansão, que permitiam um maior grau de mobilidade social e física do que havia na região norte do País. Consequentemente, a violência não era o único meio de acertar as relações de poder entre o governador e os coronéis. Os PR serviram não só como executores das eleições, mas também como intermediários dos interesses econômicos dominantes, em seu contacto com os governos federal e estaduais. Na região norte do País, essas funções vitais não foram assumidas pelo partido, mas sim por políticos individuais. Os acordos, baseados em permutas, consequentemente, não eram institucionalizados em bases permanentes, e à medida que entravam e saíam governadores, os acordos mudavam. O homem que dominava o município era inevitavelmente o intendente, e o apoio político do coronel-intendente era essencial para o objetivo de Seabra; instituir uma governança unipartidária na Bahia. A Lei da Reforma de 11 de agosto de 1915 foi decretada para atender às necessidades de Seabra e do PRD, fazendo com que a seleção de intendentes passasse a ser por nomeação. Uma vez no cargo, o intendente permaneceria durante quatro anos, dependendo do governador. Em 1915 havia no estado, 141 cargos de intendente para serem preenchidos. Apesar de poucos terem percebido isso inicialmente, a implementação da reforma podia, a longo prazo causar uma profunda mudança na 68

Há quem diga, no entanto, que Seabra pretendia apenas fortalecer o seu poder pessoal na Bahia e garantir a sua volta ao poder.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA política baiana. Podia alterar a relação de poder entre o governador e os coronéis, e entre os coronéis e os membros do legislativo. A centralização das nomeações podia aumentar a dependência dos intendentes em relação ao governador, e não quanto ao senado estadual. Em consequência, a força política do senado, que se baseava em seu poder de verificação das eleições municipais, evaporou-se da noite para o dia. Em suma o Governador Seabra estruturou um sistema que exigia um novo equilíbrio de potências contra os coronéis, liquidando os intermediários do poder dos senadores (grifo nosso). Essa mudança facilitou a ascensão do domínio partidário, o último passo para a submissão dos coronéis. A lei da reforma também aumentou a capacidade de Seabra monopolizar os processos eleitorais no estado. Durante os quatro últimos meses do governo (dezembro de 1915-março de 1916) o governador aproveitou todas as vantagens da lei da reforma, nomeando 135 novos intendentes (de um total de 141). Uma mudança tão rápida de estrutura administrativa a nível municipal era essencial se Seabra fosse permanecer no poder depois de março de 1916, mesmo correndo o risco do outro ciclo de violência coronelista. A constituição estadual não lhe permitiaassatendentes PRD, fazendo com que a seleender as necessidadesbra; instituir uma governan ser seu próprio sucessor, exigindo que se afastasse durante um mandato. Durante sua ausência ele teria que manter o controle do PRD e dos intendentes, se quisesse voltar ao poder quatro anos depois. Além disso, uma vez assegurado o controle dos intendentes, Seabra poderia obter os resultados eleitorais que bem desejasse o que aumentou ainda mais seu prestígio político nos níveis estaduais e nacional

Consuelo Sampaio também afirma que: Cuidadosamente, Seabra preparou e engrenou todas as peças da máquina político-administrativa do estado para o estabelecimento de uma firme centralização do poder. A Lei 1.102 foi a arrancada decisiva, firmando uma dependência direta dos chefes políticos do interior em relação ao Executivo. Efetivamente, a Lei de Organização Municipal - antecedida por significativa Reforma Constitucional - ao tornar o posto de intendente de nomeação do governador, possibilitou a Seabra o controle absoluto da maioria dos municípios; forneceu-lhe meios de contrabalançar as forças oposicionistas nos municípios onde o PRD era minoritário; tornou o legislador menos dependente do coronel do interior, desde quando estariam ambos ligados por vínculos de lealdade ao mesmo partido. De certa forma, reduziu também o poder dos legisladores, pois a comunicação entre eles e os chefes políticos locais, que anteriormente era direta, passava a ser feita através do governador - uma tentativa de impor certa disciplina partidária, mediante uma relativa minimização das atuações individuais Para um total de 141 municípios baianos, Seabra nomeou 135 intendentes, no período de dezembro de 1915 a março de 1916. Dentre eles, cerca de 65% eram coronéis e majores da Guarda Nacional, muitos dos quais haviam recebido suas patentes entre 1902 e 1906, quando Seabra, como ministro da Justiça, foi quem as havia concedido. (SAMPAIO C., 1998, p.131) (grifos nossos).

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Lamentavelmente, esta providência foi totalmente anulada pela inabilidade política do seu sucessor, Moniz de Aragão, que acabou mergulhando a Bahia numa guerra civil, travada nos sertões do Estado e que, por muito pouco, não resultaria na invasão da cidade do Salvador pela horda de jagunços do “coronel” Horácio de Matos.69 O estopim da crise derivou de várias causas que agudizaram a impopularidade de Moniz de Aragão, desde a repressão, com a força policial, dos movimentos populares deflagrados pela carestia dos alimentos até a implantação da lei n. 1 104 de 9 de maio de 1916. O artigo 3º desta lei interferia radicalmente na autonomia municipal ao obrigar os intendentes a remeterem até o dia 15 de janeiro de cada ano uma cópia autêntica do orçamento municipal. O conflito travou-se entre as forças dos coronéis e as da polícia estadual, sendo insuflado pela oposição que esperava provocar uma intervenção federal e a anulação do pleito em que Seabra conquistara o seu segundo mandato. No início, o governo central cruzou os braços. Quando decidiu intervir, em 1920, Epitácio Pessoa, que era desafeto de J. J. Seabra deu o golpe de morte no projeto de centralização administrativa. Em 1920, foram assinados pelo governo federal três tratados de paz com os “coronéis”. Com esses tratados, Epitácio Pessoa criou na Bahia “estados independentes”, pois exonerava os “coronéis” de todas as acusações pelos crimes cometidos no período das lutas, deixando-os imunes aos processos estaduais e autorizando-os a manobrar as eleições. Ao coronel Horácio de Matos, foi permitido que elegesse (ou melhor, nomeasse) um senador e um deputado para que representassem os seus interesses pessoais e regionais na Assembléia Legislativa do Estado. Os coronéis podiam também manter os seus exércitos de jagunços, o que estabelecia um novo equilíbrio de poder na região70. Com isto, Epitácio Pessoa substituiu o governador do Estado como árbitro e intermediário entre os interesses regionais e os fede69

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Antonio Ferrão Moniz de Aragão foi o primeiro governador formado pela Faculdade de Direito da Bahia. Além de advogado, foi professor universitário, jornalista e senador da república. Governou a Bahia no período de 1916 a 1920 sob forte influência de J.J.Seabra de quem foi um fiel liderado. Na sua administração foram intendentes de Salvador: Antônio Pacheco Mendes (1915 – 1917); Engº João Propício Carneiro da Fontoura (1917 – 1918); José da Rocha Leal (1918 – 1920); Cel. Manuel Duarte de Oliveira (1920 – 1921). Segundo Pang (1979 p.146) naquela época a Força Pública Estadual tinha cerca de 2.600 praças, a maioria mal armada e todos mal pagos. Segundo cálculos do comandante da guarnição federal no estado este número reduzia-se para cerca de 1.500 homens como uma força de combate real. Contra este efetivo os coronéis dispunham de 4.100 jagunços armados até os dentes e dispostos a morrer pelos seus líderes.

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rais, criando uma linha direta de comunicação com os “coronéis” sertanejos. Pela primeira vez na história da Bahia, o governo federal sancionou o poder pela violência. Isto coagiu mais ainda os governos estaduais a aceitar a independência dos “estados coronelistas” do sertão como instituições rivais em poder e autoridade. Não obstante, em sua intervenção não contentou a oposição que desejava a anulação da eleição de Seabra. Alguns autores minimizam os efeitos dos três convênios firmados entre o governo federal e os “coronéis”. Argumentam que, a despeito do grande poder que lhes era concedido, este poder não era exercido isoladamente e dependia das outras instâncias de governo. É fato que Seabra compôs-se com os chefes sertanejos, tendo inclusive nomeado Horácio de Matos, o principal líder do levante, delegado de Polícia na vasta região que se estendia da chapada Diamantina ao vale do São Francisco e feito dele senador estadual.71 Mesmo assim, os esforços e projetos governamentais abandonaram o sertão e se concentraram na capital e sua área de influência direta. No governo de Seabra, a Bahia, principalmente Salvador, passou por uma fase dinâmica notadamente com a reforma urbana da capital. Pretendia o governador transformar a cidade do Salvador, tomando como exemplo as reformas que se fizeram no Rio de Janeiro, que ele viu se modernizar quando era ministro da Justiça e Negócios Interiores, e os padrões que encontrara em Paris quando teria ficado deslumbrado com as grandes obras que o barão de Haussmann executou. Assim sendo, no seu governo, Salvador adquiriu um aspecto de metrópole. A orientação progressista e simbólica do plano de remodelações urbanas representou um autêntico trade-off, pois negou a cidade colonial. Para a abertura de novas ruas e avenidas e higienização da cidade, vários prédios antigos tiveram de ser sacrificados, fazendo desaparecer alguns símbolos da era colonial, criando-se novos espaços para representar a modernidade. Com as obras do porto, a “cidade baixa” na área do Comércio foi reurbanizada e aberta a avenida Jiquitaia, fazendo melhor a sua comunicação com a península de Itapagipe. Também foi aberta a avenida Sete de Setembro que deu uma nova fisionomia ao centro da capital. 71

Sobre o Convênio de Lençóis, ver Tavares (2001 p.344-345).

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A reforma urbana de Seabra foi viabilizada pelo empréstimo externo, realizado em Paris e Londres, sob intermediação do empresário Eduardo Guinle. O governador cria então a Companhia de Melhoramentos para pôr em ação o seu plano de governo. Realiza as obras da Vila Policial, do Congresso, da Biblioteca Pública e do Arquivo Público, assim como do Hospício São João de Deus (depois Juliano Moreira), do Instituto Vacinogênico e do Museu-Escola. São ainda celebrados convênios para construção da avenida Dois de Julho e da estrada ligando o bairro do Rio Vermelho a Itapuã. Além disso, construiu o palácio da Aclamação para residência dos governadores, instituiu a Imprensa Oficial do Estado e deu início às obras do quartel do Corpo de Bombeiros e do palácio Rio Branco. Alega, em sua mensagem à Assembléia Legislativa, que deu início ao primeiro programa estadual de casas populares, construindo habitações para a classe operária. Não se tem comprovação deste fato. Nas palavras do governador: E mais, Srs. da Assembléa, sem referir o bem auspiciado empenho com que, interessado pela sorte dos menos felizes da fortuna, favoreci, em três contractos differentes, a edificação de cerca de quatro mil casas para os nossos operários; (grifo nosso) sem fallar nos trabalhos, cuja combinação ultimo da annexação ao Palácio da antiga Praça do Concelho, já negociada entre o meu e o Governo da União, por troca com o edifício do Thesouro, augmentado, reformado, melhorado, de todo o prédio da Delegacia Fiscal; e sem vos nomear, ainda, o Paço da Acclamação, cujas obras iniciei para tornalo, definitivamente a residência dos Chefes do Estado; as obras de construcção da Avenida S. Bento á Barra, extendidas até o Rio Vermelho e prolongadas dahi entre povoações que serão, futuros arrabaldes nossos, por uma estrada de rodagem, até as praias de Itapoan, na extensão total de 24 kilometros.

Com o seu estilo rebuscado, típico da época, e dando testemunho do clima de ódio que cercava a sua administração, acrescenta: São factos, Srs. Representantes do estado, que as prevenções do interesse, do ódio ou da inveja não tem jeito de esconder nem força para contestar ou destruir, (grifo nosso) os deste quadro: o Palácio do Governo, que se restaura; a Imprensa Official, que se edifica e organisa: o Paço do Congresso, a Bibliotheca do Estado e o Archivo Publico, que reunidos no plano de uma mesma e ampla construção, a se implantar em grande área, já desapropriada, da collina da Praça Rio Branco, não tardarão que surjam das fundas cavas de seus fortes alicerces; os prédios escolares que conclui e, a par de outros projectados, esse da Cachoeira que, inteiramente, levantei: o Museu Escola, que finda as demolições, todo dia adeantadas, da casa dos governadores, se erigirá, para os serviços de instrucção, dos restos desse Palácio da Vitória, já abandonado, e que o desaprumo e a ruina não cessavam de consu-

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA mir; a Directoria de Rendas, que até o mobiliário renovei; o Instituto Vaccinogenico e Anti-Rabico, cujos muros e tectos, já há um anno, todos os dias adeanto; a Villa Policial, emfim, que há de substituir os sujos e sombrios pardieiros dos nossos desmantellados quartéis de policia, onde, vós os visteis, e por só dizer o que mais vos magoou o sentimento, era o chão, o solo humido, a terra nua e num delles exposta ao tempo, o leito dos soldados!

Como foi assinalado antes, a modernização da cidade cobrou um alto preço ao seu patrimônio histórico com a destruição da antiga igreja de São Pedro Velho, da igreja das Mercês e de parte da igreja da Ajuda, cortada ao meio para facilitar o tráfego nas novas avenidas. Este fato custou a Seabra acerbas críticas dos seus adversários políticos. O que sobrou do prédio do Senado Estadual foi doado ao Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. A política modernizadora de J. J. Seabra foi apoiada pela imprensa que era unânime em elogiar, nesses primeiros tempos, a “ideologia do progresso”, que concebia uma cidade onde “as viellas serão avenidas, os velhos pardieiros se transformarão em prédios onde a architectura moderna deixará seus traços elegantes e a hygiene, com seus preceitos salutares, assegurará a estabilidade de seu estado sanitário”. O período das intensas obras executadas pelo governador chegou a ser denominado como “a Renascença Baiana”, tamanho o impacto causado na cidade e no país. Porém a grande atração de técnicos da construção civil de outros estados para Salvador acabou por gerar insatisfação. Na época, a Gazeta de Notícias ironizou: [...] funcionários honestos, competentes e antigos servidores municipais foram postos à margem para que não testemunhassem nem criticassem os moderníssimos planos de melhoramentos, as reformas, os estudos e as maravilhosas concepções dos profissionais importados. (apud BAHIA INVEST 2006).

Mas o fato é que, independente das críticas, Seabra foi corajoso o suficiente para imprimir uma nova estética à cidade de Salvador. Como reconhece Maria do Carmo Baltar Esnaty de Almeida, em dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Arquitetura da Ufba, sob o título A victória da Renascença Bahiana: a ocupação do distrito e sua arquitetura na Primeira República, o plano remodelador de Seabra marca de forma significativa a cidade. Pretensioso em suas propostas iniciais, o projeto de modernização urbana, ainda que não implementado na íntegra, visava sobrepor uma cidade ideal – civilizada e progressista – a uma estrutura real, herdada dos tempos da colônia. Estabelecendo uma hierarquia de

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valores para as diferentes áreas da cidade, o plano seabrista ratifica as tendências de expansão urbana que já se delineavam desde meados do século XIX, induzindo-as e acelerando-as nos setores eleitos para representar a modernidade da capital”, (ALMEIDA, 1997)

É também importante destacar a repercussão social do projeto de Seabra, que, no dizer de Silvia Becher Breitenbach, também em sua dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Arquitetura da Ufba, assim se expressa: Assim, este projeto pelo qual passou a cidade de Salvador vai se manifestar na sua estrutura social. Após anos de subserviência, a população baiana passa a encontrar-se com as maravilhas da tecnologia, de então: o bonde, a iluminação a gás, o tratamento de esgotos (grifo nosso). Esse novo modo de vida, demandante de uma modernização, era objetivado através de um processo de cunho nacionalista, que fundamentou a base filosófica de toda a Primeira República. Assim, o ecletismo – que engloba, também, o neocolonial como o último repertório formal do ecletismo – impulsionou o avanço tecnológico, com a assimilação de novas técnicas, embora todo esse aparato de estrangeirismo eclético deflagre uma reação calcada ideologicamente no tradicionalismo conservador. Dessa reação, surge o neocolonial, que tentou legitimar sua produção construída evocando a tradição, para afirmar o verdadeiro espírito nacional. Foram duas décadas de esforços, em que os profissionais construtores tentaram estabelecer um estilo composto por ornamentos característicos da arquitetura colonial e que foram reutilizados e recombinados pelas décadas de 30 e 40 em diante. (BREITENBACH, 2005).

Analisando a situação financeira do Estado, afirmava Seabra: Não seria admissivel, realmente, que continuasse, sem grave risco para o Estado, a política financeira dos expedientes, a recuar desenganada dos desastres de cada imposto novo para a solução dos pequenos e repetidos empréstimos que se destinam ao pagamento das despesas do Thesouro, accumuladas no “deficit”da imprevidência. Dessa maneira, crescendo pela divida os compromissos da Bahia, não lhe ficariam recursos á reforma de seus desorganisados serviços e seria impossível conseguir o augmento da renda do erário publico pela producção do Estado, desenvolvida e melhorada (BAHIA, SEABRA, 1912 p.4).

Apontava como única solução que poderia resolver a crise financeira estadual: [...] consolidar com segurança, por uma grande operação de credito, toda a divida,em ouro, do Estado, reduzindo a um só os tres empréstimos externos (grifo nosso) e diminuindo, em tempo opportuno, os juros da divida interna, de apólices, cujo gradual resgate se fará por uma quota progressiva da renda orçamentária, desde que esta exceda de um total previamente fixado; pagar com um terço, no maximo, da saldo da operação realizada, a divida fluctuante immediatamente exigível, se esta não puder ser satisfeita com os recursos da propria receita ordinária do Thesouro, limi-

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA tando-se as despesas communs do Estado ao estrictamente indispensável á boa marcha dos serviços da administração; applicar o restante, ou sejam dois terços do referido saldo, e com o mais escrupuloso cuidado, a melhoramentos materiaes e dispendios de caracter reproductivo, cuja influencia se faça sentir no adeantamento econômico do Estado; firmar, rigorosamente, o regimen dos orçamentos equilibrados e severamente cumpridos, sob a disciplina austera e moralisadora de uma arrecadação bem fiscalisada e de despezas em que, de modo nenhum, se auctorisem dissipações.

Em 11 de agosto de 1914, o governador J. J. Seabra encaminhou à Câmara dos Deputados uma Informação official, como Anexo nº. 1 da sua Mensagem daquele mesmo ano, tratando da dívida externa da Bahia. Nesta informação o governador fazia um balanço dos financiamentos obtidos pelos diferentes governos do Estado num período de 25 anos. Ou seja, de 1888 a 1913, foram obtidos os empréstimos descritos a seguir.72 O primeiro deles, o empréstimo de 1888, foi contratado pelo presidente da Província da Bahia, Cons. Manoel do Nascimento Machado Portella, autorizado pela lei n. 2578 de 21 de abril de 1888, junto ao Syndicat Brésilien de Paris, nas seguintes condições: a) valor: 800.000 libras esterlinas (vinte milhões de francos); b) tipo73: 0,91% (455 francos por cada título de 500 francos); c) juros: 5% a. a.; d) amortização: (acumulativa) 1% a. a.; e) prazo: 37 anos; f) garantias: a renda da província, pela obrigação das remessas ajustadas para o serviço do empréstimo; g) valor efetivamente recebido: 728.000 libras esterlinas (18.200.000 francos) equivalentes, na época, a 6.317:947$445. Este empréstimo destinou-se ao refinanciamento de dívida contraída com o Banco da Bahia e resgate de apólices da dívida provincial. Apenas um resíduo equivalente a 0,1% foi recolhido ao Tesouro (grifo nosso). Tinha custado aos cofres do governo baiano, até 31 de dezembro de 1913, a cifra de 22.689:359$924 da qual 46% correspondia à amortização do principal e o restante a diferenças de câmbio. Em 1914, o saldo devedor era de 10.949.000 francos, ou seja, 60% do financiamento original. O segundo empréstimo, o de 1904, foi autorizado por um conjunto de leis, sendo a última a de n. 580 de 20 de outubro de 1904. 72

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Os dados foram extraídos dos originais das mensagens depositadas no Arquivo Público do Estado da Bahia e são transcritos com pequenos ajustamentos de nomenclatura. Ágio.

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Foi contratado um montante de 1.613.800 libras esterlinas, porém liberadas 1.062.360 libras esterlinas. O empréstimo foi concedido por uma casa bancária inglesa (provavelmente a Rotschild), que não é especificada na Mensagem, sob as condições abaixo: a) valor: 1.062.360 lbs.; b) tipo: 80,3% (ou seja, foram efetivamente recebidas 803.000 libras esterlinas); c) juros: 5% a.a. d) amortização: (acumulativa) 0,5 % a. a.; e) prazo: 50 anos; f) garantias: hipoteca como primeiro privilégio até o reembolso completo de todo o principal e juros, da renda do imposto de exportação sobre fumo e, no caso deste ser insuficiente, sobre o cacau e o café; g) valor efetivamente recebido: 803.000 libras esterlinas que corresponderam a 13.737:243$88. Cerca de 90% deste empréstimo também se destinou ao refinanciamento da dívida do Estado e ao pagamento de credores diversos. Os 10% restantes foram para investimentos em transportes, destacando-se a aquisição de vapores (492.477$690) e na Estrada de Ferro de Nazaré (269.449$708), obras no trecho de São Miguel das Matas a Areias (atual Ubaíra). Segundo a Mensagem de 7 de abril de 1914, p.147: “Restava a pagar em 31 de dezembro de 1913, do empréstimo de 1904, inclusive as 62.360 lbs. applicadas ao resgate antecipado de 3.118 títulos do empréstimo de 1888, a somma de Lbs. 1.002.195 – 9 – 1, tendo sido pago , de annuidades vencidas, o total de 8.024:728$373 sendo do valor ao par a somma de 4.821:670$731 e de differenças de cambio a somma de 3.203:057$642.”

O terceiro empréstimo foi feito em 1910 e seu contrato foi autorizado pela lei n. 770 de 6 de outubro de 1909 e fechado em Paris com o Crédit Mobilier Français por Miguel Calmon du Pin e Almeida como representante do Estado da Bahia. Este contrato totalizava o montante de 1.800.000 libras esterlinas (ou 45 milhões de francos), tendo sido repassado ao município de Salvador a cifra de 365.000 libras esterlinas, nas seguintes condições: a) valor: 1.800.000 libras esterlinas; b) tipo: 86%; c) juros: 5% a. a.; d) amortização: (acumulativa) 0,5% a. a.; e) prazo: 50 anos. 124

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Este empréstimo apresenta um conjunto de condições que o distingue dos anteriores. A começar pela que estabelecia a obrigatoriedade da aplicação de 600.000 libras esterlinas “especial e exclusivamente” na construção de estradas de ferro e de transportes e na compra de material (grifo nosso). Como garantias eram penhoradas todas as rendas das estradas de ferro existentes no Estado a saber: a) Estrada de Ferro de Nazaré, 185,3 km; b) Estrada de Ferro de Santo Amaro, 47 km. Estas duas estradas, por pertencerem ao Estado, eram tomadas em hipoteca de primeira linha O contrato estabelecia que as estradas discriminadas a seguir, que estavam sob o regime de concessão, deveriam voltar imediatamente ao controle do Estado: a) Estrada de Ferro Centro-Oeste, 51,7 km; b) Estrada de Ferro da Bahia a Minas 142,4 km (trecho Ponta da Areia a Aymorés). Ficava ainda pactuado que, se o governo federal encampasse essas ferrovias, o valor da indenização recebida pelo Estado da Bahia seria transferido para o banco credor como antecipação de pagamento da dívida. Era também exigido como garantia, em primeira linha, depois de abatida “a parte que puder ser necessária para o (pagamento do) empréstimo de Londres, de 1904” o produto dos direitos sobre a exportação de cacau e café. Segundo o demonstrativo da Mensagem aqui referida, até 28 de março de 1912, do empréstimo recebido (Rs. 23.987.843$127) haviam sido transferidos, para a Intendência do Município da Capital, 4.856: 279$251, ou seja, (20,24%). É possível que este empréstimo tenha sido destinado ao financiamento de obras de urbanização da cidade do Salvador. Foram depositados, no Tesouro Estadual, 13.387: 335$010 (64,55%). Do saldo, 2.202:406$672 estavam sem utilização em depósito na Europa e apenas 3.536: 522$194, ou seja, 14,74% foram aplicados na aquisição de equipamentos para as ferrovias e navegação. Segundo os registros, dos recursos recebidos pelo Tesouro Estadual, apenas uma pequena parcela de Rs. 464:600$000 foi destinada a investimento. Atestando a fragilidade financeira do Estado, uma cifra de 3.436: 507$235 foi destinada ao pagamento de salários atrasados do funcionalismo estadual. Esta cifra é praticamente igual ao valor destinado para investimentos, correspondendo a 25,67% 125

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do total depositado no Tesouro e a 14,33% do valor total do empréstimo contraído (grifos nossos), Para viabilizar seu programa de obras, o governador contava obter um financiamento da ordem de 10 milhões de libras esterlinas e com isto também consolidar a dívida externa em uma só, com uma taxa de juros menor. Neste sentido, contratou os serviços do banqueiro carioca Eduardo Guinle, provavelmente por indicação de Ruy Barbosa, a quem aquele havia servido anteriormente. A crise internacional que culminou com a primeira Guerra Mundial – 1914/ 1918 – liquidou seus planos, fazendo com que obtivesse apenas 40% do pleiteado. Em suas palavras: Agora, e segundo os recentes e seguros avisos do capitalista e banqueiro Dr. Eduardo Guinle, eu vos posso annunciar que estão assignados, em final e definitivo accordo, o empréstimo de quatro milhões esterlinos e o contracto do Banco de Credito Hypotechecario e Agrícola da Bahia, devendo este ficar organisado, o mais tardar, até Maio deste anno e aquelle se effetuar no mesmo prazo, lançadas successivamente, nas praças de Paris e Londres as respectivas emissões.

Como ele mesmo diz, entre as condições dessa negociação, foi estabelecida a criação do Banco Hipotecário e Agrícola da Bahia que iria substituir o antigo Banco da Lavoura. A estrutura do novo banco foi sugerida pelos banqueiros credores no bojo do empréstimo global contratado então para o Estado e seguia modelo já adotado pelos Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Tratava-se de um projeto modernizador, pois o novo banco ampliava consideravelmente o raio de ação do anterior. Ocorre que a crise econômica deflagrada pela primeira guerra e o bloqueio das remessas de recursos limitaram drasticamente a ação do banco que só recebeu 22% do financiamento contratado na França para a constituição do seu capital. A oposição, através da imprensa hostil, explorou bastante o fato tentando desmoralizar o governador. Reagindo aos ataques Seabra fez a seguinte exposição: Banco Hypothecario Sobre este instituto de credito estabelecido, na forma do contracto de 21 de outubro de 1912, pelo typo de seus congeneres de Minas e S. Paulo, e creado para o fim de substituir, servindo melhor os interesses da nossa agricultura e commercio, o Banco da Lavoura, que se fundou em virtude da Lei n. 474, de 5 de setembro de 1902, eu tenho a vos dizer, principalmente, que os seos capitataes continuam, sob a pressão das circuntancias, bastantes affastados da cifra em que aquelle contracto os fixou, e que, apezar deste grande embaraço, se

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA tem assignalado as vantagens de sua indispensável instituição, destacando-se, como índice de ordem no curso de suas funções, o facto, immensamente auspicioso, de não ter carecido , mais uma vez, da garantia do Estado. Sem o que occorre nos mercados financeiros de Pariz e Londres, e que,desde algum tempo, impede que complete, pelo menos, o capital-obrigações, até agora somente conseguido numa pequena parcella de seo valor, eu já teria intervindo para que se adeantasse a emissão dos títulos que o devem formar e, findo o prazo de realização do empréstimo, se já estiverem desopprimidas as praças européias, serei inflexível ao exigir que o Banco o tenha para acudir ás necessidades das transacções propostas, satisfazendo, de todo, os seus fins. Penso que neste cuidado e vigilância deve estar o Governo, não admittindo, quando assim deve faze-lo, contra os interesses do Banco, que nesse particular, são os do Estado e os mesmos da lavoura, da industria e do commercio, outros e, então indesculpaveis addiamentos. Por melhor administrado que possa ser, como o tem sido, o novo instituto, que valerá o Banco que, neste particular, são os dos Estados e os mesmos da lavoura, da industria e do commercio, outros e, então, indesculpáveis addiamentos. Por melhor administrado que possa ser, como o tem sido, o novo instituto, que valerá o Banco sem dispor de capites suficientes, os que se marcaram, ä conta de indispensáveis, no contracto de 21 de Outubro? Como se acha, num campo de acção por demais limitado, sem os recursos necessários à expansão de seus movimentos, na hypotese de que assim, em evidente fraqueza, tivesse o Banco de continuar, estaria burlando o pensamento do Governo, que só o cntractou, dando-lhe a garantia do Estado, para que dispozessem os nossos productores de um estabelecimento capaz, em condições de auxilialos pelo uso regular do credito na actividade do trabalho util. O capital é tudo, e, passada a crise, urge que o Banco Hypothecario o tenha na somma a que se obrigou e que constitue a primeira e a maior de suas responsabilidades. Como situação, na esphera de seos recursos, a do Banco é excellente. Dizem-no, acima das palavras, os attestados das cifras de seos balanços, pelas quaes se verifica que, apezar das graves e successivas difficuldades do anno derradeiro, lhe foi possível apurar lucros sufficientes á dispensa da garantia do Estado. Assim é que elle poude reservar a importancia correspondente a cinco por cento, para ser distribuída, como dividendo, pelos accionistas; as sommas necessárias, na forma de seos estatutos, a amortisação das acções e das obrigações emitidas; as quantias precisas ao resgate, por soma de cerca de mil lettras hypothecarias; quando se fez mister ao pontual pagamento dos juros das lettras em circulação e ao supprimento do ágio do ouro na conversão das despezas effectuadas nessa espécie; o saldo emfim, beneficiario, posto que pequeno, passado no exercício do corrente anno e ainda sem applicação determinada. Vantagens, todas estas, que sobreexcederam os prejuízos oriundos da crise geral; do flagello, em Janeiro de 1914, das innundações; do espaçamento, pela moratória, nas liquidações do seo activo; da perda motivada, no caso do Trapiche Pilar, pela emissão caucionada, na parte que lhe coube, de bilhetes de falsos depósitos; da cam-

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panha, finalmente, que o interesse levantou e, de todos os modos, tem buscado sustentar contra o banco, affigindo, de menos, o seo nome quando lhe não perturba os negócios. A este ultimo respeito não careço repetir-vos o que tem praticado contra o Governo, pela maledicência da injuria e as ousadias , a perversidade da calumnia impenitente e vil. Nada articula que não seja um invento sempre desmanchado ou uma falsidade logo destruída. Mas , a espaços torna de, torna aos artifícios do mal nessa nefanda obra da especulação política, ou partidária, que por manchar ou denegrir, não se sente, pelo que diz, insinua e espalha, compellida ao dever de nenhuma prova, ou só indicio, e, todavia, me obriga a enfrenta-la, como sempre o faço, para lhe pulverisar os aleives (grifo nosso). Quando se me avisou, com a responsabilidade de um nome honrado, o do Sr. Conselheiro Antonio Carneiro da Rocha,que, alem do seu próprio valor, tinha o de estar exercendo, como meu representante, as funções de Fiscal do Banco, de haver recebido o seu contractante, ao que lhe parecia, o capital do Estado no antigo Banco da Lavoura, logo auctorisei que se apurasse a verdade desse aviso e se promovesse contra os culpados, perante os tribunaes de justiça, as ações da Lei. Não é que me coubesse temer o prejuízo do Thesouro, mais que certo na liquidação final do instituto substituído, quando chegasse o prazo de seu termo, e impossível de suceder, no Banco novo, pelas garantias do accordo de 11 de abril, com as quais o evitei, Mas era porque, sem nada conceder ao segundo instituto que não fosse um direito do primeiro, eu só combinara em firmar esse acordo, attendendo á dificuldade da immediata e integral restituição do capital do Estado que com toda a segurança acautelei, pela declaração, ao depois solennemente reaffirmada e confirmada em documento escripto, de que esse capital “não tinha sido pago nem, de futuro, o seria a ninguém”Accentuada, por denuncia competente, a desconfiança de que assim não fôra, contra o que antes creara e dissera aquelle mesmo Fiscal, quando o Banco ainda não tinha escripturação, já se não justificava a concessão do accordo de Abril, aggravando-se pela má fé a culpa dos que, na hora da primeira suspeita, conseguiram desmentil-a , offerecendo, em prova, com as declarações do contractante, o testemunho oral do fundador do Banco Hypothecario e o escripto de dons de seus Directores, e assim obtiveram que eu o mantivesse e o Senado o approvasse. Irreductivel, pois no cumprimento do meu dever legal e intansigente na opposiçào e lucta que sempre merece de minha justa revolta a acção indigna, mandei propor, no Rio, a annulação da Acordo de 11 de Abril para a subseqüente restituição daquelle , ao que parecia, desviado capital, e aqui considerando o dolo, a accão criminal que havia incidido os seus responsáveis. Que havia mais a fazer quem faria mais do que eu fiz? A decisão judicial, da qual logo appelou para a superior instância o representante do Ministério público, concluiu pela impronuncia dos denunciados, demonstrando a sentença que foi publicada e está correndo, não haver recebido o contractante do Banco Hypothecario, como parecera ao seu Fiscal pelo exame do primeiro balanço desse instituto de credito, o capital, pertencente ao Thesouro, do Banco da Lavoura.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA Aguardo o voto do Tribunal de Appelação para prosseguir nos outros processos ou suspendel-os, segundo seja o seu aresto. Do seu juízo há de derivar o meu procedimento, em que, sempre fiel á honra, manterei a independência com que agi nesse agitado caso, tão cheio de contrariedades e desgostos, e no qual só se moveu, com os incitamentos do melhor patriotismo, o nobre e único interesse de dotar este Estado com um estabelecimento de credito capaz da attender ás necessidades, muito urgentes, do seu desenvolvimento econômico (grifo nosso). E porque qualquer que seja a sorte do pleito sobre o qual vae decidir aquelle collendo Tribunal, independe delle a acção funccional do Banco, hei de insistir na vigilância, quanto ao empréstimo contractado, pela definitiva formação de seus necessários capitaes, fixados em 90 milhões de francos, dos quaes, e por seu mal, só a décima parte foi a realisada numa emissão de 20 milhões (grifo nosso).

A respeito desse banco, diria Góes Calmon em 1924: O Banco de Credito Hypothecario e Agrícola do Estado, annunciado como immensa força capitalista, que substituiu em 1912, o modesto instituto regional do Banco de Credito da Lavoura do Estado da Bahia, depois de quasi treze annos ,ainda, não fez mais do que viver do acervo do activo absorvido e, simplesmente mantem uma vida vegetativa, ou melhor direi parasitaria, porque para a sua manutenção não lhe basta o que era sufficiente ao Banco substituído, isto é, os juros e as amortizações que recebe das hypothecas que herdou; elle faz suas contas, dispende com uma direcção em Paris sommas quantiosas e outros elevados gastos, inclusive com diferença de câmbio, e no fecho annual da sua escripta, tem verificado, seguidamente, déficitdéficits, e então, recorre á clausula de garantia de juros do seu contracto celebrado com o Estado, recebida até o anno de 1923, na importância de Rs. 1.717:428:000 (BAHIA, CALMON, 1924 p.201).

É de observar que Góes Calmon, tão detalhista e minucioso em seus textos, não menciona que o projeto do banco foi gravemente prejudicado pelas circunstâncias que marcaram a época da primeira guerra e que atropelaram todas as administrações brasileiras, nestas incluídas a de J. J. Seabra. Seabra conseguiu, não obstante, ao final do seu primeiro mandato, renegociar toda a dívida do Estado nas condições pretendidas, o que importaria em certo alívio para as finanças governamentais na administração seguinte. O contrato de renegociação foi assinado em 7 de dezembro de 1923, com o Ethelburga Syndicate Limited, de Londres com plena concordância dos demais credores ingleses e franceses Pelo contrato, ficou o governo baiano obrigado, durante um período de quatro anos, a pagar mensalmente a quantia de Rs 500:000$000 (quinhentos contos de réis) em moeda papel, ou seja Rs 6.000:000$000 (seis mil contos de réis) anuais. 129

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Figura 6 – O comércio e o porto de Salvador em 1918 Fonte: Coletânea da revista Bahia Ilustrada, 1917/1918, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, 1997, p. 101).

2.3.5.1 Movimentos sociais Consequência da conjuntura econômica desfavorável, das influências externas74 e do amadurecimento da classe operária, Salvador foi palco, entre 1917 e 1921, nos governos de Moniz de Aragão e J. J. Seabra, de greves dos trabalhadores que marcaram a época. Os movimentos operários baianos seguiram o exemplo do que ocorria à época em todo o mundo e especificamente na região Sudeste, principalmente em São Paulo, onde foi intensa a conflagração trabalhista no período. Segundo o Censo de 1920, a capital baiana possuía entre 45.563 e 14.784 operários. Para explicar números tão discrepantes, Castelluci (2004, p.59) informa que Maria Cecília Velasco e Cruz demonstrou em sua análise da composição social da classe operária carioca em 1917, que a diferença de resultado é produto, entre outras coisas, do fato do inquérito industrial não considerar, para efeito de contagem, as pequenas unidades de produção, que produziam em pequena escala e encomenda.

Seja como for, para uma população total, em Salvador, de 283.422 pessoas, contadas pelo referido censo, esses números são consideráveis. 74

Vale lembrar que em 1917 ocorre a Revolução Bolchevique na Rússia e que o ideário socialista vinha sendo difundido em todo o mundo.

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As condições de trabalho, à época, associadas à carestia, eram desumanas e exploravam ao máximo a classe trabalhadora. Nada a estranhar de uma elite que se formou escravagista e, consequentemente, não possuía uma consciência social desenvolvida. Rubin (1979, p.36) cita reportagem do jornal O Tempo, de 7 de junho de 1919, que informa ter sido procurado por uma comissão de operários que declararam: Doutor somos mal pagos e sofremos muito”, para depois mostrar vales de descontos: “José Victoriano, por exemplo, que tinha de receber 41$000, só recebeu 12$000”. Os operários denunciaram ainda: “Recebemos o dinheiro num envelope fechado. E se, ao abrirmos, verificando diferença entre a quantia dentro e a que está escrita exteriormente reclamarmos, seremos multados em 1$000, por desconfiança da direção”.

Sobre as condições de trabalho industrial, também, O Tempo de 9 de junho de 1919 transcreve um comunicado do Comitê Central da Greve: “Os operários da Fábrica Boa Viagem fizeram diversas declarações pedindo melhorias para o seu trabalho. Uma dessas moças contou que na referida fábrica já perdera por tuberculose ali adquirida, o pai e duas tias”. O regime de trabalho, nas fábricas baianas e também no comércio e serviços, era de 12h diárias, com intervalo de 1h para o almoço. No comércio, a jornada era mais extensa, atingindo 13h e até 14h diárias, inclusive aos sábados. Além disso, havia, em muitas fábricas, as multas, os recursos de pagar dias perdidos por motivo de doença, a utilização do sistema de armazéns de compra obrigatória dos empregados por preço mais elevado, etc. Praticamente não existia legislação trabalhista nem previdência social, assim a vida média do operário era de 25 anos. (RUBIN,1979, p.32). Em todo o conflito, merece destaque a atitude do governador Moniz de Aragão ao recusar o uso da força contra os grevistas em 1919. Adotando uma posição conciliatória, o governador promulga, em 10 de junho, a lei n. 1 309 que estabelece em oito horas diárias a jornada de trabalho para todos os estabelecimentos industriais e oficinas pertencentes ao Estado ou por ele subvencionados, revogadas as disposições em contrário. Interessante e esclarecedora é a posição assumida nessa ocasião por Ruy Barbosa, ferrenho adversário político do governador. Ruy, como candidato à Presidência da República, naquele ano de 1919, assume uma posição “conciliatória”, buscando o apoio dos setores urbanos e, em particular, da classe operária. Nessa estratégia 131

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Tabela 10 – Estrutura ocupacional da classe operária de Salvador - 1920

Fonte: Castelluci (2004, p. 60, tabela 2).

de campanha, incorporou ao seu programa, como um dos tópicos básicos, uma moderada reforma social que, entre outras medidas, propunha jornada de oito horas, limitação para as horas extras, regulamentação do trabalho do menor e do trabalho noturno, igualdade salarial para as mesmas funções, etc. A sua posição foi considerada demasiadamente liberal e perigosa pelas oligarquias, que, através de seu porta-voz, O Estado de São Paulo, define Ruy maliciosamente como candidato da classe operária. Contraditoriamente, é o mesmo Ruy que, reagindo contra a atitude de Moniz de Aragão no Teatro Politeama, de Salvador, acusou: O governo, aqui, inspira, excita e encoberta a greve, os esboços da mazorca, as encenações do comunismo [...] esta aliança escandalosa do mundo oficial com o maximalismo de encomenda [...] trancando nos quartéis a força pública [...] agasalhando no palácio do governador os caudilhos da mazorca [...] O governo ataca as classes conservadoras e desencaminha as classes obreiras” (grifo nosso). (BANDEIRA, 1967, apud RUBIN, 1979 p. 40).

Seabra concluiu seu segundo mandato, no qual praticamente dedicou-se à política nacional, de forma melancólica.75 Com seu tem75

No segundo mandato de J.J. Seabra foram intendentes de Salvador: o Cel. Manuel Duarte de Oliveira (1920 – 1921) e o Engº Epaminondas dos Santos Tôrres (1921 -1924).

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Figura 7 – A classe operária: fábrica de confecções, 1918 Fonte: Coletânea da revista Bahia Ilustrada, 1917/1918, seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, 1997, p. 101).

peramento ousado e insubmisso, fez algumas apostas políticas infelizes, rompendo, ainda no processo eleitoral, com o novo presidente Arthur Bernardes que se constituiu em seu feroz e implacável inimigo. Sem qualquer apoio na esfera federal – algo indispensável até os dias de hoje para a sobrevivência dos governos estaduais – para surpresa dos seus adversários, lançou como candidato à sua sucessão Francisco Marques de Góes Calmon, um banqueiro vinculado por laços históricos à cultura do açúcar e parente do seu adversário político em termos federais, Miguel Calmon du Pin e Almeida, ministro do presidente Artur Bernardes, também seu ferrenho inimigo. Percebendo que seria posteriormente descartado76 rompeu com esta candidatura, esfacelou seu partido, sendo derrotado e abandonado pelos seus mais fiéis e antigos correligionários. Foi obrigado a passar o governo com a Bahia sob intervenção federal, em estado de sítio, e com um dívida externa muito maior do que a encontrada, além de insolvente. Finalmente, as forças conservadoras venciam, após doze anos, o político que as desafiara e que tentara modernizar a Bahia de forma autocrática. 76

Segundo Sampaio C. (1998, p.179), para justificar sua atitude, Seabra baseou-se numa carta que o dissidente Medeiros Neto enviara ao senador Moniz Sodré (23 de nov.), segundo a qual Góes Calmon, através do seu irmão* ministro, teria assegurado ao presidente da República que sua “vitória seria a liquidação do seabrismo [...]”. Por uma questão de sobrevivência política, portanto, Seabra negava “positiva e francamente a continuação do seu apoio a Góes Calmon.” Preferia, no final das contas, “a luta ao suicídio”.

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2.3.6 Francisco Marques de Góes Calmon77 Uma série de tumultos políticos marcou a candidatura de Góes Calmon ao governo do Estado. A intervenção do governo federal assegurou sua vitória, sendo empossado em 29 de março de 1924 sob a vigência do estado de sítio, decretado em todo o Estado. Seu governo voltou-se especialmente para a solução dos problemas administrativos e financeiros do Estado, herdados da gestão anterior78. Góes Calmon inaugura, em 1924, o sistema rodoviário que irá, daí em diante, gradativamente, substituindo a preocupação com as ferrovias, que foi uma constante em todos os governos que o antecederam. Assim, construiu a ligação rodoviária entre Salvador e Feira de Santana e outras, em concreto armado, sendo a de Santo Amaro a segunda a ser construída no país. No setor de educação, com Anísio Teixeira, promove importante reforma no sistema educacional do Estado e dissemina o ensino médio no interior. Deu ênfase à saúde pública, criando a Secretaria de Saúde e Assistência Pública, e incentivou a agricultura e a indústria. Góes Calmon não era um político, no estilo dos seus antecessores. Era possuidor de uma boa formação técnica e estava, intelectualmente, neste plano bem acima do universo de conhecimento dos seus pares. Muitas das suas propostas não foram assimiladas pelos produtores baianos culturalmente bastante atrasados e resistentes à mudança. Particularmente interessado na cultura do açúcar, mobilizou consideráveis esforços buscando a sua recuperação. Quem lê seus relatórios se impressiona com a riqueza de detalhes com a qual esgrime os argumentos em prol da modernização das principais culturas agrícolas do Estado que constituíam o centro de seus interesses. Tentou formar uma administração competente, levando para o quadro do Estado inúmeros profissionais qualificados. No plano político, Góes Calmon não obteve sucesso, notadamente no que se refere à sua luta contra os “coronéis” do interior, tendo a frente Horácio de Matos. Conforme Pang (1978 p. 183-184): 77

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Advogado e banqueiro teve um papel relevante como intelectual escrevendo sobre a história econômica da Bahia no século XIX. Era ligado à burguesia agrário-comercial-exportadora, notadamente aos produtores de açúcar, cultura cuja recuperação defendeu ardentemente, e, também, parente de Miguel Calmon Du Pin e Almeida que foi Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, dos governos Afonso Pena e Nilo Peçanha e da Agricultura, Indústria e Comércio, do governo de Artur Bernardes, no período de 16 de novembro de 1922 a 15 de novembro de 1926. Na gestão de Góis Calmon foram intendentes de Salvador: o Engº Joaquim Wanderley de Araújo Pinho (1924 – 1926); Francisco Eloy Paraíso Jorge (Interino, 1926 – 1927) e o Cel. Francisco Gomes Magarão Ribeiro (Interino, 1928).

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA [...] o maior desafio que os Calmon enfrentaram em sua ascensão à supremacia política veio dos coronéis de Lavras. Entre dezembro de 1924 e fevereiro de 1925, os exércitos particulares do estado coronelista de Lavras confrontaram-se com as forças unidas da Força Pública da Bahia e dos coronéis anti-horacistas. Nessa guerra, o papel do Presidente da República foi crucial, como árbitro da restauração da paz o estabelecimento da entente cordiale entre o sertão e Salvador (grifo nosso). Na Bahia, a guerra entre os Calmon e Horácio de Matos foi o primeiro teste da viabilidade da política dos presidentes. O resultado da chamada Batalha de Lençóis ilustra perfeitamente o funcionamento da relação entre o coronel e o presidente, por um lado, e o reduzido papel do governador nos negócios locais, pelo outro. [...] Assim como no tratado de 1920, Horácio impôs suas condições, como um xogum Tokugawa lidando com os emissários do imperador impotente. O conflito entre o governo de Góes Calmon e Horácio de Matos mostrou duas importantes mudanças que haviam acontecido no coronelismo da Primeira República. Em primeiro lugar a existência dos “estados dentro do estado”, tornara-se uma realidade, mas não como fato isolado, separado da polícia da capital do estado e da federação. Pelo contrário, a sobrevivência de um estado, coronelista baiano foi decidida no Rio e não em Salvador (grifo nosso). A política dos presidentes não foi, na realidade, um fator chave no controle dos coronéis dos municípios pelos partidos dominantes do centro-sul (o PRM e o PRP), mas foi um fator. decisivo para a sobrevivência dos coronéis dos estados secundários, que em pouco tempo se tornaram aliados do PRP ou do PRM, Em segundo lugar, a entente cordiale entre os coronéis e os bacharéis não resultou na dicotomia da política do estado, mas sim no estabelecimento de uma relação de poder triangular de uma aliança entre os coronéis, os presidentes e os PR . Essa tendência continuou a existir durante a década de 1930 até a década de 1960, com os presidentes cada vez mais dependentes dos chefes políticos locais para a obtenção de votos. Visto dentro desse contexto, a importância do coronelismo como instituição de poder local não declinou depois de 1930, mas continuou como um novo fator na política nacional.

Assim, da mesma forma que nos governos passados, o poder governamental se exercia plenamente apenas em Salvador e no Recôncavo. A ordenação administrativa do Estado propiciou a ampliação do setor burocrático com a criação de inúmeros cargos públicos que foram ocupados por nova elite, a dos bacharéis, que passaria a assumir as posições de mando na política baiana. Em 7 de abril de 1925, Góes Calmon apresenta seu extenso relatório (2 volumes) relativo ao ano de 1924 em que pôde realmente fazer um 135

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balanço da situação do Estado. Na sua Mensagem79 à Assembleia, Góes Calmon não esconde sua antipatia em relação a J. J. Seabra: Paixões encandesceram a ponto de crear fora do Estado a impressão irreal de um prestigio perdido, aliás, na reiterada pratica de um Governo que ficara assignalado pelo desrespeito systematico às prescripções formaes da Constituição e das Leis. Alguns feitichistas da política, filiados á idea de que no Executivo ainda reside um poder soberano e absoluto, esquecidos do regimen que adoptamos e dos princípios democráticos que devem originar a nossa acção social, imbuídos do fanatismo confiante na perpetuidade das posições políticas, julgaram que, dispondo da força moral e material, que, em regra, aquelle poder conserva, fácil lhes seria supplantar a vontade eleitoral e annular os demais poderes constitucionaes.Por esse erro de visão desvirtuaram o regimen com pretensão voluntariosa, em querer que emanasse da vontade exclusiva do Governador a escolha do seu sucessor. Em torno de tão errada concepção concentraram-se elementos dissidentes do Partido Democrata, sob a direcção do próprio Governador, cujo quatriennio terminou em 29 de março ultimo.

Nesta mensagem, Góes Calmon apresenta seu projeto sobre a reforma do ensino no Estado da Bahia, que se transformou na lei n. 1846 de 14 de agosto de 1925. Esta lei ficou conhecida na história da educação brasileira como Reforma Anísio Teixeira. Tavares (2001, p. 350) a considera como a realização mais importante do governo de Góes Calmon. A iniciativa da organização de um sistema único de ensino primário na Bahia só é tomada no Governo Góes Calmon, em 1925. Anísio Teixeira, pela primeira vez à frente da administração da educação na Bahia, propõe e implanta, através da Lei nº. 1846, a unificação dos serviços educacionais estaduais e municipais, estabelecendo-se: • Ensino primário (a cargo dos municípios e do Estado) constitui-se um só e único serviço, sob a direção geral do Estado. • A competência de “criar, manter, transferir e suprimir escolas de instrução primária” dos municípios é reconhecida, nos limites da lei. • Unificados os serviços, todos os professores passam a ser funcionários estaduais. A lei prevê também a forma de ingresso e a carreira dos professores, bem como os níveis da sua remuneração. • O município fica obrigado a destinar 1/6 da sua receita para a educação primária, podendo ainda criar contribuições especiais para a educação; 80 • O tesouro do Estado pagará aos professores a par-

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As mensagens de Góes Calmon são as mais detalhadas de todos os governadores deste período (1900/1930) constituindo excelente fonte de informações sobre a economia no período. Esta exigência foi posteriormente revogada no governo seguinte de Vital Soares diante do clamor dos municípios que não possuíam condições financeiras para arcar com esta despesa. Os 17% (1/6) exigidos foi o percentual máximo em relação à Receita Geral do Estado que o governo Góes Calmon aplicou na instrução pública, quando os seus antecessores se situaram numa faixa média de 10%.Como exigir igual procedimento dos municípios?

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA tir dos recursos recolhidos mês a mês pelos municípios à Fazenda estadual. Em caso de não recolhimento, será apurada a responsabilidade do Intendente, que poderá ser afastado temporária ou definitivamente do cargo. Tal inovação não poderia deixar de provocar fortes reações em contrário, na Bahia do final da 1ª República, depois das crises entre poder local, coronelístico, e o poder estadual. A nova lei, apesar de ter provocado o aumento significativo das matrículas na escola primária, e de ter trazido reais vantagens para os professores, pela unificação da carreira e de proventos, é acusada de autoritária e de atentar contra a autonomia dos municípios. (MENEZES, 1999, p.160).

A reforma começa pela “centralização do serviço de ensino”. Góes Calmon (1925, p.59) considerava que “a administração do ensino na Bahia, dividida entre uma simples Inspetoria (Geral do Ensino) e a Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Publica” pussuia uma multiplicidade de objetivos e que a estrutura descentralizada, como estava, impedia uma necessária especialização, além de unidade de comando. Segundo ele, “a dispersão do serviço retira-lhe a robustez”. Criou, assim, a Diretoria da Instrução Pública, procurando darlhe “tanto quanto possivel, certa liberdade e autonomia acção”. Com este mesmo espírito “buscou a unificação do Ensino Municipal e Estadual”. Justificando esta providência afirma, com bom senso, de que sendo a educação “um serviço que, como se sabe, exige direcção technica e especializada” vivia o ensino municipal entregue às intendências, “cuja organização meramente política” não permitia a “continuidade de realização de um plano de educação popular” (grifo nosso). Adiante, declara em sua mensagem: Fica, desta sorte, com a necessária centralização o serviço escolar, que hoje disperso pelos cento e muitos municípios do estado, que são outras cento e muitas administrações escolares, não é mais do que um serviço rudimentar de alphabetização, para cujo corpo docente, a exigencia do próprio diploma de professor primário é tida como luxo dispensável e superfluo81. A seriedade administrativa e a seriedade technica faltam, por completo, ao serviço” (BAHIA, CALMON, 1925, p.59).

Estabeleceu que “a gratuidade absoluta (do ensino) existirá somente para o curso elementar. Todos os outros cursos supplementares estão sujeitos a taxa da qual, entretanto, se libertam os allumnos desprovidos de recurso”. Argumentando contra uma evasão que 81

Isto em 1925! O fato é que até 1990 existia no interior da Bahia uma infinidade de “professoras leigas” sem o correspondente diploma.

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atingia 90% dos alunos matriculados no ensino elementar, estabelece a obrigatoriedade escolar, afirmando: “não é tanto a obrigatoriedade da matricula, quanto a da frequencia que se tem de levar a effeito”. No que tange aos docentes, pondera que: [...] os professores são actualmente escolhidos na Bahia em virtude de um concurso de docummentos, que nem sempre vale o concurso de competencia. Se os candidatos se encontram em identicas condições, prevalece para a escolha entre os concorrentes o criterio da maior antiguidade de formatura. A idéa é exdruxula e perigosa. Antiguidade de formatura commumente quer dizer antiguidade de estudos e distanciado alheiamento dos livros [...] A lei verdadeiramente garantidora dos direitos do professorado deve assentar no merecimento pessoal.

Assim sendo, mudou o critério de seleção, adotando o mérito como fator predominante para a seleção dos docentes, estabelecendo um período de carência (probatório) de três anos para a obtenção da vitaliciedade. Segundo o governador, “O espírito da nova lei do ensino é permitir a ascenção dos mais capazes e só delles”. A duração dos cursos foi fixada em quatro anos para o ensino elementar e três anos para o ensino complementar. Os programas de ensino contemplavam as seguintes disciplinas: no fundamental, 1) Língua portuguesa; 2) Caligraphia; 3) Elementos de arithmetica, inclusive systema metrico; 4) Desenho linear; 5) Noções de geographia geral e chorografia82 do Brasil; Elementos de História do Brasil; 6) Lições occasionais de civilidade, de educação moral e civica, de hygiene elementar e de agricultura e industria applicadas à localidade; 7) Prendas domesticas para as meninas; 8) Canticos e hynos escolares; 8) calistenia.83.

No ensino complementar, os estudos compreendiam: 1) Lingua Portuguesa; 2) Lingua Francesa; 3) Geographia Geral; 4) Historia do Brasil; 5) Arithmetica e Algebra; 6) Desenho geometrico e de imitação; 7) Sciencias naturaes (noções); 8) Sciencias physicas (noções); 9) Educação e instrucção moral e civica; 10) Musica; 11) Trabalhos e prendas domesticas; 12) Gymnastica.

O governador explica que não existiam, nas escolas baianas, programas de ensino no curso primário, daí o mal conceito que existia sobre as coisas da instrução na Bahia84 (grifo nosso). Para justificar sua implantação e fixação por regulamento obrigatório, afirma: 82 83 84

Estudo ou descrição geográfica de um país, região, província ou município (Corografia) Exercícios de ginástica para a beleza e vigor físicos. Este conceito perdura até os dias atuais, bastando ver a posição da Bahia no rank nacional.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA Inevitavelmente, os programmas, alem de interessarem fortemente a opinião publica, encerram o ideal – o fim com que é dada a instrucção. Nele, mais do que a simples lista de materia a ensinar, se deve encontrar, pelo, menos parcialmente, o ideal educativo e o modo de realizal-o (grifo nosso).

Rompendo claramente com o humanismo jesuítico e optando pela formação técnica e pragmática, Góes Calmon estabelece uma comparação com a escola americana, mostrando que, diferentemente da nossa, aquela faz com que [...] a creança americana deix[e](a) a escola como um pequenino e emprehendedor homem de trabalho, (grifo nosso) cheio de iniciativa, levando mais em conta os resultados materiais de sua actividade do que os cuidados com a sua cultura intelectual.

E acrescenta: [...] ora, na America, os trabalhos manuais85 e o desenho têm sido a grande escola de desenvolvimento da personalidade pelo cultivo intensivo da vontade e do pensamento. Enquanto as escolas theoricas e livrescas desenvolvem a intelligencia e a imaginação, descurando a vontade, a educação americana fortifica sobretudo esta pela acção. Toda a educação primaria americana assenta nesse principio froebeliano86: educar pela ação” (p.65).

Observe-se que, há 83 anos, atrás Góes Calmon já falava, pioneiramente, na formação empreendedora e dinâmica do nosso povo. Por que isso não ocorreu? No que se refere à economia, sua área de especialização, Góes Calmon traça um interessante retrato da situação da Bahia ao atingir o primeiro quartel do século XX. Vale lembrar que seu governo transcorre numa fase de recuperação e prosperidade da economia brasileira, superados os traumas gerados pela primeira guerra. O governador começa sua exposição com o mote que posteriormente se transformou em refrão dos economistas do setor público estadual até os dias de hoje: a participação da Bahia no balanço de pagamentos, como se, numa estrutura de excessiva concentração da renda, em que os excedentes eram aplicados na amortização de empréstimos externos, em consumo suntuário ou em aplicações fora do Estado por uma oligarquia estróina, significasse progresso para a economia local. Destaca, assim, em sua Mensagem de 7 de abril de 1925 (p.157 e seguintes), “que é considerável a contribuição da Bahia na balança 85 86

Na nossa cultura atividade destinada apenas aos pardos, pretos e escravos. Froebel (1782-1852) Educador alemão. Suas idéias reformularam a educação. A essência de sua pedagogia são as idéias de atividade e liberdade Trabalhou com Pestalozzi, e embora influenciado por ele, foi totalmente independente e crítico.

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commercial do Paiz, e que os seus saldos annuaes da exportação para o exterior, são valores effectivos a favor do intercambio brasileiro.” Segue-se a exposição de uma concepção econômica, isolacionista e típica de banqueiro usurário, que não faz justiça à inteligência do governador e que retrata bem a mentalidade da elite baiana na época. O governador considera uma vantagem para a Bahia não existir no Estado 1º. corrente imigratoria extrangeira, que possa determinar a emigração de capitaes para o exterior, resultante da economia dos colonos (como se houvessem, porque não houve, colonos, estes não iriam produzir e gerar riquezas no estado, com bem fizeram nas regiões Sul e Sudeste); 2º Não existindo capitaes estrangeiros empregados neste Estado, consequentemente, também não se verifica a saida de juros e amortizações desses capitaes (pelo visto o governador não considerava os aspectos positivos das inversões estrangeiras, notadamente em capital fixo, que poderiam compensar o nosso atraso tecnológico e escassez de poupança); 3º. O serviço da dívida externa do Estado exige, presentemente, o pagamento, apenas, (grifo nosso) da importancia annual de seis mil contos de réis (como se a dívida externa rolada desde o início do século, não constituisse um grande embaraço para o desenvolvimento do estado); 4º. Sendo muito”. pequeno o numero de pessoas que daqui seguem, em viagem, com destino ao estrangeiro, por tal motivo tambem não se dá evasão de avultadas quantias-ouro (como se o isolacionismo por pobreza e atraso fosse uma vantagem econômica); 5º. Não se verifica, outrossim, o caso de residirem bahianos na Europa ou em outros meios extrangeiros (como se isto fosse vantagem. Talvez porque entendia o governador que quando no exterior os baianos, certamente filhos dos oligarcas locais, numa vida perdulária e inútil, constituiam uma fonte de drenagem de recursos via mesadas. Anula-se a possibilidade de ocorrer o contrário visto que os melhores técnicos brasileiros na época se formaram no exterior. Inclusive Anísio Spinola Teixeira, seu secretário).

Informa o governador que o comércio interior do Estado movimentava, em 1923, Rs.212.593:286$000 em giro, através 20 020 empresas. São dados colhidos com base no pagamento do imposto sobre indústria e profissões, não incluindo os estabelecimentos da capital, que demonstram a fragilidade econômica do interior baiano. Em 1924, os três principais produtos de exportação baianos eram o cacau, o fumo e o café. Os três, reunidos, respondiam por 70% do valor exportado. O açúcar, em quinta posição, respondia apenas por 8% deste valor. A despeito da posição modesta ocupada pelo açúcar, é ele, como foi anteriormente mencionado, o objeto primeiro das preocupações do governador, que admite ter sido ela a cultura mais 140

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Tabela 11 - Comércio no interior baiano - 1923

Fonte: Góes Calmon. BAHIA, Mensagem, 1925, p.157. Nota: * Aguardentes, expressão portuguesa.

protegida por auxílios, concessões e impostos mínimos que lhe impediram a decadência fatal, precipitada pela crise de 1873, e seguidamente, até o maior desastre, resultante da desordem produzida pela reforma social de 1888 (abolição da escravatura) (p.159) (grifo nosso). Para resolver os problemas da cultura do açúcar, vítima das secas, o governador defende a adoção da irrigação. Em relação à cultura do fumo, a segunda maior exportadora do Estado, diz Góes Calmon: “é uma das grandes lavouras do Estado, com papel preponderante no seio da Nação. Infelizmente, também é, em geral, rotineira, por ser a lavoura do pobre e tradicionalmente do proletário” (grifo nosso). Mas, também, descobre-lhe um mérito “foi nella que, entre nós, nasceu o cooperativismo, o principio associativo.” E, aí descreve o progresso do cooperativismo à época: É notorio o desenvolvimento continuado do credito popular e agrícola entre nós. Basta assignalar que, quando me dirigi a essa Assemblleia, em igual data, no anno de 1925, existiam, apenas na Bahia 13 Caixas Ruraes do systema Raiffeisen87, ao passo que hoje esse numero já ascende a 38, além de um banco Luzzatti, das quaes estão em inteira actividade, distribuindo múltiplos benefícios, as Caixas Ruraes de Amargosa, Agua preta,, Belmonte, Bomfim, Brejões,Cachoeira, Feira de Sant’Anna, Itabuna, Muritiba, Nazareth, 87

Tanto as cooperativas do tipo Raiffeisen (surgidas na Alemanha) como os bancos populares do tipo Luzzati (surgidos na Itália) são instituições de crédito cooperativo introduzidas no Brasil no início do século XX, notadamente no Rio Grande do Sul.

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Santo Amaro, São Felix,Serrinha e Santo Antonio de Jesus. As caixas ruraes de Alagoinhas, Affonso Penna, Areia, Caetité, Cannavieiras, Cruz das Almas, Livramento, Santa Ignez e Lage só receberam o material de escripta que o Governo, na forma do art. 2 da lei n. 1764, de 13 de Junho de 1925, se obrigou a fornecer gratuitamente, nos mezes de Janeiro e fevereiro do corrente anno, de modo que ainda não puderam demonstrar sua actividade. (BAHIA, CALMON, 1926, p.239).

Assinala a importância do cacau para a economia do Estado, como primeiro produto da sua pauta de exportações, respondendo, em 1924, por 31% do valor exportado, e preconiza um conjunto de medidas de natureza técnica para o melhoramento da cultura. A respeito da indústria, observa: [...] as nossas pequenas e grandes indústrias ainda deixam muito a desejar. Os homens de iniciativa são, em geral, os que menos dispõem de capital e de crédito. Os seus trabalhos, iniciador e inventivo, têm de sujeitar-se aos ramos capitalistas que percebem ser a indústria uma boa fonte de renda.

Em termos de incentivos fiscais à indústria refere-se a projeto de lei que autorizará a concessão, a fundo perdido, de Rs 1.000:000$000 a cada alto forno e de Rs 50:000$000 a cada forno catalão “com o fim de fazer surgir na nossa terra a industria metallurgica”. Quanto à pequena indústria, Góes Calmon informa que [...] a estatística e o fisco não puderam ainda conhecer de umas pequenas indústrias, quasi familiares, de bordados, rendas e outros artefactos de agulha e crochet, bonecas, flores, doces, etc. como de varias outras de institutos officiaes e particulares destinados a fins de aprendizagem e de economia interna dos mesmos... O gênio industrioso do nosso povo é notável e de uma vocação artística impressionante.

Aí, minuciosamente relaciona as atividades em funcionamento naquele ano de 1925 (Tabela 12). Além das empresas listadas na Tabela 12, o governador relaciona a existência de outras, não quantificadas, dos gêneros de ourivesarias, lapidação de pedras preciosas, pequenos curtumes, artefatos de ferro esmaltado, de bengalas, de produtos farmacêuticos e cerâmicos, de rapé, fumo desfiado e migado (picado), de chocolate, bombons, salga e conserva de peixes e adubos químicos. A tabela anterior não fornece maiores informações para análise, vez que omite dados relacionados ao valor da produção. Entre as pequenas indústrias relacionadas, predominavam os fabricantes de bebidas e destilarias que representavam 43% das empresas. O setor de calçados ocupa o segundo lugar, com 19% das empresas, apesar de 142

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Tabela 12 – Pequenas indústrias da Bahia - 1925

Fonte: Góes Calmon, BAHIA, Relatório 1925, p.195.

apresentar uma produção modesta. Ainda significativa era a participação das fábricas de charutos e cigarros, com 9% das empresas, mas um volume de produção mais elevado. Os setores que se destacam estão diretamente vinculados à base agrícola estadual: açúcar, fumo e couros e peles e pertencem ao ramo das chamadas indústrias tradicionais, vinculadas a atividades relacionadas com as necessidades primárias da população. Quanto às “chamadas grandes indústrias”, o governador refere-se à indústria têxtil com dados defasados (de 1914), relatando a produção de “uns 50.005.336 metros de fazendas diversas em 11 fábricas”. Refere-se também às fabricas de açúcar que, [...] na safra de 1923/1924 produziram 22.997.700 kg nas 17 usinas, não sendo possível obter-se a das 5.946 engenhocas e dos 705 engenhos existentes; à de sal com 8.252.485 kg; os dois grandes cortumes que preparam marroquins, pellicas, cordovões e duas fabricas de productos pharmaceuticos, allopathicos e homeopathicos, cuja produção não poude ser apurada.

A respeito das estradas de rodagem – depois do açúcar, o tema de sua predileção –, diz Góes Calmon em seu relatório: O progresso de nossa producção, a propaganda feita pelo Governo pela Imprensa Official e os auxílios que tem concedido a reconhecida necessidade de viagens mais cômodas e rápidas por automó-

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veis, determinaram esse extraordinário movimento da iniciativa municipal e individual para o aperfeiçoamento de nossas velhas estradas e aberturas de novas (grifo nosso). E assim, até fins de Dezembro do anno passado, mais de 900 kilometros de rodovias nossas estavam sendo percorridos por mais de centenas de automoveis e caminhões. Estão quase promptas, faltando algumas obras de arte definitivas e pequenos reparos, as seguintes estradas:De Alagoinhas a Irará, de Serinha à Feira de Sant’Ana; de Geremoabo a Queimadas e deste ponto a Patronicio do Coité e a Cícero Dantas; desta Capital a São Sebastião e de Brotas a Feira de Sant’Ana; desta localidade a Mundo Novo, por Camisão e Monte Alegre e ainda para Berimbao e Serrinha; de Affonso Pena a Sapé ; de Castro Alves a Santo Antonio do Arguim; de Lagedo Alto a Veados e deste a Brejões; de Amargosa a Tartaruga; de Nazaré a Aratuype; de Santa Ignez a Olhos D’Agua; de Jaguaquara a Itirussú; de Jequié a Rio Branco; de Curaçá ou Capim Grosso, a Juazeiro; de Caetité a lapa e de Caetité a Caculé; da fazenda Alegria do Candeal a Condeuba; de Cachoeira a São Gonçalo e de Muritiba a Cruz das Almas.O governo auxilia a construção das estradas de Monte Alegre a Mundo Novo; de Feira a Camisão; de Affonso Pena a Sapé; de Castro Alves a Santo Antonio do Arguim; de Curaçá a Juazeiro e de Cachoeira a São Gonçalo.

Como informa o governador, a construção das estradas de rodagem foi de iniciativa municipal ou de particulares. O Estado se incumbia da construção das obras de arte e fornecia um subsídio por quilômetro construído. Ainda sobre a precariedade do sistema de transporte do Estado à época, declara-se admirado de que “a nossa producção se tenha desenvolvido, sem tal accessorio indispensável e com a falta hoje evidente, de animaes de transporte. No que diz respeito às ferrovias, apresenta o seguinte balanço para o ano de 1924: [...] não acompanharam o progresso da produção” 88 entregues ao domínio da incapacidade, sem idoneidade technica e financeira, e ao desprezo dos governos passados, com indiferença dos interesses da lavoura e do commercio, que são os do publico, estagnaram no desmantelo, salvo uma ou outra excepção. A internação das estradas de ferro pelo nosso sertão foi descuidada. Umas estão paralizadas há mais de dez annos, outras desde o mesmo tempo que roceiramente trabalham nus 60 kilometros intermináveis e algumas, as do Governo Federal, quase que profiam no mesmo passo (p. 209) (grifo nosso).

Percebe-se que, em se tratando, a ferrovia, de um meio de transporte que exige investimentos substanciais, esgotados os financiamentos externos e não atingidas todas as suas finalidades – ou pelo 88

Mas absorveram grande parte dos financiamento externos comprando locomotivas, vagões e trilhos velhos dos ingleses.

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desvio dos recursos, corrupção ou subestimação dos orçamentos de obras, numa época em que os levantamentos topográficos e os conhecimentos da mecânica dos solos não eram muito desenvolvidos notadamente na Bahia, e levando-se em consideração a crise econômica decorrente da primeira guerra –, seria de admirar que este sistema estivesse prosperando. Faltaram recursos de modo geral e as obras pararam. As empresas existentes foram exploradas de modo predatório, logo teriam que se deteriorar sem a manutenção permanente. A Estrada de Ferro de Nazaré, segundo relata Góes Calmon, foi encontrada com parte dos dormentes podres. De significativo nesta área, registra-se, no governo Góes Calmon, a conclusão da Estrada de Ferro de Nazaré, com a extensão dos seus trilhos até a cidade de Jequié que se tornou o ponto final da ferrovia até a desastrada providência do governo federal que a extinguiu na década de 1970. Ainda no tocante ao sistema de transportes, o governo Góes Calmon assumiu novamente as empresas de navegação do Estado – Navegação Baiana e Viação do São Francisco –, promovendo suas modernizações. Justificava-se a preocupação de Góis Calmon com a questão dos transportes que estrangulavam a nossa economia e limitava o seu processo de industrialização. Como homem ligado ao meio empresarial devia ter conhecimento do quadro descrito, muitos anos depois, por Thales de Azevedo e E.Q. Vieira Lins no livro História do Banco da Bahia: 1858-1958, transcrito a seguir. A decadência que se assinalava da Bahia para o norte, a insuficiência do abastecimento europeu durante a guerra, criaram condições propícias à expansão comercial fora dos limites estaduais com o consequente maior desenvolvimento do parque industrial. Toda a região circunvizinha, em grande parte produtora de café, era contaminada também, pelo progresso paulista. Por volta de 1922, fábricas “inundavam a nossa praça com pregos por qualquer preço” fazendo concorrência à indústria local, sendo de observar que, desde muito antes, já havia “inundação de caixeiros-viajantes cariocas e paulistas”.Era observado, ainda, que, enquanto os governantes baianos não davam a devida atenção aos meios de transporte, os Estados vizinhos faziam avançar as suas estradas de ferro e de rodagem, estendendo paralelamente por intermédio dos seus “caixeiros-viajantes” os seus perímetros de influência e negócio, que resultava no desvio da freguesia do comércio metropolitano. Observação de quem sentia diretamente os efeitos da concorrência comercial, correspondia, contudo, à realidade, embora não pudesse ser imputada exclusivamente aos nossos governos. Efetivamente, enquanto crescia o parque ferroviário do Sul, sempre fazendo

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crescer os mercados de consumo, nós nos limitávamos a uma estrada de penetração para o São Francisco, uma outra para o sudoeste, e uma que tentava o centro. No mais, ficávamos arranhando o litoral como caranguejos. Enquanto todo o Norte, incluída a Bahia, possuía, em 1919, cerca de 5.290 km de ferrovias, o nosso Estado possuindo 1.728, o Sul possuía 22.548 km, sendo que São Paulo com 6.615 e Minas com 6.613. A situação não se alteraria para o futuro, com o decréscimo, para nós, em qualidade, a disparidade ocorrendo, também, no setor das rodovias. Ainda no setor ferroviário, se, proporcionalmente, em face da superfície dos Estados, devíamos ter, em relação a São Paulo, pelo menos o dobro de trilhos, possuíamos apenas menos de um terço. Ocorria portanto, que nos distanciávamos do nosso interior, que passava a ser assistido comercialmente pelos Estados vizinhos, e Salvador se reduzia, cada vez mais, à condição de metrópole do Recôncavo. Quer dizer que, havendo sempre uma tendência para a concentração industrial nas grandes cidades, no nosso caso Salvador, restringiamse gradativamente as possibilidades de um consumo interno, consequentemente jugulando o nosso desenvolvimento industrial. (1969, p. 228) (grifos nossos).

No final do seu governo, Góes Calmon apresenta um detalhado estudo do endividamento da Bahia (Mensagem de 1927) demonstrando que, naquele ano, o Estado devia a soma de Rs 98.522.050$941 dos quais 56%, ou seja, Rs. 55.072:600$000, correspondiam à dívida interna e os restantes Rs 43.449:450$941 (44%) aos banqueiros internacionais. Esta dívida externa equivalia a Frs. 42.976.500,00, ou seja, Rs. 17.303: 514$001, a serem pagos aos bancos franceses e a L 2.941.418-4-0, ou Rs. 26. 26.145.936$940, aos bancos ingleses, portanto os maiores credores do Estado. Pelo que se observa durante todos os períodos governamentais da Primeira República a Bahia constituiu uma grande fonte de renda para o sistema bancário nacional e internacional carreando praticamente tudo que arrecadava da população para os cofres dos banqueiros. 2.3.7 Vital Soares89 Inicialmente um liderado de Góes Calmon, a quem deveu a sua eleição para o governo do Estado, Vital Henriques Baptista Soares administrou a Bahia no período de 28 de março de 1928 a 21 de 89

Egresso do quadro jurídico do Banco Econômico da Bahia,do qual foi Presidente. Em sua gestão administrou a cidade do Salvador o Engo.Francisco de Souza (1928 – 1930). A partir dessa administração os intendentes passaram a ser denominados prefeitos (FUNDAÇÃO, 2008).

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julho de 1930, quando renunciou para concorrer à Vice-Presidência da República na chapa de Júlio Prestes, vencedora do pleito nacional, mas impedida de assumir o poder pelo movimento revolucionário de 1930 encabeçado por Getúlio Vargas. Governando a Bahia por um curto período, Vital Soares dividiu suas atenções com a continuidade da política adotada pelo seu predecessor, buscando a integração e o fortalecimento das relações entre o sistema financeiro e o comércio e a agricultura e com a política nacional, em que ganhou mais não levou a Vice-Presidência da República. Tratou-se, pois, de um governo de transição do regime democrático para o autoritário que vai governar o Brasil e a Bahia por 15 longos anos. Como todos os seus predecessores, Vital Soares aborda, em suas mensagens à Assembleia Geral Legislativa do Estado, questões que se padronizaram nas mensagens anteriores: a situação econômica e a péssima situação das finanças públicas, o desempenho das lavouras tradicionais de exportação e a recorrente questão da seca e dos seus transtornos. Tratando-se de um sucessor amigo e companheiro do governador anterior e tendo mesmo Góes Calmon exercido uma administração eficiente, a Mensagem, encaminhada em 7 de abril de 1929, é prenhe de otimismo. Mal sabia o novo governador da hecatombe financeira que desabaria sobre o mundo no fatídico mês de outubro daquele ano a partir do crash da bolsa de Nova York. Dizia então o governador: Nada mais animador, na antevisão do futuro deste Estado que a observação dos dados estatísticos, relativamente ao nosso intercambio commercial. Ao findar o Império, a nossa exportação para o estrangeiro não ia além de 9.794:000$000; dez annos mais tarde, já na Republica, ela se representava pela cifra de 62.288:000$000 para chegar em 1920, ao montante de 145.403:000$000 e tocar em 1928, a importância de 335.700:000$000. (BAHIA, VITAL SOARES, Mensagem, 1929).

Em seguida, apresentava um quadro comparativo entre os saldos da balança comercial do Brasil e da Bahia, no período de 1900 até 1928, em que se registrava uma considerável vantagem para esta última. Em sua análise afirmava: “À eloquência desses dados, deve-se apenas fazer uma annotação: enquanto a balança brasileira registrou déficit em dois anos, 1913 e 1920, a da Bahia nunca se desnivelou em sentido descendente.” Afirmava, em seguida, que o saldo mercantil 147

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brasileiro de 1928 totalizara £ 6.770.000 ou, em moeda brasileira, cerca de Rs. 275.000: 000$000, enquanto o saldo baiano no mesmo período foi de £ 5.367.000 ou cerca de Rs.217.300.000$000 para concluir que “o saldo de intercambio commercial do nosso Estado foi o grande concorrente para o saldo brasileiro, comparado com o qual o bahiano representou 79,3%.” Alinhando outros dados agrícolas que atestavam, a seu ver, a riqueza e prosperidade da Bahia, destacava o governador: [...] a vantagem da nossa condição de Estado polycultor [alfinetando o Estado de São Paulo] a qual importa desenvolvida, por que fiquemos ao abrigo das graves crises que arruínam os povos, quando lhes mingua a única ou maior fonte de produção (grifo nosso).

Tema freqüente nas mensagens governamentais, apresenta o governador um demonstrativo da dívida externa da Bahia, em 31 de dezembro de 1927, a qual totalizava, ao câmbio de estabilização, Rs 149.038:032$140 que correspondiam em 89% a créditos ingleses e o restante, a créditos franceses. Em moeda estrangeira, a dívida totalizava £ 3.267.438-4-0 e Frs.48.230.500. Em sua segunda e última Mensagem, de 2 de julho de 1930, desapareceu o otimismo governamental. Segundo Vital Soares: O anno de 1929 assignalou uma das maiores crises econômicas das que tem atravessado o Estado da Bahia. E se esta crise foi de origem geral, affectando não só ao Brasil como a grande numero de outras nações, pequenas não foram as suas consequências na vida do nosso Estado, que sofreu consideráveis prejuízos, pertubandose grandemente as suas múltiplas actividades realizadoras. Basta ponderar que a nossa exportação exterior em 1929 foi menor que no ano precedente na elevada cifra de 86.765 contos de réis. A importação também decresceu de 117.019 contos em 1928 para103. 155 contos em 1929. O saldo da nossa balança commercial que em 1928 se expressou em 218.680 com tos de réis, ficou em 1929 em 145.749 contos de réis... Esses resultados de 1929 refletem as menores exportações do Estado, quer nas suas quantidades, quer nos seus valores reduzidos pelas baixas cotações a que todos ficaram sujeitos.

Pelo teor das mensagens não se observa de parte do Governador qualquer preocupação com o problema social que adviria da crise econômica. A oligarquia agrária mercantil baiana não percebia que estava perdendo o poder dadas as novas forças políticas e sociais que emergiam no país.

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2.4 A REVOLUÇÃO DE TRINTA NA BAHIA A Bahia nada teve a ver com a Revolução de Trinta. Esta chegou até aqui como um fato consumado por causas, motivações e circunstâncias engendradas pela ruptura da política do “café com leite”, o colapso da economia cafeeira associado à grande depressão de 1929, o descontentamento das classes média e operária dos estados do Sudeste e do Sul e a insatisfação dos militares (o Tenentismo). Boris Fausto, em sua obra clássica sobre este movimento, desmistifica muitos mitos apreciados pelos historiadores de esquerda, que identificam neste movimento a vitória da burguesia industrial sobre as oligarquias agrário-exportadoras e a representatividade da classe média na revolução, demonstrando que o surgimento desta, na estrutura do poder dos altos escalões da classe governamental, virá a ocorrer muito depois de 1930. A despeito de valorizar o papel dos militares e dos seus anseios por derrubar a República Velha e modernizar o país, Fausto demonstra que estes foram instrumentados pelos políticos gaúchos e mineiros que, unidos, comandaram o golpe de estado que levou Getúlio Vargas ao poder. Desta forma, a Revolução de Trinta não implicou em alterações nas relações de produção na esfera econômica ou na modificação de classes no poder. Segundo a historiografia, o termo revolução transcende a uma simples ruptura constitucional, implicando numa transformação radical da ordem política, social e econômica de uma nação. Não foi isto o que ocorreu aqui com a “Revolução” de 1930, que melhor seria classificada como um golpe de estado. Segundo Fausto (1997, p.136) a formação de uma frente constituída por forças de natureza diversa não responde, por si só, à questão da classe ou fração que substitui, no poder, a burguesia cafeeira. Francisco Weffort encontra a melhor resposta para o problema, caracterizando os anos posteriores a 1930 como o período em que [...] nenhum dos grupos participantes pode oferecer ao Estado as bases de sua legitimidade: as classes médias porque não têm autonomia frente aos interesses tradicionais em geral; os interesses do café porque diminuídos em sua força e representatividade política por efeito da revolução, da segunda derrota em 1932 e da depressão econômica que se prolonga por quase um decênio; os demais setores agrários porque menos desenvolvidos e menos vinculados com as atividades de exportação que ainda são básicas para o equilíbrio do conjunto da economia. (WEFFORT 1968, apud FAUSTO 1997 p.136).

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Em tais condições, segundo Fausto (1997, p.136), instala-se um compromisso entre as várias facções pelo qual “aqueles que controlam as funções de governo já não representam de modo direto os grupos sociais que exercem sua hegemonia sobre alguns dos setores básicos da economia e da sociedade”. (WEFFORT 1998, apud FAUSTO 1997, p.136). A possibilidade de concretização do estado de compromisso é dada, porém, pela inexistência de oposições radicais no interior das classes dominantes e, em seu âmbito, não se incluem todas as forças sociais. O acordo se estabelece entre as várias frações da burguesia. As classes médias – ou pelo menos parte delas – assumem maior peso, favorecidas pelo crescimento do aparelho do Estado, mantendo, entretanto, uma posição subordinada (FAUSTO 1997 p.136). Segundo Rodrigues (1982, p. 98-99) A luta eleitoral e a armada contaram com a simpatia popular, apesar do divórcio entre as elites governamentais ou oposicionistas e o povo. O receio consistia em que a revolução viesse temerosamente, como esclareceu João Neves da Fontoura, de baixo para cima. Pelos seus objetivos reformistas liberais, quase limitados à “Representação e Justiça”, porque nascia da cúpula dos partidos excluídos na participação do poder, da cisão da minoria dominante, o movimento de 1930 só foi revolucionário na forma do comportamento, na reação às proscrições acumuladas. Não visava a atender, senão em parte mínima, às reivindicações populares, nem atendia às aspirações de mudança estrutural do país. Antes pretendia, pelas reformas secundárias, especialmente eleitorais que permitissem o acesso das minorias oposicionistas ao poder, evitar ou retardar a revolução. A luta teve desfecho rápido, apesar da mobilização militar que provocou, e tal qual as revoluções liberais - como a de 1842 - não foi relativamente sangrenta, talvez não chegando a 300 o número de mortos nas primeiras lutas, logo seguidas das costumeiras expectativas e tentativas de acordo entre revolucionários e legalistas, e da adesão final, tudo em 20 dias. (Grifos nossos).

Da mesma forma que na Proclamação da República, a Bahia, pelas suas lideranças, começou a Revolução de Trinta na contramão da história. Mais pelo medo de perder o poder de gerir seus interesses paroquiais e por uma tremenda resistência às mudanças do que por um idílico espírito democrático, todas as suas lideranças, à exceção de J. J. Seabra, se opuseram ao movimento de trinta e a Getúlio Vargas. Numa sociedade atrasada como a baiana, as mudanças que começaram a ser introduzidas contrariavam radicalmente todos os interesses da oligarquia local dominante. 150

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Isto fica claro no texto seguinte de José Honório Rodrigues em seu, também clássico, Conciliação e reforma no Brasil: O governo provisório (1930/1934) apresentou muitos ganhos positivos. A reforma eleitoral de 1932 atendia à velha aspiração liberal. Adotava-se o voto secreto, a representação proporcional, o sufrágio feminino, o regime de partidos, a justiça eleitoral. Era um avanço, embora contivesse falhas e defeitos que a legislação posterior tentou corrigir. A representação ganhava em autenticidade, mas continuava sem fidedignidade, com a exclusão dos analfabetos, e os partidos continuavam como organizações estaduais, embora a política nacional não fosse mais controlada pelas simples coalizões estaduais. Mas a grande conquista política que o movimento de 1930 deu ao povo foi a de que, pelas urnas, pelas eleições, muitas transformações graduais poderiam se efetivar. A outra reforma, mais social que liberal, foi a instituição do regime de trabalho protegido pelo Estado. Getúlio Vargas, na plataforma lida em 1930, falara em Código do Trabalho, na estabilidade, no amparo ao trabalho das mulheres e dos menores. O Brasil aderiu ao Bureau Internacional do Trabalho de Genebra, mas das 31 convenções aprovadas e assinadas pelos nossos delegados só três haviam até então sido enviadas ao Congresso, onde não tinham andamento. Assumindo o governo a 3 de novembro, já aos 26, Vargas criava o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; de março de 1931 a abril de 1941 decretou 160 leis novas de proteção social e de regulamentação do trabalho. A legislação trabalhista, a previdência social e a justiça do trabalho, criada pela Constituição de 1934, mas nascida com as Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento, refletiam a nossa inspiração progressista, justificavam, por si sós, a revolução de 1930. Mas o principal, como reforma substancial, era a luta pela emancipação econômica, que o nacionalismo empreendia. As primeiras conquistas foram os Códigos de Minas e Águas (julho de 1934), que removiam os obstáculos e embaraços ao aproveitamento das riquezas do subsolo e ao regime industrial das águas. A nacionalização progressiva das minas e jazidas minerais, e a afirmação de que as fontes de energia são propriedade nacional inalienável, a lei dos dois terços, a anulação, em maio de 1931, dos contratos da Habira Iron, assinados em 1920, o novo sistema de tarifas e de isenção e redução aduaneiras, ambos de 1934, que favoreciam o caminho da industrialização, as comissões de planejamento do petróleo e da siderurgia, esta instituída em agosto de 1931, representavam um grande esforço para a realização de reformas básicas. A própria Constituição de 1934, refletindo essa transformação, consagraria, nos artigos 116 e 117, os primeiros princípios do nacionalismo econômico. O gigantesco crescimento industrial brasileiro, entre 1930-1934, quando declinaram os investimentos americanos e ingleses e surgiu o nacionalismo econômico, representou também uma reforma estrutural. Somente no campo Vargas não mexeu, nem para melhorar a situação do lavrador e do sertanejo. A Revolução

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liquidou, é verdade, com os “coronéis”, e um deles, o que mais se servia de sertanejos para os objetivos políticos seus e de seus chefes, Horácio de Matos, foi assassinado na Bahia, em 1931; pouco a pouco foi também extinto o cangaceirismo, a ferro e fogo. Lampião morreu em 1938 e ele e seu grupo foram degolados; o Caldeirão do Beato Lourenço, com seus fanáticos, foi extinto a fogo de polícia e exército, com mais de cem mortos. Os insubmissos do campo estavam sendo massacrados; distúrbios ocorriam no Nordeste, onde sertanejos abandonados pelo Governo, sofrendo de fome e das secas, atacavam feiras e invadiam cidades (1982 p. 100-101) (grifos nossos).

Em síntese esse período da nossa história econômica, segundo Matta ( 2009) [...] foi marcado pela definitiva submissão das oligarquias baianas ao capital industrial do Sudeste do Brasil. Com o Estado Novo e Getúlio Vargas no poder, a classe burguesa brasileira passa a assumir a liderança econômica e política no país. Mais dinâmica, mais ligada ao sistema econômico internacional, a burguesia logra impor seus projetos de estado e sua lógica de dominação, transformando o poder e organização das tradicionais oligarquias e latifundiários em órbita secundária e dominada. Enquanto o capitalismo cresce no centro da economia de consumo, as regiões de organização agrária e política oligárquica passam a ter sua classe dominante dependente do apoio e favorecimento deste centro para manter-se no poder. A Bahia toma este papel após 1930. Torna-se satélite secundário e dependente da política e economia paulistas, e seus grupos de poder passam a caminhar na direção do que deseja o Sudeste, se pensam em manter-se como dirigentes baseados no prestígio. É um período em que o jogo político interno ainda obedece as regras das tradicionais oligarquias, mas seja qual for o grupo vencedor das disputas internas, ver-se-á a realização de objetivos do Sudeste do Brasil na Bahia, assim como em outras regiões do país. A lógica da sociedade burguesa está em dar mais força e prioridade às pretensões de seus centros mais dinâmicos.

2.4.1 Os interventores90 Todas as lideranças políticas foram marginalizadas pelo movimento revolucionário, atendendo a pressões dos próprios militares. Mesmo J. J. Seabra, que apoiou o movimento, não foi considerado pessoalmente para assumir o governo estadual. 90

Segundo a Fundação Gregório de Matos, no período da Revolução de Trinta (1930 – 1945) Salvador foi administrada por 13 prefeitos, sendo cinco interinos. O Engº Arnaldo Pimenta da Cunha (1931 – 1932) foi o primeiro nomeado em caráter efetivo pelo Governo Revolucionário. O Major Severino Prestes Filho (1937 – 1938) foi o primeiro nomeado após o golpe de novembro de 1937. Em 1945 assumiu o Des. Adalício Coelho Nogueira, primeiro prefeito nomeado após a queda de Getúlio Vargas. (Fundação Gregório de Matos – História Administrativa de Salvador, 2009) de Getúlio Vargas. (FUNDAÇÃO, 2008).

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Foram 11 os interventores na Bahia, a maioria “tampões” – por curtos períodos de tempo. Entre todos, merecem registro especial a interventoria do então tenente Juracy Montenegro Magalhães – o principal líder da revolução na Bahia e com grande destaque em termos nacionais – e a do agrônomo Landulpho Alves de Almeida. 2.4.1.1 Juracy Magalhães Acusado pelos seus adversários de autoritário, temperamental e truculento91, o cearense Juracy Montenegro Magalhães revelouse muito mais político do que militar ao longo da sua vida. Marcou uma época na Bahia, tendo governado-a por duas vezes. A primeira, no período da Revolução de Trinta (seis anos) e a segunda, no regime democrático (quatro anos) no período de 1958 a 196292. Aqui chegou em 1931, tendo contra si todos os oligarcas da terra, inclusive J. J. Seabra, que se sentira preterido pelos revolucionários. Trazia duas preocupações básicas (segundo suas próprias palavras): liquidar o famoso cangaceiro Lampião e sanear as finanças do Estado. Ao final da sua administração, quando rompeu com Getúlio Vargas, por ser contrário ao Estado Novo, tornara-se o mais novo “coronel” baiano, liderando uma corrente – o juracisismo – a qual, sobretudo no interior, o idolatrava. Combateu o “cangaço”, porém Lampião foi derrotado e morto na interventoria de Landulpho Alves em 1938. A despeito de não ter contado com os velhos políticos, Juracy tratou de criar as suas bases no interior onde conseguiu pleno êxito. Compôs-se com os antigos coronéis e construiu no interior uma liderança que perdurou ao longo de toda sua vida e ainda hoje beneficia alguns dos seus herdeiros. Quanto à economia estadual, declara o governador, em sua Mensagem de 1937 à Assembleia Legislativa, estar o Estado recuperado e em franca expansão. Tomando por base as exportações – o eixo da economia baiana –, apresenta um quadro favorável para o período de 1932 a 1936. 91

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Juracy Magalhães foi acusado pelos seus adversários de ser o responsável pelo espancamento de diversas pessoas durante a sua interventoria. Entre as vítimas estão relacionadas os jornalistas Ernesto Simões Filho e Wenscelau Galo. Juracy Magalhães governou a Bahia, durante a Revolução de 30, no período compreendido entre 19 de setembro de 1931 e 10 de novembro de 1937 quando rompeu com Getúlio Vargas. Entre 1931 e 1935 permaneceu como interventor. Entre 1935 e 1937 como governador, eleito que foi, indiretamente, pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia.

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Juracy soube aproveitar os quadros técnicos que começaram a se formar no Estado, notadamente a partir do governo de Góes Calmon, entre eles Ignácio Tosta Filho, criador do Instituto de Cacau da Bahia, ainda na interventoria de Artur Neiva. Em seu governo, são criados os institutos do Fumo, da Pecuária e o Instituto Central de Fomento Econômico da Bahia (ICFEB), predecessor do Banco do Estado da Bahia (Baneb). Em sua mensagem de 1937, Juracy chamava a atenção para o aspecto contraditório da economia baiana que [...] dotada dos recursos naturais favoráveis e fecundos e dos saldos constantes da sua balança exterior, vinha definhando em suas reservas de energia produtiva chegando à situação aflitiva em que a encontrou a revolução de 1930.

Numa crítica velada aos seus antecessores afirma que [...] não tiveram eco, ao que parece, entre nós, no período anterior a revolução de 1930, as notícias interessantíssimas do ponto de vista da economia pública, sobre a atitude dos governos, em várias partes do mundo, intervindo através de medidas oficiais na salvação da derrocada que o endividamento da agricultura produziu, ameaçando a ordem social e política do universo.”

Para justificar a criação dos institutos, enaltece “o critério velho, mas, surpreendentemente esquecido pelos nossos economistas, de que pela ação combinada da técnica e do crédito se resolvem os problemas da produção”. Com esta argumentação, justificava o governador a formação de um sistema integrado de ação econômica que antecede as iniciativas de planejamento da década de 1950 (ver Figura 12 no capítulo 3.10) Em sua opinião, os institutos, liderados pelo ICFEB, integravam o plano de organização, fomento e amparo às fontes de produção da Bahia. Em seu relatório de 1937, Juracy apresenta uma informação importante para o processo de empobrecimento da Bahia, quando analisa o que denomina de Sinopse do intercâmbio geral do Estado da Bahia (ver a Tabela 14). Segundo o governador, “Sendo considerável a importação anual de mercadorias, principalmente de produtos industrializados, que a Bahia compra a outros estados, escoa-se, dessa forma, em grande parte, o saldo que obtém no seu comércio exterior” (grifo nosso). E inaugura a política de industrialização fundada na concessão de incentivos fiscais: Com o desenvolvimento, porém, das suas indústrias impulsionadas pela isenção de impostos às que forem se instalando e redução

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Tabela 13 - Bahia – comércio exterior (1932-1936)

Fonte: Mensagem do governador Juracy Magalhães a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia em 2 de julho de 1937 (p.50).

Tabela 14 - Balanço importações gerais x exportações gerais do Estado da Bahia

Fonte: Mensagem do governador Juracy Magalhães a Assembleia Legislativa do Estado da Bahia em 2 de julho de 1937 p.51

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de ônus fiscais às que já se encontram em franca atividade, o que constitue uma providência de verdadeiro fomento econômico (grifo nosso), tudo indica que uma maior produção dessa natureza, não só atenderá às necessidades de consumo como poderá permitir uma vantajosa exportação para outros mercados do norte do país .

Por fim, fazendo um balanço da sua administração no que se referia ao compromisso de sanear as finanças do Estado relatava Juracy Magalhães: Encontramos, em 1931, uma arrecadação 56.321:768$000, ascendendo em 1936 a 106.736:600$000. A exportação geral, (valor commercial) subiu de 276.371:000$000, a 566.036:000$000 tendo o seu volume aumentado de 175.012 a 307.672 toneladas. O intercâmbio geral ascendeu de 539.714:000$000 a 1.047.807:000 $000. O movimento bancário acompanhou esse ritmo de progresso elevandose de 476.661:177$000 a 661.866:339$000. Os depósitos nos bancos cresceram de 144.913:541$000 a 186.536:125 $000. O giro comercial passou de 783.683:785$000 a 1.737.793:000 $000. O balanço patrimonial também reflete esse florescimento, subindo o seu saldo de 28.735:245$675 a 58.114:236$758. Fugindo do regimen dos “déficits” orçamentários, assinalamos, no exercício de 1936, um saldo de 20.935:161$431. Apreciável é a melhoria da cotação dos títulos do Estado, tendo os de Unificação, subido de 325$000 a 390$000, mantendo-se em 650$000 os da Emissão Única. O intercambio geral também apresenta um excesso de 84.265 contos da exportação sobre a importação. Os depositos na Caixa Economica Federal, índice de riqueza particular, subiram de 29.823:221000 a 62.834:250$000. A percentagem da despesa “pessoal” em relação á receita geral caiu de 48,44% a 25,56%. Estabelecida em confronto, não nos furtaremos, por outro lado, completando a documentação fotográfica que acompanha esta mensagem, ao grato prazer de inventariar serviços públicos, prestados pela atual administração. É ainda a conciencia do dever cumprido que a tanto nos conduz, sujeitando-nos , embora, a que as lentes da maldade descubram na simples referencia de fatos incontraditaveis. Criamos uma resistente ossatura econômica para o Estado, elevando-se já a 26.479.464$450 a contribuição para os Institutos de Fomento Econômico, de Cacau de Fumo, e Pecuária, enquanto apenas um governo anterior auxiliou com 62:000$000 pequenas caixas de credito no interior, e outro doou 3.200:000$000 ao extinto Banco da Lavoura. Ao lado de credito, atendemos ao aparelhamento tecnico da produção, organizando a lavoura do algodão, da mamona e do café, a fruticultura, a sericultura, enquanto os institutos especializados cuidam do cacau, do fumo e da pecuária. Iniciamos a colonização instalando uma colônia mixta de japoneses e nacionais em Água Comprida, a 24 quilometros da Capital. Estudamos a exploração industrial do chisto betuminoso. Adquirimos novas unidades para as companhias de navegação já de plena propriedade do Governo, reformamos o seu material e melhoramos e aumentamos a nossa rêde ferroviária. Construímos

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA maior numero de predios escolares que cinco vezes a soma dos edificados em todos os governos anteriores. Rasgamos uma quilometragem inatingida de rodovias de tipo superior, levantando também um inexcedida metragem de pontes. Construímos os edifícios para a Secretaria da Agricultura e Repartição do Saneamento. Dotamos de um perfeito serviço de águas a cidade do Salvador. Apercebidos dos clamores de uma época, enfrentamos corajosamente o problema da assistencia social.(BAHIA, MAGALHÃES, 1937)

2.4.1.2. Landulpho Alves de Almeida Dois fatos de grande importância marcaram a interventoria desse discreto agrônomo e professor da Escola Federal de Agricultura da Bahia, no período de 1938 a 1942. O primeiro, foi o deflagrar da Segunda Guerra Mundial (1939) e o segundo, a descoberta de petróleo na Bahia que constituiu sua bandeira de luta. Como senador, entre 1951 e 1954 e líder da bancada do Partido Trabalhista Brasileiro no Senado Federal, defendeu em árdua luta política, durante os anos de 1952 e 1953, o monopólio estatal do petróleo e foi o relator da lei n. 2 004, de 1953, que o estabeleceu no Brasil e criou a Petrobras. Em sua homenagem, a única Refinaria de Petróleo do Nordeste93, localizada em Mataripe – Bahia, recebeu o seu nome. Outras contribuições de Landulpho Alves, ao longo de sua interventoria, consistiu na promoção do desenvolvimento e modernização da agricultura em pelo menos 1/3 do interior do Estado, notadamente na fruticultura e na cultura do algodão. Construiu a Escola de Agronomia de Cruz das Alves e concluiu o Instituto Central de Educação Isaías Alves, em Salvador. Para o crescimento econômico da Bahia, sua importância fundamental reside na contribuição decisiva para a criação da Petrobras e do monopólio estatal do petróleo, o que passou a gerar novas esperanças de progresso para a Bahia. São suas as seguintes palavras encaminhadas ao presidente da República em 1940: Traçou a Interventoria normas que deveria, inevitavelmente, seguir, tendo como ponto de partida o que ditava o Estado Nacional, destacado o preceito pelo qual pouco ou nada valia o individuo, senão como parte integrante e útil da comunidade. Os interesses pessoais e de grupos, sempre que contrariassem os interesses da comunhão, deveriam ser postos à margem ou desprezados. Dentro dêsses preceitos, reunidos todos no seu programa de ação, que adiante transcrevemos, organizou a Interventoria, já então com o au-

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Pelo menos até o ano de 2009.

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xilio dos Snrs. Secretários de Estado, o programa de trabalho que se deveria levar a efeito, nos diversos setores de atividades. Encarando, desde o inicio, o aspecto mais grave da vida baiana – o que oferecia o panorama do seu pouco desenvolvimento econômico, de seu baixo índice de produção e de riqueza, fator êsse a que se ligava a insolubilidade aparente de todos os seus problemas mais prementes, (destacando-se a quase nenhuma condição de defesa contra as numerosas enfermidades que dominam as suas populações pobres, a ausência de recursos para sua instrução primária e a escassez de elementos com que organizar a sua educação profissional) - tratou, desde logo, o Governo, de desenvolver a produção econômica do Estado. Criar riqueza deveria ser a palavra de ordem, uma vez que, no levantamento do nível de vida da população, dependia a solução de todos os seus problemas de importância mais relevante. Foi necessário criar, sem tardança a Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio,94 orientação que logo se revelou a todos como altamente proveitosa. A obra que vai realizando essa Secretaria de Estado é de molde a merecer os aplausos e até mesmo a admiração da Bahia. Seguiu-se logo o estabelecimento do plano rodoviário do Estado, cuja execução, sem demora, se iniciou e que, sem interrupção, se leva a efeito, com o reconhecimento de todos os baianos, especialmente das populações do interior do Estado que, nos dois anos de atuação da atual Interventoria, contam com maior extensão de rodovias de classe do que as construídas em toda a vida da Bahia. Iniciativas foram, igualmente e de imediato tomadas, visando a valorização do homem pelo tratamento da sua saúde e pela propagação do ensino primário. Nenhum dêsses trabalhos, como nenhum outro dos conduzidos pelo Governo, foi feito sem o estabelecimento de um plano prèviamente delineado, em que se examinassem a sua conveniência, a preferência de um sobre outro, a viabilidade prática, a reprodutividade econômica ou social, a sua harmonia com os fatores da atualidade baiana, com os princípios que nortearam o Regimen, com os meios financeiros a custeá-los. Os encargos vultosos, deixados pela Administração que se findou com o advento do Estado Novo, de obras adiáveis e, em muitos casos, suntuárias, determinaram providências que os deveriam reduzir, sem danos para o erário público. Foram adiadas obras já contratadas, cujo valor ascenderia a perto de quinze mil contos de reis ( 15.000:000$), de um Fórum e as autorizadas em lei que custariam quantia idêntica, de um teatro. O aumento dos vencimentos do funcionalismo, pela Interventoria imediatamente anterior à atual, determinou tal elevação de despesas que exigiu providências drásticas , tendentes a só realizar o que fosse realmente inadiável e reprodutivo, incluídas as obras cuja paralisação importasse em prejuízo maior. Medidas foram tomadas na defesa da economia do Estado já liquidando algumas das suas

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O que ocorreu de fato foi a separação da Agricultura, Indústria e Comércio da Viação e Obras Públicas, passando a formar duas secretarias separadas.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA dívidas, já regularizando às suas transações com estabelecimentos de crédito. A par disto, trabalho de proporção larga foi feito, no sentido de um melhor lançamento do tributo público e de sua arrecadação. (BAHIA, ALVES, 1940).

Pela leitura do texto, observa-se que Juracy Magalhães, antes de deixar o governo (e prevendo a sua volta no final da ditadura (como de fato ocorreu), deixou algumas “arapucas” para o seu sucessor. Ao desarmá-las (com o cancelamento de obras esperadas pela magistratura e outras do agrado da classe média e das elites em Salvador), criou um clima de antipatia que alimentou os movimentos que culminaram com a sua demissão do governo. Landulpho entrou em atrito com poderosos coronéis do interior, entre eles os Lins e Albuquerque, por combater as práticas nepotistas e clientelistas praticadas por estes. Proprietários do jornal O Imparcial, os Albuquerques mantiveram intensa campanha contra Landulpho Alves. Segundo Ferreira (2006), Landulpho se tornou desafeto político de Francisco Lins Albuquerque, importante chefe político e caudilho do Sertão baiano, um dos “coronéis” remanescentes da primeira República, que ainda possuía “polícia” própria constituída de capangas, mesmo na capital. Como ao interventor não interessava esse tipo de caudilhismo sertanejo, ele não prestigiava o coronel Franklin e, ao contrário, o perseguia, não atendendo aos seus pedidos de nomeação de autoridades municipais e cancelando o privilégio que lhe assegurava o monopólio para a exportação da cera de ouricuri, um rendoso negócio. Então, aproveitando-se da conjuntura, o coronel, que comprara O Imparcial, (colocando em sua direção seu filho Wilson Lins), apoiou o movimento patriótico e antifascista, pretendendo usá-lo contra o interventor. Ele conspirava com o coronel Pinto Aleixo, comandante da Sexta Região Militar, o afastamento de Landulpho Alves do governo, contando, para isso, com o apoio do general Aurélio de Góes Monteiro, no Rio de Janeiro. O chefe do executivo estadual sofreu uma pesada campanha que o acusava de germanófilo e pró-integralista. O fato de Landulpho Alves ser casado com uma descendente de alemães e de ter nomeado antigos membros da Ação Integralista Brasileira para os cargos da administração pública, a começar por seu irmão e secretário de Educação, Isaías Alves, alimentava as suspeitas de ambiguidade política do interventor, ou seja, publicamente se apresentava favorável às manifestações contra o nazifascismo, mas, na prática, agiria como um quinta159

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coluna. O desgaste provocado pelo jornal à imagem do governo, levou à queda de Landulpho Alves, logo sucedido pelo coronel Renato Onofre Pinto Aleixo95 (FERREIRA, 2006). 2.4.1.3 As interventorias no final do Estado Novo As interventorias finais do período ditatorial de Vargas pouco acrescentaram à economia baiana: ocorreram em pleno período da Segunda Guerra Mundial e assistiram ao agravamento da pobreza, notadamente no interior. Segundo Pinto Aleixo em seu relatório de 1944 para o presidente Getúlio Vargas: Muito tem sofrido o Estado da Bahia nesse período, vendo seus principais produtos de exportação armazenados durante longos meses à espera de condução e sentindo a falta de mercadoria de importação estrangeira e de outros estados, notadamente de gêneros alimentícios, ocasionando a alta exagerada de preços e escassez mesmo dessas utilidades.

Figura 8 – Início da exploração de petróleo na Bahia Fonte: Acervo fotográfico da Petrobrás. Seleção de Gilberto Melo (citado por SPINOLA, 1997, p. 101).

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O coronel Renato Onofre Pinto Aleixo, posteriormente promovido a general, quando assumiu a interventoria no estado da Bahia em substituição a Landulpho Alves, exerceu o cargo de interventor no período compreendido entre 24/11/1942 e 28/10/1945.

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Tabela 15 - Receita dos estados brasileiros - 1943 (valores em cruzeiros)

Fonte: Relatório de governo do gal. Renato Onofre Pinto Aleixo,1944.

Mesmo nesse quadro de restrições, a Bahia encontrava-se em quarto lugar no quadro da arrecadação dos estados brasileiros, abaixo apenas de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Observe-se, já nesta ocasião – metade do século XX –, a desproporção entre a receita de São Paulo (39 %) e a dos demais estados do Brasil. A Bahia participa com apenas 5 % do total do país. Numa síntese desse período, a Bahia encerra o período da Revolução de Trinta tão ou mais pobre do que iniciou. Esta será a realidade com que se defrontará Octávio Mangabeira ao assumir o governo do Estado, eleito pelo povo, novamente no regime democrático.

2.5 A REDEMOCRATIZAÇÃO: O GOVERNO MANGABEIRA96 Octávio Mangabeira foi eleito governador da Bahia, contando com amplo apoio das classes empresariais e da população, em um período de relativa tranquilidade política do país, sob a presidência do general Eurico Gaspar Dutra. O seu estilo gentil de governar, que contrastava com os modos truculentos de muitos dos seus antecessores, despertou muita simpatia em diferentes segmentos da sociedade baiana. Segundo Jorge Amado, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Mangabeira após deixar o governo, foi alvo de calorosa 96

Governou a Bahia no período de 10/04/1947 a 31/01/1951. Foi professor universitário, jornalista, engenheiro e político. Na sua longa vida pública exerceu os cargos de Ministro das Relações Exteriores do Governo Washington Luís, Primeiro-vice-presidente da Assembléia Constituinte, Vereador, Deputado Federal, e Senador.

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manifestação de apreço que lhe fizeram os sindicatos. E o orador97 disse, ao fazer-lhe o elogio: “Senhor Otávio Mangabeira, o senhor soube governar a Bahia com muita delicadeza”. Mangabeira guardava na memória e no coração essa frase como a melhor homenagem às suas qualidades de governante.98 Assim, realizou uma administração fecunda, marcada pela sua preocupação com o atraso da Bahia e a pobreza do povo baiano que registrou em desabafos espirituosos que ficaram para a história. Constituíram sua marca registrada. É de sua autoria, por exemplo, a observação de que “na Bahia o atraso é de tal ordem que quando o mundo se acabar os baianos só saberão cinco dias depois [...]” (COSTA, 2008 p.268). Em sua Mensagem à Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, em 7 de abril de 1948, Octávio Mangabeira fazia uma magistral síntese da causa do atraso baiano naquela metade de século: [...] se há terra que haja sido vítima, através de gerações, das chamadas “lutas políticas”, que tanto mal lhe fizeram, será talvez a nossa. Foram elas, as “lutas políticas”, que levaram, provavelmente, uma grande figura do Império a dizer que a Bahia era “ingovernável” enquanto já na República, observou um dos seus homens de Estado que os baianos eram “unanimemente divergentes” (BAHIA, MANGABEIRA, 1948, p.2).

Sobre a miséria em que se encontrava o interior do Estado, afirmava na precitada Mensagem de 1948: [...] chego a não compreender o estado de penúria em que os deixaram (os municípios) na distribuição das rendas públicas, tanto a constituição de 1891 como a de 1934. É possível que esse erro fundamental esteja à base ou à raiz de algumas das grandes crises de que vamos padecendo e que às vezes parecem irremediáveis. É evidente que nunca teremos, nem poderemos ter verdadeira prosperidade, enquanto o interior permanecer desaparelhado, desprovido, sem condições para desenvolver-se, e, não raro, sem o mínimo conforto indispensável à vida. Municípios há cuja renda por ano não atinge a 50 mil cruzeiros sendo inúmeros os que rendem cerca de 100 mil. Sabemos o que estes algarismos representam nos tempos que correm. (BAHIA, MANGABEIRA, 1948, p.11).

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Segundo Costa (2008, p.215) tratava-se do orador popular Oswaldo Washington do Nascimento, conhecido pelo apelido de Jacaré que fazia muito sucesso na cidade, utilizando como tribuna um caixão que colocava no passeio da Câmara de Vereadores, na Praça Municipal. No governo Magabeira foi prefeito de Salvador: José Wanderley de Araújo Pinho (1947 – 1951) sendo o primeiro prefeito nomeado pelo governo constitucional .(FUNDAÇÃO, 2008).

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A despeito das iniciativas relatadas pelos seus predecessores ao longo dos quase cinqüenta anos transcorridos até a sua posse, o quadro percebido na Bahia ao final da primeira metade do século XX era desanimador. Segundo Tavares (2001, p.461), uma das situações mais traumáticas que o governo Mangabeira encontrou foi a crise urbana de Salvador, gerando as “invasões” provocadas pela a migração de milhares de famílias tangidas para a capital como decorrência das secas e da fome que cronicamente grassavam no interior baiano e nordestino. Apesar dos esforços de outros governadores, com destaque para Góes Calmon, ainda era considerável a falta de infraestrutura: estradas e energia basicamente. Como disse Baleeiro (2000, p.144, apud COSTA, 2008, p. 200) não existia no Estado um palmo de asfalto, salvo o revestimento primário da estrada velha do Aeroporto, efetuada pelos americanos. A Chesf ainda não funcionava e Salvador era abastecida pela Usina de Bananeiras, o que não atendia à demanda da população. A falta de estradas tornava oneroso o abastecimento da cidade cujo custo de vida se tornava elevadíssimo e provocava frequentes protestos populares (protestos estes, aliás, que ocorreram desde o século XIX, sem que os diferentes governos, em diferentes regimes, adotassem medidas estruturais para a sua solução). Sabedor do ponto de estrangulamento econômico que representava, para a Bahia, a carência de infraestrutura, notadamente no binômio rodovia e energia, Mangabeira trabalhou intensamente nesses setores. Segundo relata, modernizou os estaleiros da Companhia de Navegação Baiana e adquiriu quatro novos navios para intensificar as ligações e o comércio entre a Capital e os municípios do Recôncavo Baiano que com a Estrada de Ferro de Nazaré (já concluída ligando Jequié a São Roque do Paraguaçu – porto inaugurado em 1941) contribuía para o abastecimento de Salvador. Construiu mais de 500 quilômetros de estradas rodoviárias, destacando-se, entre estas, a ligação entre Salvador e Feira de Santana e, em associação com o governo federal, a Rio – Bahia.99 99

Góes Calmon em suas mensagens informa que construiu “mais de 900 km.” de estradas inclusive a ligação entre Salvador e Feira de Santana. Algumas com o uso de concreto armado. Como isto foi na década de 1920 é possível que transcorridos aproximadamente 30 anos estas obras tivessem que ser ampliadas, reparadas etc. o que politicamente acabava sendo apropriado como tendo sido construído. Ademais Mangabeira era adversário sofrido e magoado com a Revolução de Trinta o que pode ter implicado na omissão de obras realizadas naquele período por Juracy Magalhães e Landulpho Alves.

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Com respeito ao abastecimento e à carestia, Mangabeira se detém longamente no seu Relatório de 1947. Primeiro, como liberal, demonstra-se contrário ao tabelamento de preços e enumera diversas providências adotadas em relação ao suprimento dos diferentes gêneros alimentícios. No caso da carne, promoveu a modernização dos “matadouros”, a recuperação de outros e o aperfeiçoamento do sistema de transportes utilizando a rede ferroviária existente. Interferiu no abastecimento de peixe, mandando construir dois barcos com capacidade para 30 t, cada um, e buscou a conclusão do processo de modernização do Frigorífico Geral do Estado. Demonstrando seus conhecimentos de economia, provavelmente adquiridos nos Estados Unidos, afirmava: “o fornecimento em larga escala de peixe, não só virá proporcionar ao povo a compra, a baixo custo, de tão precioso alimento (economia de escala), como não será de estranhar que influa, indiretamente, de modo favorável, no próprio mercado de carne” (efeito substituição). Quanto ao leite, dizia: “para que se tenha uma idéia da situação lastimável em que se encontra a capital baiana no que concerne ao leite, basta dizer que uma população, que não deve andar por longe de 400 mil habitantes, dispõe apenas de 15 mil litros.” Diante desse diagnóstico, explicita as providências adotadas: construção de ramais rodoviários para o escoamento da produção nas bacias leiteiras; importação de matrizes de alta qualidade para melhorar o plantel leiteiro e organização de uma empresa mista para a instalação e exploração de um Entreposto Central de Leite. No caso dos legumes ou “verduras” (sic), providenciou a aquisição de duas fazendas (no vale do Jacuípe e do Joanes) para reforçar a capacidade da fazenda Rio Seco de Santo Amaro, explorada por japoneses e que escasseava o suprimento nos períodos do verão. Quanto aos cereais, investiu na mecanização da lavoura, importando dos Estados Unidos “a maior quantidade de máquinas agrícolas que ainda se viu na Bahia.” Deu início à construção de pequenos açudes para contrapor-se à seca e começou a organizar uma cooperativa central de armazéns e silos. Referindo-se bem especificamente a Salvador, Mangabeira é contundente: Uma cidade com serviços deficientes, para não dizer lastimáveis, de iluminação, de abastecimento de água, e em geral de saúde pública, e igualmente de assistência; uma cidade mal tratada, na limpeza, no calçamento das ruas, na manutenção dos jardins, e onde o acesso a pontos pitorescos se apresente, não raro, difícil, quando

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA não mesmo impossível, ou pelo menos incômodo; desprovida de hotéis, restaurantes, cafés ou bares, cinema, teatro – não basta que tenha bela a natureza, templos, antiguidades, tradições, para que proporcione aos seus moradores, sobretudo aos seus visitantes, porventura habituados ao conforto da vida moderna, o agrado, os atrativos, que a façam realmente sedutora, como convém, principalmente ao turismo (grifo nosso). (BAHIA, MANGABEIRA, 1947, p.9).

Mangabeira percebeu também a aparente contradição entre o potencial econômico da Bahia e a miséria a que estava condenada. E cunhou a expressão “enigma baiano”100 (objeto da seção 2.2 deste livro), que repercute até os dias de hoje, dada a sua atualidade, definindo-a da seguinte forma: Intrigava-me, desde muito, o que chamei o enigma baiano: porque razão a Bahia, cujas qualidades e riquezas eram, em geral, tão celebradas, se mantinha em condições de progresso indiscutivelmente inferior ao que resultaria, em boa lógica, de semelhante conceito, assim tivesse ele a procedência que se lhe atribuía? (A TARDE, 30/ 01/1951, apud GUIMARÃES, 2003, p. 102)

E reforça suas palavras com a seguinte observação: Diga-se de passagem, que a Bahia é no momento, o Estado que mais fornece divisas ao país, pois ocupa o primeiro lugar entre os que tiveram saldo, de janeiro a novembro de 1947, entre a importação e a exportação. (BAHIA, MANGABEIRA, 1947, p.21).

Feitas tais constatações, passa o governador à ação, dando continuidade ao processo de planejamento econômico da Bahia iniciado ainda por Juracy Magalhães, trinta anos antes do Plandeb. Incumbido pelo Governo do Estado, de proceder a um inquérito sobre a economia baiana, sugerindo conclusões que devem servir de base a um plano que, executado sem solução de continuidade, durante um dado número de anos, ponha afinal a Bahia no caminho de certo e seguro engrandecimento econômico, o Sr. Ignácio Tosta Filho, especialista no assunto, realizou um estudo de vastas proporções, cujos resultados expôs em três conferências públicas que tiveram o maior êxito. Impresso e distribuído o seu trabalho será objeto de um debate em reuniões mais restritas, nas quais se convidarão a tomar parte quantos possam concorrer para o esclarecimento da matéria, sob vários aspectos. (MANGABEIRA, 1948, p.11) (grifo nosso).

Cercado por um clima político favorável, Octávio Mangabeira pôde fazer uma boa administração para Bahia, preparando urbanisticamente Salvador para a comemoração dos 400 anos da sua fundação 100

Já comentado na seção 2.2 deste Título.

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e completando muitas obras iniciadas, interrompidas ou concluídas, mas destruídas pelo tempo, dos seus antecessores (aqui já referenciadas anteriormente). É o caso do estádio da Fonte Nova, iniciado por Landulpho Alves, com o concurso técnico do urbanista Mário Leal Ferreira e do arquiteto Diógenes Rebouças. O estádio, que se chamaria Getúlio Vargas, acabou sendo Octávio Mangabeira. Outro caso típico é o do Escritório do Planejamento Urbanístico da Cidade do Salvador (Epucs), fundado por Mario Leal Ferreira o qual, anos depois, viria a definir a nova ocupação dos espaços virgens da cidade, orientando a sua expansão em direção ao litoral Norte. Segundo Penteado Filho (1991)em conferência apresentada no seminário “Salvador e o Plano Diretor”, promovido pelo CPM: A primeira experiência de planejamento urbano em Salvador deuse na década de 40, com o EPUCS – Escritório do Planejamento Urbanístico da Cidade do Salvador, cujo trabalho ficou conhecido como Plano Mário Leal Ferreira, em alusão a seu coordenador. A primeira iniciativa data de 1935, com a Semana de Urbanismo, de cuja organização participou a Comissão Organizadora do Plano do Cidade, criada pelo Governo do Estado e pela Prefeitura Municipal. Foi realizado, então, um seminário, que levantou aqueles que eram considerados os principais problemas da cidade, basicamente questões relativas às suas condições sanitárias: elevada incidência de tuberculose, associada à insalubridade das habitações, falta de saneamento, estreiteza das ruas e conseqüentes dificuldades de transporte, deterioração do patrimônio histórico e artístico e pouco aproveitamento dos recursos naturais. Salvador surgiu e se desenvolveu precocemente na história nacional, o que implicava numa estrutura urbana bastante antiga em relação a outras cidades brasileiras de desenvolvimento mais recente. Ao mesmo tempo, desde a virada do século, a cidade apresentava crescimento moderado, como decorrência da decadência da atividade açucareira no Estado, cuja economia passava a depender crescentemente da exploração do cacau. O crescimento populacional não era muito expressivo: de 1900 a 1940 a população passou de 206.000 para 290.000 habitantes101. Diga-se de passagem, que foi essa combinação de riqueza no período colonial e estagnação no período subseqüente que – aliada a fatores geográficos, de recorte do litoral e topográficos – possibilitou a relativa preservação do importante acervo arquitetônico e urbanístico do Centro Histórico. Caso tivesse ocorrido, a continuidade do crescimento econômico em ritmo acelerado no final do século passado e início deste, teria fatalmente levado à substituição das edificações históricas. A principal função econômica de Salvador durante quase toda a primeira metade do 101

Segundo Costa (2008) citando Milton Santos, esta tendência reverteu-se. De 1940 para 1950 a população soteropolitana passou de 290.443 para 417.233 e 1.007.195 habitantes em 1970.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA século XX foi o escoamento da produção de cacau, através do seu porto, que foi remodelado entre 1913 e 1928. Essa atividade, no entanto, não possibilitou um crescimento econômico significativo, além de manter o caráter agro-exportador da economia. De fato, o período que se segue à virada do século é aquele em que se estabelece o atual padrão de desigualdades regionais no país, com o deslanche do processo de industrialização na região Sudeste. São reflexos dessa estagnação econômica na metrópole baiana que os integrantes da Semana do Urbanismo identificam em 1935: estrutura urbana obsoleta e graves problemas sanitários. Para se ter uma idéia da magnitude destes últimos, basta lembrar que os dados disponíveis indicam um constante crescimento da mortalidade infantil e da mortalidade geral, entre 1900 e 1940. Entre as primeiras discussões e o início do plano decorrem oito anos. Apenas em 1943 implanta-se o Escritório do Plano Urbanístico da Cidade do Salvador, entidade privada sob coordenação de Mário Leal Ferreira, que concorreu com uma proposta de um escritório carioca, com a participação do urbanista Agache, que coordenou o Plano do Rio de Janeiro. O prazo de um ano, inicialmente previsto para a elaboração do trabalho, foi sucessivamente adiado e só cinco anos depois foi aprovado o Decreto-Lei no 701, regulamentando o Loteamento, Parcelamento e Uso do Solo. Um ano antes havia falecido Mário Leal Ferreira. O plano do EPUCS era extremamente ambicioso, detalhado e minucioso. Tinha influências do movimento da cidadejardim, com ênfase nos aspectos físicos do uso e ocupação do solo, mas também considerava fatores econômicos e sociais em grande detalhe. Foi elaborada uma pesquisa de campo, por amostragem, cobrindo o município de Salvador. A abrangência e o detalhamento do trabalho eram assustadores, chegando a níveis que trabalhos mais recentes, como o PLANDURB e o EUST, não se aventuraram a pretender. Uma das queixas de Mário Leal Ferreira contra a Prefeitura, apresentada como justificativa nas solicitações de adiamento dos prazos, era o não cumprimento do compromisso da Prefeitura em elaborar a Planta Cadastral da Cidade. A questão do cadastro e, de modo mais amplo, do estabelecimento de um sistema de informações permanentemente atualizado, é uma questão até hoje não resolvida, que prejudicou o EPUCS, o PLANDURB, o EUST e outras experiências de planejamento urbano em Salvador. Depois da aprovação do Decreto-Lei no 701, em março de 1948, foi criada a CPUCS – Comissão do Planejamento Urbanístico da Cidade do Salvador, não mais como atividade de consultoria, mas como atividade própria da Prefeitura, com o objetivo de encerrar os trabalhos de Mário Leal Ferreira, que não tinham sido totalmente concluídos. Isso, no entanto, não acontece de maneira efetiva, uma vez que a Comissão passa a ser absorvida por tarefas de assessoramento, ligadas as necessidade imediatas da Prefeitura. Somente dez anos depois, em 1959, o arrojado sistema viário proposto no plano começou a ser implantado, com a criação da SURCAP – Superintendência de Urbanização da Capital. O tempo decorrido não deve ser visto de forma muito crítica, porque se tratava de um plano de longo

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prazo, a ser implantado em função do crescimento da cidade. Além disso, foi necessário que a estagnação econômica baiana fosse revertida, com a reaceleração decorrente da implantação da Refinaria Landulfo Alves, em Mataripe, para que houvesse condições que possibilitassem investimentos da magnitude requerida. Embora muitas críticas possam ser formuladas sobre a forma como se deu a implantação das avenidas de vale, particularmente no que toca à apropriação da valorização do solo urbano, a solução adotada seguiu, em suas grandes linhas, as propostas desenvolvidas no plano.

Também construiu Mangabeira o Fórum Ruy Barbosa em terreno desapropriado na interventoria de Juracy Magalhães e cuja obra ficara paralisada na interventoria de Landulpho Alves que tinha outras prioridades. Mangabeira contou, na área da educação, com o concurso do célebre educador baiano Anísio Spinola Teixeira (revelado ainda no governo de Góes Calmon), que criou o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, mais conhecido por Escola Parque, lugar para educação em tempo integral e que serviria de modelo para os futuros Ciac e Ciep. Na área da saúde, o governo Mangabeira foi exemplar, tanto na construção, recuperação e ampliação de hospitais como no combate à tuberculose numa época que, segundo dados do seu próprio relatório, morriam cinco pessoas por dia desta enfermidade na cidade do Salvador. Mangabeira informa que, com a cooperação do governo federal, construiu 16 hospitais no interior do Estado, reformou e ampliou o Santa Terezinha (para tuberculosos), o leprosário e o asilo de loucos Juliano Moreira e o Instituto Oswaldo Cruz. Preocupado com a precariedade da rede hoteleira da capital, o que considerava um entrave para o desenvolvimento do turismo também construiu o Hotel da Bahia em sociedade com a inciativa privada. Segundo Noberto Odebrecht, citado por Costa (2008, p.214): Mangabeira soube construir uma aliança com a classe empresarial e financeira do Estado conseguindo a cooperação e o apoio de lideranças como as de Fernando de Goés e Miguel Calmon entre outros. Assim, foi possível liderar, motivar -e conduzir essa estrutura econômica em beneficio da estrutura social. Contou ainda com Anísio Teixeira para revolucionar modernizar a educação na Bahia, implantando a Escola Parque, em Salvador. Quanto ao setor de infraestrutura, construiu a estrada Ilhéus-Itabuna e expandiu o sistema rodoviário no interior do Estado, apoiado pelos banqueiros financiadores dessas obras. Na área cultural, já no fim do seu

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA governo, contratou com a Construtora Cristiane Niellson a construção do Teatro Castro Alves, que se concretizou no governo de Antônio Balbino. Construiu o Fórum Ruy Barbosa, contemplando a área jurídica, e o Aeroporto Dois de Julho, juntamente com a estrada Pituba-Itapuã (depois Avenida Octávio -Mangabeira) e o Hotel da Bahia, possibilitando a comunicação do Estado com o mundo externo. Dessa forma o Estadista Octávio Mangabeira, com convicções e vontade política, pôde realmente modernizar e promover o crescimento do Estado da Bahia, comunicando-se com a estrutura econômica para desenvolver o social.

Finalmente, em seu Relatório de 1948, sabedor da condição de estado agrícola da Bahia, dizia o governador: Não se modifica, entretanto, uma agricultura, de fase quase précapitalista pelos seus processos e resultados, senão com o poder do dinheiro e da técnica, que explica o terrível êxito da economia capitalista. Isto quer dizer que precisamos ter dinheiro para ser ricos (grifo nosso).

Em outro trecho do seu relatório, Mangabeira preconiza: Três grandes fatores, que aqui se indicam sem cuidados de escola ou doutrina, são imprescindíveis aos olhos do simples bom senso, para fundamentar o programa da renovação da Bahia ou de outras terras em iguais condições: crédito financeiro, potencial de energia elétrica e imigração, esta no que represente, não só o aumento de índice demográfico, como, principalmente, a presença de um novo agente qualificado de produção (grifo nosso).

Octávio Mangabeira e sua equipe sabiam muito bem das severas limitações da nossa população, tanto urbana quanto rural, naquilo que se referia à técnica, ao know-how e ao empreendedorismo, e mirava os efeitos imigração sobre os estados do Sul e Sudeste. Mas, para a nossa infelicidade, os imigrantes europeus, ou asiáticos, cortejados por quase todos os governos baianos desde Luís Viana, nunca se adaptaram às condições da Bahia, preferindo as regiões mais frias e de condições edafoclimáticas mais favoráveis. E, de uma sociedade de coronéis, bacharéis e escravos, não se poderia esperar a formação de uma classe média vigorosa ou o surgimento de empresários empreendedores. Um problema que nos aflige até os dias atuais. De tudo o que foi lido e pesquisado sobre o governo do Dr. Octávio Mangabeira, o que mais impressiona é a sua humanidade. Diferentemente de todos os seus antecessores, foi ele certamente o governador baiano que mais se preocupou com o povo, com a população, com a qualidade da vida dos baianos. Pena que homens do seu porte, honestidade e dignidade não apareceram no governo da Bahia nos últimos cinqüenta anos do século XX. 169

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2.6 BALANÇO DA ECONOMIA BAIANA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX102 Fazer uma análise econômica dos primeiros cinqüenta anos do século XX constitui um esforço árduo, tendo em vista a deficiência ou até mesmo a inexistência de base estatística. Como em quase todas as atividades científicas, quanto mais se caminha em direção ao passado mais difíceis e imprecisas se tornam as informações e as possibilidades da sua operacionalização. Basta dizer que, em termos monetários, além dos períodos de inflação acelerada, tivemos, no Brasil, no século passado, a vigência de nove padrões monetários, com sucessivos cortes de zeros, etc., o que torna extremamente difícil, quando não impraticável, a construção de séries constantes com base nos índices de preços. Assim sendo, os dados contidos neste livro devem ser vistos com as naturais reservas. É de se observar, por exemplo, que o sistema de contas nacionais para o Brasil foi criado em 1947 pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), somente passando para o IBGE em 1986 e as contas nacionais para a Bahia, pela CPE – CEI, a partir de 1975. Por tudo isso, as palavras registradas suprem os números ausentes ou deficientes, como no caso das “falas dos governadores” compiladas e comentadas na seção anterior. É o depoimento do governador Octávio Mangabeira que nos diz que a Bahia chegou à metade do século XX como uma economia agrária exportadora atrasada e em nítida desvantagem quando comparada a outras unidades da federação. A tabela seguinte apresenta um quadro simplificado da situação econômica do Estado em 1950. 2.6.1 População e emprego Estudo realizado por Herold (2004) demonstra que o crescimento populacional da Bahia e da sua capital entre 1920 e 1940 foi 102

Objetivando fornecer ao leitor um quadro referencial da situação econômica da Bahia no ano de 1950, valeu-se o autor, entre outros, dos dados estatísticos levantados e contidos no Estudo comparativo da renda da Bahia, elaborado pelo economista Aristeu Barreto de Almeida e constante do relatório intitulado Situação e problemas da Bahia – 1955, elaborado pelo economista Rômulo de Almeida e também vulgarmente conhecido como Pastas cor de rosa.

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Tabela 16 - Bahia: sinopse estatística - 1950

Fonte: Almeida A., 1955 .

insignificante. A população de Salvador cresceu a uma taxa de 0,16% ao ano, enquanto que o crescimento da Bahia foi de apenas 0,81%. Na década de 1940, as taxas de crescimento aumentaram para 3,7% e 2,1%, respectivamente. Em 1950 o Estado totalizava 4 834 575 habitantes dos quais 417 235, ou sejam 8,6% do total residiam em Salvador. O estudo referido demonstra que a proporção de baianos vivendo em Salvador decresceu entre 1900 e 1950. A participação da população de Salvador na população total da Bahia neste período foi a seguinte: 1900 ................... 9.6% 1920 ................... 8.5% 1940 .................. 7.4% 1950 ................... 8.6% Na realidade, Salvador estagnou durante as primeiras quatro décadas do século XX. A vibração econômica que existiu foi devida às indústrias de cacau e de tabaco e ao comércio interno. Em 1890, Salvador ainda era a segunda maior cidade do Brasil mas, por volta de 1940, caiu para a quarta posição (ficando atrás do Rio, São Paulo e Recife). De fato, a população de Salvador cresceu a uma taxa anual de 1% durante 50 anos, de 1890 a 1940. Poucas indústrias novas foram estabelecidas após 1920, porque novas fábricas de produtos em substituição aos importados foram implantadas no Sudeste e no Sul, regiões mais prósperas. A cidade permaneceu como um entreposto comercial para a região, mas poucas atividades econômicas novas se desenvolveram até a decolagem movida pela Petrobrás nos finais dos anos 40. (HEROLD, 2004)

A explosão demográfica de Salvador e da sua região metropolitana só vai ocorrer na segunda metade do século XX notadamente 171

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a partir da década de 1970 quando grandes projetos industrais, habitacionais e de infraestrutura se realizam no seu território. Segundo Souza (1980) o crescimento da população de Salvador entre as décadas de 1940 e 1950 deveu-se ao movimento migratório líquido que contribuiu com 57,1% do incremento demográfico da cidade. Os dados do IBGE (1954 p.41 apud ALMEIDA, A.,1955) indicam que, a composição da população baiana era bastante parecida com a do país. A população economicamente ativa (PEA) correspondia a 31,4% da população total, um pouco menor que a do Brasil, que equivalia a 33%. O setor primário, compreendido pela agricultura, pecuária, silvicultura e indústria extrativa, constituía-se no maior absorvedor da mão-de-obra baiana, empregando 72,88% da sua PEA. contra 60,58%do Brasil. Segue-se o setor terciário (comércio 7,32%, serviços 8,39%, outros 3,39%) que totalizava, na Bahia, 19,10% contra 26,38% no país. O setor secundário, com a indústria, absorvia 8,02% na Bahia e 13,04% no Brasil. No que se refere a Salvador a relação entre a PEA e a população total permaneceu em torno de 40% nos anos 1940 -1950, caindo para 36% em torno de 1970, visto que a criação de empregos não acompanhou o crescimento da população (HEROLD, 2004). Os cálculos efetuados por Almeida, A. (1955) indicavam que a diferença básica da Bahia em relação ao Brasil residia na percepção da renda. No seu estudo comparativo da renda per capita baiana e a brasileira da época, Almeida concluiu que a Bahia apresentava um déficit global de 51%. Ou seja, em termos médios, a remuneração dos trabalhadores baianos correspondia à metade nacional. 2.6.2 Agricultura Segundo Almeida, A. (1955), em 1950: A Agricultura é o principal ramo de atividade do Estado, tanto do ponto de vista da renda, como do número de pessoas que a ela se dedicam. Ela absorve quase 3/4 da população ativa remunerada que, mesmo auferindo baixo rendimento por trabalhador, totalizam 4,4% da renda global da Bahia. Na composição dessa renda, as lavouras, a produção animal e a extrativa vegetal entram respectivamente com 67,5, 22,8 e 9,7%, o que significa que o valor da produção do conjunto das lavouras representa, isoladamente, 28% da renda estadual, a produção de origem animal, isto e o valor de rezes abatidas, de produtos derivados e de aumento dos rebanhos bovino, suíno, ovino e caprino, participa com 9,4%; e a extrativa vegetal contribui com 4% da renda bahiana.

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Não obstante, em virtude da baixa remuneração dos trabalhadores baianos, ao representar a metade da brasileira, o setor agrícola em pouco contribuía para reduzir a diferença da renda estadual em relação à do país. A Tabela 17 a seguir, que contém a distribuição absoluta e relativa das terras na Bahia, mostra a deficiência baiana no uso econômico de seu território. Tabela 17 - Bahia: utilização das terras103 - 1950

Fonte: ALMEIDA,1955 Notas: 1 TR = Terras recenseadas 2 Na área total estão excluídas as superfícies líquidas.

Analisando-se as propriedades recenseadas em 1950, observa-se o seu baixo grau de utilização (34%) significativamente menor que a média nacional para o mesmo período, quando atingia 54%, (IBGE, 1954 apud ALMEIDA, A. 1955). Inversamente, a disponibilidade de terras incultas e improdutivas (35%) era significativamente maior na Bahia do que nas propriedades recenseadas no resto do país.Segundo o estudo de Almeida, A. (1955), a área cultivada por trabalhador, na Bahia (4,97 ha), representava apenas 41,1% da área nacional cultivada por trabalhador (12,09 ha.) Embora a renda por hectare (Cr$ 3.319,00) fosse superior à do país (Cr$ 3.096,00), este rendimento precisaria crescer até mais que duplicar, a fim de que a renda per capita atingisse a média nacional, isto é, cada hectare de terra cultivada na Bahia deveria render Cr$7.533,00. (ALMEIDA, A., 1955). 103

Segundo Baleeiro (2000, p.57), ainda na década de 1970,, a Bahia tinha somente 17% das suas terras tituladas.

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Ainda de acordo com os dados coligidos pelo autor citado (ver Tabela 18 seguinte), o valor da produção agrícola baiana, em 1950, correspondia a 5,2% da nacional. O cacau, produto mais representativo do Estado, com 37,81% do valor da produção baiana, apresentava uma insignificante participação nacional com apenas 2,06%. Quinto produto agrícola mais significativo da produção baiana (10,03%), em 1950, o café liderava o valor da produção nacional, com 31,72%. Tabela 18 - Agricultura: valor da produção na Bahia e no Brasil (1950)

Fonte: Equipe de Renda Nacional – FGV apud Almeida A. (1955).

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2.6.3 Culturas notáveis Como foi visto ao longo das seções anteriores, a economia baiana dependia, na primeira metade do século XX, das culturas do açúcar, do fumo, do café e do cacau. Ao chegar aos anos 1950, com exceção do cacau, todas as demais entravam em decadência, perdendo o peso de sua contribuição e levando ao empobrecimento muitos “aristocratas” baianos, notadamente aqueles vinculados à economia açucareira. As causas da decadência da cultura do açúcar na Bahia já foram expostas no primeiro título deste livro. Vale a pena mencionar que, segundo a CPE (BAHIA – CPE, 1978) a sua produção em 1950 (60.206 t) correspondeu a 37% da produção obtida em 1930 (160.578 t), a maior do Estado na primeira metade do século, de acordo com os dados disponíveis. O cacau constituiu a única das culturas componentes dos ciclos primário-exportadores que marcaram a história da economia baiana, até o final da década de 1980, quando foi destroçada pela doença da “vassoura de bruxa”. A região cacaueira baiana, que se tinha desenvolvido na Bahia a partir do século XVIII, vindo a assumir, na primeira metade do século XX, marcante papel na pauta das exportações brasileiras, por volta de 1910 colocou o Brasil na liderança mundial dos produtores, tendo este posteriormente cedido terreno aos países africanos. Em 1950, contribuía o cacau com uma participação equivalente a 37,8% na formação do Produto Agrícola do Estado e respondia, segundo a Comissão Executiva do Plano de Recuperação Econômico Rural da Lavoura Cacaueira (Ceplac) (BRASIL – CEPLAC, 1975, p.73) por 64,8% das exportações baianas.104 Uma análise retrospectiva da série de produção desta cultura, resulta na observação de que, no período de 1950/1960, a produção estagnou. Tal fenômeno foi consequência de um processo de desgaste a que se vinha submetendo esta atividade ao longo de trinta anos e que se podia traduzir pelos dados apresentados na Tabela 19. Esse quadro revela o baixo nível da produtividade que declinou em 14,7 e 16,0% nesses mesmos períodos. De fato, chegou-se a observar que, enquanto na Bahia se obtinha uma média de 450 kg 104

Segundo a mesma fonte, esta participação atingiria um máximo de 74% em 1954, declinando em seguida. Em 1959 representava apenas 32,2%.

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Tabela 19 – Bahia: evolução da cultura cacaueira

Fonte: Spinola, 1978, p.57

de amêndoas por hectare, em Gana, se obtinham 900 kg em área idêntica. Um conjunto de fatores respondeu pelo problema. A começar pela forma primitiva e empírica que norteou o plantio, a má qualidade das espécies inicialmente adotadas, a velhice das plantações e a exaustão dos solos. A este conjunto de causas agronômicas, associou-se a ausência, durante extenso período, de uma política econômica voltada para a assistência e o fomento da cacauicultura. Efetivamente, ocorreu em relação ao cacau exatamente o oposto da política adotada para o café. Durante anos, sofreu a economia cacaueira um processo corrosivo de descapitalização, originado em princípio pela vinculação do preço do produto ao câmbio oficial, de taxa fixa, fato que desvinculava a sua cotação de qualquer referência com os preços internos naturalmente mais elevados. Esta sistemática prolongou-se durante um período de vinte e três anos (1931-1954), sendo sucedida pela política do confisco cambial, não menos perniciosa. Tais medidas drenaram desta economia substanciais recursos — estimados à época, pelo Banco da Bahia, em 315 milhões de dólares — que se transferiram para o financiamento da industrialização do Sudeste brasileiro. Em termos estaduais, a política tributária adotada funcionou também como dreno, posto que os recursos obtidos pelo governo do Estado não retornaram sob a forma de investimentos públicos. Eram aplicados no subsídio às regiões mais débeis do contexto baiano e para sustentar o custeio da máquina governamental. Na prática, a cultura do cacau seguiu o mesmo ritmo das outras culturas agrícolas que predominaram no Estado. Explorada por “coronéis” semianalfabetos (a propósito, ver as obras imortais de Jorge Amado) não internalizou na região os lucros produzidos que 176

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foram esbanjados pelos herdeiros perdulários em outras regiões, como já se disse anteriormente, e até mesmo fora do país. As casas exportadoras, que controlavam a comercialização do produto, foram as principais beneficiárias dos resultados produzidos pela economia do cacau. Somente a partir de 1957, com a criação da Ceplac, iniciou-se a adoção de uma política dirigida para o desenvolvimento da economia cacaueira. A esta providência do governo federal associaramse as administrações estaduais, a partir da década de 1960, dando início a um processo gradativo de investimentos na criação de uma infraestrutura física de que tanto se ressentia a região. A despeito dos esforços mobilizados pela Ceplac, a cultura cacaueira foi perdendo espaço diante da concorrência internacional, até o final da década de 1980, quando entrou em grave declínio em decorrência da praga que dizimou as plantações. Já a cultura do fumo na Bahia sofreu o seu maior baque quando ocorreu a efetiva abolição da escravatura que lhe fez perder a condição de moeda de troca no comércio negreiro. A despeito de ser encarada com desprezo pelos governadores, como Góes Calmon, citado na seção anterior, para quem ela era, “infelizmente e em geral, rotineira, por ser a lavoura do pobre e tradicionalmente do proletário”, a cultura do fumo se manteve na pauta de exportação da Bahia, como um dos seus produtos mais importantes até a década de 1950 quando ocupava a segunda posição na pauta de exportação baiana e representava 14,1% do valor exportado.105 Segundo Almeida, P. H. (2003), na Bahia, a quantidade de estabelecimentos industriais manteve-se praticamente inalterada entre 1920 (48) e 1950 (47) . Gradativamente, sucumbiu o setor à concorrência estabelecida pelos produtores das regiões Sudeste e Sul (São Paulo e Rio Grande do Sul) que dominaram o mercado tanto em função da qualidade quanto da produtividade. Segundo o autor precitado “em 1950 a produtividade da indústria paulista do fumo já superava a das outras indústrias estaduais, graças ao aumento da escala média de seus estabelecimentos e à mecanização mais rápida de suas linhas de produção” (ALMEIDA, P.H., 2003). Aliado a este fator, as sequelas da Segunda Guerra Mundial, com a perseguição aos empresários 105

Segundo a S.E.F. do Ministério da Fazenda, apud Almeida R. (1982) quadro 11.

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Tabela 20 - Distribuição regional da indústria do fumo em 1920 e em 1950

Fonte: Paulo Henrique de Almeida. A manufatura do fumo na Bahia: história de um outro Recôncavo. Salvador, 2003. Nota: * DF = Rio de Janeiro.

alemães, que constituíam o motor desta cultura na Bahia, terminaram por desestabilizá-la, condenando-a a um progressivo declínio e perda de importância no contexto da economia estadual. O número de operários, que fora de 6.158, equivalente a uma participação de 42,4% do total do país em 1920, declinou para 3.940 ou 27,4% em 1950. A participação no valor da produção caiu de 20% em 1920 para 7,6% em 1950 (ver a Tabela 20 seguinte)106. O Recôncavo baiano entrou em definitiva decadência, pois, progressivamente, assistia à derrocada das suas principais culturas: o fumo e o açúcar. Ainda segundo Almeida, P. H. (2003), (apud ALMEIDA J., 1974, p. 81): [...] no decorrer dos anos 40, o volume da mão-de-obra empregada pela indústria de transformação na Bahia manteve-se praticamente estagnado, chegando mesmo, ao final do período, a registrar um decréscimo de pouco mais de 1%. Isso se deveu à redução do nível de emprego na indústria têxtil (menos 30%) e na de fumo (menos 54%). Ambas somaram uma perda de 16 mil empregados Em um contexto de avanço da indústria do cigarro e de decadência do consumo de charutos, caiu a participação da indústria baiana do fumo no valor da produção nacional do ramo.

106

Registra-se uma pequena divergência da ordem de 0,82 pontos percentuais entre as fontes citadas nas tabelas 18 e 20.

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2.6.4 Indústria A atividade industrial na Bahia, nos anos 1950, era frágil, com a predominância de pequenos negócios. Pelos cálculos de Almeida, A. (1955), a sua participação na formação da renda baiana era, naquele ano, inferior à da agricultura, do comércio e dos serviços, correspondendo a 12%. Segundo os dados coligidos no Censo industrial, comercial e dos serviços 1950 – IBGE, (apud BAHIA – CPE, 1979) existiam, àquela época, 4 270 estabelecimentos industriais no Estado, dos quais 90,75% pertenciam à classe da indústria de transformação, 6,07% à classe dos serviços de utilidade pública, 1,73% à indústria extrativa e 1,45% à construção civil. A indústria empregava 42.290 pessoas das quais 82,73% trabalhavam na indústria de transformação, 10,53% na construção civil e o restante (6,74%), na indústria extrativa107 e nos serviços de utilidade pública. No setor, como um todo, predominavam as indústrias ditas tradicionais que representavam 70,5% do universo, contra 29,5% do denominado segmento dinâmico.108 Segundo o uso dos bens, nas indústrias de transformação,o IBGE identificava, no Estado, em 1950, 10 estabelecimentos produtores de bens de capital (0,26%), 1.471 produtores de bens intermediários (37,96%) e 2 394 produtores de bens de consumo (61,78%). O valor da produção (VBP), à época, era de CR$ 1.744.739 mil, cabendo à classe da indústria de transformação participar com 80,90% e a construção civil, com 11,34%. A participação restante se distribuía entre a indústria extrativa (4,09%) e os serviços de utilidade pública (3,67). 107

Na indústria extrativa registrava-se em 1950 a produção de petróleo bruto num volume de 338.707 barris predominantemente no campo de Candeias (95%). Além do petróleo, eram extraídos no estado, em pequenas quantidades, o amianto, cristal de rocha, sal marinho, minério de cromo. talco, magnesita, e minério de manganês, esses dois últimos responsáveis por 73,77% da produção extrativa mineral do estado (BAHIA – CPE, 1979, p.103). 108 Trabalha-se com a classificação das empresas em gêneros “dinâmicos e tradicionais”. Como se sabe, estes conceitos têm a ver com o grau de modernidade tecnológica da indústria e, inclusive, com a sua capacidade de reproduzir e disseminar novas formas de tecnologia que racionalizem processos, aumentem a produtividade e inovem. Este seria o caso do gênero dinâmico, em contraposição às indústrias tradicionais, estagnadas frente ao aporte de tecnologia e, até mesmo, refratárias à modernização.Esta classificação é criticada por diversos autores, pelo menos quanto à sua abrangência, tendo em vista a revolução tecnológica mundial que vem sendo incorporada praticamente por todos os segmentos da indústria, notadamente a partir dos anos 90. Entretanto, conforme se demonstrou no correr do texto, observa-se que a classificação é pertinente para a indústria baiana examinada no período de 1950 a 1980.

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O valor da transformação industrial (VTI) totalizava Cr$ 810.812 mil e apresentava a mesma tendência do VPB que a indústria de transformação, respondendo por 75,85% e a construção civil, por 13,76%. As duas outras classes respondiam por 6,36% (serviços de utilidade pública) e 4,03% (indústria extrativa). O gênero dos produtos alimentares (panificações, torrefações de café e outras atividades alimentícias) , do segmento tradicional, dominava a indústria de transformação com 41,21% dos estabelecimentos, 31,53 % do pessoal ocupado, 50,16% do valor da produção e 40,17% do valor da transformação industrial. A indústria têxtil, naquele ano, apesar de responder por 1,16% dos estabelecimentos, ocupava a segunda posição nos demais itens cotejados, sendo 18,25% do pessoal ocupado, 13,52% do VBP e 16,45% do VTI. Esta indústria, que tão significativo papel desempenhou na economia baiana no final do século XIX, começou a definhar no século XX, chegando ao ano 2000 com 8,0% do pessoal ocupado, 2,5% do VBP e 1,9% do VTI. De acordo com o que foi detalhado no Título I deste livro, a indústria têxtil baiana foi vítima de vários fatores adversos entre os quais encontram-se: a) a decadência da cultura algodoeira (notadamente na qualidade da fibra) que, na Bahia, somente veio a se recuperar a partir do século XXI, depois de superada a praga do “bicudo”; b) a falta de apoio político (veja-se que ela não fez parte da preocupação de nenhum dos governos comentados neste livro, cuja atenção estava voltada prioritariamente para a agricultura) e, consequentemente, apoio financeiro; c) a dependência do mecanismo de vendas por consignação109 que, segundo Tavares (1966), foi a principal causa desse declínio, visto que vinculou o controle da indústria aos grandes comerciantes locais que, por seu turno, preocupados com a obtenção de resultados a curto prazo, não possuíam maiores interesses na atividade industrial; d)a não-participação da indústria baiana, como de resto a similar nordestina, no processo de modernização do setor promovido pelo governo federal a partir de 1954; 109

Entende-se por consignação industrial a operação na qual ocorre remessa, com preço fixado, de mercadoria, com finalidade de integração ou consumo em processo industrial, em que o faturamento dar-se-á quando da utilização desta mercadoria pelo destinatário (art. 470 do RICMS). Grifo nosso.

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e) o consequente obsoletismo dos equipamentos, que decretou a baixa produtividade e falta de competitividade frente à modernizada indústria paulista. A indústria de transformação de minerais não metálicos ocupava a segunda posição em termos de estabelecimentos (30,33%) e o terceiro lugar nos demais itens: 16,45% do pessoal ocupado e 8,71% de VTI. No VBP (com 4,70%) perde para a indústria química e farmacêutica, que responde por 5,21% apesar de apresentar apenas 3,88 de VTI. Note-se que a produção de cimento – importante insumo para o crescimento das atividades econômicas – só teve início na Bahia a partir de 1953, com a construção, pela Lone Star, da Fábrica de Cimento Aratu. (PROCHNIK, 1985 p. 419). As indústrias existentes, em sua maior parte, eram de pequeno porte. Segundo o IBGE (apud BAHIA - CPE, 1979), 81,99% das empresas existentes possuíam a constituição jurídica de firmas individuais. Na época, existiam no Estado apenas 115 sociedades anônimas, o que representava 2,69% do total. Coerentemente com estes dados, 71,26% dos estabelecimentos existentes empregavam até cinco pessoas e 15,85%, entre seis e dez pessoas. Porém, as maiores empregadoras eram as sociedades anônimas que absorviam 38,54% do pessoal, ou seja, 16 299 empregos. As firmas individuais respondiam por 36,48% dos empregos, equivalentes a 15 429 pessoas. Na indústria de transformação, a maior empregadora era o gênero de produtos alimentares que respondia por 11 033 postos de trabalho, ou seja, 31,53% de toda a indústria. Seguiam-lhe, a distância, a indústria têxtil - com 6.385 empregados (18,25%) - e a de transformação de minerais não metálicos - com 16,45% correspondentes a 5.754 trabalhadores. A situação salarial do operariado baiano, em 1950, era, segundo Almeida, A. (1955) tal que “individualmente, todas as atividades remuneram pior na Bahia. No conjunto, o salário médio pago na indústria representa 59% da média nacional” (grifo nosso). Almeida, A. (1955) sintetiza a posição da indústria baiana em relação à brasileira em 1950 com os seguintes dados: Valor adicionado Salário

51,1% da média nacional 59,8% da média nacional

Concentração da produção por estabelecimento: Operários 60,9% da média nacional 181

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Capital por operário Força motriz Tamanho do setor110

53,8% da média nacional 51,9% da média nacional 58,3% da média nacional

2.6.5 Comércio Segundo os cálculos de Almeida, A. (1955) que considerou “os dados do Censo Demográfico, combinados com os da renda nacional da FGV,” a renda por trabalhador na Bahia, em 1950, era de Cr$ 21.852,00, o que representava 81% da renda nacional equivalente. Isto, considerando, no cálculo, “o conjunto do Comercio, Transporte, Comunicações e Intermediários Financeiros”. Analisando o conteúdo numérico do Censo Comercial de 1950, notase maior concentração comercial no Brasil: com maior número de pessoas por firma, em 1° de janeiro de 1950; maior volume de vendas, em 1949 e maior estoque, no fim de 1949. As médias baianas representaram, respectivamente, 72,9, 69,8 e 76,6% das médias nacionais. (ALMEIDA, A. 1955)

O autor ressalta a importância do comércio exterior para a economia baiana, destacando, em seu estudo que “as vendas para o exterior representaram 57,1% das realizadas para consumo interno, enquanto que no Brasil elas só representaram 19,6%” das efetuadas com a mesma finalidade. Confirmando as palavras do governador Mangabeira, antes aqui citadas, a CPE (BAHIA – CPE, 1978, p.152) mostra que, em 1951, as exportações baianas eram constituídas, em 99,79%, por produtos primários. No que tange ao comércio interno, o Estado era amplamente deficitário. Dados fornecidos por Campos e Lattini (1982) mostram que a Bahia acumulava déficits sucessivos em seu comércio por vias internas (em 1948 – Cr$ 208.179 mil –, em 1949 Cr$ 304.033 mil – em 1950 – Cr$ 281.435 mil – e em 1951 – Cr$ 66 517 mil). Em síntese, o que ganhava no comércio exterior destinava-se a pagar o que comprava internamente, caracterizando-se uma permanente sangria em suas possibilidades de formação bruta de capital. Sobre esta situação, já se queixava, em 1922, o governador Góes Calmon. Analisando este quadro em 1955, Campos e Lattini assim se manifestavam:

110

Número de operários ocupados na indústria, % da população total.

182

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA De um modo geral, observam-se nas transações comerciais do Estado da Bahia, saldos elevados no que concerne às transações com o exterior, compensados por déficits também expressivos no comércio de cabotagem. Em 1951, o movimento de mercadorias por vias internas apresentou um saldo apreciável. Não obstante, deve ser considerado que nos dois anos imediatamente anteriores (1949 e 1950) o comércio baiano por vias internas apresentou um movimento de importações de valor mais elevado que o das exportações. É importante a participação da Bahia no total do ativo do comércio exterior do Brasil, representando só as exportações de cacau, em sua quase totalidade, escoadas por portos baianos, cerca de 4% do total da receita brasileira. Em conjunto, o valor das exportações da Bahía, destinadas ao exterior, representam cerca de 7 a 8% sobre o total exportado pelo Brasil. Por outro lado, os saldos do comércio com o exterior refletem, também, a pequena demanda efetiva do Estado, de suprimentos de produtos estrangeiròs, indicando dessa forma o seu pequeno consumo dos principais bens oriundos de outros países, habitualmente importados pelo Brasil. As importações baianas diretamente do exterior oscílam em torno de 2,5% sobre o total brasileiro. Provavelmente, em face das dimensões dessa demanda, parte do suprimento baiano de produtos estrangeiros é satisfeita pela importação de outros Estados, por cabotagem e vias internas. Tal prática representa sem dúvida, perda de substância da economia baiana, de vez que esses produtos estarão encarecidos de muito em relação ao seu vaIor de chegada a nosso País, se considerarmos a elevada percentagem de aumento que sofrem com os gastos de transportes, impostos e lucros dos intermediários (grifos nossos).

2.6.6 Serviços Os serviços sempre constituíram importante setor na economia estadual. Segundo Almeida, A. (1955), o setor participava com 17% na formação da renda total (ver Tabela 16). Segundo os Estudos de renda nacional da FGV, a renda por pessoa ocupada neste setor atingia, em 1950, Cr$ 11.264,00, um número bastante superior à media geral de rendimentos dos trabalhadores baianos. Situava-se, entretanto, abaixo da média nacional do trabalhador brasileiro, da qual representava 91%, e do rendimento médio do setor serviços no país, do qual representa 69%. Pelos cálculos de Almeida, A. (1955), com base na sinopse preliminar do Censo dos serviços, que abrange: a) serviços de confecção, conservação e reparação; b) alojamento e alimentação; c) higiene pessoal; d) serviços de diversão e radiodifusão, 183

Tabela 21 - Serviços na Bahia:resultados líquidos por trabalhador

Fonte: Almeida, A. (1955)

a receita líquida por trabalhador na Bahia, isto é, a receita menos despesas de consumo, na produção dos serviços, representava 48,2% da receita líquida. Pelo exposto, como decorrência das inúmeras causas aqui relatadas, encerrava a Bahia a primeira metade do século XX em nítida situação de desvantagem em relação às regiões mais desenvolvidas do Brasil, tornando irreversível, já àquela época, a recuperação do espaço perdido no processo de crescimento econômico nacional. Como se verá nos títulos e seções seguintes, esta situação somente foi agravada na segunda metade do século sob análise.

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

TÍTULO III PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS A única certeza do planejamento é que as coisas nunca ocorrem como foram planejadas. (Lúcio Costa, Arquiteto, um dos criadores de Brasília).

3.1 CONCEITOS E CONDICIONANTES DO PLANEJAMENTO NO BRASIL A compreensão da problemática que caracterizou o processo de crescimento111 econômico regional e urbano do Estado da Bahia exige que se passe pela análise e pelo entendimento do desempenho da economia nacional e das suas inter-relações espaciais no período que transcorre do final da segunda Guerra Mundial até os últimos anos do século XX. Isto requer que se faça uma revisão histórica das experiências de planejamento econômico e das políticas públicas realizadas nos espaços de influência do governo federal e no âmbito decisório da região Nordeste e da Bahia. Conceitualmente, o termo planejamento tem sido utilizado, no Brasil, de forma livre e imprecisa, compreendendo tanto as atividades empresariais, na área da microeconomia, quanto os diversos tipos de intervenção macroeconômica para a estabilização de preços e combate à inflação, como ocorreu no passado recente. Na opinião de Campos (1974, p. 47): Seria talvez conveniente maior esforço de precisão semântica, pela diferenciação entre simples declarações de política, programas de desenvolvimento e planos de desenvolvimento. No primeiro caso, terse-ia uma simples enunciação de uma estratégia e metas de desenvolvimento. Um programa de desenvolvimento compreenderia, além da definição de metas, a atribuição de prioridades setoriais e regionais e a formulação de incentivos e desincentivos relacionados com essas prioridades. Um plano de desenvolvimento avançaria ainda mais pela especificação de um cronograma de implementação, pela designação do agente econômico (público ou privado) e pela alocação de recursos financeiros e materiais. A palavra “projeto” seria reservada para o detalhamento operacional de planos ou programas. 111

Coerente com as hipóteses assumidas neste estudo (ver introdução) entende-se que, no máximo, ocorreu na Bahia e no Nordeste um processo de crescimento econômico, não sendo correto metodologicamente falar-se em desenvolvimento econômico.

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

A experiência tem indicado que o planejamento econômico, em termos internacionais, tem assumido diferentes formas que são condicionadas pela estrutura econômica e sociopolítica da região objeto desta iniciativa. Assim é o caso do planejamento indicativo, típico dos sistemas mistos de livre empresa do mundo ocidental (p. ex., na França) ou do planejamento normativo ou ativo, segundo Lange (1963), característico das economias submetidas a regimes autoritários ou socialistas (como é, ainda, o caso da China). Sob este aspecto é importante que se transcreva a seguinte colocação de Rafael de Almeida Magalhães: Nem o planejamento estatal, nem muito menos planos nacionais de desenvolvimento são instrumentos apenas de governos autoritários. No pós-guerra europeu, todos os países, mesmo os ferozmente conservadores, adotaram-nos como técnica moderna de gestão pública, servindo-se deles, sobretudo, os governos de compromisso social-democrata. E o desempenho dos países europeus após a devastação da guerra, no qual o planejamento estatal e os planos de desenvolvimento foram instrumentos decisivos, constituem-se em exemplo conspícuo da excelência deles na construção de sociedades que efetivamente conjuguem crescimento e justiça, a marca de fábrica da reconstrução europeia. (MAGALHÃES, 2009, p.255).

Por seu turno Pedrão (2000), afirma que a questão do planejamento gira em torno de um modo racional sistemático de tratar os recursos humanos e físicos, em função do interesse público. Toda a atividade de planejar sempre se apoiou na representação social da esfera pública, exigindo sempre opções, no que se refere a atualizar historicamente o interesse público e a fortalecê-lo, ou a torná-lo mais rígido e enfraquecê-lo. Há um componente técnico, um componente ideológico e um componente ético no modo como se tratam as esferas pública e privada. Como um de seus aspectos mais difíceis, o planejamento obriga a explicitar posições em temas tais como a distribuição da renda, as políticas de educação e saúde e principalmente, quanto às oportunidades das pessoas. As experiências com planejamento compreendem as dos países socialistas e de diversos países não socialistas, desde os nórdicos aos saxões, passando por franceses, italianos e especialmente da Índia. Acumulou-se uma ampla e complexa experiência de planejamento nos países latino-americanos entre 1946 e 1976, com variados matizes de um país a outro, com um grande número de documentos de planejamento e experiências muito desiguais com a execução dos planos. Tais colocações tornam necessária uma referência às matrizes conceituais do planejamento. A separação entre as experiências ocidentais e as socialistas é artificial e posterior aos fatos. Basta ver como os “ocidentais” absorveram as técnicas de insumo-produto e

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA de projetos multipropósito desenvolvidas na esfera socialista. Oficialmente, também foram ignoradas as técnicas desenvolvidas no nazismo e no fascismo, apesar de estar hoje claro que ali se criaram as atuais estruturas dos complexos industriais e de uso estratégico dos setores de construção civil. No entanto essa separação intencional influenciou o discurso do planejamento na América Latina, inclusive na Cepal, apesar de que os governos nacionais sofreram influências dos regimes autoritários, que ainda precisam ser esclarecidas. (PEDRÃO, 2000, p. 1-2).

Há também de se considerar que os planos podem variar de um esquema de planejamento altamente agregado, que considera algumas variáveis macroeconômicas, a esquemas de planejamento desagregado, como seria o caso de um programa de desenvolvimento multissetorial, estruturado em coeficientes e análises de insumo-produto. Por sua área de influência ou grau de abrangência em termos geográficos, o planejamento, sem perder as características anteriores, pode também ser nacional, regional, estadual e municipal. João Paulo dos Reis Velloso, em seu discurso de posse no Ministério do Planejamento e Coordenação Geral do Brasil, em 1969 (período do mais radical autoritarismo da ditadura militar que dominou o país de 1964 a 1986), definia a visão do planejamento brasileiro segundo o pensamento dos donos do poder à época: O Estado promotor do desenvolvimento define os objetivos básicos e a estratégia geral de desenvolvimento. Programa a sua atuação direta. Participa, em boa medida, nos investimentos e na produção, nos setores da infraestrutura econômica e social. Só excepcionalmente participa, nos investimentos e produção, nos “setores diretamente produtivos” (indústria de transformação, extração mineral e vegetal, agricultura, comércio, sistema financeiro, serviços pessoais). Em relação às áreas de responsabilidade do setor privado (setores diretamente produtivos e parte da infraestrutura) realiza planejamento indicativo, define os instrumentos de política (incentivos e desestímulos), e exerce ação reguladora. (VELLOSO, 1969).

Numa revisão histórica, notadamente nos aspectos sociais, são questionáveis os resultados da experiência brasileira de planejamento. É inegável o expressivo crescimento econômico do país na segunda metade do século XX, sobretudo no período que vai de 1968 até 1980, graças à implementação de muitas das medidas e ações preconizadas nos diversos planos elaborados no período. Porém, não foi atingido o padrão de desenvolvimento econômico desejável e, ao encerrar o século, se observa a manutenção de um considerável desequilíbrio inter-regional, acentuada concentração da renda e a 187

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

permanência de uma elevada parcela da população vegetando abaixo da linha de pobreza, continuando o país dependente, em grande escala, dos humores dos capitais externos. Tabela 22 - Brasil: taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) - 1964-1999

Fontes: Banco Central do Brasil. Fundação Getúlio Vargas (FGV) IBGE. O Globo Economia, Rio de Janeiro, 16 mar. 2009

No plano técnico e político, já em 1974, Roberto Campos (também ministro do Planejamento e Coordenação Geral do Brasil no período de 1964-1967) listava um conjunto de limitações que contribuíram para dificultar a implementação do planejamento no Brasil. Dentre estas, destacavam-se as seguintes: No plano técnico: deficiências estatísticas no tocante a dados fundamentais como o emprego de mão-de-obra, o investimento do setor privado e as relações inter-industriais; a escassez de planejadores experimentados; o importante peso do setor agrícola, no qual o planejamento é difícil pela proliferação de pequenas unidades decisórias, para não falar em fatores climáticos; a importância do setor externo (exportações e ingresso de capitais) sujeito a agudas flutuações, particularmente no caso do comércio exterior, dependente até pouco tempo de uma pequena faixa de produtos de exportação sujeitos a grande instabilidade de preços. No plano político-institucional: a existência de subdivisões políticas autônomas. Quando essas unidades têm substancial peso e recursos próprios, e capacidade autônoma de levantar recursos por tributação e empréstimos, é extremamente difícil submetê-las à disciplina do planejamento central. A única alternativa prática é tentar uma coordenação dos planos estaduais com os federais; a inadequação do mecanismo de implementação. Ainda que os planos sejam concebidos

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA por técnicos, têm de ser implementados através da máquina burocrática, que no Brasil partilha de natureza de burocracia “prismática”, preocupada mais com alcançar “status” que com exibir “performance”, e que não se ajusta facilmente aos objetivos nacionais da chamada burocracia “Weberiana”, dos países desenvolvidos, com seu enfoque racional e estruturas especializadas;falta de um mecanismo político de formação de consenso. Impregnados de facciosismo e personalismo, os partidos políticos tradicionais provaram-se incapazes do esforço de formação de consenso necessário ao estabelecimento de um compromisso político com determinados objetivos de planejamento, e a “posteriori” com a continuidade de implementação das metas. Depois da Revolução de 1964, duas medidas de reforma institucional foram tomadas: primeiro a abolição dos partidos tradicionais, excessivamente personalistas e facciosos, e sua substituição por um sistema bipartidário, o que presumivelmente facilitaria a manutenção da disciplina partidária em apoio de planos e programas governamentais; segundo, a abrogação do poder do Congresso de aumentar o dispêndio orçamentário, que tornaria impraticável qualquer planejamento financeiro consistente. Esta última medida foi complementada pela exigência de submissão ao Congresso de orçamentos plurianuais de investimento; a instabilidade política. Em vista da ausência de um mecanismo de formação de consenso político, representando os planos, portanto, pouco mais que um compromissamento pessoal do chefe do executivo, a instabilidade de liderança tem efeito devastador sobre o esforço de planejamento. Donde alguns economistas e cientistas sociais expressarem completo ceticismo sobre a relevância de esforços de planejamento num contexto político instável, enquanto outros recomendam um enfoque mais modesto, construído sobre “ilhas de racionalidade.” (CAMPOS, 1974, p.50).

Uma leitura atenta desta lista de problemas permitirá perceber, nas suas entrelinhas, uma manifestação explícita do mais grave dos problemas que afetou no passado e afeta, no presente, o planejamento no Brasil. Trata-se do autoritarismo de que se reveste o exercício do poder em todos os níveis e escalões governamentais. Os tecnocratas brasileiros que, levados para o governo pelos militares, assumiram, até os dias atuais, parcela considerável deste poder, nunca contemplaram de perto a realidade social do país e jamais se preocuparam em envolver a comunidade nos processos de planejamento. A considerável distância que separa a Nação do Estado, no Brasil, e, consequentemente, o reduzido grau de exercício da cidadania, impediu que muitos planos formulados viessem a ser conhecidos e assimilados pela sociedade civil. Por outro lado, a ausência de democracia e a total falta de transparência na ação pública, ao longo de 22 anos da história recente do país (1964-1986), fize189

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

ram com que delírios de grandeza e projetos faraônicos, sem qualquer viabilidade econômica, integrassem o planejamento estatal, enquanto a oferta abundante de crédito externo propiciava o chamado “milagre brasileiro” (1968-1980). Além desses fatores sociopolíticos há ainda que destacar o processo inflacionário crônico, que castigou o país ao longo da sua história em todo este século, agravando-se a partir dos anos 1980, quando se chegou a momentos de hiperinflação. Também neste período, assistiu-se à crise do endividamento externo (moratória)112 e à adoção de medidas de combate a inflação representadas por periódicos “pacotes de estabilização” de preços, que substituíram o planejamento do desenvolvimento, submetendo o país, integralmente, ao receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI). No que diz respeito ao planejamento regional, multiplicaramse, nas décadas de 1970 e 1980, as instituições de fomento, tais como secretarias de planejamento e bancos estaduais e regionais de desenvolvimento, registrando-se a ausência de uma coordenação nacional, com a disseminação dos recursos dos grandes órgãos regionais de desenvolvimento, diminuindo a eficácia de suas ações. Segundo Cano (1998, p. 41): A despeito do esforço que os “planejadores regionais” têm empregado, a perplexidade de sua impotência tende a aumentar. É sintomático, neste sentido, o título de um recente trabalho sobre o sentido da planificação regional, apresentado por um de seus mais sérios seguidores latino-americanos: Que hacer con la planificación regional antes de medianoche? (BOISIER, 1979). Em certa passagem, diz: “Que responderemos [...] quando a legião de planificadores regionais que nós mesmos formamos nos perguntarem em coro: como preparamos na prática um plano de desenvolvimento para uma região que realmente possa ser implementado” (BOISIER, 1979). Mais adiante, afirma que para que as regiões menos desenvolvidas do país possam capacitar-se a negociar com o governo central uma política diferenciada para seu desenvolvimento, elas terão que “ser capazes de convencer as autoridades centrais, sobre uma base técnica, que um mecanismo de diferenciação territorial não afetará a execução dos objetivos globais perseguidos com o uso de um determinado instrumento de política econômica. Além disso, devem provar que os benefícios de uma medida de tal natureza superam os custos administrativos de sua aplicação e controle. (BOISIER, 1979, p. 160) (tradução e grifos nossos). 112

As bravatas do presidente José Sarney provocaram graves conseqüências no relacionamento do Brasil com os organismos financeiros internacionais somente normalizado com grande esforço no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

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Tabela 23 - Brasil: taxas anuais de inflação (1949-1999)

Fontes: IBGE. Estatística histórica do Brasil. Séries Estatísticas Retrospectivas. FGV. Conjuntura econômica: até 1960. IPA – Índice de preços no atacado. 1961/1995 IGP-DI – Índice geral de preços, conceito disponibilidade interna. 1996/1999. IPC – Fipe.

Não obstante as críticas, nem tudo foi inútil na experiência brasileira de planejamento e o debate, quanto a sua validade, ressurge com impacto no final do século XX, quando parece declinar a hegemonia do pensamento neoliberal prevalecente no país, a partir dos anos 1990, e se constata que os pobres continuam mais pobres, os ricos mais ricos e a necessidade de planejamento se impõe como uma fórmula de racionalizar as ações e corrigir as distorções provocadas pelas livres forças do mercado. Resta ver se existirão competência e vontade política para retomar-se o longo caminho cuja trilha vem sendo descrita ao longo das páginas deste livro.

3.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO PLANEJAMENTO BRASILEIRO As preocupações com o desenvolvimento e a sua discussão, no Brasil, pelas diversas correntes de pensamento, remontam ao século XIX, acentuando-se, contudo, a partir das décadas de 1930 e 1940, sobretudo no período imediato ao pós-guerra e no contexto de uma época de reconstrução mundial, gestada nos acordos de Breton Woods, na criação do Fundo Monetário Internacional, do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird), no Plano Marshall para a Europa e na constituição da Organização das Nações Unidas, da qual brotou a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), sem dúvida um dos maiores celei191

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

ros de idéias e proposições para a promoção do desenvolvimento econômico da América do Sul. É neste período que, segundo Mantega (1987, p. 25), surge um novo paradigma: [...] no seio da própria economia política burguesa, com vistas a superar a ineficiência do liberalismo econômico face à recorrente instabilidade do Estado nos domínios da economia. Os precursores da Nova Economia Política foram Piero Sraffa, Joan Robinson e Edward Chamberlin, que se preocuparam em demonstrar que a concorrência capitalista não era tão perfeita quanto julgava a economia neoclássica, e elaboraram a Teoria da Concorrência Imperfeita; enquanto Joseph Schumpeter, Michael Kalecki e John M. Keynes, seus contemporâneos, se empenhavam em dar consistência a uma teoria do ciclo econômico que auxiliasse a neutralizar os períodos de contração das atividades. Coube, no entanto, a Lord Keynes o papel de maior projeção na revolução teórica em curso, que passou a denominar-se a “revolução keynesiana”. Segundo a nova ótica keynesiana, as forças de mercado, deixadas a si mesmas, estariam longe de promover a alocação ótima de recursos, causando, pelo contrário, capacidade ociosa, desperdício e desemprego. Nesse contexto, fazia-se necessária a intervenção mais decidida do Estado na economia, não mais apenas enquanto administrador da coisa pública (defesa, educação, justiça, etc..) ou mero regulador das atividades privadas, mas também enquanto agente direto da produção, aumentando os investimentos e gastos da sociedade (tidos como insuficientes no capitalismo avançado), privilegiando determinados setores em detrimento de outros, enfim, orientando a estrutura econômica para uma produção mais equilibrada. Estavam lançadas as sementes do intervencionismo ou dirigismo econômico que iriam frutificar nos vários países capitalistas, inclusive nos mais atrasados, cindindo a economia política burguesa em pelo menos duas grandes correntes relativamente antagônicas: o intervencionismo e o liberalismo econômico.

No Brasil, foi preponderante, nessa época, a influência do pensamento keynesiano nas análises formuladas por autores estrangeiros dedicados ao estudo do subdesenvolvimento, entre os quais Raul Prebisch, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal e Ragnar Nurkse e brasileiros como Celso Furtado, Rômulo Almeida, Ignácio Rangel e Maria da Conceição Tavares, entre outros que contribuíram para a formação das diretrizes da Cepal e do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), fundamentando teoricamente o planejamento que veio a desenvolver-se no país, inclusive o modelo de substituição de importações e, politicamente, o que se convencionou denominar de paradigma nacional-desenvolvimentista. Na Cepal, Raul Prebisch investiu contra a lei das vantagens comparativas, um dos pilares da teoria clássica do comércio inter192

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nacional, sustentando, no final da década de 1940, que o problema dos países subdesenvolvidos, entre outras causas, decorria da deterioração dos termos de intercâmbio com os países desenvolvidos, tendo em vista a condição de exportadores de produtos primários. Segundo Prebisch: [...] a relação de preços de intercâmbio se tem movido contra os produtos primários. Deste modo, a parte o fato de negar-se a estes uma co-participação satisfatória no progresso tecnológico dos centros, parece que a periferia tem transferido a estes últimos parte dos avanços de produtividade do próprio setor primário exportador.

Logo: [...] enquanto os centros absorvem todo o benefício do desenvolvimento técnico de suas indústrias, os países periféricos transferem para elas parte dos frutos do seu próprio progresso técnico. (PREBISCH. 1963, p.5-6).

Desta forma, segundo o pensamento dominante na Cepal, o subdesenvolvimento dependia da estrutura interna dos países subdesenvolvidos, prisioneiros de um sistema econômico primárioexportador, com baixo nível de integração entre os setores produtivos e desemprego estrutural, dada a baixa capacidade de absorção da mão-de-obra pelas atividades agroexportadoras. A industrialização, a reforma agrária e o desenvolvimento do mercado interno constituíam, na visão da Cepal, a solução dos problemas de atraso econômico. Para atingir estes objetivos, a Cepal sugeria a decidida participação do Estado na economia e a adoção do planejamento, objetivando o fortalecimento da economia nacional. A doutrina da Cepal adquiriu uma coloração nacionalista, orientada para a promoção da acumulação capitalista em bases locais e em oposição ao imperialismo comercial e financeiro internacional. O Iseb incorporou parte do pensamento da Cepal e consolidou a ideologia nacional-desenvolvimentista que objetivava liquidar com o passado colonial e abrir uma nova fase de desenvolvimento no Brasil. Esta ideologia dominou o cenário político-econômico brasileiro a partir do segundo governo Vargas até o governo Collor (em 1990) quando o neoliberalismo recuperou o poder de influenciar a condução da economia nacional. Segundo Wanderley Guilherme (1963, p. 55-56): Foi o desenvolvimentismo a última forma assumida por aquela ideologia que, nascendo com o próprio alvorecer do capitalismo no Brasil, teve por missão derrotar as sobrevivências ideológicas de

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uma estrutura arcaica e em decadência – a estrutura semi-colonial predominante no país até a década dos 30 – ao mesmo tempo em que vislumbrava e projetava as vias pela quais deveria evoluir o sistema econômico nacional. Para tal fim, melhor dizendo, para ganhar ideologicamente a maioria das forças sociais, retirando-as de sob o controle das teses colonialistas, esmerou-se a ideologia do desenvolvimento – aqui entendida como a ideologia incumbida de derrotar as teorias coloniais e equacionar os meios do arranque capitalista inicial – em demonstrar que a liquidação da dependência econômica para com o exterior, assim como a solução das principais agruras sociais, poderiam ser obtidas com a expansão do capitalismo. Acenando sempre com esta possibilidade, veio a ideologia desenvolvimentista travando combate contra a ideologia adversária, simultaneamente à abertura dos caminhos à expansão capitalista, até que, na década de 50, consolidou-se na variante específica constituída pelo desenvolvimento, cujo foco principal de irradiação foi o Iseb, em sua primeira fase.

Ainda nas décadas de 1930 e 1940, colocava-se em frontal oposição a esta corrente de pensamento intervencionista outra corrente cuja formulação teórica neoliberal apoiava-se em Friedrich von Hayek (economista austríaco que marcou, com seu livro seminal, The road to serfdom, a ressurreição do liberalismo econômico) liderada aqui, entre outros, por Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos. Debate teórico à parte, o que contava na prática era que, no plano político-econômico, travava-se uma disputa entre, de um lado, as oligarquias agroexportadoras, comprometidas com a burguesia comercial importadora e exportadora e com o capitalismo internacional, tendo a frente Eugênio Gudin liderando o bloco neoliberal e, do outro, o empresariado industrial paulista que, sob o comando de Roberto Simonsen, presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, acabou vitorioso, empurrando o governo Vargas para uma postura nacional-populista e intervencionista que criou as precondições do industrialismo que se instalou com o governo Kubitschek. Na prática, as experiências relacionadas com o planejamento foram tomando corpo, ao longo do período de 1939 a 1951, e foram provocadas principalmente pela escassez e gargalos característicos da economia de guerra. Mobilizou-se a cooperação internacional para melhorar o sistema de transporte e facilitar o acesso às matériasprimas. Segundo Campos (1994), o centro dos esforços de planejamento era então o recém-criado Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), um organismo do governo federal, direta194

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mente vinculado ao gabinete do presidente da República, do qual alguns funcionários tinham recebido treinamento em administração pública, vários deles no exterior, notadamente nos Estados Unidos. Os três primeiros planos de investimento preparados no Brasil – o Plano quinqüenal de obras e reaparelhamento da defesa nacional (1939), o Plano de obras (1943) e o Plano Salte (1946-1950) – tiveram sua origem em idéias de técnicos do Dasp. Durante o período de guerra, buscou-se cooperação internacional para esforços limitados de planejamento. Nesse contexto, inserem-se a Missão Taub, de 1942, um grupo de engenheiros que preparou um programa de investimentos de dez anos, nunca executado, a Missão Técnica Americana (Missão Abbinck) que, em 1943, promoveu a primeira aproximação de formulação de uma política macroeconômica no Brasil, tendo, como orientador, do lado brasileiro, o professor Otávio Gouvêa de Bulhões. No tempo em que iniciou seus trabalhos, havia crescente percepção dos problemas de inflação e balanço de pagamentos. Formularam-se recomendações de políticas sobre ambos esses assuntos, juntamente com propostas de reforma tarifária e reabilitação ferroviária. A Constituição de 1946, liberal por excelência, como reação ao extinto regime Vargas, não faz menção explícita ao planejamento, mas plantou as sementes do planejamento regional através da destinação de 3% da receita federal para o desenvolvimento econômico da Amazônia, e montante equivalente para investimento nas áreas deprimidas do Nordeste. O Plano Salte, preparado durante 1946 e 1947, e apresentado ao Congresso pelo presidente Dutra, em 1948, foi de longe o mais significativo desses esforços, mas, mesmo assim, representava pouco mais que uma listagem de despesas governamentais em quatro campos: saúde, alimentação, transporte e energia. Aprovado pelo Congresso em 1950, o Plano Salte teve implementação fragmentária. Por seu turno, as consequências da política cambial praticada pelo governo no período de 1945-1953, que foram extremamente prejudiciais ao processo de crescimento econômico brasileiro, acabaram por contribuir significativamente para a mudança de orientação da política econômica, mediante o abandono da orientação liberal e a adoção de mecanismos de controle que culminaram com a introdução do planejamento no país. Ocorreu que, em 1946, o governo estabeleceu o sistema de liberdade cambial extinguindo o denominado mercado livre especial, que 195

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disciplinava a aquisição de moeda estrangeira para viagens e remessas a título de donativos. Manteve-se, entretanto, o mercado oficial, alimentado por uma parcela das divisas obtidas pela exportação que o governo reteve. Essa restrição seria eliminada logo mais tarde, abolindo-se igualmente as taxações que ainda incidiam sobre as importações e outras exigências (prova de venda de câmbio no licenciamento das exportações, etc.). Alegava-se, de modo expresso, que o disciplinamento até então vigente “só se aplica em época de carência de divisas”, o que não era o caso do país, que havia acumulado, durante a guerra, reservas ponderáveis no exterior. Não decorreu muito tempo e os saldos existentes foram consumidos, seguindo-se um período em que as exportações se revelaram insuficientes para sustentar o fluxo de importações. Quando o fenômeno ocorreu, observa Souza (1970), “o país não dispunha de maior experiência no disciplinamento do comércio exterior”. Ao que acrescenta: Do segundo semestre de 1947 a fins de 1953, tentam-se, sucessivamente, diversas providências no pressuposto de manter as transações sob a égide de taxas cambiais livremente convencionadas, mas que não registrassem bruscas alterações. Esse empenho – que consistia, na verdade, na manutenção de taxas fictícias – fazia aparecer o fenômeno da gravosidade, isto é, produtos brasileiros cujos custos internos ultrapassavam os preços do mercado internacional. A circunstância sugere um artifício: importações vinculadas a exportações. A inoperância do sistema levaria, entretanto, à restauração aberta dos controles de câmbio, com ênfase no disciplinamento das importações. Inicia-se o ciclo da famosa Instrução 70. (SOUZA, 1970, p. 43).

A instrução n. 70, de outubro de 1953, restabeleceu o monopólio cambial em favor do Banco do Brasil, representando a primeira medida de política pública intencionalmente voltada para a industrialização interna. Com essa instrução, optava-se pelo regime do subsídio direto e do estabelecimento de categorias de importação, segundo o critério da essencialidade. Com a efetiva organização da Superintendência da Moeda e do Crédito(Sumoc), em 1953, é que teria início a formulação de uma política sistemática de disciplinamento das compras no exterior, a partir de 1958 vinculada à tarifa aduaneira ad valorem113, introduzida pela lei n. 3.244 (conhecida como Lei de Tarifas). 113

Ad valorem “conforme o valor”. Um tributo “ad valorem” é aquele cuja base de cálculo é o valor do bem tributado. Contrasta com o tributo específico, arrecadado conforme uma dada quantia por unidade de mercadoria. (Cf. BRASIL. Ministério da Fazenda. Tesouro Nacional. Glossário. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/ servicos/glossario/glossario_a.asp>. Acesso em: 24 mar. 2009).

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É nesse período (1948-1960), que o Nordeste sofre a maior drenagem de recursos da sua economia. Segundo Baer (1996), cerca de US$ 413 milhões114, foram transferidos para a região Sudeste, dado o confisco cambial praticado pelo governo da União. A transferência de ativos ocorreu porque o preço pelo qual o Nordeste vendeu seus haveres em moeda estrangeira subiu menos que o preço das mercadorias compradas no Sudeste... O sistema cambial representou uma carga adicional para a economia do Nordeste durante o processo de industrialização dos anos 50. Os importadores da região tinham de pagar elevados encargos relativos às taxas “subsidiadas” de importação como a de bens capital. A receita oriunda dessas taxas era usada pelas autoridades cambiais para amparar a economia cafeeira centrada no Sudeste. Os superávits do sistema cambial também aumentaram a capacidade do Banco do Brasil de conceder empréstimos, grande parte dos quais foi realizada no sul. (BAER, 1996, p. 297).

O controle de câmbio tinha, a rigor, um caráter defensivo, porquanto tardou muito que se completasse por uma política agressiva no terreno das exportações, de sorte que a ação estatal de cunho modernizador e positivo atuante acabaria deslocando-se para a esfera do que mais tarde se denominou planejamento, entendido, inicialmente, não como instância administrativa, mas como um conjunto de técnicas destinadas a assegurar a consecução de determinadas metas. A introdução do planejamento no Brasil, com o Estado desempenhando o papel de coordenador econômico e mesmo de empresário em vários setores da economia, ocorreu segundo as prescrições da ideologia nacional-desenvolvimentista fundamentada nas concepções da Cepal, já examinadas anteriormente. A política estatal que se realizou no país, a partir dos anos 1950, foi influenciada pelo trabalho da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos (1951-1953) e do Grupo Misto BNDE/Cepal (1953-1955) que forneceram preciosos subsídios para a elaboração dos planos nacionais de desenvolvimento da época, a saber: o Plano de reabilitação da economia nacional e reaparelhamento industrial (segundo governo Vargas), o Plano de metas (governo Juscelino Kubitschek) e o Plano trienal de desenvolvimento (governo João Goulart). A Comissão Mista Brasil - Estados Unidos iniciou seus trabalhos em 19 de julho de 1951, em decorrência de acordo firmado com os Estados Unidos em dezembro de 1950. Funcionou ininterruptamente até dezembro de 1953. Após essa data, todo o seu acervo 114

O Banco da Bahia ( ver 2.6.3 ) apresenta para o Estado uma perda de US$ 315 milhões.

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passou ao Conselho Técnico de Economia e Finanças, que o divulgou durante o ano de 1954.115 Contou com a participação de cerca de cinqüenta técnicos seniores brasileiros, recrutados entre a elite acadêmica e a administração, bem como de variado grupo de especialistas estrangeiros. A coordenação dos trabalhos coube ao economista brasileiro Roberto de Oliveira Campos. A Comissão Mista procedeu a amplo diagnóstico da economia brasileira. Identificou, desde logo, uma série de fatores favoráveis ao desenvolvimento econômico, entre outros: a) o aparecimento de um grupo de homens de empresa, criativos, empreendedores e abertos a projetos de longo prazo, embora reconhecesse o predomínio das unidades familiares fechadas; b) a necessidade de modernização de métodos agrícolas; c) os melhoramentos em tecnologia, educação e saúde; d)a sensibilidade e a adaptabilidade da economia a variações de preços e mercados; e) a mobilidade do capital e da mão-de-obra. Mais tarde, o empenho modernizador cifrar-se-ia na mobilização de tais ingredientes. Em relação aos fatores desfavoráveis, a Comissão chamou a atenção para aspectos igualmente essenciais, embora não se possa dizer que, no ciclo subseqüente, se tenha atentado para a sua significação, a exemplo do que ocorreria com as componentes favoráveis. Os técnicos da Comissão Mista consideraram que os obstáculos ao desenvolvimento decorriam tanto de condições naturais como de circunstâncias sociais e culturais. Não pretenderam estabelecer qualquer hierarquia, mas chamar a atenção para a solidariedade desse conjunto. Dentre as condições naturais, destacaram-se: a vigência de clima tropical exaustivo em muitas das áreas litorâneas, o insucesso em descobrir reservas de petróleo em larga escala ou de carvão de primeira qualidade, a formidável barreira representada pela Serra do Mar, o fato de que os maiores rios da área central têm seu curso na direção “errada” e, finalmente, o fato de que grande parte dos solos disponíveis acha-se sujeita a rápida erosão. 115

Essa documentação abrange 17 volumes, compreendendo o Relatório geral (2 v.), Projetos de transportes (9 v.), Projetos de energia (4 v.), Projetos diversos (1 v.) e Estudos diversos (1 v.).

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A presença de tais fatores, por si só, não explica, contudo, a vigência do subdesenvolvimento. As dificuldades naturais não foram superadas em decorrência de atitudes e instituições culturais e sociais. A esse propósito, afirma-se no Relatório geral: Entre tais atitudes e instituições, destacam-se a tradição herdada de uma agricultura devastante e feudal, os hábitos especulativos do comércio e um sistema de governo paternalístico (grifo nosso). O fenecimento da classe alta, rural e feudal, da era monárquica – que produziu, sem dúvida, notáveis estadistas e servidores públicos - e a emergência de novos grupos de poder político e econômico não foram acompanhados por um rápido desenvolvimento de novas atitudes em relação a educação, tecnologia e governo. A educação continuou a orientar-se no sentido de assegurar posição social, ao invés de dar ênfase ao treinamento técnico para tarefas agrícolas e industriais (grifo nosso). O governo permaneceu pessoal e paternalístico em alto grau, relevando-se todos os grupos ansiosos por auxílio e proteção governamental. (RELATÓRIO geral, t.1, 1954, p. 40).

Em face de circunstâncias tão complexas, a Comissão Mista recomendou a atuação em setores muito limitados. Essa estratégia se justificava no entendimento dos técnicos que a integraram, pelo fato de que, embora esse programa representasse apenas uma pequena parcela dos investimentos totais do país, “provavelmente contribuiria para a criação de uma nova concepção de prioridades, a qual, seria lícito esperar, influenciaria de futuro, os critérios de investimentos e planejamento de todo o setor público da economia”. Assim, não se pretendeu nada de espetacular, mas o estabelecimento de um novo estilo. O princípio essencial da atuação recomendada acha-se formulado nos seguintes termos: Em qualquer programa de desenvolvimento econômico, é absolutamente vital que se canalizem os recursos, em tempo útil, em certos setores-chave cuidadosamente selecionados. Esse princípio era de aplicação particularmente pertinente no caso da Comissão Mista, que não tinha expectativa razoável de dispor senão de recursos limitados, quer em moeda nacional, quer em estrangeira, para o financiamento de seu programa. A manutenção de uma disciplina de prioridades, com o feito de evitar a dispersão de recursos, implicava numa escolha de regiões de aplicação, setor econômico e projetos individuais de maneira que se rompessem os pontos de estrangulamento que ameaçam retardar o crescimento da indústria e da agricultura no Brasil, e desse lugar a uma “reação em cadeia” propícia ao desenvolvimento (RELATÓRIO geral, t.1, 1954, p. 40.).

Ao longo de sua atividade, a Comissão Mista atuou através das subcomissões de energia elétrica,) de transporte ferroviário, de 199

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transporte sobre água, de portos, de agricultura e de assistência técnica. Além do exame da situação geral de cada um dos grupos de atividades considerados, selecionou-se o tipo de atuação mais recomendável. Para cada uma de tais iniciativas, elaborou-se o correspondente projeto. Mais tarde, semelhante procedimento seria generalizado, o que, na época, era um fato inusitado. O projeto descrevia a situação do mercado e avaliava as condições vigentes no atendimento da demanda. Na eventualidade de se justificarem investimentos corretivos, a iniciativa era concebida, do ponto de vista técnico, em seus mínimos detalhes. Seguia-se o dimensionamento das inversões requeridas e a identificação das fontes de financiamento. A Comissão Mista elaborou 41 projetos de investimentos em infraestrutura, cuja prioridade, em termos de volume de recursos, recaía, em ordem decrescente, nos setores de transporte , energia elétrica, navegação costeira, portos e estradas de rodagem. Esta maior importância aos setores de transporte e energia – definidos a partir do trabalho da CMBEU, de acordo com Corrêa (2009) seguia o novo conceito de pontos de estrangulamento –, aos quais seriam destinados o grosso dos recursos, cerca de 60% e 33%, respectivamente, do montante total dos investimentos, prevendo-se o acréscimo total de 683.000 MW de potência instalada de energia elétrica, entre 1952 e 1957, correspondendo a um aumento percentual de 34,3%. Grande parte dos projetos específicos do setor de eletricidade desenvolvidos no âmbito da Comissão seriam concretizados a partir do Programa de Metas de Kubitschek.116 116

Em meados dos anos 50, as atividades do setor de energia elétrica eram praticamente monopolizadas por duas grandes empresas estrangeiras, a Brazilian Traction Light and Power, canadense, que fornecia os serviços de eletricidade, bondes, gás e telefones no Distrito Federal, na capital paulista e em diversas cidades dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, ao longo do vale do rio Paraíba, cujo parque gerador representava mais de metade da capacidade instalada total do país em 1950 (52,1%), e a American and Foreign Power Company (Amforp), que controlava cerca de trinta empresas operando em diversos centros importantes, como as capitais dos estados do Nordeste e do Sul do país, do Espírito Santo e de Minas Gerais, além do interior de São Paulo, na região de Campinas (CASTRO, 1985: 3 apud CORREA, 2007) . Havia também em funcionamento diversas concessionárias de porte bastante modesto, cerca de 1.800, segundo estatística disponível para o ano de 1947 (CASTRO, 1985: 77 apud CORREA, 2007)), que atendiam regiões pouco dinâmicas, incluindo-se nesse conjunto tanto empresas de capital privado nacional quanto prefeituras municipais que operavam diretamente os serviços de eletricidade. Diferentemente da Light e da Amforp, as concessionárias nacionais operavam usinas muito pequenas, sendo seus serviços voltados quase que exclusivamente para o consumo domiciliar e a iluminação pública em âmbito local. (CORREA, 2007, p. 207-242).

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Porém faltavam os recursos para a viabilização desses projetos, uma vez que o Brasil padecia, segundo a Comissão Mista, de uma baixa margem de poupança, conforme já havia sido assinalado pela Cepal e pelos nacional-desenvolvimentistas. Estimava-se à época que os 41 projetos do Plano de Reaparelhamento Econômico custariam cerca de 22 bilhões de cruzeiros, dos quais 14 bilhões seriam financiados em cruzeiros pelos governos federal e estaduais e cerca de 8 bilhões, equivalentes a 387 milhões de dólares, seriam financiados pelo Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) ou pelo Export-Import Bank (Eximbank). Desse investimento total, 60,6% deveriam ser alocados no setor de transportes, 33,1% no setor de energia elétrica e 6,3% em projetos relativos a indústria, máquinas agrícolas e estocagem de cereais.(D’ARAÚJO, 2009) Evidentemente, a solução aventada também coincidia com a Cepal e seguidores: o recurso à “poupança externa”. E aqui se explicita um dos objetivos básicos da Comissão Mista, que consistia justamente em elaborar projetos concretos que pudessem atrair os capitais estrangeiros. Para a Comissão Mista a necessidade de capitais estrangeiros era “óbvia e premente” e exigia que se tomassem medidas urgentes para induzi-los a penetrar no país: Se bem fosse óbvia e premente a necessidade de inversões de capitas estrangeiros no Brasil, para auxiliar a correção de deficiências em setores básicos da economia e para promover as condições favoráveis a um crescimento mais rápido, essas aspirações de progresso e necessidade de financiamento não estavam, muitas vezes, consubstanciadas em projetos concretos e tecnicamente bem trabalhados, suscetíveis de imediata apreciação por instituições financeiras tais como o Banco de Exportação e Importação de Washington e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. Esperavam os dois governos que, mediante a utilização de assistência técnica, dentro do contexto e objetivos do ponto IV, grande progresso poderia ser alcançado na elaboração de projetos capazes de induzir um fluxo de empréstimos para desenvolvimento por parte de instituições financiadoras internacionais ou norte-americanas, do que, ao seu turno, resultaria um estímulo maior à inversão117 de capitais privados. Ambos os governos reconheciam a necessidade de investimentos privados, mas se lhes afigurava igual-

117

Inversão: termo que, aplicado em economia, tem o mesmo significado que investimento. Na verdade, trata-se de um termo em espanhol (castelhano) inversión, traduzido diretamente para o português como inversão. Os textos de economia dos anos 1950 e 1960 receberam forte influência do pensamento estruturalista da Cepal, cujas principais obras foram escritas por economistas argentinos e chilenos. (SANDRONI, 2004, p.308).

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mente claro que empréstimos de fundos públicos eram também indispensáveis para a prévia eliminação de pontos de estrangulamento em alguns setores básicos como transportes e energia, sem o que as oportunidades para inversões privadas sofreriam grave contrição (RELATÓRIO geral, t.1, 1954, p. 6.).

O conceito dos pontos de estrangulamento constituiu uma importante contribuição da Comissão Mista para a evolução do planejamento no Brasil.118 Daí decorreu a idéia da organização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com o propósito de financiar o que então se denominou de Plano nacional de reaparelhamento. Ao BNDE, cabia a mobilização de parcela de moeda nacional comprometida nos projetos antes mencionados, tendo passado a atuar preferentemente na execução do reaparelhamento ferroviário. A própria Comissão Mista incumbiu-se de promover a negociação de empréstimos estrangeiros, em especial junto ao Banco Mundial (Bird). Posteriormente, essa tarefa foi transferida para o próprio BNDE. A Comissão deu curso ainda a um programa de treinamento de técnicos brasileiros no exterior, com vistas, sobretudo, à formação de profissionais familiarizados com a elaboração de projetos e à efetivação de controle de financiamentos de longo prazo. As idéias popularizadas pela Comissão Mista Brasil – Estados Unidos seriam, posteriormente, incorporadas pelos próprios modernizadores do Estado. Em primeiro lugar, na ação planejada, dever-seia ter presente que, sendo limitados os recursos disponíveis, o essencial é estabelecer a necessária escala de prioridades. Outro elemento igualmente valorizado correspondia à clara definição das fontes de financiamento e à adequada mobilização de agências estrangeiras. Contudo, tais procedimentos seriam compreendidos e valorizados quase exclu118

Pontos de estrangulamento: áreas de demanda insatisfeita em função das características desequilibradas do desenvolvimento econômico. Segundo Sandroni (2004, p.481) qualquer obstáculo que diminua, freie ou mesmo impeça o crescimento, até os níveis desejados, do fluxo de produção. Um ponto de estrangulamento obvio ocorre na agricultura, em que uma demanda mais elevada de produtos agrícolas só encontra resposta ou maior oferta depois de preparada a terra, plantada e colhida a safra (conforme o cultivo, esse processo pode durar vários anos). Na indústria, o processo é mais rápido, pois se pode apelar para vários recursos, como alocação de mão-de-obra extraordinária (se o ponto de estrangulamento for esse), uso de matérias-primas alternativas ou mesmo elaboração de produtos substitutos. Os pontos de estrangulamento costumam ocorrer nos momentos de expansão acelerada de demanda. Quando esse fenômeno ocorre em situações econômicas normais, pode até ser previsto por meio de instrumentos econométricos. Quando ocorre em tempos de guerra, por exemplo, é fundamental uma resposta rápida; as dificuldades são então contornadas com direcionamento da produção, controles e outros mecanismos.

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sivamente pelo limitado número de técnicos brasileiros que viveram essa experiência. Faltava um elemento catalisador, apto a transformálo em patrimônio de comunidade mais ampla. Esse elemento viria a ser o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, fruto, como se disse, de recomendações da Comissão Mista. Criado em 1952, com o objetivo de tocar o Plano de Reequipamento e Fomento da Economia Nacional, o BNDE logo conquistou posição de liderança, dando início ao estabelecimento de normas de atuação inteiramente novas ao conjunto da administração tradicional. O essencial corresponde ao empenho de submeter certos órgãos públicos a regime de projeto, isto é, ao imperativo de consubstanciar seus propósitos e planos num documento que leve em conta as exigências do mercado, que componha adequadamente as fontes de recursos a mobilizar e assegure o retorno do investimento. A aplicação consequente desse conjunto de princípios iria levar a que se desse preferência à gestão empresarial. Criam-se então diversas empresas. O importante a destacar é que, no seio destas, algumas tiveram a possibilidade de alcançar sucesso em termos de economia de mercado, o que permitiu evidenciar a vitalidade do novo segmento em emergência, mesmo quando a componente modernizadora da tradição patrimonialista virtualmente desapareceu sob o governo João Goulart.

O aperfeiçoamento da teoria dos pontos de estrangulamento conduziu ao enfoque dos “pontos de germinação” 119, aplicado como método de planejamento desde a criação do BNDE, em 1952, e que atingiria plena maturidade alguns anos mais tarde, com o trabalho do Conselho Nacional do Desenvolvimento, estabelecido durante o governo Kubitschek, em 1956. Ao se aproximar o fim dos trabalhos da Comissão Mista, que completou projetos para a eliminação dos mais óbvios pontos de estrangulamento, sentiu-se a necessidade de um enfoque mais sofisticado. Nenhum planejamento global e integrado poderia ser realisticamente empreendido por causa das dificuldades de coordenação política em base nacional, de deficiências estatísticas e da absoluta inadequação do mecanismo técnico do governo. Sentiase, outrossim, que a iniciativa privada, com estímulos apropriados, tinha suficiente impulso de crescimento, no campo de substituição de importações, para dispensar complexos esforços de globalização. Enquanto o enfoque dos “pontos de estrangulamento” se concentrava na remoção dos obstáculos criados pela inadequação da infraestrutura dos serviços públicos, o método dos “pontos de ger119

Áreas que geram demanda derivada.

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minação” visava a identificar os “setores de impulso”. Levantava dois problemas de prioridades: prioridade dentro de cada setor e alocação de recursos entre a infraestrutura e os projetos diretamente produtivos. Àquela época, os problemas de desequilíbrio regional entre o Sul e o Norte, que depois assumiriam muita importância nas preocupações governamentais, não tinham ainda adquirido suficiente força política: o enfoque era em termos estritamente econômicos antes que de produtividade social e política. A mais urgente prioridade parecia ser dar plena ocupação das facilidades produtivas no Sudeste do país que, a despeito de uma demanda exacerbada pela inflação, não poderiam operar plenamente por causa de escassez de energia e transportes – um contraste com a situação do Nordeste, onde a energia de Paulo Afonso permanecia subutilizada por causa do ritmo lento de investimentos privados na área. O Quadro 4 sintetiza, cronologicamente, as tentativas de fixação de um planejamento consolidado na forma de planos e projetos de desenvolvimento que contemplasse o país como um todo.

3.3 O PLANEJAMENTO REGIONAL E A QUESTÃO FEDERATIVA O planejamento do desenvolvimento regional no Brasil sempre esteve condicionado pela estrutura política dominante no país, prosperando nos períodos de fortalecimento do sistema federativo e desaparecendo nas épocas de dominação autoritária que praticamente impôs à nação um modelo de administração centralizada. No século XX, o Brasil esteve submetido, durante 40 anos, em períodos intercalados, a regimes autoritários durante os quais a autonomia dos estados foi mantida apenas de forma simbólica. Mesmo na vigência de governos democráticos a dependência financeira que submeteu os estados ao governo central e as características do regime presidencialista fizeram com que o Brasil, mesmo sendo formalmente uma federação, operasse na prática como um Estado unitário. Como foi visto anteriormente, na vigência da Primeira República (1889-1930), em que vigorou o “pacto dos governadores”, assistiu-se a um processo de descentralização. A Constituição de 1891 inaugura o regime de repartição de competências (políticas e 204

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Quadro 4 - Brasil: cronologia das experiências de planejamento

Fontes: Holanda (1975) e RELATÓRIOS do Banco Central do Brasil – Bacen.

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tributárias) entre o poder central e as unidades federadas. Os estados passaram a realizar programas extensivos de obras públicas, sendo que São Paulo vai mais além desses programas, passando a conceder subsídios às migrações. O processo de descentralização ocorrido nessa época transcorreu de forma desigual, visto que São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul concentravam cerca de 70% das receitas e despesas nacionais, no final da década de 1920, ficando os demais em constantes dificuldades financeiras e, consequentemente, dependentes do governo federal. Essa fase foi chamada federalismo dual, posto que os governos federal e estaduais mantinham cooperação no financiamento e exercício de funções públicas. No período compreendido entre 1930 e 1945, instalou-se o centralismo autoritário. Duas constituições foram promulgadas, a de 1934, que teve curta duração, e a de 1937, de cunho eminentemente ditatorial. A primeira, traria consigo o fortalecimento do governo central e definiria com clareza a autonomia dos municípios, atribuindo-lhes competência para a decretação de tributos. A segunda, promulgada com a instalação do Estado Novo, adequaria os instrumentos de intervenção do governo central aos objetivos do novo regime. O processo político implantado por Getúlio Vargas, com o Estado Novo, fortaleceu sobremaneira a União. Isso se deu de duas maneiras, através do autoritarismo e da forte intervenção federal, que redundaram na nomeação, pelo poder central, de interventores nos estados e pelo fortalecimento do aparelho político, administrativo e fiscal da União. Entre 1945 e 1964, ocorre a reversão da tendência centralizadora. Foi a fase do federalismo cooperativo em que houve um aumento da ajuda financeira intergovernamental, diferentemente do modelo federalista do Estado Novo. São criados programas que exigem vinculação de receita e os fundos especiais crescem consideravelmente. É nesse período que prospera o planejamento regional. Até então, as medidas adotadas pelas autoridades governamentais eram insuficientes e incapazes de possibilitar uma maior integração nacional. Com o objetivo de formular uma política de desenvolvimento que integrasse a reprodução do capital nas diversas regiões do país à reprodução a nível nacional, foram criados organismos com o objetivo de programar o enquadramento das regiões no processo de formação capitalista nacional. 206

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No entanto, a intensificação da intervenção do Estado na economia para promover o crescimento emperrou o processo federativo. Ou seja, as crescentes necessidades para a manutenção do padrão de acumulação no país fizeram surgir, embora sob uma Constituição mais liberal (Constituição de 1946), de maneira vigorosa, a presença do Estado na economia (principalmente nos setores básicos: energia, transportes, etc.). Esta crescente participação exigiu uma profunda reforma no sistema tributário nacional, de modo a assegurar o fluxo de recursos para viabilizar o crescimento econômico. Porém, as medidas adotadas – [...] como a criação em 1951, de um adicional restituível sobre o imposto de renda, cujos recursos deveriam compor o Fundo de Reaparelhamento Econômico, dando origem à criação do BNDE, a reestruturação do Plano Rodoviário Nacional, a constituição do Fundo Federal de Eletrificação, cujos recursos provinham do imposto único sobre energia elétrica, criado em 1954, a instituição do imposto de renda retido na fonte (OLIVEIRA F.A. 1980, p. 49).

– não foram suficientes para financiar tal crescimento e o governo recorre ao endividamento externo e ao mecanismo inflacionário, que acabaram por comprometer mais ainda a autonomia dos estados. No período de 1964 a 1986, ocorreu o golpe militar que destituiu o governo João Goulart e elevou à Presidência da República o marechal Castelo Branco. A partir daí, instaura-se no país um processo sem precedentes de centralização do poder da União. Essa centralização do poder nas mãos do Estado estava assentada na ideologia de segurança e desenvolvimento nacionais e na racionalidade administrativa. O Estado continuou a nortear o capitalismo nacional, adotando uma estratégia do planejamento global, e com doses maciças de capital estrangeiro. O regime recém-implantado respaldava-se no pacto de poder e nas alianças que se estabeleceram entre as classes dominantes. Sua composição tem origem entre dois segmentos: os militares e o empresariado industrial. Esta junção de interesses acabou por afastar os setores mais atrasados das classes dominantes do poder, ficando em seu lugar a burguesia industrial e financeira. Afastou também “[...] o movimento dos trabalhadores e, de modo mais geral, ainda que mais vago, um movimento de cidadania apenas balbuciante”. (OLIVEIRA, 1995) A centralização torna-se mais evidente com a promulgação da Constituição de 1967, quando o poder das esferas subnacionais ficam subordinados ao poder central. 207

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As medidas que explicam esta excessiva centralização são enumeradas abaixo por Oliveira F. A. (1980, p. 86): Eliminação da competência residual da decretação de impostos das esferas estadual e municipal outorgadas pela Constituição de 1946. Com a Carta de 67, somente a União passava a ser facultada a instituição de novos tributos; transferência para o Senado Federal do poder que os estados desfrutavam de estabelecerem as alíquotas de seus impostos, atribuindo-se, também ao Presidente da República, o poder de fazer sugestões quanto à sua determinação; transferência para a competência da União de tributos tidos como relevantes para os objetivos da política econômica.

Todo esse conjunto de intervenções do Estado, que marcou esta fase, foi caracterizada por Oliveira (1985), como sendo da morte da Federação. Esta posição também é compartilhada por Scheinowitz (1995), ao afirmar que “a partir da revolução de 1964, a centralização é tão acentuada que o país toma as feições de um estado unitário”. A Constituição promulgada em 1988 fechou o ciclo de autoritarismo iniciado em 1964. O processo de descentralização norteou todo o processo de elaboração da nova Carta. A distribuição dos recursos públicos entre as unidades federadas visava ao autêntico federalismo fiscal, ao contrário da centralização de recursos por parte da União na fase anterior. Porém, no período que transcorre entre 1988 e 1999, não se registram atividades de relevo na área do planejamento nacional e/ ou regional, dadas as incertezas provocadas pela inflação, o fim do paradigma nacional desenvolvimentista e o advento do neoliberalismo como doutrina de política econômica. Neste período, assiste-se apenas a edição de um conjunto de pacotes de estabilização de preços (ver Quadro 4) todos fracassados (à exceção do Real) e que foram eufemisticamente denominados Planos. Assim, apenas no intervalo democrático que transcorreu entre 1946 e 1964, ocorreu a reação política dos estados ao centralismo do governo federal, o que propiciou o surgimento do planejamento regional, notadamente na Bahia que foi pioneira, nacionalmente, nesta área. É de ressaltar que a natural confusão, na opinião pública, de “região” com “estado”, levou a que as reações esboçadas contra a centralização política tomassem, de início, o caráter de reivindicações regionalistas. No campo político, o movimento em favor das economias regionais não perdeu esta conotação “estadual”, e foi a partir desse elemento político que se fizeram as reivindicações, reforçadas por elementos de ordem econômica. 208

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No plano econômico, o reconhecimento dos desequilíbrios inter-regionais de desenvolvimento, provocado pelas reivindicações de ordem política, influiu, decisivamente no movimento regionalista do país. Em resposta a isso, a própria União tratou de criar organismos administrativos, objetivando cuidar dos interesses e promover o desenvolvimento das áreas regionais e reivindicantes, abrangendo sempre mais de um Estado. Na verdade, foi este elemento econômico, mais do que o elemento político, que influiu na criação desses órgãos. Aliás, a simples constatação da existência de disparidades muito grandes de desenvolvimento entre as regiões justifica a existência dos movimentos reivindicatórios. Mesmo que não houvesse conotação política alicerçando as reivindicações regionalistas pela melhoria dos níveis de bem-estar, estas teriam aparecido forçosamente, como fruto da disparidade de desenvolvimento ou, eventualmente, como resultado de algum problema conjuntural.

3.4 O ESPECTRO DA SECA E O PLANEJAMENTO REGIONAL O fenômeno da seca perpassa, como pano de fundo, todo o drama da pobreza nordestina pela qual tem sido indevidamente responsabilizado120, constituindo-se no principal motivador político das iniciativas de planejamento regional adotadas pelo governo a partir dos anos 1940. O cenário da seca no Brasil se constrói na região Nordeste, que está situada logo abaixo da linha do Equador, ocupando a posição Norte-Oriental do país, entre 1º e 18º30’ de latitude sul e 34º20’ e 48º30’ de longitude oeste de Greenwich. Ocupa uma área de 1.561.177,8 km2, o que equivale a 18,3% do território brasileiro, sendo composta, no plano político-administrativo, por nove estados (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) e 1 847 municípios. Segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) – Órgão da Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia – e do 120

Na realidade, a pobreza nordestina decorre da forma como se organizou a ocupação do território, a partir do latifúndio monocultor escravagista, da estrutura agrária ainda predominante na região e dos mecanismos de acumulação e espoliação inerentes ao capitalismo mercantil e industrial que se formaram na área. A seca é um acidente natural que apenas agudiza o problema.

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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a sua população totalizava, no final do século, 51,53 milhões de habitantes, o que correspondia a 28% da população brasileira. Deste total, 35,56 milhões representavam a população urbana e 15,97 milhões, a rural. A densidade demográfica da região era de 33,1 hab/km2. Esta região tem sido, ao longo de sua história, castigada pelo fenômeno da seca que, segundo estudo da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), remonta a milhares de anos, antes mesmo da sua povoação121. A ocorrência das secas no Nordeste registra-se na região compreendida pelo Trópico Semiárido que, segundo a Sudene, ocupa 54% do território nordestino, o que equivale a 842 976 km2. Por decisão política do governo brasileiro, foi criada em 1936, uma poligonal que definia a área considerada como exposta ao risco de seca e, consequentemente, merecedora de apoio governamental em condições privilegiadas. Dadas as vantagens oferecidas aos estados e municípios incluídos neste Polígono das Secas, foi o seu contorno, por pressão dos governos estaduais, ampliado sucessivamente até assumir a sua dimensão atual que totaliza 1.085.187 km2 com a inclusão de uma área de 120.701 km2 do Estado de Minas Gerais (ver Tabela 24 e Figura 8). As intervenções governamentais na área foram sempre motivadas pelos efeitos catastróficos das secas e da sua repercussão junto à opinião pública, porém pautadas pelos interesses da elite política e do capitalismo mercantil dominante na região. Para Sobrinho (1958), as fases da política de combate às secas corresponderam de certa forma, a conjuntos de soluções eminentemente técnicas, como as seguintes: a) solução hidráulica, mediante a açudagem e a irrigação, característica da ênfase concedida pelo Estado no combate às secas; b) solução florestal, mediante o reflorestamento ou florestamento intensivo e racional do território;c) – solução do dry-farming, que implicava o aproveitamento dos recursos de água localizados, ou seja, o refinado aproveitamento das precipitações pluviais ou cultura científica do solo; d) – solução compósita, denominação dada ao ajustamento do meio físico e do meio social a situações novas que impliquem o máximo rendimento e êxito no trabalho da exploração agrícola (p.76).

121

A propósito ver Quadro 1 no capítulo 1.2 deste livro.

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Tabela 24 - Brasil: áreas do Polígono das Secas e Semiárido segundo os estados do Nordeste

Fontes: IBGE – Anuário estatístico do Brasil, 1994; Sudene – DPO – PSU/SRE – IPL/EST. Nota: (1) Área de atuação da Sudene, incluída por critério político.

Sem descartar o mérito dessas soluções, mas fazendo restrições à solução hidráulica, em virtude do escasso alcance espacial da irrigação no semiárido, Andrade (1970) divide a ação do Estado, diante das secas, no Nordeste, em cinco fases. A primeira, “caracterizada pela comiseração, no sentido de salvar o flagelado da fome”, é anterior à seca de 1877-1879, e é por ele denominada fase humanitária. Viria depois a fase de reconhecimento, “caracterizada por decisões governamentais de sentido realista, objetivando levantamentos destinados à implantação de obras”, que iria da seca de 18771879 ao ano de criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs), em 1909. Um terceiro momento compreenderia a fase de intervenção e sistematização através de estudos e obras, caracterizado pela realização de estudos gerais e de base do Nordeste, em especial nos campos da engenharia, da geologia e da botânica, efetuados com o apoio de técnicos estrangeiros, bem como a execução de algumas obras de açudagem. Essa fase compreende o período que vai de 1909 a 1930. Entre os anos de 1931 e 1957, realizam-se trabalhos que o autor caracteriza como incluídos na fase de diferenciação. Nessa fase, expandem-se as atividades da antiga Iocs, que fora transformada em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs) em 1919. Reforçam-se, no mesmo período, as obras de açudagem e de 211

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Figura 9 - Mapa do Polígono das Secas Fonte: Lei 4.763 de 30.08.1965.

construção de estradas, organizam-se os serviços de piscicultura e de reflorestamento e os postos agrícolas, dando-se por iniciada uma etapa de trabalhos mais específicos no domínio da agronomia, com ênfase mais acentuada na agricultura de sequeiro do que na agricultura irrigada. Por fim, vem a fase de integração do desenvolvimento regional e promoção universitária, característica do período pós-Sudene, 212

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quando o Estado passa a adotar instrumentos voltados para o combate às secas que ultrapassam os estreitos limites das obras de infraestrutura, hídrica principalmente, que notabilizaram as fases anteriores. Trata-se da fase posterior a 1958, ano de uma das mais fortes secas deste século. Nilson Holanda, ex-presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), diferencia as fases da política econômica em relação ao Nordeste, também tomando as secas como elemento mobilizador da ação do Estado. Mais econômico no número de fases, ele entende ter havido três momentos importantes nessa política, todos eles no século atual, significando que os esforços realizados no século passado não tiveram maior importância para a configuração da ação do Estado no tempo presente. Para ele, viria, em primeiro lugar, a fase hidráulica,cobrindo o período de 1909 a 1948, no qual as ações governamentais tiveram como ênfase a construção de açudes e estradas e a perfuração de poços. O período situado entre os anos de 1948 e 1954 corresponderia a uma fase de transição, caracterizada pela prioridade conferida à construção de obras de infraestrutura energética, com a instituição, em 1945, da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), e ao aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos, com a criação, em 1948, da Comissão de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf)122. Esta última prioridade não deixaria de estar incluída na primeira ou no conjunto de solução esquematizadas anteriormente por Souza (1958). A fase moderna, caracterizada pela promoção intensa do crescimento regional, iniciar-se-ia em 1954, após a criação do BNB, vindo a se consolidar, depois de 1959, com a instituição da Sudene. A seca de 1958 influenciou consideravelmente a decisão de criação da Sudene pelo governo Kubitschek. Assim é que, no documento básico do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), editado em 1959, a questão da seca, especificamente, constitui parte integrante de um conjunto inter-relacionado de proposições apresentadas em quatro grandes linhas: 122

Atuou durante os 20 anos estabelecidos pela Constituição de 1946. Para sucedê-la, foi criada, em 28 de fevereiro de 1967, pelo decreto-lei n. 292, a Superintendência do Vale do São Francisco - Suvale, autarquia vinculada ao então Ministério do Interior. Em 16 de julho de 1974, para suceder a Suvale, foi instituída a Codevasf – lei n. 6.088 -– empresa pública, atualmente vinculada ao Ministério da Integração Nacional, com sede e foro no Distrito Federal. Por força da lei n. 9.954, de 6 de janeiro de 2000, a Codevasf teve sua área de atuação ampliada para a bacia do rio Parnaíba, perfazendo uma área total de abrangência de 970.000 km² (11,30% da área do território nacional).

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a) a intensificação dos investimentos industriais, visando a criar no Nordeste um centro de expansão manufatureira; b) a transformação agrícola da faixa úmida, com vistas a proporcionar uma oferta adequada de alimentos aos centros urbanos, cuja industrialização deveria ser intensificada; c) a transformação progressiva da economia da zona semiárida, no sentido de elevar sua produtividade e torná-la mais resistente ao impacto das secas; d)o deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste, visando a incorporar à economia da região as terras úmidas do hinterland maranhense, em condições de receber os excedentes populacionais criados pela reorganização da faixa semiárida. O GTDN qualificou as características da economia do semiárido como inadequadas para produzir alimentos, uma vez que esta região apresenta baixa produtividade e reduzido grau de integração nos mercados, sendo extremamente débil e, além disso, sujeita a crises periódicas de produção provocadas pela seca, isto é, a perturbação na distribuição pluviométrica ou queda no nível de precipitação, ou ainda a combinação das duas anormalidades. As características de calamidade social do fenômeno, segundo o referido relatório, adviriam principalmente de sua forte repercussão em uma das camadas constituintes da economia do semiárido, a agricultura de subsistência: Nas três camadas da agricultura do semiárido – agricultura de subsistência, algodão mocó e criação – a gravidade da seca e seu prolongamento em crise social se devem ao fato de seus efeitos incidirem de forma concentrada na primeira das referidas camadas. (BRASIL, 1959, p.66)

O relatório critica as soluções que até então tinham sido promovidas visando ao combate à seca. Os dois tipos de medidas adotadas, tanto as de curto prazo, visando a criar fontes de emprego através da abertura de frentes de obras públicas, quanto as de longo prazo, objetivando aumentar a oferta de água, através da açudagem, segundo a visão do GTDN, não teriam modificado os problemas fundamentais trazidos pela seca, ou seja, a questão da produção agrícola. “Sendo a seca crise da produção agrícola não basta criar oportunidades de emprego, deve-se também intervir no mercado de gêneros alimentícios” [...] (BRASIL, 1959, p.70). Por outro lado, a açudagem também não estaria modificando a fisionomia da região, pois, 214

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA [...] apesar da volumosa massa de água represada, a fração de águas açudadas diretamente reutilizadas em irrigação é insignificante (10.000 ha.) efetivamente na atividade pecuária, sem, entretanto resolver-lhe completamente os problemas uma vez que a alimentação do gado (forragem) não está solucionada. (BRASIL, 1959, p.71).

De um outro ângulo, a açudagem estaria deixando como efeito residual o agravamento, a longo prazo, da situação da população, ao contribuir para reter maior massa populacional na região. Sob a ótica do GTDN, portanto, a seca é uma “crise na produção agrícola” e a grande questão a ser resolvida no semiárido refere-se a uma organização das atividades produtivas sob novas bases, em que se ressaltaria, sobretudo, a adaptação às condições do meio físico e a eliminação da agricultura de subsistência, a camada “menos resistente às secas” e a mais “improdutiva do sistema”, e se propunha que uma [...] pecuária sustentada durante os períodos secos em forrageiras arbóreas que se adaptem às condições mesológicas e uma agricultura de plantas xerófilas igualmente adaptadas ao ambiente, protegidas e orientadas por eficiente assistência técnica e financeira do Governo, poderiam constituir o núcleo central de uma economia de elevado grau de resistência às secas e de razoável nível de produtividade. (BRASIL, 1959, p.75-76)

Esta reorganização, contudo, esbarra no problema do excedente populacional, uma vez que estaria sendo baseada “muito mais na utilização dos recursos naturais e muito menos na utilização de mãode-obra barata” (BRASIL, 1959). Assim, com o objetivo de eliminar a improdutividade da subsistência e utilizar a mão-de-obra liberada, surge, como proposta do GTDN, o deslocamento da fronteira agrícola, através da colonização dirigida, visando, através desta política, a resolver o problema da oferta de alimentos e a absorção do excedente populacional. A proposta do GTDN com relação ao semiárido, como parte integrante e complementar de sua proposta de industrialização, sobretudo na faixa litorânea, fica assim explicitada em duas frentes: [...] a de reorganização da economia da região semi-árida, visando eliminar o setor subsistência, e a da abertura de uma fronteira agrícola na periferia úmida, quer através de uma utilização mais racional dos vales úmidos da faixa litorânea, quer por um deslocamento demográfico em maior escala na direção do Maranhão. (BRASIL, 1959, p. 78)

Conforme se pode observar da tabela 24, a Bahia é o Estado do Nordeste que possui maior área territorial encravada no semiárido. 215

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Nada mais lógico que, em seu primeiro plano de desenvolvimento regional, pioneiro no Brasil, fosse abordada a questão da seca. Assim, o Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia – Plandeb123 concluído em 1959, buscou detalhar a situação baiana e suas limitações em termos de obras contra as secas, destacando a precariedade da situação local, decorrente de descaso do governo federal com relação ao Estado: A área sujeita a secas na Bahia é, oficialmente, de 318.000 km2 , importando em 56% do território e 33,6% da área total do polígono das secas; entretanto, em 1958, de um total de 7.312.000 (milhões) de m3 de capacidade nos açudes do Dnocs no Nordeste, a Bahia dispunha apenas de 259 mil m3, ou seja, cerca de 3,5%, além de pequena capacidade construída pelo Estado. De 652 km de canais de irrigação, dispunha apenas de 9 abertos pelo poder público, sendo que até o momento, esses canais só irrigaram 4 ha, a cargo do serviço Agroindustrial no açude Jacurici, embora a área irrigável já atinja 90 ha. Ao lado de um pequeno número de poços, abertos pelo Estado, os perfurados pelo Dnocs, até 1956, na Bahia eram em número de 611 para um total de 4.994 em todo o polígono. Destes, foram aproveitados 387, representando uma percentagem de aproveitamento de 63% - a mais baixa entre todos os Estados da região, dando uma capacidade de vazão horária média de 3.562 litros contra 3.753 litros no conjunto do Nordeste. (BAHIA - CPE, 1960, v. 2, p. 50).

Feitas as críticas, o plano passa a fazer as sugestões da Bahia para um programa de combate às secas, onde se ressaltam quatro propostas básicas: a) a organização econômica para resistir às secas, através da organização da economia agrícola e do abastecimento pelo sistema do Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial da Bahia ( Fundagro); b) a organização para emergência nos momentos de seca, objetivando garantir trabalho e assegurar renda para evitar migrações; c) a implementação de culturas resistentes à seca e a criação do programa de pesquisa de recursos naturais e seu aproveitamento; d)criação de um programa permanente de reservas de água e irrigação e um programa de pequena açudagem, poços e irrigação individual. 123

O Plandeb é analisado no capítulo referente ao planejamento na Bahia.

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Ao sistema Fundagro caberia, através de empresas como a Companhia de Armazéns Gerais e Silos da Bahia (Caseb) e a Companhia de Alimentação e Sementes (Casemba), a manutenção de estoques, reservas de sementes, visando a regularizar o mercado de gêneros alimentícios e forragens e garantir preços mínimos aos produtores. A Empresa de Conservação dos Solos, Água e Mecanização Agrícola (Ecosama) se incumbiria de proporcionar aos agricultores serviços de manutenção de mecanização agrícola e conservação do solo, construção de açudes e perfuração de poços. A Matadouros e Frigoríficos S/A (Mafrisa) asseguraria o melhor aproveitamento do gado e fomento à pecuária. No que se refere aos cuidados de emergência, o Plandeb sugere quatro pontos no intuito de garantir o emprego: a) a elaboração e reservas de projetos com indicação de prioridades e constituição de catálogo de projetos em construção “a fim de serem acelerados com a verba federal de emergência”; b) constituição de um sistema de crédito pelo BNB ou pelo Bandeb para fornecer aos proprietários rurais a capacidade de pagar salários numa época de frustração de safras e para a realização de obras e instalações de interesse permanente; c) organização de arsenais de equipamentos para propiciar trabalho pronto aos flagelados; d)manutenção de um sistema de divulgação permanente de informações objetivas e prontas sobre meteorologia e condições da agricultura. Na implantação de culturas mais resistentes à seca, são apontados o sisal, a mamona e o algodão, que são objeto de programa específico dentro da programação geral para o setor agrícola do Plandeb, e o incremento da cultura da palma e da algaroba, a serem utilizados como forragem. Também são propostas algumas medidas visando à melhoria da produtividade dos rebanhos e o desenvolvimento da pecuária leiteira na zona seca. No que concerne à pesquisa de recursos naturais, o plano indica que sejam considerados os vales dos rios permanentes, principalmente os da bacia do São Francisco, o Paraguaçu, o Itapicuru, o Vaza-Barris e o rio de Contas, visando ao aproveitamento múltiplo, principalmente de irrigação. Propõe ainda estudos em flora da caatinga, criação animal na região e pesquisas de água subterrânea. 217

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Figura 10 - Mapa da região semiárida da Bahia. Fonte: SUDENE, 1994.

Finalmente, com relação aos programas de armazenamento de água e irrigação, o Plandeb apresenta detalhadas proposições quanto ao planejamento e execução de obras de açudagem e irrigação através dos órgãos especializados, federais e estaduais, destacando-se tais proposições como a grande ênfase da programação de combate às secas. 218

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A irrigação aparece como preocupação importante, sendo destacada sua implementação nos açudes Jacurici, Sohem, Serrote, Ceraíma e Cocorobó. Propõe o Plandeb que sejam aceleradas as obras de açudagem, como a construção do aterro da barragem dos Pinhões (em Juazeiro), os açudes Araci e Zé Manuel (Casa Nova), rio do Salto (Caculé), Adustina (Paripiranga), Zabumbão (Paramirim) Delfino (Campo Formoso) e Várzea Formosa (Itiúba), devendo ser tomadas providência no sentido de aproveitamento desses açudes para irrigação. Também são apontadas as possibilidades de irrigação do baixo-médio São Francisco, segundo estudos projetados pelo Codeno com a colaboração da CVSF, a irrigação em Barreiras (no rio Grande) e no vale dos rios Formoso e Corrente, um programa especial para o rio Salitre e ainda programas pioneiros de motobombas nos rios São Francisco, Paraguaçu e Itapicuru. Além da irrigação, também o fornecimento de energia hidrelétrica é salientado e, neste sentido, estaria a construção da barragem no alto rio Brumado, e da barragem de Pedra no médio rio de Contas, cujo papel principal seria regularizar a vazão do rio e assegurar o funcionamento da usina do Funil. Além disso, os órgãos atuantes no setor hídrico deveriam estabelecer uma programação de pequenas obras contra as secas, levando em conta “com especial prioridade”, os roteiros do gado no seu deslocamento dos centros de criação, recriação ou engorda, através das zonas secas, sendo fundamental que “sejam estes órgãos dotados de equipamentos de transportes para que as sondas e os tratores não fiquem ociosos a espera de transportes providenciados pelos interessados, o que tem redundado numa fabulosa perda de tempo [...]” (PLANDEB, 1960). Após o encerramento do século XX, um balanço da intervenção governamental na região nordestina e dos esforços de planejamento indica o fracasso da maior parte dos programas e projetos elaborados, como decorrência dos seguintes fatores: a) muitos planos, programas e projetos simplesmente não saíram do papel, constituindo exercício teórico e de retórica, como se demonstra no capítulo seguinte; b) os recursos aplicados no combate à seca, foram desviados pela corrupção endêmica que contamina o setor público regional em todas as instâncias (indústria da seca) e, quando não o foram, beneficiaram as elites dirigentes e a burguesia vinculada ao capitalismo mercantil e industrial que explora a região. 219

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Para comprovar estas afirmações, basta que se compilem as estatísticas sobre a concentração da renda e a miséria regional. Afinal, como afirmava Vide (1998, p. 136), “a seca não admite combate; temos que aprender a conviver com ela [...] o uso inadequado do território durante um período de seca pode ser a causa da desertificação [...] a desertificação é mais um conceito solução”.

3.5 A TEORIA ECONÔMICA DO PLANEJAMENTO REGIONAL NORDESTINO A principal justificativa teórica do planejamento regional do Nordeste brasileiro, cujo exame mais detido interessa aos objetivos deste livro, encontra-se no relatório do GTDN, intitulado Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste já mencionado na seção anterior. Este documento histórico reflete as tendências do movimento iniciado nos anos 1950 em defesa de uma maior racionalidade nas decisões e planos econômicos, de acordo com as diretrizes do Plano de metas, do governo Juscelino Kubitschek que preconizava uma forte presença do Estado na condução da economia e dos processos sociais no Brasil. O estudo realizado pelo GTDN constituiu uma análise precisa dos problemas do Nordeste como região paupérrima a desenvolver, sintetizando várias das concepções relevantes, do ponto de vista teórico, da segunda metade dos anos 1950 sobre o processo de desenvolvimento regional. O diagnóstico, que assume como válidas algumas das principais idéias da Cepal, a respeito da necessidade de transformações estruturais na economia regional (reforma agrária e industrialização de base conjugadas em uma única política), compreende os três primeiros capítulos do documento e apresenta um núcleo teórico composto de concepções polêmicas, surgidas entre 1955 e 1958 e relacionadas ao grande debate sobre o subdesenvolvimento. O trabalho incorpora teses de François Perroux, Douglas North, Gunnar Myrdal, Paul Rosenstein – Rodan e Albert Hirschman todas da década de 1950124, que em combinação com as idéias da Cepal, torna124

Ao fazer referência a esses estudiosos pelo sistema autor-data, registra-se a data da edição do livro consultado o que, quase sempre, não corresponde à data em que o trabalho circulou originalmente, normalmente no idioma original de seus autores.

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ram o estudo de Celso Furtado um eficiente instrumento da luta para demonstrar a importância do planejamento como meio de superação dos problemas regionais. Em resumo, o plano de ação proposto baseava-se no argumento de que: “o desenvolvimento brasileiro, com a forte influência do Estado na sua condução e dados outros fatores de ordem econômica, impôs a existência de um dualismo estrutural” (Cepal) em detrimento do Nordeste, que se reforçaria graças aos “efeitos de polarização” (HIRSCHMAN) do desenvolvimento em favor do Sudeste, num “processo de causação circular cumulativa” (MYRDAL), tendente a deprimir cada vez mais a região nordestina. A solução para o Nordeste seria uma espécie de “causação circular” (MYRDAL) em sentido contrário ao processo que se desenvolvia até então. “Um grande impulso” (ROSENSTEIN-RODAN), representado por “mudanças estruturais baseadas no planejamento” (Cepal) e na utilização dos elementos dinâmicos da própria economia nordestina. Esses elementos “seriam o setor exportador, que forneceria a base de recursos” (NORTH) capaz de ampliar a poupança interna, “os investimentos públicos germinativos” (HIRSCHMAN) e “a industrialização motriz” (PERROUX) que, em conjunto e dentro de um planejamento bem elaborado e executado, possibilitariam o desenvolvimento regional a um ritmo adequado e em nível de “auto-sustentação” (Cepal). Para que isto ocorresse, seria necessária a realização de mudanças estruturais, sem as quais não seria viável a solução proposta, via industrialização, dados os efeitos limitantes da inadequada estrutura de posse da terra vigente no Nordeste sobre os preços do alimentos que, em alta, inviabilizariam a indústria regional como concorrente da sua similar do Sudeste. O estudo do GTDN, ao comparar a disparidade de níveis de renda e de ritmo de crescimento das economias do Nordeste e do Sudeste, constata que “como os processos econômicos desse tipo são cumulativos e de difícil reversão, cabe deduzir que a solução do problema nordestino enfrenta obstáculos que irão se avantajando com o tempo”. Mais adiante, afirma: “A experiência histórica indica que as desigualdades regionais de níveis de vida, quando assumem característica de sistemas econômicos isolados, tendem a institucionalizar-se” (BRASIL, 1959, p.7-8). Esta constatação coincide com o pensamento de Myrdal sobre a “causação circular cumulativa”, quando ele afirma que: 221

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“Em geral, uma transformação não provoca mudanças compensatórias; mas, antes, as que sustentam e conduzem o sistema, com mais intensidade, na mesma direção da mudança original. Em virtude disso, o processo social tende a tornar-se acumulativo e, muitas vezes, a aumentar aceleradamente sua velocidade. (MYRDAL, 1960, p.34).

Também Hirschman (1960), ao analisar os “efeitos de fluência e de polarização” e raciocinando em termos de regiões de um mesmo país, afirma: Desde que a região desenvolvida possua uma área agrícola grande e produtiva, ou seja, capaz de suprir suas necessidades de produtos primários importando de outros países... a região atrasada estará completamente afastada dos contatos benéficos com o desenvolvimento da outra, ao mesmo tempo em que ficará exposta aos efeitos adversos da polarização. Nestas condições, esta fase tenderia a estabelecer uma prolongada divisão do país em uma área progressista e outra deprimida. (p.35).

Ainda Hirschman: Na medida em que a industrialização da área adiantada se processe pela adoção de linhas de produção não existentes na área atrasada, esta leva outra desvantagem, porque terá agora de comprar as manufaturas da região desenvolvida, produzidas sob barreiras alfandegárias logo instituídas, ao invés de comprar bens similares, anteriormente importados de fora a preços mais baixos (p. 43).

Em outro trecho, complementa: “E, juntamente com o pessoal qualificado e as empresas, provavelmente o pequeno capital gerado pela região atrasada irá se transferir para a outra”. (HIRSCHMAN, 1960, p.52) O documento do GTDN está repleto de constatações desse tipo: a) a persistirem as tendências atuais, há o risco real de que se diferenciam cada vez mais os dois sistemas econômicos já existentes no território nacional. b) As causas profundas que respondem pela secular tendência ao atraso da economia nordestina [...] vieram adicionar-se a outras [...] decorrentes da própria política de industrialização seguinte no último decênio [...] A escassez de divisas, criadas pela política de desenvolvimento, e os maciços subsídios aos investimentos industriais, decorrentes da política de controle das importações, favoreceram amplamente a região Sudeste. c) O setor privado transfere recursos do Nordeste principalmente nos anos bons: recursos que saem da região em busca das melhores oportunidades de investimentos oferecidas pelo Sudeste. 222

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d)[...] o agravamento do fenômeno, em anos recentes, deve-se ao fato de que a essas causas primeiras vieram adicionar-se outras, de natureza econômica, ligadas à própria política de desenvolvimento do país. e) A política protecionista, cujo louvável objetivo é proteger as indústrias nacionais, tem provocado importantes transferências de recursos em desfavor da região potencialmente mais pobre, aumentando, assim, a disparidade de níveis de desenvolvimento. (BRASIL, 1959, p. 8) Em outra parte do estudo do GTDN, surge claramente a concepção dualista da Cepal: Constitui equívoco apresentar a economia brasileira como um só sistema, comparável a outras economias subdesenvolvidas de nível de renda per capita similar... Por maiores que sejam as dificuldades com que ainda se depare o desenvolvimento do Sudeste, pode-se admitir como certo que [...] prosseguirá e que [...] terá atingido um grau de autonomia no seu abastecimento de bens de capital que o habilitará a superar os sérios problemas de balanço de pagamento que atualmente enfrenta. O panorama da economia do Nordeste é totalmente diverso: ao término do próximo decênio [...] o Nordeste figurará como a mais extensa e a mais populosa zona subdesenvolvida deste continente (BRASIL, 1959, p. 19).

Segundo Hirschman (1965), a distribuição regional do investimento público tende para “a dispersão de fundos entre numerosos projetos de menor escala, espalhados por todo o território” explicável em face de que “o padrão de dispersão requer capacidade tecnológica e de planejamento relativamente pequeno... deficiências que usualmente afetam os países subdesenvolvidos”. Sustentando-se nesta crítica, diz o GTDN: “As transferências por intermédio do governo federal avolumam-se nos anos secos e, em grande parte, diluem-se em obras assistenciais”. E isto implica em que “são gastos que nenhum efeito tem na estrutura econômica e na capacidade de produção do sistema” (BRASIL, 1959). A teoria da causação circular de Myrdal (1960) constitui um dos elementos básicos da análise do GTDN para a superação nordestina do subdesenvolvimento juntamente com a tese do big push (ROSENSTEIN-RODAN, 1960). A comparação de trechos selecionados dos dois autores e do GTDN deixa claro a influência aqui referida. Segundo Myrdal (1960): [...] um movimento ascendente do sistema inteiro pode resultar de medidas aplicadas neste ou naquele de seus pontos; mas isto não equivale a dizer que seja indiferente, do ponto de vista prático e

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político, onde e como atacar o problema do desenvolvimento”. Afirma também ser “improvável que uma política racional se realize pela mudança de um fator apenas” e que “os efeitos finais cumulativamente ampliados de um impulso ascendente, criteriosamente aplicado aos fatores relevantes, são, de certo modo, prova e também indício do “desperdício social” preexistente. (p.43)

Já Rosenstein-Rodan (1960) sustenta que: Lançar um país (ou uma região) a um crescimento autossustentado é, de certo modo, como fazer decolar um avião. Há uma velocidade crítica sobre a pista que deve ser alcançada antes que o aparelho se eleve... Procedendo a passo a passo não se logrará um efeito igual à soma total dos passos. Uma quantidade mínima de inversão é condição necessária (embora não suficiente) para o êxito [...] (p. 67).

A respeito, segundo o GTDN: a) [...] como o esforço exigido pelo desenvolvimento é relativamente maior nas primeira etapas [...], caso se criem, na região, condições mais favoráveis à absorção de capitais privados, o Nordeste poderá firmar-se em sua própria poupança para alcançar um ritmo de crescimento similar ao do Sudeste. b) Uma melhora das oportunidades de inversão, seja de um impulso dinâmico original de fora, seja de modificações estruturais que permitam crescer apoiando-se na própria procura interna. No primeiro caso, o elemento dinâmico do desenvolvimento são as exportações; no segundo, é a industrialização. c) [...] anulados certos efeitos negativos da política nacional de desenvolvimento para a região e proporcionada uma ajuda razoável na etapa inicial, pode-se contar com uma melhora substancial do ritmo de crescimento da economia nordestina. d) Sem prejuízo de um esforço sistemático no sentido de ampliar as linhas de exportação do Nordeste, a análise da presente situação... indica... que o seu atraso só poderá ser superado mediante uma política de industrialização (que) visa ao tríplice objetivo de dar emprego, criar uma classe dirigente nova, imbuída do espírito de desenvolvimento, e fixar na região os capitais formados em outras atividades econômicas, que atualmente tendem a emigrar. (BRASIL, 1959, p. 33).

Assim, parece clara a estreita correlação entre as idéias dos dois teóricos referidos e o modo como se estruturou a estratégia do GTDN em seus contornos mais amplos. Ainda segundo o GTDN: [...] um plano de industrialização para o Nordeste terá que visar dois objetivos centrais: primeiro reorganizar as indústrias tradicionais da região... a fim de reconquistar a posição que antes detinham em face do parque industrial do Sudeste; segundo modificar a estrutura do sistema industrial da região, com a instalação de indústrias de base, criando, assim um sistema de autopropagação” (BRASIL, 1959).

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As indústrias de base preconizadas pelo GTDN estão em perfeito acordo com o conceito de “indústria motriz” de Perroux (1964): Uma unidade é motriz num determinado espaço social e econômico quando a resultante de todos os efeitos por ela gerados é positiva no sentido de proporcionar uma mudança de estrutura e fazer com que a produção real líquida do conjunto de unidades experimente uma maior taxa de crescimento. (p.168).

Neste ponto, o documento do GTDN demonstra uma clara tendência discriminatória em relação à Bahia (que na visão de Celso Furtado deveria, juntamente com o Maranhão, formar uma fronteira agrícola para abastecer o semiárido industrializado, tanto que, nas prioridades industriais, não são contemplados os empreendimentos vinculados à indústria do petróleo, uma proposta do planejamento baiano. A indústria motriz preferida no caso seria a siderurgia, que, ironicamente, acabou se instalando na Bahia, numa escala de produção menor do que a projetada, dadas as pressões exercidas pelo lobby dos empresários e políticos da região Sudeste em favor do Estado de Minas Gerais.125 O papel do setor público, nesse processo, dada a constatação de que “os vultosos gastos efetuados na região pelo governo federal [...] revestem a aparência de investimentos, mas constituem em grande parte simples subsídio ao consumo”, seria exatamente o de “dotar a região atrasada de algumas atividades econômicas próprias, continuadas e ativamente indutoras” (BRASIL,1959). Ou, traduzindo na linguagem do GTDN ao expor os fatores capazes de apoiar a sua estratégia industrial: “cabe ter em conta que já existem no país instituições de financiamento governamentais, como o BNDE e o BNB, legalmente obrigadas a despender na região um volume substancial de recursos” (BRASIL, 1959). Há um último elemento de interação entre o plano do GTDN e as concepções teóricas por ele utilizadas. Trata-se das reformas estruturais, englobando a agricultura e a indústria em um mesmo processo de mudança. A argumentação do GTDN, toda ela oriunda do pensamento da Cepal, é incisiva: Sendo a terra um fator escasso, em grande parte monopolizada, aliás, para o cultivo de cana, e crescendo intensamente a popula-

125

Como conseqüência desta medida a Bahia foi impedida de produzir laminados de aço o que limitou drasticamente as possibilidades de desenvolvimento de um parque automotivo no Estado e, por extensão, no Nordeste. Hoje a fábrica da Ford, implantada em Camaçari, importa os laminados da Usiminas.

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ção, a região inclina-se a depender cada vez mais de alimentos importados do Sudeste. Por conseguinte, a tendência do nível dos preços dos alimentos é para crescer, relativamente à região sulina. Trata-se de um processo que leva, necessariamente, ao estrangulamento das indústrias da região, que, mais cedo ou mais tarde, estarão incapacitadas para concorrer dentro de seu próprio mercado com as manufaturas importadas do Sul. Pode-se afirmar, portanto, que o ponto mais fraco das indústrias do Nordeste reside: na própria agricultura da região. Destarte, o primeiro objetivo de um plano de industrialização terá que ser o de modificar a tendência ao encarecimento relativo dos alimentos. A reestruturação da agricultura nordestina, visando um uso mais racional e intensivo dos recursos escassos de terra e água, constitui um pré-requisito da industrialização. É por esta razão que, no Plano de ação aqui sugerido, dá-se ao problema do abastecimento de alimentos às zonas urbanas a mesma alta prioridade que à intensificação dos investimentos industriais. (BRASIL, 1959, p. 61)

Este argumento é, em sua essência e dada a motivação de promover o desenvolvimento industrial, o mesmo utilizado por David Ricardo neste trecho, ao abordar a questão da renda da terra e sua relação com o processo fabril da Inglaterra no início do séc. XIX. Sem dúvida alguma, é certo que a redução do preço relativo do produto primário, ocasionado por melhoras na agricultura, produziria naturalmente uma crescente acumulação, já que as utilidades do capital aumentariam enormemente. Dita acumulação ocasionaria maior demanda de mão-de-obra, maior salário, uma população crescente, uma demanda mais ampla de produtos primários e um incremento nos cultivos. Em outras palavras, maior mercado, maior produção e produtividade, maior acumulação, mais desenvolvimento, tanto no setor industrial quanto na agricultura. Contudo, esta mudança pretendida na estrutura agrícola da região nunca ocorreu. Não se fez a reforma agrária quando jurídica e politicamente era possível, (ver I Plano diretor da Sudene) e os programas de irrigação ainda eram incipientes. A terra, na região, continua sendo uma fonte de poder e de acumulação. Isto porque de um lado somente os grandes proprietários da terra – agricultores, fazendeiros e comerciantes – tem acesso ao crédito subsidiado e aos incentivos governamentais (como o Finor – Agrícola) o que assegura, mantém e consolida o poder desta categoria e, de outro, favorece a acumulação visto que a exploração agrícola e pastoril é realizada segundo os interesses desta classe dominante que marginaliza os pequenos proprietários. 226

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Assim os parceiros, rendeiros, moradores e pequenos proprietários do Nordeste semiárido têm grande parte de seus magros excedentes apropriados pelos grandes proprietários rurais. Segundo Martins (1982). Se a renda fundiária fosse distribuída com certa equidade, seguramente os efeitos da seca seriam minorados ou evitados para aqueles que os padecem de modo mais imediato. A verdade é que o sertanejo pobre paga um alto preço para trabalhar a terra, percebendo uma ínfima renda. (p. 7)

3.6 ENQUADRAMENTO POLÍTICO DO PLANEJAMENTO NACIONAL E REGIONAL Sob este ângulo, o plano do GTDN constituiu a expressão da vontade do poder central de resolver, a seu modo, a questão do subdesenvolvimento nordestino. O GTDN foi criação do governo Kubitschek, em 1956, e só com a presença de Celso Furtado na sua direção, em 1958, conseguiu-se, rapidamente, elaborar um estudo adequado tecnicamente. No entanto, sendo o Estado condicionado pela luta dos grupos político-econômicos pelo poder, a vontade do poder central acima referida deveria corresponder a uma idéia dominante dentro da estrutura do poder central. E essa idéia tinha duas faces interdependentes no momento histórico do governo Kubitschek: o planejamento como técnica e a industrialização como ação integrada de desenvolvimento. Assim sendo, ao plano do GTDN, correspondeu o Plano de metas, mesmo que este não particularizasse o Nordeste como região a desenvolver. Essa idéia existia126 e a ela Juscelino se referia, ainda em 1955, em plena campanha eleitoral (o grande problema que hoje se apresenta ao Nordeste é o da sua industrialização). Ou seja: não qualquer tipo de desenvolvimento, mas o industrial, correspondente ao mesmo processo que ocorreria nacionalmente a partir de 1956. Para o governo federal, desenvolver o Nordeste sob a sua liderança, usando o planejamento como técnica e a industrialização 126

Na verdade a idéia de criação do GTDN foi gerada pelos técnicos nordestinos da Assessoria Econômica da Presidência da Republica no governo Vargas, liderada por Rômulo Almeida, Jesus Soares Pereira, Cleon de Paiva Leite e Euvaldo Correia Lima.

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como instrumento de mudanças estruturais, era um meio de intervir com eficiência na economia, objetivando resolver um problema de desequilíbrio inter-regional que tendia a se agravar, sem afastar-se de uma política mais ampla, de âmbito nacional. Para a indústria do Sudeste, como grupo hegemônico no poder, não era indiferente o comando desse processo e sua reivindicação era a de que a iniciativa deveria lhe competir. O Plano de metas do governo Kubitschek foi responsável por uma transformação qualitativa na economia brasileira e se constituiu na mais ampla ação orientada pelo Estado, na América Latina, visando à implantação de uma estrutura industrial integrada. De 1956 a 1960, o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 8,1% e a renda per capita, 5,2% ao ano, em média. Outro aspecto decorrente da sua aplicação, visto por Ianni , “é que se aprofundaram bastante as relações entre o Estado e a economia, sendo a atuação do poder público destinada a acelerar o desenvolvimento econômico, particularmente a industrialização, e a impulsionar o setor privado nacional e estrangeiro” (1977, p. 142). Nesse quadro, é importante notar que, dados os resultados do processo de substituição de importações dos períodos anteriores, a industrialização deixou de ser induzida pelo estrangulamento do setor externo e se adotou uma estratégia política de desenvolvimento que acabou por consolidar e expandir o capitalismo dependente, ou associado, segundo a perspectiva do governo da época. Essa estratégia política, consubstanciada em metas que visavam a fazer o país desenvolver-se “50 anos em 5”, requereu a atuação direta do Estado na superação de “pontos de estrangulamento” e na própria atividade empresarial, enquanto “a estrutura do setor industrial tornou-se amplamente integrada à estrutura econômica mundial, por intermédio das empresas multinacionais”. Isto, que Oliveira (1977) considera um “salto de qualidade operado na diferenciação setorial industrial”, resultou na incorporação, à economia brasileira, de estilos de competição oligopolista que podem ser encontrados na estruturação das grandes organizações, nos esquemas de reprodução protegidos, de mercado “cativo”, como no caso das indústrias automobilística, de construção naval e [...] monopólios do Estado em setores produtivos. Como decorrência desse processo de planejamento, no ano em que o trabalho do GTDN foi publicado e a Sudene foi criada (1959), já se podia identificar com clareza que: 228

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA [...] a parte da burguesia que não dispunha de condições para beneficiar-se dos programas de investimentos e estímulos governamentais, e que era o setor mais propriamente nacionalista dos debates políticos de então, perdera espaço e condições de ser ouvida, enquanto a outra parte - a grande burguesia industrial - pouco a pouco conseguia beneficiar-se das relações com o poder executivo e, também, associar-se a empresas de origem estrangeira. Isto é, houve uma parte da burguesia brasileira que ingressou, sozinha ou associada, na segunda” industrialização ocorrida no Brasil, com a execução do Programa de Metas (OLIVEIRA, 1977, p.86).

Em que pese aos objetivos comuns do plano para o Nordeste e o de metas, visando à industrialização e adotando o planejamento como ferramenta de ação, nada, na realização do segundo, autorizava os enfoques “autonomistas e regionalistas” da indústria que deveria ser implantada na região. Conforme observa Moreira (1979), com propriedade, “naquele momento (de lançamento do GTDN), as possibilidades de industrialização autônoma para a região Nordeste já careciam de sentido, como a própria industrialização nacional defendida até fins da década de 50 por diversas correntes”. O mesmo autor acrescenta “que a consideração do problema (de desenvolver o Nordeste) encontrava-se mais na perspectiva do que seria “bom” para a região que no enfoque das necessidades de acumulação, enquanto a iniciativa privada movia-se neste último sentido” (f.67). Em termos regionais, a posição dos industriais nordestinos, em favor do plano do GTDN, a par de francamente favorável, teve a apoiá-la, em termos nacionais, o esforço do empresariado paulista que pretendia manter-se na liderança do processo de desenvolvimento brasileiro. Antes mesmo da divulgação do estudo, em 1957, uma missão da Fiesp veio ao Nordeste, a convite das federações de indústrias dos estados da região e da Chesf, divulgando logo após uma nota em que se lê: O impulso econômico, de que não pode mais prescindir o Nordeste, terá de promanar, pois, de duas fontes. Ou virá de São Paulo - e, nesse particular, São Paulo efetuará uma grande e notável obra de integração econômica nacional - ou então do exterior, o que geraria um sem número de inconvenientes. (FIESP, 1957)

A presença dos industriais do Sudeste no Nordeste formaliza uma aliança inter-regional, objetivando uma solução favorável à classe empresarial, independentemente das contradições internas que pudessem existir entre o desejo hegemônico da indústria paulista e a vontade expressa no Plano de ação do GTDN de tornar a 229

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indústria nordestina capaz de concorrer com as suas congêneres em todo o país. O pouco peso político e econômico do empresariado local foi sobremodo ampliado por aquele apoio, dado com o claro objetivo de alijar a oligarquia agrária das decisões que fatalmente viriam. O suporte ao plano é, pois, nacional, mas se constitui regionalmente, pela presença dos empresários do Sudeste no foco dos acontecimentos. Outros elementos que dariam suporte institucional ao plano do GTDN e que são regionais porque correspondem a uma ação/ definição que aqui tiveram lugar foram: a atuação do Banco do Nordeste do Brasil, criado após a seca de 1952, que apoiou financeiramente, em parceria com a Sudene, o processo de industrialização; a instalação da refinaria Landulpho Alves em Mataripe, na Bahia, em 1950, pelo seu caráter indutor da expansão manufatureira; a criação da Chesf e a entrada em operação da usina de Paulo Afonso, em 1954, pela maior oferta de energia elétrica e a nova mentalidade técnica resultante dessa constelação de fatores e da própria expansão do sistema capitalista no país, facilitando, de certo modo, a adoção das medidas preconizadas pelo plano.

3.7 A SUDENE: UM MINISTÉRIO PARA O NORDESTE Ao longo de três governos – Kubitschek, Quadros e Goulart -, a Sudene se estruturou para as suas primeiras ações, tendo como parâmetros as idéias do GTDN e como condicionantes os fatores político-econômico-sociais do período 1959-1963. Embora a mudança presidencial não tenha modificado os termos em que se colocou a questão nordestina no estudo redigido por Celso Furtado e tampouco os elementos favoráveis e desfavoráveis à ação do novo órgão federal, o aprofundamento da crise brasileira criou uma série de obstáculos para a proposta inicial. A ação do governo Kubitschek, após a divulgação do estudo do GTDN, foi instantânea e articulada, bem de acordo com a tendência do executivo de sobrepor-se à reação do legislativo através de “fatos consumados”. Ao tempo em que enviava ao Congresso o projeto de lei criando a Sudene, em fevereiro, criava, no dia 20 do mesmo mês, o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (Codeno), pelo decreto n. 45.445/1959, que passaria a trabalhar sob a presidência de Celso Furtado. 230

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O Codeno, da forma como se estruturou, era a própria Sudene operando independentemente da aprovação pelo Congresso, ao menos no que toca àquelas medidas indispensáveis ao funcionamento imediato do futuro órgão e quanto ao seu papel político, de unificação de forças regionais favoráveis ao desenvolvimento planificado e tudo o que isso significava. Com efeito, competia-lhe, através do seu Conselho Deliberativo, do qual participavam os governadores dos estados da região: [...] formular, com base nos trabalhos técnicos da secretaria executiva, as diretrizes da política de desenvolvimento regional; verificar e orientar a execução dos programas e projetos integrantes do plano diretor; sugerir a integração dos planos estaduais de desenvolvimento na orientação do plano diretor (elaborado pela secretaria executiva do órgão); opinar sobre a elaboração de projetos a cargo de órgãos federais que operam na região; e propor ao governo federal a adoção de medidas tendentes a facilitar ou acelerar a execução dos programas, projetos e obras, bem como a fixação de normas para a sua elaboração. (COHN, 1976, p. 133)127

Em termos da sua estrutura, o Codeno era composto por um órgão eminentemente “técnico”: a Secretaria Executiva, cujo trabalho era respaldado pela aprovação “técnica-política” do seu Conselho Deliberativo, em que os governadores nordestinos recém-eleitos (1958) jogavam o peso das forças sociais que os levaram à vitória nas urnas em favor das decisões aceitas em plenário. Esta fórmula transferiu-se intacta para a estrutura da Sudene, mudando a Secretaria Executiva a sua denominação para Superintendência e ampliando-se a composição do Conselho Deliberativo. Operando politicamente, não permitindo o esquecimento da idéia da Sudene enquanto o projeto de sua criação tramitava no Congresso, e como órgão técnico do qual emanavam projetos já para serem tocados pelo futuro órgão federal e que também deveriam ser aprovados pelo legislativo, o Codeno era a expressão mais acabada do Executivo, que buscava desembaraçar-se dos demais poderes, mediante soluções originais e decorrentes da sua percepção mais global dos problemas a enfrentar. Isso, fruto do avanço do planejamento estatal ao longo da década de 1950, é assim visto por Robock (1964), no contexto do tema ora apreciado: Exigindo jurisdição total e direta sobre todos os aspectos do desenvolvimento da região e estabelecendo um plano regional que, apesar de um compromisso de planejamento descentralizado, foi im-

127

Publicado inicialmente em O Estado de São Paulo, edição de 21dez. 1959.

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posto de cima para baixo, o movimento da SUDENE estava destinado a despertar um máximo de resistência política. (ROBOCK, 1964, p. 120)

A despeito de, no discurso, considerar de fundamental importância a cooperação dos governos estaduais, a Sudene relutou em incorporar ao I Plano diretor a maior parte das proposições do Plano de desenvolvimento do Estado da Bahia (Plandeb), elaborado por Rômulo Almeida, com a justificativa de que este plano incluía muitos programas ainda não projetados para o Nordeste e cuja aprovação situaria os outros estados em posição desvantajosa. A Sudene parecia sentir que um plano estadual não elaborado sob a sua supervisão poderia oferecer oposição inflexível a seus objetivos de planejamento regional. Na realidade, a Sudene nunca esteve preparada para seguir a sua filosofia de planejamento.128 A Sudene, criada afinal pela lei n. 3.692, de 15 de dezembro de 1959, com 14 emendas ao projeto original (outras 14, vindas do Senado para a análise da Câmara dos Deputados, foram rejeitadas), foi a grande vitoriosa no debate parlamentar, e mesmo público, do fim do governo Kubitschek, porquanto as emendas não desfiguraram o texto original e, ao manterem sob sua subordinação o Dnocs, deram-lhe um poder de manobra que, de outro modo, teria significado o encerramento da tentativa planificadora no nascedouro. O próprio Celso Furtado, como superintendente do órgão, destaca “que pela amplitude de suas atribuições e pela extensão de seu âmbito, a Superintendência está virtualmente transformada num ministério de desenvolvimento regional, dotado de excepcional força executiva” (HIRSCHMAN, 1965, p. 98). Como foi ressaltado por vários autores, por exemplo, Hirschman (1965), “os poderes da Sudene eram amplíssimos” na lei n. 3.692/1959, a de sua criação. Através do disposto nos Artigos 2º, 7º e 12, controlava efetivamente (em termos de concepção, aprovação e fiscalização de execução dos programas) todos os órgãos federais atuantes na região nordestina. Os recursos para o seu funcionamento eram substanciais (Art. 10 e 26), devendo o órgão “receber 2% acima dos 3% do Dnocs, 1% do CVSF e 0,8% do BNB”, retirados esses percentuais da renda tributária da União em cada ano. Favores cambiais e fiscais (Art. 12, 18 e 19), até então inexistentes 128

Na verdade, a concepção do planejamento baiano (Rômulo Almeida) mais pragmático, divergia substancialmente da utopia da Sudene (Celso Furtado).

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no Nordeste, foram concedidos à indústria de base, alimentícia e utilizadora de insumos regionais, implicando isso em “isenções do imposto de renda e de tarifas aduaneiras e [...] tratamentos preferenciais quanto à concessão de divisas estrangeiras e de câmbio de custo”. (HIRSCHMAN, 1965, p. 99). Embora não constasse da lei de criação, o decreto n. 47.890, de 9 de março de 1960, que aprovou o regulamento da referida lei, conferiu à Sudene, em seu Artigo 73, a atribuição de “promover, na forma lei, desapropriações por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social”. Em termos legais, ao menos, poderia a superintendência realizar a reforma agrária defendida pelo GTDN, mediante solicitação do seu titular ao Poder Executivo, “depois de autorizadas as desapropriações pelo Conselho Deliberativo”. Passou o governo ao largo da apreciação do Legislativo, nesse particular, dada a provável polêmica que a explicitação desse artigo na lei de criação provocaria, mas o seu respaldo maior era a Constituição em vigor, que previa o fato. Com a lei n. 3.995/1961, que aprovou o I Plano diretor do órgão, os seus poderes foram ampliados e pode-se falar, efetivamente, em total concordância entre os seus propósitos e o texto do GTDN. Além dos aspectos já citados, passou a ser da sua atribuição “promover a organização, a incorporação ou a fusão de sociedades de economia mista [...]”, o que, na prática, significaria “carta branca” para a implantação daquelas unidades motrizes a que se referia o documento do grupo do Nordeste. Mais ainda: pelos Art. 8º e 19, detalharam-se o plano energético regional e o seu suporte financeiro, ambos geridos pela Sudene e pela Chesf, do mesmo modo que o plano rodoviário nordestino foi explicitado no Art. 21. Além desses aspectos, que diziam respeito ao conjunto de equipamentos infraestruturais básicos para o desenvolvimento regional, o plano abrangia praticamente todos os itens citados no Plano de ação do GTDN. No entanto já se pode notar, no contexto que incluiu a implantação da infraestrutura energética e de transportes, uma tendência para agilizar a atração de indústrias: os subsídios à importação permaneceram (Art. 33) e surgiu o Artigo 34, que facultava [...] às pessoas jurídicas e de capital 100% nacional efetuarem a dedução até 50%, nas declarações do imposto de renda, de importância destinada ao reinvestimento ou aplicação em indústria considerada pela Sudene de interesse para o desenvolvimento do Nordeste.

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Tal artigo, primeiro passo para a institucionalização do que passou a ser conhecido como sistema “34/18”, foi inserido na lei do I Plano diretor durante a sua passagem pelo Congresso, sendo o seu autor, segundo Oliveira F. (1977), “um parlamentar do Nordeste ligado à burguesia industrial açucareira, o então deputado Gileno di Carli, ele mesmo antigo presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool”, inspirado em dispositivo semelhante introduzido em 1959 no programa de recuperação do Sul da Itália. De acordo com Castro (1971), o artigo era, antes de tudo, uma compensação buscada às pressas para a impossibilidade da concessão do câmbio favorecido (previsto na lei de criação) para a importação de equipamentos industriais, eliminado pela instrução 204 da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), editada em março de 1961. No II Plano diretor, aprovado pela lei n. 4.239/1963, já não se faz menção a qualquer tipo de desapropriação, o mesmo ocorrendo nos dois planos que o sucederam. O que caracteriza esta lei é a ênfase nos incentivos à indústria: isenção do imposto de renda no Art. 13, redução do imposto de renda no Art. 14 e ampliação dos beneficiários de que tratava o Artigo 34 da lei do I Plano diretor, mediante a retirada da expressão “de capital 100% nacional” na redação do Art. 18 da nova lei, o que implicava a abertura do mecanismo de dedução do imposto de renda para aplicação em empresas industriais, no Nordeste, ao capital estrangeiro. Manteve-se, todavia, a importância relativamente maior dos investimentos em energia e transportes, com o que “as atividades imediatas da Sudene se encontravam agora em campos “não antagônicos” tais como transporte rodoviário, energia elétrica [...] e industrialização”. (HIRSCHMAN, 1965). O que importa notar é que, ainda sob a direção de Celso Furtado, idealizador da estratégia integrada de desenvolvimento regional, a Sudene passou a não incorporar todas as diretrizes do Plano de ação e a não acompanhar a análise estrutural do diagnóstico do GTDN, que dava suporte àquele plano. Ao desfazer-se do instrumento, ao mesmo tempo político e econômico, da reforma agrária, a superintendência abandonou os pressupostos do documento que lhe serviu de base, concentrando-se na industrialização. A própria idéia da proteção à indústria regional, um dos “pilares” do plano do GTDN, foi arquivada, não por “maquinações” do Legislativo, já que o Art. 18 da lei n. 4.239/ 1963 foi aprovado intacto, como foi redigido na Sudene (ou, pelo menos, no Executivo). 234

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3.8 ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A FRUSTRAÇÃO DO PLANEJAMENTO REGIONAL Dificilmente se encontraria, na história recente da economia brasileira, uma integração tão estreita entre as estratégias teóricas de ação quanto aquela existente entre o Plano trienal de desenvolvimento econômico e social (BRASIL, 1962) o II Plano diretor da Sudene (BRASIL, 1963) ambos referentes ao período 1963-1965, e o estudo do GTDN (BRASIL, 1959). Dificilmente, também, se encontrariam descompassos maiores entre o que preconizavam aqueles documentos e a evolução da realidade sobre a qual deveriam intervir, o que acabou por inviabilizar tanto a aplicação do plano trienal quanto a linha de ação proposta pelo GTDN e reiterada no II Plano diretor da Sudene. Por serem contemporâneos e terem sido coordenados por uma mesma pessoa – Celso Furtado, como superintendente da autarquia regional e depois como ministro do governo Goulart -, é de todo importante buscar, nas duas peças teóricas de planejamento acima citadas, para os anos 1963-1965, o modo como se articularam e sua repercussão sobre a atuação concreta da Sudene, notadamente quanto à industrialização e à reforma agrária. Em termos do alcance da ação planificadora, ambos os trabalhos buscaram atingir os mesmos objetivos nos seus respectivos âmbitos (nacional e regional). Dizia o plano trienal que “a planificação, para alcançar a necessária eficácia, deveria cobrir progressivamente os seguintes campos”: a) pré-investimentos destinados a ampliar a base de recursos naturais economicamente utilizáveis; b)pré-investimentos destinados a aperfeiçoar o fator humano; c) investimentos destinados a antecipar as modificações estruturais, seja de caráter pioneiro, visando à ampliação de espaço econômico, seja de tipo estrutural propriamente dito, como os investimentos destinados a permitir a redução no coeficiente de importações; d) investimentos (...) de tipo infra estrutural ou que exigem um longo período de maturação; e) investimentos de tipo social, a serem realizados a fundo perdido, tais como obras de saneamento. (BRASIL, 1962, p. 15).

Por seu turno e guardadas as devidas proporções, o II Plano diretor, “como instrumento do desenvolvimento do Nordeste”, orientava-se nas seguintes direções técnicas: a) criação de uma moderna infraestrutura de serviços de transportes e energia elétrica” (correspondente ao “item d” do Plano Trienal); b) levantamentos intensivos e sistemáticos dos recursos da região e adaptação à tecnologia com vistas ao aproveitamento mais econômico desses recursos” (“item a” do Plano Trienal);

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c) promoção da iniciativa privada através da ação coordenada de estímulos de tipo financeiro, fiscal e de assistência técnica” (“item c” do Plano Trienal); d) aperfeiçoamento progressivo do fator humano” (“item b” do Plano Trienal); e) melhoria das condições básicas de vida pela criação de serviços públicos adequados [...]” (“item e” do Plano Trienal)”.

Não é de admirar, portanto, que, no seu terceiro capítulo, relativo à Correção dos desequilíbrios regionais, o plano trienal praticamente repetisse a abordagem teórica do GTDN, por sua vez transcrita pelo II Plano diretor da Sudene na Apresentação do superintendente ao Conselho de Ministros. Integravam-se os dois trabalhos também no aspecto político, por abordar as reformas que preconizavam, notadamente a “agrária” que, como foi salientado, deixou de ser artigo de lei exatamente no II Plano diretor. O agravamento das condições sociopolítico-econômicas do país, em 1963, orientou a ação do governo Goulart para restringir o debate “das reformas de base” apenas ao item da reforma agrária, cuja filosofia já se explicitava no próprio plano trienal: [...] todas as terras, consideradas necessárias à produção de alimentos, que não estejam sendo utilizadas ou o estejam para outros fins, com rendimentos inferiores a médias estabelecidas regionalmente, deverão ser desapropriadas para pagamento em longo prazo. (BRASIL, 1962, p. 195)

Tratava-se, como se vê, de uma estratégia política que, passando ao largo da reação que suscitaria uma reforma agrária específica para o Nordeste, a ser votada pelo Congresso no âmbito da lei do II Plano diretor, dificultando sua aprovação, envolvia outros elementos cuja necessidade de reformas - de âmbito nacional - era ponto pacífico e apoiado por grupos importantes do Legislativo. Uma vez aceitas pelo Congresso, com todo o peso político-eleitoral da sua heterogênea representatividade, e uma vez postas em prática por um executivo com poderes amplos, as reformas teriam maior viabilidade prática no Nordeste, não entrando a Sudene em choque direto com os interesses contrariados dos latifundiários (no caso da reforma agrária), que poderiam ameaçar a ação do órgão, via um trabalho de bastidores, e prejudicar os demais pontos da sua estratégia global. No que coube ao Nordeste e à ação da Sudene, a impossibilidade política de promover a reestruturação da base agrária regio236

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nal desencadeou uma concentração na política industrial, fundada nos incentivos fiscais e no apoio do setor público à implantação da infraestrutura requerida para receber as unidades manufatureiras, sem distinção da origem do seu capital. Ao ser forçada a optar pela política de captação de empreendimentos industriais, a estratégia integrada (industrialização, com reforma nas relações de produção do campo) do GTDN deixou de existir. Em seu lugar, a estratégia de planejamento regional adotada, não atendeu mais aos interesses de uma mudança global no Nordeste e sim, pela sua unilateralidade, aos de uma integração de corte setorial entre a região e o Sudeste, onde estavam os beneficiários do 34/18 de maior porte, por extensão, os que decidiriam a respeito das aplicações industriais nordestinas. O sistema de financiamento do desenvolvimento industrial através do mecanismo do 34/18 e posteriormente do Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), na forma como foi equacionado (dirigido a empresas com estrutura jurídica de sociedades por ações), excluiu praticamente as pequenas e médias empresas do processo de industrialização nordestina. Outro aspecto a observar é o da sua característica essencial de subsídio ao capital. Com toda razão, Castro (1971) distingue o 34/18 da proteção aduaneira argumentando que ele, [...] como política de industrialização, implica admitir que o problema da área resida na formação de capital e não na economicidade (rentabilidade) das empresas, uma vez montadas. Em operação, as empresas não deverão encontrar obstáculos ou limitações [...] e nem sequer enfrentar os problemas próprios de uma indústria infantil [...] (p. 234).

Não buscando defender as novas unidades da concorrência externa, a sistemática em apreço trazia implícita uma consideração de ordem “geográfica” (a região faz parte do país e, como tal, não cabe proteger a sua indústria à custa das de outras áreas) e outra de ordem “operacional” (a estrutura econômica da região não deve ser um entrave à operação das novas unidades, cabendo um papel destacado ao governo para a superação dos entraves existentes). Comparativamente à isenção tributária, vale citar Hirschman (1965), para o qual “as isenções fiscais aumentam a lucratividade de uma nova indústria em si lucrativa, mas em nada contribuem para reduzir os prejuízos... se o novo empreendimento não se revela lucrativo” (p. 26). 237

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Embora reduzindo o montante de capital próprio necessário ao empreendimento, o 34/18 levava à existência de um risco por parte do grupo líder da nova empresa e de outro risco por parte dos sócios que a ela aderissem através das suas deduções, o que, em tese, contribuiu para que depositantes e beneficiários buscassem aplicar o seu dinheiro em projetos com viabilidade real. Na prática, o 34/18 não protegia a indústria contra a concorrência tampouco eliminava o risco do empreendimento, diluindoo o entre um maior número de interessados no sucesso da empresa. Mesmo sendo um subsídio, o custo do capital que dele se extraía não era zero. Ainda segundo Hirschman (1965), dentro da racionalidade econômica: “Existe [...] um custo alternativo objetivamente determinado na utilização de recursos para um projeto próprio medido pela renúncia de uma aplicação financeira em projeto de terceiros. É pouco provável que a empresa se utilize de depósitos bloqueados num projeto próprio, a não ser que espere obter resultados pelo menos proporcionais ao que obteria se optasse pela alternativa.

3.9 NORDESTE APÓS 1964: O LONGO OCASO E O FIM DA SUDENE Com a mudança do marco institucional, decorrente do golpe militar de 31 de março de 1964, o Executivo impôs-se unilateralmente ao legislativo, extinguindo os partidos políticos, após o que formulou condições totalmente novas para o funcionamento do Congresso, sob a sua tutela. Dadas as condições políticas excepcionais que implantou, o governo pôde atuar na área econômica com um completo controle das variáveis capazes de possibilitar a execução de um plano abrangente, englobando aquelas áreas mais críticas para a retomada do crescimento do produto (monetária, bancária, tributária, cambial, salarial), implantando nova sistemática para o seu funcionamento. O Programa de ação econômica do governo (Paeg), para o período 1964-1966, foi o instrumento de planificação utilizado para dar curso às idéias econômicas do governo Castelo Branco. Segundo a interpretação de Ianni, em seus níveis principais, a política econômica governamental modificou as condições de funcionamento dos mercados de capital e de força de trabalho, reformulando as relações de produção “segundo as exigências da reprodução capitalista e da expansão do setor privado”. (IANNI, 1977, p. 42). 238

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Em sua essência, o Paeg consistia [...] numa definição, sistemática e coerente, por parte do governo, das medidas tendentes à criação da ordem dentro do qual operará aquilo que se convencionou chamar de “forças do mercado”, de maneira compatível com a distribuição de renda desejada e a meta programática de maximização da taxa de desenvolvimento econômico. (BRASIL, 1964, p. 13).

Para alcançar esse resultado, oferecendo os meios “para que a empresa privada pudesse funcionar em condições (inclusive nãoeconômicas) melhores e florescer, o Estado foi levado a interferir de modo ainda mais profundo e sistemático nas relações econômicas internas e externas”. (IANNI, 1977, p. 233). Dessa interferência, que objetivava, entre outros aspectos, “acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico do País [...] e conter [...] o processo inflacionário”, não escapou a política de desenvolvimento regional, particularmente quanto ao Nordeste. Assim é que, no capítulo 24, o Paeg estabelecia a necessidade de integração dos planos regionais e se, de um lado, reconhecia a necessidade e importância (desses planos), a eles impôs, desde logo, duas condições importantes”: a) que os objetivos sejam definidos primordialmente em termos de desenvolvimento econômico (...); não se estabeleceriam, a priori, sem a devida consideração dos fatores da região (...) metas regionais em termos de proporcionar à região crescimento a um ritmo mais intenso que o do resto do País; b) que os planos de desenvolvimento regional sejam formulados dentro do contexto de um programa de desenvolvimento nacional, a fim de não prejudicar a dinâmica daquele processo nem correr o risco de virem a frustrar-se em seus propósitos. (BRASIL, Paeg, 1964, p. 225).

Em outras palavras, os planos regionais deveriam tomar em devida conta os impactos das diferentes políticas econômicas, em relação a outras regiões e, notadamente, ao processo de desenvolvimento do país como um todo. A pouca importância dada ao desenvolvimento regional no contexto do Paeg pode ser avaliada pelas cinco páginas que abordam o tema, no conjunto das 240 páginas do documento. A Sudene, que antes possuía status de ministério, passou, como os demais órgãos federais atuantes nas diversas regiões brasileiras, a figurar como uma autarquia subordinada ao Ministério Extraordinário para a Coordenação de Organismos Regionais, posteriormente extinto. O próprio III Plano diretor do órgão já se incluía no Paeg, de forma compacta, em duas páginas. 239

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Especificamente quanto ao problema nordestino, a abordagem deixaria de ser incisiva para tornar-se genérica: A maximização das taxas de crescimento, em curto prazo, pode exigir “concentração de investimentos” nas regiões de mais rápido progresso (...), entretanto razões de justiça social, e até mesmo de “estabilidade política, desaconselhariam a adoção rígida” de tal política de investimentos. Além disso, razões de ordem econômica se poderiam aliar a argumentos de eqüidade, no caso de regiões em deterioração - “como o Nordeste brasileiro durante certo período” – nas quais o estoque de capital existente fique sub-utilizado ou venha a ser ameaçado de colapso.(BRASIL, Paeg, 1964, p. 225)

O III Plano diretor, aprovado pela lei n. 4.869/65, em sua Introdução, já abordava “a continuidade da ação da Sudene” nos termos do seu ajustamento “às transformações resultantes do próprio processo de desenvolvimento [...] e à integração cada vez maior da economia regional na economia brasileira”. (BRASIL, 1966). Dentro dessa perspectiva, cabe notar que 68% dos Cr$ 89,3 bilhões previstos para 1965 e 71% dos Cr$ 95,0 bilhões previstos para 1966, no III Plano diretor, dirigiam-se para investimentos em infraestrutura (energia, transporte e saneamento básico), prevendo-se ainda a captação de US$ 19 milhões no exterior para aplicação nessa mesma área, o que confirmava a ênfase anteriormente dada pelo II Plano diretor e estava de acordo com a política de incentivo à indústria, pela vinculação direta entre inversões em infraestrutura e incremento das atividades fabris. Tanto o Paeg como o III Plano diretor da Sudene definiram a problemática nordestina em termos estritamente econômicos, inserindo-a “no contexto de um programa de desenvolvimento nacional” (BRASIL, 1964). O objetivo da ação da Sudene e de outros órgãos federais na região seria o de “promover a integração espacial e setorial da economia nordestina, buscando dar-lhe complementaridade, evitar distorções locais de crescimento e integrá-lo, cada vez mais, na economia brasileira” (BRASIL,1966) estratégia preconizada sustentava-se em duas diretrizes que reproduziam o essencial do modelo brasileiro de crescimento capitalista, com forte presença estatal e divisão de áreas com a iniciativa privada: a) promover os meios de captação das poupanças privadas, conservando e ampliando a utilização do sistema atual de incentivos, criando ou estimulando os meios de captação direta, criando e conservando as economias externas necessárias... e atraindo e orientando a aplicação de recursos externos; b) manter um nível de in-

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA vestimentos públicos... que permita criar e fortalecer os estímulos a à atração e à orientação dos investimentos privados, e suprir as necessidades daquelas áreas prioritárias para as quais a iniciativa privada não manifesta interesse ou em que se recomenda a participação direta do setor público. (BRASIL, 1966, p. 14).

A despeito de ter sido elaborado em pleno período de combate antiinflacionário, o III Plano diretor ainda manteve, para o triênio 1966-1968, um percentual em torno de 50% do total das aplicações estatais previstas nos setores infraestruturais, agregando-se a estes cerca de 25% destinados à pesquisa de recursos naturais, preparação de recursos humanos e administração geral que, em última instância, corresponderam a uma complementação das condições atrativas proporcionadas por energia, transportes e comunicações ao capital privado. Em síntese, como observava o próprio III Plano diretor, a concepção do programa da Sudene levava em conta um elemento fundamental, qual seja, o de “que o desenvolvimento do Nordeste, desde que não atingiu ainda condições de auto-sustentação, continua a depender dos investimentos do Governo Federal e, portanto, de decisões a serem tomadas fora do sistema econômico”. Tal constatação se inseriria em outro nível de abordagem, o que considerava o Nordeste como região não prioritária nos esforços de combate à inflação, conforme se pode depreender do realista (conquanto óbvio) argumento da “impossibilidade de alcançarse a taxa de crescimento estabelecida... para a economia nordestina caso se verifique, no triênio, redução nos dispêndios do Governo Federal semelhante a que ocorreu no ano de 1964” (BRASIL, 1966). Um outro aspecto a ser considerado, como parte daquilo que foi citado acima como “decisões a serem tomadas fora do sistema econômico”, foi o esvaziamento do poder da Sudene dentro da nova política federal para a região. No III Plano há a informação de que “de todo dinheiro público arrolado para o Nordeste, no triênio, apenas 19% devem caber à SUDENE”. Com esta decisão, limitava-se o caráter executivo da Sudene que passaria à condição de órgão de planejamento e de coordenação, descentralizando-se ao máximo, em favor de estruturas técnicas e administrativas regionais e estaduais, as tarefas executivas e de aplicação de recursos. Longe de ser esta a concepção original da superintendência, cabe ressaltar que a política federal na área tributária esvaziou também a capacidade de autodeterminação dos estados e municípios, sendo, portanto, um eufemismo as “estruturas técnicas e adminis241

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trativas regionais e estaduais”. Como constatou o IV, e último, Plano diretor, [...] analisando a evolução dos gastos públicos através de um dos seus mais importantes órgãos – a SUDENE –, verifica-se que os recursos a ela destinados vêm decrescendo substancialmente a partir de 1964. Decrescem ainda mais os recursos destinados a investimentos se, aos da SUDENE, fossem somados os recursos do DNOCS e da SUVALE, também órgãos executores da política governamental na área. (BRASIL, 1968).

Ora, se não foram os órgãos criticados pela Sudene os beneficiários da sua perda de posição e de poder, e dada a importância das transferências federais para os estados, fica claro que a União avocou para si, com a sua ampla gama de autarquias, empresas e órgãos, a tarefa de desenvolver o Nordeste, nos seus termos e não dentro de uma ótica “regionalista”. Nessa linha de raciocínio, não se deveria esperar que, com a retomada do desenvolvimento nacional, a partir de 1968, o Nordeste viesse a ter uma posição prioritária em relação a outras regiões. Não se deveria esperar, tampouco, que os gastos já realizados e os incentivos industriais existentes fossem relegados a segundo plano, mas sim intensificados, para que a região contribuísse com a sua parcela para o incremento do produto global. Tal idéia está genericamente exposta no Programa estratégico de desenvolvimento (PED) 1967, no seu capítulo relativo ao desenvolvimento regional, cujos objetivos são: [...] criar um processo auto-sustentável de desenvolvimento em cada grande região” e “inserir esse processo dentro de uma linha de integração nacional, com vistas a uma relativa diferenciação econômica de cada região e a formação de um mercado nacional integrado.(PED,1967)

Dentro dessa visão genérica, alguns instrumentos preconizados pelo PED são dignos de realce pelo que representaram em termos de integração dos planejamentos nacional e regionais como formulação de uma nova política: A criação do Ministério do Interior veio possibilitar a ação orgânica do governo Federal no tocante ao desenvolvimento regional. Sua atuação se vem firmando no sentido de definir claramente as atribuições dos diversos órgãos e delimitar-lhes a área de atuação. Como os recursos são escassos, torna-se imperioso ... que estes sejam alocados em espaços econômicos suscetíveis de desenvolvimento planejado, capazes de induzir o crescimento de áreas vizinhas. A definição prévia de polos de desenvolvimento... é uma tarefa que deve merecer especial atenção. Fixados esses polos, o governo Fe-

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA deral concentrará seus investimentos neles e natural será esperar um maior afluxo de empresas privadas para a área. (BRASIL, 1967, p. 135-136).

Para o Nordeste, especificamente quanto à industrialização, as diretrizes básicas do PED foram no sentido de : [...] melhoria do mecanismo dos incentivos fiscais, de modo a aprimorar os critérios de prioridade, a fim de evitar a criação de uma estrutura industrial artificial... e evitar que a política de incentivos fiscais e as despesas governamentais resultem em concentração excessiva de investimentos em determinados Estados... levando em conta que um dos problemas cruciais da região é a necessidade de criação de empregos, a política de incentivos deve ser executada no sentido de evitar a excessiva utilização de tecnologia intensiva em capital.... (BRASIL, 1967, p. 137)

Embora fosse esta a orientação oficial para a região, os mecanismos existentes para todo o território nacional e a política global do governo voltavam-se para um sentido completamente distinto: concentração excessiva em determinadas áreas dos investimentos públicos e privados, formação de um setor manufatureiro de características tecnológicas uniformes para todo o país e de alta densidade em capital. O IV Plano diretor da Sudene, para o período 1969-1973, expressava uma visão semelhante ao PED, sintetizada na idéia de que “o crescimento econômico deve ocorrer simultaneamente com o progresso social”. Não obstante, é nos efeitos da expansão da economia que situava ele a perspectiva da melhoria das condições sociais, apresentando pouca diferença nessa concepção relativamente aos planos anteriores. Em termos do diagnóstico sobre a região, o IV Plano diretor é quase uma repetição do GTDN, o que não deixava de estar em descompasso com toda a visão do período pós-revolucionário quanto ao Nordeste, em que se procurou demonstrar que o estudo de 1959 não tinha uma boa base de sustentação. A despeito de sua “roupagem” nova, o IV Plano diretor não mudava muito, em substância, os termos do desenvolvimento regional a ser perseguido para o Nordeste e, quando muda, peca por ir contra toda a evidência dos fatos reais. O principal descompasso dizia respeito exatamente à interpretação dada pelo plano aos objetivos básicos do governo federal para a região. Segundo ele, um desses objetivos seria a [...] obtenção de um ritmo de crescimento da economia que possibilite a continuidade do processo, a redução das disparidades interregionais e que tenha como característica principal, um maior grau

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de independência daquelas variáveis cujo comportamento escape aos centros de decisão do sistema econômico regional. (BRASIL, 1968).

O que foi visto no tópico anterior não autoriza tal linha de raciocínio, vez que toda a política seguida pela União após 1964 se dirigia em sentido oposto, buscando controlar de forma centralizada as ações regionais e setoriais. Também uma ênfase maior na “oferta de serviços de natureza social” conflitava com os recursos previstos para as diversas áreas, com menos de 10% do total destinados a saneamento básico e pouco mais de 5% para educação, saúde e habitação. No que concerne à indústria, o plano defendia a tese de que “cabe a este setor exercer a função de centro dinâmico da economia e constituir um ponto de apoio ao objetivo de obtenção de um crescimento autossustentado para o sistema” (BRASIL, 1968) Esta posição, que estava de acordo com o objetivo nacional quanto à primazia da indústria como motor do desenvolvimento, conflitava, no tocante ao modelo de crescimento proposto para o Nordeste, já irreversivelmente alijado como política a ser seguida no âmbito do sistema de planejamento centralizado do executivo, mormente quando se propunha a “conferir maior grau de autonomia ao desenvolvimento regional”. (BRASIL, 1968) Há também uma posição “romântica”, bastante sintomática da separação entre o processo de planejamento que se intentava ainda realizar regionalmente e o processo real de execução do planejamento nacional: a ênfase dada ao “aumento dos recursos vinculados aos órgãos de coordenação, no caso, a Sudene, contrariando a tendência manifestada nos últimos anos”. ( BRASIL,1968) O “esvaziamento” da autarquia é fato reconhecido pelo próprio plano, mas não reconhece que, sendo uma política sistematicamente seguida e expressa com clareza no PED (do qual IV Plano diretor é apenas um detalhamento regionalizado), isto não se dá por acaso e sim como fruto de uma deliberada concepção de planejamento. A programação de recursos para o Nordeste, para o período 1969-1973, soma dos programas dos diversos órgãos que atuavam na região, evidencia que a própria execução do novo plano mantém a tendência antes assinalada, com a Sudene administrando apenas 11,6% do total dos recursos. O romantismo desta posição da Sudene é mais patente quando se sabe que, a partir de 1965, em que pese à queda persistente 244

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dos recursos da autarquia no total das despesas públicas previstas pelo governo federal na região, os incentivos fiscais derivados da dedução do imposto de renda foram estendidos a outras regiões (Amazônia, em 1965, Espírito Santo, em 1969) e setores (reflorestamento e turismo, em 1966, e pesca, em 1967). Embora os incentivos a outras regiões tivessem um caráter não concorrencial com os destinados ao Nordeste, vez que o da Amazônia foi criado para permitir um mínimo de desenvolvimento em uma área ainda inexplorada, sem as condições infraestruturais nordestinas, e o do Espírito Santo restringiu-se aos dedutores do próprio Estado, tal não se deu com os incentivos setoriais que, sendo de âmbito nacional, correspondiam a uma drenagem real de recursos aplicáveis na região. Isto porque, tanto o Sudeste como o Sul, dispunham de melhores e mais variados elementos que o Nordeste para atrair o empresariado ligado àqueles setores. Ocorreu, em 1970, nova mutilação de recursos de incentivos fiscais à ordem da Sudene, com a dotação de 30% do total da captação das deduções do imposto de renda destinadas ao Nordeste, Norte, pesca, reflorestamento e turismo para o Programa de integração nacional (PIN). Após o período aqui analisado (1964-1970), 20% daqueles recursos foram compulsoriamente transferidos para o Programa de redistribuição de terras e de estímulos à agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), com o que pelo menos 50% dos incentivos fiscais originalmente concedidos à região, para serem geridos pela iniciativa privada com a fiscalização e orientação da Sudene, deixaram de incluir-se na órbita decisória da entidade. É evidente que, existindo a Amazônia e os setores beneficiários dos incentivos (com uma parcela marginal dos recursos aplicados no Nordeste), o percentual efetivamente cabível de coordenação por parte da Sudene tendeu a decrescer ao longo dos anos, no mesmo diapasão dos recursos oficiais a ela destinados. Dentro dessa ótica, não caberia, pois, as expectativas em sentido contrário à perda de posição da Sudene expressas pelos IV Plano diretor. Sendo o PIN e o Proterra, ao menos em parte, programas que aplicariam recursos no Nordeste e em atividades ligadas ao setor dinâmico da sua economia ou a ele correlatas, mais se torna patente que a estratégia regional passava ao largo de um papel mais efetivo da autarquia, nos termos em que foi concebido originalmente, uma vez que a ela não caberia administrar ou coordenar aqueles programas no âmbito do território sob a sua (teórica) tutela. 245

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Antes que, em 1970, o I Plano nacional de desenvolvimento (I PND) fosse colocado em execução, o documento Metas e bases para a ação do governo, editado na vigência do IV Plano diretor, deixou claro que a estratégia seguida desde o II Plano diretor (sem a inclusão da reforma agrária como elemento básico do desenvolvimento regional) mantinha-se como a ideal para o terceiro governo da revolução, com alguns ajustes, apoiando-se em dois pontos essenciais: Continuação do programa acelerado de investimentos do governo Federal, por intermédio dos Ministérios com atividades destacadas na área (Interior, Transporte, Minas e Energia, Educação, Saúde)... e do programa de transferências da União para os Estados e Municípios do Nordeste, pelo Fundo da Participação e Fundo Especial...; Prosseguimento do programa de industrialização, que deverá absorver a quase totalidade dos incentivos fiscais... Em colaboração com a Sudene, já se está preparando a programação do fluxo de caixa para os próximos anos, a fim de assegurar-se pleno atendimento aos projetos prioritários para a indústria do Nordeste. (BRASIL, 1970, p. 20)

Dentro do objetivo que o documento chamou “de política nacional de desenvolvimento regional”, deu-se ênfase ao [...] prosseguimento e consolidação dos programas de Ação Coordenada da União, nas diferentes regiões e Estados, de modo a... permitir verdadeira ação integrada do Governo Federal, através dos diferentes Ministérios, em praticamente todas as unidades da Federação, mediante a aprovação de planos estaduais relacionados com a distribuição do Fundo de Participação e do Fundo Especial, evoluindo-se, gradativamente, para a articulação das decisões federais e estaduais, de modo a completar-se o elenco de meios pelos quais se efetivará a política de desenvolvimento regional integrado. (BRASIL, 1970, p.21)

Além dos significativos ajustes representados pela maior importância conferida às transferências da União, pela mais enfática presença dos vários ministérios no Nordeste (de forma direta e não por intermédio da Sudene) e pela explícita definição de assegurar os recursos indispensáveis aos projetos prioritários industriais nordestinos que se inserissem na política global de maximização do crescimento econômico por via da racionalização das medidas planificadoras e executoras, o documento Metas e bases dava uma outra dimensão à questão do financiamento setorial, ao estabelecer a necessidade do “fortalecimento dos principais mecanismos gerais de incentivos ao desenvolvimento local integrado, notadamente pela consolidação do sistema de bancos regionais de desenvolvimento, com repasse do BNDE, BNH, etc.”. 246

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Isto correspondeu, na prática e em articulação com a perda de importância relativa do Nordeste na atração dos incentivos fiscais derivados de deduções do imposto de renda, a uma mudança fundamental na política de industrialização nordestina, baseada em dois itens: a ampliação das formas de aplicação dos recursos do 34/18 dentro da própria indústria e a maior presença dos órgãos financiadores de âmbito nacional, por exemplo, o BNDE, como viabilizadores da execução de grandes projetos manufatureiros na região, substituindo em parte os montantes dos incentivos fiscais subtraídos por outras áreas e setores beneficiários. Em outras palavras, esta mudança correspondia, regionalmente, ao processo de transformação qualitativa implementado nacionalmente pelo Executivo a partir de um conjunto de subsídios ao capital privado, de amplo espectro, e de uma maior presença do Estado nas decisões relativas a programas e projetos de grande porte, distribuídos pelo território brasileiro em função de fatores locais favoráveis e da sua rentabilidade econômica, e não pelo seu impacto restrito às áreas circundantes. Entre 1964 e 1970, portanto, o Nordeste passou de um status de região-problema dentro do Brasil, para outro, em que o seu crescimento econômico ocorria no mesmo quadro traçado para o conjunto das demais regiões. Não que o Nordeste tivesse deixado de ser um problema real, mas, aos olhos da planificação estatal, este problema deveria ser equacionado de um modo integrado, em que a região se desenvolvesse concomitantemente ao desenvolvimento do país, sem tratamento preferencial que não tivesse sua contrapartida econômica para o projeto da “nação-potência”. Neste contexto, a Sudene, pela sua história, pelas suas ligações com a ordem vigente no período anterior a 1964, pelas suas limitações, não poderia evidentemente manter-se incólume, passando a desempenhar um papel secundário nas decisões e na execução do planejamento nacional regionalizado até a sua definitiva extinção em 2001.

3.9.1 Inventário dos financiamentos empresariais da Sudene A despeito das considerações precedentes, não se pode ignorar a contribuição da Sudene tanto na formação de quadros técnicos para a região, na disseminação de modernos procedimentos tecnológicos e administrativos no tecido empresarial, na formação de uma cultura de planejamento e de desenvolvimento de projetos, quanto no financia247

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mento de investimentos empresariais no Nordeste brasileiro, através dos mecanismos de incentivos fiscais (34/18 e Finor). Como demonstra a tabela 25 seguinte, no período compreendido entre 1959 e 1999, foram concluídos, na região, 2105 projetos, que mobilizaram investimentos totais no valor de R$ 42.835,79 milhões. O apoio financeiro com recursos administrados pela Sudene totalizou R$ 12.283,00 milhões, tendo sido criados 453 646 empregos diretos.129 A Bahia, graças aos megaprojetos da petroquímica, liderou as captações, respondendo por 37,57% das inversões e 29,02% dos recursos dos investimentos fiscais no período. O valor médio regional dos investimentos, nestes 40 anos, situou-se em torno de R$ 20,3 milhões e o custo da geração de um emprego em R$ 94,4 mil. Estes dados sofreram a influência dos projetos intensivos de capital instalados na Bahia, o que não invalida a constatação de que a Sudene, ao longo da sua existência, contemplou as médias e grandes empresas, ao contrário do idealizado em sua concepção original nos tempos do GTDN. O setor industrial absorveu, no período, 72,46% dos investimentos e 66,93% do financiamento com recursos da Sudene, sendo o responsável pela geração de 69,70% dos empregos diretos. O valor médio de um investimento industrial situou-se em torno de R$ 30,8 milhões contra R$ 6,0 milhões de um investimento no setor primário (agroindustrial, agricultura, pecuária e pesca) que, no seu conjunto, respondeu apenas por 13,95% das inversões e 18,80% dos empregos diretos criados. Em 2001, o governo Fernando Henrique Cardoso deu o tiro de misericórdia extinguindo a Sudene. Para substituí-la, anunciaram a criação de uma agência que, instalada em 2008, já entrou em funcionamento, mas dificilmente deverá repetir o desempenho da antiga autarquia, constituindo-se no máximo em um fórum para lamentações das lideranças locais. Mesmo porque, os tempos e as circunstâncias são completamente diferentes. 129

O número de empregos criados é bastante discutível, pois foram fornecidos com base nas informações contidas nos projetos que, de modo geral, superestimam estes dados para ganhar pontos na análise dos seus aspectos sociais. Como não são comprovados na prática depois de implantados os empreendimentos, é certamente possível que exista uma grande diferença entre o divulgado e o concretizado. Também é discutível a quantidade de empresas instaladas. Muitos projetos fecharam, faliram ou mesmo sequer concluíram suas implantações após aprovados. A história econômica do Nordeste carece ainda de, um balanço isento da contribuição efetiva dos financiamentos concedidos pelo sistema Sudene/BNB.

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O canto fúnebre em homenagem à Sudene está bem recitado nas palavras seguintes de Pedro Eugênio, na época deputado federal e presidente da Frente Parlamentar pelo Desenvolvimento do Norte e Nordeste da Câmara dos Deputados. A extinção da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) encerra muitas lições que devemos incorporar hoje para melhor agirmos. A primeira diz respeito ao processo de destruição do Nordeste. Uma região, para ser digna deste nome, tem que ter, antes de tudo, uma identidade de pensamento. Seus moradores devem ter o sentimento de “cidadania regional”. Para isto, é necessário construir-se a “solidariedade dos que estão no mesmo barco”. Aquele sentimento de que, para progredirmos como gente, temos que, juntos, fazermos este espaço avançar, social, política e economicamente. E de uma forma que integre a todos que, nesta embarcação chamada Nordeste, fazem a travessia da vida. Este sentimento, que existiu no passado, pelo menos em alguma extensão, tem se diluído cada vez mais. As antigas lutas sociais, anticolonialistas, abolicionistas, republicanas, antilatifundiárias, democratizantes, foram dando ao Nordeste o sentido de terra irredenta, libertária. Mas, as oligarquias dos sertões e das matas sempre dominaram o dia-a-dia. Por outro lado, a urbanização nos colocou mais uma vez na vanguarda quando, em ampla frente, construímos avançada política de desenvolvimento regional, de que foi símbolo e instrumento a Sudene. A industrialização dos anos 70 nos tornou contemporâneos da modernização conservadora que alavancou o desenvolvimento nacional. E o mito do desenvolvimento pelo desenvolvimento ou “fazer o bolo crescer para depois cortar as fatias”, caiu por terra quando o crescimento regional ainda nos manteve largamente apartados dos índices sociais e econômicos do centro dinâmico do país. Economia nacional mais integrada, o Nordeste entrou nas décadas perdidas sem um projeto próprio. Não se formou uma elite - nem do lado do capital nem do trabalho - capaz de formular tal projeto. Nem a intelectualidade das universidades e centros de pesquisa e dos movimentos culturais logrou fazê-lo. E como, a partir de seu próprio umbigo? O Nordeste integrou-se ao centro e ao mundo de forma fragmentária. Salvo algumas exceções, nossa riquíssima cultura permanece ilhada em seu próprio espaço de manifestação, sem objeto político a exaltar e enriquecer. Por isso deram um tiro fatal na Sudene, vendendo a mentira de que estava sendo substituída por uma agência de desenvolvimento “mais enxuta e ágil”, quando verificamos que ela sequer está definida em suas funções e estrutura. Tanto que dois absurdos aconteceram, na cara dos governadores, prefeitos, parlamentares, empresários e povo em geral, como um deboche final a dizer: vocês estão mortos! O primeiro diz respeito aos recursos que empresas idôneas receberiam da Sudene para concluir seus projetos. As medidas provisórias do governo federal acabaram com os mecanismos de transferências, e mais de duas centenas, pelo menos, de empreendimentos, estão ameaçados; alguns já fecharam as portas. É quebra de contrato, calote. O

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segundo diz respeito às transferências dos funcionários da Sudene para outros órgãos federais. Antes mesmo de um novo organograma, antes que as medidas provisórias – que estamos contestando na Câmara Federal - sejam votadas; em pleno processo de negociação que lideranças políticas da região tentam estabelecer com o Executivo Federal, o Governo Federal transfere centenas de servidores para outros órgãos federais. Entre eles, doentes em tratamento, pessoal em condições de aposentar-se, gente que solicitou até ser transferida para um órgão, e sem ser ouvida, foi para outro, deixando o órgão quase sem contabilistas e economistas. E, por fim, no velho estilo autoritário, tratou-se de transferir os líderes do movimento que pedia a volta da Sudene, mas não como antes, e sim, sua volta com moralização e restauração em um novo modelo que as forças vivas da região e do país pudessem democraticamente parir; tudo como forma suprema de incompetência ou de vontade política de humilhar. Humilhar aos servidores? Não apenas. Se foi para humilhar, foi a todos nós, nordestinos. Para cuspir na cara dos governadores; para dizer aos parlamentares: vocês não têm força política! Para dizer aos nordestinos: o Nordeste acabou. E terá acabado, sim, se nossos interesses específicos, dos municípios, dos estados, dos pequenos e grandes negócios, da produção familiar e da capitalista, dos trabalhadores e intelectuais, não couberem mais em um projeto regional unificador. Mesmo assim, a transição para um projeto nacional teria que se dar em um contexto de respeito e dignidade. Não está havendo respeito, temo, por que também não há um projeto nacional. Neste sentido, o fim do Nordeste anuncia o fim do Brasil (EUGÊNIO, 2002).

Tabela 25 - Brasil: projetos de investimento empresarial concluídos pela Sudene - 1959-1999

Fonte: Sudene. Coordenação de Acompanhamento e Avaliação Notas: (1 ) A tabela inclui 72 projetos que estão na condição de conclusão provisória. – (2 ) Qtd = número de projetos — (3 ) Preços de jul.1994. — (4 ) Área mineira de atuação da Sudene Notas:

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Tabela 26 - Brasil: projetos de investimento empresarial concluídos pela Sudene -1959-1999 (distribuição segundo os setores)

Fonte: Sudene. Coordenação de Acompanhamento e Avaliação Notas: (1 ) Qtd = número de projetos – (2 ) Preços de jul.1994. Posição: 30 nov.1999.

Figura 11 – Salvador de 1960: rampa do Mercado Fonte: Pierre Verger (citado por FALCON, 2003, p.30) Nota: legenda de nossa autoria.

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3.10ANTECEDENTES DO PLANEJAMENTO NA BAHIA A Bahia foi o primeiro Estado brasileiro a desenvolver a atividade de planejamento do seu desenvolvimento econômico. Seguindo a tradição de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cayru, que, no início do século XIX, editou os seus Princípios de economia política em que buscou difundir as idéias do clássico a Riqueza das nações, num esforço pouco feliz de compatibilizar o pensamento liberal de Adam Smith com a cultura vigente em uma economia escravagista, e, em 1925, de Francisco Marques de Góes Calmon, um sutil analista das perspectivas econômicas da Bahia no período de 1808 a 1889130, despontou no Estado, nas décadas compreendidas entre 1930 e 1950, o “iluminismo baiano” com o surgimento de uma geração de estudiosos das questões econômicas que contribuiu de forma decisiva para a formação de um ambiente intelectualmente favorável à estruturação do planejamento regional. Ressalte-se que, nessa época, também influenciou o processo de estruturação do planejamento o intercâmbio de experiências com diversas instituições científicas e técnicos estrangeiros, notadamente dos Estados Unidos da América. No primeiro plano, destacaram-se personalidades como Rômulo de Almeida, Ignácio Tosta Filho, Edgard Santos, Manoel Pinto de Aguiar, Américo Barbosa de Oliveira, Miguel Calmon du Pin e Almeida Sobrinho, Clemente Mariani, Luís de Aguiar da Costa Pinto e Milton Santos, entre muitos outros que aqui fizeram escola, funcionando como multiplicadores de idéias no Instituto de Economia e Finanças, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia, e na Associação Comercial da Bahia.131 No interior do Poder Executivo, a preocupação com o planejamento do desenvolvimento estadual teve início na década de 1930, na interventoria de Juracy Magalhães (1931/1935)132 que, com a colaboração de Ignácio Tosta Filho, criou o Programa das autarquias, o qual instituía o sistema de defesa e fomento da produção agrícola 130

CALMON, Francisco Marques de Góes. Vida econômica – financeira da Bahia: elementos para a história. ( 1808 a 1899). Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1925. 131 Para uma visão mais abrangente das equipes técnicas que contribuíram para o planejamento da Bahia, no período de 1950 a 1960 ver Souza e Assis (2006). 132 Como foi visto anteriormente neste estudo, Juracy Magalhães governou a Bahia durante a Revolução de 1930, no período compreendido entre 19 de setembro de 1931 e 10 de novembro de 1937, quando rompeu com Getúlio Vargas. Entre 1931 e 1935 permaneceu como interventor. Entre 1935 e 1937 como governador, eleito que foi, indiretamente, pela Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.

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supervisionado pelo Instituto Central de Fomento Econômico, criado em 1937 e que posteriormente seria transformado no Banco do Estado da Bahia (Baneb). Nesse período, também são criados o Instituto de Cacau da Bahia (ICB) (1933), o Instituto Bahiano do Fumo (1935), a Cooperativa Central Instituto de Pecuária e, por particulares, o Instituto de Economia e Finanças da Bahia (IEFB) (1935) que viria a ser o núcleo dinamizador do ensino de economia na Bahia.133 Em termos políticos, a Constituição Estadual de 1947, em seu Art. 115, já previa a criação do Conselho Estadual de Economia e Finanças (CEE), o que ocorreu através da lei n. 155 de 31.12.1948, com amplas atribuições nas áreas de planejamento e de incentivos ao desenvolvimento. Entretanto, o CEE nunca foi instalado. Em 1949, o governador Octávio Mangabeira mandava o economista Ignácio Tosta Filho elaborar um Plano de ação econômica para o Estado da Bahia,134 documento editado pela Imprensa Oficial, em três volumes, porém pouco conhecido e que, na prática, resultou na reestruturação do ICB e em um conjunto de recomendações para obras de infraestrutura voltadas para a economia estadual, assim como o projeto de criação do Banco da Produção - que substituiria o Instituto Central de Fomento Econômico - sobre o qual se comenta na seção 3.12.7 seguinte. Em depoimento sobre, Tosta Filho, dizia Rômulo Almeida: [...] criou um sistema de organização econômica regional, a partir do Instituto do Cacau, em 1931. Depois fez o Instituto da Pecuária, que era uma cooperativa; e em 1937 consolidou isso tudo no Instituto Central de Fomento Econômico, uma espécie de banco que, depois, se transformou no Banco de Fomento do Estado da Bahia, Banfeb e, em seguida, no Banco do Estado da Bahia, Baneb. O trabalho que desenvolveu no Instituto do Cacau foi uma coisa importantíssima, apesar de muito prejudicado pelas interferências e interrupções provocadas pela economia de guerra. Ele não fazia somente a defesa direta do cacau; organizava as informações sobre o mercado e passava aos produtores; desenvolvia a experimentação

133

Pedrão (2000, p.7) informa que o Instituto de Economia e Finanças da Bahia era uma sociedade civil criada em 1937 por um grupo de economistas baianos, que manteve uma sede com uma biblioteca e uma revista, dirigida por Daniel Quintino da Cunha. Em 1955, foi ativado por Rômulo Almeida, que o instalou, primeiro em dependências da Escola de Enfermagem da UFBA e depois ocupando o quarto andar do prédio da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA. Entre 1955 e 1963, recebeu importantes contribuições de Anibal Villela, John Friedmann e Armando Mendes. De 1960 a 1962, foi dirigido por Manoel Pinto de Aguiar. Produziu quantiosa documentação de pesquisa, apoiando o ensino de economia. Suas operações ficaram praticamente encerradas em 1963. 134 Em um país sem memória este documento desapareceu, não sendo encontrado nas bibliotecas baianas.

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Figura 12 – Organograma do sistema das autarquias criado por Tosta Filho na interventoria de Juracy Magalhães, durante o Estado Novo. Fonte: Boaventura e Muniz, 1964, p. 2. Novo desenho do autor deste livro.

agrícola; promovia a abertura de estradas; criou a Viação do Sul baíana, Sulba. Estava sempre procurando diversificar. Enfim, era um homem com uma visão extraordinária, que tinha na cabeça os dados sobre os produtos principais de exportação. Eu sempre lamentei que não se tivesse gravado o que ele tinha de informação. Em 1952, o Tosta Filho havia sido convidado para organizar a Comissão de Planejamento da Defesa Preventiva contra as Secas no Estado da Bahia e em 53, (quando Rômulo presidia a Comissão Incorporadora do Banco do Nordeste) foi contratado, em conjunto com o Sóstenes de Miranda, um agrónomo que era seu colaborador, para fazer um estudo sobre o que se poderia chamar os orçamentos familiares no sertão nordestino - ou seja, qual era a renda real do sertanejo. Porque a renda mercantil era baixa, e eu queria identificar isso. Em 1961 ele me substituiu na presidência da CPE, por pouco tempo, e depois foi para a Cacex.”(SOUZA e ASSIS, 2006 p.247).

Contudo, a primeira tentativa de planejamento econômico global e criação de um sistema estadual de planejamento teve início com a integração dos esforços do IEFB, da Universidade Federal da Bahia e Secretaria da Fazenda do governo do Estado, sob a liderança de Rômulo Almeida, ainda no governo de Antônio Balbino. (1955-1959). Em 27 de maio de 1955, o decreto n. 16.261 criava o Conselho de Desenvolvimento Econômico da Bahia (Condeb) e a Comissão 254

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de Planejamento Econômico da Bahia (CPE) que atuaria como sua Secretaria Executiva. O primeiro documento produzido pela CPE foi uma exposição de motivos que integrava um ofício do governador Antônio Balbino ao presidente Juscelino Kubitschek, expedido em 15 de agosto de 1956.135 Neste mesmo ano, esta exposição é editada pela Imprensa Oficial da Bahia, com o título Participação da Bahia na vida nacional. No documento, o governador da Bahia analisa a “situação de desequilíbrio em que encontram, em geral, as finanças dos estados” e afirma que esta situação anômala representa uma verdadeira crise da Federação e poderá levar “[...] à demissão da própria autonomia por parte de um grande número de estados”. Faz, ainda, uma detalhada análise dos problemas vividos pela Bahia e os prejuízos a ela impostos pela política cambial do governo federal, concluindo nos seguintes termos: Nestas condições, Senhor Presidente, o governo da Bahia solicita, formalmente, ao governo da República: – que considere a imediata adoção da reforma cambial, de sorte a eliminar o chamado confisco que grava os nossos produtos de exportação em relação à taxa de câmbio prevalecente no mercado livre; – que conceda, através dos órgãos financiadores federais – para aplicação em obras e empreendimentos de interesse fundamental para a economia nacional na região – o financiamento a longo prazo de, pelo menos, dois bilhões de cruzeiros (Cr$ 2.000.000.000,00) (grifo nosso). Esta cifra não chega nem mesmo à metade da diferença sofrida pela economia regional o ano passado, em relação à renda que teria, se prevalecessem, para as exportações, as taxas livres de câmbio; e é mesmo inferior à diferença de renda, só em 1956, se prevalecesse a 4º. Categoria. O financiamento solicitado se enquadra no esquema cambial vigente, de acordo com a reforma Aranha; – que assegure, como um mecanismo automático, o financiamento estacional por antecipação da receita, através do Banco do Brasil, no primeiro semestre, até uma importância correspondente a 15% da receita tributária prevista do Estado; – que conceda o registro de financiamentos estrangeiros, nos próximos 3 anos, e os avais necessários para que se os efetivem, num montante de cerca de trinta milhões de dollares; – que conceda câmbio para as importações de necessidade comprovada para a administração estadual não financiáveis, bem como para material de revenda, se concedido a qualquer outra entidade pública; 135

Nesta época as Pastas “Cor de Rosa” já haviam sido confeccionadas. Supõe-se também que os estudos para a elaboração do Plandeb estivessem em pleno curso.

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– que realize (o Governo Federal) – um programa mínimo no território bahiano, baseado em objetivos econômicos prioritários conforme as indicações do anexo 19; – que leve em conta nas decisões de política monetária (pagamentos de Tesouro, crédito e câmbio) as peculiaridades da economia regional. As medidas b e c serão em benefício direto do Estado, de suas entidades, ou de empreendimentos privados de fundamental importância regional. (BALBINO, 1956, p. 17/18).

No anexo 19 da mensagem, é proposto um programa qüinqüenal de investimentos para o período de 1956-1960, com a mobilização de CR$ 5,06 trilhões (grifo nosso). Tais investimentos contemplariam prioritariamente o setor de transportes e comunicações que absorveria 41% dos recursos. O setor industrial, em conjunto com o urbano, é contemplado com 11% dos recursos aí já incluída, àquela época, uma provisão de Cr$ 50 milhões para a construção de um “Bairro Industrial”.136 A CPE surgiu com o objetivo de diagnosticar a economia baiana, conceber programas e projetos e institucionalizar o sistema de planejamento estadual, tendo sido responsável pela elaboração do Programa de Recuperação Econômica da Bahia entre dezembro de 1954 e abril de 1955, e, posteriormente o Plano de desenvolvimento da Bahia (Plandeb), concluído em 1959. A CPE tem uma longa história na estrutura administrativa do Estado, como atesta a SEI (BAHIA – SEI, 2006, p. 6) em seu histórico: A idéia de instituir um órgão responsável pela elaboração de estudos e pesquisas que subsidiasse o planejamento governamental efetivouse com a criação da Comissão de Planejamento Econômico (CPE)-pelo Decreto n° 16.261 em maio de 1955–, dirigida inicialmente pelo economista Rômulo Almeida. Como órgão de estudo, planejamento, coordenação e controle, a CPE constituiu-se na primeira experiência 136

A Sudene foi criada por efeito indireto, mas incontestável, de carta enviada pelo governador António Balbino de Carvalho ao presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, em que questionava o modelo centralizador do desenvolvimento da economia nacional. Preocupado, Juscelino criou uma Operação Nordeste, que pôs a cargo de Obregon de Carvalho. Esta deu lugar à criação do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste e este, por sua vez, à Sudene. Obregon de Carvalho foi cuidadosamente esquecido, assim como o fato de que toda essa operação se fez com base no Banco do Nordeste, com os quadros técnicos criados por Rômulo. A partir daí, não seria somente um choque de vaidade e prestígio, com Celso Furtado procurando cavar-se um espaço no Nordeste, mas seria também um confronto de pontos de vista sobre o funcionamento do capitalismo na região. Rômulo defenderia um modelo de modernização da produção rural, com acesso direto dos produtores a informações de mercado e com a criação de mecanismos de financiamento. Paralelamente, continuaria com seu esforço principal em torno de um projeto de indústrias de base e infraestrutura (PEDRÃO, apud SOUZA e ASSIS, 2006, p. 259).

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA institucional de planejamento no Brasil, sendo responsável pela realização de importantes estudos e projetos no Estado da Bahia. Em face dos bons resultados alcançados pela CPE, o Governo do Estado transformou-a em Fundação Comissão de Planejamento Econômico, dando-lhe, além de maior autonomia por meio do Decreto n° 17.260 de janeiro de 1959, novas atribuições como a de “realizar estudos, pesquisas, projetos, análises e trabalhos” solicitados pelo Governo. Por conta da reforma administrativa, em 1966 a CPE passa a se intitular Fundação de Planejamento (CPE). Nessa mesma data, é criado o Departamento Estadual de Estatística (DEE), com o encargo de realizar análises econômicas. Em 1973, a instituição recebe o nome de Departamento de Geografia e Estatística (DGE), assumindo a função de realizar levantamentos geográficos no Estado. No ano de 1975, é extinto o DGE, assumindo suas atribuições a Fundação Centro de Planejamento da Bahia (CEPLAB). Simultaneamente, a Fundação de Planejamento (CPE) é nomeada Fundação de Pesquisas (CPE). Agregando novas atribuições, em 1979 a CPE passa a chamar-se Fundação Centro de Pesquisas e Estudos (CPE), denominação que manteria até o ano de 1980, quando é extinta juntamente com o CEPLAB, sendo suas funções absorvidas pelo recém criado Centro de Planejamento e Estudos (CPE). No ano de 1983, o Centro de Planejamento e Estudos é nomeado Centro de Estatísticas e Informações (CEI), criando-se, em paralelo, o Centro de Projetos e Estudos (CENPES), transformado em 1997 na Fundação Centro de Projetos e Estudos (CPE). Em 04 de maio de 1995, por força do Decreto n° 4.177 ocorre a fusão entre a Fundação Centro de Projetos e Estudos (CPE) e a autarquia Centro de Estatísticas e Informações (CEI), instituindo-se, então, a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEl), que se constitui, atualmente, no principal provedor de dados do Estado (grifos nossos).

Em 1961, já no governo de Juracy Magalhães, foi criado o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), com o objetivo de estudar e aplicar incentivos fiscais e estaduais à indústria. O planejamento na Bahia foi sempre de natureza indicativa. O Plandeb, por exemplo, não foi aprovado pela Assembléia Legislativa e enfrentou reações contrárias dentro da própria equipe do governo Juracy Magalhães (1959-1963). As causas desta rejeição decorreram da resistência da classe política do Estado, bastante atrasada à época, e ao predomínio de uma velha (e já comentada nos capítulos anteriores deste livro) estrutura de poder oligárquica, patrimonialista e clientelista, que via no planejamento uma séria ameaça de limitação da sua autoridade e poder137. 137

Jamais poderia um sistema político baseado no poder dos seus “caciques” de realizar obras em suas bases eleitorais mediante emendas apresentadas ao orçamento do Estado, abrir mão deste poder para uma normalização dos investimentos que não atendessem aos seus interesses paroquiais. Aliás, a péssima qualidade técnica da classe política baiana, para falar só deste aspecto, historicamente se constituiu um sério obstáculo ao desenvolvimento do Estado.

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Apesar disto, muitas das indicações do Plandeb foram gradativamente implementadas na Bahia até o final da década de 1980, à medida que a sociedade local se modernizava e sempre que existia o respaldo coincidente de programas e projetos do governo federal e/ou correspondência com os interesses do capitalismo nacional e internacional. É interessante observar que o Plandeb foi elaborado quase na mesma época em que a equipe coordenada por Celso Furtado desenvolvia o relatório do GTDN para o Nordeste. Embora contemporâneos, esses planos são, contudo, fundamentalmente diferentes na essência de suas estratégias industriais. Enquanto o GTDN propunha um modelo autônomo, visando a repetir, no Nordeste, o desenvolvimento capitalista do Sudeste, o Plandeb refletindo a experiência adquirida pela equipe que o concebeu, em trabalhos anteriormente realizados para o governo federal138, propunha um modelo de integração ao desenvolvimento do próprio Sudeste, como caminho para chegar-se ao desenvolvimento sustentavel da Bahia. Os desdobramentos de cada um dos planos, no que toca à natureza das empresas por eles engendradas, eram, naturalmente, também diferentes. Enquanto o GTDN objetivava um processo regional de substituição de importações, o Plandeb, a despeito de constituir um plano bem articulado e que objetivava o desenvolvimento da Bahia em todos os setores, contemplando a adoção de programas e projetos integrados para a agricultura, indústria e comércio, além da infraestrutura física e urbano-social do Estado, adotava como estratégia de alavancagem do desenvolvimento local a promoção da grande empresa dedicada à produção dos bens intermediários, visando aos mercados da região Sudeste. A adoção dessa estratégia de “desconcentração concentrada” fez com que a Bahia se transformasse, ao longo do tempo, numa grande produtora de intermediários sem conseguir desenvolver, como foi imaginado no Plandeb, um parque de transformação de produtos finais que promovesse um efeito linkage e internalizasse convenientemente a industrialização em seu território. De exportadora de commodities agrícolas, a Bahia passou à condição de exportadora de commodities industriais. Por seu turno, a estratégia do GTDN, descolada da dinâmica do capitalismo nacional, também não prosperou, conforme anteriormente demonstrado. 138

Rômulo Almeida, por exemplo, havia sido chefe da Assessoria Econômica da Presidência da República no segundo governo de Getúlio Vargas.

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A industrialização baiana decorrente da estratégia de “desconcentração concentrada” seguiu, naturalmente, um processo inverso ao desenvolvido no Sudeste do país. Naquela região, em função da lógica do processo de desenvolvimento capitalista nacional, a industrialização ocorria através do incentivo à produção de bens de consumo, especialmente os duráveis, o que era impossível numa região pobre como a do Nordeste cujo mercado interno, per se, não assegurava consumo que viabilizasse escala competitiva às empresas produtoras de bens finais que ali se instalassem. A Bahia vive, então, a industrialização basicamente a partir de suas matérias-primas, que são transformadas em bens intermediários, em função da demanda do próprio Sudeste. Na medida em que a nova industrialização voltava-se para atender às demandas do mercado do Sudeste, implantar-se-ia, também, toda uma infraestrutura de transportes, interligando a Bahia e o Nordeste àquela região, o que já se preconizava no contexto do planejamento estadual, objetivando o escoamento da produção e, também, a interiorização do desenvolvimento com a ocupação dos grandes espaços vazios e a ampliação do mercado local. Só que as ligações viárias no sentido leste-oeste do Estado não ocorreram com a eficácia devida e a estratégia seguida pelo governo federal priorizou a abertura dos grandes estirões rodoviários somente no sentido sul-nordeste (primeiro a BR-116139 e, depois, a BR-101140), o que, fatalmente, traria novas condições concorrenciais para as empresas tradicionais nordestinas, desarticulando suas bases e abrindo caminho para a penetração, em seus mercados, de unidades mais competitivas, tecnologicamente modernas e melhor administradas, oriundas do Sudeste ou do exterior. As propostas do Plandeb não foram assimiladas no planejamento da Sudene. Celso Furtado considerava que, se assim o fizesse, estaria criando problemas com os demais estados da região, bastante atrasados em relação a Bahia. Duvidando do modelo concentrador do plano de metas, o Plandeb considerava a possibilidade de articulação entre a reestruturação agrícola e um parque industrial. Do mesmo modo em que considerava o maior potencial para geração de empregos no desenvolvi-

139

Construída em 1950, a BR116, Rio-Bahia foi asfaltada, com parte inaugurada em 1960 e totalmente asfaltada em 1961. (Cf. www.bahia3000.hpg.ig.com.br/comunicacoes/ comunicaçoes.htm. Acesso em: 16 mar. 2009). 140 Construída em 1974 (SPINOLA, 2003).

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mento da agricultura, o plano baiano destacava, reversivelmente, o papel das indústrias como absorvedoras de mão-de-obra excedente do campo e como mercado para os produtos agrícolas. Indústria e agricultura se integrariam na periferia do sistema. As metas do Plandeb compreendiam a criação de um sistema que ampliasse ao máximo as possibilidades de fixação de capital endógeno, potencializando não somente as possibilidades de emprego, mas também a qualidade do emprego, através da produção de artigos de consumo básicos que aliviassem a pressão do déficit do comércio interno. Esse processo elevaria a renda per capita que representava, em 1957, 47% da renda per capita nacional. Neste sentido, a estratégia baiana de desenvolvimento divergia essencialmente do plano federal, claramente dita no próprio Plandeb e em entrevistas de Almeida: “A Bahia ficou relegada para outra época, seja pelas condições políticas já ultrapassadas, seja pela duvidosa doutrina de concentrar todos os recursos nacionais no suposto centro dinâmico do país, a fim de que daí se possa irradiar mais tarde o progresso para o resto do Brasil.” “Pensar a substituição de importação em nível regional. Não podia. O erro da Sudene foi pensar nos projetos na escala do mercado regional.” ”Além disso, escaramuças pessoais entre Almeida e Furtado terminaram por reforçar o próprio contexto de divergência de projetos: “Acho que a chance que ainda houve foi de uma aliança entre Rômulo e Celso Furtado, só que no começo os dois brigaram porque, na verdade, Rômulo esperava ser indicado pra Sudene. Então, houve uma queda-de-braço entre os dois e até a Bahia se compor com Celso passou algum tempo, e tem muita história debaixo da mesa que não vai se falar... Quer dizer, eu próprio, o grupo do planejamento baiano, me dava com dificuldade com o pessoal da Sudene, até com meus amigos. Até hoje sou amigo do Chico de Oliveira. Ele veio pra cá. Antes tinha sido meu colega. Veio pra cá no escritório da Sudene e eram posições diferentes. (SANTANA, apud SOUZA e ASSIS, 2006 p.269)

Pode-se dizer que, entre a concepção e a viabilização, o planejamento na Bahia, em que pese ao idealismo dos seus formuladores, sempre foi pragmático. Os planejadores baianos buscaram sintonizar-se com as tendências da política econômica do governo federal e elegeram as oportunidades possíveis de exploração dos recursos disponíveis, no contexto da expansão do capitalismo nacional e internacional. Parece que os planejadores baianos acreditavam sinceramente nos efeitos geradores de emprego das grandes empresas produtoras de intermediários, o que produziria a decolagem das indústrias transformadoras de bens finais, além de efeitos modernizadores e de integração com a base agrícola estadual, o que, de fato, não ocorreu, pelo menos na dimensão esperada. Em muitos casos, notadamente após 1964, o planejamento baiano limitou-se a potencializar, em termos estaduais, planos e programas decorrentes de decisões federais. 260

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Para isto, foi decisiva a capacidade de articulação e negociação das lideranças políticas do Estado, nos escalões decisórios do país o que contribuiu para gerar uma economia de renda altamente concentrada e bastante desigual em sua distribuição espacial.

3.11 AS PASTAS COR DE ROSA Historicamente, o Plandeb foi precedido por um conjunto de estudos enfeixados sob o título Situação e problemas da Bahia – 1955: recomendações de medidas ao governo, os quais foram popularizados pelo jornal A Tarde como As pastas cor de rosa. Contam-se duas versões a respeito desse estranho apelido. A primeira, segundo o próprio Rômulo: “[...] como essas pastas tinham capas cor-de-rosa, o jornal A Tarde, que era muito contra o Balbino, aproveitou e fez uma notinha assim: “Recebemos três pastas cor-de-rosa, e deu uma chacoalhada no negócio” (ALMEIDA, apud SOUZA e ASSIS, 2006, p.225). A segunda versão, mais irreverente, conta que o jornal A Tarde, não assimilando a derrota do seu candidato ao governo do Estado (Pedro Calmon, irmão do redator-chefe do jornal, Jorge Calmon), movia intenso combate a Antonio Balbino. Mas A Tarde representava também as forças reacionárias e conservadoras de direita no Estado e via no projeto de Rômulo tendências fortemente esquerdizantes, com a intervenção do Estado na economia através do planejamento (uma técnica que contrariava todo o paradigma liberal vigente e ainda mais implantado pelo regime dito comunista na União Soviética) das sociedades de economia mista propostas e defendidas pelo então Secretário da Fazenda de Antonio Balbino, um homem que fora vinculado a Getúlio Vargas141 que, pelo seu populismo e nacionalismo, atraiu contra si todo o ódio da direita brasileira. Sob a coordenação de Rômulo Almeida, as pastas “cor de rosa” constituíram um conjunto de estudos inéditos sobre a economia baiana elaborado entre 1954 e 1955. Modernamente, dir-se-ía, foram os termos de referência do Plandeb. Em 1982, Rômulo Almeida, redigiu o seguinte prefácio para o documento142: 141

Fala-se que A Tarde alcunhava Rômulo Almeida de “Rômulo melancia”, ou seja: verde por fora, mas vermelho por dentro. Nesta época vivia-se intensamente a “guerra fria” quando eram exacerbados os debates e disputas entre a direita e a esquerda. 142 As Pastas cor de rosa se encontram arquivadas como “relíquia” na Biblioteca da Superintendência de Estatística e Informações (SEI), organismo do sistema de planejamento do governo do Estado da Bahia. O governo baiano nunca se lembrou de publicá-las.

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A apresentação da edição original mimeografada, datada de abril de 1955, já conta como nasceu esse mutirão que teve como cenário a Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, a partir, ainda, de novembro de 1954, quando estava claro o resultado (ainda não completo e oficial) do pleito para Governador. Aceitei acrescentar notas ali não contidas ou que explicassem referências da época, hoje só inteligíveis para os leitores versados na história. Algo também se ajusta no sentido de enquadrar as proposições contidas nas “Pastas Cor de Rosa” ao processo histórico: o que veio antes, o que acontecia alhures, o que veio depois. As linhas deste prólogo se completam com diversas notas esparsas ao longo do volume. O que se pretendia? Creio que o Governador Balbino deve dar seu depoimento também. Recebi seu convite convencido de estar ele convencido do imperativo de abrir novos rumos para o Estado e de ser capaz de ir substituindo as velhas bases patriarcais de sustentação política por uma organização e mobilização das forças sociais e uma conscientização das elites políticas em torno de objetivos de desenvolvimento. Um transito do velho binômio; coronelismo e clientelísmo para uma política ideológica e de massas. Havia pressa, pois as mudanças seriam lentas e o mandato curto. Era preciso acabar o período governamental com êxito popular. Dessa forma, havia que aproveitar os poucos meses anteriores à posse para um levantamento das informações e da problemática, bem como para a formulação de propostas preliminares. Algumas destas, pelo fundamento que· tivesse e pelo consenso que alcançassem, poderiam ser já diretrizes para a ação imediata do Governo, ou para evitar rumos duvidosos. Outras seriam hipóteses de trabalho para o sistema de planejamento e implantar, inclusive a própria concepção deste (grifo nosso). Não discutiremos aqui a questão do realismo e da eficácia do rumo: se ele estava certo e era viável, se houve hesitações e inabilidades no seu percurso, ou pressões incontornáveis de uma realidade política inadvertida, se a derrota eleitoral, em 1958, foi influenciada pela tentativa de forçar a mudança ou, ao contrário, pelo enfraquecimento da nova linha política. Os trabalhos ora publicados eram em preliminar levantamento do “estado das artes”, no variado campo da problemática baiana, um exercício coletivo de aportar e confluir informações e idéias, uma primeira tentativa de coordená-las num sistema (grifo nosso). Afinal, havia a intenção de fazer desse trabalho de grupo a introdução de um esforço sistemático e de um hábito permanente de planejamento, um elemento de divulgação entre as lideranças sociais, e não só internamente na nova equipe governamental, para que provocasse o debate a uma atitude de participação. Este ponto deve ser frisado: a orientação para que o trabalho de 262

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planejamento não fosse nem um instrumento centralizador nem muito menos um privilégio de elites técnicas e políticas. Ele deveria ser realizado com a participação de todos os níveis da administração e de todos os setores e classes sociais. Foi esta uma diretriz implantada pela CPE durante sua primeira fase, a qual veio já da “pré-história” desta instituição, o período inteiramente informal do trabalho na Escola de Enfermagem, consubstanciado nas três “Pastas Cor de Rosa”. Esta denominação se consagrou com a nota que a sociedade tradicional, através de um jornal representativo, recebeu o trabalho, destilando em ironia o seu derrotismo (grifo nosso). Desde a sua elaboração preliminar, a idéia era de trazer todas as contribuições válidas as da técnica, as do saber, e as da experiência - ao debate. Três contribuições relevantes não foram possíveis, em razão de não estarem as pessoas disponíveis: as de Tosta Filho, de Clemente Mariani e de Pinto de Aguiar. Entretanto, conforme se vê nas indicações da Apresentação original, do texto e do sumário, foi possível a contribuição de muitos143, inclusive para realizar trabalhos de natureza inédita no País, como a tentativa de um balanço de pagamento estadual. Significativamente, nenhuma remuneração foi paga. Os únicos desembolsos foram feitos pela Universidade para passagens e hospedagem, quando os órgãos federais não tinham recursos para custear despesas de funcionários seus mobilizados. Essa participação não se impunha apenas pela falta de meios materiais e pelos limitados quadros e escassas informações encontradas na Bahia: realizava-se, também, pela facilidade que encontrávamos na administração federal, apesar de divergência política com o presidente Café Filho e o Ministro Gudin, e também pela convicção da dupla necessidade de colocar a Bahia nas cogitações da administração federal e assegurar, nos programas desta, corretas prioridades para suas atividades no território baiano, em coordenação com os esforços do Governo do Estado. Em síntese, a idéia era de um planejamento inter-administrativo inte143

Rômulo Almeida – Coordenador; Américo Barbosa de Oliveira – BNB; Antonio Schimidt Mendes; Aristeu Barreto de Almeida - BNB/ETENE; Arthur Levy – Petrobras; Carlos Barbosa de Souza - Ministério da Agricultura; Chistian Bomskon - Técnica Dinamarquesa e Industrial no Paraná; Domar Campos – SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito Fábio Bastos – BNDE; Gerson Augusto da Silva - E. Bras. Adm. Pub. - FGV; Ivo Freire d’Aguiar - Técnica em Laticínios - Vitória da Conquista; Jaime Santa Rosa - Instituto Nacional de Tecnologia MTIC João Marcelo da Silva - Departamento da Produção Vegetal da Secretaria da Agricultura Indústria e Comércio; José de Nazaré Teixeira Dias - E. Bras. Adm. Pub. FGV; Lawrence L. Barber - E. Bras. Adm. Pub. – FGV; Luiz C. de Danin Lôbo - E. Bras. Adm. Publ. FGV; Mader Gonçalves - Comandante - Ministério da Marinha; Mário Padre - Pecuarista e Industrial – Itabuna; Nonato Martins - Instituto Agronômico do Leste; Renato Martins - Ministério da Agricultura; Sidney Lattini – SUMOC; T. Pompeu Accioly Borges – BNB; Wilson de Salles Leão - Zootecnista.(PASTAS COR DE ROSA,1955 fl.5).

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grado, sob liderança efetiva do Governo do Estado, com seu órgão de planejamento participativo, à frente da sociedade baiana. Os conflitos previstos com os interesses do clientelismo político supunham-se, seriam superados por projetos em que a dispersão não prejudicasse a eficiência, pela convocação de patronos políticos para projetos locais surgidos do planejamento, e, sobretudo, pela adaptação dos políticos a mudança num sentido ideológico e programático. Algumas colaborações de técnicos de entidades federais se estenderam por todo o período, tal o caso do Engenheiro Agrônomo Renato Martins, do Ministério da Agricultura. Pela extensão e profundidade dos trabalhos, é possível avaliar o grande engajamento. Muitos técnicos eram baianos ou ligados a nós por atividades anteriores na área federal. Quanto ao pessoal sediado na Bahia, as possibilidades eram menores, pela falta de estruturas e deficiências de informações. Numerosas reuniões foram realizadas na Escola de Enfermagem, bem como no Rio. Os trabalhos se cristalizaram em contribuições pessoais firmadas, ou em notas dos debates que a equipe registrava e que iam sendo redigidas e integradas ao conjunto, conforme o plano indicado no sumário. Poucas contribuições prometidas falharam, e destas, algumas foram posteriormente recolhidas pela CPE já implantada. O texto não podia chegar a ser maduro e perfeitamente integrado, nem era isso possível, no tempo de trabalho parcial da turma para cobrir toda a gama de assuntos, coordenar toda a matéria e integrá-la numa redação final unificada. Assim, além de serem preliminares por sua natureza, os trabalhos colecionados se apresentaram em graus diferentes de elaboração: redação semifinal em alguns casos, geralmente ordenados numericamente e com guias na margem, e matérias ainda em fase mais preliminar, sob a forma de esquemas. As contribuições firmadas foram incluídas como “anexos” às vezes de textos que não chegaram a ser feitos. No que se refere à equipe, não foi possível conseguir que os vários setores ou entidades federais relevantes indicassem representantes permanentes, pela impossibilidade dos indicados se deslocarem, ou outra razão. As reuniões eram feitas com o pessoal que estivesse na Bahia. Dada a escassez de pessoal, o chefe da equipe teve que desdobrar-se na mobilização e articulação das colaborações, que exigiu viagens, no planejamento do trabalho e coordenação das matérias e na própria redação ou revisão, para assegurar unidade. É mais uma razão de atribuir-se caráter preliminar, provocativo, à matéria exposta. Estas reuniões contaram com participação freqüente do Governador eleito, Antônio Balbino e, ocasionalmente, do Reitor, Professor Edgard Santos. A situação da administração estadual, naquele momento, era de extrema carência de informação organizada, salvo o trabalho regular do DGE, integrado ao sistema IBGE. Havia, tam264

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bém, alguns funcionários razoavelmente informados em termos pessoais, cuja experiência foi ouvida, salvo casos de inibição política. O esquema de trabalho realizado provavelmente não tinha precedentes no Brasil, nem a concepção de uma organização de planejamento como a proposta nas “Pastas”. Pelo que esteve em nosso conhecimento, havia dois esforços relevantes ao nível estadual: em Pernambuco, o Conselho de Desenvolvimento de Pernambuco, CONDEPE, que reunia comissões e grupos, tendo um secretário permanente, já havendo obtido da equipe do já famoso Padre Lebret um estudo muito sugestivo, referido neste volume. O outro era da CEMIG, em Minas, que recém iniciara estudos sobre como promover o mercado de energia elétrica, mas com visão global da economia mineira. (Foi a CEMIG, assim, a semente do sistema de planejamento e promoção do desenvolvimento que se implantou em Minas Gerais depois do sistema baiano, havendo inc1usive se beneficiado do estudo de nossa experiência, mas com o mérito de se haver consolidado com a continuidade no mais eficaz sistema estadual do País) (grifo nosso). Na Bahia, além da referência da Apresentação a uma tentativa haveria que referir ainda um idéia conjunta do Engenheiro Helenauro Sampaio e minha, no Governo tampão em que aquele era Secretário de Viação e Obras Públicas (1945-46?), e que resultou apenas num esquema de um sistema de planejamento. Afora isso, foi realmente importante, como concepção estrutural e como prática, o esforço persistente comandado por Tosta Filho para estabelecer o “sistema de organização econômica da Bahia”, iniciado com o Instituto de Cacau, em 1931, depois continuado com a implantação do Instituto baíano de Fumo, da Cooperativa Instituto de Pecuária da Bahia e, afinal, em 1937, do Instituto Central de Fomento Econômico da Bahia, matriz do atual BANEB (grifo nosso). A seqüência projetada do trabalho na Escola de Enfermagem se cumpriu polarizadamente: no Estado, o estabelecimento da Comissão de Planejamento Econômico na Universidade, a incorporação do Instituto de Economia e Finanças da Bahia e sua dinamização, constituindo ambos um sistema integrado e participativo, do qual brotou depois o FUNDAGRO, Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial, com seu sistema de empresas. O sistema se caracterizou pelo caráter participativo e mobilizador da sociedade, pela atividade multidisciplinar integrada, pelo planejamento como função continua, flexível e progressiva, pela coordenação entre atividades estaduais e federais, e outros aspectos que apresentaram feição pioneira na experiência de planejamento. Quanto as organizações básicas, já previstas nas “Pastas Cor de Rosa”, a CPE teria o papel de coordenar o planejamento e a ação pioneira 265

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do Estado e o relacionamento com os órgãos federais, contando com Departamento de Planejamento e de Projetos e um sistema subsidiário nas secretarias e em diversos setores sociais. Na universidade, o “centro de estudos econômicos e administrativos” a que se referia o texto, iniciado efetivamente com os trabalhos ad hoc na Escola de Enfermagem, voltar-se-ia para os estudos básicos. Este esquema antecipa o sistema estabelecido depois na SEPLAN, com a criação do IPEA, com a vantagem, para o caso regional, de estar o instituto de estudos entrosado no trabalho de pesquisa e ensino da Universidade. Quanto à temática, devem ser ressaltados alguns trações que distinguiram o esforço baiano: a preocupação com a engenharia institucional, que fez dela uma reforma administrativa efetiva; a atenção especial a um sistema de promoção e financiamento; o papel decisivo do Estado, apesar da limitação dos meios, num esforço de mobilização da iniciativa privada; a despreocupação com a novidade técnica e o prestigio acadêmico que trariam métodos sofisticados, porém imaturos e para os quais as informações eram insuficientes, como o uso de modelos econométricos; o treinamento no processo dos executores, além dos planejadores; a atenção aos problemas de conjuntura e flutuações; a subordinação dos interesses fiscais a objetivos econômicos e sociais; a ligação entre agricultura e abastecimento, numa visão econômico-social dinâmica; a prioridade para a concentração de esforços nos pontos ou áreas germinativos, dai a prioridade para a região cacaueira e sua integração com o Recôncavo; o tratamento integrado dos problemas de habitação, urbanização e desenvolvimento; o relacionamento dos projetos de transporte. aos objetivos de produção e não apenas à integração territorial; a atenção ao problema das comunicações, que não tinha prestigio naquele tempo. E, se bem as “Pastas Cor de Rosa” não chegassem a identificar as possibilidades diferenciais da Bahia e Pernambuco para a indústria, como o fez depois a CPE, registrou o diagnóstico do principal fator econômico da crise do Nordeste, o qual afetava particularmente a Bahia os desequilíbrios contra a região, nos fluxos triangulares Nordeste-Exterior-Centro Sul do Brasil. (Rômulo Almeida, 1982). As Pastas cor de rosa são compostas por nove capítulos e um apêndice em que são estabelecidas as diretrizes que viriam posteriormente a ser adotadas pelo Plandeb. Nestes capítulos, abordam questões relativas ao planejamento e às condições gerais de desenvolvimento e apresentam trabalhos inéditos à época sobre as condições para que se acelere o desenvolvimento econômico da Bahia (Américo Barbosa de Oliveira do BNDE, posterior criador da Usina Siderúrgica da Bahia (Usiba)); um estudo comparativo da renda na Bahia, no ano de 1950, que se inicia com o questionamento: por que a renda per capita da Bahia 266

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Figura 13 – Hidrelétrica de Paulo Afonso, alavanca do crescimento industrial da Bahia. Fonte: Arquivo do Desenbahia (citado por FALCON, 2003, p.36). Nota: legenda de nossa autoria.

está tão abaixo da mesma renda para o Brasil? (Aristeu Barreto de Almeida); o primeiro balanço de pagamentos do Estado, para o período de 1951-1954 que viria a fornecer bases concretas para a tese de descapitalização da Bahia em benefício de outras regiões, notadamente a Sudeste144 (um estudo elaborado por Domar Campos e aprovado por Sydney Alberto Lattini, do Departamento Econômico da Sumoc); e um estudo sobre as migrações internas no Brasil e no Estado da Bahia por Pompeu Accioly Borges do BNB. As Pastas contemplam também trabalhos nos grandes setores relacionados com os transportes e comunicações, energia, agricultura e abastecimento (o mais extenso e abrangente) indústria (de que se desdobram várias delas, desde a indústria química até o artesanato, as indústrias domésticas e o turismo), finanças, administração pública e a pesquisa. O documento apresenta uma imperdoável lacuna, não abrindo capítulos específicos para as áreas de saneamento, saúde e educação, o que viria posteriormente a ser corrigido no Plandeb.

144

Na época só se falava Centro-Sul.

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As diretrizes gerais do estudo para o planejamento do desenvolvimento do Estado da Bahia, são transcritas na íntegra a seguir. I. Prosseguir o Estado o planejamento, ou promovê-lo com a elaboração da União e de missões de assistência técnica, e através dele promover a coordenação dos esforços das três esferas oficiais e da iniciativa privada (um planejamento mais acurado da ação futura é em si mesmo, uma obra de governo). II. Organizar-se o Estado, administrativa e financeiramente, para que sejam mais eficientes os seus dispêndios e, assim, sua participação no processo do desenvolvimento. Ampliar e organizar o seu esforço de investimento, orientando-o para os pontos chave, reduzindo relativamente as despesas ordinárias de custeio adotando um orçamento que distinga custeio e investimento, relacionado com as flutuações das finanças do Estado e um sistema de controle técnico-econômico tanto da eficiência dos dispêndios, quanto da arrecadação. Criação do Banco do Estado e de um Fundo Especial de Investimentos. III. Ajustar ou aperfeiçoar o Estado suas leis e instituições, no sentido de estimular iniciativas e aplicações de capitais particulares: a) leis e atitudes fiscais e administrativas; b) ensino ajustado às necessidades da produção; c) pesquisas de recursos, mercados e tecnologia (o planejamento, de que este documento é um relatório preliminar, constitui um passo neste sentido); d) informações e assistência direta; e) seleção e orientação dos programas não diretamente econômicos, tendo em vista o desenvolvimento IV. Organizar a colaboração técnica e financeira com os municípios e com entidades privadas, visando mobilizar e coordenar recursos para o plano geral do desenvolvimento, devendo, quando necessário à realização deste, suprir, parcial ou totalmente, as deficiências da iniciativa particular ou pública local. Princípio fundamental para esta colaboração, além de sua necessidade ou alta conveniência econômica é apoiar o esforço próprio dos interessados diretos. Princípio negativo é autorizar os recursos do auxílio estadual para atender ao maior número, impossibilitando o Estado de atacar os pontos de maior poder de germinação. Os itens II e VI levarão a realizar o máximo sem dependência direta do orçamento comum do Estado, mobilizando, o quanto possível, o esforço financeiro e a responsabilidade administrativa local ou indiretamente interessada. 268

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V.

Ao tempo em que instala um mecanismo de assistência geral, voltado para todo o Estado e para todas as atividades procurando “ajudar a quem se ajuda”, dentro de programas prioritários (mecanismo de coordenação dos recursos públicos locais e particulares, no sentido do plano), deve o Estado concentrar o máximo de recursos em empreendimentos e atividades e em locais ou linhas geográficas, que resultem em maior produtividade para a economia conjunta do Estado (e assim propiciem mais cedo a produção de recursos para maior assistência direta a outras áreas ou pontos). É o princípio da concentração de recursos em pontos seletivos, estratégicos, mais fecundos ou germinativos, ou de maior produtividade marginal, do ponto de vista social, cuja adoção é indispensável a um programa de desenvolvimento. No sentido desta diretriz, deve-se orientar o programa de regionalização dos serviços da administração estadual.

VI.

Nas linhas da diretriz anterior e das referentes à coordenação de recursos de diversas fontes, deve ser traçado um programa especial, em que o efeito social e cultural se case ao da maior e mais rápida reprodutividade econômica dos investimentos neste setor. Assim, a prioridade não é a de orientá-los para onde houver mais miséria, mas sim, para onde contribuam para dar maior produtividade aos outros investimentos, ou para atraí-los, ou seja, onde mais ajudem à produção, criando inclusive mais empregos produtivos e reduzindo, potencialmente, o êxodo para pontos tradicionais de atração, como a capital. Dois exemplos: facilitar habitações operárias para a localização de indústrias; evitar os enormes desperdícios de capital que se vêm realizando, com o crescimento vigoroso, mas desordenado, das povoações, vilas e cidades das zonas em crescimento, como a do Sul, cujos orçamentos municipais nada mais podem fazer que pagar indenizações para alargar ruas. A titulo de exemplo de como os programas se devem integrar, e importante lembrar que o de urbanismo e habitação deve ser causa e efeito do de produção de materiais de construção e instalação, na medida do possível.

VII.

Promover investimentos da União e entidades federais, compensatórios do desgaste tradicional no intercambio, considerados essenciais à mobilização dos recursos potenciais do Estado e à ampliação das exportações (além da coordenação deles no plano geral e de sua maior eficiência isolada e conjuntamente). 269

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VIII.

Obter, mediante preparação técnica e política, favorecimentos especiais no regime cambial, tendo em vista os fatores acima. A Lei 1.807 (Federal, de 7 de janeiro de 1953 que dispõe sobre operações de câmbio e dá outras providências) já prevê o caso de um plano para a Bahia, salvo o fator compensação.

IX.

Capital Social – Promover um programa conjunto das três esferas administrativas, com a ajuda possível de particulares, para o provimento do capital social necessário à utilização dos recursos naturais, no desenvolvimento das atividades e maior eficiência dos capitais, obedecendo a prioridade, de acordo com a maior produtividade de cada projeto: a) transportes - um plano geral tendo em vista o sistema ou serviços de transportes, e não seccionados; b) comunicações – complemento indispensável de transportes; c) energia – inclusive florestal; d) água industrial e agrícola; e) saneamento Programa de redução das flutuações da economia agrícola ou de suas consequências sobre o abastecimento e a economia geral do Estado: a) reduzir a irregularidade das rendas do agricultor e sua dependência dos intermediários, bem como as perdas vultosas das safras, a irregularidade (ineficiência) do fluxo dos transportes e do abastecimento: armazéns (e silos) e, subsidiariamente, usinas de beneficiamento e processamento de produtos agropecuários b) água (aproveitamento dos rios, açudes e poços para irrigação); Programa agrícola, tendo em vista o objetivo anterior, propiciando condições gerais para o desenvolvimento da agricultura e do abastecimento, estabilidade da economia agrária, conservação de recursos naturais e expansão ou introdução de produções especificas que tenham mercado atual, previsto ou planejado (abastecimento em função de diretrizes de política alimentar e poder aquisitivo, coordenação do fomento agrícola com crédito, transportes, armazenagem, indústrias existentes ou a criar mercado direto e indireto, através da elevação do poder aquisitivo do operariado urbano).

X.

XI.

XII.

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Programa especial de empreendimentos, na escala estadual ou regional, de organização da economia agrícola e do abastecimento, com a colaboração financeira do Estado nos termos do item IV.

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XIII. Programa de produção florestal, tendo em vista reduzir a dependência do Estado das flutuações, reduzir o desperdiço das metas em desgaste acelerado, manter e criar reservas de energia e matériasprimas florestais, defesa de recursos de solos e água. XIV. Programa material, tendo em vista também reduzir a dependência das flutuações, aproveitar recursos variados (ainda mal conhecidos) e assim ampliar a produção de minérios, para exportação e para desenvolver indústrias. XV.

Programa industrial, tendo em vista, ainda, reduzir a dependência das flutuações, melhor aproveitar a capacidade de importar e todos os conhecidos efeitos sobre os demais setores da economia e a renda geral. É um programa fundamental. Para ele concorrem todas as medidas apontadas, mas ele requer, também, o estabelecimento de critérios especiais e de uma atitude mais participante do Estado, tendo em vista facilitar localização e recursos técnicos, assegurar mercado em compra do Estado, ajudar a criação de certas indústrias e atividades, das quais dependem as outras, ajudar a eclosão de um conjunto de indústrias que se completam nas economias externas de produção (indústrias isoladas têm condições muito difíceis de vida).

XVI. Assistência e fomento à pequena produção artesanal e doméstica e a produção agrícola para abastecimento próprio ou local, que se impõem, nas condições da nossa economia, pelos seguintes motivos: a) limitação de capital (e do poder aquisitivo) para o desenvolvimento da produção mercantil, na escala necessária” para empregar e abastecer, num padrão mínimo razoável, a toda a população; b) virtualidade desse programa para elevar os padrões de alimentação, vestuário etc.; c) contribuição desse programa para a formação de operários técnicos e homens de empresa, que se promovam ao plano de economia mercantil; d) fecundidade cultural (criação artística, equilíbrio psico-social) do artesanato e produção caseira; e) certas possibilidades efetivas da produção artesanal, concorrer, aqui, nos mercados dominados pela produção fabril, desde que haja assistência técnica, defesa e organização para o mercado; 271

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f) contribuição, talvez importante, para elevar a renda real, ainda que, parcialmente em forma não computável monetariamente; XVII. Programas de interesse social e cultural direto, que contribuam para o processo de desenvolvimento, segundo programas estudados para este fim: a) saúde: redução da mortalidade e da insanidade; b) elevação dos níveis de educação geral, técnica e científica; c) informação e orientação para emprego, melhor produtividade ajustamento social; d) condições de segurança social e bem estar psico-social, que levem ao florescimento da personalidade da consciência profissional, do gosto pelo trabalho e da produtividade. Uma ordem social aprazível é importante para o desenvolvimento, tanto mais que não se a deseja em termos puramente materiais. (Grifos nossos). Em toda esta preparação para o planejamento, é importante destacar, por fim, a adoção de medidas pioneiras no país como a instrumentação técnica do processo. Assim: [...] a separação dos orçamentos de investimento e custeio constituiu o cerne da estratégia desenvolvimentista. O IEFB, com apoio da Universidade e agencia-do pela CPE, traz para Salvador técnicos do DASP e FGV e organiza cursos de orçamento público com Antônio Barsante, do DASP e FGV, e Willian Tylor, do Bureau of Budget dos EUA. Também Annibal Villela e Gerson Augusto da Silva, técnicos da FGV, realizaram o curso de introdução econômico-financeira. Esse triângulo - CPE, IEFB e Universidade – ganha apoio institucional que lhe garante sobrevivência autônoma. Essa autonomia, contudo, não se constituiu num tipo de pesquisa e discussão pura e abstrata, pois havia uma articulação com o poder. Este demandava subsídios da realidade do subdesenvolvimento baiano que lhe servisse para suas políticas. Ao mesmo tempo, essa arena não se tornou um instrumento de metas de governo, ou seja, pôde realizar pesquisas, debater e realizar estudos que foram além das necessida-des imediatas, como vimos nos trabalhos acima. (SANTANA, apud SOUZA e ASSIS, 2006 p. 267)

3.12 O PLANDEB O Plano de desenvolvimento do Estado da Bahia (Plandeb), elaborado no governo de Antonio Balbino (1955 – 1959), constitui a expressão máxima do afloramento intelectual decorrente do notável 272

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background formado, na Bahia, por uma elite de pensadores que estudaram e discutiram a sua problemática nas décadas compreendidas entre 1930 e 1950. O Plandeb significou mais do que um plano. Representou um amplo projeto para a Bahia, cuja ambição consistia na promoção do seu desenvolvimento econômico e social, com propostas que extrapolavam a simples duração de um mandato governamental e com um escopo bastante avançado para uma sociedade atrasada, conservadora, ignorante e reacionária, como era a baiana daquele tempo. Afinal, tendo sido elaborado no governo de Antonio Balbino, previa a sua execução no período de 1960 a 1963, correspondente ao governo de Juracy Magalhães. Evidentemente, não deu certo. Para que isto acontecesse terse-ia que “mudar” a cultura do povo e das suas classes dirigentes145. Alguns dos seus projetos e das suas propostas somente viriam a se concretizar, de forma fragmentária e assistêmica, nos programas posteriores dos governos baianos que se sucederam na segunda metade do século XX.146 Ademais, ao divergir do planejamento da Sudene e consequentemente do governo federal o plano perdia sustentação financeira em que pese as expectativas manifestadas pela equipe que o elaborou. A questão que emerge dessa diferença é saber até que ponto o programa baiano poderia se cumprir assumindo essa posição. Ou seja, tendo em vista a dependência dos projetos da CPE, incluindo aí Fundagro e siderurgia, das fontes de financiamento federais como o BNDE e Banco do Nordeste, até que ponto a ação federal constituiu limites a esses projetos? Esta é uma pergunta que deve servir de esteio para uma análise sobre os impasses do desenvolvimento no Brasil e constitui um dos eixos reflexivos do pensamento de Rômulo Almeida. O tema do desequilíbrio regional, questão sobre a qual se debruçou toda uma geração, continua sendo um problema que ainda exige um tratamento criativo e estruturante. (SANTANA, apud SOUZA e ASSIS, 2006 p. 267)

O plano compôs-se de 15 capítulos, precedidos de uma parte introdutória. Nele, faz-se uma exaustiva e minuciosa análise da economia baiana, projetando atividades para o horizonte temporal compreendido entre 1960 e 1963. 145

As marcas da escravidão se reproduziam num sistema oligárquico clientelista e nepotista absolutamente impermeável aos processos de mudança do status quo 146 Programas estes sem o estofo intelectual do Plandeb e que pomposamente se auto intitulavam de “planos de governo”.

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Tabela 27 - Plandeb: fontes e aplicações dos recursos - 1960-1963 (1)

Fonte: BAHIA – CPE, 1960. Plandeb. Dados consolidados pelo autor. Nota: (1) Valores em milhões de cruzeiros a preços de 1959

O total de investimentos projetado para o quadriênio foi de Cr$ 70.964 milhões de cruzeiros, a preços de 1959, sendo a participação estadual equivalente a 20% desse montante. Isto equivaleria a investimentos anuais de Cr$ 17.741 milhões. É importante assinalar que a renda interna da Bahia, estimada por Almeida, A. (1955), para 1950, com base no censo do IBGE, era de Cr$ 10.038,1 milhões. O Plandeb constitui, até hoje, uma peça fundamental para quem pretenda estudar a Bahia. Por isso, é de se lamentar que, passados exatamente 50 anos da sua elaboração, o documento ainda não tenha sido publicado. Indagado a respeito, Rômulo Almeida assim se pronunciou: Na época, durante o governo de Juracy, tive a satisfação de receber a visita do Hirschmann147, e ele me disse: “Olha, eu acho que é a coisa mais original que tenho visto em termos de planejamento regional. Vocês deviam publicar.” Possivelmente, se tivesse sido publicado, poderia receber mais comentários na literatura – porque a literatura é muito baseada nas versões que tiveram mais curso. Por exemplo, não há referência aos documentos originais dos estudos que fizemos quando da criação do Banco do Nordeste, como o Planejamento de combate às secas. Ele é de 1952, e é realmente o ponto de partida para uma nova visão sobre os problemas do Nordeste, superando esse negócio de engenharia de obras e assistencialismo.

147

Albert O. Hirschman, notável economista norte-americano especializado em desenvolvimento econômico.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA Fica parecendo que a Sudene começou tudo. Posteriormente, a CPE, já como fundação, queria publicar o Plandeb na íntegra, mas acontece que já estava no governo de António Carlos Magalhães e ele barrou. Fizeram apenas um resumo. Cheguei a levar a íntegra do documento para a Fundação Getúlio Vargas, mas o Benedito Silva me disse: “Olha, nós queremos publicar, mas é preciso que haja algum apoio, uma co-edição.” Custava um dinheirão, e a Fundação estava numa situação muito difícil, com um déficit enorme. O António Balbino até disse que daria um apoio, mas até hoje nada.(SOUZA e ASSIS, 2006 p.260)

As principais diretrizes do Plandeb podem resumir-se como se faz nos parágrafos seguintes. A primeira delas determina que ele deve estar em consonância com a Operação Nordeste.148 O plano que,a seguir, se apresenta para o Estado da Bahia, reunindo o esforço estadual, o federal e uma adicional coordenação de inversões municipais e privadas, foi concebido em perfeita integração, com a Operação Nordeste, (grifo nosso) tão oportunamente lançada pelo Presidente da Republica, com adequada visão dos problemas regionais. A Bahia reitera suas manifestações favoráveis a essa declaração da política do Governo Federal, na qual só pode lamentar tenha vindo com tanto retardamento e não se esteja efetivando na velocidade e nas condições previstas, apesar do desejo manifesto do Senhor Presidente Juscelino Kubitschek. Efetivamente, no ano de 1959, marcado pelo lançamento da Operação Nordeste, as condições de assistência federal à região se agravaram: houve retardamento e redução de dispêndios federais, elevação súbita dos preços de produtos comprados sem equivalente reajustamento da taxa de câmbio e diminuição relativa da assistência da União ao Nordeste. É, portanto,” nessa íntegração com o espírito da OPENO que a Bahia deseja colaborar com o Governo Federal para seu completo êxito e o plano ora apresentado, em bases preliminares, ao exame do Governo Federal, é uma contribuição nesse sentido. A Bahia reivindica há muito, investimentos compensatórios pela baixa remuneração de suas exportações, que a tem privado de capacidade para realizar investimentos básicos no seu território, a fim de propiciar mais largas possibilidades de emprego à sua população. Tal reivindicação, que corresponde a inversão de parte dos saldos dos ágios das exportações baianas, a Bahia está pronta a partilhar com todo o Nordeste, em beneficio da OPENO (grifo nosso). Nesse sentido partiu da “bancada baiana uma emenda incorporada à lei que

148

Como a imprensa denominava as ações governamentais voltadas para o desenvolvimento do Nordeste a partir do governo de Juscelino Kubitschek. A rigor, na prática, como demonstrado o Plandeb estava na contramão do pensamento de Celso Furtado. A propósito ver Furtado (1959 b).

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criou a Sudene, a qual, entretanto, não teve tradução satisfatória no regulamento respectivo. Cabe, entretanto, acentuar que o programa da Bahia, se a Operação Nordeste for prejudicada na sua realização, deve ser levado a efeito, em beneficio do conjunto da economia nacional. E ele representa uma reivindicação de nosso Estado, imprescindível para que se possa assegurar a parcela da população brasileira que vive na Bahia um mínimo de oportunidades de nutrição, educação e emprego. (BAHIA – CPE, 1960).

Mais adiante, no que denominam “sentido nacional do plano baiano”, destacam os redatores do Plandeb a contribuição que ele pretende dar ao Programa de metas” do governo J.K., notadamente ao balanço de pagamentos, “tanto produzindo exportações como substituindo importações”. A despeito da argumentação política com que se busca uma aderência ao Programa de metas não deixam os mesmos relatores de registrar: Lamentavelmente, entretanto, a realização das “metas” no território baiano não tem obedecido ao mesmo ritmo que se verifica em outras partes do Pais (grifo nosso). Exemplo conspícuo é o atraso no programa relativo às construções rodoviárias e ao reequipamento da ferrovia federal Leste Brasileiro. Os exemplos podem ser repetidos em todos os setores. Nem mesmo o acesso a Brasília – que é reputado “meta síntese” pelo governo Federal – foi considerado a partir da Bahia, a despeito de se localizarem em sua costa os portos que estão mais próximos da futura Capital do País e cujas ligações se favorecem por sensível redução de distância virtual (grifo nosso).

E acrescentam: Aparentemente, a Bahia ficou relegada para outra época (grifo nosso), seja pelas condições políticas já ultrapassadas, seja peIa duvidosa doutrina de concentrar todos os recursos nacionais no suposto centro, dinâmico do Pais, a fim de que dai se possa irradiar mais tarde o progresso para o resto do Brasil. Não tem sido levados em conta pelo Governo Federal 3 fatores que impõem prioridade para investimentos na Bahia: 1) a existência de recursos naturais e humanos que possibilitam uma alta produtividade a investimentos programados, em “benefício de exportações e do programa de desenvolvimento do País”; 2) a compensação parcial às contribuições da economia baiana para o desenvolvimento geral do País (contribuição cambial e petróleo); 3) o necessário e inadiável atendimento de padrões mínimos de subsistência e de educação a todos os brasileiros, como objetivo que, mantendo e valorizando o capital humano da nacionalidade pretere, inclusive, investimentos de tangível carater desenvolvimentista. Não nos referimos a um estímulo ao consumo convencional, prejudicando as poupanças, nem a um igualitarismo impossível nos níveis de vida, mas apenas ao

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA atendimento das condições mínimas de nutrição, de educação e de emprego, sem o que não existe um povo organizado e muito menos um mercado interno que dê base ao desenvolvimento industrial (grifo nosso). Evidentemente, o “Programa de Metas” do Presidente Juscelino Kubitschek não pretendeu desconhecer essa necessidade. O programa da Bahia apela, só como último argumento, para esse objetivo nacional de manter e valorizar o potencial humano, porque realmente apresenta todas as outras condições para se integrar plenamente no programa nacional de desenvolvimento. (BAHIA – CPE, 1960 p. 14-15).

Pela segunda diretriz, deveria o plano promover a geração de emprego e renda149, única forma de criação de um mercado interno que conferisse escala de produção ao parque empresarial local. E, para isto, o incremento nos investimentos e na sua maior produtividade (maior relação produto/capital), procurar-se-ia a fixação de capitais gerados no Estado mediante a oferta de melhores condições de diversificação de atividades, a importação de capitais de outras áreas, pela oferta de maiores facilidades básicas (transporte, energia, incentivos fiscais, etc.), a elevação dos investimentos pela União e, principalmente, o aumento substancial na sua produtividade. Considera-se indispensável, dar oportunidade para o emprego da população ao menos aos níveis mínimos, e de assegurar as condições que valorizem os salários nominais, através de um abastecimento farto e do atendimento das necessidades mínimas de educação e assistência sanitária à parcela da população brasileira residente no território baiano (grifo nosso). Ao mesmo tempo, se considera conveniente desenvolver ao máximo as possibilidades apresentadas pelos recursos naturais, industriais e humanos que a Bahia apresenta, em beneficio do mais rápido desenvolvimento e emancipação da economia nacional. (BAHIA – CPE, 1960).

Por conhecer a impossibilidade de maior elevação dos salários reais mediante uma melhor distribuição da renda, o plano previa o aumento do poder aquisitivo da população através da melhoria do abastecimento e consequente redução dos custos dos alimentos, um problema crônico da Bahia (leia-se Salvador), desde os tempos coloniais. O plano menciona também, mas sem a ênfase devida, as importantes questões relacionadas com a educação e a saúde. É até risível o esforço dos seus redatores em tentar fazer uma vinculação do desenvolvimento da Bahia com a emancipação da economia nacional. Neste aspecto, parece que faltou convencer o governo fe149

Este objetivo virou um bordão no discurso de todos os políticos a partir da década de 1990.

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deral e o empresariado do Sudeste brasileiro. Continuando, enfatiza o Plandeb a necessidade do desenvolvimento simultâneo (quer dizer integrado) da agricultura e da indústria. Segundo Santana: Duvidando do modelo concentrador do plano de metas, o Plandeb considerava a possibilidade de articulação entre a reestruturação agrícola e um parque industrial. Do mesmo modo em que considerava o maior potencial para a geração de empregos no desenvolvimento da agricultura o plano baiano destacava, reversivelmente, o papel das indústrias como absorvedoras de mão-de-obra excedente do campo e como mercado para os produtos agrícolas. Indústria e agricultura se integrariam na periferia do sistema (2006, apud SOUZA e ASSIS, 2006 p. 269).

No texto do Plandeb: Essas diretrizes implicam em objetivos de produção e alvos de investimento. Assim, o desenvolvimento das oportunidades de emprego e de renda melhor para a população baiana resulta do desenvolvimento concomitante da agricultura, da indústria e dos serviços. Naturalmente devem ser desenvolvidos prioritariamente aqueles que apresentem condições efetivas mais prontas, ou aqueles ramos de atividades ou projetos específicos que se revelem mais necessários ou convenientes para propiciar condições ao desenvolvimento geral. O ritmo de desenvolvimento da Bahia dependera, como é sabido, do vulto dos investimentos e de sua maior produtividade, ou seja, de uma melhor relação produto: capital. O maior investimento se traduzirá numa alteração da estrutura do comercio, reduzindo-se relativamente as atuais importações para consumo (ampliadas embora em termos absolutos), as quais serão substituídas por importações de bens de capital. A elevação dos investimentos se fará através da possibilidade de fixação dos capitais produzidos intermitentemente pela própria economia baiana (mas aqui não fixados por falta de certas condições para a diversificação de atividades econômicas); além disso, pela vinda de capitais de fora para varios dos empreendimentos agrícolas e industriais que encontram, na Bahia, possibilidades nos recursos naturais e no mercado potencial, mas se detém em face da carência de certas facilidades básicas A pesquisa das possibilidades de investimentos em que para a mesma unidade de aplicação, se alcance o maior numero de empregos na presente estrutura da economia regional leva a dar prioridade ao desenvolvimento da agricultura. Este é necessário também para propiciar um abastecimento mais farto, nas cidades, de mantimentos para os trabalhadores e de matériasprimas para as indústrias. E estas indústrias são, por sua vez, necessarias, reversivamente, ao desenvolvimento agrícola, para absorver os inevitáveis excedentes de população rural e para assegurar um mercado mais amplo para a própria agricultura, enquanto, inversamente, o maior desenvolvimento desta assegura mercado mais amplo e firme, ao parque manufatureiro. Na agricultura e na indústria as iniciativas. obedecerão ao jogo do mercado dos

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA fatores e dos produtos. Sem contrariar os imperativos do mercado, a política adotada neste plano estimulará as atividades que: a) apresentem uma relação produto : capital mais favorável, ou utilizem melhor os recursos de capital real disponível; b) propiciem maior número de empregos por unida-de de capital invertido. O princípio geral é assegurar a maior produtividade possível aos escassos recursos de capital do País, mas, em face das possibilidades imediatas de produção, inclusive para exportação ao Exterior, e em face da necessidade social do atendimento de condições mínimas de nutrição, de educação e de emprego, não podemos aceitar que se adie, o problema baiano, pelo fato de que ele requer alguns investimentos básicos de certo vulto, cuja relação direta produto: capital é baixa. Por outro lado, como se fez no caso do petróleo, não é concebível que se apliquem ortodoxa e diretamente os critérios acima ao caso de indústrias de base que, na Bahia, se possam localizar, apresentando vantagens para a economia geral do País e enriquecendo os recursos industriais na região, inclusive recursos técnicos variados, encorajadores da fixação de outras indústrias, que propiciem mais empregos (BAHIA – CPE, 1960 f.16) (grifos nossos).

O Plandeb bate numa questão que continua presente nos dias atuais (2009) e que, apesar de óbvia, parece insolúvel no Brasil. Tratase da eficácia do gasto público. Isto, com efeito, autoriza a seguinte digressão: pode-se afirmar que o processo de desenvolvimento depende do resultado de dois indicadores que ainda estão por ser construídos. O primeiro refere-se a uma taxa de eficácia dos gastos públicos (Tegap) e o segundo, a uma taxa do grau de corrupção (Tagcor). Há que se convir serem essas taxas absolutamente inversas proporcionalmente. Teoricamente, pelo menos no que depende do papel do governo na economia, ao se maximizar a Tegap e minimizar a Tagcor seriam atingidos níveis consideráveis de desenvolvimento. Dados empíricos confirmam este fenômeno em termos internacionais. No Brasil, pelo que se sabe, enquanto a Tegap tende para 0, a Tagcor tende para 1, numa escala de eficácia cujo o grau varie de 0 a 1. Segundo o Plandeb: [...] a maior taxa de investimentos, a dos recursos públicos federais ou recursos de outras origens canalizados através da União. A aplicação desses recursos tem um amplo significado: o de ampliar o volume de investimentos - que é uma das condicionantes necessárias do desenvolvimento - e o de propiciar aqueles investimentos de natureza coletiva, que são no caso do nosso território os mais urgentes e por isso os que criam condições de produtividade para outros capitais já invertidos ou com possibilidades de inversão à vista. A elevação da produtividade dos capitais já invertidos ou a inverter depende totalmente, de um programa adequado de inversões federais e estaduais, estas porem de menor importância pela limitação já exposta dos recursos do Tesouro baiano. Não se

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pretende, entretanto, apenas que o Governo Federal amplie os investimentos: é tambem indispensável que melhore substancialmente a produtividade de seus investimentos atuais, que já são bastante vultosos (conquanto apenas correspondam aproximadamente às receitas de tributos formais, arrecadadas no território baiano) e que presentemente, como é da mais clara evidência, são submetidos a um processo de dispersão, de descontinuidade, de inoportunidade estacional dos dispêndios, enfim, de desperdício. Sabemos as limitações institucionais para alcançar uma eficiência razoável na elaboração e na execução dos orçamentos públicos. Entretanto, um esforço substancial, inclusive na esfera política, precisa ser feito por todos os homens públicos de responsabilidade no Pais ajudando o Presidente da Republica a submeter os orçamentos públicos a uma programação adequada, e assim, a assegurar uma eficiência razoável aos investimentos federais. Do contrário, precisaremos, para alcançar o mesmo nível de desenvolvimento, de investimentos novos federais de muito maior vulto, o que, obviamente, encontraria dificuldades intransponíveis. (BAHIA – CPE, 1960 p. 17) (grifos nossos).

Afirmava o Plandeb que a estrutura de recursos indicava os seguintes setores em que as inversões na Bahia apresentavam produtividade marginal não inferior à inversão em quaisquer outras áreas ou setores da economia brasileira: a) na ampliação das exportações que são possíveis pela natureza dos recursos regionais e pelas condições atuais e previsíveis do comércio exterior; b) no desenvolvimento da mineração e indústria metalúrgica, sem falar nas derivadas do petróleo, bem como em alguns outros itens de maior importância, para substituir importações nacionais e criar recursos importantes de indústrias básicas do país. A esses dois setores de investimento se poderiam acrescentar, ainda, partindo de uma política econômica nacional tendente a melhor utilização dos recursos humanos e ao atendimento de mínimos vitais e sociais às populações, dois outros setores: a) o das atividades que aproveitem mão-de-obra e recursos naturais, que não apresentam vantagens relativas apreciáveis, mas apresentam condições competitivas, sobretudo mediante alguma ajuda no período de implantação, gerando emprego e substituições nas importações interestaduais da Bahia; b) o das atividades que se poderiam considerar provisórias no processo de desenvolvimento, tendentes a assegurar emprego, até o momento em que a economia regional e a nacional, 280

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em outras partes do país, possam assegurar melhores condições de aproveitamento da força do trabalho. E acrescentava: Importante é, entretanto, acentuar, do ponto de vista nacional e de um ângulo friamente econômico, os dois primeiros setores. Ainda aqui poder-se-ia argumentar que, tendo a Bahia demonstrado capacidade de aumentar consideràvelmente o produto real e as exportações, apesar dos desestímulos evidentes da política econômica nacional sobre sua economia, e da falta desses investimentos básicos, bastaria um sistema de crédito agrícola e de outras ajudas do poder publico diretamente aos setores agrícolas e exportadores, na linha já iniciada pela CEPLAC. Sem duvida, isso teria ainda algum efeito, mas efeito que em breve se esgotaria por falta de economias externas indispensáveis para a redução dos custos gerais e dessa maneira estender as margens de cultivo ou de exploração econômica. [...] As possibilidades de absorção de maiores exportações baianas nos mercados exteriores são suficientes para um programa muito mais amplo e esse programa mais amplo requer um elenco de investimentos básicos. Esses investimentos básicos são também indispensáveis, para tornar possível um programa de exploração mineral e de indústrias derivadas, de grande alcance no processo atual da industrialização do País, pois que a Bahia tem revelado a vocação de um distrito de não-ferrosos, além de possuir também reservas importantes dos ferrosos.150 (BAHIA – CPE, 1960, fl. 18) (grifos nossos).

Assim, afirmava-se no plano: [...] esses investimentos básicos ainda deverão ter o papel de tornar super-marginais muitos dos investimentos do setor 3º, antes referido. Essas inversões em conjunto redundariam na mudança da estrutura da economia regional, principalmente as inver-sões nas facilidades básicas que atendem aos setores 2º e 3º combinados com as inversões diretas no 2º setor.

Nestas condições, o programa de investimentos públicos, semipúblicos ou patrocinados pelo poder público deveria compreender: 1. realização de programas básicos de transporte e comunicações, suprimento de recursos variados de energia, facilidades urbanas fundamentais, principalmente água, localização industrial e habitação, de reserva de água para a agricultura e sua melhor utilização;

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Estava aqui inserida a idéia da especialização da Bahia na produção de intermediários, complementares no processo da industrialização brasileira.

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2. um sistema integrado de organização da economia agrícola e do abastecimento alimentar e de expansão programada dos serviços de pesquisas, demonstração e extensão na agricultura; 3. ampliação da fronteira agrícola, através de colonização das terras úmidas ou de fácil irrigação, mal aproveitadas, propiciando colocação aos excedentes nordestinos, bem como a possibilidade em empreendimentos agrícolas padrão com a localização de colonos estrangeiros; 4. desenvolvimento, pela Petrobras, de um programa de utilização das possibilidades industriais e dos estímulos econômicos resultantes da produção do petróleo; 5. prioridade para a localização de uma usina siderúrgica média na Bahia, dentro do programa siderúrgico nacional, bem como facilidades especiais para a fixação de indústrias metalúrgicas diversas, mecânicas, de materiais de construção, embalagens, etc., indicadas na Bahia pela localização de matérias-primas e outros fatores, e que propiciem a criação de facilidades para outras indústrias; 6. um programa de educação, compreendendo o suprimento das carências na educação de base para a população em idade escolar e conforme imperativo constitucional, e a ampliação das oportunidades de treinamento e aperfeiçoamento nas técnicas reclamadas imediatamente no atual estágio processo de desenvolvimento; 7. um programa de assistência sanitária também ajustado às necessidades presentes do processo de desenvolvimento; 8. um programa de levantamento sistemático de recursos naturais e de pesquisas das possibilidades do seu aproveitamento econômico. (BAHIA – CPE, 1970, fls. 19-20) (grifos são nossos).

3.12.1 Transportes e comunicações no Plandeb O primeiro programa do Plandeb estimava a realização de investimentos da ordem de Cr$ 24.955,4 milhões (a preços de 1959) no período de 1960 a 1963. Em sua introdução é efetuada a seguinte análise do setor: Consideradas, conjuntamente, a área, a topografia e a natureza dos solos, a população e a produção, constatamos ser a Bahia o Estado pior servido do Nordeste, em matéria de transportes e comunicações. (Grifo nosso). Se acrescentarmos os recursos naturais e as possibilidades a curto prazo, mais se acentua tal carência. Não se pode desconhecer que, a partir, da década de 1930, acelerou-se o desenvolvimento das redes de transportes, no Estado e poucas teriam sido as unidades federativas a demonstrarem igual esforço. Entretanto, apesar disso, continuam baixíssimos os números relativos, justificando, assim, a afirmação inicial. Basta lembrar que, para um território de 563.000 km2 e

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA uma população de cerca de 6 milhões de habitantes, dispõe a Bahia apenas de 2.593 km de linhas ferroviárias e 31.600 km de extensão rodoviária, valendo destacar que, destes, mais de 70% se constituem de “estradas-carroçáveis”, sem qualquer espécie de revestimento. Deficiente também tem sido a navegação de cabotagem, sobretudo pela precariedade das instalações portuárias que tornam deficitária, a utilização física dos portos (casos de IIhéus e Caravelas) ou então, quando a permitem, opõem barreiras à sua utilização econômica, pela movimentação lenta e pelas taxas elevadas (caso de Salvador) onde, em consequência desses e, possivelmente, de outros fatores, as próprias companhias federais de navegação evitam frequentemente, escalar. Em relação a pequena cabotagem, teríamos que acrescentar, às razões apontadas, uma outra deficiência, qual seja o precário conhecimento de litoral baiano, que só ultimamente tem sido melhor pesquisado, através da Diretoria de Hidrografia, e Navegação do Ministério da Marinha. Tais deficiências, que se fazem mais acentuadas quando se tem em vista a importância econômica das regiões, onde se fixam os diversos portos (principalmente os de Salvador e Ilhéus), poderão ser melhor verificadas se lembrarmos, por exemplo, que para uma extensão de costa de 932 km. dispõe o Estado de menos de 2 km, de cais acostável em portos ditos “organizados”. É bem verdade que não tem faltado o esforço do Poder Público Estadual — numa região, como a nossa, em que à iniciativa privada não pode caber a promoção de uma politica desenvolvimentista. Observa-se, entretanto, e infelizmente, que tem havido uma decadente capacidade de investir dessa esfera administrativa que, no passado, pôde canalizar recursos para constituição e exploração de uma Ferrovia e de uma Companhia de Navegação e que, hoje, encontra sérias dificuldades para a própria manutenção de tais empresas. A ação federal, no Estado, não tem sido tampouco, dinâmica, como seria de esperar. Recordamos, por exemplo que, apesar de ser a Bahia, em área territorial, o 6º Estado do Brasil e o 3º no que tange à população, a extensão da rede rodoviária federal, em território baiano, apresenta uma densidade (5,470 km por 1.000 km2) inferior ao de 14 estados — inferior, inclusive, a de 6 estados nordestinos. Ressalta-se, ainda, que, das rodovias construídas pelo Governo Federal, na Bahia, apenas 2%,se encontram pavimentados—percentagem baixíssima se se encarar a importância de tais vias para o próprio Plano Federal de ligação Norte-Sul do país. Apesar dessas considerações, nossa política de transportes terá que eleger, como essencial, a ação do Governo Federal. Esta, entretanto, deverá não somente caracterizar-se por um maior volume de investimentos, mas também, para que não falhe em seus objetivos, integrar-se, com as demais inversões (publicas e privadas) num complexo homogêneo, interrelacionado. Esta interrelação, porém — queremos acentuar — não devera ser meramente administrativa. Tem que ser também de ordem “técnica”, de modo que os vários tipos de vias de transportes se completem, em função do interesse global da economia baiana. É o que persegue o Governo Estadual ao estabelecer critérios para a escolha de trechos ferroviários ou rodoviários que devam ser, prioritariamente, atacados; trabalho iniciado com assistência de diversos órgãos

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técnicos e das Forças Armadas, e que consta do programa de estudos que se integra neste Plano. Um de tais critérios, é o que visa a ampliação das exportações para fora do pais, como acontece no plano de pavimentação das estradas da região Sul da Bahia,ao qual o Governo dá ênfase neste Programa. Com efeito, será difícil, noutra parte do país, lograr-se um investimento em rodovias que a este se equipare, no que tange à sua produtividade social. Os trechos, a serem pavimentados representam as mais importantes vias de escoamento do principal produto agrícola do Estado e o segundo, como fonte de divisas, para o Brasil: o cacau. Estando as referidas vias em perfeita conexão com a BR–5, rodovia federal, incluída no Plano Quinquenal de Obras Públicas para 1956/1960 formam, em conjunto, uma rede de tráfego de inequívoco interesse econômico, em coordenação, com o porto de Ilhéus e o futuro, da baía de Maraú.151 Claro está que não bastam, à economia baiana, os investimentos em transportes simplesmente para ampliar as exportacões. Preciso é que, também, sejam levados em conta o aproveitamento dos recursos minerais básicos, (e a própria implantação, que se pretende, da indústria, siderúrgica, na Bahia, justificaria esse critério de prioridade), além das facilidades, já efetivas, de produção mineral, para a economia de divisas para o país, as “facilidades do abastecimento” dos grandes centros urbanos e, não esquecendo a nossa participação na região Nordeste do país, a “integração do mercado regional” — indispensável para que, marchemos para uma mudança estrutural, com a industrialização nordestina e, assim, com a possibilidade mesma de uma melhor utilização dos recursos estaduais. A promoção, por conseguinte, de um programa conjunto das três esferas administrativas, com a possível ajuda de particulares – obedecendo, sempre na determinação das prioridades, ao critério, global, que abrangeria os demais critérios apontados, da maior produtividade social do capital — será certamente a melhor arma de que se poderá dispor para combater aquêle gargalo da economia baiana.( BAHIA – CPE, 1960, f.1 e 2) (grifos nossos).

O plano nesta área apresentava o seguinte escopo: 1 – TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES 0 – Introdução 1 – Portos 151

O porto de Maraú (grande sonho do então deputado Vasco Neto) – também conhecido como de Campinhos –, na baia de Camamu, na Bahia, teve sua construção iniciada, chegando a ter instalados os dolfins de amarração. Posteriormente, a obra foi paralisada e nunca mais iniciada. Além da perda de consideráveis recursos públicos que ali foram investidos, impediu-se a concretização de um projeto de grande valor estratégico para a Bahia e o Brasil. O porto era imaginado na época como ponto de saída das exportações oriunda do Oeste baiano. Reunia e reúne ainda hoje excelentes condições geográficas e físicas incomensuravelmente superiores às do porto de Ilhéus. Trata-se de um exemplo típico do que nos referimos neste estudo a uma situação de TEGAP = 0 e TAGCOR = 1.

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1.1 - Porto de Salvador 1.2 - Cais de Minérios 1.3 - Porto de São Roque 1.4 - Porto de Ilhéus 1.5 - Porto de Maraú 1.6 - Porto de Coroa Vermelha 1.7 - Porto de Caravelas 2 – Navegação 2.1 - Levantamento hidrográfico da região Sul 2.2 - Companhia de Navegação Bahiana 2.3 - Viação Bahiana de São Francisco 2.4 - Construção naval 3 - Ferrovias 3.1 - Departamento Nacional de Estradas de Ferro Cruz das Almas-Santo Antonio de Jesus Jequié – Ubaitaba Ponte de Juazeiro Feira – Alagoinhas 3.2 – Leste Brasileiro 3.3 – Estrada de Ferro de Nazaré 3.4 – Estrada de Ferro de Ilhéus 3.5 – Estrada de Ferro Bahia – Minas 4 – Rodovias 4.1 – Plano Rodoviário Estadual 4.1.1 - Zona do Recôncavo 4.1.2 - Zona Cacaueira 4.1.3 - Outras Ligações 4.1.4 – BR – 28 4.2 – Plano Rodoviário Federal 4.2.1 – BR 5 4.2.2 – Rede prioritária do Nordeste 4.2.3 – BR 4 4.2.4 – Sistema complementar de transporte 4.2.5 – Outras rodovias para integração do sistema 4.2.6 – Ligações com Brasília 4.2.7 – Ligações secundárias 4.2.8 – BR-28- Pilar – Retiro 4.2.9 – Custo geral do programa federal 285

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4.3 – Viação Sul Bahiano S/A 5 – Transportes Aéreos 6 – Telefone 6.1 – TEBASA 6.2 – Cia. Telefônica Sul-baíano 6.3 – Outras telefônicas Tabela 28 - Plandeb: investimentos no setor de transportes e comunicações do Estado da Bahia (1960-1963)(1)

Fonte: BAHIA – CPE, 1960. Dados consolidados pelo autor. Nota: Valores em milhões de Cr$ de 1959.

Como se vê a partir dos dados da tabela, o sistema rodoviário passa a ser a prioridade estadual com 61,52% dos investimentos programados. No entanto, somente na década de 1970 foi que se consolidou o plano rodoviário federal para o Nordeste, com a pavimentação da BR-116 (Rio – Bahia) e BR-101 (Litorânea). Estas rodovias viabilizaram o modelo econômico regional em construção, assegurando as condições para o escoamento dos produtos intermediários fabricados na Bahia, em direção ao Sudeste, e o abastecimento, por este, do Nordeste, com os produtos de consumo final, oriundos do seu moderno parque de indústrias. Neste contexto, a construção do complexo rodoviário estadual, que possibilitaria a articulação das diversas regiões baianas, produzindo um impacto positivo na integração e expansão do mercado regional, apesar de planejado em 1959, não foi executado. A opção rodoviária adotada coincidiu com o desmonte do sistema ferroviário estadual. A desativação da Estrada de Ferro de 286

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Nazaré e do Porto de São Roque do Paraguaçu, na baía de Todos os Santos, implicou na desarticulação do sistema de transportes que sustentara a produção têxtil e fumageira. Com isso, ficaram isoladas as bacias do Jaguaribe e do Jiquiriçá, indiretamente desestimulando o crescimento da região Sudoeste do Estado, cortando-se a relação interna entre a indústria têxtil e sua região supridora de matérias-primas152. 3.12.2 Energia elétrica Para o programa de energia elétrica da Bahia, previa o Plandeb a destinação de recursos no montante de Cr$ 6.053 milhões, sendo Cr$ 5.362 milhões em moeda nacional e US$ 6.905 mil em moeda estrangeira, convertida esta à taxa de US$ 1,00 = Cr$ 100,00. Tudo a preços de 1959. Do montante em moeda nacional, 93% seriam destinados a obras e instalações elétricas e o restante a estudos e projetos.O esquema de financiamento previa os seguintes percentuais de participação: Tabela 29 - Financiamento do programa de energia (1960/1963)

Fonte: BAHIA – CPE, 1960. Plandeb , Energia, fl. 9. Nota: (*) 90% estrangeiros.

O Plandeb programava projetos para nove sistemas no Estado. Os sistemas definidos estão definidos no Quadro 5 adiante. 152

Posteriormente em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7º Região, que atendia ao Estado da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 Km de linhas foi privatizada. Atualmente o sistema está inoperante e completamente sucateado.

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Quadro 5 - Energia elétrica: sistemas contemplados na Bahia

Fonte: BAHIA – CPE, 1960

Para isso, definia em seu texto básico que [...] o programa de eletricidade pretendia reunir os e esforços da União e do Estado para a sua consecução, devendo ser integrado no Plano de Eletrificação do Nordeste (Plene), sob o patrocínio da Sudene e da Chesf a fase inicial foi estudada e elaborada pelo Codeno/Chesf.

Salientava que aquele programa quadrienal constituía ainda um esboço do Plano de eletrificação do Estado, que deveria ser: [...] minucioso, circunstânciado e de período mais amplo, a depender de melhor estudo das fontes e das demandas de energia, tendo em vista as características econômicas e sociais e os novos empreendimentos econômicos, em projeto ou tendência de localização nas várias regiões e localidades.

Mesmo considerando que, pelo seu porte e natureza, o programa só pudesse “ser financiado substancialmente pela União e pelo Estado”, considerava a necessidade da participação dos municípios e da iniciativa privada, “interessados diretos e imediatos na sua execução”. Previa financiamentos do BNDE e da Caixa Econômica Federal da Bahia, bancos internacionais e fornecedores de equipamentos e materiais. Os financiamentos do BNDE às empresas deveriam ser contratados com a corresponsabilidade do Estado. A Caixa Econômica Federal da Bahia (CEFB) financiaria as prefeituras municipais, que deveriam também participar com alguns recursos de seus orçamentos na formação de crescente capital social das empresas. 288

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Segundo o Plandeb: “um dos objetivos deste programa, é conseguir a ampliação da demanda de energia elétrica proveniente de Paulo Afonso” (grifo nosso), argumentando que [...] as deficiências de transmissão e distribuição têm restringido o aumento de demanda da linha sul da Chesf, (justamente a que atenderia à Bahia) fazendo-a menor que a da linha norte. Segundo o relatório dessa empresa, enquanto a demanda da linha norte cresceu de cerca de 15 MW em janeiro de 1955 para116 MW em dezembro de 1959 a linha sul passou, de 27 MW para somente, 54 MW, no mesmo período.

No texto, justifica-se a inapetência e a incompetência baiana para a absorção da oferta de energia com o argumento de que “a dispersão entre esforços estaduais e os federais e municipais nos empreendimentos elétricos, ao lado do grande retardamento da Coelba foram as causas principais deste baixo crescimento relativo. Conclui-se a parte introdutória do documento com um apelo pela urgência de se “promover a coordenação dos esforços governamentais e dar à Coelba meios que lhe permitam ampliar os seus atuais sistemas e consequentemente as demandas de energia de PauIo Afonso, possibilitando, melhor aproveitamento ao investimento na grande central e linha de transmissão”. O Plandeb traça a política de eletrificação do Estado nos seguintes termos: Na realização do programa de energia elétrica, deverá ser adotada a política sugerida para o Plano de Eletrificação do Nordeste (PLENE). Esta política se resume em: a) uniformidade de orientação técnica e administrativa, com aprovação da Sudene e sob o comando de uma holding do NE; b) comando, pelo Estado, do seu programa, com o atendimento das exigências técnicas e administrativas referidas, na alínea, anterior; este comando se processara através de seu órgão próprio (Departamento de Energia), e sua execução e posterior operação dos diversos sistemas serão feitos pela Companhia de Eletricidade da Bahia (COELBA) e suas subsidiárias ou associadas; c) investimentos previstos no programa através da ampliação do capital social da Coelba, que executaria as obras e instalações diretamente ou por intermédio das suas subsidiárias ou associadas; d) responsabilidade simultânea dos poderes municipais com os governos federal e estadual, nos empreendimentos elétricos de natureza local; e) estabelecimento de subsídios, diretos ou indiretos, às empresas, a fim de permitir a aplicação de tarifas favoráveis ao desenvolvimento de áreas de baixos consumo e fator de carga; a uniformidade de tarifas em todo o Estado, a discriminação dos investi-

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mentos em remuneráveis e não remuneráveis, poderão ser providências a adotar para atingir tal objetivo.

De acordo com os princípios da política a ser adotada, o programa previa a aplicação de recursos dentro do critério de empreendimento industrial. O conjunto dos investimentos foi considerado de maneira global, tendo em vista unicamente a soma dos recursos necessários, cujo montante de cada uma das origens foi estabelecido por estimativa, levando-se em consideração, em parte, as possíveis fontes de receitas que deveriam ser aplicadas especificamente. Como tal, não foram discriminadas as obras sob a responsabi lidade desta ou daquela esfera governamental ou empresa. O programa compreendia aplicações em: a) estudos e projetos; b) obras e instalações elétricas; c) equipamentos de construção, instalações gerais e de comunicações; d) encargos financeiros oriundos de financiamentos; e) constituição do “capital de movimento” das empresas. Segundo se previa no plano, a geração dos diversos sistemas se apresentaria, ao fim do período (1963), com uma capacidade total de 224.400 kW. Nos “sistemas isolados”, previu-se um reforço de geração de 10.000 kW, mediante a instalação de cerca de 50 novas usinas térmicas de 100 kW em media. Este total de geração deverá ser provavelmente aumentado, pois, em muitos casos, haverá apenas aquisição e montagem de equipamentos de geração para reforço ou reforma de usinas já existentes, redundando em menor inversão por kW e permitindo, com os recursos previstos, adquirir maior numero de unidades geradoras (p.5).

O Plandeb estimava que 162 localidades deveriam estar supridas, em 1963, pelos diversos sistemas. Neste numero estão compreendidas cidades e algumas vilas que já são hoje servidas pelos sistemas da Coelba e da CEEB, e de particulares, com suprimento satisfatorio de energia. De referência às usinas térmicas isoladas, já existentes, estas não foram consideradas no total acima, pois sua situação tem sido oscilante, com acentuada precariedade, e não há dados recentes. Pode-se, porém, estimar que o cumprimento dêste programa permitirá suprir de modo eficiente a mais de 120 das nossas principais concentrações urbanas;, com uma melhoria geral nas demais cidades e vilas mais importantes.

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A Tabela 30 a seguir apresenta a programação da distribuição, por sistema, das potências instaladas e das localidades que estarão servidas com a execução do programa. 3.12.3 Agricultura e abastecimento Um dos mais importantes capítulos do Plandeb, logo na introdução ao programa, afirma que o desenvolvimento da agricultura na Bahia constitui imperativo para propiciar uma renda mais elevada e emprego efetivo ao atual excesso de população, bem como para assegurar o suprimento de produtos agrícolas que melhorem o abastecimento nas grandes cidades, favorecendo a industrialização. Nesse sentido o Plandeb define dois objetivos para o programa agrícola, a saber: aumentar a produtividade e ampliar a área ocupada, ou seja, a fronteira agrícola no Estado.

Tabela 30 - Programa de energia do Plandeb para o Estado da Bahia (1960/1963)

Fonte: BAHIA – CPE, 1960 (Plandeb – Energia fl..6) Notas: HE = Hidroelétrica – TE = Termoelétrica (*) No sistema São Francisco está colocada a central de Paulo Afonso (Usinas I e II), considerando-se desta para a Bahia apenas o limite de capacidade da linha de transmissão que serve. Salvador. (**) No Formoso-Corrente os dados estão sujeitos a alterações. (***) Os números referentes aos sistemas isolados estão sujeitos a variações. Os recursos permitirão instalar cerca de 50 usinas de 100 kW cada, em média.

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Apresenta as seguintes razões para esta prioridade: a) urgência na solução dos problemas regionais de abastecimento e na contribuição para solucionar a crise nacional principalmente na região Nordeste. Além da expansão das populações urbanas e da necessidade de bem supri-las, a fim de facilitar o processo de industrialização, é preciso substituir as bases suburbanas tradicionais de abastecimento; b) exportações para o :exterior que ainda encontram largas possibilidades; c) geração de emprego e renda; d) existência de recursos de solo e água, que propiciam um desenvolvimento agrícola, notadamente no setor animal, desde que haja facilidades básicas; e) necessidade de uma organização econômica contra as secas ou seus efeitos. Para justificar a eleição das prioridades, afirmam os redatores do plano ser certo que, em termos relativos, a população agrícola a longo prazo tende a decrescer com o aumento da produtividade e o crescimento industrial. Porém, em termos absolutos, e mesmo em termos relativos, é muito provável que ainda haja larga possibilidade de empregos em atividades rurais, desde que os processos agrícolas sejam mais produtivos e propiciem maior produção, tanto para abastecer os mercados internos quanto para exportar aos mercados exteriores, criando, assim, maior capacidade, de pagar salários compensadores da elevação dos custos da vida. Em outras palavras: [...] acreditamos que num primeiro período a elevação na produtividade agrícola na área baiana terá o efeito líquido de ampliarmos empregos na agricultura só num segundo período prevalescerá a tendência de liberar mão-de-obra para atividades secundárias e terciárias.

Entretanto, ponderam que [...] o simples desenvolvimento da agricultura não resolve, nela própria, o problema de ocupação; mas, durante o périodo em que teremos que continuar enfrentando a carência de capitais para industrialização, a agricultura representa o campo de atividade em que mais empregos é possível assegurar, com menor coeficiente de capital “per capita”. A despeito dos elevados custos das mercadorias de produção nacional – de que dependem os produtores – custos afetados continuamente pela inflação, é de ressaltar a importante contribuição que a Bahia conseguiu dar ao balanço comercial do Brasil com suas exportações. Nas condições presentes os fatos limitantes da expansão dessas exportações são, alem dos altos custos e a crescente falta dos suprimentos necessários a produção (além

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA dos suprimentos de boca e dos artigos essenciais de consumo, importados do Sul), o reduzido coeficiente de capital aplicado em transportes e facilidades básicas, bem como nas proprias explorações agrícolas, e ainda, naturalmente, as limitações da demanda nos mercados exteriores. Este último fator não chega ainda a ser uma drástica limitação no caso de exportações muito variadas e em quan-tidades ainda pequenas. Nestas circunstâncias, a elasticidade de substituição ainda é, geralmente, muito alta.

Assim, a redução de custos e a melhoria da qualidade - em síntese, melhoria da produtividade – poderia permitir ampliação das exportações. No que se refere ao cacau – o principal produto da pauta de exportações baianas à época – assinala-se no Plandeb que as perspectivas do mercado internacional são favoráveis para uma expansão apreciável da oferta, desde que não seja abrupta. Permitem, portanto, um programa de melhoria da produtividade e ampliação moderada da área cultivada (conforme, aliás, a limitação dos solos convenientes), de sorte a alcançar um aumento da produção de cerca de 30%, num período aproximado de cinco anos. O plano registra, fazendo um balanço dos recursos naturais disponíveis na Bahia à época (1958), que, com uma superfície territorial de 562.000 km², dispõe a Bahia de 82.000 km² de florestas tropicais (já em parte derrubadas) e 25.000 km² de vegetação litorânea e palmeirais, ao lado de 366.000 km² de caatingas e 89.000 km² de cerrados. Nessas condições, a percentagem de área úmida, de cerca de 20%, importa numa extensão bastante ampla, de cerca de 10.700.000 ha. Acresce que os cerrados são, em parte, recuperáveis e, embora se verifique na Bahia algumas das áreas mais secas de todo o país, certa extensão das caatingas se desenvolve em altitudes mais elevadas, propiciando condições melhores de umidade, a despeito da baixa precipitação. As terras secas são cortadas por quatro rios permanentes: o São Francisco, o Paraguaçu, o Itapicuru e o rio das Contas, os dois últimos “cortando” em ocasiões excepcionais, por não contarem com nenhuma obra de represamento. As terras reputadas as mais ricas – segundo a tradição – não são muito extensas: o massapé, os canaviais, o monzoníte do cacau; mas certas áreas bem situadas, que eram reputadas de solos pobres – como os chamados tabuleiros (o “tabuleiro da miséria”, como o chamava o povo), que se estendem, sobretudo, em torno do Recôncavo, entre o litoral e as caatingas, têm revelado condições muito propícias para a agricultura intensiva, graças à mecanização e a adubação. Pouco se sabe, entretanto, sobre os recursos de solo e

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água e suas possibilidades de aproveitamento na Bahia o que impõe programa considerável de pesquisas integrante dêste Plano. A posição da Bahia no Nordeste (na direção das maiores migrações para o Sul) indica interesse econômico maior no aproveitamento de seus recursos naturais. Assim, suas áreas úmidas se situam mais perto dos mercados regionais e dos do Sul e Centro do País que outras áreas periféricas onde se desenvolvem programas oficiais de povoamento subsidiado.

Após este balanço, passa-se a uma análise da evolução da agricultura no Estado, no período compreendido entre 1945 e 1957, e das condições que pautaram este processo. Assim é observado que, a partir de 1945, para um crescimento de 29% da população, a agricultura expandiu em 40% o seu produto, sendo que, dentro dela, as lavouras 35% e a produção animal 63%. O aumento da área cultivada foi de cerca de 50%. Os autores ressalvam as conhecidas limitações da nossa estatística agrícola, que, entretanto, é válida para indicar tendências. Ainda assim, na época, a área ocupada pela lavoura e pela pecuária correspondia, apenas, a 11% da área disponível do Estado. Considerando que essa ocupação, em grande parte, era de terras sujeitas a secas, a percentagem de áreas úmidas a ocupar efetivamente ainda era muito alta. Isso era resultado do fato de que as matas, e outras áreas do litoral eram, tempos, atras, economicamente desinteressantes, inclusive sujeitas a malaria hoje praticamente extinta. A visão global, oferecida pela gráfico da Figura 14 demonstra que, no conjunto da lavoura baiana, as principais características dos rendimentos físicos são uma flutuação constante que se observa ao longo do período estudado é uma nítida tendência ao decréscimo. Para os autores do plano, como já foi dito e o gráfico deixou claro, todas as flutuações ocorridas nos rendimentos são reflexos de situações mais ou menos semelhantes ocorridas nas áreas cultivadas ou na produção obtida. Estas, por sua vez, sofrem as influências, de outros fatores e transmitem a sua incidência aos rendimentos. Na Bahia, o fator que detém a maior parcela de responsabilidade na instabilidade agrícola é o fenômeno das secas. Assim, as quedas ocorridas nos rendimentos correspondem aos períodos nos quais as secas se manifestaram com mais intensidade ou são devidas ainda ao prolongamento dos seus efeitos. A periodicidade das secas resulta numa queda tambem periódica nos rendimentos físicos da terra. Entretanto, como nos intervalos entre as secas os rendimentos têm experimentado acentuadas recuperações, a consequência tem 294

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Figura 14 - Fac-símile de gráfico original do Plandeb. Fonte: BAHIA – CPE, 1960.

sido uma flutuação mais ou menos constante ao longo do período estudado.153 Além das flutuações mencionadas, os rendimentos físicos da lavoura baiana apresentaram-se com uma evidente tendência decrescente. Esse fenômeno, segundo interpretação do Plandeb, teria a sua origem nas seguintes “causas básicas, que poderiam ter agido tanto em conjunto, como isoladamente: a) exaustão, nas áreas que já vinham sendo utilizadas com culturas mais antigas e ausência de métodos eficientes de recuperação; b) produtividade física mais baixa nas áreas de utilização recente; c) má utilização da terra por parte dos produtores.

Continuando a análise, diz-se no Plandeb que [...] em termos percentuais, o conjunto dos rendimentos de 24 culturas mais importantes apresenta um decréscimo em 1957 de 10% sobre os níveis, de 1945. Contudo, esta não é a maior queda observada no período: durante, os 3 primeiros anos da década de 1950, período que corresponde a uma seca intensa, registrou-se um decréscimo nos rendimëntos que chegou a atingir ao duplo da queda

153

No original do Plandeb é concedido crédito ao gráfico da Figura 14 e a alguns parágrafos do capítulo ao estudo do Dr. Hélio Sento Sé realizado no IEFB e publicado em 1957, com o título Estrutura e desenvolvimento da lavoura na Bahia.

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de 1957. O fenômeno da queda dos rendimentos não é comum a todas as culturas. Entretanto, as que apresentam taxas elevadas no incremento da produtividade são, justamente, as que ocupam posições secundárias na formação da renda do subsetor, tal como é o caso do coco da Bahia, da cebola, do feijão e da mamona. Por outro lado, culturas como a do cacau, da mandioca, do café, do fumo e da cana de açúcar, que constituem os esteios da lavoura baiana, apresentam sensíveis reduções na produtividade das áreas por elas ocupadas. Dentre essas culturas cabe ao cacau a maior responsabilidade pela situação apontada. Ocupando 30% da área total da lavoura do Estado, o que lhe confere o primeiro lugar também em termos de área ocupada, e sofrendo grandes reduções, no seus rendimentos físicos, a cultura do cacau faz com que, numa tentativa de análise como esta, os dados globais sejam grandemente influenciados. Verificou-se, entretanto, uma recuperação da produtividade do cacau nas safras 1957/58,e 1958/59.

Segundo se afirma no Plandeb, a agricultura representou, na renda interna da Bahia, a partir de 1947, entre 36,7% no ano de extrema seca e de retração do mercado exterior (1952) e 47,6% no ano de condições opostas (1954), ficando a modal, no período até 1957, em torno de 39%. Não obstante, assinala-se no plano que o “aumento da área cultivada não propiciou empregos para todos”. Mesmo informando não dispor de suficientes dados demográficos na época, assinala-se no plano que “entre 1940/1950, para um crescimento de 20% na população rural, o crescimento do número de empregos foi de 11%, apesar da emigração, sobretudo do pessoal em idade de trabalhar. Também no mesmo período a população urbana, na Bahia, cresceu de 46% e os empregos de 37%”. Conclui-se assim, que “a ampliação da área cultivada foi, em grande parte, um recurso de sobrevivência para uma vida submarginal”, embora às custas, frequentemente, de maior devastação de recursos naturais. Partindo desta constatação imagina-se no plano que “a expansão ordenada da fronteira agrícola, a ampliação do capital à disposição dos empresários para que possam dar mais emprego” e todo um conjunto da medidas tendentes à promoção de maior produtividade permitiriam “o pagamento de melhores salários para fazer face a alta do custo de vida representariam medidas imperativas no sentido: de possibilitar um mais amplo emprego agrícola”. Didaticamente, exemplifica-se o plano com o caso da pecuária que, nas condiçoes tradicionais, emprega apenas 4% do pessoal para uma ocupação de cerca de 45% da área dos estabelecimentos agrícolas. No entanto, ao adotar métodos de melhoria das pastagens e 296

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reservas de forragens, em associação com lavouras, poderá absorver uma grande massa de emprego. Registra-se no plano que, a partir de 1945, a produção agrícola global cresceu de 37%, a de exportação 23%, a de produtos agrícolas para abastecimento 32% e a pecuária 76%. O acentuado crescimento urbano (46%), a redução relativa da economia de autoconsumo e padrões alimentares ainda muito baixos, “evidenciam a insuficiência do incremento das culturas de abastecimento, em face ao crescimento de 29% na população estadual.” Continuando em sua análise, informa o Plandeb que: [...] o crescimento mais auspicioso foi o da produção animal. Partindo da base 100, em 1947, a produção animal, na Bahia, teria atingido 787, em 1957. Esse crescimento, no Nordeste, só foi maior no Piauí (854) e em Alagoas (795), partindo os dois estados, porém, de volume de produção muito mais baixo. Fora do Nordeste, o Espírito Santo registrou 807, Goiás 914, Mato Grosso 1.184 e Paraná 1.391. A percentagem da Bahia, no conjunto nacional, que fora no ano base de 4,9, subiu para 5,3 sendo esse um dos únicos, casos em que a Bahia cresceu no conjunto nacional, revelando ao lado de outros elementos a grande potencialidade baiana para a produção animal. No período considerado, tomando ainda os anos mais recentes até o momento, apesar da instabilidade freqüente, a produtividade da mão-de-obra deve ter crescido em face de melhoria dos termos de intercâmbio dos produtos de exportação a partir da guerra (embora não em termos reais,a partir de 1950). Entretanto, se retirarmos o setor de exportação e a pecuária (ultimamente perturbada por insensatas intervenções) o conjunto da agricultura se revela crítico (grifo nosso).

Atribui-se aos seguintes fatores a razão desta insuficiência: a) a disponibilidade de facilidades básicas de transporte, energia e água não tem crescido na mesma proporção que em outras áreas agrícolas do país, reduzindo-se portanto em relação a agricultura baiana a capacidade competitiva. b) os custos relativos dos fatores têm crescido mais na Bahia do que nas regiões agrícolas em torno dos centros industriais. Os fatores industriais da produção agrícola (ferramentas, adubos, inseticidas, máquinas diversas, tratores, chapas de aço, etc,) a medida que são produzidos no País segundo uma política conveniente e necessária do ponto de vista nacional – se apresentam cada vez com preços mais altos para as regiões agrícolas distantes, sobretudo as que se favoreciam de importações diretas (e até de centros de exportação mais próximos como é o caso do Nordeste e Norte). Além de afetarem os termos de intercâmbio da agricultura em todo o País, prejudicam particularmente a agricultura situada mais distante dos centros de produção industrial, pois que esta tem que pagar o sobrecusto dos transportes internos ineficientes e da escassez maior na pro-

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porção da distância dos centros de suprimento. Quanto aos produtos industriais que vão afetando crescentemente o custo de vida (mesmo aos padrões mínimos rurais, mas afetados inevitavelmente pelo efeito de demonstração ou de imitação) e assim determinando o salário mínimo, o mesmo raciocínio se aplica. Os próprios suprimentos de boca, não produzidos nas fazendas, e assim vindos de outras partes, se tornam relativamente mais caros que nas áreas agrícolas em torno dos centros industriais, pois que estas se beneficiam da melhoria da produtividade na produção agrícola e nos transportes. Dai resulta que, a despeito de salários nominais mais baixos, os custos relativos da produção agrícola tendem a ser, forçosamente, mais altos na Bahia que nos Estados industriais (grifo nosso) se não houver uma política corretiva; c) comercialização deficiente e espoliativa, em conseqüência primeiro da falta de transportes e, segundo de uma situação oligopsônica no comércio dos produtos agrícolas e abastecimentos alimentares (grifo nosso). Em conseqüência, apesar de custos relativos crescentes, os preços para os produtores, tendem a ser mais baixos que em outras áreas agrícolas do país. Com dados de 1950 e algumas observações outras , verificou-se que o preço médio obtido pelo produtor agrícola baiano teria sido menor 7% (1950) que o do produtor agrícola brasileiro para os mesmos produtos, embora os preços nos grandes mercados consumidores baianos fossem ligeiramente maiores que nos do Sul do país; d) deficiência nos programas de pesquisas e assistência técnica (demonstração, fomento, extensão) como conseqüência, principalmente, da falta de uma organização econômica, para a agricultura e, a curto prazo, das condições político-administrativas que determinam uma insanável desordem e ineficiência na maior parte dos serviços públicos respectivos, além da limitação de recursos do Estado; a limitação do capital de aplicação direta nas explorações agrícolas: a rigor, somente o cacau, o gado e alguns outros produtos têm permitido a formação de capital próprio (grifo nosso). Geralmente, o capital formado na agricultura não chega para atender aos custos de reprodução ou substituição dos suprimentos necessários para o andamento das fazendas. A expansão desse capital deverá resultar de uma maior taxa de poupança, proveniente do conjunto de medidas tendentes ao aumento da produtividade, as quais também terão como conseqüência atrair e fixar capitais gerados em outros setores e, até fora do Estado bem como da expansão dos recursos do crédito a serviço da agricultura baiana. Mesmo nas atuais condições, aqui descritas, em grande número de casos o crédito já pode propiciar aumento de produção, da produtividade, dos empregos e dos salários agrícolas. O baixo coeficiente do capital por área ou por trabalhador, é acompanhado, naturalmente, por métodos rotineiros, incompatíveis com a necessidade de competir com a agricultura mais moderna, mesmo em termos nacionais. O suprimento das deficiências e capital direto do empresário agrícola muito poderá fazer para a utilização de técnicas já de sua aceitação e conhecimento. É preciso, entretanto, advertir contra o perigo de

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA um hiper-investimento em máquinas que não possam ser mantidas e amortizadas com o produto da exploração agrícola, ou em técnicas que são caras em comparação com práticas ainda extensivas e baseadas nos baixos salários. Assim, o suprimento de bens e serviços que constituem fatores na produção agrícola deve ser feito mais eficientemente e em condições cooperativas, ou comunitárias, economizando-se o capital total ou, em outras palavras, alcançando-se para o mesmo uma maior produtividade global.

Realizada esta análise das razões de ineficiência da agricultura baiana que, meio século transcorrido, em muitos aspectos ainda continua atual, o Plandeb apresenta suas diretrizes para o Programa agrícola da Bahia. Inicia por afirmar que o fundamental consiste na organização do mercado de fatores e de produtos, ou seja, a própria organização da economia agrícola, pois que sem ela os esforços de extensão (ou “fomento”, como impropriamente se costumou a denominar e inadequadamente a praticar) e de pesquisas, se tornam quando muito heróicos, mas de baixa produtividade. A partir desse ponto fundamental, recomenda a adoção, de forma coordenada de um conjunto de medidas num programa, cujas linhas gerais são resumidas a seguir: a. facilidades básicas de água para agricultura, objeto de um programa de pequena açudagem e pequena irrigação e de um programa mais amplo de irrigação em maior escala, capitulado entre as inversões especiais para a expansão da fronteira agrícola, juntamente com colonização; b. organização do mercado dos fatores e dos produtos - objetivo do sistema, a cargo principalmente do Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial (Fundagro), e de outras organizações relacionadas com o mercado. O mesmo sistema implicaria na organização do abastecimento, tanto dos grandes centros quanto do próprio interior, principalmente nas áreas e nas ocasiões de secas. Esse sistema determinaria a redução de custos para o produtor agrícola e mais fácil, suprimento de recursos técnicos. c. sistema de pesquisas e assistência técnica. Não há coordenação entre as várias iniciativas e agências, nem mesmo continuidade, salvo em casos excepcionais.154 Esta descoordenação tem esgotado os esforços dos poderes públicos respondendo por uma produtividade flagrantemente baixa. 154

Este problema continua existindo nos dias atuais.

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Não tem havido programa comum, ligado a objetivos econômicos e a um conhecimento do mercado. Inexiste qualquer serviço de economia agrícola na Secretaria da Agricultura e no âmbito federal. No que se refere ao sistema de órgãos de pesquisa e assistência técnica, os estudos, até o momento, sugerem medidas como a associação numa mesma estrutura, do Instituto Agronômico do Leste, da Escola de Agronomia e de um Serviço de Extensão; igual associação, para o Sul, do Estado, entre a Estação Experimental de Uruçuca, a Escola Media (ora de capatazes) e um serviço de extensão; a unidade dos serviços de contato direto com o produtor, isto é, a assistência integral para fomento e defesa sanitária animal e vegetal, através da extensão rural, evitandose a, especialização técnica do atual sistema de alto a baixo (as casas de lavoura em São Paulo, e as experiências recentes da ANCAR e das Missões Rurais, constituem passos nesse sentido); o estabelecimento de um serviço de economia agrícola; a ampliação e aparelhamento dos postos de observações e informações meteorológicas. d. ampliação, do capital direto da agricultura – resultará da elevação geral da produtividade. O Governo já vem, além disso, promovendo a incorporação de empresas agrícolas e encorajando a inversão de capitais na agricultura baiana. e. ampliação da fronteira agrícola, as condições gerais criadas, deverão levar a esse objetivo. Alem disso, porém, três linhas de ação são promovidas pelo Governo nesse sentido: a regularização das posses e melhor ocupação das terras do Estado; a organização para colonização; e a promoção, de empresas para plantações industriais; f. mudança da estrutura agrária (reforma agrária) – esse objetivo deverá ser atacado, em todos os programas agrícolas, sem precipitações, mas sem tibiezas. Na Bahia, o processo deverá realizar-se ora combatendo o latifúndio, ora corrigindo o minifúndio, sempre com a elevação da produtividade na economia agrícola. Essa diretriz deverá, sobretudo, comandar a ampliação da fronteira agrícola, especialmente o aproveitamento das terras do Estado, conquanto se encorajem também fazendas de área maior, desde que justificadas por programas agrícolas adequados. Medidas de ordem fiscal e creditícia, além da organização especial para coloni300

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zação (ampliação da fronteira agrícola) representam os passos efetivos para isso; g. organização contra as secas – a seca deve ser reputada como um problema: essencialmente econômico e agrícola. Na linha dos estudos coordenados pelo CODENO com a colaboração de diversos órgãos federais, o Plano da Bahia prevê uma organização, permanente e outra para as emergências de secas;155 h. conservação dos recursos de solo, água e flora - o processo de ocupação do solo tem sido predatório. Afetadas pela erosão, esgotadas, as terras são abandonadas por outras. Já hoje, com o afastamento geográfico das áreas cultivadas e o peso econômico dos limites do cultivo foi-se tornando uma vantagem e, mesmo, uma necessidade a recuperação das terras desgastadas mais próximas dos mercados. As florestas e a flora das caatingas têm sido destruídas numa escala alarmante. Prosseguindo no atual ritmo esse processo, não será de estranhar que dentro de 10 a 20 anos, não reste quase nada das florestas tropicais da Bahia (isto dito em 1959). Tal devastação geralmente pelo fogo, representa desperdício total de grandes recursos florestais. Destroem-se reservas, de energia e matérias-primas e desnudam-se nascentes e margens dos rios, levando a uma erosão incontrolável. Observadores prevêem, por exemplo, que dentro de um curto espaço de tempo, se destruídas as reservas florestais do alto Paraguaçu esse caudaloso rio, já tão irregular na sua vazão passará a secar durante o estio. Daí o programa contra as secas e todo o programa agrícola deverem ser em boa parte um programa de conservação de recursos naturais e de sua melhor utilização, indicando um programa de produção florestal, tendo em vista aproveitar melhor, os recursos das matas, manter e criar reservas de energia e matérias-primas florestais e defender o solo e as águas; i. reforma administrativa – O atual sistema (ou falta do sistema) de órgãos de pesquisa e assistência técnica carece para funcionar, de melhorias administrativas substanciais, seja no setor estadual, seja no federal, isoladamente. Falta ainda a 155

A propósito ver o capítulo 3.4 – O espectro da seca, onde se detalha a ação prevista no Plandeb.

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coordenação entre as duas esferas administrativas, conquanto alguns convênios isolados já funcionem com desigual eficiência não por culpa do sistema, mas de condições próprias de cada convênio. Além disso, em face das razões de ineficiência apontadas no conjunto da agricultura e das diretrizes de um programa agrícola acima propostas, o problema administrativo não é, apenas o de reforma e maior eficiência dos serviços tradicionais, da Secretaria de Agricultura e do Ministério, para pesquisas e “fomento”, mas, também, o de criar um setor capacitado para agir com maior flexibilidade e dinamismo na redução dos custos dos fatores e dos custos de comercialização. Este novo setor é provido pelo Fundagro e pelo Banfeb (todos os grifos são nossos). Essas propostas do Plandeb são atuais no tempo presente, mas estavam consideravelmente distanciadas da realidade de uma sociedade atrasada como era a baiana dos anos 1950 e seus planejadores tinham consciência da complexidade e do “avanço no tempo” em que implicavam suas propostas quando afirmavam que “os estudos para uma reforma administrativa no setor agrícola tanto no âmbito estadual, quanto no federal, não são considerados maduros e dependem de fatores políticos internos e da possibilidade de uma maior coordenação entre duas esferas administrativas” (BAHIA – CPE, 1960, f.10). Observe-se que são previstas, ou sugeridas, medidas de grande alcance e importância para a economia baiana como: a organização para a comercialização da produção no mercado; a capacitação técnica; a coordenação das ações; o entendimento da seca como um problema econômico; a reforma agrária; a conservação dos recursos do solo, água e flora numa precoce visão ambientalista que correspondeu a uma “crônica de uma morte anunciada”156 tendo em vista a devastação que efetivamente ocorreu e continua ocorrendo de forma implacável. O sistema de pesquisas e “fomento” é completado pela organização do crédito e dos transportes, e pelas várias outras empresas do sistema Fundagro, que propiciariam suprimento (Ecosama, Camab, Labasa) ou assegurariam comercialização, mas favorável para os produtores.

156

Expressão emprestada do título do livro de Marquez (1981).

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O Plandeb previa a criação de centros dinâmicos de desenvolvimento agrícola no Estado, em cidades-chave que polarizariam regiões e funcionariam como centros de organização da economia agrícola (ou de defesa do produtor) e do abastecimento. Esses centros funcionariam a partir da Companhia de Armazéns Gerais e Silos da Bahia (Caseb), empresa pública que contaria com o apoio de um conjunto de outras empresas especializadas, conformando um sistema de organização para a produção agrícola. Objetivavase, com isto, evitar perdas da produção e criar facilidades para transporte, crédito e garantia de preços mínimos. Com a criação da empresa de comercialização, ter-se-ia garantia de compras, estoques de gêneros, estoques de sementes, estoque de forragens O núcleo de mecanização agrícola da Empresa de Conservação do Solo, Água e Mecanização Agrícola (Ecosama) manteria patrulha de tratores, perfuratrizes e oficina de manutenção para os veículos e máquinas da região. A agência da Companhia de Adubos e Materiais Agrícolas da Bahia (Camab) manteria estoques de materiais agrícolas, adubos, inseticidas, rações especiais. A agência do Laboratórios da Bahia (Labasa) asseguraria estoques de vacinas e outros produtos biológicos. Enfim, todo o aparato empresarial público, concebido para oferecer o suporte e dinamismo ao processo de desenvolvimento que inexistia no setor privado do Estado, seria mobilizado para gerar simultaneamente efeitos multiplicadores, aceleradores e de polarização regional num círculo virtuoso de crescimento como descrito na teoria. Segundo o Plano: Unidades de armazenagem a frio assegurarão a defesa dos produtos perecíveis, como frutas, conservas, pescado, etc. Unidades de beneficiamento e industrialização de matérias-primas se irão sucedendo em torno. Melhores instalações de mercados surgirão, tanto para substituir os talhos e mercados antigos para o consumidor local, como para se constituirem em centros de venda de produtos para fora (o armazém geral e o frigorifico, garantido) . Êsse conjunto de empresas significará um vultoso capital em benefício da agricultura e das populações urbanas consumidoras. Estas empresas permitirão ou facilitarão o desenvolvimento das atividades bancarias e das oficiais de pesquisas, extensão e educação e do comércio em geral, cujos serviços, tendem a se localizar nessas cidades. Logo facilidades hoteleiras e outras se vão tornando necessárias. Assim, se a cidade tem condições de energia, água, terrenos apropriados, meios de comunicação, se tornará um centro industrial irradiador de progresso econômico para toda à região: uma capital administrativa, e econômica se cria. A selecão adequada e a instalação de tais centros através de esfôrço coordenado, tem sido considerada, tanto por economistas agricolas quanto pelos demais, indispensá-

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vel para o desenvolvimento agrícola, se partirmos do principio de que o progresso se faz por um processo de irradiação a partir dos centros dinâmicos começando estes pelo maior centro industrial, essas cidades chave do interior são indispensáveis como centros de serviços e como bases de apoio para os núcleos urbanos menores e para a agricultura na sua área de irradiação. Funcionam como subestações que recebem com maior sensibilidade e capacidade de condensação os estímulos ou impulsos vindos dos centros dinâmicos, para retransmiti-los com maior vigor a periferia rural (BAHIA – CPE, 1960 (cap.3, f.11).

Do ponto de vista teórico o Plandeb é um bom trabalho. Só que, na prática, esqueceu-se do fator humano. Este foi o seu erro capital e a razão do seu insucesso. A consciência da absoluta incapacidade de surgir, no Estado, a partir notadamente da iniciativa privada, os mecanismos essenciais à decolagem do seu processo de desenvolvimento econômico, levou o Plandeb à concepção de um conjunto de empresas com o objetivo de “organizar a infraestrutura da economia agrícola e do abastecimento urbano”. Esse conjunto de 19 empresas seriam lideradas pelo Fundagro, que exerceria, como de fato exerceu, o papel de “holding” do Estado, contando com a participação de outros organismos federais entre os quais a Sudene, BNDE e BNB. Os objetivos dominantes destas empresas podem ser agrupados da seguinte forma: a) comercialização (mercado atacadista) e industrialização; b) supridoras de fatores da produção; c) mercado a varejo (abastecimento direto). As empresas projetadas são discriminadas a seguir. Muitas foram efetivamente instaladas e outras não chegaram a sair do papel dada a “solução de continuidade” clássica das administrações públicas brasileiras. As que funcionaram foram posteriormente privatizadas e ou extintas ao longo do tempo. Na área de comercialização e industrialização, foram projetadas: 1.

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Companhia de Armazéns Gerais e Silos da Bahia – Caseb destinada a operar a rede de armazéns e silos do Estado. O Plano programava para o período de 1960/1963 o seu funcionamento com 21 armazéns no interior, com capacidade total de 37.000 t , e um em Salvador com capacidade total de 3.000 t. 5 silos no interior com capacidade total de 3.300 t. e um na capital com a capacidade total de 3.300 t. Os armazéns seriam dotados de câmaras de expurgo e em condições de emitir warrants e conhecimentos de depósito que poderiam ser des-

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contados pelos agricultores nos bancos. O investimento no sistema foi orçado em CR$220 milhões cabendo ao Fundagro uma participação de aproximadamente 10% e o restante a instituições federais como o BNDE, CVSF, DNOCS etc. Companhia de Alimentação e Sementes da Bahia – Casemba destinada a promover a melhoria do rendimento agrícola dos produtores agrícolas e defender os consumidores da excessiva especulação. Funcionaria como uma auxiliar da Caseb. Demandou investimentos da ordem de CR$ 150 milhões dos quais 30% do Fundagro e o restante da Sudene. Matadouros e Frigoríficos da Bahia – Mafrisa destinados a operar dois matadouros, um em Feira de Santana e outro em Ilhéus e destinado a abastecer Salvador e o mercado nordestino. Compreendendo um investimento de Cr$ 187 milhões com uma participação do Fundagro da ordem de 22% e financiamento do BNDE de 66% tinha a participação de capitais privados na ordem 22%. A Mafrisa foi programada para abater 27 mil bois em Feira de Santana e 50 mil em Ilhéus, além de suínos e caprinos. Pesca da Bahia Comércio e Indústria – Pescaba projeto para a realização da pesca com barcos próprios e comprar a produção dos pescadores existentes no litoral baiano aos quais supriria de gelo e orientação técnica. Investimento de Cr$ 170milhões com participação do Fundagro de 25%, financiamento do BNB de 30% e participação de particulares, inclusive estrangeiros, de 45%. Frigorífico da Bahia S/A – Friba operadora de frigorífico em Salvador, capacidade de 1.200 toneladas. Investimento de Cr$ 120 milhões com participação do Fundagro em 8% e do BNDE em 50% , cabendo a particulares 48%. Armazéns Gerais da Bahia S/A entrosado ao sistema Fundagro com capacidade para armazenar 300 000 sacos de cacau e frigorífico com capacidade para 1.000 toneladas. Localizado no porto do Malhado em Ilhéus. Além disso, mais 4 armazéns com capacidade de 30 mil sacas de cacau cada um espalhados ao longo da antiga BR-5. Investimento programado de Cr$ 150 milhões sendo 20% do Fundagro e 60% da Ceplac e cabendo o restante à iniciativa privada. Produtos Alimentares da Bahia S/A destinada a produção e distribuição de leite beneficiado, pasteurizado, em Salvador. Investimento de Cr$ 70 milhões dos quais 14% do Fundagro e 36% do Banco do Nordeste. A iniciativa privada participava do restante sendo 21% de capital externo. Esta empresa constitui atualmente a ALIMBA. Sacos de Sisal da Bahia S/A – SASIBASA empresa complementar ao plano de aproveitamento do sisal e do programa de indústrias de embalagens. Compreendia um investimento de Cr$ 93 milhões com uma participação do Fundagro de 5% e do BNB 30% (sendo 5% de subscrição). Sócios italianos participavam com 43% e particulares brasileiros com 22%.

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9.

Máquinas Agrícolas S/A empresa para fabricação de desfibradeiras automáticas itinerantes para sisal. A empresa pretendia ainda fabricar outros implementos agrícolas simples inclusive equipamento têxtil. Representava um investimento de Cr$ 130 milhões com participação do Fundagro (11%) e BNB (4%) além de financiamento do BNB de 39%. Sócios italianos participariam com 23%.

10. Indústria de Cacau S/A industrialização de produtos e subprodutos de cacau para o mercado interno e externo. Investimento de Cr$ 70 milhões sendo 14% do Fundagro e 43% respectivamente do BNDE e de particulares. 11. Torrefação de Cacau S/A projeto de grande empresa com capitais nacionais e estrangeiros destinada em grande escala à produção de pó de cacau para o mercado americano. Orçado em CR$ 100 milhões receberia do Fundagro 20% de recursos e 20% de sócios nacionais. O capital estrangeiro participaria com 60%. Na área de suprimento de fatores: 12. Companhia de Adubos e Materiais Agrícolas da Bahia – Camab produzindo adubos e inseticidas para diversas culturas baianas, tinha o Fundagro como seu principal acionista . Esta empresa foi extinta em 1983 sendo suas atribuições assumidas pelos órgãos da estrutura da então Secretaria da Agricultura. 13. Empresa de Conservação do Solo, Água e Mecanização Agrícola - Ecosama , também do sistema Fundagro foi criada para da suporte de engenharia agronômica aos pequenos e médios produtores baiano , construção de poços e açudes etc. Funciona até hoje com nova nomenclatura sob comando do governo Estadual. Representou um investimento de Cr$ 459 milhões cabendo ao Fundagro uma participação da ordem de 35% e 27% à Sudene. Esta empresa foi extinta em 1971 sendo suas atribuições assumidas pelos órgãos da estrutura da então Secretaria do Saneamento e Recursos Hídricos. 14. Laboratórios da Bahia S/A – Labasa destinado à produção de vacinas. Inseticidas e fungicidas. Investimento de Cr$45 milhões com participação do Fundagro da ordem de 44%. 15. Companhia Bahiana de Colonização – CBC supridora de terras e de capital suas funções estavam voltadas para a expansão da fronteira agrícola do Estado e a mudança da estrutura agrária. Previam-se inversões de Cr$ 800 milhões sendo o aporte do Fundagro da ordem de 13% e de outros organismos federais (Sudene, Banco do Brasil e INIC) 68%. 16. Companhia de Eletricidade da Bahia – Coelba. O Fundagro representava o Estado na composição do capital da empresa baiana de eletricidade.

As demais partes do capítulo dedicado à agricultura no Plandeb tratam da organização dos serviços técnicos e de pesquisa como suporte fundamental para o desenvolvimento do setor, da realiza306

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ção de programas específicos para 13 culturas importantes do Estado, a começar pela do cacau, da ampliação da fronteira agrícola e propondo, mesmo que timidamente, a realização de uma reforma agrária. Conclui-se o documento com propostas relacionadas com o combate à seca, já discutidas neste livro. O plano previu a realização de investimentos da ordem de Cr$ 9.484 milhões (a preços de 1959). Deste montante, a participação dos recursos estaduais correspondia a 26%. 3.12.4 A estratégia industrial do Plandeb Carro-chefe do planejamento, a estratégia industrial apresenta, em seus principais aspectos, o seguinte escopo: 1. POLÍTICA Criação de Condições e Facilidades para a Industrialização Ação Promocional do Estado - Prioridades Empreendimentos e Serviços de Interesse Prioritário 2. METAS Novos Empregos Industriais Renda Adicional 3. PROJETOS ESPECÍFICOS EM ELABORAÇÃO OU EXECUÇÃO Novas Industrias Reequipamento e Ampliação de Indústrias.Existentes Recuperação da Indústria Fumageira Recuperação da Indústria Têxtil FUNDAGRO Artesanato 4. PROGRAMA DE IMPLANTAÇÃO DE INDÚSTRIAS Novos Empregos e Aumento de Renda Oportunidades Industriais Indústrias Químicas Aproveitamento de Recursos Minerais Manufaturas de Aço . Manufaturas de Metais não Ferrosos Industrias Baseadas na Agricultura Industrias Promotoras de Industrialização INDÚSTRIA PETROQUÍMICA Esquema para Implantação da Patroquimica 307

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SIDERURGIA Mercado. Capacidade, Produtos, Processos e Equipamentos da Usina Localização Ante-Projeto Técnico ANEXO: PLANO GERAL DE INDUSTRIALIZAÇÃO Segundo registra o Plandeb, em 1957, era extrema a deficiência do parque industrial baiano. Sua produção participava com 13,3% da renda global do Estado e, em relação ao setor industrial brasileiro, com apenas 2,5%. Em sua composição, preponderavam os setores alimentar e têxtil, registrando-se a ausência de indústrias de base (exceção feita às de extração do petróleo, de cimento e de chumbo) e, em escala adequada, as de embalagem, materiais de construção, montagens e construção de máquinas, gráfica, etc. No Plandeb, o denominado Programa geral de industrialização (PGI) desejava alterar a estrutura básica da economia estadual através de uma industrialização intensiva. Esperava-se, com a criação de um parque industrial na Bahia, contribuir para reduzir o desemprego, absorvendo considerável parcela de mão-de-obra, aumentar o consumo de matérias-primas e de víveres, produzir modificação na estrutura do comércio, através da substituição parcial da importação de artigos de consumo pela produção local, e criar condições para a exportação de bens de produção e artigos de consumo mais elaborados. Para os que criticam o Plandeb, sem conhecê-lo, é importante que se destaque sua estratégia, que não era modesta. Para promover o desenvolvimento da Bahia, pretendia articular um processo de industrialização, a partir da formação de um polo de crescimento constituído de indústrias interdependentes, segundo o modelo clássico de um complexo de siderurgia, metalurgia e indústrias elétricas, complementado por uma indústria de mineração e de petróleo e uma infraestrutura especializada; pela formação de um setor agroindustrial moderno, mediante a elaboração de projetos técnica e economicamente viáveis e a promoção do desenvolvimento do interior sustentado na modernização da agricultura e da pecuária; pelo apoio às empresas existentes, mediante a modernização e a capitalização daquelas que possuíssem capacidade de competir no mercado nacional e a formação de quadros especializados para os segmentos modernizantes da economia regional. 308

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A realização dessas metas seria reforçada com um programa de estímulo à constituição de uma classe empresarial moderna157, junto com a elaboração de estudos macro – e microeconômicos suficientes para sustentar a materialização de novos empreendimentos. Segundo o Plandeb, para a fixação das metas de inversões, foram considerados apenas os investimentos em projetos tipicamente industriais, ficando excluídos, portanto, aqueles relacionados mais diretamente com setores outros, ainda que vinculados ao desenvolvimento industrial. Excluíram-se também da estimativa das metas do PGI aqueles empreendimentos surgidos independentemente de uma ação promocional sistemática do Estado (os chamados Projetos de surgimento espontâneo). O Plandeb agrupou os investimentos previstos no quatriênio (1959-1963) em três categorias indicadas a seguir: GRUPO I Programa de implantação de indústrias – baseado na ação promocional do governo. GRUPO II Indústria petroquímica - investimentos da Petrobras (os investimentos particulares na in-dústria petroquímica estão englobados nas cifras do GRUPO I). GRUPO III Projeto de siderurgia – destacado do grupo anterior pela sua magnitude e significação para a economia do Estado. As metas foram fixadas em termos globais, para o PGI, destacando-se apenas as inversões em petroquímica pela Petrobras, e : em Siderurgia. As previsões quanto ao resultado do Programa de implantação de indústrias (GRUPO I) foram estabelecidas mediante um confronto das taxas de investimento (elencando-se seis efeitos desejados sobre a renda e o emprego) com as disponibilidades financeiras que poderiam ser mobilizadas através da ação promotora organizada do Estado. Com relação aos efeitos que os planejadores pretendiam alcançar (definidos como metas, vez que representavam um objetivo 157

Um sonho nunca concretizado.

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a atingir com o programa) foi utilizada uma metodologia comparável às aplicadas em estudos anteriores sobre a economia nordestina por Paul Singer e Stefan Robbock, isto é, estabeleceu-se um confronto entre as inversões e a renda adicional gerada por essas inversões, admitindo a relação produto/capital (1/2,4) aplicada por Singer. Para determinar o número de empregos criados como resultado do PGI, fixaram-se coeficientes médios aplicáveis aos diversos grupos de indústrias contempladas no programa. A fundamentação teórica deste modelo de desenvolvimento é eminentemente keynesiana, estando baseada nas concepções de Hirschman, Rosenstein-Rodan, Harrod e, na constituição de polos de crescimento, no sentido original dado por François Perroux a este termo, como um conjunto de indústrias interdependentes, em que a concentração dos efeitos dinâmicos dos investimentos seriam maiores que a soma dos benefícios líquidos de cada empreendimento. O Plandeb orçava em Cr$ 13,850 bilhões (valores de 1959) os investimentos que seriam efetuados no Plano geral de industrialização (Grupos I, II e III) ao longo do período compreendido entre 19601963. Se a este valor fossem adicionados Cr$ 3,4 bilhões estimados para as indústrias de “surgimento espontâneo” segundo “projeção da tendência histórica de inversões no setor industrial” atingir-seia a delirante cifra de Cr$ 17,250 bilhões no quadriênio. No que tange ao financiamento do Plano geral de industrialização (PGI), programava-se o esquema de fontes indicado na Tabela 31 seguinte: Tabela 31 - Esquema de financiamento do PGI

Fonte: BAHIA – CPE, 1960.

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Entre os agentes financiadores e participantes das inversões, o papel de liderança caberia ao BNDE (Cr$ 4,09 bilhões) seguido pela Petrobras (2,1 bilhões) e o Banco do Nordeste (Cr$ 1,6 bilhões). Alimentava-se também a expectativa de captação de capitais privados no montante de Cr$ 3,48 bilhões dos quais 26% externos. Segundo o Plandeb: As magnitudes de investimentos fixados para o PGI embora pareçam elevadas em comparação com o ritmo anterior de Inversões na Bahia, são perfeitamente viáveis desde que se tenha em mente que o Programa de Implantação de Indústrias pretende solicitar novas fontes de iniciativa e de capital, no Estado e fora dele. Tais recursos serão somados aos das fontes tradicionais de investimento, responsáveis pêlos empreendimentos definidos aqui como de surgimento espontâneo É, preciso notar que o PGI representa, virtualmente, um “crescimento do nada”, pois a atividade industrial é notoriamente incipiente na Bahia (grifo nosso). Os índices históricos de investimentos são extremamente baixos; daí a necessidade do que se tem denominado o big push158, do impulso representado por uma vigorosa política de investimentos.

Segundo Boaventura e Barbosa Filho (1964, p.11) foi o Plandeb considerado por muitos como um documento de caráter idealista, utópico, inviável, com seu orçamento de investimentos exagerado, mesmo considerando-se apenas a previsão dos recursos estaduais, além do sentido excessivamente hipotético dos investimentos federais. Considerando-se, ainda, que à época já houvesse sido criada a Sudene para cuidar do planejamento do Nordeste159. O idealismo do plano poderia ser ilustrado, por exemplo, pela previsão de que, em decorrência das inversões programadas, seriam criados no Estado 17 mil empregos diretos e 25.500 indiretos, assumindo-se um multiplicador de empregos da ordem de 1,5. Pelo que se lê a seguir, verifica-se o inegável otimismo do Plandeb: Alem de promover investimentos industriais durante o quatriênio aos níveis já indicados, o Plano de Desenvolvimento da Bahia criará facilidades e atrativos cujo efeito continuará a ser sentido depois de 1963. Espera-se, que o esforço emprëendido permita manter-se, a partir de 1963, uma taxa média de incremento de 10% para os investimentos no Setor Industrial (incluem-se aqui, também, as inversões em empreendimentos de “surgimento espontâneo”). Na

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Influência no plano da teoria do desenvolvimento de Rosestein-Rodan. Comenta-se que, intelectualmente, Rômulo Almeida (pai do Plandeb) e Celso Furtado (pai da Sudene) eram rivais. O fato é que o Plandeb não foi absorvido no planejamento elaborado pela Sudene que, inclusive, imaginava a Bahia, no Sul, e o Maranhão no Norte, como fronteiras agrícolas de um Nordeste industrializado em sua região semiárida.

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fixação das metas procurou-se um equilíbrio entre as inversões e seus efeitos, dentro de critérios realísticos. Pelas aplicações de capital previstas no PGI será possível a criação de cerca de 17 mil novos empregos, como resultado direto das inversões compreendidas no PGI, variando este numero, evidentemente, em função da produtividade da mão-de-obra e da tecnologia das indústrias que venham a ser instaladas o número de empregos criados será consideravelmente maior, se for considerada a ação multiplicadora e aceleradora desses investimentos; estima-se que cada emprego industrial gera aproximadamente 1,5 empregos em serviços diversos. Espera-se que atinja Cr$5,77 bilhões em 1965 a renda adicional gerada pelas inversões previstas para o quatriênio, no Programa Geral de Industrialização. Para essa previsão, admitiu-se a relação produto/capital de 1/2,4 taxa que Singer adotou para o Nordeste; estipulou-se, também, um período médio de dois anos, para maturação dos investimentos Desde que os investimentos globais no setor industrial aumentem, a partir de 1963, à taxa anual de 10% e se considerar, como mera hipótese de trabalho, que a renda atribuível a outros setores da economia continue a crescer a taxade 1,09% (taxa média geométrica do Produto Real Per Capita na Bahia no período de 1950 a 1957), é possível admitir um aumento anual médio de 3,5% na Renda Real Per Capita do Estado, a partir de 1963 como resultado apenas das inversões do Programa Geral de Industrialização.

Os efeitos do PGI sobre o padrão de vida serão também substanciais, ainda que primariamente concentrados numa porção relativamente pequena da população. A longo prazo, imaginava o Plandeb que: Se os investimentos globais no setor industrial atingirem $17.250 milhões no quatriênio e aumentarem a partir de 1963 à taxa média anual de 10%, a economia baiana poderá atingir os seguintes níveis, em moeda de 1959 : em 1979, uma renda real per capita igual à media do Brasil em 1957 ou seja, o dobro da renda real per capita da Bahia em 1957; em 1991, “uma renda real per capita igual do Estado de São Paulo em 1957 isto é, 3,6 vezes maior do que a renda real per capita da Bahia em 1957. Os efeitos que se espera obter através do PGI devem ser apreciados em face das condições atuais da economia baiana, dos níveis de renda per capita extremamente baixos. Os aumentos percentuais terão de ser de grande magnitude, ou sua significação em termos absolutos será desprezível. Por outro lado, é preciso notar que os investimentos previstos em diversos outros programas setoriais, representando obras de infraestrutura, traduzir-se-ão em economias externas para a indústria e contribuirão para a maior rentabilidade das inversões industriais.

O Programa geral de industrialização do Plandeb contemplava várias situações, iniciando por um conjunto modesto de projetos 312

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que se encontravam à época em fase de estudos ou de realização. Este era o caso dos seguintes: a) Estaleiros de Aratu S.A. – Salvador – indústria de construção naval; projeto aprovado pelo GEICON, com capacidade anual para 2.000 tdw, representando inversões da ordem de Cr$ 180 milhões; b) Industrialização de Frutas – Salvador – fábrica de sucos e compotas de abacaxi, de doces e massas em geral, investimento previsto de Cr$ 11,5 milhões. c) Indústrias Reunidas Santa Maria – Juazeiro – indústria de óleos vegetais (sementes de algodão e mamona), investimento previsto da ordem de Cr$33,8 milhões. d) Óleos Vegetais da Bahia Ltda. – Salvador – indústria de óleos vegetais (sementes de dendê, de palmiste e ouricuri), investimento de Cr$ 32,4 milhões. e) Terminal Oceânico Ipiranga de Ilhéus S.A. – fábrica de latas, investimento estimado em cerca de Cr$6 milhões. f) Indústria de Dendê – Taperoá – importação de equipamento já licenciada, investimento total de Cr$80 milhões.

Listavam-se ainda outro conjunto de projetos em revisão e em elaboração, além de dois programas de recuperação da indústria fumageira e da indústria têxtil, já a época a caminho da sua extinção. Tratando-se de um megaplano, é de ressaltar a importância conferida pelo Plandeb ao artesanato. Já na década de 1950, ensinava-se que: Para atingir o objetivo de criação do maior numero possível de novos empregos, o Estado deve ter especial interesse em promover indústrias que apresentem um alto índice de absorção de mãode-obra como as pequenas indústrias e o artesanato A importância desses gêneros de atividade industrial, particularmente do artesanato fino, é também relevante no fomento do turismo e no desenvolvimento cultural (grifo nosso). O programa do artesanato deve não apenas criar oportunidades de emprego, enquanto não há indústria, e para conter as crises, estacionais e cíclicas (secas) da agricultura regional, mas também ajustar-se para a absorção de desemprego das indústrias em declínio, ou crise declarada (de emprego, como a fumageira e a têxtil (sobretudo mulheres).

Em seu capítulo relativo a oportunidades industriais, o plano apresentava um portfólio de projetos que poderiam ser desenvolvidos no Estado, elencando atividades nas áreas da indústria química, do aproveitamento de recursos minerais, manufatura do aço e dos metais não ferrosos, além daquelas baseadas em matériasprimas da agricultura. 313

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Porém o carro-chefe do PGI era puxado pela petroquímica e pela siderurgia, consideradas como “indústrias-chave” para a promoção do processo de industrialização baiana. No que se refere à petroquímica é impressionante como os planejadores baianos assumem um papel que era de competência da Petrobras. Definem o modelo a ser adotado (Figura 15) e as fases de implantação. Trata-se de um modelo simples em que, a partir da utilização de gás de síntese (C0+H2) e de nitrogênio e oxigênio (N2+02), se alimentariam duas plantas de metanol e amônia. O modelo finalmente adotado pela Petrobras no final da década de 1960 é extremamente mais complexo ( ver Figura 17). Para a primeira fase, os técnicos baianos propõem um esquema de indústrias distinguindo os investimentos a serem realizados pela Petrobras dos que ficariam a cargo do empreendedor privado. Esta primeira fase corresponderia, aproximadamente, ao quatriênio de 1960-1963. Dentro do esquema delineado, caberia à Petrobras realizar os investimentos na Usina Geradora de Gás de Síntese, na Unidade de Fracionamento de Ar e nas Unidades de Dioxido de Carbono e de Amônia, para as quais foi estimado um custo total de cerca de 15 milhões de dólares (Cr$2,1 bilhões a preços de 1959). O proposto – de forma imperativa – era que, instaladas essas unidades, a Petrobras entregaria ao industrial ou ao consumidor privado, uma série de produtos semielaborados, indicados no quadro esquemático da Figura 15 seguinte. O plano define que a Unidade de Metanol, de iniciativa privada, forneceria matéria-prima ao produtor de formaldeído, a partir do qual seriam produzidas diversas resinas para a indústria de plásticos, e outros produtos. O plano previa também que, do metanol, poder-se-iam obter, ainda, numa fase posterior, outras famílias químicas, como as de ácido acético, metacrilato de metila e cloreto de metila e, destes, novas séries de derivados. Decide-se que a amônia produzida pela Petrobras seria, em parte (cerca de 100 t/dia), entregue às industrias locais, fabricantes de urea, ácido nítrico, fertilizantes, sais de amônia, etc. (tais como a Nitrogénio S/A); outro tanto seria distribuído pela Petrobras em outros mercados do país. O hidrogênio poderia ser aproveitado numa unidade de produção de ferro-esponja: esta era uma das hipóteses de redução de minério de ferro que estavam sendo estudadas pelo Grupo de Siderurgia Sudene-CPE. Os planejadores destacam que, segundo o escopo apresentado um só conjunto industrial construído pela Petrobras forneceria maté314

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Figura 15 - Fac-símile do esquema simplificado da petroquímica segundo o Plandeb. Fonte: Plandeb.

ria-prima para uma serie apreciável de indústrias, evitando uma multiplicação antieconômica de investimentos pelo empreendedor privado. O empreendimento visado pela Nitrogênio S/A, por exemplo, poderia encontrar condições muito atraentes para sua concretização, no que diz respeito aos produtos finais, sem necessitar a integração vertical que Ihe seria imposta se fosse obrigada a produzir sua própria amônia; este produto lhe seria entregue pela Petrobras a um custo mais baixo, resultante de um mais alto volume de produção. No plano se esclarece que a iniciativa privada já vinha desenvolvendo esforços intensos para a insta-lação de uma fábrica integrada de fertilizantes nitrogenados, ressaltando que ao Estado da Bahia interessava, fundamentalmente, a concretização dos planos de instalação da petroquímica, fosse com participação da Petrobras, fosse pela iniciativa exclusiva de particulares, e sinalizava que, no futuro imediato, procurar-se-ia definir o interesse da Petrobras e dos grupos privados para que se concretizasse, de uma ou de outra forma, o estabelecimento das unidades projetadas. 315

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Vale aqui observar que, na época em que foi elaborado o Plandeb, vivia o país na plenitude do regime democrático, quando a autonomia das unidades da federação era relativamente alta. A Petrobras, àquela época, ainda estava longe de vir a ser um estado dentro do Estado brasileiro, o que viria a ocorrrer a partir da segunda metade da década de 1960 sob o regime da ditadura militar. Ainda não havia se desenvolvido e consolidado no poder a tecnocracia que viria a ditar os rumos desta grande estatal. Ademais, Rômulo Almeida escrevia com a autoridade e o enfoque de quem havia sido chefe da Assessoria Econômica da Presidência da República e exercia um papel de supersecretário do governo Antonio Balbino. Quanto às segunda e terceira fases, esclarecem os planejadores que a matéria-prima para toda essa indústria constituir-se-ia de três elementos básicos, a saber: energia elétrica, ar atmosférico e gás natural. Imaginava-se que, na fase inicial da operação do gerador de gás de síntese se tivesse que utilizar o fuel oil. Numa segunda fase, e uma vez disponível o gás natural (o que se tornaria inevitável com a evolução dos trabalhos na Região de Produção da Bahia) passariam as unidades de gás de síntese a consumir o gás natural, liberando a parcela de fuel oil para processamento em uma unidade de coqueamento, daí resultando o coque para pasta de eletrodos e gases a serem recuperados na terceira fase. Nessa última fase, far-se-ia o aproveitamento de gasolina natural, com produção de acetileno e, numa unidade de recuperação, utilizando-se os gases de coqueamento e também gases de refinaria, produzir-se-iam novas séries de gases industrializáveis. No plano, informava-se que, independentemente do escopo apresentado, outras indústrias derivadas da exploração do petróleo estavam sendo estudadas. Este era o caso da produção de negro de fumo, de parafinas e asfalto. Assegurava-se que o fundamento econômico de todo esse complexo de indústrias era encontrado nas condições do mercado regional e na-cional. Todos os produtos previstos no esquema indicado poderiam ser colocados competitivamente nesses mercados. O Plandeb estimava que os investimentos, na primeira fase, corresponderiam à cifra de Cr$ 4.200 milhões, a preços de 1959, recursos que seriam compartidos meio a meio pela Petrobras e pela iniciativa privada. Enquanto a petroquímica constituiu uma bandeira de luta através da qual a Bahia acabou conseguindo implantar um projeto de 316

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dimensões bem maiores que o dimensionado no Plandeb, com a siderurgia ocorreu o oposto. Segundo o Plandeb, o estabelecimento de um parque siderúrgico na Bahia, dentro do programa geral de desenvolvimento e industriailização do Estado e do Nordeste, teria significação excepcional em dois sentidos: de um lado, liberaria tanto o Estado quanto a região do pesado ônus decorrente da aquisição desses produtos básicos, cujo suprimento ocorria em condições deficientes e deficitárias em relação à demanda real e a preços proibitivos; por outro lado, impulsionaria, pelo seu alto poder dinamizante, a atividade econô-mica em geral e, particularmente, o desenvolvimento da indústria de transformação. A usina siderúrgica planejada para a Bahia integrar-se-ia eficientemente no parque siderúrgico regional existente e em formação. Deveria produzir chapas, folhas de aço e perfilados médios, complementando outras linhas de produtos (vergalhões, perfis leves e arames) já fabricadas ou programadas para produção em futuro imediato, em outras usinas nordestinas. A siderurgia projetada teria uma capacidade de produção de 125.000 toneladas anuais de lingotes, correspondentes a 100.000 t/ ano de laminados, dos quais 80.000, seriam produtos planos e os restantes perfis médios (até 50 kg/m linear). A produção de planos seria principalmente em chapas finas a quente e a frio, pretas e galvanizadas. O Plandeb orçava, à época, as inversões na siderurgia em Cr$ 3,75 bilhões. Deste montante, 23% caberiam ao setor público, 13%, ao setor privado e o restante seriam de financiamentos e aval do BNDE/BNB. Planejada para entrar em produção em 1963, somente uma década depois (1973) foi inaugurada a Usina Siderúrgica da Bahia (Usiba), assim mesmo com o seu projeto severamente mutilado e com escala insuficiente para oferecer aqueles efeitos indiretos previstos. Ademais, tornara-se uma proposta tecnologicamente defasada em relação à composição do parque de bens de capital na escala nacional e à composição dos bens constitutivos do consumo regionalmente organizado. A empresa, no final da década de 1980, foi privatizada, passando para o controle do grupo Gerdau. Não constituíram os megaprojetos – como os da petroquímica e siderurgia – preocupação exclusiva do Plandeb. Registra-se uma ênfase muito especial conferida aos pequenos e médios negócios e 317

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

particularmente ao artesanato que são apresentados como potenciais geradores de empregos inclusive para a população feminina. 3.12.4.1 Urbanismo e localização industrial no Plandeb O objetivo do Plandeb era estabelecer a colaboração da União e do Estado com as prefeituras e as comunidades locais, dentro do princípio de “ajudar a quem se ajuda”, no setor de urbanismo e administração municipal. Face ao crescimento contínuo das populações urbanas na Bahia (aumento de 46% entre 1940 e 1950) e diante das novas exigências resultantes do processo de industrialização, a melhoria das criações de funcionamento das cidades adquiria particular importância. O esforço estadual seria concentrado nas áreas com maiores possibilidades industriais, pois que isso, indiretamente, beneficiaria a todo o Estado. Para realizar este programa, visando a criar facilidades de localização industrial e auxiliar na solução dos problemas de urbanização e habitação popular, projetou-se a formação de uma empresa imobiliária (Companhia Imobiliária de Habitação e Urbanismo), com estilo privado de operação, mas sem objetivo de especulação imobiliária. Pela sua atualidade e procedência crítica, transcreve-se a seguir alguns trechos mais importantes do texto introdutório deste capítulo: Os investimentos municipais são de particular importância no desenvolvimento de uma área como a Bahia. Apesar das receitas municipais constituírem uma percentagem pequena das receitas públicas totais representam, de qualquer sorte, uma parcela ponderável na pobreza dos recursos para investir. Além disso, os investimentos municipais são, sobretudo nas zonas onde mais se experimenta a pressão do crescimento demográfico e as possibilidades de desenvolvimento industrial, decisivas para o processo de expansão econômica. [...] Uma outra razão, ainda de ordem geral, faz com que não se possa esquecer a demanda de investimentos urbanos numa população em crescimento como a nossa e com uma taxa ainda muito reduzida da urbanização e, ainda, com possibilidades não muito amplas (comparando com o crescimento da população) de em-pregos agrícolas atraentes, a tendência inevitável é a do grande crescimento das cidades. Entre 1940 e 1950, a população urbana na Bahia cresceu de 46%. Por mais que um programa agrícola e o desenvolvimento do interior promovam barreiras ao êxodo rural, tudo que se pode conseguir é que a taxa de crescimento das

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA cidades não se eleve muito mais. Em consequência, é indispensável criar empregos nas cidades, pela industrialização e criar condições nas mesmas para, por um lado, fomentar a indústria e, por outro, suportar o impacto do desenvolvimento fabril. A crise urbana é um dos problemas maiores a enfrentar no futuro imediato, não só na Bahia, mas em todo o Brasil. [...] o planejamento regional [...], deve se traduzir na melhor utilização do espaço [...] e assim na orientação de todo o povoamento em torno de cidades,[...] A técnica da vida social, refletida nas instituições jurídicas e políticas que condicionam o uso da terra e a expansão (caótica e às vezes monstruosa) das nossas cidades, esta muito atrasada em relação aos modernos recursos tecnológicos e econômicos. As cidades refletem particularmente essa crise. Não utilizam a tecnologia moderna, são antes esmagadas por ela: o tráfego perigoso as fumaças e poeiras venenosas, os ruídos que afetam a audição e a mente, a construção em altura, que congestiona e desumaniza a cidade, quando não utilizada na sua função libertadora de espaço, mas na especulativa e opressora. Assim, espoliam a natureza, o patrimônio cultural e a vida humana.Há uma ruinosa aceitação de que isso é o progresso, com suas fatais consequências.[...] Como poderão nossas cidades suportar o tráfego resultante da promoção de vendas de veículos individuais ou de família, em face de falta de transporte coletivo, resultante, sobretu-do, da inexistência de condições urbanas? Temos cidades asiáticas na sua estreiteza e densidade com os pruridos de mecanização e o movimento de cidades ocidentais. As municipalidades têm recursos reduzidos e esses são absorvidos pelo empreguismo. Incapazes de estender os serviços básicos de utilidade pública favorecem uma estúpida valorização dos terrenos, em benefício do enriquecimento aleatório e ilegítimo de meia dúzia. O valor dos terrenos obriga a uma densidade de ocupação que agrava os problemas físicos e humanos da cidade. As instituições jurídicas garantem um abuso do direito de propriedade da terra contra a coletividade e o futuro. [...] Na Bahia, devemos distinguir a capital das cidades do interior. A Cidade do Salvador apresenta desde logo dois problemas: — o de criar condições (transporte, água, esgotos, força, habitação operária, localização saudável das fábricas ) para o desenvolvimento industrial e o de defender-se dos seus possíveis efeitos malignos Salvador tem vocação para ser uma das mais humanas e belas cidades de todo o mundo, defendido o seu patrimônio cultural e histórico, que é o mais alto de todo o pais, e preservada e cultivada a sua natureza suave e variada de praias, montanhas e cores, para nela se plantar a vida de uma cidade nova ao lado da velha e monumental primeira capital do Brasil. Ocorre entretanto, que já está sendo destruída e deformada no património, irreprodutível da velha urbis e agredida e roubada na sua paisagem. Prejudicada a expansão urbana por “direitos” e interesses particulares contra o bem comum e as gerações futuras, e esterilizada a municipalidade pela herança de despesas de “custeio” ou simples clientelismo, apesar de ter atingido a mais elevada taxação do imposto de indústrias e profissões,

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o “plano de urbanismo” foi arquivado e esquecido, embora se exigisse um pequeno esforço inicial para se realizar plenamente como uma brilhante operação imobiliária auto-suficiente. Assim, Salvador se enche de desempregados e de “invasões” (mocambos) e sua Prefeitura é incapaz de criar condições para o desenvolvimento de indústrias e das oportunidades de emprego, incluindo o turismo. As cidades do interior, pobres nas suas receitas, são também em regra subtraídas das menores possibilidades de meIhorar suas próprias condições, pela mesma estrutura política, que vive de favores pessoais às custas do: erário, sendo o volume de emprego dos mais altos numa área de desemprego. Os auxílios das esferas superiores, sobretudo a união pela pobreza do Estado, hoje numerosos, embora inefetivos por fragmentários, descontínuos e carentes de estudos e projetos prévios (sobretudo para água), padecem ainda de um grave defeito: nem premiam o esforço local nem se orientam para atender às maiores necessidades, objetivamente consideradas, ou às prioridades para o desenvolvimento geral da região. Dirigem-se para onde há interesses políticos eventualmente influentes e frequentemente esquecem os centros onde ajudariam a criar atividades e empregos, para tentar inutilmente subvencionar e consolidar; por vezes, a decadência irremediável. [...]A alteração na estrutura de recursos da economia regional, com os novos transportes, as descobertas na natureza e a tecnologia nova importam num processo dinâmico de recomposição das localizações urbanas que, num plano regional, deve ser estudado, previsto e orientado, para evitar desperdícios e entraves ao desenvolvimento [...] uma diretriz de localização industrial, neste Plano, é a de descentralização, salvo quando a centralização é um imperativo (frifos nossos).

Os principais pontos do programa urbanístico do Plandeb eram os seguintes: a) estabelecimento de planos diretores e assistência na implantação de melhores métodos administrativos e financeiros; b) projetamento dos serviços de suprimento de água, incluindo seu financiamento e manutenção; c) instalação dos serviços de água; d) projetamento das redes de distribuição de energia e de organização administrativa, técnica, e financeira para esse fim, comportando a colaboração local, com o sistema Coelba; e) projetamento de esgotos industriais e de outras obras de saneamento, sobretudo os convenientes à obtenção de áreas para localização industrial e habitação operária saudável; f) realização das obras do sistema viário, tanto regionais como urbanas, relacionadas com o transporte de material e de pessoas; 320

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g) projetamento e promoção de facilidades especiais para localização industrial (loteamento-urbanização); h) projetamento das condições urbanísticas (centros de abastecimento, mercados, etc.) necessários a atender aos objetivos traçados no programa de organização da economia agrícola e do abastecimento; i) projetamento de outras facilidades de natureza educati-va, sanitária, cultural e social, como sejam: escolas, biblioteca, serviços de saúde, parques, hotel, etc. ; j) promoção especial de atividades comunitárias que permitam congregar os esforços locais para realização de projetos de interêsse local isoladamente ou em colaboração com poderes públicos e empresários de fora, constituindo-se as cooperativas (em cujo desenvolvimento o papel principal caberia ao BNB e ao Baneb) um dos instrumentos dessa ação da comunidade, permitindo, sobretudo, desenvolver o crédito à lavoura e pequenas indústrias. No que se refere à localização industrial, previa-se a concentração de investimentos de capital social (energia, transportes, abastecimento, água industrial, etc.) em locais mais propícios à implantação de indústrias e seria elaborado um projeto específico referente a uma área a ser selecionada pelo Estado. O processo de desenvolvimento econômico traz, em seu bojo, o problema da velocidade da urbanização, fenômeno que se reveste de transcendental importância pelos seus aspectos econômicos, sociais e políticos. Na Bahia, podiam-se observar os grandes deslocamentos populacionais e as mudanças da paisagem urbana, com o adensamento desordenado em áreas de maior progresso. Por isso, tornava-se necessário, segundo o Plandeb, coordenar a ação entre os poderes públicos e entre estes e o setor privado, estudando-se a criação de uma entidade autônoma, financeira e administrativamente, cuja função seria a de preparar, através de uma seleção racional, as áreas no Estado para a localização de indústrias e para a instalação dos serviços públicos e facilidades comunais, indispensáveis àquela atividade econômica. Inicialmente, considerou-se como área mais propícia para localização industrial a compreendida no polígono capital-Recôncavo até Alagoinhas e Feira-Jequié-Itabuna-Ilhéus-litoral. Nessas areas se adensariam os investimentos básicos e a colaboração da União e do Estado com o esforço local. Outros pontos isolados foram tam321

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bém considerados, tendo em vista fatores especiais de localização e uma política de razoável descentralização. Os pontos considerados de maior interesse imediato para localização industrial foram: a) Nas proximidades da capital, – no município de Salvador (de Plataforma a Água Comprida, especialmente nos terrenos da baía de Aratu) por reunir boas condições para certos tipos de indústrias, com a presença de vias de comunicação para os mercados, energia elétrica, água e outras facilidades, tudo isso sugerindo projeto específico de “cidade industrial”, nos municípios de Camaçari e no distrito de Dias D´Ávila; b) Na orla do Recôncavo, – em S. Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Muritiba, Maragogipe, São Roque do Paraguaçu, Nazaré; c) em outros centros de possibilidades gerais, – em Feira de Santana, Alagoinhas, Jequié e Jaguaquara. Itabuna e Ilhéus; d) fora da área, em centros isolados, em Vitória da Conquista, Itaberaba, Juazeiro, Paulo Afonso, Lapa, Correntina (numa etapa ulterior, dependendo de transportes, energia, outras cidades). Constata-se, posteriormente, que as indicações do Plandeb acabaram sendo seguidas com a construção do Centro Industrial de Aratu (CIA), na localização indicada (a baía de Aratu) e do Complexo Petroquímico de Camaçari no município do mesmo nome. As cidades de Feira de Santana, Jequié, Ilhéus, Jequié e Vitória da Conquista abrigaram os primeiros distritos industriais do interior.

3.12.5 O turismo O plano também contempla o turismo como um setor estratégico para o desenvolvimento da Bahia, tendo em vista a riqueza da sua paisagem natural e urbanística e as peculiaridades dos aspectos etnográficos e folclóricos. Observa também, àquela época, seu potencial no que se refere ao turismo de negócio. Desta maneira, prevê a necessidade de investimentos na área de “educação para o turismo”, 322

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de infraestrutura de hotéis e restaurantes, inclusive a construção de hotéis no interior, de preservação do patrimônio histórico e de defesa do artesanato. No caso da construção de hotéis, considera como prioritários os municípios de Cachoeira, Feira de Santana, Alagoinhas, Jequié, Itabuna, Dias D’Ávila, São Francisco do Conde e Santo Amaro. Para a execução do programa no quadriênio 1960-1963 prevê a realização de investimentos da ordem de Cr$ 1.710 milhões, a preços de 1959. 3.12.6 Outros programas importantes do Plandeb O Plandeb apresenta ainda uma extensa programação para as áreas de educação e cultura, saúde e assistência, serviço público, pesquisa e documentação e finanças. No que se refere à educação, o plano assinala a diferença existente entre um plano de educação que colime como objetivo o desenvolvimento socioeconômico da comunidade e um mero plano educacional limitado à finalidade exclusiva de educar, sem pretender utilizar a educação como um fermento de transformação estrutural da economia e da sociedade. Assim, afirma o Plandeb que as diretrizes básicas por ele estabelecidas objetivam conduzir o esforço planejador da educação baiana a uma decisiva engrenagem com o propósito deliberado de transformação estrutural que o desenvolvimento requer. Tendo em vista esse objetivo principal, define as seguintes medidas táticas para a utilização dos recursos destinados a investimentos educacionais, tendo em vista a sua maior rentabilidade: a. Ensino Primário – Verificada a impossibilidade prática de aproveitamento de toda a população em idade escolar, urge uma política inteligente de rigoroso atendimento das zonas de prioridade, isto é, aquelas que apresentem maiores possibilidades de rendimento, em tudo quanto diga respeito a investimentos em instalação de novas salas de aula. Nesse caso está, evidentemente o município da Capital para o qual se prevê o atendimento de toda população escolarizável, e em zonas urbanas dos municípios interioranos , para as quais se prevê idêntica política. b. Ensino Médio – Conhecida a procura do ensino secundário pelas classes sociais em melhor situação econômica, 323

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tendência comprovada pela superioridade quantitativa de estabelecimentos particulares nesse setor do ensino, compete ao poder público a derivação de seu maior interesse, em matéria de ensino médio para o incremento do ensino técnico-profissional; utilizando, mesmo, a grande solicitação para a criação de ginásios no Interior num sentido favorável a criação de escolas técnicas de grau médio, especializadas, na formação dos profissionais que mais se enquadrem na procura atual e potencial de cada zona ou município, devendo mesmo levar esse empenho à manutenção de cursos ad hoc de preparação de mão-de-obra especializada. c. Ensino Superior – Em tal setor, pode-se dizer que a orientação até aqui seguida pelo Governo Estadual tem sido a melhor, investindo apenas naqueles ramos do ensino superior que, por seu caráter técnico, tem imediata e fecunda utilização social e econômica. A coordenação das autoridades estaduais com a Universidade da Bahia160 poderá, entretanto, contribuir para que o Estado logre obter as melhores vantagens da grande massa de investimentos educacionais de proveniência federal que a Universidade representa. E, nessa coordenação, os órgãos técnicos do Governo Estadual e a C.P.E., especialmente através do seu Programa de Educação, Pesquisa e Cultura podem ter um papel destacado na tarefa de vincular mais estreitamente a Universidade à vida econômica de nossa comunidade, especialmente contribuindo, a emprestar à pesquisa científica-universitária um caráter instrumental. d. Adaptação e aperfeiçoamento do professorado - A tarefa de educar para o desenvolvimento não pode sequer ser pensada sem a adesão espiritual e a mais viva participação do professor. E essa utilização do professor como elemento de mudança dos padrões sociais não pode ser objetivada sem o seu comprometimento com a tarefa que se lhe requer. Tal comprometimento somente se poderá conseguir através do conveniente esclarecimento ideológico que lhe dê a plena consciência do mister a que é convocado como agente de educação numa sociedade em mudança. A Secretaria de Educação, poderia, em colaboração com o Programa de Educação, Pesquisa e Cultura 160

Universidade Federal da Bahia – UFBa.

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da C.P.E. utilizar o Centro de Estudos Educacionais e Aperfeiçoamento do Professor (CEEAP), bem como o Centro audiovisual recentemente criado, para essa urgente tarefa de aperfeiçoamento do professorado, que é o proporcionar ao professor, mediante campanhas de esclarecimento e cursos específicos, a plena consciência da missão que lhe compete prioritariamente no momento. e. Educação extra-escolar – Também com as massas populares já apartadas da vida escolar é necessário contar para o pleno êxito de um plano de educação para o desenvolvimento. Se o objetivo que se colima com o desenvolvimento é uia objetivo a alcançar a curto prazo, não é possível limitar esse plano educacional ao simples cuidado da infância e juventude. Urge comprometer também com a empresa coletiva do desenvolvimento o grande beneficiário do processo que é o povo-massa. E isso não se consegue senão mediante uma espécie de educação de adultos que se poderia denominar de integração cívica e econômica. O desenvolvimento, como alteração radical da estruturação sócio-econômica de um grupo humano, envolve a transformação de padrões, valores e estereótipos. E se a decisão desenvolvimentista não quer contar com a inércia do coletivo como um freio ao processo que intenta, desencadear ou dirigir, não tem outra alternativa senão educar as massas para o desenvolvimento. Essa tarefa ideológica imprescindível pode ser desenpenhada pela C.P.E através do Programa de Educação, en colaboração com o Centro de Estudos Educacionais e Aperfeiçoamento do Professor (CEEAP), órgão da Secretaria de Educação e o Centro Audiovisual. Estimou-se, no Plandeb, a dotação de recursos para investimento em educação no montante de Cr$ 5.087,8 milhões, no quadriênio 1960-1963, dos quais foram destinados ao ensino primário 28%, ao Supletivo, 4%, ao ensino médio, 32%, ao ensino universitário 33% e às atividades complementares, 3%. É de se registrar que não apresentou o plano qualquer proposta para a ampliação do número de universidades federais na Bahia, mantendo-se a exclusividade da UFBa. No que se refere à saúde pública, ressaltam-se no plano dois aspectos sempre presentes quando se trata desse setor: a escassez de recursos e de informações. Mesmo assim, faz-se um retrato melancólico da situação sanitária da Bahia no final da década de 1950. 325

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Segundo se informa no Plandeb o aparelhamento assistencial do interior constituia-se de três tipos de órgãos – o posto , compreendendo à lotação de um médico em locais onde não houvesse profis-sionais estabelecidos; o posto de higiene, que além do trabalho assistencial exercia atividades de fiscalização no campo sanitário e no contrôle das doenças transmissíveis; e o Distrito Sanitário, cujas funções equivaliam às dos centros de saúde. Constatavase que no orçamento de1959, o Serviço de Saúde do Interior dispunha de dotações no total de Cr$ 108.510 mil , sendo que as verbas de custeio absorviam 95% (Cr$ 102.890 mil), sobrando uma insignificante parcela para investimentos. A rede de unidades incumbidas de atividades médico-sanitárias disseminada pelo interior compreendia em 1958, 32 postos construídos pelo Estado, 4 construídos pelos municípios, 2 em construção a cargo do Estado, 2 funcionando em hospitais, 17 a cargo do Serviço Especial de Saúde Pública – SESP (federal) e 127 instalados em casas alugadas ao Estado. O programa da Secretaria de Saúde para o quatriênio (1960/1963) contemplava a construção de 80 postos de higiene no interior. De referência aos hospitais verificava-se que dos 45 estabelecimentos existentes no interior, 11 funcionavam precariamente ( sendo 2 mantidos pelo Estado e 9 em convênio com outras entidades) estando 29 outros fechados e 5 ainda por serem concluídos. Dos planos da Divisão de Assistência da Secretaria de Saúde constava, para o exercício de1959, a assinatura de convênios com instituições locais para abertura de 7 dos hospitais fechados, e reforço dos recursos para melhoria da assistência prestada por 5 outros estabelecimentos , figurando no orçamento as verbas destinadas a este fim. Permaneceriam fechados, todavia, 22 hospitais, localizadas alguns deles em áreas cuja densidade demográfica e potencial de recursos tornavam de duvidosa utilidade qualquer esforço para fazê-los funcionar tendo em vista sobretudo a escassez de meios orçamentarios e as prioridades que devem ser concedida ao atendimento no campo da saúde pública. No que se refere ao saneamento básico em 1957, dentre os 169 municípios pesquisados, apenas 29% (49) possuíam serviços de abastecimento de água, com 69 mananciais captados, 187.546 m de linhas adutoras, 30 estações elevatórias e 8 reservatórios. Relativamente aos esgotos sanitários, nos municipios pesquisados apenas 27% (46) possuíam rede de esgotos com uma extensão total de 120.704 m, sendo que o emissário media 10.306 m; os locais servidos 326

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perfaziam o total de 913 quanto aos esgotos de despejo e 2. 351 de esgotos de águas superficiais, sendo o numero de prédios esgotados por fossas igual a 2.732 e o daqueles esgotados, pela rede 21.304. Dados de 1959 sobre o município da Capital mostravam que somente 6.500 prédios estavam ligados a rede de esgotos com um déficit aproximado de 80 mil residências servidas por fossas. Quanto ao suprimento de água, Salvador, com 90 mil prédios, tinha apenas 36 mil penas de águas que correspondiam a 45 mil locações ligadas à rede, numa extensão de 370 quilômetros, dispondo dê 69 mil metros cúbicos de água quando seriam necessários um mínimo de 100 mil para atender:a 70 por cento da população da capital. O Plandeb estimava a realização de investimentos no programa de assistência e saúde no quatrienio (1960-1963) na ordem de Cr$ 2,017 milhões que corresponderiam aos recursos monetários destina-dos a construções, instalações e equipamentos das obras projetadas pela Secretaria de Saúde Pública e Assistência Social, Serviço Assistencial Prioritário e Fundação Hospitalar Octávio Mangabeira. No que tange às atividades do serviço público e da pesquisa e documentação, o Plandeb fazia uma análise dos problemas do setor público estadual, o que veio a fundamentar a criação do Instituto do Serviço Público e, posteriormente, a reforma da administração estadual (1966), um marco nas políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da Bahia. O Plandeb fazia um diagnóstico da administração pública que vale a pena reproduzir, tendo em vista a sua atualidade (ampliada), transcorridos 50 anos da sua realização. Nesta análise, são apresentados os principais obstáculos à eficácia do serviço público em diversos níveis de atuação. Assim, no que se refere à estrutura federativa é criticada a forma como se pratica o federalismo no Brasil. Diz o Plandeb que a tripartiçao de esferas de poder União, estados e municípios, estabelecida na Constituição federal, se, por um lado, é peça importante do regime democrático, pois permite a participação política das comunidades locais na vida nacional, e evita os desmandos de um poder político único, todo-poderoso, traz, por outro sérios inconvenientes: a) inexistência de uma visão global dos problemas brasileiros, pois os representantes do povo, eleitos pelos estados e municípios, preocupam-se, quase exclusivamente, com os interesses das comunidades que os escolheram, tornando-se meros advogados de ambições locais em detrimento dos interesses nacionais; 327

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b) separatismo, como consequência da quebra da consciência da nacionalidade, uma vez que estados e municípios de determinadas regiões unem-se em grupos para se opor a unidades federativas de outras zonas, o que não existiria se a ação federal unificadora se fizesse sentir nas ocasiões devidas. No plano da estrutura administrativa destaca, em primeiro lugar, a máquina burocrátíca do Estado. Apesar de ser a burocracia essencial ao Estado moderno – a sua maior expressão mesmo - pois só ela torna possíveis os vitais serviços de defesa de garantia de assistência, etc., traz, no entanto, uma série de vícios já por demais conhecidos, de modo que cumpre, apenas, enumerar os seguintes pontos: a) falta de interesse pessoal dos órgãos burocráticos pelos serviços que executam, o que se reflete, na :maioria dos casos na rotina, lentidão, e má qualidade dos serviços públicos; b) desprezo absoluto pelo tempo do público a que atende; c) imoralidade e desonestidade dos setores de burocracia que estão em contacto direto com o público, pois seus membros exigem propinas ou outras vantagens para executar aquilo que têm o dever funcional de fazer; d)injusta seleção das pessoas em relação com os postos que ocupam, visto que, normalmente, a seleção é feita por critérios de afilhadismo político e não pelo do valor pessoal; e) consciência de infalibilidade, o que acarreta imensas diflculdades para revogar-se ou modificar-se um ato praticado por órgão seu, mesmo que manifestamente imperfeito; f) excesso de formalismo para a solução dos mais simples casos que se lhes apresentam; g) estabilidade funcional, pois, apesar das vantagens que esta garantia traz ao servidor público, incontestáveis sem dúvida, acarreta, porém, um sério inconveniente: fá-lo trabalhar eficientemente apenas o tempo necessário para alcançar a estabilidade, sem procurar aperfeiçoar-se daí por diante, fossilizando-se mesmo; h) falta de preparo para o exercício das tarefas que lhe competem, pois são raros, entre nós, os concursos para provimento de cargos públicos e não funcionam, eficientemente, os critérios de promoção por merecimento: em grande número de casos, os funcionários não estarão aptos para os serviços que lhes são confiados. Além desses problemas, que continuam presentes em nosso serviço público, com relativa melhoria em alguns casos, falava o 328

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Plandeb à época, da deficiente organização dos setores de atividade dos Ministérios, Secretarias de Estado, completamente desatualizados face às exigências atuais. Assim, considerava indispensável uma reestruturação da máquina estatal criando novos órgãos e suprimindo os inoperantes. O Plandeb listava também o que considerava obstáculos ao processo de desenvolvimento decorrentes da estrutura social: a) supremacia do prestígio pessoal sobre o funcional, 161 característica de comunidades provincianas,e a sua existência, na Bahia e no Brasil, demonstram inequivocamente, o primitivismo em que nos encontramos: as relações entre os homens públicos são de caráter simpatético e não categórico. de maneira que é o prestígio pessoal que permite a liberação de verbas (instituição desconhecida em países civilizados, onde a simples consignação no orçamento é uma garantia de que a verba será aplicada naquele setor específico), ou acordos e convênios com entidades financiadoras de investimentos, de modo que muito depende do seu círculo de relações sociais a eficiência dos homens públicos; b) clientismo nas relações entre os representantes do povo e seu eleitorado, uma vez que àqueles não compete, apenas, defender os interesses públicos das comunidades que os elegeram, mas, além disso, fazer favores pessoais que, em vésperas de eleições, trazem rendosos resultados. O Plandeb conclui sua abordagem da problemática do serviço público, ponderando que os entraves apontados são, muitas vezes, simples efeitos de causas econômicas mais profundas, não sendo possível deixar de assinalar o papel que exercem, de obstáculo ao nosso desenvolvimento. Não se deve crer que uma simples reforma das nossas instituições políticas e administrativas seja capaz, por si só, de tornar o Estado apto para exercer as funções a ele confiadas pela coletividade. No entanto, também não serão viáveis reformas ponderáveis da infraestrutura econômica sem uma concomitante alteração do aparelhamento político jurídico e administrativo. Assim, recomenda a revogação dos diplomas legais anacrônicos em relação à circunstância histórica vivenciada à época, aconselha a moralização do acesso aos cargos públicos através de concursos obrigatórios e do sistema de promoções, tendo em vista a real capacidade 161

A propósito ver Da Matta (1990, p.151 - 196).

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e eficiência dos funcionários. E, para um reaparelhamento da máquina burocrática, sugere a criação de um Instituto de Administração Pública, encarregado de estudar o funcionamento das repartições públicas e seus problemas administrativos. Tal órgão se encarregaria também de estudar a conexão entre os vários órgãos de cada secretaria de Estado, e entre as secretarias entre si, e promoveria cursos regulares para o aperfeiçoamento do pessoal do serviço publico. Recomenda a ampliação do âmbito de ação do Departamento do Serviço Público e a criação, sob dependência da Universidade Federal da Bahia, de uma Escola de Administração Pública. No capítulo que trata da pesquisa e documentação, trabalhando com base em Myrdal (1960) e Nukse (1957), afirma o Plandeb que uma das únicas compensações que as nações e, dentro destas, as regiões subdesenvolvidas encontram para os fatores que tendem cumulativamente a torná-las cada vez mais subdesenvolvidas em relação às vanguardistas do progresso técnico e econômico, é a existência nestas de um acervo científico e tecnológico que aquelas podem aproveitar. Assim, um dos caminhos principais para um programa de desenvolvimento é a apropriação, a incorporação desse patrimônio, pela sua adaptação às condições das áreas e povos subdesenvolvidos (os exemplos históricos do Infante D. Henrique, de D. Pedro, o Grande, da Rússia e o do Japão, são famosos). Por outro lado, nos países que ainda se favorecem de recursos naturais insuficientemente apropriados, há uma apreciável margem de produtividade a explorar, pela melhor utilização desses recursos, através de conhecimento adequado deles. Essas são as duas razões da alta produtividade, numa região subdesenvolvida, de um programa de pesquisas, desde que orientado para objetivos econômicos determinados e a curto prazo, ou seja, relacionando os seus custos (sempre altos para um povo pobre) com os benefícios imediatos, que nos deve proporcionar. Um programa de pesquisas, pela procura do conhecimento ou do saber, simplesmente, ou pelo desejo de apresentar sábios ao mundo, conquanto possa tocar o orgulho nacional de povos pobres, seria completamente inadequado e poderia ser um dos fatores de retardamento, seria um desperdício. Não é disso que cogitou o governo da Bahia ao aplicar o dispositivo constitucional sobre o adicional de 0,5% (ad valorem ) para pesquisas. Com esses pressupostos, justifica o Plano uma inversão em pesquisas pelo Estado, avultada em relação aos seus recursos, desde que, 330

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porém, o esforço estadual não seja motivo para omissões da União, mas, pelo contrário, imponha a esta a atitude adequada: investir na Bahia na razão das necessidades de pesquisas (consideradas no plano nacional de desenvolvimento) e do esforço local, premiando-o. Segundo o Plandeb, a elaboração de um programa de pesquisas necessitava preliminarmente de uma pesquisa sobre o que deveria ser pesquisado prioritariamente, levando em conta objetivos econômicos e sociais definidos e os recursos financeiros e técnicos (habilitações pessoais e equipamentos disponíveis). O ponto inicial nessa pesquisa seria um balanço dos recursos para pesquisa e do que se tem feito, a fim de programar-se a melhor utilização. Na limitação dos recursos, o programa de pesquisas, se desenvolveria atendendo aos seguintes objetivos: a) reconhecimento dos recursos naturais, informações respeito de tecnologia e da sua utilização; b) condições da nossa sociedade e dos esforços (programas diversos) no sentido de melhorar as condições econômicas e sociais, inclusive, naturalmente, as vitais; c) apropriação e adaptação de processos e métodos desenvolvidos pela ciência e pela tecnologia para a solução dos problemas relacionados com a) e b); d)elaboração de programas e projetos para a solução dos problemas da comunidade, levando à fase de aplicação as pesquisas das alíneas a), b) e c); e) preparação de pessoal, não só para pesquisas mais evoluídas, mas para ensino e iniciativas diversas (em complemento da universidade); f) produção pioneira de bens e serviços que criem facilidades para o desenvolvimento, como é o caso de vacinas, medicamentos básicos, certas matérias-primas, máquinas especiais, serviços de laboratórios eficientes a serviço do público. Observava-se, no plano que a situação da pesquisa no Estado mostrava, à primeira vista, a existência de uma duplicidade de orientação, idêntica à de outras comunidades: a pesquisa geral, para investigação e conhecimento de problemas de interesse da humanidade; e a pesquisa específica, visando a um levantamen-to dos recursos comunitários e dos processos científicos e tecnológicos para sua melhor utilização. Ponderavam os planejadores de então que se, sob o aspecto teórico, era impossível valorar positivamente uma dessas orientações em detrimento da outra, considerando nossa si331

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tuação de grupo subdesenvolvido, carente de recursos para atender as exigências mais prementes, vitais mesmo ao meio em que vivemos, tornava-se válida a afirmação de que a pesquisa da nossa realidade natural e humana, destina-da a incorporar e adaptar as conquistas da ciência, e a da tecnologia, para resolver nossos problemas de produção e de vida, deveriam ter prioridade em relação a investigações sobre temas gerais, que não teriam um reflexo imediato para melhorar as condições comunitárias. Aí acrescentavam criticamente: qualquer que seja o ângulo da pesquisa científica que se encare, o quadro se nos apresenta desolador. Instituições sem disponibilidade financeira para funcionar eficientemente, subsistindo, apenas, pelo idealismo e espírito de sacrifício de alguns abnegados. Pesquisadores isolados, principalmente ocupantes de funções magisteriais em escolas superiores, a trabalhar, com alunos, sem “pessoal habilitado nem material que tornem o seu esforço sequer promissor”. Falta de coordenação entre os diversos investigadores e estudiosos – atitude típica de província, onde cada um visa, apenas, a um destaque pessoal – o que gera a duplicação de esforços, o desperdício de energia e a pulverização dos minguados recursos disponíveis. Inexistência de meios para divulgação dos resultados obtidos, dificultando o conhecimento das realizações de cada setor. Concluía o Plandeb que, por tudo isso, a Bahia se apresentava como um ambiente quase virgem de contactos de pesquisadores, um campo aberto à curiosidade de sábios internacionais, mas que só agora passa a ser examinado, com certo rigor científico, pelos estudiosos autóctones. No plano, dividiam-se as instituições de pesquisa em quatro blocos. O primeiro, da saúde pública, relacionava o Instituto Brasileiro para Investigação da Tuberculose (Ibit) e a Fundação Gonçalo Moniz; o segundo abrangia a área de recursos naturais, bastante destacada no planejamento, compreendendo: o Instituto Agronômico do Leste, o Instituto Biológico da Bahia, o Instituto de Pesquisas Zootécnicas, o Instituto Regional de Pesquisas Minerais, o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da UFBa., o Laboratório de Fotografias Aéreas e o Instituto de Oceanografia (a criar). O terceiro grupo era composto pela área de pequisa histórica, social e econômica e compreendia a Comissão de Planejamento Econômico da Bahia (CPE), o Instituto de Economia e Finanças da Bahia (IEFB), o Centro Regional de Pesquisas Educacionais, o Centro de 332

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Estudos Educacionais e Aperfeiçoamento do Professor, o Departamento de Pesquisas Sociais do IEFB e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. O quarto e último grupo, com a denominação genérica de “outros” reunia a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, o Laboratório de Fonética da Universidade da Bahia, o Instituto de Patologia da Bahia, o Instituto Biológico da Bahia,o Instituto de Tecnologia da Bahia, e o Laboratório de Genética (a ser criado). Ressaltava-se, no Plandeb, que essas intituições vinham colaborando eficientemente, na medida de suas parcas disponibilidades, quer pela participação direta nos trabalhos de pesquisa, quer por uma ação promocional e financiadora de entidades ou pesquisadores individuais (como era o caso, por exemplo, da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência), para o incremento e a divulgação de estudos científicos. Considerava-se, porém, necessário, integrar algumas dessas instituições na idéia de que podriam atuar eficientemente no nosso desenvolvimento, investigando, de modo prioritário, aspectos da realidade baiana, em vez de se deixarem levar pela sedução de pesquisas talvez mais atraentes, mas, sem dúvida., menos úteis de modo imediato - sobre temas gerais. No Plandeb, são destinados recursos para investimentos em equipamentos, reaparelhamento, obras civis, etc., em todos os órgãos aqui relacionados. Contudo muito pouco foi realizado, como se pode observar nos dias atuais, quando a precariedade da área de pesquisas no Estado é simplesmente clamorosa. 3.12.7 Mecanismos de fomento As atividades de fomento econômico, mediante a utilização de bancos estatais, sempre estiveram presentes na administração baiana ao longo do século XX. A primeira delas surgiu em 5 de setembro de 1902 atraves da Lei n° 474, com a criação do Banco de Crédito da Lavoura da Bahia no governo de Severino Vieira. O Banco da Lavoura, como era conhecido, segundo Tosta Filho (1948, p. A-4), constituiu a primeira tentativa de organização do crédito agrícola no Estado, operando dentro dos moldes clássicos dos institutos de crédito mediante hipotecas a longo prazo, com a emissão de letras hipotecárias e penhores adequados às necessidades de cada lavoura. Este banco foi substituído pelo Banco Hipotecario e Agrícola da Bahia em 21 de 333

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outubro de 1912 no governo de J.J. Seabra. Este último, segundo as palavras do governador, “creado para o fim de substituir, servindo melhor os interesses da nossa agricultura e commercio”. O Banco Hipotecario não teve sucesso dada a conjuntura de crise internacional (1ª. Guerra Mundial) que sustou os financiamentos para ele contratados no exterior e os conflitos políticos que marcaram o segundo governo de Seabra. O Banco foi liquidado no governo Góis Calmon que além de adversário de Seabra também era banqueiro privado (Banco Econômico da Bahia) e concorrente. Em 1931 surgiu o Instituto de Cacau da Bahia, com as suas carteiras hipotecária e agrícola, visando a regularização do crédito na lavoura cacaueira que, à época, já era a maior do Estado em valor da produção. Como visto anteriormente, em 1937 surge o Instituto Central de Fomento Econômico da Bahia (ICFEB) um projeto de Ignácio Tosta Filho, dado à luz no governo de Juracy Magalhães. Segundo Tosta Filho (1948, p. A-5) o ICFEB foi organizado como uma autarquia administrativa, apresentando características originais no Brasil, relativamente à sua estruturação jurídica e administrativa. Dele participavam o Governo do Estado, representando os interesses gerais da coletividade e os institutos do Cacau, Fumo e Pecuária, representando as classes produtoras. Ainda segundo Tosta Filho (1948, p.A-9) o ICFEB teve uma atuação limitada “cingindo-se à de uma entidade especializada de crédito pròpriamente rural, conduzindo os seus negócios tendo em mira, sobretudo a segurança das operações”. Partindo de um capital inicial de Cr$ 10 milhões em 1937 dos quais 50% derivados dos três institutos associados, teve o ICFEB criada a seu favor uma taxa específica de financiamento, denominada de “taxa de fomento econômico” correspondente a 20% sobre o imposto de vendas e consignações, taxa esta substituída posteriormente por uma subvenção fixa de Cr$ 3 milhões anuais, consignadas no orçamento do Estado (Dec.Lei 279, de 7 de agosto de 1944). De acordo com Lima (2004, p.25) se “fossem mantidas essas fontes de recursos, teria o ICFEB chegado a 1959 [quando se transformou em Banco de Fomento do Estado da Bahia (Banfeb)] como uma das maiores instituições financeiras do país, detentora de um capital inferior apenas ao do Banco do Brasil e ao do BNDE”. Ainda Lima (2004) transcrevendo o Relatório de Atividades do Banfeb – 1960 334

NOELIO DANTASLÉ SPINOLA Atentando-se [...] para o fato de haver a arrecadação do imposto de vendas e consignações ultrapassado, de 1937 a 1959, o montante de dez bilhões de cruzeiros, verifica-se que teria sido recolhida ao IFEB, na forma da lei, a magnífica soma de Cr$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de cruzeiros) que, acrescida de lucros operacionais, haveria permitido que fosse propiciada, à economia baiana, uma assistência ampla, capaz de modificar, seguramente, os seus aspectos estruturais, contribuindo, decisivamente, para o seu fortalecimento. Mas, em conseqüência de uma acanhada visão dos fenômenos econômicos e da extraordinária repercussão que o engrandecimento da entidade oficial de crédito do Estado poderia trazer às condições de vida do nosso povo, eliminou se aquela possibilidade, [...] e o Instituto de Fomento Econômico da Bahia permaneceu funcionando, durante 22 anos, com o seu capital inicial inalterado, apenas acrescido, é claro, pelas reservas que se foram acumulando, as quais, em 1959, atingiam a Cr$ 88.000.000,00. Com aqueles reduzidos recursos, portanto, não seria possível ao IFEB cumprir, eficazmente, a elevada missão que lhe estava reservada, de amparar e fomentar a economia do Estado, nos altos níveis de suas necessidades, embora não se tenha descurado de contribuir para o desenvolvimento da produção, financiando, nos estreitos limites de suas possibilidades, a agricultura (p.25).

O ICFEB possuía em 1939, Cr$ 14,2 milhões em recursos próprios (capital + reservas) e Cr$ 3,3 milhões em depósitos. Em 1946, esses valores se elevam para Cr$ 33,03 milhões em termos de recursos próprios e Cr$ 25,4 milhões em depósitos (TOSTA FILHO, Quadro A-I). Os depósitos que, em 1939, representavam 19% do montante de recursos disponíveis elevaram a sua participação, em 1946, para 43,4%. Isto, segundo o autor citado, devido às conseqüências da inflação, da maior publicidade do Instituto e sobretudo à garantia dada pelo Estado pelo Decreto-Lei 513, de 21 de junho de 1945. Em 1939, o ICFEB aplicou 94% das suas disponibilidades (Cr$17,5 milhões) na carteira hipotecária (17%), na carteira agrícola (73%) e na carteira de fomento a colonização (10%). Em 1946 as aplicações assumem as seguintes características: carteira hipotecária (40%), carteira agrícola (50%) e na carteira de fomento a colonização (10%), de acordo com Tosta Filho (Quadro A-II). O ICFEB aplicou a maior parte dos seus recursos (cerca de 90%) em cinco atividades vinculadas à agricultura, a saber: cacau, cana de açúcar, fumo, pecuária e mandioca. Entre as atividades industriais registra-se um pequeno apoio a metalurgia que, entre 1941 e 1947 recebeu financiamentos no total de Cr$ 2,4 milhões. No período analisado por Tosta Filho (1939 – 1946) o Instituto recebeu 3 362 propostas de empréstimos totalizando Cr$ 352,7 mi335

lhões porém só atendeu a 1 875 propostas (56%) desembolsando Cr$ 156,9 milhões (45%). Tosta Filho critica o conservadorismo e a falta de agressividade das direções do ICFEB que, a seu ver, pelas oportunidades de alavancagem dos recursos disponíveis à época poderiam ter triplicado o volume de recursos aplicados na economia estadual. Também critica a destinação do crédito que privilegiava o grande produtor em detrimento dos pequenos agricultores que não tinham acesso aos financiamentos. No Plano de Ação Econômica para o Estado da Bahia propõe a criação do Banco da Produção do Estado da Bahia apresentando como Separata da secção A do Volume II do referido plano um estudo completo para a constituição deste novo organismo de crédito, inclusive a minuta do projeto de lei. Trata-se de um banco para a agricultura, como deixa entender ele no seu projeto: No presente estudo sobre a organização do Banco da Produção do Estado da Bahia encaramos sobretudo a distribuição do crédito destinado às atividades rurais, uma vez que a lei da criação do Conselho Estadual de Fomento Industrial já prevê, pelo menos de um modo geral, que o financiamento de indústrias fabris e mineiras seja feito por intermédio do referido Conselho, quando não por ele diretamente.

Porém não exclui a possibilidade de financiar as indústrias, dando ao seu projeto uma característica mais ampla e abrangente: Por outro lado, propomos para o Banco em apreço a denominação de Banco da Produção, e não Banco Rural e Hipotecário, porquanto as suas finalidades são amplas demais para esta última denominação mais restritiva, inclusive no que tange a possibilidade de financiar indústrias em geral, quando assim acordado com a CEFI, e ainda atividades comerciais através da sua Carteira de Descontos. (TOSTA FILHO, 1948, p. A-19).

O projeto do Banco da Produção foi lançado antes da aprovação da legislação bancária que se encontrava em discussão no Congresso Nacional (legislação esta que somente saiu em 1964). Entre 1956 e 1959 o governo da Bahia adotou um conjunto de providências para dar sustentação crediticia e financeira ao seu sistema de planejamento. Assim em 1956, criou o Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial da Bahia (Fundagro) e em 1959 transformou o ICFE no Banco de Fomento Econômico do Estado da Bahia (Banfeb), provavelmente aproveitando o trabalho detalhado de Ignácio Tosta Filho com vista ao Banco da Produção. É de se destacar que em toda a sua trajetória futura o Banfeb trabalharia prioritariamente com o crédito agrícola.

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O Fundagro teve por objetivos: a) expandir investimentos dentro de um programa de desenvolvimento e organização da economia agrícola e de equilíbrio e suficiência de abastecimento; b) colaborar supletivamente com a iniciativa privada em assuntos de fundamental interesse para a economia agrícola, o abastecimento e a própria industrialização. Surgiu como uma holding que abrangeria uma série de empresas destinadas a aumentar o nível de produtividade e racionalidade do setor agropecuário, assim como garantir a estabilização do fornecimento no mercado de gêneros e matérias-primas. Como estava previsto no Plandeb e foi anteriormente descrito, com a participação do Fundagro, foram criadas inúmeras empresas, voltadas, em sua maioria, para o fortalecimento das atividades tradicionais. Eram, principalmente, empresas que deveriam dar origem a setores de apoio a essas atividades, ou tentativas de modernização, ou, ainda, agroindústrias de linha complementar às citadas atividades. Segundo pretendia-se no planejamento, o setor público deveria desenvolver o esforço inicial para cobrir espaços não ocupados pelo setor privado. Assim, defendia-se a idéia de criação das empresas, também para caracterizar como um “negócio” do qual se esperava extrair lucros. Não deveriam ser serviços públicos, mas empresas das quais o setor público era acionista, para delas se retirar quando estivessem amadurecidas e com situação financeira consolidada. A equipe do Plandeb sabia perfeitamente do grave problema da falta de empresários e de capacidade empresarial na Bahia. A intervenção do Estado na economia foi a fórmula encontrada para suprir esta grave lacuna. Vale destacar que a idéia de uma holding com esta finalidade foi posteriormente copiada pelo BNDE para a viabilização do projeto petroquímico de Camaçari, quando os empresários brasileiros, no caso, eram também muito poucos. Dentro dessa linha, foram criadas várias empresas relacionadas nesta seção, nos tópicos relativos aos programas agrícola e industrial (seções 3.12.3 e 3.12.4). Dentre aquelas mencionadas, tiveram efetivamente destaque as seguintes: Companhia de Armazéns Gerais e Silos do Estado da Bahia (Caseb), Companhia de Alimentação e Sementes da Bahia (Casemba), Matadouros Frigoríficos S.A. (Mafrisa), Empresa de Conservação do Solo e Mecanização Agrícola (Ecosama), Companhia de Adubos e Materiais Agrícolas da Bahia 337

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(Camab), Produtos Alimentares da Bahia (Alimba) e Companhia Industrial Metalúrgica da Bahia (Cimba). Todas estas empresas foram posteriormente privatizados ou fecharam. Segundo depoimento de Rômulo Almeida: O Fundagro era uma holding, e como tal não administrava diretamente nada. Apenas formulava os projetos, constituía as empresas, dava o apoio técnico, fazia as auditagens e exercia o controle de gestão. Era uma organização para crescer e consolidar-se. Porém, como essas empresas filiadas começavam a crescer e a ficar importantes, as lideranças políticas começaram a botar olho nelas e acabaram por controlá-Ias, dividiram-na em verdadeiros “feudos”, e aí o sistema sofreu muito depois que eu saí. Aliás, antes disso tive alguns incidentes políticos. Lembro que coloquei na direção da Ecosama um professor de engenharia, que era um homem de esquerda, sujeito muito sério, o Walmor Barreto; e trouxe dois técnicos da FAO, um holandês e um dinamarquês, que tinham trabalhado na África e na índia. Conheciam condições de vida tropical e eram especialistas em engenharia rural. Orientaram uma organização primorosa, na época, para os recursos do Estado. Tempos depois, o pessoal do governo começou a assediar esse executivo e a atraí-lo com uma candidatura a deputado. Enquanto eu estava lá, o pessoal se mantinha no espírito da organização; depois a coisa ficou realmente enfeudada politicamente. Cada empresa tinha um dono político, e aí, foi um desastre: o Fundagro, como holding, deixou de existir; não tinha mais força. Cada sujeito que dominava uma empresa fazia seu jogo conforme os próprios interesses. Esse processo de degeneração, segundo Rômulo, começou ainda no governo Juracy e depois se agravou. Por exemplo, a Casemba, no governo de Lomanto, “foi transformada num instrumento de demagogia: ele comprou uma série de Kombis para vender na feira; então, num ano teve um prejuízo colossal”. (SOUZA e ASSIS, 2006 p.244).

O sistema pretendido com o Fundagro desarticulou-se completamente a partir da Reforma Administrativa do Estado realizada em 1966. O seu patrimônio foi transferido para o Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (Desenbanco), criado naquele ano, que assumiu as funções de banco de fomento, operando exclusivamente no mercado de capitais. Pouco antes, em outubro de 1965, o Banfeb foi transformado em Banco do Estado da Bahia S.A. (Baneb) que continuou operando com o crédito agrícola, ao qual, por dispositivo estatutário, destinava 70% dos seus recursos próprios. O Baneb, contudo operava em todos os mercados que compunham o mercado financeiro à época constituindo o que atualmente se denomina de banco múltiplo. Assim, trabalhando nos mercados monetário e de crédito, através das carteiras de crédito geral, industrial e de câmbio, prestou relevantes serviços a economia baiana por combinar o crédito 338

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de curto prazo – com as operações de longo prazo (num modelo semelhante ao adotado pelo Banco do Nordeste do Brasil). Chegou a possuir seis subsidiárias que operavam nos mercados de câmbio, de seguros e de capitais. Em 1992, próximo da sua absorção pelo Bradesco, possuía 154 agências no interior do Estado, 14 em Salvador e 4 em outros estados. O Baneb foi vendido ao Bradesco em 1999. A despeito da malversação das suas finalidades pelo uso político de que foi vítima, fez muita falta à economia baiana. Falando de mecanismos de fomento à economia baiana seria injusto se não fosse feita menção a duas instituições privadas que participaram da vida econômica estadual desde o século XIX. Trata-se do Banco da Bahia S/A e do Banco Econômico da Bahia S/A, criados em 1857 e 1893 respectivamente. Esses dois estabelecimentos de crédito, na primeira metade do século XX, foram os principais agentes de captação de recursos para o governo estadual e instrumentos ativos de financiamento da produção, notadamente a agrícola. Dos seus quadros funcionais saíram muitos técnicos que contribuíram para aumentar a eficiência de diversas administrações estaduais, sendo seus expoentes Clemente Mariani Bittencourt , pelo Banco da Bahia; Francisco Marques de Góis Calmon e Miguel Calmon du Pin e Almeida Sobrinho pelo Banco Econômico, personalidades que se destacaram sobretudo pela defesa dos interesses nacionais, neles contidos com prioridade os da Bahia. Esses dois bancos desapareceram no final do século XX. O Banco da Bahia foi vendido ao Bradesco em 1973 e o Banco Econômico faliu em 1995, na onda de uma crise bancária sem precedentes que atingiu o país. Com o golpe militar de 1964, acabou-se, a experiência de planejamento na Bahia. E é de se acreditar que também no Brasil, a partir de 1990, com a onda neoliberal que dominou o mundo. O máximo que as administrações estaduais passaram a apresentar foram programas de governo – declarações de intenções nem sempre cumpridas – e projetos, muitas vezes de inspiração federal, tendo em vista a concentração dos recursos para investimento pela União.162

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Ver ainda, no Título IV o Capitulo 4.2 que trata dos incentivos fiscais concedidos pelo estado da Bahia.

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TÍTULO IV POLÍTICA GOVERNAMENTAL NA INDÚSTRIA, NO COMÉRCIO E NO TURISMO Os puristas da chamada escola liberal dirão que as inexoráveis leis econômicas regularão o mercado, com o correr do tempo, eliminando, pela falência e abandono das fazendas o excesso de produção... É a lei da sobrevivência dos mais capazes. Mas a história econômica mostra, incessantemente, que no atual estado de civilização não se pode e não se deve deixar os povos à mercê dos iníquos resultados de uma tal lei.(SIMONSEN, 1937, p.75)

4.1 PROGRAMAS E PROJETOS PÓS-1964 O golpe militar de março de 1964 implantou no Brasil um regime ditatorial que dominou o país durante 22 anos. Os estados perderam completamente a autonomia. As eleições diretas para governadores e prefeitos municipais foram suspensas, o Congresso Nacional perdeu a função legislativa, concentrando-se todo o poder decisório em mãos do estamento militar. Durante a ditadura, a Bahia foi dirigida por um governador, eleito em 1963 e mantido no cargo, e quatro governadores nomeados, nos períodos seguintes: a) 1963/1967 Antonio Lomanto Junior b) 1967/1971 Luís Viana Filho c) 1971/1975 Antônio Carlos Magalhães d) 1975/1979 Roberto Santos e) 1979/1983 Antônio Carlos Magalhães O planejamento industrial da Bahia pós-1964 também executou programas e projetos segundo diversas diretrizes emanadas do Plandeb, notadamente quando estas coincidiam com o planejamento do governo federal à época. Os programas de maior destaque foram os seguintes: a) fomento à industrialização do interior; b) implantação dos complexos produtores de intermediários na metalurgia, petroquímica e minerais não-ferrosos. Como instrumentos principais desses programas, desenvolveramse as políticas de incentivos fiscais e de construção dos distritos industriais. A racionalidade da política dos distritos estava na constituição 341

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de “polos de crescimento”, no sentido original dado por François Perroux a este termo, como conjuntos industriais interdependentes em que a concentração dos efeitos dinâmicos dos investimentos seriam maiores que a soma dos benefícios líquidos de cada empreendimento. Essas políticas estiveram associadas à percepção dos planejadores baianos quanto a três aspectos: a) a reduzida vocação industrial dos empresários locais, já discutida à exaustão neste livro, preferencialmente dedicados ao comércio, à agricultura e, posteriormente, aos serviços e à intermediação financeira; b) a ausência de inovadores, decorrente do baixo nível de desenvolvimento educacional e tecnológico local; c) a escassez de poupança interna que formasse, pelo menos, a contrapartida de recursos para o financiamento de inversões industriais como já foi anteriormente mencionado. Para enfrentar estas limitações, a solução lógica seria a da atração de capitais externos, fossem nacionais ou internacionais. Daí a montagem da estratégia de construção de externalidades físicas e financeiras (distritos + incentivos fiscais) como fatores de atração. O quadro tornou-se tão dramático que, em 1975, quando o governo federal procurava sócios para a montagem do modelo tripartite de composição acionária de petroquímica que aqui implantava, só conseguiu reunir três grupos empresariais baianos (todos sem tradição industrial), sendo dois banqueiros (um dos quais faliu) e um vinculado à construção civil. Assim mesmo, teve que subsidiá-los com recursos do BNDES.163 No plano tecnológico, a despeito do considerável número de instituições teoricamente envolvidas com a política e com os programas de fomento à pesquisa e ao desenvolvimento no Estado, constituídos ao longo dos últimos vintes anos, existe, na prática, um grande distanciamento entre a produção científica e tecnológica local e as demandas do setor produtivo, o que tem inibido, por um lado, a função social da pesquisa e, por outro, a geração de inovações tecnológicas para as empresas. A inexistência de políticas permanentes e concatenadas para a ciência e a tecnologia (C&T), com metas dimensionadas para todos os setores, a ausência de articulação e de utilização de pesquisa cooperativa entre centros de pes163

Que acabou se transformando, no final do século, no maior grupo petroquímico privado do Brasil.

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quisa, universidades e empresas, além do reduzido volume de investimentos em C&T, tanto da área pública, como da privada, explicam a ineficácia do sistema estadual de inovação. Em termos ainda mais específicos, o predomínio do capital mercantil no Estado gerou uma cultura voltada para a aquisição de tecnologia pronta (pacotes fechados). A indústria petroquímica, a mais importante da economia estadual, revelou-se incapaz de gerar um núcleo de desenvolvimento de tecnologia endógeno, vez que suas empresas não possuem o porte adequado para efetuar os investimentos necessários em pesquisa e desenvolvimento (P&D) que lhes assegure os níveis internacionais de competitividade requeridos. No plano das universidades, merece registro o gradativo distanciamento que se processou, a partir de 1964, entre o governo do Estado e a Universidade Federal da Bahia, o que se agudizou a partir de 1969. Isto porque o movimento militar expulsou os principais técnicos e pensadores baianos, que foram obrigados a deixar o país ou o Estado. O conflito ideológico entre a universidade e o governo só fez crescer ao longo dos 22 anos da ditadura militar e prolongou-se até a época atual, posto que, mesmo após o final do ciclo castrense, continuou o Estado sob o domínio cada vez mais absoluto de uma facção política de extrema-direita que não era sensível a investimentos de médio e de longo prazos em P&D. Nesta circunstância, sem apoio político estadual e enfrentando a política privatizante do governo federal, a universidade sofreu um processo de esvaziamento, o que cortou uma importante vertente de produção e renovação tecnológica. Como governador da Bahia no período de 1963 a 1967, Lomanto Júnior enfrentou um período extremamente difícil, tanto no plano político quanto no econômico. A sua gestão foi atropelada pelo golpe militar de 1964 que quase cassa o seu mandato o qual exerceu sobre uma velada tutela militar. No seu governo, foi realizada a reforma administrativa da estrutura executiva do governo estadual, uma importante medida de política pública no sentido da modernização da máquina administrativa. Uma característica marcante dessa reforma, que foi estrutural, foi o fato de ter sido inspirada e promovida de acordo com as diretrizes do Plandeb, visando a dotar o Estado das condições indispensáveis para a condução do processo de crescimento econômico da Bahia. A partir desse momento, introduziu-se no Estado a técnica de orçamento-programa com a 343

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vinculação dos recursos às atividades governamentais programadas. Nenhuma outra reforma com esta amplitude ocorreu posteriormente. Surgiram apenas emendas casuísticas, promovidas pelos governantes posteriores, objetivando especificamente o atendimento de projetos políticos dos grupos no poder. Assim foi concebida e promulgada, em 11 de abril de 1966, a Lei da Reforma Administrativa do Estado da Bahia164, no bojo da qual nasceram a Secretaria da Indústria e Comércio (SIC), o Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (BNDE) e o Centro Industrial de Aratu (CIA) entre outros órgãos importantes, e foram criadas as regiões administrativas do Estado, como parte de uma proposta de descentralização da administração – que nunca foi posta em prática –, entre outras medidas que mudariam a feição da administração. A reforma, realizada com base nos estudos do Instituto de Serviço Público da Universidade Federal da Bahia (ISP), seguia também a orientação federal com a reforma administrativa na União. Em termos de política industrial, a SIC absorvia atribuições que antes eram exercidas pela Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio, pela Secretaria Extraordinária para o Desenvolvimento Econômico e pelo Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial (Fundagro). Os seus objetivos, definidos em lei, eram: a) orientar e estimular as atividades industriais e comerciais; b) estudar os problemas econômicos e técnicos da indústria e do comércio, tendo em vista os interesses do desenvolvimento do Estado. A despeito de ter sido criada em 1966, a SIC começou a funcionar efetivamente em 1967, quando teve as suas atividades regulamentadas pelo decreto n. 20.138 de 30 de janeiro de 1967, publicado no Diário Oficial do Estado do dia 14 de fevereiro do mesmo ano. A SIC, assim como o Banco de Desenvolvimento e o CIA, foi concebida na Secretaria Extraordinária para o Desenvolvimento Econômico, dirigida à época pelo economista Victor Gradin, como parte integrante do mecanismo institucional que objetivava instrumentar o governo estadual para uma ação mais eficaz no fomento à industrialização da Bahia, no bojo de um processo que se intensificava em todo o Nordeste brasileiro como decorrência, entre outros fatores, da ação do governo federal por intermédio de organismos como a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). 164

Lei 2 321 de 11 abr.1966.

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Juntas, essas três instituições formaram um sistema em que cabia à secretaria tratar da formulação política do processo de desenvolvimento industrial, ao CIA, a oferta e a administração de áreas dotadas de infraestrutura, com a geração das externalidades essenciais à atração de novos investimentos e ao Banco de Desenvolvimento, a concessão de financiamento de longo prazo com recursos próprios ou mediante operações de repasse. A SIC absorveu na sua estrutura organizacional parte das empresas do extinto Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial da Bahia (Fundagro),165 comportando também uma figura organizacional criada pela Lei da Reforma Administrativa a qual se denominava de Centros Executivos Regionais. Esses centros objetivavam a descentralização das atividades e dos serviços das secretarias de Estado, operando como unidades administrativas polivalentes166, localizadas nas cidades-sede das regiões administrativas do Estado. Na prática, esse órgão nunca funcionou. A secretaria nasceu desvinculada da atividade turística. O então Departamento de Turismo, pela Lei da Reforma Administrativa, era subordinado à Secretaria de Assuntos Municipais e Desenvolvimento Urbano. Dadas as circunstâncias em que se processou a sua criação, o Centro Industrial de Aratu, em seus primeiros momentos, surgiu politicamente mais forte do que a secretaria. Foi organizado pelo decreto n. 20.126 de 12 janeiro de 1967, como autarquia, sem maior vinculação à SIC. É também de 1966 a aprovação do regulamento dos incentivos fiscais a cargo do governo Estadual e do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI).167 O CIA constituiu uma iniciativa pioneira de concepção, planejamento e implantação de áreas específicas para a atividade fabril em todo o Nordeste brasileiro. A decisão de implantar um distrito manufatureiro não especializado na Região Metropolitana de Salvador remonta ao final da década de 1950, quando da elaboração do Plandeb e da criação da CPE. A instalação da “cidade industrial” em Aratu foi recomendada em 1958 pela Sub-Comissão de Desenvolvimento e Localização Industrial da CPE, que concluía pela escolha da 165

Outra parte foi absorvida pelo Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia. Art. 10 do Cap. II, Título I da lei 2 321 de 11/04/1966. 167 Decreto n. 20.045 de 11/11/1966. 166

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região de Aratu como a mais adequada para a implantação das externalidades essenciais à atração e fixação de indústrias na RMS. [...] considerando que, após exame de todos os aspectos do complexo problema de localização para as indústrias que se terão de fixar, em breve prazo, no Estado da Bahia, chegou a Sub-Comissão de Localização e Desenvolvimento Industrial da Comissão de Planejamento Econômico à conclusão de que se faz mister, em caráter de prioridade, delimitar uma “cidade” nas circunvizinhanças da Capital que atenda a todos os requisitos imprescindíveis, de energia fácil, de água em abundância, de mão-de-obra disponível, de mercado consumidor próximo, de diversificação de vias de comunicação; considerando que dentre as áreas lembradas para a criação de uma cidade industrial merece destaque a que rodeia a Baía de Aratu, de topografia favorável, de acessibilidade por mar, por ferrovia e pelas rodovias em processo de pavimentação, com energia elétrica e gás natural, com água dos rios Pojuca, Jacuípe e Joanes de captação prevista; área já escolhida pela Base Naval, pela Cimento Aratu, pela Nitrogênio e percorrida pela PETROBRÁS; é de parecer a Sub-Comissão de Localização e Desenvolvimento Industrial que, sem prejuízo de uma consideração futura das áreas que se estendem ao longo da rodagem Bahia-Feira, de Valéria até Água Comprida [...], a Comissão de Planejamento Econômico indique ao governo do Estado os terrenos que circundam a Baía de Aratu para desapropriação, visando à implantação da Cidade Industrial nº 1 do Estado da Bahia.(SPINOLA, 2003, p.165)

Diversos estudiosos do assunto também ofereceram contribuições: o geógrafo Mílton Santos (Localização industrial em Salvador, IEFB, 1957), indicando algumas áreas para estudos, inclusive Aratu; o economista Deraldo Jacobina Britto (O problema da localização industrial na Bahia,1958, IEFB), recomendando preferencialmente Aratu. Outras sugestões apareceram em vários trabalhos de natureza econômica, entre os quais os do economista John Friedmann, durante sua assistência ao Instituto de Economia e Finanças da Bahia, em 1956-1957. A partir de 1959, o assunto passou a ser examinado também pela Sudene, interessada na implantação do projeto siderúrgico de que resultou a Usiba, e pela Petrobras, por intermédio da Assessoria da Indústria Petroquímica (Aipet), encarregada de planejar a criação do Conjunto Petroquímico da Bahia (Copeb). Criou-se um grupo misto informal, constituído de representantes da Sudene, Aipet e CPE, para a troca de informações. Segundo Spinola (2003, p.166) os resultados desses estudos foram apresentados em três documentos, em 1960: a) relatório do economista Francisco Oliveira, à época Superintendente-Adjunto da Sudene e participante das reuniões 346

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finais do grupo informal, Sudene-Petrobras-CPE, sobre a implantação do projeto siderúrgico, concluindo pelo eixo Salvador-Pojuca para a localização da usina e do complexo industrial que se desenvolveria em suas proximidades; b) relatório da Servix-Brastec, elaborado sob contrato da Aipet, que comparava diversas alternativas em toda área do Recôncavo e recomendava a localização do Conjunto Petroquímico em Camaçari; c) relatório do grupo de siderurgia da Sudene e da CPE, que analisava três alternativas de localização e indicava preferência para a região da foz do rio Paraguaçu, a oeste da baía de Todos os Santos, como solução mais econômica a longo prazo, desde que os órgãos governamentais se dispusessem a inversões imediatas de grande vulto; considerava mais favorável, a médio prazo, a região de Aratu e contraindicava a terceira alternativa considerada – a região de Camaçari –, principalmente pelos custos inerentes ao transbordo de mercadorias em qualquer localização não portuária. Em 1963, a Usina Siderúrgica da Bahia S. A. (Usiba) decidiu-se pela localização de sua usina siderúrgica em Aratu168, recomendando ao governo do Estado a implantação da Cidade Industrial na região da baía de Aratu, anexando mapa com proposição de limites e divisão da área em uma zona de indústrias leves, ocupando os terrenos elevados a sudeste, e uma zona de indústrias pesadas, nos terrenos de cotas mais baixas, nos litorais norte, leste e sul da baía. Em 1964, o decreto n. 19.332, definia a posição do governo estadual favorável à localização em Aratu e fixava os limites da área 168

Quando já estavam definidas as linhas gerais do Plano diretor, em 1967, a Usina Siderúrgica da Bahia (Usiba) localizou-se em uma área de 310 ha., aproximadamente, no centro da ZILM, correspondendo aos distritos 5 e 6. Isso não apenas subverteu o zoneamento estabelecido, pela inserção de uma unidade de indústria pesada, de grande porte, numa área destinada a indústrias menores como, também, bloqueou o prolongamento sul da via das Torres, principal eixo viário previsto no Plano diretor, impedindo o acesso, pelo interior da Zona Industrial, à área de Valéria. Ressalte-se que a Usiba, desde 1963, já se havia decidido pela localização escolhida e, inclusive comunicado a decisão ao governo do Estado. Esta contradição se explica pela precariedade da base topográfica utilizada no Plano diretor de 1967, pela desarticulação entre as equipes estaduais (PD-CIA) e federais (Usiba) e pela postura autoritária dominante entre os tecnocratas da época. Ademais, a preocupação dos planejadores físicos do CIA, liderados por um arquiteto de renome, mas sem experiência neste ramo, era mais filosófico-conceitual do que objetiva e pragmática. Tal fato provocou graves distorções: os distritos 7, 8 e 9 resultaram desvinculados dos demais e, marginalizados do CIA, passaram a sofrer a ação do desenvolvimento urbano inercial da cidade de Salvador, com a proliferação de invasões sem qualquer controle da autarquia. (SPINOLA, 2003, p.169).

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para a sua implantação. A execução das providências determinadas pelo decreto foi confiada ao Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial (Fundagro). Em janeiro de 1965, o Fundagro iniciou entendimentos objetivando a elaboração de um Plano diretor para o Centro Industrial de Aratu169. Nessa oportunidade, foi constatada a inexequibilidade imediata de um projeto executivo para o CIA, em face da vasta extensão da área, aliada à inexistência de dados precisos e suficientemente completos170 e à carência de prazo e de recursos. Fixou-se, então, a conveniência de elaborar-se um Plano diretor que determinaria a orientação e as normas para o desenvolvimento da área do centro, descendo a nível de anteprojeto para as obras consideradas de necessidade imediata à implantação de um primeiro núcleo para indústrias leves e dando indicações para prosseguimento dos trabalhos. Na inexistência de condições de obtenção de financiamento para a elaboração do Plano diretor, o governo do Estado optou por financiar a sua execução com recursos próprios, fato que ocorreu em fevereiro de 1965, quando, através do decreto n. 19.432, ficaram assegurados ao CIA os recursos indispensáveis a sua implantação, constituídos de 25% das indenizações (royalties) pagas pela Petrobras ao Estado sobre a produção local de petróleo e de gás natural. Em consonância com o momento político-institucional da época, e refletindo-o, o Plano diretor do CIA foi concebido e elaborado sem diálogo com as instâncias municipais, as associações de classe, a comunidade, por suas diversas organizações e lideranças as quais não foram consultadas nem participaram de qualquer etapa do processo. A elaboração do Plano diretor foi confiada à empresa baiana Empreendimentos da Bahia S/A (vinculada ao grupo do Banco Econômico da Bahia) em novembro de 1965. O contrato conferiu amplos poderes à Empreendimentos que assumiu uma responsabilidade tríplice. Primeiramente, a conceituação básica do Plano e a definição dos seus objetivos essenciais e da política a ser cumprida. Em segundo lugar, a execução técnica direta de determinadas tarefas, nos setores de pesquisas, estudos de natureza tecnológica, econômica, financeira, jurídico-administrativa, legislativa e de orientação para pro-

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O Plano Diretor foi concluído em 1966 e editado em 1967. Um dos mais sérios problemas com que se defrontavam os planejadores à época era a falta de base cartográfica com suficiente nível de detalhe para a execução do planejamento físico.

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moção. Finalmente, a responsabilidade pela conceituação, orientação, coordenação e administração de todos os trabalhos técnicos que seriam contratados com escritórios, entidades e pessoas especializadas para o estudo das condições de implantação e do planejamento físico e portuário, culminando num longo trabalho de seleção prévia. Como pressuposto básico, o Plano diretor de 1966 admitia que: [...] a retomada da curva ascendente de desenvolvimento da economia baiana e as condições criadas pelas inversões da SUDENE, pelos estímulos fiscais federais e estaduais, pelo incremento das operações de financiamento industrial do Banco do Nordeste do Brasil e pelos novos esquemas de financiamento dos bancos da União e do Estado, faziam crer num crescimento intenso das inversões industriais e numa multiplicação de projetos fabris e agrícolas no período imediato. Esse impulso, se não fosse detido por fatores negativos, como a dificuldade de terrenos equipados e bem situados, seria de molde a deflagrar um processo de crescimento contínuo. (BAHIA, SIC 1967, p. 2).

O clima de confiança na expansão da economia de base industrial e o otimismo da época quanto à estabilidade da política nacional em relação ao Nordeste, além do “caráter nitidamente promocional” que foi necessário conferir ao Plano diretor, explicam a inexistência de uma estratégia industrial seletiva para o CIA e a ênfase que foi dada a ampla oferta de áreas dotadas de infraestrutura como objetivo principal do planejamento, permitindo compreender o gigantismo assumido pelas proposições físicas mais abrangentes. O objetivo fundamental do Centro Industrial de Aratu, segundo o texto do Plano diretor de 1966, era [...]assegurar uma oferta estável e elástica de terrenos industriais, em área excepcionalmente bem situada, racionalmente zoneada e bem equipada, assegurando às indústrias excelentes condições de competitividade, pelas vantagens iniciais de implantação e baixo custo de operação,[...]

que se desdobrava na intenção de “assegurar, no longo prazo, facilidades para mais ampla expansão industrial que seja previsível”. A esse objetivo principal, o documento associava três outros “objetivos correlatos”, aos quais declarava atribuir particular importância, mesmo porque transcendiam ao plano industrial propriamente dito: a) a criação de um “porto regional”; b) a execução de um “programa habitacional”; c) a “integração futura” da área industrial e dos núcleos habitacionais na “Área Metropolitana da Grande Salvador”.

No estabelecimento dos objetivos centrais do planejamento do CIA e nos aspectos então enfatizados, delineavam-se os pressupos349

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tos gerais em que se fundamentaria o Plano físico e que iriam determinar algumas de suas principais características, revelando, ao exame crítico de hoje, seus critérios, seus acertos e suas inadequações, identificados pelos resultados e consequências observados nos anos que já decorreram, desde as primeiras intervenções na área. Segundo Sampaio A. (1999), as características básicas da proposta do plano do CIA de 1966 eram: 1º) plano urbano-industrial de visão e escala regional, baseado num desenvolvimento tipo cidade-industrial-linear no entorno da Bahia de Todos os Santos, tendo Salvador como cabeça do sistema; 2º) Salvador-Metrópole concebida numa nova versão rádio-concêntrica, em que o centro tradicional assumiria a função turística e deslocam-se para um novo-centro as funções de governo estadual e municipal, localizado nas imediações do Cabula (antecipava-se pois, ao CAB);171 3º) a base econômica regional centrada na indústria moderna, e, ao contrário da visão do GTDN-SUDENE (voltada para a pequena e média empresa e mercado local), defendia a CPE a instalação de grandes empresas voltadas para os mercados do Centro-Sul; 4º) a estratégia era uma espécie de desconcentração concentrada, tendo como especificidade uma infra-estruturação fora do espaço urbano de Salvador, criando um complexo de facilidades industriais de modo a atrair capitais e investidores de fora da região, ao tempo em que se remodelaria a metrópole readequando-a ao novo desenho; 5º) o modelo espacial do CIA contemplaria novas cidades industriais satélites à grande-Salvador, ficando a metrópole como área de preservação do patrimônio histórico, paisagístico e cultural, com ênfase para o turismo e terciário moderno como funções básicas da cidade; 6º) o complexo viário resultante englobaria os vários sistemas hidro, ferro, rodo e aeroviário, numa malha de característica predominante linear, destacando-se um grande anel no entorno da Baía de Todos os Santos, passando por Itaparica e alcançando Salvador (ponta da Penha), daí prosseguindo até a Baía de Aratu (novo porto) rearticulando todos os sistemas, terminais e zonas de produção industrial, habitações e turismo/lazer. Uma ponte ligando Itaparica a Salvador é sugerida nos desenhos, sendo, na prática, substituída pelo “ferry-boat” nos anos 70. O modelo espacial proposto referendava um desenho, cuja formaurbana obedecia a um esquema geral já sintetizado por LE CORBUSIER (1964), tanto no âmbito da distribuição macro-espacial, 171

Centro Administrativo da Bahia – CAB, para onde foram deslocados todos os órgãos principais do governo do Estado a partir de 1971, dando início ao processo de esvaziamento do Centro Histórico de Salvador.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA como em termos de configuração do sistema viário geral, estruturante da circulação entre as áreas urbanas, industriais e rurais. Curiosamente, as cidades existentes, fora do universo de Salvador, não foram realidades contempladas e novas assentamentos foram propostos, numa espécie de redesenho do território urbanoregional. [...] Assim, Salvador sofreria o impacto desta industrialização fora do seu território político-administrativo, pois organicamente é imbricada com o novo locus da produção moderna. As novas vias arteriais e regional levariam a cidade-real a se expandir, não exatamente como a cidade-ideal desenhada por Sergio Bernardes, mas numa configuração outra – descentralizada em que o sprawl da metropolização é a tônica da forma-urbana polinuclear. É onde o capital imobiliário encontrará o campo fértil necessário aos seus negócios: a malha expandida, com extensas áreas de terras vazias próximas às vias e a legislação urbanística flexibilizada no sentido horizontal e vertical, implodindo a velha forma-urbana de característica mononuclear herdada do século XIX. (SAMPAIO A., 1999. p. 228-236).

A intenção fundamental de maximizar a oferta de áreas para as futuras indústrias conduziu a um exagero na delimitação do espaço a planejar, que compreendia 8 800ha somente nas zonas industriais e portuárias, totalizando 43 600ha, se incluídas as zonas destinadas a “habitação e comércio”, as zonas de “transição” e aquelas de “espaços verdes comuns”. Esse gigantismo, sem paralelo entre os distritos industriais brasileiros planejados, antes ou depois do CIA, resultou, inicialmente, na impossibilidade de se integrar a área destinada às indústrias, mesmo com desapropriações a preços baixos e, em seguida, gerou diversos outros problemas e dificuldades, que passaram a constituir reais obstáculos à eficiência do CIA. Em primeiro lugar, ao estender-se pelo território de quatro municípios, o Centro Industrial de Aratu enfrentou situações de delicado relacionamento com as respectivas prefeituras, quanto à compatibilização política entre os diversos interesses, controle eficaz dos usos do solo (atribuição constitucional dos municípios) e a reaplicação adequada da receita tributária gerada pelas indústrias, em infraestrutura e serviços que beneficiassem de modo efetivo as populações vinculadas, direta ou indiretamente, ao centro industrial. Além disso, a extensão territorial do CIA, associada à concepção ambientalista de Sérgio Bernardes, relativa às “indústrias verdes” que se instalariam no distrito, parecem ter influído na política de venda de áreas para as empresas, com a alienação de glebas bem 351

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maiores do que as reais necessidades de muitas indústrias, criando uma situação de baixíssima densidade de ocupação. A taxa média de ocupação dos lotes era, na época, inferior a 7,0%, o que caracterizava uma subutilização de toda a infraestrutura viária e em rede, onerava consideravelmente sua manutenção e a prestação de alguns serviços, prejudicando a eficiência geral do sistema. As grandes dimensões do CIA tornaram necessário um pesado investimento inicial na infraestrutura viária, que absorveu a maior parte dos recursos destinados a sua implantação, prejudicando o objetivo básico estabelecido pelo Plano diretor, de assegurar uma ampla disponibilidade de áreas para novas indústrias, uma vez que, no período entre 1967 e 1980 (julho), apenas 5,6% do investimento total foram destinados à aquisição de terras e edificações. Uma séria consequência dessa distorção ocorreu à medida que inversões maciças foram realizadas em rodovias e outros equipamentos de infraestrutura, acentuando a valorização dos terrenos e dificultando, dessa forma, a aquisição de novas áreas. Ademais, o regime fundiário vigente àquela época e até os tempos atuais, favorecia e agravava o fenômeno da especulação imobiliária que se desencadeou na área. A construção de um grande porto na área de Aratu, que os estudos anteriores recomendavam e o Plano diretor reconhecia como necessário, “mesmo sem referência à instalação adjacente de uma área industrial”, resultou numa das proposições mais corretas daquele plano e num dos investimentos de maior alcance a longo prazo, realizados na Região Metropolitana de Salvador, constituindo-se, hoje, equipamento fundamental para o Polo Petroquímico de Camaçari e todas as demais indústrias da área. Foi, também, de acordo com indicação do plano, que previa instalações portuárias privadas no interior da baía de Aratu, que a Dow Química construiu e está operando um terminal próprio na margem norte do canal de Cotegipe. O Plano diretor, elaborado em 1965/1966 pela Empreendimentos da Bahia, vigorou até o ano de 1980, quando foi reformulado pela Secretaria da Indústria e Comércio, utilizando uma equipe constituída por técnicos integrantes do seu próprio quadro, que buscou ajustar o uso e a ocupação do solo à realidade da época e corrigir os excessos de concepção do documento original. O Centro Industrial de Aratu é, hoje, uma sombra do grande empreendimento sonhado na década de 1960 e que, segundo os seus idealizadores, iria transformar a face da Bahia, projetando-a 352

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como um Estado moderno, industrializado e, consequentemente, desenvolvido.172 A sistemática de atração empresarial inaugurada em 1967, baseou-se na concessão de terrenos dotados de infraestrutura e benefícios fiscais e financeiros generosos. Como já foi salientado, inexistia (e ainda inexiste) vocação empresarial-industrial na Bahia; por isso, a solução encontrada foi a de “atração de empresários” do Sul e Sudeste do país.173 O processo, realizado entre 1967 e 1980, não era seletivo: teoricamente, baseava-se na filosofia de desenvolvimento concebida pelo Plandeb, mas, na prática, como foi demonstrado antes, o CIA-67 não era um distrito especializado. Logo, qualquer indústria que estivesse disposta a ali se localizar era recebida entusiasticamente pelas autoridades baianas que, nessa época, realizavam freqüentes viagens de divulgação e promoção do centro, além de promoverem generosas recepções aos empresários convidados a conhecer a região. Disso tudo, resultou a implantação inicial de um considerável número de empresas, sucursais de fábricas do Sul/Sudeste que para o CIA se deslocaram, a maioria objetivando explorar as vantagens oferecidas, a ingenuidade técnica e a boa-fé dos técnicos e autoridades baianas. Fundou-se aí uma cultura baseada na importância quantitativa das empresas atraídas para o centro. O importante era a quantidade e o número de empregos que seriam gerados. Não havia preocupação com a qualidade, faltou follow-up, o que gerou inúmeros problemas vivenciados posteriormente. Uma empresa que se implantasse no CIA, àquela época, era “considerada de relevante interesse para o desenvolvimento do Nordeste” pela Sudene e, com isto, ficava isenta do pagamento do imposto de renda, pelo prazo de 10 anos, e de todos os impostos federais e estaduais incidentes sobre máquinas e equipamentos importados (com dispensa do exame de similaridade no país) ou adquiridos no mercado local. Comentava-se, em 1980, que algumas empresas utilizaram o artifício de adquirir equipamentos novos para as suas matrizes, 172

Este é um componente importante da “política de desenvolvimento regional brasileira”. Neste cenário, não há planejamento que funcione. Em um país de estrutura social patrimonialista, a predominância de um eleitorado pobre e ignorante facilita e até condiciona este estado de coisas. 173 Na prática, através da concessão de incentivos, o governo estava “comprando” a geração de empregos na Bahia, o que, entretanto, não ocorreu na proporção e no quantitativo esperados.

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mandando para as suas “fábricas” no CIA os equipamentos velhos, muitas vezes tecnologicamente obsoletos. Além das isenções federais, as empresas gozavam da redução do ICM (imposto estadual) em até 60% do valor devido, para fins de “reaplicação em ampliações e benfeitorias no próprio empreendimento”.174 Por fim, as empresas matrizes no Sul/Sudeste poderiam aplicar até 50% do seu imposto de renda no investimento em suas filiais aqui instaladas ou captar esses recursos junto a outras empresas ou a pessoas físicas, para reaplicação no Nordeste. Tudo isto gerou uma “indústria dos incentivos”, movida por uma multidão de escritórios técnicos especializados na elaboração de projetos e captação de recursos localizados principalmente em Recife e em São Paulo. Com os benefícios obtidos à custa de renúncia fiscal, muitas empresas se mostraram rentáveis, duplicando o valor da taxa interna de retorno dos seus empreendimentos (SPINOLA, 1997). Em 1969, uma alteração na legislação da Sudene (decreto 64.214/69, art. 33) dá a partida ao que viria a ser o processo de “esvaziamento” do CIA, isto porque os projetos aprovados para localização naquele centro só poderiam gozar de financiamento com os recursos dos incentivos federais até o limite de 60% do investimento total projetado. Esta decisão implicava em reduzir o financiamento com recursos do sistema 34/18 num montante equivalente a 20% (antes, os financiamentos eram de 75%). Muitos projetos, à época, transferiram-se para localizar-se no Centro Industrial de Subaé, na cidade de Feira de Santana, a 108 km de Salvador, onde poderiam gozar do financiamento máximo de 75%. Assim, reduzidos ou cessados os benefícios fiscais e, também, posteriormente atingidas pela crise econômica dos anos 1980, muitas empresas desativaram as suas fábricas no CIA. É de se observar que, nas origens desta desmobilização estava não somente a falta de competitividade decorrente da perda do subsídio fiscal, mas, também, um forte componente de incompetência gerencial, a falta 174

Este benefício durou até 1982, quando foi extinto pelo Confaz, um organismo que reúne todos os secretários de finanças estaduais. Até 1980, este “incentivo” correspondeu a uma renúncia fiscal pelo governo da Bahia, da ordem de US$ 122,7 milhões. O governo da Bahia, no período de 1980-1983, exerceu uma severa fiscalização sobre a aplicação desses recursos a “fundo perdido” pelas empresas beneficiárias. Mesmo assim, não conseguiu que se produzisse o efeito multiplicador desejável, mediante reinvestimentos efetivamente produtivos, que implicassem na ampliação e/ou instalação de novas plantas.

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de complementaridade e a má-fé de muitos empresários que apenas instalaram aqui linhas de montagens dos componentes fabricados pelas suas matrizes. A criação do Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec), como um distrito industrial específico, espacial e institucionalmente separado do CIA, também constituiu um importante fator para a desarticulação deste centro industrial. O Copec, como se verá adiante neste livro, foi uma opção de planejamento espacial equivocada, constituindo-se na melhor oportunidade perdida pelo governo da Bahia para dar um sentido lógico ao Centro Industrial de Aratu. A existência do CIA tem sido marcada por um ir e vir de empresas e por um esforço constante de todas as administrações no sentido de recuperar fábricas que se vão fechando, substituindo-as por novos empreendimentos. Em 1979, o centro possuía 90 empresas em operação e 17 paralisadas. Com o plano diretor de 1980, que propunha a sua especialização no segmento da metal-mecânica e, aproveitando indiretamente os efeitos da atração produzida pelo Complexo Petroquímico de Camaçari, promoveu-se uma breve recuperação do CIA, que encerrava o exercício de 1982 com 146 empresas. Nessa época, o parque metal-mecânico implantado na área, que gravitava em torno das encomendas da Petrobras para as sua atividades no off-shore e na recuperação secundária de poços de petróleo da bacia do Recôncavo, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, chegou a atingir 40 unidades industriais, número este que se reduziu a cinco quando a estatal desativou parte substancial das suas atividades na Bahia. Empresas que chegaram a trabalhar com 3 mil empregados (Equipetrol) foram desativadas, deixando um grande passivo trabalhista. O mesmo destino teve um Distrito Calçadista, criado sem qualquer fundamento lógico pelo governo do Estado em 1985. As suas 14 empresas foram abandonadas no CIA-Sul, algumas restando com os equipamentos apodrecendo no meio do mato. Os dados da população empresarial do CIA175, para o final do século XX, fornecidos pela Sudic, indicavam a existência de 166 175

Os dados oficiais, infelizmente, não são plenamente confiáveis. É possível que exista um contingente razoável de empresas paralisadas, número este que não é divulgado pela Sudic. Os números relativos aos empregos são originários dos projetos e declarados pelos empresários. Os órgãos governamentais não realizam auditorias para comprovar a real existência desses números.

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empresas no CIA-Sul e 34 no CIA-Norte, totalizando 200 empresas. Excluindo-se as atividades comerciais e de serviços, esse número reduzia-se para 179 indústrias com o predomínio dos segmentos químico (27%), metalúrgico (13%), de produtos alimentares (9%), de minerais não metálicos (8%) e de matérias plásticas (7%). Este conjunto respondia, na época, por 16 335 empregos diretos. Dotado de uma topografia imprópria para a implantação de um grande número de indústrias, o CIA pagou o preço de um plano diretor elaborado a partir de uma base topográfica precária. Somente em 1983, o governo do Estado forneceu uma cartografia básica da área, nas escalas de 1:2.000 e 1:5.000, capaz de melhor instruir os projetos executivos. Atualmente, o CIA não possui mais área disponível a baixo custo de preparação, para abrigar indústrias e, segundo se informa, uma parte do seu território encontra-se invadida. Também, à época da elaboração deste estudo, comentavam os funcionários que a Sudic não possuía, de há muito, o conhecimento real da situação fundiária do CIA. Objeto de uma ampla reportagem do jornal A Tarde (de 21 jun. 1998) que estampava a manchete O CIA caminha para a extinção, e que não foi contestada pelo próprio governo, o centro industrial continua sobrevivendo, podendo-se contudo afirmar que a sua contribuição para o desenvolvimento industrial do Estado não correspondeu à expectativa dos planejadores e que a política de localização industrial por ele encarnada não produziu os efeitos desejados. O CIA contribuiu para a concentração industrial na RMS muito mais pelo efeito de atração de micro – e pequenas empresas que se expandiram no seu entorno (na região de Valéria, por exemplo) do que propriamente pelas empresas que abrigou em seu perímetro. Porém, não se pode negar a contribuição do projeto do CIA, notadamente no plano da infraestrutura física, para a modernização da periferia de Salvador. As ligações viárias com a Base Naval de Aratu e o Aeroporto de Salvador (CIA/Aeroporto), entre outras obras físicas, contribuíram para a expansão da cidade do Salvador e para a modernização de muitos serviços urbanos. O planejamento do CIA também contribuiu para o desenvolvimento do planejamento urbano em Salvador e, sobretudo, para a criação de uma visão metropolitana, pela qual se buscou a integração dos municípios polarizados diretamente pela Capital e a construção de uma infraestrutura que tem buscado otimizar e racionalizar ações desenvolvidas por dez municípios, que totalizavam uma população de 2 759 392 em 1998. 356

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No plano habitacional, não se realizou o que foi idealizado em 1966, mas contribuiu o CIA para o adensamento da área do “miolo” de Salvador (espaço vazio compreendido entre os vetores da avenida Luís Viana Filho (Paralela) e a BR-324 – Salvador-Feira), com a construção de inúmeros conjuntos habitacionais. Como foi visto neste capítulo, alguns urbanistas não compartilham desta visão. É o caso de Sampaio, A. (1999), que considera o CIA uma expressão do “rodoviarismo” que dominou o planejamento urbano de Salvador, deslocando o centro da cidade e abrindo caminho para uma brutal especulação imobiliária. De fato, constata-se que foram criados novos umbrais para a cidade, com o deslocamento da população pobre para a periferia, quebrando-se todo um equilíbrio espacial (trabalho, circulação, habitação) construído na “cidade real”, ao longo do período colonial. A ruptura desse equilíbrio elevou substancialmente o custo da infraestrutura da cidade, estabeleceu uma crise crônica no sistema de transportes (até hoje não resolvida), pontilhou o tecido urbano expandido com assentamentos subnormais (invasões de pobres) e decretou a deterioração do centro histórico e de outras áreas tradicionais do comércio de Salvador. No seu fluxo/refluxo de empresas, o CIA gerou emprego e desemprego. Muita mão-de-obra ali foi treinada e depois dispensada, como foi o caso do segmento metal-mecânico. Então, às avessas, o centro forneceu contingentes de microempresários, biscateiros, prestadores de serviços que alimentam o setor de serviços em Salvador e também do interior, para onde devem ter migrado, e reforçou o mercado informal em todo o Estado. O Centro Industrial de Aratu, portanto, não pode ser julgado e condenado sem considerar-se toda a complexidade das funções que exerceu e vem exercendo. Contudo, para os fins a que se propõe este livro, comprova-se que não exerceu um papel decisivo no processo de industrialização da Bahia. Outro trabalho importante do período foi, também, uma herança das iniciativas da Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Econômico. Tratava-se do Programa de Fomento à Industrialização do Interior, uma iniciativa pioneira que lançou as bases dos futuros programas de assistência a pequenas e médias empresas no Estado. A rigor, ocorreram, ao longo dos anos 1960, várias experiências de fomento à industrialização do Estado. Entre elas, merecem 357

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destaque as iniciativas do Fundagro, as caravanas de industrialização do interior, promovidas pela Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), com a participação de várias entidades interessadas e que resultaram na criação de diversos comitês de fomento à indústria em cidades do interior da Bahia, e as empresas desenvolvidas pelo Programa de Desenvolvimento Industrial (PDI) da Universidade Federal da Bahia em colaboração com a Universidade Estadual do Colorado (USA), no vale do Paraguaçu. Todas essas tentativas, contudo, não prosperaram, dada a inexistência de um sistema articulado que possibilitasse a realização das diversas etapas do processo de fomento, tais como a identificação das oportunidades, os estudos de viabilidade, a seleção, o apoio e a assistência técnica aos empresários, os projetos técnicos e econômico-financeiros e o financiamento. Esse mecanismo foi aplicado pela primeira vez no Programa de Fomento à Industrialização do Interior, que reuniu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e, depois, a SIC, o Banco de Fomento do Estado da Bahia176 e o Fundagro, sucedidos pelo Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (Desenbanco), com repasses de recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) na linha de Financiamento à Pequena e Média Empresa (Fipeme). Esse trabalho deixou como saldo, além do embrião dos futuros programas de fomento às pequenas e médias empresas, um relatório de pesquisa intitulado Bahia – industrialização do interior (BAHIA, 1966), , no qual se estudam as perspectivas de desenvolvimento das cidades de Jequié, Vitória da Conquista, Itapetinga, Ilhéus, Itabuna e Feira de Santana e um total de quarenta e cinco projetos industriais de pequenas empresas dos ramos de cerâmica, madeira, móveis, alimentos, mecânica, têxtil e óleos vegetais. Esses projetos foram aprovados e financiados pelo Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia. Em sua apresentação, destacava na época o secretário Victor Gradim: O processo de desenvolvimento econômico envolve um mecanismo complexo e dinâmico de transformação nos comportamentos sociais. Atividades aparentemente simples, como o fomento à industrialização, encontram interessantes pontos de estrangulamento e focos de expansão autônoma inesperados. A experiência baiana tem revelado que os estímulos financeiros e fiscais, de relativa 176

O Baneb perdeu a condição de banco de fomento a partir da Lei da Reforma Administrativa de 1966.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA eficácia nas grandes metrópoles, não apresentam resultados efetivos no Interior, a despeito da existência de fatores básicos de recursos naturais, mão-de-obra, poupanças, mercado e empresários inteligentes e agressivos.Eis por que o governo do Estado tem considerado programas amoldáveis para o fomento à industrialização em Salvador e nas regiões do Interior. Para a área de Salvador e Recôncavo, está sendo elaborado um trabalho de levantamento de oportunidades industriais com vistas a interessar investidores do Sul, depositários de recursos no Banco do Nordeste, destacando-se a fronteira econômica que se abre na petroquímica com o aproveitamento do gás natural e derivados do petróleo do Recôncavo, quando o governo da União programa a instalação da indústria química substitutiva de importações.Os investimentos dos projetos atualmente em instalação na área de Salvador já ultrapassam US$ 100 milhões. A fim de facilitar a localização industrial nessa região, está sendo elaborado o Plano diretor do Centro Industrial de Aratu, com vistas a oferecer as melhores vantagens de infraestrutura e demais economias externas em apoio às novas indústrias. Para o Interior, porém, foi necessário um programa especial de pesquisa, levantamentos e análises das realidades empresariais em núcleos selecionados. Os resultados desses trabalhos foram submetidos a uma análise comparativa, em conjunto com: 1 – as conclusões do Simpósio de Política Governamental de Industrialização, realizado de 26 a 28 de abril de 1965, sob os auspícios do Instituto de Serviço Público; 2 – as pesquisas da Sudene no pólo regional de Juazeiro/ Petrolina; 3 – o Projeto Colorado, a cargo da Universidade Federal da Bahia, no Vale do Paraguaçu; com vistas à reformulação da atividade governamental de fomento à industrialização, no contexto da Reforma Administrativa do Estado. De tal análise decorre o desdobramento da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio em duas: Secretaria de Agricultura e a Secretaria de Indústria e Comércio. A estrutura administrativa do Estado passou a contar com uma Coordenação de Fomento à Indústria e uma Coordenação de Gerência de Empresas. O Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial (FUNDAGRO), autarquia estadual, evolui, por sua vez, para transformar-se no Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia S.A. com funções de banco de investimentos, absorvendo algumas das atuais atribuições do Banco do Estado da Bahia S.A. Ainda como resultado dessa análise, foi revista e considerada a Emenda Constitucional nº 18 à Constituição Federal, resultando nas alterações introduzidas pela Lei Estadual nº 2318, de 28 de março de 1966.Esse trabalho de fomento à indústria no Interior, realizado sob o patrocínio do FUNDAGRO, relata a pesquisa empreendida em seis dos mais dinâmicos centros econômicos da Bahia, sob a orientação da equipe de SPL – Serviços de Planejamento Ltda. – Engenheiros e Economistas Associados. Merece especial relevo a dedicação e o empenho dos técnicos Zacarias de Sá Carvalho, Luís Carlos Leme e Antônio Ferreira Paim, não só na pesquisa e na teorização dos fatos empíricos, como no treinamento de um grupo de jovens economistas para capacitá-los a prosseguir nesse programa.As observações

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aqui contidas não são necessariamente válidas para Salvador, nem para outras áreas do Estado de menor concentração demográfica, mas representam um enfoque sério para análise das tensões do desenvolvimento, cuja fenomenologia pode ser encontrada em outros núcleos do Nordeste do Brasil.Sua publicação visa a oferecer uma oportunidade para o debate e para a sua comparação com as experiências em outras regiões do País. Salvador, julho de 1966.

No governo de Luiz Viana Filho, os esforços na área da indústria e do comércio concentraram-se principalmente na consolidação dos projetos iniciados na gestão anterior e na elaboração de um conjunto de estudos básicos para o desenvolvimento industrial da Bahia nos períodos seguintes, dando continuidade a diversas propostas do Plandeb. Muitos desses estudos fundamentaram gestões estratégicas iniciadas nesse período, objetivando a implantação e o desenvolvimento da indústria petroquímica no Estado. Entre os estudos e projetos elaborados relacionam-se os seguintes: a) Desenvolvimento integrado do Recôncavo baiano: estratégia e termos de referência. b) Desenvolvimento da indústria petroquímica no Estado da Bahia, projeto que foi decisivo nos esforços mobilizados para a implantação do Complexo Petroquímico de Camaçari; c) Desenvolvimento integrado da área metropolitana de Salvador; d)Plano integral de educação e cultura; e) Anteprojeto do Centro de Informática da Bahia; f) Projeto de Centro de Processamento de Frutos Tropicais; g) Projeto do Centro de Pesquisas em Engenharia Sanitária do Nordeste; h) Projeto de financiamento do porto de Aratu; i) Projeto de incremento da produção de alimentos; j) Projeto da Central de Abastecimento de Salvador; k) Plano diretor; l) Planejamento geral do sistema de esgotos sanitários da Cidade do Salvador; m)Projeto de erradicação da febre aftosa; n) Programa de Desenvolvimento integrado do Nordeste baiano (Prodinor) o) Programa de industrialização do interior que culminou com a criação do distritos industriais do interior, em 1974, nas cidades de Jequié, Ilhéus, Juazeiro e Vitória da Conquista. Em 8 de julho de 1970, através do decreto n. 21.913, o governo Luís Viana criou o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Ceped), 360

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como fundação de direito público vinculada à Secretaria de Ciência e Tecnologia, a qual foi posteriormente denominada de Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia (Seplantec). Essa vinculação, dissociada da SIC, constituiu um entrave burocrático-institucional para o desenvolvimento de ações voltadas para a tecnologia industrial e abriu um flanco para o posterior enfraquecimento do órgão. A decisão de criar um centro de pesquisa veio da constatação da necessidade de oferecer às empresas e à comunidade o suporte tecnológico indispensável a um desenvolvimento contínuo e autossustentado. Com essa iniciativa, buscou o poder público superar as dificuldades e, em muitos casos, mesmo a virtual impossibilidade de as empresas, no Estado e na região, manterem, em caráter permanente, pessoal e equipamentos especializados voltados para a solução de problemas tecnológicos. O Ceped foi criado para atuar dentro de um contexto especificamente regional, em face de uma realidade socioeconômica do Estado da Bahia e, por extensão, do Nordeste brasileiro. Tendo em vista as características e peculiaridades dessa realidade, foram-lhe atribuídos os seguintes objetivos: a) atuar como instrumento eficaz para a ação do Estado da Bahia na área de pesquisa tecnológica; b) constituir-se em elemento básico de complementação das funções da universidade na comunidade socioeconômica, de modo a possibilitar a ampliação da capacidade criadora das universidades e um aproveitamento de seu trabalho; c) reduzir a um denominador comum as necessidades tecnológcas das empresas privadas; d)integrar o fluxo de informações entre as empresas, as universidades e o governo, constituindo-se, desse modo, no pivot de um sistema informativo científico-tecnológico; e) atuar como elemento catalisador de iniciativas social e economicamente rentáveis. O Ceped iniciou suas atividades com importantes contribuições para o desenvolvimento tecnológico baiano, destacando-se seu papel no desenvolvimento de tecnologia que contribuiu para a implantação da metalurgia do cobre na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Porém não contou com a simpatia e o apoio político do carlismo e acabou entrando gradativamente em decadência. Também contribuiu para o esvaziamento do Ceped a impossibilidade de 361

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articular-se eficientemente com a Universidade Federal da Bahia (as demais universidades do Estado concentravam-se na área de humanidades), dados os conflitos que se estabeleceram entre esta e o governo estadual, pela ausência de cooperação do empresariado do Polo Petroquímico de Camaçari, pela dificuldade de integração com o Centro de Pesquisa (Cenpes) da Petrobras e pela ausência de uma política nacional de fomento ao desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia. Também na administração de Luiz Viana, foram criados e implantados o Instituto de Pesos e Medidas da Bahia (Ipemba.) e o Núcleo de Promoção de Exportações da Bahia (Promoexport/Bahia), tendo sido também reestruturada a Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb) e extinta a Bolsa de Mercadorias da Bahia. O Ipemba foi criado pela lei n. 2.547, de 7 de junho de 1968, com a finalidade de executar, nos termos da delegação do Instituto Nacional de Pesos e Medidas (INPM) do Ministério da Indústria e Comércio, os serviços técnicos de metrologia no Estado da Bahia, sendo um órgão vinculado à SIC. A Junta Comercial foi transformada em autarquia e vinculada à Secretaria da Indústria e Comércio pela lei delegada n.1, de 16 de outubro de 1968. Em 23 de janeiro de 1969, pelo decreto n. 21.114, a Juceb obteve aprovação de seu regimento interno e o conjunto de normas relativas a sua modernização. A criação do Promoexport/Bahia resultou de uma pesquisa que foi realizada à época na área de Salvador, com a finalidade de verificar a situação das indústrias, no que se referia aos problemas de mercado, mão-de-obra e outros. A seleção da amostra dessa pesquisa baseou-se na escolha de empresas com potencialidade para a exportação de produtos manufaturados e semimanufaturados. Através dessa pesquisa, comprovou-se que mais de 66,7% das empresas inquiridas trabalhavam com menos de 60% da capacidade instalada, alegando falta de mercado, carência de mão-de-obra especializada, falta de capital de giro e outros problemas. Constatou-se, ainda, que 66,7% das empresas tiveram contato com o mercado externo, a fim de que este mercado absorvesse os excedentes que poderiam ser produzidos decorrentes da utilização plena de maquinaria. Desta percentagem, somente 43,8% conseguiram exportar, mas se depararam com uma série de problemas, tais como: a) excessiva burocracia na elaboração dos trâmites para exportação; 362

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b) má interpretação dos incentivos fiscais; c) elevadas tarifas de transportes. As demais empresas que não tiveram contatos com o exterior (33,3%) apresentaram como motivos a falta de contatos e a carência de um organismo que pudesse orientá-los nesse particular. Dos problemas manifestados pela pesquisa, um de grande freqüência era o de que as empresas inquiridas indicavam não existir, na Bahia, um organismo capaz de promover e dinamizar as exportações e de que era oportuno que o governo, juntamente com as empresas, se encarregasse desse trabalho. O mesmo estudo mostrou que as empresas que constituíram a amostra empregavam 2 520 operários ligados diretamente ao processo produtivo, mas, no caso de ser utilizada a maquinaria existente a 100% da sua capacidade, isso implicaria na criação de 4 018 novos empregos. Na Bahia, a experiência, em matéria de comercialização externa, limitava-se à exportação de produtos primários, que requeriam uma promoção relativamente simples. A situação era diferente nos países desenvolvidos, nos quais tinha-se acumulado uma grande experiência em matéria de comercialização de produtos manufaturados. Como forma de remediar a falta de experiência e os limitados recursos financeiros dos produtores isolados, o governo federal, o governo estadual e as entidades de classe uniram-se e criaram o Promoexport/Bahia, com a finalidade de orientar as empresas baianas, especialmente as indústrias, para que pudessem comercializar seus produtos no mercado externo. A lei n. 2.863, de 18.12.70, autorizou o Poder Executivo estadual a participar do Promoexport/Bahia, considerando extinta, ao mesmo tempo, a Bolsa de Mercadorias da Bahia e transferindo para o Promoexport o seu acervo. Ainda no que se refere à área do comércio, em 1973, foi criada a Fundação Centro de Desenvolvimento Comercial (Cedec), uma organização similar ao Cedin, com o objetivo de atuar na promoção do desenvolvimento comercial do Estado. Pode-se afirmar que, nesse período de governo, a atividade turística passou a constituir-se, na prática, em uma das prioridades do governo estadual, sendo dotada de uma estrutura institucional mais ágil e vinculada ao sistema SIC. Spinola (1997, p.190) observa que a primeira iniciativa relativa ao turismo, na Bahia, data da década de 1930, com a criação do Departamento Municipal de Turismo, em Salvador. Diversas outras 363

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medidas foram adotadas, sempre pelo município, destacando-se a lei n. 242, que instituiu a taxa de turismo no município de Salvador, a lei n. 410 de 10/09/1953, que criou o Conselho de Turismo da Cidade de Salvador, a Diretoria Municipal de Turismo e o Zoneamento Turístico do Município de Salvador. Em 1954, na administração de Osvaldo Gordilho, foi elaborado, pela Prefeitura, o I Plano diretor de turismo (o primeiro do país) e realizado, em Salvador, o III Congresso Nacional de Turismo. O ingresso do governo do Estado no setor ocorreu em 1958, quando a Comissão de Planejamento Econômico (CPE) incluiu o turismo entre os setores integrantes do Programa de Recuperação Econômica da Bahia, igualmente contemplando-o, em 1959, no Plano de desenvolvimento da Bahia (Plandeb). Em 1966, pela Lei da Reforma Administrativa, foi criado o Departamento de Turismo, subordinado à Secretaria dos Assuntos Municipais e Serviços Urbanos (posteriormente extinta). Posteriormente, por autorização da lei n. 2 563, de 28.08.1968, criou o governo do Estado uma sociedade por ações, com a denominação Hotéis de Turismo do Estado da Bahia S.A. (Bahiatursa), para a exploração de indústria e comércio hoteleiro de interesse e fomento ao turismo. Observe-se que as primeiras medidas institucionais, no Estado, foram adotadas a partir do estabelecimento, ao nível nacional, dos parâmetros para a atual política de Turismo: a) criação, através do decreto-lei n. 55, de 18.11.1966, do Conselho Nacional de Turismo (CNTUR) e da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur); b) estabelecimento do sistema de incentivos fiscais e financeiros, através da dedução do imposto de renda a pagar, para aplicação em construção, ampliação e/ou modernização de hotéis, também através do decreto-lei n. 55. Inicialmente, eram bastante limitadas as atribuições da Bahiatursa: ter sob subordinação direta ou indireta os hotéis de propriedade do Estado e construir e/ou estimular a construção de hotéis e similares. Só em 1971 – e a partir da missão organizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), integrada por técnicos do Instituto Latinoamericano y del Caribe de Planificación Econômica y Social (Ilpes), da Sudene e do BNB que, ao lado de sugerir a criação do Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo (Conder), incluiu o turismo entre as atividades consideradas básicas 364

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para a região, pelo que deveria ser realizado um estudo e elaborado um plano, que foi concluído em 1971: o Plano de turismo do Recôncavo, documento básico para a ação do governo estadual, até os dias presentes – é que se estabelece uma estruturação sistemática para implementar uma política de turismo. A lei n. 2.930, de 11.05.1971, criou o Conselho Estadual de Turismo (Cetur) e a Coordenação de Fomento ao Turismo (CFT), vinculando-os ao sistema SIC. Considerando a necessidade de integrar a Hotéis e Turismo do Estado da Bahia S/A (Bahiatursa) ao Sistema Estadual de Turismo, como órgão executor de sua política no âmbito de todo o Estado, e de oferecer-lhe estrutura compatível para melhor desempenho de suas atividades, foi reestruturada a empresa a partir do decreto n. 22.371, de 23.02.1973, modificando-se a sua denominação para Empresa de Turismo da Bahia S/A (Bahiatursa). A empresa passou a ter como finalidades: a) promover o aumento do fluxo turístico para o Estado; b) divulgar a Bahia, nacional e internacionalmente, através da realização de eventos e edição de materiais promocionais; c) desenvolver programas de conscientização turística; d)melhorar a qualidade dos serviços turísticos; e) promover a valorização do patrimônio natural e cultural. No período de janeiro de 1971 a março de 1975, o parque hoteleiro baiano apresentou um crescimento explosivo, registrando uma expansão de 3.380 novos leitos, enquanto passaram por reforma mais 1.714 leitos. Mais importante que esse aumento quantitativo foram as mudanças ocorridas na estrutura qualitativa dessa oferta. Até antes de 1971, o parque hoteleiro não possuía nenhum estabelecimento de categoria internacional e mais de 80% dos leitos estavam enquadrados na classificação de duas estrelas. Entretanto, durante os últimos quatro anos, com o surgimento de cerca de mil leitos, na faixa de hotéis de cinco estrelas, essa estrutura sofreu modificações radicais, elevando de 20% para 35% a oferta de leitos de hotéis de categoria superior a três estrelas. O incremento verificado no parque hoteleiro proporcionou a criação de 4 mil empregos diretos e mais 16 mil novas oportunidades indiretas de trabalho. Os 28 empreendimentos implantados até março de 1975, somados aos projetos em implantação e em estudo no período, representaram investimentos globais na ordem de 800 milhões de cruzeiros. 365

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Como respaldo técnico dirigido a esse crescimento, ao lado de outros elementos dinâmicos de sua estratégia, a Bahiatursa desenvolveu intenso programa de assistência gerencial. Esse programa foi significativamente ampliado através do convênio assinado com o Centro Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena e Média Empresa (Cebrae) – organismo vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência da República. A partir desse convênio, a Bahiatursa passou a figurar entre os coordenadores do programa de assistência técnica gerencial administrado pelo Cebrae em todo o Brasil. Vale salientar que essa foi a primeira iniciativa de âmbito federal e estadual de assistência técnica dirigida ao setor de turismo. Luiz Viana dedicou especial atenção à consolidação do Centro Industrial de Aratu, ao fomento à industrialização do interior e a gestões visando ao reinício das obras do Conjunto Petroquímico da Bahia (Copeb) e à implantação efetiva da Usina Siderúrgica da Bahia (Usiba). Essa administração concluiu o projeto da primeira etapa do porto de Aratu, com capacidade dimensionada para movimentar 1 milhão de toneladas/ano. No planejamento do CIA, foi, também, pioneiro na preocupação com o meio ambiente. Assim é que foi implantado o Serviço de Controle de Poluição Atmosférica (SCPA). O governo institucionalizou, em 1967, o Programa de Industrialização do Interior (Prointer), iniciado em 1965/1966, na administração de Lomanto Júnior. Ao completar o programa um ano de atuação, considerou-se a necessidade de uma reformulação do seu sistema de trabalho, baseada na experiência acumulada, sendo criado um Centro de Assistência a Pequenas e Médias Indústrias em Feira de Santana (que viria a ser o Cedin), com orientação técnica da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido). Ao longo dos seus 36 meses de atuação, o Prointer atingiu 77 municípios baianos, mantendo contato com 510 empresas, do que resultou a elaboração de 138 projetos e financiamentos, no montante de CR$ 14 milhões. O planejamento dos distritos industriais (DI) do interior ocorreu em sequência ao planejamento da industrialização de base e intermediária, concentrada na Região Metropolitana de Salvador. Após a criação do CIA, o governo buscou estabelecer as condições para descentralizar o crescimento da indústria no contexto da economia do Estado, visando a interiorizar as atividades industriais e 366

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a orientar o ordenamento do espaço urbano de municípios que, segundo seu entendimento,apresentavam potencial para a indústria. As cidades-polo selecionadas para a implantação dos DI do Interior foram Ilhéus, Vitória da Conquista, Juazeiro e Jequié. Os seus planos diretores, concluídos em 1974, completavam o conjunto de áreas de potencial industrial na Bahia, iniciado com os planejamentos para as áreas especializadas instaladas na Região Metropolitana de Salvador (RMS), cuja concepção e detalhamento remontam os anos 1950/1960, com a antiga Comissão de Planejamento Econômico (CPE). A opção de localização foi balizada por critérios definidores de polarização regional pelas cidades que, à época, já desempenhavam um papel central na hierarquia funcional urbana do Estado, como decorrência do seu peso demográfico, da localização estratégica no sistema viário, da existência de infraestrutura básica e do potencial aglutinador das atividades econômicas regionais, entre outros critérios. A primeira tentativa, no Estado da Bahia, de identificar esses centros e hierarquizá-los em função de sua importância regional, foi feita em 1958, pelo professor Milton Santos em seu estudo Zonas de influência comercial do Estado da Bahia, quando ainda era reduzida a atividade industrial, consistindo o comércio com a capital do Estado no principal indicador de influência urbana. Destacaram-se, por este critério, os núcleos de Ilhéus/Itabuna, Feira de Santana, Jequié, Juazeiro, Vitória da Conquista, Alagoinhas, Senhor do Bonfim e Jacobina. Um segundo estudo, da Sudene, denominado Espaços geográficos e política espacial, com base em informação do IBGE para 1967 e 1968, tomou por princípio o conceito de centros dinamizadores, sendo como tais considerados os núcleos urbanos que já desempenhavam funções estratégicas em suas respectivas áreas de influência, as quais poderiam ser ampliadas através da dinamização do setor industrial. Neste trabalho, foram apontados como centros de segundo grau de importância no Estado da Bahia, abaixo de Salvador, as sedes de Feira de Santana, Ilhéus/Itabuna, Vitória da Conquista e Juazeiro e, como centros importantes, mas com equipamento irregular, as cidades de Jequié, Alagoinhas, Jacobina e Senhor do Bonfim. À época, também foi realizado pelo IBGE o estudo Divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas”, em cujo contexto efetuou-se a 367

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hierarquização dos centros urbanos do Estado da Bahia, classificados em quatro níveis: centro metropolitano, centros regionais, sub-regionais e locais. Esta hierarquização fundamentou-se nos vínculos entre os centros urbanos a partir dos critérios de fluxos agrícolas, distribuição de bens e serviços e população, despontando Salvador como centro metropolitano e Feira de Santana, Ilhéus/Itabuna, Vitória da Conquista, Jequié e Juazeiro como centros regionais. O Programa de Implantação de Distritos Industriais no Interior do Estado praticamente confirma e repete os resultados desse último estudo do IBGE, sendo selecionados inicialmente centros urbanos com um contingente populacional mínimo de 40 mil habitantes, em um total de 25 municípios, por sua vez classificados de acordo com uma série de fatores, com pontuação de 1 a 5, hierarquizados em primeira categoria (mais de 30 pontos), segunda categoria (25 a 30 pontos), e terceira categoria (20 a 25), conforme os parâmetros de avaliação estabelecidos (SPINOLA, 2003 p. 204). Ressalta-se que, dentre os municípios melhor situados, apenas Feira de Santana não foi incluído, à época, no Programa de DI do Interior da Bahia, em razão de disputas políticas que inviabilizaram a transferência do DI do Subaé, em Feira de Santana (criado em 1970), da prefeitura para o governo do Estado, o que ocorreu posteriormente. Quando se olha criticamente esse processo, verifica-se que, na gênese do Programa dos Distritos Industriais do Interior da Bahia existia apenas uma “vontade política”, não uma realidade econômica consubstanciada por vantagens vinculadas à localização a serem adequadamente promovidas e utilizadas, respaldadas em um arcabouço teórico consistente e em uma mobilização de recursos consentânea com a necessidade de superar as deficiências econômicas e sociais existentes no âmbito regional. A vontade política se sobrepôs ao fato econômico e, assim, “em tempo recorde”, o incipiente sistema de planejamento estadual, que havia sido desarticulado após 1964, estruturou um programa industrial de enfoque precocemente desconcentrador, que promoveria, se pudesse vingar concretamente, a dispersão da indústria incentivada com isenções fiscais em muitos pontos isolados da Bahia, desde a área do entorno da capital até novas regiões interioranas, com repercussões sobre a capacidade da RMS de construir em torno do parque produtor de intermediários, um conjunto de externalidades positivas, econômicas, de aglomeração e de escala a serem aproveitadas por novas empresas conformando um setor industrial de peso no contexto nacional. 368

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Não houve de fato planejamento. Os planos diretores limitaram-se a utilizar roteiros analíticos e zoneamentos de distritos e áreas industriais já implantados na Bahia (caso do CIA), no Nordeste e em outros países, sendo a escolha das cidades feita “a priori”, por decisão política, a ser confirmada por um único critério real e demográfico. Isto porque, como visto, a hierarquização dos núcleos urbanos da Bahia adotou critérios estreitamente vinculados à dimensão populacional – consumo de energia elétrica, estabelecimentos comerciais e bancários, depósitos e empréstimos, receitas municipais e arrecadação do tributo ICM, bem como outros que respaldavam a importância demográfica das cidades eleitas como polos – localização no sistema viário, infraestrutura existente e área de influência das atividades produtivas, mas não configuravam uma base realista para a localização industrial planejada. Esta assertiva decorre da conjugação de vários fatores como: a) a desarticulação das regiões baianas entre si e com outras áreas do país; a distância em relação aos grandes centros de consumo, por rodovias mal conservadas; b) o pequeno tamanho da força de trabalho e do mercado consumidor local; a pouca expressão da produção primária local, incapaz de abastecer simultaneamente os compradores tradicionais e gerar excedentes para a transformação industrial preconizada; c) a precariedade das base de informações e indicadores sociais, em especial os vinculados à educação, saúde e saneamento, emprego, renda , e habitação; d)o baixo padrão tecnológico das atividades produtivas, seja no setor primário, seja na micro, pequena e média indústria que caracterizava o perfil do secundário baiano; e) a forte pressão sobre os serviços públicos, com oferta reduzida, demanda crescente e colapsos no suprimento de água e energia elétrica. Os planos diretores deram vida, desta forma, a uma ficção econômica – os Distritos Industriais do Interior (DI) – conferindo um respaldo aparente de planejamento estratégico a uma proposição/ decisão de natureza política e eleitoral, em um momento em que as veleidades desenvolvimentistas regionais autossustentadas, na linha Cepal e da Sudene, eram erradicadas pelo planejamento de âmbito nacional, os recursos destinados à indústria incentivada do Nordeste pulverizavam-se em favor de outras fontes, e o BNDE 369

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assumia o papel de financiador dos projetos estratégicos da União nos Estados, como o recém-nascido Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec). Com a visão histórica dessa experiência de planejamento, segundo a realidade vivenciada na década de 1970, conclui-se, a posteriori, que o Programa do Distritos Industriais do Interior resultou em um fracasso completo. Esta assertiva tão radical justifica-se pelos argumentos que são colocados a seguir. Teoricamente, no plano da política de interiorização do desenvolvimento, o distrito industrial assumiria as características de um parcelamento do solo devidamente dotado de infraestrutura adequada, de cuja criação se valeria o poder público como instrumento adicional para atrair indústrias, dentro de uma estratégia de desconcentração industrial. Cumulativamente, desempenharia a função de ordenador da localização de indústrias nas suas respectivas cidades-sede, no que, pelo menos em tese, contribuiria para a melhoria da qualidade da estrutura urbana nas cidades de médio porte do interior da Bahia. Em ambas as situações, intentava-se o fomento à industrialização. Embora se constituisse no instrumento de maior autonomia com que o Estado participava da política de industrialização, o DI não se caracterizava como instrumento fundamental desta política, mas principalmente como mecanismo de apoio, que buscava minimizar o impacto urbano da implantação de indústrias em larga escala e tentava induzir a localização de novas indústrias, devendo fazê-lo conforme diretrizes de desenvolvimento espacial. Tratava-se, basicamente, de equipamento que facilitava, mas não tinha força suficiente para determinar a localização de indústrias, nem gerar novos projetos, às vezes sequer intraurbanos. Assim, tornava-se evidente que, se, por um lado, a disponibilidade de infraestrutura era variável condicionante da atração de investimentos industriais tinha, por outro, um papel bastante limitado pela interferência de outros mecanismos mais fundamentais. Isto posto, torna-se necessário examinar que fatores exógenos, relativos ao sistema econômico como um todo, são mais influentes e condicionantes na localização e geração de novos projetos industriais. A esse respeito, duas características do sistema econômico nacional, já na década de 1970, devem ser salientadas: primeiro, o modelo econômico, que se caracteriza por uma distribuição de renda muito desigual, determina um sistema produtivo em que as 370

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empresas industriais apresentam um alto coeficiente de localização, ou seja, uma tendência a concentração espacial; segundo, sendo o parque industrial voltado, preponderantemente, para a produção de bens intermediários, é exigente em termos de escala, de aglomeração e de apoio de serviços, exceção feita apenas às unidades agroindustriais e de processamento de minérios, que necessitam ser localizadas junto às matérias-primas. Convém salientar que mesmo as indústrias comuns de consumo estão sofrendo um processo de dependência crescente de aglomeração e de escala. As repercussões espaciais de um modelo desta natureza se manifestam pela concentração da produção em uns poucos pontos do território – as metrópoles –, fazendo com que as antigas “capitais regionais” percam o monopólio sobre suas respectivas áreas de influência e, sobretudo em decorrência de modificações nos sistemas de transportes, vejam-se transformadas em simples cidades intermediárias, uma vez que, espontaneamente, as funções de distribuição passam a ter aí importância maior que as de produção. Essas características do modelo econômico conflitam, originariamente, com uma política de desconcentração industrial como a dos DI do interior, embora esta se justifique pela necessidade de atenuar os desequilíbrios regionais. A apreensão desta realidade foi, aliás, o que tornou possível a criação de mecanismos de correção dessas desigualdades, de que os da Sudene constituem um exemplo bastante ilustrativo. Neste contexto, uma política que objetivasse, explicitamente, a criação de polos secundários de crescimento, complementares e articulados com os principais polos regionais – no caso os DI metropolitanos de Aratu e Camaçari – ou se baseava em possibilidades reais de investimentos ou requereria uma mudança profunda na política de industrialização, algo muito além de um simples ajuste, como a criação de DI. Há que considerar, adicionalmente, os reflexos econômicos do momento de implantação dos DI do interior, quando já as estratégias de crescimento econômico começavam a dar mostras de perda de dinamismo, fazendo com que a própria força dos incentivos fiscais se revelasse insuficiente para a geração e para a atratividade de novos projetos. Por outro lado, salvo a existência do incentivo fiscal específico e a assistência técnica, nem sempre prontamente disponível, foi 371

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precária a articulação entre os diversos instrumentos da política de industrialização posta em prática. Assim, em relação aos DI do interior, o objetivo estadual mais compatível seria o de vincular o parque industrial aos recursos naturais, a concretizar-se mediante a transformação dos produtos agropecuários e exploração de recursos minerais, os quais, no entanto, tinham fatores microlocacionais bem específicos, nem sempre possibilitando uma opção locacional pelas cidades de médio porte, onde foram instalados os DI. Ademais, como inexistia, e até hoje inexiste, uma estratégia de desenvolvimento urbano, não ocorria a integração das ações intersetoriais, nem se apoia nem beneficiava a política de DI de escala de prioridades espaciais. Nas cidades onde se implantaram os principais DI administrados pelo Estado, (Ilhéus, Jequié, Juazeiro e Vitória da Conquista) era, à época, bastante precária a infraestrutura física e urbanosocial, sendo de assinalar-se que, mesmo os programas habitacionais não tinham presença destacada nesses assentamentos urbanos. A estes fatores se agregava, de referência a política urbana, a dispersão das responsabilidades executivas pela implantação da infraestrutura econômica e social nas cidades, com consequente desarticulação e perda de eficiência dos investimentos realizados. É natural, assim, que os DI fossem limitados pela falta de suporte, tanto setorial quanto espacial, tanto mais que foram estabelecidos em condições e quantidade provavelmente maior do que seria desejável. Do ponto de vista espacial, constatou-se que a definição macrolocacional dos DI baseou-se muito mais na análise da hierarquia urbana do que na ocorrência de efetivas possibilidades econômicas e de industrialização. Como a rede urbana da Bahia é, ainda, marcada pela macrocefalia da RMS, o volume demográfico, o equipamento urbano e o nível de renda predominante nas chamadas “cidades médias” do interior não se revelam capazes de viabilizar distritos industriais, fazendo-se necessário não apenas rigoroso critério de prioridades, mas também um esforço concentrado do governo, como ocorreu, por exemplo, para a implantação do Complexo Petroquímico, na RMS. Este esforço, de igual modo, deveria incluir não apenas a implantação de infraestruturas, mas também a promoção, agenciamento e participação nos empreendimentos nucleares, destinados a possibilitar a viabilização dos DI. 372

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Como observava Haddad (1992), uma das condições essenciais para que uma atividade econômica que se localize numa região possa promover o desenvolvimento sustentável desta região e não estimule apenas um ciclo de crescimento instável e pouco duradouro, é que haja uma difusão do dinamismo da expansão da nova atividade econômica para outros setores da economia regional. Vale dizer, que esta atividade se articule de maneira adequada com o sistema produtivo regional. Ainda, segundo HADDAD (1992): A pior situação para o processo de desenvolvimento de uma região, sob o aspecto analisado, poderá ocorrer quando houver a convergência dos seguintes fatores relacionados com a implantação de uma nova atividade econômica: – se a região estiver exportando produtos de grande peso, gerados pela nova atividade, o transporte de retorno tende a ocorrer com capacidade ociosa, reduzindo-se o frete de retorno; diante de fretes de retorno mais baixos, eleva-se a capacidade competitiva para as importações, inibindo-se possíveis atividades locais substitutivas de importações voltadas para a demanda regional (impacto reduzido para os efeitos de encadeamento e para os efeitos induzidos); – se o perfil de distribuição de riqueza e de renda pessoal da nova atividade não for suficiente para provocar a desconcentração da

Figura 16 – Mecanismo de difusão do dinamismo da nova atividade econômica sobre a economia de uma região. Fonte: Haddad,(1992).

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distribuição prevalecente (ou que, até mesmo, atue na direção de reforçar o padrão concentrador), serão menores os efeitos induzidos para promover a expansão do mercado interior regional; – se o capitais investidos na nova atividade forem originários de outras regiões, não se conseguirá internalizar os excedentes financeiros gerados no novo ciclo produtivo, os quais “vazam” para regiões desenvolvidas (reduzida capacidade de autofinanciamento para se promover a diversificação da estrutura produtiva regional); – se a legislação fiscal específica demonstra inequívoco interesse em subtributar (ou se isentar completamente) as novas atividades no comércio internacional ou para contribuir com políticas anti-inflacionárias, haverá efeitos fiscais insignificantes em benefício da região; – se a nova atividade tiver a característica tecnológica de utilizar poucos insumos produzidos no processo produtivo (baixo índice de dispersão ou de encadeamento para trás) e que, por razões locacionais, somente possam ocorrer, na região, investimentos para o primeiro processamento daquelas atividades, a fim de melhorar a relação valor-peso no uso da infra-estrutura de transportes, será também reduzido o índice de dispersão ou de encadeamento para frente. Nesta situação hipotética, caracterizamos um cenário pessimista para o desenvolvimento de uma região que poderia se denominar de “enclave econômico regional. (HADDAD, 1992, p. 10 – 11) (grifo nosso).

Por fim, a implantação física dos DI do interior não contou com os recursos e facilidades administrativas necessárias ao êxito do programa, prevalecendo uma ênfase acentuada na implantação do sistema viário e instalação das sedes administrativas, sem suporte efetivo para a atração e implantação de indústrias, salvo o amplo subsídio atribuído ao valor do terreno que, de resto, não se constitui em fator crítico em cidades do interior do Estado da Bahia, situadas, predominantemente, na faixa de 50 a 100 mil habitantes. Mas, no plano industrial, o fato mais importante do governo Luiz Viana Filho foi a gestação do Polo Petroquímico de Camaçari. Pode-se dizer que a existência desse grande complexo empresarial na Bahia deve-se basicamente a cinco decisões do poder público que são apresentadas a seguir, em ordem cronológica. A primeira delas foi a contratação, pelo governo da Bahia, do estudo Desenvolvimento da indústria petroquímica na Bahia, com participação da Petroquisa, concluído em 1969. Foi este o primeiro estudo setorial mais profundo elaborado no país sobre petroquímica. Sem dúvida, pelo número de informações inéditas que trazia, conseguiu ordenar o problema da instalação dessa indústria no Brasil, particularmente na 374

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Bahia, e contribuir para a formulação das novas decisões sobre o setor. A segunda decisão foi a deliberação da Petrobras e do Grupo Executivo da Indústria Química (Geiquim) de promover a utilização do propeno produzido na Refinaria Landulpho Alves – Mataripe (RLAM). Essa decisão viabilizou a existência de quatro projetos consumidores dessa matéria-prima, cujo consumo total veio, no final, a exigir uma ampliação da unidade produtora da RLAM. A terceira decisão foi tomada pelo Conselho de Administração da Petrobras, na sua 397ª reunião, em 14de janeiro de 1970, a respeito de três pontos principais: a) a Petrobras apoiaria o desenvolvimento, na Bahia, da indústria petroquímica de base, fundada em matérias-primas locais, no setor de olefinas, aromáticos e gás de síntese e seus derivados; b) o apoio da Petrobras visava a assegurar, dentro de suas possibilidades, o fornecimento de gás natural, nafta, propileno e amônia para os projetos aprovados para o Nordeste pelo Geiquim e pelo CNP, envidando esforços para ampliar a disponibilidade de matérias-primas na região; c) a Petroquisa assumiria uma posição ativa na promoção do desenvolvimento petroquímico da região, liderando ou participando das iniciativas essenciais ao crescimento e à integração do parque petroquímico, desde que elas não prejudicassem os empreendimentos de que a própria Petrobras e a Petroquisa participavam. No entanto as duas decisões que vieram a dar existência legal ao Polo Petroquímico e, por isso, institucionalmente, as mais importantes foram a quarta e a quinta. A quarta decisão concretizou-se através da resolução do Conselho de Desenvolvimento Industrial n. 2/70, de 21 de julho de 1970, assinada pelos ministros da Indústria e Comércio, do Planejamento, da Fazenda, do Interior e das Minas e Energia, pelo ministro chefe do Emfa, pelos presidentes do Banco Central, do Banco do Brasil e do BNDE e pelos presidentes das Confederações da Indústria e do Comércio. Pela qualidade dos assinantes, pode-se verificar a importância da decisão. Essa resolução, nos seus pontos principais, recomendava: à Petrobras que exercesse a liderança do complexo, através da Petroquisa; à Sudene, que concedesse faixa “A” (75% de incentivos fiscais) aos projetos do complexo aprovados pelo CDI para a Bahia. Determinava, ainda, a criação de um grupo de 375

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trabalho, constituído por representantes dos cinco ministros que assinaram a resolução, para definir as medidas indispensáveis à implantação do pólo, incluindo a definição das escalas de produção, da política de preços e das estruturas tecnológicas, financeira e empresarial das unidades básicas do Complexo. A quinta decisão foi a da aprovação presidencial à exposição de motivos em 16 de setembro de 1971, encaminhada pelo ministro da Indústria e Comércio e assinada pelos outros ministros referidos no parágrafo anterior, que garantia a instalação de uma Central Petroquímica na Bahia, peça fundamental de todo o complexo. Ainda, esse documento expressava as seguintes deliberações: a) a criação de uma empresa-piloto, pela Petroquisa, que detalharia os trabalhos técnicos e econômicos necessários à implantação do polo do Nordeste; b) a instalação no Nordeste, até 1975, de unidades consumidoras de aromáticos e, a partir desse ano, as unidades consumidoras de olefinas; c) a consolidação de unidades em implantação na Bahia (octanol e acrilonitrila) durante a fase de expansão e maturação do mercado; d) a localização, na Bahia, dos projetos para a produção do caprolactama, TDI e DMT, ampliação da unidade de negro de fumo e a instalação futura da unidade de polietileno AD. O Desenvolvimento da indústria petroquímica no Estado da Bahia, anteriormente citado, foi o trabalho básico para o início do processo reinvindicatório da Bahia, tendo sido elaborado pela Clan S.A – Consultoria e Planejamento, para o Conselho de Desenvolvimento do Recôncavo (Conder), com financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a colaboração financeira da Petroquisa/ Petrobras. Na apresentação do estudo, diz o economista Rômulo Almeida, seu coordenador geral: Este trabalho tem duas origens: o interesse manifestado pelo Governador Luiz Vianna Filho, desde o começo de sua administração, por definir as possibilidades baianas na petroquímica e a indicação da Missão organizada pelo BID para o exame dos problemas da Área Metropolitana e do Recôncavo, no sentido da identificação das indústrias que possam ser “motrizes” para o desenvolvimento da região. O relatório dessa Missão sugeriu um estudo específico sobre petroquímica. Lateralmente, técnicos da SUDENE já se haviam preocupado com os possíveis complexos básicos no Nordeste,

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA entre esses destacando o petroquímico na Bahia. O conceito de petroquímica, neste trabalho, é econômico, não tecnológico. Em realidade, compreende não só a indústria química que se deriva do gás natural e do petróleo, mas a associação de indústrias que normalmente integram um complexo baseado na petroquímica (grifo nosso). Os efeitos possíveis da petroquímica no Recôncavo – sobre outras atividades e em termos regionais – apenas são apontados, mas não quantificados – o que só seria possível com estudos muito mais amplos de relações inter-industriais e inter-regionais. A petroquímica é particularmente focalizada, nas suas possibilidades, por ser o núcleo dinâmico ou motriz, em torno do qual se pode aglutinar ou aglomerar um sistema industrial de crescente complexidade (grifo nosso). O trabalho visa a: 1. orientar a atividade promocional do Estado que, neste particular, é uma seqüência lógica da decisão de instalar o Centro Industrial de Aratu; 2. fornecer à PETROQUISA elementos informativos e de juízo para a formulação de suas decisões, no que toca ao Nordeste; 3. dar uma contribuição ao excelente trabalho do IPEA (Ministério do Planejamento), no referente ao planejamento industrial e ao planejamento regional; 4. sugerir oportunidades de investimento, dimensões e cronogramas à iniciativa particular, bem como idéias sobre atividades supridoras de insumos materiais e serviços. Tais indicações constituem sabidamente o papel mais importante do planejamento, no que toca ao setor privado, numa economia de mercado.

Foram intensas as articulações promovidas pelo governo da Bahia no período, tendo a frente o governador Luiz Viana Filho. Em 21 de agosto de 1969, o governador encaminhou ao presidente da Petrobras, marechal Waldemar Levy Cardoso, a correspondência a seguir transcrita, que bem retrata o andamento da luta em prol do parque petroquímico baiano: Senhor Presidente. Desejo, com o presente, ratificar a exposição verbal feita a V.Exa. quando da entrega da minuta do Estudo “Desenvolvimento da Indústria Petroquímica no Estado da Bahia”, que foi possível realizar graças à colaboração da PETROBRÁSPETROQUISA e ao financiamento do FINEP. Estou persuadido de que é esse um valioso subsídio ao planejamento do setor petroquímico do país.O objetivo do Estado pode ser assim sintetizado: – identificar e dimensionar as possibilidades da indústria na Bahia, de maneira a orientar sua realização com a otimização da relação custos-benefícios, tanto direta na indústria quanto na infraestrutura; – conjugá-las com outras indústrias ou possibilidades no Nordeste; – harmonizá-las com os programas e projetos para o Sul do país; – apontar as medidas necessárias ou convenientes para tornar efetivas tais possibilidades com maior eficiência para a economia nacional. O complexo petroquímico previsto na Bahia está baseado em matérias-primas de origem efetivamente nacional, salvo a eventual utilização de pequena cota complementar de importações. Os custos efetivos dessas matérias-primas serão necessariamente

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os mais baixos no Brasil, enquanto não for descoberta outra área de óleo e/ou gás natural com localização adequada. Convém ressaltar a condição atual do Recôncavo: o único sítio continental em que se dispõe de petróleo e gás no Brasil. Assim, além das razões econômicas, parece adequado observar que objetivos de segurança industrial e militar tornam essa localização necessária para um complexo petroquímico.Uma vez desfechado o processo de desenvolvimento industrial no Nordeste, através da implantação do sistema de incentivos fiscais da SUDENE, a Bahia, devido às suas condições especiais de localização geográfica e ao esforço desenvolvido pelo Governo em infra-estrutura básica, assumiu a liderança dos investimentos industriais na área. Dentre as indústrias que optaram por localizar-se na Bahia, destacaram-se aquelas vinculadas ao setor petroquímico. São cerca de duas dezenas de unidades industriais que se encontram em diversas fases de concretização, com investimentos estimados em torno de 240 milhões de dólares, cuja relação é apresentada em anexo. A colaboração da PETROBRÁS, diretamente e através de sua subsidiária, a PETROQUISA, é indispensável, obviamente, para o pleno êxito de um programa petroquímico regional. É conhecida a boa-vontade da PETROBRÁS em atender às solicitações específicas que lhe têm sido dirigidas, mas agora se trata de assumir uma ativa posição promocional, para assegurar uma otimização de resultados em termos regionais e nacionais. Essa colaboração garantirá a consecução dos seguintes objetivos: a) cumprir a PETROBRÁS plenamente o papel que dela é esperado no processo do desenvolvimento econômico do Nordeste e, através deste meio, contribuir decisivamente para o sucesso da política federativa nacional que combate os extremos desequilíbrios regionais, bem como para dar uma nova dimensão ao mercado interno brasileiro, através da integração do Nordeste com o CentroSul; b) assumir papel arbitral no conjunto da indústria química nacional, pela posição dominante que lhe será possível assumir na indústria química do Nordeste; c) ajudar o desenvolvimento de uma classe empresarial brasileira, que tem, no momento, mais oportunidade de progredir, na indústria básica, na área dos estímulos fiscais e com apoio de organismos oficiais do que no Sul. SUPRIMENTO DE MATÉRIAS-PRIMAS Os novos projetos vêm provocando o surgimento de crescentes pressões sobre a PETROBRÁS no sentido de garantir o suprimento de matérias-primas. É indispensável para o êxito do programa petroquímico conjunto no Recôncavo um plano sistemático de matérias-primas que a PETROBRÁS torne viável e que tenha a aprovação do CNP. Realmente, até o momento não foi formulada uma política definida em relação ao aproveitamento do gás natural, nem são conhecidas suas reservas e disponibilidades para a indústria. Tal estudo deveria estender-se à própria política de produção do petróleo na Bahia, tendo em vista a perspectiva de seu melhor aproveitamento como matéria-prima petroquímica.A propósito, alguns projetos atuais tem encontrado dificuldades no suprimento de matérias-primas. Assim, o

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA da POLIAR, depois de aprovado pelo GEIQUIM, irá transferir-se para o Sul. A razão apontada foi a falta de garantias no fornecimento de propeno pela PETROBRÁS. A conclusão da unidade de propeno, inicialmente prevista para 1972, já foi adiada para 1973, sendo sua capacidade de 58.000 toneladas, quando a demanda atingirá 75.000. Além de propiciar as matérias-primas que possibilitem as indústrias derivadas dos hidrocarbonatos, parece de fundamental importância que a PETROBRÁS (e PETROQUISA) tome, ao lado do Estado, um interesse direto e imediato na pesquisa do salgema no Recôncavo, pois que, confirmada a existência do sal, verificar-se-á a possibilidade, única no país, de combinar o cloro com petroquímicos básicos produzidos no mesmo local, para oferecer produtos variados, a custos internacionais, já se podendo contar com mercado de exportação, principalmente para dicloroetano. No caso de resultar negativa uma pesquisa dirigida por um genuíno interesse de desenvolvimento nacional, seria então preciso articular ainda mais o programa petroquímico da Bahia com o projeto Salgema de Alagoas e/ou com as novas possibilidades verificadas em Sergipe. Há, portanto, evidente conveniência nacional de uma pronta definição das possibilidades de salgema do Recôncavo. PREÇOS DE MATÉRIAS-PRIMAS O Estado oferece sugestões para uma política de preços de matériasprimas que seja justa e estimulante para o desenvolvimento do conjunto programado. Deve-se partir do fato de que uma das vantagens naturais da indústrias na Bahia é a disponibilidade de matérias-primas a custos mais baixos, pela sua origem local. Na fase inicial da indústria, outros custos serão necessariamente maiores e o grosso do mercado é no Sul, o que implica maiores gastos de transporte para os produtos. Em conseqüência, as matérias-primas devem ter preços fixados segundo dois critérios: competição internacional no que respeita às matérias-primas de origem direta ou indireta estrangeira, não beneficiadas por frete menor. A combinação do primeiro critério – competição internacional – com a unidade de preço no Brasil poderia resultar num absurdo: o subsídio à indústria do Sul no preço da matéria-prima e um “imposto” sobre a indústria do Nordeste, no que respeita à diferença entre o custo de produção no Recôncavo (inclusive lucro razoável) e o preço fixado no Sul. A conseqüência de tal política seria distorcer a localização da petroquímica, a pretexto da proximidade de mercado, com ineficiência patente para o sistema econômico nacional. Se consagrada uma política de matérias-primas com subsídio no Sul, acumular-se-iam vantagens comparativas ao nível das empresas, as quais não correspondem aos custos para a economia nacional. Estabelecidas essas premissas para a política de preços de matérias-primas, seria plenamente justificável a seleção dos empreendimentos para uso destas e, eventualmente, preços diferenciais, conforme a categoria do usuário, de acordo com a capacidade deste de suportar os preços de matérias-primas. AÇÃO EMPRESARIAL Considera-se fundamental, pelos motivos já expostos, uma ação empresarial direta do sistema PETROBRÁS-PETROQUISA, não

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apenas em empreendimentos isolados, mas no conjunto petroquímico da Bahia. Isso não significa que, necessariamente, deva a PETROQUISA participar acionariamente de todas as empresas, mas sim que deve participar efetivamente das unidades principais e sentir-se empenhada na realização do programa conjunto. Além das razões de ordem nacional e regional apontadas, cabe observar que, do ponto-de-vista empresarial, não se justifica que a PETROQUISA deixe de favorecer-se do regime dos estímulos fiscais.O Estado da Bahia dispõe-se a dar colaboração à PETROQUISA, inclusive através de contribuição razoável de capital acionário nos empreendimentos em vista. Portanto, com base nas conclusões do Estudo, venho sugerir que a PETROBRÁS, através da PETROQUISA, estude a possibilidade de assumir uma posição efetiva de liderança no processo ora em curso no setor petroquímico da Bahia. RESUMO DAS SUGESTÕES E SOLICITAÇÕES À “PETROBRÁS” Concretamente, solicito dessa empresa as seguintes decisões: 1 – acelerar a implantação da unidade de propeno, assegurando seu funcionamento em 1972, conforme era previsto pela própria PETROBRÁS, obtendo o máximo de capacidade; 2 – dedicar uma atenção maior ao gás natural e definir, no mais curto prazo, as possibilidades dos campos conhecidos e dos em exploração, de modo a fornecer aos interessados na indústria petroquímica as reais disponibilidades de gás em nosso Estado; 3 – elaborar um programa global de disponibilidade de matérias-primas para a petroquímica na Bahia, considerando, além do gás e dos efluentes da RLAM e da PGN, o próprio óleo cru; 4 – promover ativamente ou ajudar os esforços de grupos privados e do Governo do Estado no sentido de esclarecer rapidamente as dúvidas quanto à existência de salgema no Recôncavo, em condições industriais; 5 – rever a fixação de preços do gás no sentido de adotar, para certas indústrias, bases semelhantes às verificadas na costa americana do Golfo do México e no Caribe para indústrias químicas, considerando os baixos custos marginais da produção do gás; 6 – fixar os preços ou custos contábeis do óleo CIF RLAM para origem do cálculo de custos de produtos básicos, na base dos custos efetivos mais lucro empresarial justo; 7 – considerar imediatamente um engajamento da PETROQUISA no programa petroquímico do Recôncavo, nas linhas empresariais sugeridas, liderando um grupo nacional, de que o Estado se dispõe a participar sem excluir a participação externa que seja conveniente por motivos tecnológicos ou de mercado. A QUE SE DISPÕE O ESTADO DA BAHIA O Estado da Bahia não deseja apenas pedir, mas oferece à PETROBRÁS – PETROQUISA sua colaboração, naturalmente limitada à modéstia de seus recursos. O Estado se dispõe a: 1. apoiar a PETROQUISA na sua atividade empresarial, com vistas à concretização do grande complexo petroquímico na Bahia, com participação financeira efetiva; 2. destinar, da forma mais indicada, o produto ou o equivalente (“royalties” a que tem direito sobre as matérias-primas destinadas à petroquímica na Bahia para a

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA concretização desta); 3. participar de um programa de pesquisas complementares referente ao salgema no Recôncavo;4. examinar imediatamente, em conjunto com a SUDENE, a constituição de uma grande empresa regional de mistura e distribuição de fertilizantes, em alta escala, associada a um programa agrícola regional de grande envergadura, tendo como um dos objetivos oferecer apoio ao COPEB e a outras fontes de fertilizantes do Nordeste.

Trata-se de um documento técnico preparado pela Clan, no qual o governo da Bahia assume formalmente o compromisso de participar financeiramente do projeto petroquímico; propõe um mecanismo de subsídio aos preços das matérias-primas básicas (nafta/gasóleo) e conclama a Petrobras/Petroquisa a assumir a liderança do processo num discurso bem ao gosto da corrente militar nacionalista, liderada pelo general Ernesto Geisel, que subira ao poder com o governo do marechal Castelo Branco e que atuava intensamente na área do petróleo. Luís Viana Filho havia sido o chefe da Casa Civil do governo Castelo Branco e colega de ministério, do à época, general. Ernesto Geisel que ocupava a Chefia do Gabinete Militar. O general Geisel assumiu posteriormente a Presidência da Petrobras e, em seguida, a Presidência da República, tendo liderado a tecnoburocracia da Petrobras, mesmo fora do poder, até a sua morte em 1998. Para obter, também, o apoio institucional da Sudene, em 26 de agosto de 1969, encaminhou o governador do Estado correspondência ao general Tácito Theóphilo de Oliveira, superintendente daquela autarquia de desenvolvimento regional, solicitando a adoção de um conjunto de medidas no plano dos incentivos fiscais as quais não somente agilizariam a tramitação de projetos industriais que fossem submetidos a apreciação daquele organismo federal como também ampliariam as suas condições de financiamento. Senhor Superintendente. O Governo do Estado da Bahia tem a honra de passar às mãos de V.Exa o estudo “Desenvolvimento da Indústria Petroquímica do Estado da Bahia”, valioso subsídio ao planejamento do setor petroquímico no país e, particularmente, em nosso Estado e no Nordeste. Realmente a implantação da petroquímica deverá representar consolidação do nosso mercado interno e a garantia de um economia auto-sustentada. Também em anexo ao presente, V.Exa encontrará cópia do ofício que o Governo do Estado dirigiu à PETROBRÁS, solicitando àquela empresa – que tem, através da PETROQUISA, a responsabilidade de coordenar a implantação da petroquímica básica em nosso país – medidas que visam a tornar realidade, no prazo mais curto possível, o complexo petroquímico da Bahia, baseado nos recursos do nosso subsolo

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explorados pela PETROBRÁS. Ainda no mencionado ofício, V.Exa poderá verificar a disposição do Estado em participar efetivamente do esforço para implantação do parque petroquímico. Seria desnecessário, talvez, dizer da impossibilidade da implantação de um parque petroquímico na Bahia sem o apoio e a colaboração da SUDENE. Sabemos que, sem a existência dos incentivos fiscais, tão bem administrados por essa Superintendência, a disponibilidade das matérias-primas em nosso Estado não se constituiria em razão suficiente para que o empresário, em lugar de instalar-se no Centro-Sul, para aqui se dirigisse. Até o momento, não tem a SUDENE faltado com seu apoio aos projetos petroquímicos já implantados ou em implantação em nosso Estado, dentre os quais podemos citar a CIQUINE (anidrido ftálico), a PASKIN (metacrilato de metila) e a FISIBA (acrilonitrila). Além destes, encontram-se em análise nesse órgão os projetos da AGROBRASIL (polipropileno), da CIQUINE (ocianol), da POLIAR (polipropileno glicol) e da BTX.Ocorre, contudo, Senhor Superintendente, que a petroquímica do Nordeste e da Bahia encontra-se num ponto crítico, pois os projetos petroquímicos da “Petroquímica União” e da “Union Carbide” já demarcaram, e começam a pensar, antes mesmo de sua conclusão, em ampliações que, se efetivadas, afastarão o sonho da petroquímica do Nordeste por algumas décadas. No Estudo que encaminhamos a V.Exa., está comprovado que, nas dimensões ainda hoje previstas para aqueles conjuntos petroquímicos, não há qualquer incompatibilidade com a implantação do conjunto petroquímico da Bahia, que não só consolidaria os projetos e iniciativas já existentes, se não permitiria ao Nordeste contar com uma indústria de base altamente germinativa, a partir de matérias-primas locais, e que seria, sem dúvida alguma, um dos esteios para obtenção de uma economia auto-sustentada para todo o Nordeste, fato esse de extraordinária importância para a segurança nacional, que teria diversificados os pólos de indústrias petroquímicas ao mesmo tempo em que o consumo de matérias-primas nacionais favoreceria nossas reservas de divisas. É, portanto, chegada a hora de somarmos esforços para evitar a perda da petroquímica para o Nordeste. Da parte da SUDENE, espera o Governo do Estado da Bahia contar, além do apoio junto às autoridades federais – particularmente os Ministérios da Indústria e Comércio e das Minas e Energia, GEIQUIM, PETROBRÁS e CNP –, com o seguinte: a) que a análise dos projetos petroquímicos apresentados a essa Superintendência seja procedida no prazo máximo previsto no Art. 25 do Decreto n.º 64.214, de 18/03/69; b)que sejam os projetos petroquímicos e químicos objeto de convocação pelo GEIQUIM enquadrados no Art. 39 do mesmo Decreto.A justificativa para o item “b” da nossa solicitação é que cabe ao GEIQUIM, considerando a alta prioridade para o desenvolvimento nacional, convocar os projetos petroquímicos e químicos. Ora, parece-nos que se aqueles projetos são de alta prioridade em termos nacionais, com muito maior razão o serão em termos regionais.Desta forma, poderia a Secretaria Executiva – aceita que fosse nossa sugestão – propor ao Conselho Deliberativo da SUDENE,

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA quando achasse por bem, independente dos arts. 31,32,33 e 38 do já mencionado Decreto, a concessão de incentivos que permitissem a implantação dos projetos químicos e petroquímicos em condições de competir em termos nacionais e internacionais.Desejamos esclarecer que não pretendemos aqui que sistemática ou automaticamente possa um projeto aprovado em concorrência pelo GEIQUIM ganhar o máximo de incentivos da SUDENE; caberá à Secretaria Executiva propor ao Conselho o quanto de incentivos a ser concedido. O que desejamos apenas é dar àqueles projetos a possibilidade de virem a ser enquadrados inclusive na faixa “A”.Como argumento adicional que justifica nossa pretensão, desejamos lembrar que os projetos petroquímicos e químicos que se implantam hoje no Centro-Sul vêm contando com condições de financiamento que normalmente superam as condições estabelecidas pelos incentivos e financiamentos concedidos no Nordeste.

A grande preocupação do governo da Bahia, então, consistia no fato de a Sudene ter retirado da faixa “A” de prioridade (75% de financiamento com a utilização dos recursos dos incentivos fiscais) os projetos destinados às áreas metropolitanas de Salvador e de Recife. Com o apoio do lobby petroquímico, o governo baiano conseguiu assegurar a reversão desta medida em favor das empresas do Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec). Mas o volume dos investimentos era tão elevado que a Sudene, mesmo exaurindo os seus recursos derivados dos incentivos fiscais em detrimento dos demais projetos de interesse regional, só conseguiu financiar 20% das inversões totais das empresas no Copec. Como a petroquímica era um projeto de absoluta prioridade para a Bahia, tinha-se de operar politicamente dentro de um quadro composto por diferentes e poderosos atores num contexto em que qualquer procedimento equivocado poderia resultar em graves prejuízos para o Estado. Assim, o governo da Bahia trabalhava, de um lado, com a cúpula do governo federal, num período de extremo autoritarismo e centralização das decisões e, do outro, com a Petrobras e sua tecnoestrutura, também no auge da sua autossuficiência e prepotência no que se referisse à política nacional de petróleo e seus derivados, aí incluída a indústria química/petroquímica. Adicionalmente, como já foi visto, enfrentava a competição com outros estados (notadamente São Paulo), que não desejavam a construção do segundo complexo petroquímico na Bahia, e tinha que conquistar o apoio de uma classe empresarial ainda tímida e relutante em participar de um projeto de tal porte. Note-se que, à época, os grandes grupos brasileiros da petroquímica dos dias atuais não possuíam qualquer tradição ou 383

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experiência no setor, como, de resto, a maior parcela do empresariado nacional. Faltavam capital, tecnologia e experiência, o que foi duramente conquistado pela aliança construída entre os governos federal e estadual e a Petrobras, aplicando-se o modelo tripartite em que se reuniam na empreitada empresarial o setor público, a Petroquisa, a iniciativa privada nacional (financiada pelo BNDE) e o empresariado internacional177. A Bahia acabou conseguindo atingir os seus objetivos porque estabeleceu uma sólida aliança com o grupo militar nacionalista e a tecnocracia da Petrobras que via com simpatia a instalação de um complexo petroquímico no Nordeste, segundo uma estratégia recomendada à época pela doutrina de segurança nacional concebida pela Escola Superior de Guerra e o Estado Maior das Forças Armadas, que consideravam o desequilíbrio do desenvolvimento regional uma ameaça à estabilidade política do país. O primeiro governo de Antônio Carlos Magalhães, no quadriênio de 1971-1975, caracterizou-se por uma agressiva ação executiva, objetivando concretizar muitos planos e projetos herdados das gestões anteriores. Fato de maior significação foi que não se registrou solução de continuidade na administração estadual, o que permitiu a continuidade de importantes projetos para a Bahia e a consolidação da formação de quadros técnicos habilitados para a execução desses projetos. A condução da política industrial foi dividida entre a Secretaria da Indústria e Comércio e a Secretaria das Minas e Energia (SME). Enquanto a SIC foi incumbida das atividades relativas aos segmentos industriais tradicionais, ao fomento das pequenas e médias empresas e à gestão dos distritos industriais do interior e do CIA, a SME recebeu a tarefa de conduzir, como um projeto em regime de programação especial, as atividades de competência do Estado para a implantação e o desenvolvimento da petroquímica na Bahia, sem dúvida o maior projeto do governo do Estado nesse período. 177

O modelo tripartite constitui um esquema de composição acionária montado para viabilizar os projetos do segundo complexo petroquímico nacional. Segundo este modelo, a Petroquisa (leia-se o governo federal) participava com 1/3 do capital votante, o sócio privado estrangeiro (dono da tecnologia) com outro um terço e o sócio privado nacional (financiado a juros subsidiados pelo BNDE) com outro 1/3. Assim, assegurava-se uma aparência de iniciativa privada dominante. Mas havia, em todos os empreendimentos básicos, um acordo de acionistas que era realmente quem ditava as regras do jogo entre os controladores. Por exemplo, a Petroquisa designava os Superintendentes (executivos principais) de todas as empresas.

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A razão dessa divisão de atribuições se explica pelo estilo administrativo personalista de Antônio Carlos Magalhães, bastante centrado na administração por objetivos, com destaque para a relação dos executivos com os projetos, independentemente das amarras formais dos organogramas178. No caso, a condução do projeto da petroquímica foi confiada ao eng. José de Freitas Mascarenhas (titular da SME), porque este técnico, na qualidade de diretor da Consultoria e Planejamento Clan S/A, já vinha participando ativamente dos estudos e das gestões técnico-políticas para a implantação de um polo petroquímico na Bahia iniciadas no governo anterior.179 A bem da verdade, a SME não se constituiu exclusivamente numa Secretaria da Petroquímica. Pelo contrário, foram significativas as realizações promovidas na área mineral do Estado por intermédio da Coordenação da Produção Mineral, um órgão da estrutura centralizada da SME, e da Companhia Baiana de Pesquisas Minerais (CBPM), da estrutura descentralizada, criada em 1973 exatamente para atuar executivamente no setor em parceria com a iniciativa privada. Por outro lado, na área de energia, destacaram-se os trabalhos desenvolvidos pela Coordenação de Energia, pela Companhia de Energia Elétrica da Bahia (Coelba) e pela Companhia Baiana de Eletrificação Rural (Cober).

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Definindo ACM Dantas Neto dizia em 2007: [...] Creio que ele pode ser qualificado como modernizador, do ponto de vista econômico, um político conectado ao capital, no sentido amplo, não determinista, da conexão, isto é, a ação que concilia seus interesses políticos com os de setores hegemônicos do capitalismo brasileiro, a cada época. Assim, contracenou com a construção civil nos anos 60/70, depois com o capital petroquímico, com a indústria das telecomunicações e, mais recentemente, com o mundo da cultura, em sua intersecção com a “indústria” do entretenimento. Não se tem notícia de envolvimento importante seu com interesses passadistas, do ponto de vista econômico.Mas politicamente era, claro, um autocrata, um conservador com concepção vertical da política e foi, muitas vezes, truculento. O traço despótico da personalidade era, no caso, funcional ao exercício da concepção vertical, pela qual processos decisórios são atribuições exclusivas da elite dirigente, cujo protagonismo, fundado em atitudes pragmáticas, é condição suficiente para o êxito das estratégias modernizantes. Tal atitude política pode, tal como a trajetória de ACM demonstra, adaptar-se tanto a contextos institucionais autocráticos quanto de competição democrática. Neste último caso, o povo (os cidadãos) teria, no máximo, o papel que lhe é reservado por certa versão do elitismo competitivo, ou seja, escolher e depois aclamar a elite governante. Ao se definir nestes termos a atitude de ACM, conclui-se que não seriam tantos os políticos e partidos brasileiros que lhe poderiam atirar a primeira pedra. 179 Lamentavelmente, na gestão de ACM, por incompatibilidades políticas e pessoais com o governador, foi afastado do processo o economista Rômulo Almeida, que vinha prestando notáveis serviços à Bahia, notadamente na área da petroquímica.

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Evidentemente, a petroquímica era o projeto prioritário do Estado, que tinha de operar politicamente dentro de um quadro composto por diferentes e poderosos atores, num contexto em que qualquer procedimento equivocado poderia resultar em graves prejuízos para o Estado. Assim foi criado, no organograma da SME, uma estrutura especial denominada Coordenação da Obras do Complexo Petroquímico de Camaçari (Comcop) para geri-lo, de sorte a contornar os entraves burocráticos que este sofreria se dependesse da decisão dos diversos órgãos da administração pública estadual. A Comcop congregava todos os organismos estaduais envolvidos com o problema, tinha a finalidade de acompanhar a implantação do Complexo Básico e coordenar as medidas de planejamento e execução necessárias para assegurar a oferta da infraestrutura industrial requerida180. O governo baiano teve de enfrentar forte resistência para conseguir concretizar o projeto petroquímico, visto que a decisão em favor da Bahia, reafirmada posteriormente através de pronunciamentos oficiais e de medidas concretas, encontrou durante algum tempo a reação de outros estados que se candidataram a acolher o segundo complexo petroquímico nacional: o Rio de Janeiro, com base na existência das refinarias de Manguinhos e Duque de Caxias, na produção da Fabor, no seu mercado e no interesse de investidores privados em instalar plantas em seu território; Sergipe, por dispor de petróleo e jazidas de evaporitos; o Rio Grande do Sul, em virtude da capacidade de refino instalada no Estado e ao fato de o Sul do país representar 20% da demanda total desses produtos. A reação mais forte, como se poderia esperar, veio de São Paulo. Empresários, associações de classe, governo estadual e imprensa utilizaram formidável capacidade de pressão, persuasão e influência para ressaltar as vantagens da ampliação da Petroquímica União (PQU).

180

Na prática, a Comcop era apenas um organismo convalidador institucional de decisões já adotadas pela coordenação estadual do projeto, de que estava incumbida a Secretaria de Minas e Energia, por determinação do governo do Estado. A utilidade da Comcop residiu no fato de transformar o projeto do complexo petroquímico em algo tão prioritário que sobrepunha à competência setorial dos diversos organismos estaduais. Em outras palavras, a Comcop validava as ações do Coordenador do Projeto Petroquímico que autoritariamente se sobrepunham às competências dos demais órgãos estaduais. Esta situação foi ligeiramente revertida no governo Roberto Santos (1975-1979).

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Por fim, a aprovação, pelo presidente Médici, em 15 de setembro de 1971, da exposição de motivos n. 213 marcou o início da petroquímica na Bahia, definindo as regras da implantação dessa indústria no Nordeste. Assinada pelos ministros da Indústria e Comércio, Fazenda, Planejamento, das Minas e Energia e do Interior, a EM possui o seguinte teor: Excelentíssimo Senhor Presidente da República,Temos a honra de submeter a Vossa Excelência as diretrizes fundamentais que objetivam implementar a decisão do Governo Federal no sentido de implantar um novo pólo petroquímico181 no Nordeste e consolidar o do Centro-Sul, cuja central já se encontra em fase de instalação. 1 – Em face das características peculiares do setor petroquímico, que envolve, além da grande interdependência dos projetos, a necessidade de vultuosos recursos, financeiros e tecnológicos, que assegurem as economias de escala condizentes com o seu dimensionamento a níveis internacionais, bem como o longo período requerido para a implantação da unidade central, torna-se necessário definir a estratégia que orientará esse processo. 2 – Essa providência, tomada com a necessária antecipação, permitirá a tomada de decisões empresariais, indispensável para a consecução dos objetivos acima enunciados. 3 – A característica essencial e exclusiva da petroquímica, de seguir rotas tecnológicas alternativas que permitem obter o mesmo produto, final ou intermediário, a partir de diversos produtos básicos, ao mesmo tempo em que o produto pode combinar duas ou mais matérias-primas, aconselha que os projetos não sejam analisados isoladamente, mas em grupos correlacionados. 4 – A recuperação do atraso na implantação da petroquímica básica brasileira, cuja concretização dar-se-á com o início da operação da central de Capuava, (leia-se PQU) aliada aos elevados níveis de crescimento da economia, permite antever um acelerado crescimento desse setor na década de 70, possibilitando a instalação de unidades com escala internacional. 5 – Essas duas características não só reforçam a decisão de consolidar o pólo petroquímico do Centro-Sul e de instalar o pólo petroquímico do Nordeste, aliando as vantagens locacionais a interesse de ordem social e econômica, como facilitam a racional compatibilização entre essas duas implantações. 6 – Efetivamente, enquanto a decisão de instalar o pólo petroquímico do Centro-Sul em escala internacional justifica-se plenamente por encontrar-se ali a maioria das unidades de quarta geração e dos consumidores finais, a decisão de incentivar e garantir o segundo pólo no Nordeste encontra sua justificativa no melhor aproveitamento dos recursos naturais brasileiros, no progressivo nivelamento das disparidades regionais e em razões de segurança nacional, fatores que, em conjunto, transcendem uma análise em nível microeconômico (grifo nosso). 7 – Para que essa decisão seja implementada, eficaz e eficientemente, 181

Note-se que a palavra “polo” é utilizada repetidas vezes pelo ministros na exposição de motivos.

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cumpre não apenas uma correta consideração e ponderação dos elementos que constituem um projeto – grupo empresarial, composição acionária, escala, tecnologia, esquema financeiro, localização e cronograma – , como um exame adequado das relações que integrarão esses projetos entre si e com o meio geo-econômico em que se situarão. 8 – Em face do exposto e tendo em vista que: a) a maior colocação possível dos produtos olefínicos da central do Centro-Sul é fundamental para a sua viabilidade econômico-financeira e que esses produtos são de difícil transporte econômico; b) o nordeste conta com matérias-primas e produtos básicos (gás natural, correntes ricas em etano, amônia e salgema para a produção de cloro) de inconveniente transporte, que torna vantajosa sua utilização local, notadamente para a produção de derivados de aromáticos;são as seguintes as diretrizes recomendadas:I – Serão localizadas em São Paulo, em uma primeira fase (71/75), comportando exceções justificadas, as unidades consumidoras de olefinas e no Nordeste, as unidades consumidoras de aromáticos, invertendo-se na fase subseqüente (1975/80) essa localização;II – assegurar-se-á a consolidação de unidades em implantação na Bahia (octanol e acrilonitrila) durante a fase de expansão e maturação do mercado; III – Será exercida rígida fiscalização sobre a execução de projetos aos quais foram concedidos incentivos, de forma a evitar atrasos que comprometam a execução do programa.Essas sugestões significam, concretamente, as seguintes definições:I – na Bahia, a localização dos projetos consumidores de aromáticos de caprolactama, TDI e DMT, ampliação da capacidade da unidade existente de Negro de Fumo e a instalação futura de unidade de polietileno HD, cuja demanda está adequadamente suprida em São Paulo. II – em São Paulo, a localização do projeto de polipropileno, de V.A.M, expansão da capacidade de produção de Negro de Fumo, instalação da unidade de T.P.A. (ácido tereftálico) e aceleração da implantação da unidade de óxido de propeno. 9 – O esquema de localização acima definido permitirá o consumo de fração ponderável na produção de eteno e propeno da central petroquímica de São Paulo e, desde que os projetos sejam realizados de acordo com os seus programas, representará a consolidação daquela central, ao mesmo tempo em que facilitará a implantação da central petroquímica do Nordeste, através da garantia progressiva da demanda regional de produtos petroquímicos básicos. 10 – A fim de assegurar a implantação da nova central, incumbir-se-á a PETROQUISA, sob a orientação do Conselho de Desenvolvimento Industrial, de promover a formação de uma empresa-piloto, que realizará o detalhamento dos trabalhos técnicos e econômicos correspondentes, inclusive para as indústrias de segunda geração que consumirão os produtos básicos produzidos pela Central. 11 – Na configuração dos projetos correspondentes será levada em consideração, como diretriz, a participação majoritária do capital privado, bem como a presença das empresas consumidoras, no capital da central. 12 – Esse conjunto de providências, Senhor Presidente, constituirá o necessário balizamento para que o setor petroquímico brasileiro tenha acelerada a sua implantação, através das defini-

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA ções fundamentais para orientar as decisões do setor privado, a cujo cargo se encontra, em cooperação com a PETROQUISA, a responsabilidade pela execução desse programa.

Observa-se, no item 6 da exposição de motivos, que os ministros deixam entender que a decisão por Camaçari foi uma imposição, quando dizem: “enquanto a decisão de instalar o pólo petroquímico do centro-sul justifica-se plenamente [...] a decisão no Nordeste encontra sua justificativa [...] em razões de segurança nacional que [...] transcendem uma análise em nível microeconômico”. Ou seja, a Bahia ganhou o segundo complexo petroquímico porque soube conquistar o apoio militar, notadamente do general Ernesto Geisel que nesta época era o presidente da Petrobras.182 Não foi, portanto, uma “expansão do capitalismo brasileiro”, no sentido que alguns analistas costumam atribuir. Se dependesse dos empresários nacionais e internacionais, jamais teria o complexo se instalado na Bahia. Em 12 de janeiro de 1972, foi constituída a Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), que recebeu da Petroquisa, em maio, a tarefa de iniciar imediatamente a implantação do Complexo Básico, mediante a instalação do primeiro estágio da Central de Utilidades. A Copene reuniu em sua empresa, a Central de MatériasPrimas (Cemap) e a Central de Utilidades (Util) que se constituíam no coração do complexo petroquímico. O ano de 1972 foi de vital importância para o complexo petroquímico que se instalava na Bahia, porque adotaram-se duas medidas que significaram um passo adiante na institucionalização do programa: em 22 de julho, pelo decreto-lei n. 1.225, a área de Camaçari era considerada de interesse da segurança nacional; em 7 de agosto, pelo decreto n. 23.014, o governo do Estado criava a Comissão Coordenadora do Polo Petroquímico (Comcop). A expectativa do governo do Estado era a de que, com a criação do Complexo Básico e a sua instalação em Camaçari, criar-seiam as condições de desenvolvimento de uma atividade motriz de grande dinamismo e, por conseguinte, de um crescimento industrial autossustentado que deveria superar as limitações setoriais para se inserir, de modo pleno, na economia nacional. O governo do Estado, relegando ao segundo plano o Centro Industrial de Aratu, resolveu criar, em Camaçari, um parque in182

É atribuída ao general Geisel uma frase emblemática: “A Petrobras não se interessará mais em fazer estradas para o governo da Bahia. A Petrobras se interessa em fazer a petroquímica na Bahia”.

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dustrial especializado, acoplado ao Complexo Básico, compondose, assim, o Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec). Em consequência, o governo do Estado, por iniciativa própria e a seu custo, decidiu executar um Plano diretor para a área, dotando-a de infraestrutura e de serviços necessários para o estabelecimento de indústrias de transformação, químicas e outras, diretamente relacionadas com a petroquímica. O grandes parceiros na construção de Camaçari foram o governo do Estado da Bahia e a Petrobras, representada por suas subsidiárias a Petroquisa e a Petroquímica do Nordeste S.A (Copene). Coadjuvantes no processo, o governo federal, através do Ministério da Indústria e Comércio (CDI), o BNDE, o BNH e a Sudene. A participação da classe empresarial, depois de ter sido vencida a oposição da PQU, foi insignificante. A classe política, a comunidade local e regional e os organismos de classe foram, quando muito, simples espectadores. A Petrobras, pelo menos até a segunda metade dos anos 1990, sempre se constituiu em verdadeiro Estado dentro do Estado brasileiro. Durante a era Geisel (1969 a 1990), o poder desta estatal era incontestável. Sua tecnoburocracia não prestava contas dos seus atos à sociedade ou ao governo central. Evidentemente, as aparências eram sempre cuidadosamente preservadas. A associação com o governo da Bahia interessava à Petrobras porque o domínio da indústria petroquímica nacional frente à “ameaça” do capital estrangeiro183 constituía um objetivo estratégico do grupo militar nacionalista que dominava a Escola Superior de Guerra e formulava os princípios da doutrina de segurança nacional e tinha no general Ernesto Geisel o seu maior expoente na área do petróleo. Os baianos, liderados por Antonio Carlos Magalhães, bem municiados por uma assessoria técnica competente e com grande trânsito nos mais altos escalões do poder, constituíam os aliados ideais para os propósitos da Petrobras. Além do mais, a defesa da bandeira da desconcentração industrial e da correção dos desequilíbrios regionais, constituía, à época, um dos mais poderosos argumentos disponíveis no arsenal do marketing político nacional. Esta 183

Na Bahia, representado pela Dow Química, apadrinhada em Brasília pelo general Golbery do Couto e Silva, um dos militares de maior poder no país durante os governos Medici e Geisel.

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associação, porém, tinha os seus limites ditados pelos interesses específicos e o autoritarismo de cada um dos parceiros (e a Petrobras, naquela época, era mais forte que o governo do Estado). Assim, à estatal interessava desenvolver na Bahia um complexo petroquímico (que denominava de Complexo Básico) limitado a um conjunto de empresas, enquadradas na sua estratégia de ação no mercado nacional. A Petrobras não admitia submeter seu projeto à ingerência do governo baiano, daí porque decidiu autonomamente localizar-se em Camaçari, numa opção criticada pelos japoneses (sócios estrangeiros nas indústrias) e por muitos técnicos baianos (sem expressão política e convenientemente calados por medo das autoridades locais). A opção ideal para os japoneses seria próximo ao mar e o Centro Industrial de Aratu oferecia estas condições no CIA-Norte. Também o Bureau d´Etudes Industrielles et de Coopération de l´Institut Français du Pétrole (Beicip), organismo técnico especializado, contratado pelo governo federal para assessorá-lo no processo de definição do segundo complexo petroquímico do Brasil, manifestou a sua preferência pela localização do complexo na área do CIA-Norte. Ademais, localizando-se naquela área, promover-se-ia a redução substancial do custo da infraestrutura que teria de ser construída a um preço elevado para um estado pobre, viabilizaria o CIA, um distrito carente de indústrias e de sentidos, como já foi visto, e evitaria a produção de graves danos ambientais, pois ocomplexo foi localizado em cima da formação de São Sebastião, um importante aquífero subterrâneo capaz de, isoladamente, abastecer toda a RMS com água de elevada potabilidade184 por um longo período de tempo. Segundo Martins e Thèry (1981): A escolha de Camaçari como sítio para a localização do complexo básico já havia sido feita, a partir de estudos realizados pela COPENE, subsidiária da PETROQUISA, desde 1972, ou seja: dois anos antes da formulação do Plano Diretor. Oficialmente, o critério básico que levou a essa escolha foi o da disponibilidade de água na região, aliado a uma análise dos custos comparativos de investimento e de funcionamento proporcionados por Camaçari em relação a quatro outras possíveis localizações (todas elas situadas no Município vizinho de Candeias). Estimou-se então que em termos de custos de funcionamento (ligados à maior distância de Salvador

184

Informações recentes, de organizações ambientalistas dão conta de que este aquífero está sendo contaminado gradualmente.

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e do Porto de Aratu e ao transporte de matérias primas) as vantagens oferecidas por Camaçari teriam uma vigência de pelo menos dezoito anos, se comparadas com as vantagens oferecidas por Aratu.Essa afirmação é feita no Plano Diretor, embora nenhuma referência precisa seja dada sobre a maneira como foram realizados tais cálculos – que seriam, aliás, tornados pelo menos em parte obsoletos pelo (à época imprevisível) aumento do preço do petróleo. Se essa é a versão oficial, existem indicações, de que a verdadeira motivação da subsidiária da PETROBRÁS para a não-localização do complexo petroquímico em Aratu deveu-se muito mais ao desejo da empresa estatal de “ver-se livre” das eventuais limitações à ação que pretendia desenvolver decorrente da existência já em Aratu de uma administração dependente da Secretaria de Indústria do Governo da Bahia. Como quer que seja, o importante é que a decisão de localizar o complexo em Camaçari já estava tomada antes que se fizesse qualquer estudo de planejamento regional. (MARTINS e THÈRY 1981, p. 51).

O governo da Bahia aceitou passivamente todas as imposições da Petrobras (Petroquisa/Copene), inclusive incorporando-as ao seu planejamento. Estima-se que esta atitude não passou de uma estratégia, pois o raciocínio dos técnicos estaduais era de que o benefício a ser gerado pelo empreendimento compensaria todos os custos. Ao governo do Estado caberia ampliar os efeitos da iniciativa, transformando o complexo em um polo de desenvolvimento. Desta forma, o planejamento em Camaçari foi realizado pela Copene no que se referiu à localização, ao zoneamento do Complexo Básico (cuja área foi desapropriada pelo governo federal/ Petrobras), ao modelo industrial e ao esquema acionário (tripartite)185. Em junho de 1973, praticamente um ano antes do lançamento do Plano diretor do Copec, a Petroquímica do Nordeste (Copene) editou um documento em que dizia: Dentro da orientação traçada pelo Ministério da Indústria e Comércio, a COPENE vem desenvolvendo os trabalhos iniciais de implantação do Pólo Petroquímico do Nordeste (grifo do autor). Com a apresentação deste trabalho pretende a COPENE unificar e resumir as principais informações e definir as posições mais relevantes até agora assumidas no planejamento técnico-econômico daquele Complexo Industrial (COPENE, 1973. f. 3). (Grifo do autor). 185

Como foi visto anteriormente o modelo tripartite foi a forma encontrada pela Petrobras/ Petroquisa para solucionar diversos problemas financeiros e técnicos do empreendimento visto que a estatal à época estava comprometida com outros grandes projetos, como o da PQU em São Paulo. Por este modelo o sócio estrangeiro entrava no negócio com o aporte da tecnologia que dominava. Isto levou o complexo a adquirir “pacotes fechados de tecnologia” (denominados pelos técnicos nacionais de “caixas pretas”) o que certamente comprometeu severamente a possibilidade do desenvolvimento tecnológico futuro do complexo e da Bahia como um todo.

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É a própria Copene quem utiliza o conceito de polo, só que de forma mais ampla estendendo-o ao Nordeste. O Pólo Petroquímico do Nordeste é a primeira tentativa feita no Brasil de auferir, através do planejamento centralizado de um Complexo Petroquímico, todas as vantagens proporcionadas pela economia de escala, aplicada esta aos produtos básicos, utilidades, manutenção, serviços gerais e infra-estrutura. (COPENE, 1973. f.16)

O estudo da Copene apresenta o seu Plano diretor com o zoneamento da área do Complexo Básico, com a definição do sistema viário interno, de energia elétrica e de tubovias, de drenagem e localização das centrais (de matérias-primas, de utilidades, de manutenção de serviços) e de mais nove empresas, da quais cinco já existentes no local antes da implantação. Assim, o Plano diretor do Copec incorpora e amplia este Plano diretor da Copene sem influenciar, contudo, nas diretrizes já estabelecidas. O governo da Bahia, através da Comcop e da Secretaria das Minas e Energia, elaborou o Plano diretor global da área, incorporando o Complexo Básico como uma zona industrial do Complexo Petroquímico de Camaçari, elaborou o Plano de Desenvolvimento Social de Camaçari (que, sendo transformado em área de segurança nacional, perdeu a autonomia política e passou a ser administrado por um funcionário do Estado nomeado pelo governador) e executou a custosa infraestrutura física e urbano-social da área, com financiamento do BNDE/BNH. Situação singular viveu o “prefeito” de Camaçari no período compreendido entre 1972 e 1988. Nomeado pelo governador, não gozava de qualquer autonomia. Recebia ordens do Secretario das Minas e Energia, do Coordenador do Complexo Petroquímico (Copec) e do Superintendente da Copene (que eram os “donos” da área). A Câmara de Vereadores era apenas um órgão homologador das decisões adotadas. Em síntese, a experiência de Camaçari parece aproximar-se muito mais da noção de complexo industrial do que da de polo186. 186

A expressão “polo” foi utilizada pela primeira vez pelo governo federal na exposição de motivos ministerial n. 213 de 15de setembro de 1971, firmada pelos ministros da Indústria e Comércio, Fazenda e Planejamento e encaminhada ao presidente Medici, versando sobre o problema da petroquímica, como foi transcrito anteriormente, neste livro, e, posteriormente, pela Copene, em 1973. O plano diretor do Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec) incorporou a expressão, referindo-se ao Polo Petroquímico do Nordeste, com o “mérito” de ter largamente teorizado sobre a questão, o que não foi realizado no documento anterior da Copene.

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Há um aspecto relevante a registrar. As conexões interindustriais constituem um fator necessário para caracterizar um polo, mas não é o fator suficiente. Se este último advém da capacidade de inovação da indústria-motriz, adquire importância não apenas o tipo de indústria e a função que ela está tecnicamente apta a exercer, mas também (e evidentemente) a forma jurídico-administrativa como é constituída a empresa da qual se espera a ação motriz-inovadora. Nesse plano, o controle acionário da empresa que constitui a indústria-motriz (se estatal, privado ou multinacional) tende a adquirir significação para o que se discute. Essa variável é raramente considerada na teoria dos polos, embora seja evidente sua importância. A introdução de contínuas inovações depende de decisões empresariais que não se relacionam apenas com a capacidade de gerar tecnologia e “novas combinações”, mas também com a vontade de fazê-lo. Quer dizer: do interesse de seus controladores em fazerem uso de tal capacidade187. Uma empresa multinacional, por exemplo, pode não ter interesse em introduzir, num dado mercado, dentre os múltiplos em que atua, as inovações para as quais está tecnicamente capacitada. Isto ocorrerá se tais inovações vierem a gerar, por exemplo, uma expansão da estrutura produtiva desse mercado particular que seja superior àquela que tal empresa considera compatível com sua estratégia global e com o jogo oligopólico do qual, em geral, depende sua expansão continuada. Da mesma forma, embora por outras razões, também os empresários locais podem não reunir as condições necessárias (por falta de recursos ou de capacidade empresarial) para preencherem, substitutivamente, a função inovadora. Portanto a opção pela criação de polos de desenvolvimento, associada à construção dos distritos industriais na Região Metropolitana do Salvador e nas principais cidades do interior da Bahia, constituiu uma política ineficaz frente ao modelo de industrialização adotado, como exemplifica o insucesso da concepção do Complexo Petroquímico de Camaçari como um polo e, consequentemente, um instrumento de desenvolvimento regional. Isto porque, na prática, não funcionou a concepção baseada no raciocínio de que, se os polos constituíam a “chave” do crescimento capitalista e se era possível determinar a dinâmica do seu 187

Observe-se por exemplo que os mais significativos investimentos da Braskem (empresa motriz do complexo de Camaçari na atualidade) são realizados no Rio Grande do Sul.

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funcionamento, uma das formas de promoção do desenvolvimento regional se constituiria mediante a criação das condições necessárias para a reprodução dessa dinâmica. A solução dos problemas de desenvolvimento regional nas décadas de 1960 e 1970, mediante a aplicação da teoria dos polos, foi bastante reforçada pela concepção estratégica militar que dominava o país, pois, nesse momento, começam a se tornar evidentes os impasses do “desenvolvimento” e, em função deles, a crise do projeto nacional de construção de um país mais próspero e justo que tantas esperanças havia despertado no Brasil. Começava a ficar bastante claro que, apesar de todos os êxitos estatísticos resultantes do esforço de desenvolvimento econômico até então realizado, a evolução social, em um país de capitalismo tardio e dependente, ocorria em bases diferentes daquelas que marcaram a expansão capitalista no primeiro mundo. Comprovava esse fato a tendência à forte concentração, tanto social quanto espacial, da renda. Ou seja, constatava-se que a remoção dos “obstáculos ao desenvolvimento”, não conduzia a uma expansão do processo de acumulação capitalista de forma equilibrada no âmbito do espaço nacional. Ao contrário, o que se observava era justamente o reforço dos mecanismos que acentuavam em novos e até mais perversos termos, as tendências estruturais às desigualdades sociais. As frustrações e tensões sociais que emergiram dessa constatação e desses resultados, ameaçando a própria legitimidade da idéia de desenvolvimento, constituem páginas recentes da nossa história moderna. Como resposta à crise, a idéia da implantação de polos começa a despertar interesse e é, logo em seguida, incorporada ao arsenal dos instrumentos de intervenção na economia à disposição do Estado, da mesma forma que passa também a reanimar a expectativa da generalização do processo de desenvolvimento no âmbito da nação. O recurso à idéia de polo, como instrumento de desenvolvimento regional, parece relacionar-se diretamente à expectativa das elites brasileiras de que, através da implantação de polos, seria possível corrigir as “distorções” existentes no processo, sem que, para tanto, se tornasse necessário reformular o padrão básico de desenvolvimento. Em torno da noção de polo (ou através da manipulação propagandística dela) foram criadas rapidamente altas expectativas, notadamente no que se refere aos efeitos sociais no âmbito do desenvolvimento regional. Assim, a política de implantação de polos surge independentemente, ou na ignorância, dos impasses que evidenciam, 395

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nesse mesmo momento, a “teoria dos polos”, da qual tais políticas supunham constituírem uma aplicação. A despeito das contribuições da chamada escola “espacial”, desenvolvendo e ampliando as formulações iniciais de Perroux, assim como da tentativa de incorporação do conceito de polo à “teoria da localização” formulada anteriormente pela escola alemã (Christaller, Losch), continuava sem solução a maioria dos problemas suscitados pela questão maior de como compatibilizar a geografia dos polos com a economia dos polos, de modo a reter no âmbito da primeira os resultados obtidos através da segunda. Segundo Martins e Théry (1981), é em função dessa dificuldade que vai surgir a crítica talvez mais radical à própria possibilidade de conversão da noção de polo em instrumento de promoção de desenvolvimento regional. O argumento central dessa crítica é o de que tal conversão incorre num erro de lógica, na medida em que toma como sendo certo aquilo que é dado apenas como possível. Esse erro decorreria do fato, como argumenta Lansuén (1976), de se desconhecer que a teoria dos polos é uma “teoria de crescimento condicional”: ela constata a ocorrência de um fenômeno, que designa “dos polos”, e explica as razões da dinâmica de seu funcionamento, mas não explica a dinâmica e as condições necessárias à existência deles. Em outros termos: a teoria dos polos descreve a dinâmica do funcionamento de um fenômeno econômico cuja existência é simplesmente constatada, mas não explica quais são as condições prévias necessárias para o surgimento deste fenômeno, cujo funcionamento ela descreve. A distinção entre funcionamento e existência do fenômeno da polarização é importante para o entendimento da genealogia da aplicação do conceito, pois, de fato, a implantação de um polo não pode limitar-se a criar as condições necessárias para que ele possa funcionar (que são as que a teoria dá), mas supõe a criação prévia de condições para que ele exista como polo (que são as que a teoria não descreve). Essa crítica é mencionada apenas para mostrar como existiam impasses, em termos da teoria, pois parece evidente que os processos de natureza social e econômica raramente são redutíveis às regras da lógica formal (MARTINS, 1981). Na verdade, o que se observou, na prática, foram as dificuldades da aplicação dos princípios da polarização à promoção do desenvolvimento regional, visto que a “teoria da localização” e a “teoria dos polos” fornecem explicações que não se vinculam entre si e são de harmonização complicada. E, nessa parte, a crítica é pertinente, pois o que fazem os teóricos da polarização (Perroux, Paelinck e 396

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outros) é, numa análise mais acurada, superpor estruturas econômicas setoriais a espaços geográficos, na suposição de que este implante “pegue”, graças à dinâmica econômica atribuída aos primeiros. Feitas estas considerações teóricas, constata-se que, 35 anos depois de planejado e implantado, o Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec) não conseguiu transformar-se em um polo de crescimento econômico e muito menos de desenvolvimento, atravessando uma crise de graves proporções. Por tudo isto, a opção pela localização de indústrias em Camaçari não produziu os resultados esperados. Não ocorreu a implantação de um parque de transformação a jusante das empresas matrizes do complexo-básico, que não se constituíram em indústrias-motrizes. Ademais, a localização do complexo em Camaçari respondeu por um grande e irreparável dano ao meio ambiente, por destruir uma estância hidromineral importante e contaminar um aquífero subterrâneo com potencial para abastecer a RMS por um longo período de tempo, além de ter contribuído para inviabilizar o Centro Industrial de Aratu, em cujo espaço deveria ter sido instalado.

Figura 17 – Fluxograma simplificado da produção do Pólo Petroquímico de Camaçari. Fonte – Spinola, 2003 p.284.

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Tabela 32 – Complexo Petroquímico de Camaçari: inversões na estrutura física(1) (1972-1978)

Fonte:Spinola,2003. Tabela 56 p. 298. (1) Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1979. Valores da tabela original em US$ mil convertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1979 (média anual) (2) Inclusive Cetrel

De volta à história, chega-se em 1975, ao governo de Roberto Santos que, ao seu estilo, bastante diferente do seu antecessor, também acelerou os projetos iniciados nas administrações anteriores, evitando as soluções de continuidade tão nocivas à administração pública brasileira. A petroquímica, na área industrial, permaneceu como prioridade governamental, tendo sido mantida sem alterações a equipe estadual que estava à frente do projeto. No período, foram realizadas as principais obras de infraestrutura física do Copec, compreendendo o sistema viário, o sistema de proteção ambiental e a Cetrel, o terminal de granéis líquidos do porto de Aratu e a infraestrutura urbano-social de Camaçari. Segundo dados da SIC, entre 1972 e 1978, considerando-se os valores dos preços médios de 1979, foram investidos no Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec) CR$ 3,79 bilhões, dos quais 87% no período de 1975-1978 (BAHIA, 1980, p. 25). Dos recursos aplicados pelo governo Roberto Santos, 43% foram destinados ao sistema viário e 35% ao controle ambiental (inclusive à Cetrel). Tais investimentos foram financiados em 76% com recursos oriundos do BNDE e da Seplan-PR. Ao final desse governo, estavam concluídos os Programas I e II de Inversões na infraestrutura física do Copec. A Cetrel, a despeito de haver sido concebida e criada na administração anterior, através da lei n. 3.369, só foi constituída em outubro de 1977. Deveria começar a funcionar em março de 1978. Um erro de projeto, entretanto, atrasou a sua operação para fevereiro de 1979. 398

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O maior evento industrial desse período foi, sem dúvida, a inauguração, em 29 de junho de 1978, da Central de Matérias-Primas da Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), dando partida à operação do II Polo Petroquímico Nacional188. Tanto o governo de Antônio Carlos Magalhães quanto o de Roberto Santos preocuparam-se com a infraestrutura urbana e social de Camaçari. Aquele município abrigava, na época, a Estância Hidromineral de Dias d’Ávila e, segundo a legislação da época, era considerado área de segurança nacional, sendo os seus prefeitos nomeados pelo governador do Estado. No espaço municipal estava instalado o Complexo Petroquímico de Camaçari (Copec), compreendendo toda a área desapropriada para o distrito industrial com a sua infraestrutura, destacando-se, dentro dele, o Complexo Básico da Copene, o Ceped e a Cetrel. O Complexo Básico, em que ficava o núcleo da indústria petroquímica (as centrais de Matérias-Primas, Utilidades e Manutenção e as indústrias de segunda geração por estas insumidas), constituía uma ilha dentro do Copec e era dirigido pela Copene. Dessa forma, acabava o município administrado por um quarteto composto pelo secretário das Minas e Energia, o prefeito municipal, o coordenador do Copec e o superintendente da Copene. A Câmara de Vereadores existia como órgão de chancelaria das decisões do Executivo, o que não era inédito à época. Entre 1974 e 1978, foram investidos na infraestrutura urbana de Camaçari recursos da ordem de CR$ 969 milhões, a preços médios de 1979. Esse investimento foi financiado pelo BNB/BNH/ Seplan-PR e pelo EBTU em 79,5%, cabendo à prefeitura participar com 15,4% e ao governo do Estado, com 5,1%. Os recursos foram aplicados substancialmente no sistema viário (51,8%), em equipamentos urbanos (12,8%), em habitação (10%) e em saúde (8,6%). Os projetos habitacionais e de fixação dos trabalhadores do Copec na área não foram bem sucedidos. Desencontros com os organismos responsáveis pelo Sistema Financeiro de Habitação, ausência de apoio das empresas durante o período de construção e montagem, conflitos de planejamento e dificuldades burocráticoinstitucionais relativas à estrutura fundiária foram responsáveis pelo fracasso do projeto habitacional. 188

Como foi denominado pelo marketing governamental.

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Figura 18 – Planejamento espacial da Região Metropolitana de Salvador, 2000. Fonte: Spinola, 2003.

A exemplo do CIA, não se pode ignorar o peso da atração exercida por Salvador, que acabou assumindo o papel de cidadedormitório dos complexos industriais construídos em sua periferia. Ademais, diretrizes do planejamento estadual que inibiram a abertura de ligações de bom nível com a orla litorânea (estrada do Coco) também contribuíram para dificultar a criação de núcleos habitacionais alternativos naquela região. Além da petroquímica, cuidou a SME de dois outros projetos industriais importantes no governo Roberto Santos: a metalurgia do cobre e o canteiro para plataformas de exploração de petróleo no off-shore em São Roque do Paraguaçu. 400

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A identificação de reservas de cobre no vale do Curaçá data de 1874, quando o engenheiro A.M. de Oliveira Bulhões, responsável na época pelos estudos de prolongamento da Estrada de Ferro do São Francisco, dava as primeiras notícias da ocorrência desse mineral na região de Caraíba. A partir de então, essa ocorrência foi sucessivamente estudada, sendo contraditórias as opiniões emitidas sobre a potencialidade dos depósitos cupríferos. Em 1934, os depósitos de Caraíba foram registrados no DNPM em nome da Mineração Northfield Ltda., firma originária do Canadá, que, a partir de 1940, passou o controle do empreendimento à Caraíba Mineração e Metalurgia S.A., organizada pelo engenheiro José Lacerda e, posteriormente, foi absorvida pelo Grupo Pignatari. No limiar da década de 1960, o governo federal, através do DNPM, colaborando com o Grupo Industrial Pignatari – concessionário de jazidas na área –, realizou sondagens exploratórias, visando ao dimensionamento do potencial mineral existente. Com base nos dados fornecidos por essa campanha, complementados pelos elementos disponíveis, foram medidas, até a profundidade de 50 metros, 16 milhões de toneladas de minério com teor médio de 1,2% de cobre metálico. Esse programa de sondagem evidenciou ainda a persistência da mineralização cuprífera até a profundidade de 100 metros. Como decorrência, o grupo concessionário, com a colaboração da Mitsubishi Metal Mining Co., elaborou um novo plano de sondagem, executado posteriormente no período de 1965-1967, visando a delimitar e a quantificar, com maior precisão, a jazida de Caraíba, bem como orientar as operações de lavra, já em programação naquela época. Face à escassez do minério de cobre no Brasil e à crescente demanda do metal, o DNPM decidiu promover trabalhos prospectivos de âmbito regional, com vistas a uma avaliação global das potencialidades cupríferas do vale do rio Curaçá. Assim, no período de 1963-1964, sob o patrocínio do DNPM, geólogos da Prospec e da Sudene realizaram um levantamento geológico regional básico em ampla área do Nordeste brasileiro, incluindo parte dos estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba e Ceará. Esse trabalho, realizado sob um ponto de vista essencialmente geoeconômico, visava, principalmente, à descoberta de novas ocorrências promissoras de cobre. 401

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Ainda no mesmo período, o DNPM e a Universidade Federal da Bahia encetaram conjuntamente uma ampla prospecção geoquímica com etapas de caráter regional, de semidetalhe e detalhe, na região do vale do Curaçá e vizinhanças, abrangendo uma área de 8.000 km2. Os dois últimos trabalhos tiveram importância fundamental na história da pesquisa do vale do Curaçá, tendo inclusive fornecido as justificativas técnicas para a criação, em 1965, do Projeto cobre do vale do Curaçá. No início de 1967, a Caraíba Metais S.A. iniciou, em suas concessões situadas na região de Poço de Fora-Pinhões, prospecção geoquímica e geofísica, tendo localizado, com base nos resultados alcançados, furos de sondagem em Bela Vista do Buião e em Surubim. Sondagens posteriores realizadas pelo DNPM confirmaram a descoberta de um novo depósito cuprífero em Surubim, no vale do Curaçá. De 1968 a 1970, os trabalhos do Projeto cobre passaram a ser executados sob a responsabilidade direta do DNPM, através de seu próprio pessoal técnico. Com base nas indicações favoráveis oriundas das pesquisas realizadas, foi encaminhado, pela Caraíba Metais S.A. Indústria e Comércio, à Sudene, em 1969, o primeiro projeto que objetivava a viabilização do empreendimento. A partir de junho de 1970 até setembro de 1973, época em que foram paralisados os trabalhos de campo, o programa de prospecção do Projeto cobre, que não abrangia as áreas concedidas ao Grupo Pignatari, foi executado sob a responsabilidade da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Ainda em 1973, iniciaram-se as negociações entre o Grupo Pignatari e o governo. Com a criação da Financiamento de Insumos Básicos (Fibase), em maio de 1974, como subsidiária do BNDE, passou esta empresa a representar o governo nas negociações, culminando com a aquisição do controle acionário da Caraíba Metais e de outras empresas do Grupo Pignatari, em 18 de novembro de 1974. Em novembro de 1975, após ter realizado minucioso estudo de viabilidade, manteve a Fibase a recomendação de localização do Complexo Minero-Metalúrgico na Bahia, considerando que este Estado reunia as melhores condições técnico-econômicas para o seu desenvolvimento. Quando da sua visita a Salvador, em maio de 1976, comunicou o presidente da República, general Ernesto Geisel, haver decidido 402

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aprovar essa recomendação e determinar a localização, no Estado da Bahia, das unidades de concentração e metalurgia do cobre. Finalmente, em 28 de julho de 1976, o Consider, organismo do Ministério da Indústria e Comércio, que passou a traçar a política de não ferrosos do país, aprovou formalmente o projeto da Caraíba Metais, através da resolução n. 42/76. O Complexo Minero-Metalúrgico do Cobre projetado seria constituído por duas unidades básicas, que seriam fisicamente isoladas, porém integrando-se e complementando-se, no plano operacional. Tratava-se da Mineração-Concentração, localizada em Caraíba, município de Jaguarari, a uma distância de aproximadamente 500 km de Salvador, e da Metalurgia, que se situaria no Copec, município de Camaçari. Estimava-se, na época, que o Complexo Minero-Metalúrgico do Cobre demandaria, para a sua concretização, a realização de investimentos totais da ordem de US$ 540 milhões, sendo responsável pela criação de 2.453 empregos diretos. Coube à Secretaria das Minas e Energia a elaboração do Plano diretor para a implantação da metalurgia na área industrial oeste do Copec. Em 1978, teve início o processo de implantação da Metalurgia, com uma capacidade de produção projetada para 150.000 t/a de cobre primário. A metalurgia do cobre, explorada por uma empresa estatal, denominada Caraíba Metais, constituiu outro problema na política de localização industrial da Bahia, patrocinada pelo governo federal com a participação do governo baiano. Localizando-a no Copec, imaginava-se promover no seu entorno um polo de fertilizantes a partir da utilização do ácido sulfúrico derivado da sua corrente de produção, que geraria uma unidade de ácido fosfórico que, por seu turno, combinaria com os nitrogenados já produzidos pelo “polo”, formando os produtos NPK básicos para a agricultura. Teoricamente correto, o projeto não funcionou na prática, como também não se transferiram para Bahia as unidades industriais que utilizavam o cobre metálico como sua principal matéria-prima. Além disso, as reservas do minério de cobre estimadas na mina de Jaguarari, cerca de 600 km de Salvador, foram superdimensionadas. O minério de cobre acabou muito tempo antes do previsto, perdendo-se um considerável investimento em infraestrutura física e urbano-social, realizado no interior da Bahia, 403

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ficando a unidade metalúrgica implantada em Camaçari na singular situação de estar distante da fonte da matéria-prima (que passou a ser importada do Chile) e do mercado consumidor, concentrado na região Sudeste. Graças à expansão das atividades de prospecção e exploração do petróleo na plataforma continental, respondia a Petrobras, no período, pela colocação de substanciais encomendas de peças e componentes junto às empresas do segmento metal-mecânico, que prosperava no Centro Industrial de Aratu. Em 1977, sabendo da decisão da Petrobras, de construir um canteiro industrial para a exploração do petróleo em águas profundas, apressou-se o governo do Estado em atrair desse empreendimento para a Bahia por considerá-lo estratégico para o subsequente desenvolvimento da indústria naval e de todo o parque metal-mecânico estadual. Assim sendo, foram criadas as condições objetivas para a construção do canteiro industrial em São Roque do Paraguaçu (no interior da baía de Todos os Santos). Coube à SME a elaboração do Plano diretor da área e o planejamento de sua infraestrutura. O canteiro foi explorado pelo consórcio formado entre as empresas Montreal e Micopere (italiana), tendo sido construída apenas uma grande plataforma para operação na bacia de Campos. Flutuações nos preços internacionais de equipamentos petrolíferos, que declinaram substancialmente como decorrência da redução de atividades da prospecção na Europa (no mar do Norte), tornaram mais vantajosa a locação desses equipamentos. Por isso, a produção do canteiro foi paralisada, frustrando todas as expectativas do governo estadual e dos empresários da indústria metalmecânica estadual que acabou desaparecendo do Estado. De importância para o desenvolvimento industrial do Estado, registra-se, ainda no governo Roberto Santos, a criação da Promoção e Participações da Bahia S.A. (Propar), uma empresa que passaria a reproduzir, no Estado, operando com o Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia, o modelo nacional do BNDE/Fibase/ BNDEPAR. Assim, a Propar começou a operar subscrevendo ações de empresas que se implantassem na Bahia, com cláusula de recompra posterior pelos acionistas controladores, logo que a empresa assumisse as condições adequadas de capitalização. A Propar trabalhou com sucesso enquanto foi significativo o volume de 404

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recursos depositados no Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia, por conta dos incentivos fiscais estaduais. Ao encerrar-se a sistemática da redução do ICMS em 1983/ 1984, o volume dos depósitos no Desenbanco começou a declinar, levando à redução da capacidade de atuação do banco, que passou a depender dos recursos do Tesouro Estadual e do spread das suas operações como agente do BNDE e de outros bancos federais de fomento (BNH/BNB, etc.). A Propar, após lenta agonia, acabou entrando em processo de extinção entre 1995 e 1997. Na área do turismo, destaca-se a criação da Empreendimentos Turísticos da Bahia S/A – Emtur (20 de outubro de 1976) como subsidiária da Bahiatursa e da Empresa Bahia Convenções S.A. (Conbahia), através da lei n. 3.575/1977: a primeira, com a função de promoção da indústria hoteleira, mediante construção, ampliação, reforma, reconversão de equipamentos turísticos de hospedagem, recepção, lazer e de serviços em geral etc.; a segunda, com o objetivo da promoção de feiras, mostras, seminários, congressos etc., operando o moderno edifício construído para tal fim.

4.2 INCENTIVOS FISCAIS DO ESTADO A concessão de isenções fiscais foi uma prática utilizada pelos diversos governos baianos na Primeira República, porém de forma assistemática e pontual. Destacam-se, nesses casos os governos de Góes Calmon e Juracy Magalhães. Porém, somente em agosto de 1953, pela lei n. 571, o governo do Estado da Bahia, em decorrência dos efeitos do funcionamento das primeiras unidades da Petrobras no Recôncavo, institucionaliza a concessão de incentivos do tipo fiscal às indústrias novas aqui instaladas. À época, o principal interesse era o de induzir as empresas a aumentarem a produção, ao longo dos seis anos em que o benefício da isenção de todos os impostos estaduais vigorava, cabendo a prorrogação por mais quatro anos, quando os resultados do período anterior fossem positivos naquele sentido. Ao ser criado, em 1961, o Conselho de Desenvolvimento Industrial incorporou aos incentivos então concedidos o pressuposto do planejamento governamental como fator de seletividade das empresas a serem beneficiadas nas suas decisões, atuando em 405

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vinculação direta com o Fundo de Desenvolvimento Agroindustrial (Fundagro). No CDI, um colegiado de seis membros, tinham assento – como representantes do setor público – a Comissão de Planejamento Econômico (CPE), o Banco de Fomento do Estado da Bahia e as secretarias da Fazenda e da Agricultura, Indústria e Comércio e – como representantes da iniciativa privada – as federações das Associações Rurais e das Indústrias. A partir da reforma administrativa do Estado, em 1966, o conselho passou a ser um colegiado vinculado à Secretaria da Indústria e Comércio e o número de seus membros elevou-se para 11, reunindo, em seu plenário, representantes de seis secretarias, do Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia S.A. e de quatro entidades de classe. Em 1975, seu plenário, com a inclusão de mais um representante da classe empresarial, ficou composto pelos seguintes membros: secretário da Indústria e Comércio – – seu presidente, secretários da Fazenda, do Planejamento, Ciência e Tecnologia, das Minas e Energia, da Agricultura e do Trabalho e Bem-Estar Social; os presidentes do Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia S.A. (Desenbanco), da Associação Comercial da Bahia e das federações das Indústrias, dos Trabalhadores nas Indústrias, da Agricultura e do Comércio.

4.2.1 Sistemática de incentivos A isenção de impostos, instrumento primariamente utilizado em qualquer política de desenvolvimento econômico, é, em geral, substituída por outras formas de incentivos ou tem a sua abrangência limitada à medida que cresce o número de empresas beneficiadas e, em consequência, reduz-se de modo significativo o aporte de novos recursos para os cofres do Tesouro. (SPINOLA, 1997, p.202) A consciência de que o incentivo fiscal é a contrapartida de uma menor capacidade de gastos por parte do governo tem levado a soluções de compromisso entre o lado fiscalista e o lado desenvolvimentista da ação pública, adotando-se comumente a redução do imposto a pagar e a reaplicação dos recursos assim obtidos pelas empresas em novos planos de investimento, orientados pelo Estado em maior ou menor grau. Esse é o fundamento das mudanças ocorridas na legislação que regeu a atuação do CDI ao longo do tempo, mormente em termos dos incentivos que concedia. 406

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Até 1967, a isenção era o instrumento básico, no campo fiscal, de promoção do desenvolvimento industrial da Bahia. Com a reformulação do Código Tributário Nacional, no bojo do qual o Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) foi substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), os incentivos estaduais passaram a ser concedidos uniformemente em toda a região Nordeste, mediante convênios firmados entre os secretários da Fazenda nas cidades de Salvador (1966) e Fortaleza (1967). Por esses convênios, regulamentados na Bahia pelo decreto n. 20.192/67, a isenção foi extinta e, em seu lugar, implantou-se uma sistemática de redução de até 60% do ICM a recolher por parte das empresas novas (produtoras de bens sem similares) em território do Estado, com prazo de vigência de até cinco anos e obrigatoriedade do depósito dos valores da redução no Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia S.A. (Desenbanco), só resgatáveis após 12 meses, e com a apresentação, ao CDI, de projeto de investimento na própria empresa ou em empreendimentos de terceiros. Embora já possibilitasse um maior controle do CDI sobre os recursos incentivados, uma vez que também a redução necessitava de sua aprovação para ser concedida, a sistemática foi alterada pela lei n. 2.990/71 e por sua regulamentação (decreto n. 22.756/72), garantindo também o benefício, numa proporção de até 30% do ICM a pagar e pelo mesmo prazo referido, a qualquer empresa que se localizasse nos distritos industriais do interior ou que, quando fora destes, fosse considerada merecedora do estímulo fiscal pelo CDI. Casos especiais, como o da indústria que produz bem similar ao de uma empresa já beneficiada como nova, ou da planta instalada em município limítrofe que sofra a concorrência de unidade de outro Estado, foram também contemplados naqueles textos legislativos: na primeira situação, o incentivo foi dado pelo prazo que restar à empresa nova; na segunda, a indústria passou a gozar de todos os benefícios concedidos à sua concorrente, em termos de prazos e de percentual de redução do imposto. Com base na lei n. 2.990/71, novos diplomas legais foram promulgados, ora prorrogando a vigência da sistemática (que vigorou até 31.12.1982), ora introduzindo modificações que aperfeiçoaram os aspectos relativos à aplicação dos recursos depositados no Desenbanco à conta das empresas, tanto para fins de investimento em capital fixo quanto para utilização como capital de giro, sob a forma de empréstimos em condições altamente privilegiadas. Importa 407

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notar que as alterações promovidas na legislação orientaram-se todas no sentido de uma melhor normatização dos aspectos terminais da sistemática, isto é, buscaram garantir a efetiva utilização dos incentivos em projetos de ampliação ou de implantação de novas unidades, em moldes tais que coubesse ao Estado orientar as aplicações e fiscalizar o cumprimento de todos os compromissos firmados pelas empresas, ao tempo em que possibilitava a estas uma ampla margem de ação decisória quanto ao uso dos recursos incentivados, inclusive abrindo-lhes opções alternativas de reinvestimento em áreas outras que não as diretamente vinculadas à produção de bens manufaturados, como o controle da poluição, o treinamento de mão-de-obra, a implantação de infraestrutura econômica ou urbano-social e a pesquisa tecnológica. Em 1979, 128 empresas depositaram no Desenbanco Cr$ 1,3 bilhão em recursos de redução do ICM, triplicando esse valor em 1980, quando 130 empresas geraram mais Cr$ 4,1 bilhões dentro da sistemática. Isso significa que cerca de 83% do volume de incentivos efetivamente depositados desde 1968 foram gerados nos dois últimos anos, período em que o número de empresas beneficiárias praticamente se manteve constante. Essa situação peculiar é, conforme já foi enfatizado, o resultado inicial do efeito Polo, já que as grandes unidades do parque petroquímico instalado em Camaçari passaram a faturar, de modo efetivo, somente em 1979, alcançando no ano seguinte um melhor desempenho produtivo e de vendas, o que se esperava incrementado ainda mais em toda a década de 1980. No que se refere a ramos industriais, a afirmação anterior se comprova: das 128 empresas depositárias, em 1979, 30 pertenciam ao ramo químico e sua contribuição foi da ordem de Cr$ 1 bilhão, representando esses números 23,4% e 76,6% dos correspondentes totais no ano. Em 1980, 33 empresas do segmento químico transferiram para suas contas, no Desenbanco, valores de redução tributária equivalentes a Cr$ 3,4 bilhões, o que representa uma participação relativa de 25,4% e de 84,1%, respectivamente, nos resultados do conjunto de projetos em gozo de incentivos do ICM. Em situação percentualmente modesta, mas indicadora da posição dos ramos que hoje definem a nova dinâmica da industrialização baiana (além do químico), encontram-se os segmentos metalúrgico, mecânico, de borracha, de minerais não metálicos e de produtos alimentares que, em conjunto, responderam, em 1979, 408

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Tabela 33 – Evolução dos depósitos de incentivos fiscais (19681980)

Fonte: Spinola,1997. Tabela 26 p. 206. Nota:Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ mil convertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1980 (média anual).

por 47,7% do número de empresas e por 21,6% do valor dos depósitos, passando, em 1980, a representar 43,8% em termos numéricos e 16,7% em termos de valor dos depósitos, ocorrendo essas quedas de participação fundamentalmente devido aos incrementos registrados na indústria química, como já foi observado. É interessante notar que, dada a tendência à especialização apresentada pelos diferentes distritos industriais do Estado, a distribuição espacial dos ramos citados, entre as empresas incentivadas pelo CDI, pode ser, grosso modo, indicada apenas com o auxílio dos quadros anteriores: o ramo químico corresponde, em sua maioria, às unidades do Copec, com alguma participação eventual de empresas do CIA; os ramos de minerais não metálicos, metalúrgico e mecânico estão concentrados efetivamente em Aratu, e os demais ramos têm uma distribuição mais dispersa. No tocante a empréstimos para capital de giro, os recursos dos incentivos depositados no Desenbanco possibilitaram às empresas beneficiárias um montante de Cr$ 2,9 bilhões para reforço das suas disponibilidades de caixa apenas no período 1979-1980, significando 409

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isto que, nos dois últimos anos, foram celebrados 83,4% de todos os contratos com esta finalidade, numa evidente demonstração da crescente importância da sistemática como fornecedora de recursos de curto prazo para apoio à produção industrial no Estado. No período correspondente a 1970/1980, foram liberados recursos no valor de Cr$ 1,19 bilhão para as indústrias beneficiadas pelos incentivos fiscais. Mais da metade desses recursos foram liberados entre 1979/1980. Os depósitos de incentivos que, na etapa final da sistemática, convertem-se em novos recursos incentivados sob a forma de capital fixo de custo zero, vêm acompanhando, como não poderia deixar de ser, a tendência do desenvolvimento industrial da Bahia, equivalendo isso a dizer que os ramos dinâmicos têm ampliado a sua participação em matéria de redução tributária em ritmo semelhante ao dos seus incrementos no conjunto da indústria baiana. De uma participação de 83,4% dos depósitos do ICM no Desenbanco em 1977, os gêneros dinâmicos passaram a gerar 85,9% em 1978, 95%, em 1979 e 97,0%, em 1980, em parte porque as grandes empresas do setor vinham incrementando, a cada ano, o valor das suas reduções, e eram todas elas do grupo dinâmico, em parte porque era desse grupo a maioria das empresas beneficiárias dos favores do CDI nos últimos anos. Comparativamente a 1977, 82% de todos os depósitos foram gerados em 1980 pelas empresas do ramo químico, com o metalúrgico tendo contribuição também digna de nota, da ordem de 11,1%. Foram igualmente esses dois ramos os que tiveram maiores incrementos no período, em torno de 4.400% e de 1.073%, respectivamente, para a química e para a metalurgia. Além desses, tiveram incrementos nominais relativamente elevados no período os depósitos efetuados pelos ramos de mecânica (303,3%), papel e papelão (786%) e borracha (265,2%), no segmento dinâmico, bem como os de têxtil (852%), produtos alimentares (442,4%) e mobiliário (479,9%), no segmento tradicional. Não obstante, todos esses gêneros considerados não têm maior relevância na estrutura setorial dos depósitos, dominada amplamente pelos dois núcleos de expansão fabril citados no parágrafo anterior. No cômputo geral, o conjunto das empresas proporcionou um crescimento de 1.856% no valor dos depósitos entre 1977 e 1980, cabendo ao grupo dinâmico uma expansão de 2.176%. Quando se considera o investimento adicional realizado pelas empresas incentivadas no período 1979/1980, da ordem de Cr$ 17,4 410

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Tabela 34 – Depósito de incentivos fiscais segundo os ramos industriais (jan. – dez. 1979/1980)

Fonte: Spinola,1997. Tabela 27 p. 207. Nota:Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ mil convertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1980 (média anual)

Tabela 35 – Liberações de recursos autorizados pela Secretaria Executiva do CDI (1970-1980)

Fonte: Spinola,1997. Tabela 29 p. 209. Nota:Valores em Cr$ mil, a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ mil convertidos para Cr$ utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1980 (média anual).

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bilhões, um dos aspectos mais interessantes a observar é a forte participação da redução do ICM no total aplicado por boa parte dos gêneros industriais, seja do ponto de vista dos recursos próprios das empresas, seja em uma apreciação isolada do seu valor relativo. A combinação recursos próprios + redução tributária só não é majoritária em comparação com o peso relativo das outras fontes de financiamento, nos ramos de mecânica (68,9% de recursos extraempresariais e extraincentivos estaduais) e química (65,5%), devendo-se considerar, no entanto, que entre as fontes externas desses dois gêneros figuram seguramente agentes do setor público, por exemplo a Sudene e o BNDE, o que implica em considerar-se realista a constatação da pouca importância global da poupança privada extraempresa na promoção do desenvolvimento industrial baiano, certamente em mais de 50% financiado com recursos oficiais e próprios. Em alguns ramos, como os de madeira e de produtos farmacêuticos e veterinários, os valores aprovados pelo CDI e derivados da redução do ICM constituem, inclusive, a maioria no investimento empresarial, assumindo uma participação acima de ¼ do total em nove dos 19 gêneros que compõem a estrutura industrial do Estado, numa indicação clara do papel que desempenharam os recursos oriundos dos incentivos fiscais no financiamento da expansão fabril da Bahia. A despeito desse fato, que denotava uma perspectiva segura de radical transformação do esquema de financiamento à indústria em vigor no período considerado, o impacto dos incentivos fiscais na estrutura dos investimentos do setor secundário pode ser mensurado pelos seus efeitos imediatos, em termos de participação relativa das novas inversões no total de cada ramo, de acréscimo do faturamento e do número de empregos. Comparativamente aos dados relativos à situação anterior, o investimento adicional representava mais da metade das inversões totais em 13 dos 19 ramos industriais que possuíam empresas incentivadas pelo CDI, destacando-se, no particular, os casos de produtos farmacêuticos e veterinários (355,1%), material de transporte (178,8%), mobiliário (148,6%), vestuário, calçados e artefatos de tecidos (131,2%) e editorial e gráfica (102,3%). Em termos do faturamento adicional, apenas os ramos editorial e de gráfica, de material elétrico, de comunicações, de bebidas e têxtil tiveram índices menores que 100%, com a média das empresas chegando a quase 200% no período. 412

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Nesse campo, os maiores incrementos foram alcançados por três ramos considerados tradicionais, em geral formados por unidades de pequeno e médio portes: mobiliário (385,3%), perfumaria, sabão e velas (322,5%) e produtos farmacêuticos e veterinários (301,2%). Entre os dinâmicos, os maiores valores incrementais ficaram com material de transporte (299,5%), borracha (233,8%) e química (230,8%). Os acréscimos de mão-de-obra foram modestos, atestando a tendência à maior intensidade no uso do capital que caracterizava a nova indústria baiana (inclusive por contar com recursos subsidiados ou mesmo de custo zero). Ainda assim, a média era de 25% de expansão no emprego entre 1970 e 1980 no grupo das empresas incentivadas pelo CDI, com sete entre os 19 gêneros beneficiados acima desse índice. Destaque-se, mais uma vez, a performance de produtos farmacêuticos e veterinários, que incrementou a sua força de trabalho em 225%, sendo, portanto, o segmento industrial que melhor aproveitou os recursos de incentivos, mais que triplicando o investimento e o faturamento e mais que duplicando a demanda por mão-de-obra. Atingindo a posição de terceiro banco de desenvolvimento do país em volume de aplicações e o primeiro em rentabilidade nos anos de 1979 e 1980, o Desenbanco se caracterizava por ser também um dos principais captadores de recursos de repasse do Sistema BNDE e de outras agências de financiamento, o que, em grande proporção, era decorrência do seu posicionamento como banco depositário dos incentivos fiscais do Estado. Encerrado o mecanismo de concessão dos incentivos fiscais pela sistemática da redução de impostos, outras modalidades foram introduzidas pelo governo do Estado, a exemplo do Programa de promoção do desenvolvimento da Bahia (Probahia), criado em 1991, que objetivava atrair novos investimentos no setor produtivo, estimular a transformação dos recursos naturais no próprio Estado, promover a diversificação da matriz industrial e também interiorizar o processo de industrialização. Segundo a Secretaria Executiva do Probahia (BAHIA,1997, p.125)189, no período de 1992 a 1997, foram beneficiados por este programa 172 unidades empresariais, nas modalidades de 189

Os números apresentados pelo governo devem ser vistos com bastante reservas, pois via de regra estão contaminados por um viés ufanista e propagandístico que geralmente tende ao exagero.

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Fonte: Spinola,1997. Tabela 30 p. 214. Nota: (1) Valores em Cr$ 1.000,00 a preços médios de 1980. Valores da tabela original em US$ mil convertidos para Cr$ .utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1980 (média anual).

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Tabela 36 – Participação e evolução anual dos depósitos de incentivos fiscais por segmento industrial (1977 – 1980)

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implantação (92), ampliação (76) e reativação (4), o que respondeu pela criação de 15.799 empregos diretos. Neste caso, o setor mais beneficiado foi o de produtos alimentícios, com 59 projetos atendidos, um investimento de US$ 596,5 milhões, a geração de US$ 717,7 milhões em ICMS (no período de seis anos) e um financiamento de US$ 315,4 milhões, correspondentes a 46,3% do total financiado no período. Em segundo lugar, vinha o setor de bebidas com um financiamento de US$ 154,2 milhões, equivalentes a 22,6% dos financiamentos. Isto significa que, os setores do chamado segmento tradicional da indústria baiana absorveram 69% dos financiamento do programa, entre 1992 e 1997. É de salientar que a indústria química (petroquímica), sozinha, absorveu US$ 51,3 milhões de financiamentos no período, o que correspondeu a 7,5 dos financiamentos. Outro aspecto destacado pela fonte citada foi que 54% dos projetos contemplados estavam localizados no interior do Estado, um fato auspicioso, ao considerar-se a tradicional concentração empresarial na RMS. Dados posteriores, apresentados por Pessoti & Pessoti (2008, p.35) informam que, em 2001, o programa havia atingido 273 empresas, respondendo por 42.477 empregos diretos, um investimento adicional no período (1992-2001) de US$ 3.309.496 mil, uma geração de ICMS da ordem de US$ 3.462.380 mil e financiamentos no montante de US$ 1.478.167 mil. Ainda segundo Pessoti e Pessoti (2008, p.41) foi criado em 1992 o Fundo de desenvolvimento social e econômico (Fundese) com o objetivo de [...] financiar entre outras atividades aquelas identificadas no plano plurianual de investimentos do governo como capazes de aumentar o dinamismo e a complexidade das relações econômicas da Bahia. Entre os investimentos considerados “prioritários” pelo FUNDESE estavam os de estímulo ao surgimento e crescimento de um setor automotivo no estado, desenvolvimento de projetos de incubadoras de empresas, além de qualificação de mão-de-obra industrial e promoção das micro e pequenas empresas, identificadas com a geração de emprego na indústria. Desse modo foi regulamentado um fundo próprio para a realização de incentivos fiscais e financeiros condizente com uma estratégia induzida de alocação de investimentos industriais como instrumento da política voltada para este setor no estado da Bahia. A partir de 1994 foi criado um programa de incentivos que utilizava todos os instrumentais já discutidos com maior ou menor intensidade, para cada ação específica de tentativa de desenvolvimento industrial. Normalmente trabalhava-se mesclando o crédito presumido às operações de diferimento e redução da base de cálculo com as doações de obras e serviços de infra-estrutura em geral e ainda com o financiamento

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do capital de giro com as taxas de juros mais baixas do mercado financeiro. Neste programa de incentivos foram priorizados, conforme já mencionados, os setores automotivo, eletro-eletrônico, além dos ramos de informática, fabricantes de plásticos complementares à cadeia petroquímica (a chamada terceira geração da petroquímica), fabricantes de calçados e artigos esportivos, fabricantes de borracha (com destaque para os pneumáticos) e os setores de base como de geração de transmissão de energia e de metalurgia (transformação do cobre). E ainda a agroindústria, com destaque para o segmento de papel e celulose e atividades de reflorestamento.

Como decorrência do Fundese surgiu um conjunto de programas como o Programa de incentivo para a indústria de informática e eletroeletrônicos, criado em 1995, para atender a mais uma ilusão governamental com o pretenso “polo” de informática de Ilhéus que, na realidade, jamais teve algo a ver com esta denominação. Outro programa, voltado para o comércio exterior, foi lançado em 1997: tratava-se do Programa de incentivo ao comércio exterior (Procomex), objetivando fomentar as atividade exportadoras do Estado. O sonho da indústria de transformação, a jusante do cambaleante “polo” petroquímico, foi o motor da criação do Bahiaplast, criado em 1998, com o objetivo de fomentar a instalação de novos empreendimentos industriais no segmento de transformação petroquímica e plástica, promover medidas visando à instituição de instrumentos fiscais e financeiros para o fortalecimento de indústrias de transformação de produtos de base petroquímica, a diversificação industrial no Estado e interagir com organismos dedicados a estudos na área de desenvolvimento industrial e tecnológico, com vistas à instalação, expansão e consolidação de empresas do setor petroquímico e plástico. Segundo Pessoti e Pessoti (2008, p.43), o Bahiaplast, entretanto, não foi bem sucedido, [...] atraindo apenas 31 empresas que somadas apresentaram um faturamento acumulado de R$ 15 bilhões. A geração de postos de trabalho foi igualmente pouco expressiva, contando apenas com 4 mil empregos diretos durante o período compreendido entre 1999 e 2005 (BAHIA, 2006). Apesar de utilizar o benefício de diferimento, ao longo desse mesmo período a atividade gerou como efeito multiplicador uma arrecadação total de R$ 325 milhões aos cofres públicos.

Em 1999, quase encerrando o século XX, o governo estadual lança o Programa de incentivo para a indústria de mineração, metalurgia e transformação do cobre (Procobre). Tratava-se de um programa dedicado exclusivamente ao fomento da atividade mineradora do 416

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metal. Oferecia, além do diferimento e do crédito presumido, toda a infraestrutura de apoio para as indústrias que fossem atraídas para a Bahia. Segundo Pessoti e Pessoti (2008), esse programa só conseguiu implantar uma empresa com uma subsidiária. E assim findam-se, no século XX, as iniciativas estatais com os incentivos que continuarão no século seguinte, quando parece que, gradativamente, os governos começam a aperceber-se da inutilidade desse instrumento para a promoção do crescimento econômico regional. A concessão de incentivos fiscais como um elemento de atração de investimentos numa política de desenvolvimento regional constitui uma ilusão. O Estado enxerga esta política com uma visão macroeconômica, a longo prazo, uma vez que sua expectativa é a da geração de emprego e renda e do crescimento da economia. Isto seria verdadeiro se a economia não fosse dinâmica, sujeita aos ciclos econômicos e às flutuações dos mercados. Já os empresários enxergam o problema sob o enfoque microeconômico, a curto prazo. A sua expectativa, quando é honesta190, é a de adquirir vantagens competitivas e lucratividade. Quando isto, por alguma circunstância, deixa de existir ou não é mais vantajoso, eles desativam suas plantas a despeito dos ganhos obtidos com os incentivos e outras vantagens que não revertem para o Estado a quem cabe ficar no prejuízo. Isto constitui um fato corriqueiro, frequentemente divulgado pela imprensa. Porém os administradores públicos nunca se emendaram.191 Trabalham de um lado com um olho na mídia e o sinal de que estão trabalhando é expresso pela quantidade de empresas que são atraídas para o Estado. Não importa sua qualidade, pois isto nunca é verificado: o que é divulgado são os dados de “cartas de intenção” ou de projetos que, na maioria das vezes, divulgam números de investimento e de empregos que não se concretizam. E os que são criados absorvem a mão-de-obra qualificada de outras regiões (que não aquelas da origem do empreendimento), restando para os nativos as funções mais humildes e de remuneração mais baixa. Não existe uma auditoria de resultados, um acompanhamento dos projetos, uma cobrança do governo. Tudo funciona movido 190

No caso do CIA, por exemplo, muitos empresários agiram de má fé e utilizaram o mecanismo dos incentivos para tirar vantagens para as suas matrizes. 191 No final da sua segunda administração, aparentemente desiludido com esta política, admitia o governador Paulo Souto que os incentivos constituíam uma moeda para comprar os empregos que faltavam na Bahia.

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por lobbies que ganham muito dinheiro nas tratativas de atração, que exploram a grande necessidade de mostrar serviço por parte do governo de plantão e inclusive protegem seus clientes contra eventuais técnicos indiscretos que se atrevam a formular questionamentos. E assim constroi-se um quadro sem consistência e sem durabilidade, que se enraíze no território e gere novos empreendimentos que assegurem um mínimo de sustentabilidade. 4.2.2 A década perdida A década de 1980 não repete a fase de expansão da economia brasileira que marcou os anos 1970. A crise internacional do petróleo e a alta dos juros internacionais levaram à falência do governo que culminou com a moratória da dívida externa em 1987 na administração de José Sarney. Os governos baianos que se sucedem nessa década e na seguinte, a de 1990, administraram com maior ou menor competência um período turbulento marcado pela redução dos investimentos públicos, hiperinflação e agitação política. Findara-se a época dos grandes projetos. Daqui para frente, firmar-se-iam no patamar da fama aqueles governadores que possuíssem maior capacidade de comunicação com a mídia e as massas, notadamente na construção de factóides, o que constituiu uma das armas políticas mais eficazes do carlismo. A despeito da crise nacional, provocada pela insolvência da dívida externa do país, a Bahia ainda se beneficiava do impulso produzido em sua economia pela indústria petroquímica. Segundo a SEI, o seu PIB apresentou um crescimento de 10%, puxado pela indústria de transformação que cresceu 26,6%. Na sua segunda administração, Antônio Carlos Magalhães, com sua inegável sensibilidade, competência administrativa e política, governou o Estado, tornando-se gradativamente o mestre da criação de factóides no estilo de “a Bahia vai bem” montando uma poderosa maquina de marketing que o acompanhou até o final da sua carreira. Entretanto ACM foi, entre todos os governadores da Bahia no século XX, aquele que demonstrou maior sensibilidade para com a pobreza e a população carente. Em seus três governos desenvolveu diversos programas voltados para este extrato populacional entre os quais se destaca pelo seu pioneirismo a “Cesta do 418

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Povo” que objetivava quebrar a exploração praticada pelos oligopólios da área dos supermercados.192 Numa análise do carlismo, Dantas Neto (2003) apresenta as seguintes considerações: Operando sempre nas fronteiras da política com a economia e a cultura, no limiar dos anos 90 o carlismo reciclou discurso e prática, outrora referenciados no regime autoritário, tornando-os mais consistentes e pertinentes a um contexto liberal-democrático [...] a supremacia carlista nos anos 90 montou-se, em sua dimensão diretamente política, sobre um tripé, cujos elementos foram, em ordem crescente: prestígio eleitoral, manejo de recursos extra-eleitorais de poder e uma aura de infalibilidade e onipotência que transmitia sensação de poder ainda maior que o exercido O primeiro elemento, como mostrou Joviniano Neto, confere ao carlismo, em eleições para Governador, um patamar sempre em torno de 30% dos votos do eleitorado baiano, marca que não lhe bastaria para ostentar tão incontrastável supremacia. O segundo elemento exemplifica-se na mobilização da máquina do Poder Executivo para exercer pressão contínua sobre empresariado, mídia, poderes municipais, movimentos sociais e no controle sistólico do Legislativo, Judiciário e Tribunal de Contas. Mas também no comando privado direto de uma rede de comunicação detentora de influência decisiva sobre a opinião pública e de uma estrutura empresarial conexa, atuante no ramo da grande construção civil e no da produção e animação do mercado cultural baiano. Além de tudo isso, influência sobre áreas da administração pública federal. O terceiro elemento derivou da interação dos dois anteriores com um conjunto de outros aspectos, dentre os quais destaco: cultura política local fautora do personalismo e avessa ao pluralismo político; práticas de cooptação potencializadas, em tempos tucanos, por acordo político que, além de imobilizar forças oposicionistas então em virtual ascensão no Estado, ampliou a projeção nacional de ACM e Luís Eduardo; e a desenvoltura com que se articulavam, de um lado, antigos mecanismos de pressão e sujeição, manejados pelo primeiro para garantir a coesão operacional do grupo e, de outro, recursos e argumentos mais modernos de persuasão, mobilizados pelo segundo para promover sua ampliação (DANTAS NETO, 2003).

Ao assumir, o governo ACM apresentou um documento intitulado Diretrizes e metas em que estabelecia como suas prioridades consolidar o núcleo industrial dinâmico da RMS e interiorizar o desenvolvimento estadual. Como não havia grandes obras, realizaram-se projetos. A Bahia se destacou nacionalmente no programa 192

Pelo seu contacto direto com a população, cuja alma e sentimentos conhecia com maestria, disso colhendo evidentes dividendos políticos, ACM foi caracterizado como “populista” pelos seus adversários.

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de energias renováveis, sendo as suas ações exercidas, em parte, através do Grupo Executivo de Agroindústria, criado ao final de 1981. Deste grupo, surgiu a Bahia-Álcool – Empreendimentos Energéticos e Agroindustriais, empresa criada pela lei delegada n. 20/ 81, visando a fomentar e dinamizar a implantação de empreendimentos energéticos e agroindustriais considerados prioritários para o Estado, preferencialmente aqueles voltados para a produção de álcool e energia a partir da biomassa. Em março de 1982, foi apresentado o Plano diretor do Distrito Industrial Urbano de Salvador (Dinurb). Nesse plano, propõe-se o ordenamento e a maximização da utilização do solo numa área próxima à BR-324, no corredor da saída da cidade, em espaço próximo a Valéria, procurando possibilitar a expansão e a ocupação ordenadas da área, não somente pelas indústrias, mas também pelas atividades de serviço que naturalmente estão sendo atraídas para a região.O Plano diretor do Distrito Industrial Urbano de Salvador era original, porque traduzia o conceito de um distrito industrial descontínuo, do ponto de vista espacial, não obstante ser homogêneo do ponto de vista institucional, administrativo e conceitual. Procurava estabelecer uma relação harmônica entre emprego e habitação, considerando-se a construção de diversos conjuntos habitacionais naquela área. Por depender da ação conjunta do governo do Estado com a Prefeitura Municipal do Salvador, na prática, esse plano nunca foi executado. O Programa de fomento à indústria da química fina na Bahia, criado pelo decreto n. 27.606, de 10 de outubro de 1980, teve como objetivo fundamental implantar, na Região Metropolitana de Salvador, um parque especializado em produtos químicos de elevado teor unitário, alta complexidade molecular e ampla utilização na vida cotidiana. Abrangia os produtos orgânicos e inorgânicos, polímeros, corantes e pigmentos. Foi elaborado, pela Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo, o estudo de 57 produtos e produzidos 21 perfis de novas oportunidades de investimento, o que tornou o Programa de fomento à indústria da química fina uma alternativa de porte nacional, pelos seus requisitos de maior economicidade, comparativamente aos concorrentes do exterior e de outras áreas opcionais no Brasil. A partir da elaboração dos estudos técnicos da base, a exemplo do documento Alternativas de desenvolvimento da química fina, o Departamento de Indústria e Comércio da SIC estabeleceu um programa de ação que envolveu a elaboração de perfis 420

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e de estudos técnicos complementares. Teve como objetivo, além da implantação de árvores genealógicas completas e de alguns projetos isolados de maior significação no conjunto dessa indústria, promover a divulgação dos trabalhos já empreendidos e manter os indispensáveis contatos com os empresários, quanto às consultas para tomada de decisões. Não obstante, o programa acabou fracassando, pois a Bahia não possuía a “massa crítica” tecnológica indispensável para o desenvolvimento de indústrias altamente sofisticadas como as desse segmento. No plano industrial, o programa petroquímico teve concluídas as obras de sua infraestrutura com a realização, no período 19791982, de inversões da ordem de Cr$ 3,10 bilhões, dos quais Cr$ 108,4 milhões foram aplicados na conclusão do Programa I, Cr$ 2,47 bilhões, no Programa II, igualmente concluído no período, e Cr$ 521,6 milhões, no Programa Especial. Esses dispêndios foram realizados nas obras do Sistema de Controle Ambiental (67%) e no Sistema Viário (12%) principalmente. O Estado da Bahia arcou com a maior parcela desses recursos (45%), tendo recebido financiamento do BNDES (38%) e da Seplan-PR (17%) (BAHIA, 1983). Em todo o período de implantação da infraestrutura do complexo petroquímico (1972-1982), foram investidos, em Camaçari, Cr$ 6,8 bilhões. A Cetrel entrou em operação no primeiro trimestre de 1979, com o Sistema de Tratamento dos Resíduos Orgânicos. O Sistema de Inorgânicos começou a operar em dezembro de 1980. Os investimentos governamentais nesse empreendimento totalizaram CR$ 5,1 bilhões. Ao concluir-se essa administração, em 1983, o balanço dos investimentos privados no polo petroquímico baiano totalizava US$ 3,9 bilhões num conjunto de 46 unidades empresariais em operação ou em implantação e 17 em fase de projeto aprovado, gerando 23 mil empregos diretos. No que se refere ao Centro Industrial de Aratu, registrava-se, em 1979, um quadro de decadência com 11 unidades industriais paralisadas e seis outras com obras de implantação suspensas. Objetivando recuperar o distrito, entre outras formas, mediante a regularização dessas empresas em dificuldades, a Secretaria da Indústria e Comércio promoveu gestões que culminaram com a reativação das plantas empresariais mediante fusões e incorporações. Foram propiciadas condições operacionais no distrito para que 12 empresas tivessem as suas instalações ampliadas: Alcan I e II, Lubrotécnica, Metalquímica, Uni-Stein, Biscoitos Tupy, Brastech, Stella Azzura, Plásticos Norbi, Inesa e Bahiana de Lajes. 421

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O período 1979-1982 registrou um pequeno crescimento do setor industrial no CIA, que passou de 134 para 146 empresas. Ao final de 1982, as empresas de Aratu haviam elevado para 12,8% a sua participação relativa nas vendas externas e para 12,5% a sua contribuição no total do ICM. Em 2 de setembro de 1981, o Centro Industrial de Aratu passou a contar com um novo Plano diretor, mais ajustado aos fatores que, à época, concorriam, em âmbito metropolitano, para a definição das diretrizes básicas da política industrial do Estado. Em sua estratégia de desenvolvimento urbano-social, o novo Plano diretor buscou a valorização das cidades-sede dos municípios de Simões Filho e de Candeias, de modo que o binômio habitação/emprego fosse equacionado com a minimização da dependência do sistema de transporte e com a capitalização das economias externas proporcionadas pelos demais núcleos urbanos da RMS. Dessa forma, deslocou-se o enfoque, até então adotado em relação ao problema habitacional do CIA, para uma política de desenvolvimento urbano em que o problema da habitação seria apenas uma das variáveis em questão. Outro programa importante desenvolvido nesse período governamental foi o Programa de Agroindústria (Proai) que desenvolveu, entre outros, o Programa do Álcool (Proálcool) na Bahia, sendo responsável pela criação da Bahiálcool. No plano turístico, a ação da Bahiatursa orientou-se no sentido de consolidar a atividade turística na Bahia mediante a sua expansão para o interior e a promoção de grandes eventos na Capital, atuando com o apoio da Emtur e da Conbahia. Nesse período, a Emtur já administrava uma rede de oito hotéis e pousadas. O governo João Durval Carneiro (1983/1987) não apresentou grandes obras. A conjuntura econômica adversa não o permitiu. Segundo a SEI (BAHIA – SEI, 2006) a economia nacional mergulhava em profunda recessão nesse ano, com a queda de 2,3% no PIB. Este governo marcou sua presença na história administrativa do Estado da Bahia pela prioridade concedida em suas ações ao desenvolvimento municipal e, consequentemente, à execução de obras no interior193. 193

Típico sertanejo João Durval foi um governador íntegro. Em seu governo registrou-se a presença marcante da sua esposa a Profa. Yêda Barradas Carneiro, mulher de personalidade muito forte, que desenvolveu bons programas voltados para a população carente. João Durval dedicou especial atenção ao funcionalismo público do Estado.

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Cumprido um longo período de articulações nacionais para implantar e consolidar a indústria petroquímica no Estado, uma etapa do processo de industrialização baseado nos grandes empreendimentos estava esgotada. A Bahia voltava-se agora para si mesma numa época de crise na economia nacional que dava início à denominada década perdida. No plano industrial, merecem destaque a revisão e a atualização do Plano diretor do Copec (1983), a continuidade do Programa de fomento à indústria de química fina, a ampliação da Central de Tratamento de Efluentes Líquidos (Cetrel), a criação do Distrito Industrial de Calçados e Artefatos (Dica), no Centro Industrial de Aratu, formando um polo calçadista integrado por dezoito empresas e o fomento ao Parque de Confecções da Bahia.194 A Bahiálcool transformou-se em Empreendimentos Agroindústriais da Bahia S/A (Agrobahia). Em termos de turismo, destaca-se a execução, pela Secretaria da Indústria e Comércio, do Projeto da orla marítima, orçado em US$ 30 milhões e destinado a aumentar o potencial turístico da Cidade do Salvador. Nesse projeto, a SIC, desviando-se de suas funções naturais, ocupou um espaço administrativo da Prefeitura Municipal do Salvador, numa época em que o prefeito da capital era nomeado pelo governador do Estado. Merecem registro especial os esforços desenvolvidos pelo governo na construção de equipamentos turísticos, objetivando, sobretudo, a interiorização dessa atividade no Estado. O período governamental transcorrido entre 1987 e 1991 foi também fortemente influenciado pela crise econômica que dominava o país, caracterizando-se por uma elevada taxa de inflação, o fracasso do programa de estabilização (Cruzado) e os conflitos políticos decorrentes da morte de Tancredo Neves e do processo de redemocratização. Por outro lado, como visto, se encerrara na Bahia o fluxo dos grandes investimentos industriais que marcaram época nas administrações anteriores. Pressionado pelos partidos políticos que o apoiaram, o governador Waldir Pires195 dispensou inúmeros quadros da máquina administrativa governamental que, sob o comando de administradores 194 195

Dois tremendos fracassos da política governamental de fomento. O governo Waldir Pires constituiu-se na maior frustração da esquerda baiana no século XX. Eleito por uma maioria consagradora sob a bandeira da mudança e da libertação da Bahia do carlismo, Waldir, como governador, foi um desastre completo. Com isto, acabou se constituindo, ironicamente, no maior cabo eleitoral da volta triunfante de Antonio Carlos Magalhães em 1991.

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Tabela 37 – Equipamentos turísticos inaugurados entre 1983 e 1987

Fonte: Spinola, 1997. Tabela 36, p.243. Nota: Valores em Cz$ a preços médios de 1987. Valores da tabela original em US$ convertidos para Cz$ utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1987 (média anual).

Tabela 38 – Hotéis inaugurados (1983 a 1987)

Fonte: Spinola, 1997, p.246. Nota: Valores em Cz$ a preços médios de 1987. Valores da tabela original em US$ convertidos para Cz$ utilizando-se a taxa de câmbio do dólar oficial de 1987 (média anual).

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recém-chegados, perdeu consideravelmente o nível de entrosamento e da eficiência anterior. Por fim, deixou o governo, quando se encontrava no segundo ano de seu mandato, para candidatar-se à Vice-Presidência da República, na chapa do deputado Ulysses Guimarães. Deste modo, foi o sr. Waldir Pires substituído pelo sr. Nilo Augusto Moraes Coelho, vice-governador da chapa eleita. O governo do Sr. Nilo Coelho não registrou fatos de grande destaque na área econômica do Estado. O terceiro governo Antônio Carlos Magalhães (1991-1994) teve como tarefa inicial promover a reativação da máquina administrativa do Estado, que se encontrava desarticulada. Apesar da conjuntura econômica recessiva nacional, na Bahia, foram concluídos alguns projetos industriais no triênio 1991-1993 que contribuíram para o desenvolvimento do setor industrial.196 Entre os projetos concluídos, merece destaque a ampliação da Copene, com investimento total de US$ 1,2 bilhão, incluindo a construção de etenoduto de 500 km que permitiu o fornecimento de 200.000 t/a de eteno ao Polo Cloroquímico de Alagoas. Destaca-se também a entrada em operação, em 1992, da Bahia Sul Celulose, com investimento de US$ 1,4 bilhão, localizada em Mucuri, no Extremo Sul da Bahia, com um programa de produção de 500.000 toneladas anuais de celulose branqueada de fibra curta e 250.000 toneladas anuais de papel de imprimir e escrever. Nesse período governamental, registra-se ainda o reinício do processo de ampliação da Refinaria Landulpho Alves – Mataripe. Foram também lançados programas como o de Qualidade Bahia, o Programa de oleaginosas e oleoquímicas do Estado da Bahia e o de Programa de desenvolvimento municipal (Prodem). As micro e pequenas empresas tiveram atendimento privilegiado mediante a adoção de um conjunto de medidas simplificadoras da burocracia governamental, destacando-se, entre elas, a criação do Núcleo de Atendimento às Micro – e às Pequenas Empresas (NAI), o Disque Bahia Tecnologia e o Programa de crédito especial à microempresa (Procem) (lei n. 6.351, de 17/12/1991, e decreto n. 1.121, de 14/4/1992). No plano turístico, destacam-se, nesse período, a construção da Linha Verde (BA-099), com 142 km de extensão, interligando 196

Segundo a SEI (2006) o PIB baiano começa a apresentar recuperação após três anos recessivos.

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todo o litoral norte da Bahia até a divisa com o Estado de Sergipe, a recuperação do Centro Histórico de Salvador, com a restauração do conjunto arquitetônico do Pelourinho, a ampliação do Aeroporto de Porto Seguro, a reforma do Centro de Convenções, a recuperação do teatro Castro Alves, a reconstrução da avenida Soares Lopes, em Ilhéus, e a concepção do Programa de desenvolvimento do turismo no Estado da Bahia (Prodetur), objetivando a obtenção de apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o financiamento de investimento na área turística do Estado. A área de mineração mereceu atenção especial, tendo sido objeto de inúmeros programas, de estudos e de projetos, dentre os quais se destacaram os programas de desenvolvimento mineral e de infraestrutura em área de mineração e os estudos geológicos, com a atualização do mapa geológico do Estado da Bahia, que datava de 1978, e a confecção do mapa dos complexos máficos e ultramáficos, do mapa das rochas graníticas e alcalinas, etc. Diversos projetos de pesquisa e prospecção mineral foram concluídos em várias regiões do Estado e foram promovidas oportunidades de investimentos por intermédio de ação agressiva da CBPM. Nesse governo, tiveram início as gestões políticas e administrativas, objetivando a implantação de um parque automotivo na Bahia e, assim, o início de um novo estágio no processo de crescimento econômico do Estado. O governo Paulo Souto (1995-1997) deu continuidade aos esforços despendidos pelo anterior, no saneamento das finanças e da máquina administrativa estadual, buscando criar as condições para o ingresso do Estado em uma nova era de estabilização econômica, para a abertura da economia brasileira ao mercado internacional e para uma intensa competitividade.197 A exemplo do que ocorreu na administração anterior, neste governo, o papel do Estado passou a ser redefinido, assumindo-se um modelo político-econômico nitidamente liberal, com ênfase para a atuação dos setores privados da economia, cabendo ao governo atuar muito mais como agente promotor do que executor dos grandes projetos estaduais, agora confiados à classe empresarial. Ainda segundo a SEI (BAHIA-SEI,2006), a economia estadual, no período, apresentou taxas de crescimento modestas, exceção feita 197

Paulo Souto, radialista, geólogo e professor universitário, foi, provavelmente, o governador de melhor nível técnico entre todos os que governaram a Bahia no século XX.

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ao ano de 1997, com 6,6% de crescimento, puxado pelo desempenho da agropecuária, que cresceu 12,3%. Em 1995, o PIB apresentou uma taxa de crescimento de 1,0%, dada a política de estabilização praticada pelo governo e ao baixo desempenho da agropecuária. Em 1996, a taxa situou-se em 2,7%, melhora produzida pelo bom desempenho do comércio e da indústria, contrabalançado pelo mau desempenho da agropecuária. Uma das maiores preocupações do governo na área industrial e comercial, consistia na instalação de um parque industrial automotivo no Estado. A primeira tentativa ocorreu com a Ásia Motors, anunciada bem ao estilo carlista, com pompa e circunstância, em 23 de dezembro de 1996, no palácio do Planalto. Esperavam-se, equivocadamente, os mesmos efeitos da década de 1950, quando da instalação do parque automobilístico em São Paulo. Ou seja: profundas repercussões econômicas para a Bahia. Isto explica as grandes pressões que foram exercidas sobre o governo federal para a obtenção dos incentivos fiscais diferenciados, objetivando compensar as vantagens vinculadas à localização de que o Sudeste dispunha até então. A partir dessa vitória política, a Bahia poderia disputar, em melhores condições, outros investimentos do complexo automotivo, ainda que por tempo limitado a 31 de março de 1997, para montadoras, e 31 de março de 1998, para indústrias de autopeças. A exemplo do que ocorreu na década de 1970, a esperança era de que a presença de uma montadora de veículos no Estado traria efeitos benéficos tanto para a própria indústria – desde a transformação petroquímica, passando pela de borracha, metalúrgica, mecânica e mesmo pela própria petroquímica, que teria uma demanda adicional não planejada, podendo chegar até à indústria siderúrgica – quanto para o comércio e serviços, gerando mais empregos e renda para os baianos.198 Os investimentos inicialmente previstos pela Ásia Motors totalizavam US$ 500 milhões, estando prevista a fabricação de 60 mil veículos anualmente a partir de 1999. Mas a crise asiática se incumbiu de jogar por terra o sonho baiano. A fábrica não veio, 198

Pobre Bahia: olhando-a com uma perspectiva histórica, as esperanças dos seus governos e planejadores se parece com a fábula do menino que ganhou uma garrafa de leite e começa a sonhar. Quando em seu devaneio já estava construindo um grande laticínio, tropeça, cai e quebra o seu capital inicial...

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dando um “calote” no governo de quem já havia recebido substanciais incentivos fiscais o que representou o maior vexame para a administração em exercício. Segundo Miranda (2009): O Correio da Bahia deu uma bela manchete de primeira página nesta quarta-feira (07/01/09): “Ásia Motors: Bahia quer R$ 36 milhões de volta”. E explica na frase de apoio: “Montadora desistiu de fábrica em Camaçari após receber incentivos e governo do Estado cobra dívida na Justiça”. Faltou ao Correio da Bahia dizer quem era o governador “no final da década de 90” quando ocorreu o golpe. Era Paulo Souto (DEM) que recebeu o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no “lançamento” da pedra fundamental da fábrica. Também falta apurar quanto a Propeg gastou de dinheiro público naquela tempestade de publicidade. É. Não se pode querer tudo. A matéria do jornalista Pedro Carvalho é muito boa. O governo baiano cobra uma dívida de mais de R$ 36 milhões (valor sem correção) da Ásia Motors. A empresa coreana havia se comprometido, no final da década de 90, a construir uma montadora em Camaçari. Com esta promessa conseguiu abatimento de impostos de importação de veículos, na época, e crédito da Agência de Fomento do Estado, informa o jornal. A Ásia Motors entretanto desistiu do projeto, após ser incorporada à também coreana Kia Motors, que foi adquirida pela Hyundai em 1998. Desde então ninguém quer assumir as dívidas. E quem era o governador da Bahia responsável por este rombo? Era Paulo Souto (que governou a Bahia no primeiro mandado de 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 1999. O governador que veio a seguir, César Borges (1999 a 2002) também explorou bastante a “chegada” da Ásia Motors à Bahia. E haja dinheiro para a Propeg fazer propaganda em cima do factóide. O empréstimo da Desenbahia, informa o Correio da Bahia, foi de exatos R$ 34.034.598 e vem sendo cobrada desde 2004. O dinheiro saiu do Fundo de Desenvolvimento Social e Econômico (FUNDESE) administrado pela Agência de Fomento. O processo de execução corre na 7ª Vara da Fazenda Pública. Outros R$ 2 milhões são cobrados pela Secretaria Estadual da Fazenda.

Segundo o Relatório do Governo da Bahia (A Bahia no caminho certo para o futuro) para o período 1995 – 1997, encaminhado a Assembléia Legislativa do Estado da Bahia em 16 de fevereiro de 1998, ocorreram compensações em outras áreas do setor industrial, podendo a Bahia contabilizar investimentos de porte, destacando-se, pela sua posição estratégica, os da Petrobras, com um total de US$ 2,1 bilhões – conclusão da ampliação da Refinaria Landulpho Alves, com US$ 420 milhões, e implantação de uma nova unidade de craqueamento catalítico, com mais US$ 364 milhões, possibilitando o pleno abastecimento de derivados de petróleo na Bahia e 75% de todo o Nordeste, a partir de 1998, além de outras inversões em refino, 428

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meio ambiente, construção de polidutos, exploração de petróleo e ampliação da unidade de fertilizantes. Outros projetos industriais para a Bahia foram anunciados ou tiveram sua implantação anunciada em 1996. No gênero químico, merecem destaque os seguintes projetos: o Propet (união dos grupos Mariani e Odebrecht), para implantação de uma fábrica de DMT e PET – resinas para fabricação de poliéster e embalagens plásticas, com investimentos previstos, originalmente, em US$ 250 milhões, posteriormente ampliados para US$ 300 milhões; novos sistemas tecnológicos e expansão da capacidade de produção da Dow Química, com anúncio de investimentos da ordem de US$ 120 milhões, considerando que, no ano de 1996, expandiu sua capacidade de 180 para 230 mil toneladas/ano de óxido de propeno. Ainda na área química, a Air Products anunciou inversões de US$ 88 milhões para a produção de gases industriais. Nos chamados bens de consumo final, destacam-se mais dois grupos de indústrias, que anunciaram investimentos no Estado. Na produção de calçados, a Azaléia decidiu investir US$ 70 milhões para produção de 50 mil pares/dia de sapatos esportivos no município de Itapetinga.199 Na área de bebidas e associados, destacam-se os investimentos anunciados pela Schincariol, com US$ 115 milhões, para a produção de cerveja e refrigerantes em Alagoinhas, pelo grupo francês Maison Bernard, com mais US$ 25 milhões, para a produção de aguardente de uva, além do projeto da Latapack-Ball, que produzirá tampas para latas de cervejas e refrigerantes inicialmente e, posteriormente, latas para bebidas, num investimento de US$ 130 milhões. Na região cacaueira, ocorreram investimentos no complexo eletroeletrônico em Ilhéus. No distrito industrial desse município, foram instalados, entre 1995 e 1996, quatro projetos (Bahiatech, Login, World Express e Preview), com investimentos de US$ 20 milhões e criação de 280 empregos diretos, além de três novos projetos (Graffite, Savatech e Unicoba), com mais US$ 6,1 milhões de investimentos e 240 empregos novos. Entre os programas e projetos, destacam-se o de apoio ao desenvolvimento da indústria metal-mecânica, concluído em 1996, com o apoio da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento 199

O governo do estado indicou para a Azaléia a localização em Itapetinga em detrimento de Vitória da Conquista que fica às margens da BR–116 (Rio–Bahia) e é servida por um distrito industrial do próprio governo estadual (Imborés). Sugere-se que isto decorreu de motivos políticos, pois aquela cidade era administrada pelo PT.

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Industrial (Unido), o Projeto Autobahia, cujo coroamento se deu com a assinatura da medida provisória 1.532, de 23/12/1996, que criou um sistema automotriz para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, o Projeto Ásia, o Programa baiano de design, etc. Os investimentos na agroindústria baiana também foram relevantes. A Avipal200 anunciou investimentos de US$ 145 milhões para implantação de duas unidades na Bahia, uma em Feira de Santana, incluindo frigorífico, abatedouro, fabricação de rações, incubatórios e criatório de aves, e outra unidade em Barreiras, com uma central de processamento de grãos, a ser suprida pela produção regional de milho e soja. A Ceval anunciou investimento de US$ 110 milhões, num complexo agroindustrial integrado (avicultura, suinocultura e aproveitamento dos derivados de soja) e mais US$ 11 milhões para a ampliação da sua unidade de refino de óleo. A agricultura, como se pode ver na tabela seguinte, teve um comportamento oscilante no período com quedas significativas na produção de alguns gêneros importantes (algodão, cacau, café, coco, mandioca e soja) em 1995/1996 e suas recuperações no período seguinte. No plano da agropecuária, registram-se diversos programas desenvolvidos pelo governo estadual. Na verdade, com uma superfície de 56 milhões de hectares, dos quais 32 milhões (57%) agricultáveis a Bahia é, predominantemente, um estado agropecuário. No espaço agricultável, a pecuária ocupava, em 1997, 15 milhões de hectares (47%) e a agricultura 4 milhões de hectares (13%). Afirma-se que a Bahia é um estado agropecuário porque os dados do PIB baiano aparecem, desde 1975, com uma distorção numérica provocada pela contribuição de um conjunto reduzido de indústrias (a Refinaria Landulpho Alves, a Copene e mais algumas empresas do ramo petroquímico e de celulose, que totalizam nada mais que uma dezena e que, segundo estimativas nossas, devem responder por mais de 50% do PIB industrial). Isto faz parecer o Estado como industrializado e diminui proporcionalmente a participação da agricultura que junto com a pecuária e a pesca participavam, em 1997, com 7,8% do PIB baiano, contra 14,6% da indústria de transformação. Na área comercial, registram-se os esforços desenvolvidos pelo governo nas ações de fomento ao comércio exterior e na descentralização 200

Este projeto constituiu uma grande conquista do governo estadual, pois reduziu substancialmente a dependência baiana da avicultura do Sudeste a qual se prolongava sem solução desde os tempos da construção da Rio-Bahia e da BR-324.

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Tabela 39 – Produção agrícola 1995-1997

Fonte: Seagri – Relatório do governo Paulo Souto 1995 – 1997.

e na modernização dos serviços de registro do comércio com nova reorganização da Junta Comercial do Estado da Bahia (lei n. 6.962, de 15/7/1996). A corrente de comércio exterior baiana cresceu 2% em 1996, atingindo US$ 3,2 bilhões. As importações foram responsáveis por esse desempenho, ao atingir US$ 1,3 bilhão. Trata-se de recorde histórico no setor, visto que superaram em 11,2% o volume de 1995. O crescimento das importações, por mais de um ano, foi resultado da abertura da política de abertura comercial e de redução tarifária associada à sobrevalorização cambial e à retomada do crescimento econômico. Ressalte-se o crescimento na categoria bens de capital (+ 74,7%), que obteve o maior incremento entre as categorias de uso das importações. Isso decorreu da importação desses bens para o parque industrial. As exportações, por sua vez, registraram uma queda de 3,8%, alcançando US$ 1,85 bilhão, redução causada, basicamente, pelo reaquecimento da demanda doméstica, sobretudo nos dois últimos trimestres, pela queda, em média, de 50% nos preços externos da celulose (principal produto de exportação do Estado), e pela pouca rentabilidade das operações externas em 1996, ocasionada pela redução do incentivo financeiro implícito nas operações de adiantamento de contrato de câmbio (ACC), ditadas pela diminuição das taxas de juros. Em 1996, as exportações baianas participaram com 3,9% do total brasileiro e 48% do Nordeste, enquanto o saldo comercial do Estado chegou a US$ 503 milhões, o mais baixo dos últimos catorze anos. Entretanto, apresentava-se superavitário, ao contrário do esperado à época para a balança comercial brasileira. 431

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As micro – e as pequenas empresas continuaram merecendo apoio prioritário do Estado, destacando-se o Programa de incentivo à criação de núcleos comunitários de produção industrial, e o Programa de desenvolvimento municipal (Prodem) que, reeditando o Programa de fomento industrial, iniciado em 1966, dedicou-se às MPE do interior do Estado, mediante a realização de diagnósticos socioeconômicos de 86 municípios baianos e o desenvolvimento de programas voltados para a geração de emprego e renda. O último governador baiano do século XX foi César Borges que administrou o Estado entre 1998 e 2002. Em 1998, o PIB estadual volta a crescer a uma menor taxa (1,7%), dado o esgotamento dos efeitos produzidos pelo Plano Real e a instabilidade do cenário internacional. Segundo a SEI (BAHIA–SEI, 2006), foi responsável por este crescimento modesto a agropecuária, que decresceu 5,3%, refletindo a queda da agricultura (–10,2) em função das adversidades climáticas. No ano 2000, último considerado por este livro, o PIB baiano cresceu 3,9%, um resultado puxado pela agropecuária e pelo comércio, já que o setor apresentou queda de 2,6%. Segundo a SEI (p.126), “esse fraco desempenho da indústria inverteu a tendência dos últimos anos quando o seu dinamismo sustentou o crescimento econômico da Bahia”. Destaque-se que, neste ano, o gênero químico (na Bahia leia-se petroquímica) apresentou um crescimento negativo de 6,3%, inaugurando o período de desgaste que marcará este setor na Bahia no século XXI. Nesse governo. o fato de maior destaque veio a ser a instalação, na Bahia, do Complexo Automotivo Amazon, da Ford, em Camaçari, no mês de outubro de 2001. O carlismo baiano amargava a decepção que tivera no governo Paulo Souto com a Ásia Motors quando surgiu, ainda no final do século XX, a oportunidade de trazer para o Estado uma grande fábrica da Ford que seria instalada no Rio Grande do Sul e rompera com aquele Estado porque o novo governador (Olívio Dutra), do PT, recusara-se a assumir os compromissos assumidos com a montadora pelo seu antecessor (Antonio Brito) do PFL. Segundo Nogueira, Rodrigues e Cantanhêde (1999): Para ter a Ford na Bahia, ACM liderou no Congresso uma ação política que culminou na inclusão da empresa no regime automotivo especial para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que foi feito em 1997 justamente para favorecer negociações da Bahia com uma outra montadora, a Asia Motors, da Coréia. Com a crise da Ásia, a empresa não cumpriu seus compromissos. A Bahia foi então

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA buscar outra montadora para substituí-la. O Congresso aprovou na semana passada, antes do recesso, um substitutivo da medida provisória do regime automotivo, com uma alteração – o prazo de adesão das montadoras foi estendido de 31 de maio de 1997 para 31 de dezembro de 99. Com isso, a Ford terá acesso a um pacote de benefícios fiscais federais mais generoso que aquele previsto para sua instalação no Rio Grande do Sul e mais extenso – será válido até 2010. Além disso, a montadora contará com incentivos concedidos pelo governo da Bahia. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ampliou em R$ 150 milhões o financiamento destinado à empresa, que alcança R$ 700 milhões para sua instalação no município de Camaçari (BA) – onde existe, obsoleta, a pedra fundamental da Asia Motors. O governo da Argentina encaminhou anteontem ao Itamaraty nota na qual se diz preocupado com a instalação da montadora Ford na Bahia. O texto acrescenta que os benefícios fiscais e subsídios concedidos à empresa pelos governos federal e estadual descumprem as normas do Mercosul. Conforme a Folha apurou, os ministros Pedro Malan (Fazenda) e Celso Lafer (Desenvolvimento) eram contrários ao acordo da Bahia com a Ford. Temiam, justamente, as reações negativas do Mercosul, especialmente da Argentina, e da OMC.

O fato é que a Ford e mais 37 sistemistas instalaram-se no Estado sob amplo foguetório do governo que prometia à opinião pública a redenção econômica da Bahia. É evidente que se tratou de uma conquista importante, porém sem a importância estratégica que lhe era atribuída, pois, como foi dito aqui anteriormente, os tempos eram outros e outras eram as interrelações regionais. A Ford, certamente, não iria produzir os efeitos multiplicadores sobre a economia do Estado que foram produzidos na década de 1950 quando da instalação do parque automotivo brasileiro no governo de Juscelino Kubitschek. Segundo diversos depoimentos na época, foi alto o preço pago pela Bahia para trazer a fábrica da Ford para o Estado. Segundo Nodari (2009), não ocorreu a interação esperada entre a fábrica e os cursos técnicos da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, notadamente o Curso de Engenharia Mecânica, apesar dos projetos ali realizados e da procura insistente efetuada pelos professores daquela unidade de ensino. Ocorria assim fato semelhante ao do Mestrado de Química da referida universidade que também foi desconhecido pelas unidades petroquímicas implantadas na década de 1970. Informa Nodari (2009) que o complexo automotivo não absorveu mais que 20 engenheiros formados na Bahia. Ademais, pagam salários baixos, na faixa de R$ 1.500,00 a R$ 2.500,00 com um nível mínimo de assistência. 433

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Os empregos foram criados, em grande parte, no exterior. Por exemplo, a sistemista responsável pela pintura, uma empresa americana, trouxe todos os funcionários de nível, do México e dos Estados Unidos e pelo jeito que este pessoal está comprando residências, e trazendo a família, vieram para ficar, pelo menos, por algum tempo. Para os baianos restaram as vagas de emprego primário muito mal remuneradas, média de 500,00 reais quando as mesmas funções, em São Paulo, valem de 1.200,00 a 1.500,00, no pólo petroquímico a média de funções equivalentes é de 760,00 reais (e sem transporte, de Salvador, ou mesmo Camaçari, até a fábrica) (NODARI, 2009).

Depois se fala em polarização. O fato é que a Fieb, através do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), inaugurou em 2002 o Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec), dedicado especialmente à indústria de manufatura de processos discretos, concentrados nas cadeias automotivas, na indústria de transformação e no setor eletroeletrônico e estava construindo o Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia (Cimatec 2) também voltado para o atendimento da área tecnológica empresarial. O centro atuará na formação de recursos humanos qualificados, desde cursos básicos de aprendizagem industrial até mestrado. Assim como o Cetind, o Cimatec estará capacitado para prestar serviços técnicos e tecnológicos especializados e promover pesquisa aplicada nas suas diversas áreas de atuação no Estado. A unidade vai oferecer educação profissional – de cursos técnicos a pós-graduação (lato sensu). A Fieb não acreditava na eficiência dos cursos das universidades baianas, montando, assim, uma estrutura independente da UFBa. A infraestrutura e as facilidades criadas pelo governo do Estado foram generosas. Afinal, a Bahia entrava, de forma agressiva, numa guerra fiscal contra o Estado do Rio Grande do Sul. No fundo, tratava-se também de uma guerra política, pois a Bahia era governada de fato por Antonio Carlos Magalhães líder nacional do PFL, vivendo o auge do seu poder no país e o Rio Grande do Sul, por Olívio Dutra, expressão do PT.201 O então governador da Bahia, César Borges, era extremamente vinculado a ACM, operando com limitada autonomia política ou administrativa numa situação de dependência que repetia com 201

Uma das características marcantes da personalidade de ACM era o seu extremado amor pela Bahia. Quando os interesses do Estado estavam em jogo o velho cacique era inexcedível no empenho e dedicação à causa, quase sempre saindo vitorioso. Certamente fará muita falta à Bahia.

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maior intensidade o que ocorrera entre Araújo Pinho (1908/1911) e José Marcelino (objeto da seção 2.3.4 deste livro). Isso porque ele foi um acidente na trajetória política do carlismo, tendo sido escolhido por ACM para concorrer ao governo em um momento trágico devido ao falecimento prematuro do seu filho e herdeiro político, Luís Eduardo Magalhães, que era o candidato natural. A opção mais adequada seria Paulo Souto, porém este foi vetado porque ACM temia que ele reunisse muito poder em dois mandatos sucessivos e poderia ameaçar o seu poder hegemônico202. O governador escolhido seria um dócil instrumento das diretrizes do carlismo. O teor político da questão se fazia demonstrar pelo modo como procederam às negociações, tanto que Vasconcelos (2001 apud SANTOS D. e SPINOLA 2008) dá especial destaque para a edição da MP 1.916/1999 que tratava dos incentivos fiscais para o desenvolvimento regional depois da tentativa frustrada da bancada baiana no Congresso Nacional de ressuscitar o Regime Automotivo Especial cujo prazo de habilitação foi encerrado em 1999. A ampliação do prazo de adesão, que chegou a ser aprovada no Congresso Nacional, não foi sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em virtude dos compromissos internacionais assumidos na fase de negociações do Regime Automotivo no Mercosul, com outros países interessados e também por protestos de demais países junto a OMC. Mas a MP, informa Vasconcelos (2001) resolvia o problema e atendia, principalmente, aos interesses do governo baiano. Assim, em termos de incentivos fiscais, pesquisa realizada por Denílson Lima Santos em 2007/2008, sob orientação do autor deste livro, constatou que os incentivos liberados e previstos no acordo foram definidos pela Assembléia Legislativa, através da lei n. 7.538 de 28 de outubro de 1999, que criou o Programa especial de incentivo ao setor automotivo da Bahia (Proauto), no qual ficavam definidos os benefícios cujo intuito era complementar à MP 1.916 e estabelecia: a) financiamento de capital de giro em até 12% do valor do faturamento bruto da empresa, inclusive o importado, durante um período de 15 anos, com carência de 10 anos e amortizações de 12 anos; 202

A despeito da sua fidelidade a ACM, Paulo Souto, diferentemente de César Borges e de outros carlistas, manteve uma relativa independência administrativa em seu primeiro governo na Bahia, começando a firmar-se como uma nova liderança, o que ensejou que começasse a vicejar dentro do carlismo uma corrente dissidente denominada de “soutismo”. Este fato por si só explicaria porque o velho “cacique” não permitiu sua candidatura a reeleição à época.

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b) desconto de 98% (noventa e oito por cento) sobre as primeiras 72 parcelas do empréstimo; c) financiamentos a investimentos fixos e despesas com implantação do projeto pelo prazo de 15 anos; d) carência de cinco anos e amortizações em 10 anos; e) taxa de juros de 6% a./a., sem atualização monetária; f) capitalização dos juros no período de carência; g) isenção total de ICMS; h) financiamento de despesas com pesquisas e desenvolvimento de produtos; i) substituição das mesmas condições, em caso de mudanças decorrente de reforma do sistema tributário ou impossibilidade jurídica de adotar o tratamento na referida lei; j) elaboração e execução de projetos e serviços de infraestrutura, complementares aos serviços e às obras pelas quais se responsabilizou em razão de constituição de distritos industriais, mesmo após a transferência do domínio do imóvel para a empresa beneficiada. Por parte do município de Camaçari, isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Serviços (ISS) (NAJBERG; PUGA, 2002). A União concedeu redução de impostos de até 100% para importação de bens de capital, 90% para insumos e de 50% para veículos, isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) mais renúncia de 45% de impostos sobre insumos (RIBEIRO, 1999) e isenção ao adicional do frete para renovação da Marinha Mercante (VASCONCELOS, 2001). Um ponto interessante que merece destaque nessa questão é observado pelo professor Nilton Vasconcelos em sua tese de doutorado: As concessões feitas pelos estados nem sempre são divulgadas ao público [...] A falta de publicidade dos acordos realizados, sob o argumento de preservação das estratégias de negociação, contudo, restringe o conhecimento de quanto os estados estariam investindo nessas operações. (VASCONCELOS, 2001, p. 105-106).

O Estado da Bahia, além dos incentivos fiscais, ofereceu outras vantagens substanciais à Ford em termos de infraestrutura física, tais como terreno, sistema viário, porto especial, etc. É sensível a dificuldade de acesso às informações acerca dos empreendimentos automotivos no Brasil, principalmente, depois da entrada em vigor do Regime Automotivo Brasileiro. Mesmo a simples tentativa de conseguir dados para pesquisa é cerceada por toda espécie de subterfúgios e 436

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respostas evasivas, numa aparente tentativa de subtrair o que de fato há por dentro de todo o conjunto que alicerça a guerra fiscal. Rodrigues-Poze e Arbix (1999, apud VASCONCELOS, 2001, p. 109 ) dizem: O problema central é que não há evidências práticas de que a participação na guerra fiscal trará os benefícios apresentados nos documentos e nas justificativas dos governos estaduais envolvidos nesse processo. Pelo contrário, há indicações nos acordos que contradizem as previsões sobre os efeitos multiplicadores das novas plantas automotivas”. [...] Os estados que disputam para atrair as montadoras estão, de fato, financiando grande parte das instalações e do próprio funcionamento das novas plantas. E isso após os fabricantes terem escolhido o Brasil como local adequado para os seus investimentos. [...] A única razão efetiva para o engajamento na guerra fiscal se vincula aos dividendos a serem colhidos pelos governantes. A busca desses retornos políticos está ligada à visão – profundamente enraizada – de que a atração de grandes empresas é panacéia para o desenvolvimento econômico (grifo nosso). [...] A guerra de ofertas no setor automobilístico brasileiro é um salto no escuro. Isto leva ao questionamento da transparência do processo de implantação das novas unidades e complexos automotivos nos diversos estados da federação ao custo de uma estonteante renúncia fiscal. As transferências de recursos públicos para a iniciativa privada nestes casos são extremamente elevadas com o chamado Regime Automotivo Especial. Comin (1998 apud VASCONCELOS, 2001, p. 109) afirma que “a renúncia fiscal evoluiu de 1% do PIB, 1993/1994 para 1,8% em 1998.

Segundo dados extraídos de relatório do Tribunal de Contas do Estado, o governo comprometeu-se a financiar um montante equivalente a 12% do faturamento bruto da empresa, oriundo das operações com produtos nacionais ou importados comercializados na Bahia. Funcionários da Secretaria da Fazenda comentavam que este pacote de incentivos veio, posteriormente, a repercutir negativamente nos recursos estaduais destinados aos municípios, comprometendo programas em execução. Nodari (2009) afirma que, ao assegurar financiamento aos produtos importados comercializados na Bahia, encheu-se “o pátio da empresa, estrategicamente escondido aos acessos normais da fábrica, de automóveis Ford Focus e camionetes Ranger vindos da Argentina, antes desembarcados em São Paulo”, o que, evidentemente, não constituía o objetivo do projeto. O Estado, dentro do amplo conjunto de infraestrutura ofertado à fábrica, conforme já foi visto, construiu um porto para o escoamento da produção da fábrica. Comentando o fato, no Congresso Nacional, o deputado Emiliano José (2009) afirmava: 437

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Este enorme empreendimento foi construído pelo Estado da Bahia para que a empresa Ford pudesse exportar os veículos produzidos na sua fábrica de Camaçari, e teve o valor de suas obras inicialmente estimado pelo governo em R$ 24 milhões, conforme a Gazeta Mercantil de vinte dois de dezembro de 2001. O grupo TPC confirmou que a empresa TPC Operador Logístico Ltda. atua como provedor logístico da Ford Motor Company Brasil Ltda. e das empresas integrantes do PAG – Premier Automotive Group, e movimenta cerca de 25 mil unidades por mês.

O governo estadual alardeava na mídia que este projeto geraria 10 mil empregos diretos e 50 mil indiretos. A primeira afirmação era verdadeira, comprovou-se anos depois, porém a segunda não passava de um delírio promocional. Estavam criando um multiplicador de empregos igual a 5 sem qualquer base científica. O Estado da Bahia não possuía uma matriz de insumo-produto ou de relações interindustriais que possibilitasse a determinação do multiplicador de empregos. Tratava-se, pois, de um tremendo “chute”, sacado de forma inconsequente. O Plandeb, em 1958, mais modesto, trabalhava com um multiplicador de empregos igual a 1,5. Segundo Tauille (2009) em artigo no jornal Zero Hora de Porto Alegre, (“Projeto da Ford é obscuro”, em 9/5/99) referindo-se ao caso gaúcho: [...] pensar que o projeto de instalação de uma fábrica da Ford em Guaíba, que prevê a geração de 1500 empregos diretos possa gerar 100.000 empregos indiretos, como disse na entrevista, é um delírio. Mesmo se esta estimativa fosse de 60.000 empregos ainda considero um exagero. A partir daí ainda caberia perguntar – aliás o que considero mais importante para o RS – quantos e quais empregos na cadeia produtiva desta fábrica seriam gerados no Estado, fora do Estado mas ainda no Brasil e, finalmente, fora do País. A resposta precisa a estas indagações só pode ser dada conhecendo-se a estratégia de produção da montadora. Qual será o grau de subcontratação utilizado? Utilizará ela uma estratégia de global sourcing, trazendo componentes de qualquer parte do mundo, onde suas condições de fabricação forem mais convenientes? Ou será que utilizará o just-in-time, que implica a necessidade de ter os fornecedores de primeira linha instalados junto à montadora? Ou qual combinação das duas estratégias utilizará? O estudo de Najberg e Vieira, publicado na revista PPE do IPEA de abril de 1997, utilizando a matriz insumo/produto brasileira confirmou que, em relação ao estímulo para o conjunto das indústrias, o setor automóveis/caminhões/ônibus foi classificado com alto poder de expansão da produção agregada. Não obstante, em relação à geração de empregos, constatou que tal setor gera uma baixa demanda por empregos (ficou em 36° entre 41 setores analisados). Tentemos precisar mais concretamente esta avaliação para o caso em tela. Segundo dados da ANFAVEA e do SINDIPEÇAS ao longo

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA da década de 80 a proporção entre os empregos gerados pelo conjunto de montadoras e o setor de autopeças no Brasil girava em torno de 1:3. Na década de 90 esta proporção caiu bastante chegando, em fins de 1998, a 1:1,7. Para fins de nosso cálculo utilizaremos, com folga, 1:2. Digamos que para cada emprego gerado no setor de autopeças ainda fossem gerados outros três na produção de insumos (o que certamente é um exagero, além de ser um efeito muito diluído pois a respectiva produção – como de aço, por exemplo – não seria destinada exclusivamente para aquela fábrica e nem mesmo para a indústria automobilística) e mais três empregos fora da cadeia produtiva (vale a observação anterior porém com efeitos ainda mais diluídos). Isto nos daria um total de 14 empregos indiretos para cada emprego gerado diretamente pela montadora. Ou seja, estaríamos bastante “generosamente” falando, no caso da Ford/Guaíba, de um número total (dentro e fora do Estado) entre 21.000 e 25.200 empregos gerados indiretamente (é claro que não se deve considerar certos encadeamentos “para frente”, tais como de revendedoras e oficinas, pois estes existiriam mesmo que a fabrica não fosse no RS). Para concluir, note-se que neste caso estamos, em princípio, estritamente de atividades de uma unidade produtiva. Porém uma avaliação qualitativa deve também incluir as atividades de projeto, pesquisa e desenvolvimento, que são as mais valorizadas na estrutura do emprego. Qualquer que seja a estratégia de produção adotada, custo a crer que estas atividades de projeto (e demais correlatas) estejam previstas para se concentrar no interior da (ou no entorno à) fábrica de Guaíba, quiçá mesmo no Brasil.

Ao século XXI caberá assistir ao desfecho do projeto Ford e de outros projetos atraídos para a Bahia na segunda metade do século XX. Se eles já permitem desenhar-se em partes da cidade do Salvador, vitrine do Estado, uma paisagem moderna de riqueza urbana, não apagam, desta mesma paisagem, imensas manchas de miséria e pobreza incrustadas em seu território.

4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A POPULAÇÃO E A POBREZA NA BAHIA De acordo com a SEI no ano 2000 contava a Bahia com uma população de 13.070.250 habitantes representando 7,7% da população do País. Deste total 8.772 348 correspondia à população urbana e 4.297.902 à rural. Apresentava também neste ano uma taxa de urbanização de 67,12%. O Estado começa a apresentar uma tendência para o envelhecimento da sua população. Isto porque a taxa de fecundidade que era de 7,2 filhos/mulher em 1970, caiu para 3,3 filhos/mulher em 1991, 439

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Figura 19 – Pirâmide etária da população da Bahia1980. Fonte: IBGE. Censo Demografico de 1980.

Figura 20 – Alagados (Salvador – Bahia). Fonte: Kalila Pinto (2009).

chegando a 2,3 filhos/mulher em 2000. Por outro lado a expectativa de vida ao nascer que era de 59,7 anos em 1980, passou para 65,3 anos em 1991 e 70 anos em 2000. A taxa de mortalidade infantil que era de 83,1 (em mil) declinou para 41,3 (em mil) no ano 2000. No final do século XX o Estado volta a expulsar população em um volume considerável motivado pelas mesmas causas históricas. 440

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Inclemência climática, colapso de culturas tradicionais como a do cacau e a falta de expectativa de emprego no mercado de trabalho. Nas décadas de 1990 e 2000 a Bahia apresentou os maiores saldos migratórios negativos do Brasil totalizando, respectivamente, – 282 477 e – 267 465 habitantes (IBGE, 1991 e 2000). Em 2000, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, a proporção de pobres203 na população estadual era de 55,3% e a desigualdade manteve-se elevada com o Indice Gini igual a 0,67. Quanto à porcentagem da renda apropriada pelos extratos da população, os 20% mais pobres ficavam apenas com 1,2% da renda gerada no Estado, enquanto os 20% mais ricos detinham 70,2%. Também neste ano o Indice de Desenvolvimento Humano Municipal da Bahia era de 0,688. Em relação aos demais estados da federação o Estado encontrava-se classificado na 22ª. posição Por fim, sobre a pobreza na Bahia, vale transcrever o que afirmam Osório & Medeiros (2003, p.249), em estudo para a SEI: Em termos de pobreza e concentração de renda, portanto, a sociedade baiana não tem razões para se orgulhar das duas últimas décadas do século XX.Uma análise integrada dos indicadores apresentados permite concluir que, em 1981, apenas um estado nordestino (Pernambuco) possuía uma situação comparativamente melhor que a da Bahia Porém, ao longo do período, outros estados tiveram maior sucesso no combate à pobreza, ainda que acompanhado por uma intensificação da concentração de renda. Essa diferença de desempenho fez com que a Bahia terminasse a década de1990 como um dos estados mais pobres do país. A isto soma-se o agravante de que enquanto os outros estados, com situação ainda pior que a baiana, têm apresentado franca evolução de seus indicadores (exceto o Gini), na Bahia a situação parece estática. Mantendo-se tal tendência, a Bahia pode-se transformar, a médio prazo, no estado mais pobre do Brasil. Embora a renda per capita tenha aumentado ligeiramente, a piora na distribuição de renda fez com que o nível de pobreza permanecesse estável. O crescimento da renda, acompanhado do aumento da desigualdade, observado na Bahia, faz parte de uma tendência nacional. Porém, na maior parte dos estados do Nordeste o crescimento com aumento da desigualdade,se deu de tal modo que, mesmo assim, foi benéfico para as pessoas mais pobres. Ao longo das duas décadas analisadas, tanto a proporção de pobres quanto a intensidade da pobreza se reduziram na maior parte dos estados do Nordeste. A Bahia, no entanto, foge do padrão nordestino à medida que mantém, no final da década de 1990, a mesma proporção de pobres de 20 anos antes, porém

203

Medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior à metade do salário mínimo vigente.

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apresentando uma pobreza mais intensa. No período analisado a Bahia apresentou um desempenho inferior ao dos demais estados nordestinos. O crescimento de sua renda per capita foi um dos menores observados, razão pela qual a Bahia, que possuía a segunda maior renda per capita do Nordeste, a nona pior do Brasil, caiu para a colocação de quinta pior renda per capita do país. Exceto por um crescimento significativo à época do Plano Cruzado, o nível de renda da Bahia permaneceu praticamente estável entre 1981 e 1999. Vale notar que o pequeno crescimento observado no estado beneficiou apenas os mais ricos. A renda média dos mais pobres caiu ao longo dos anos. (Grifos nossos).

Ao longo dessas páginas, relataram-se as atividades, programas e projetos desenvolvidos pelos diversos governos da Bahia os quais, de modo geral, tendo em vista o quadro aqui relatado, não conseguiram promover o desenvolvimento econômico do Estado.

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TÍTULO V A ECONOMIA BAIANA NO FINAL DO SÉCULO XX: CONSIDERAÇÕES MACROECONÔMICAS204 Os dois principais defeitos do mundo econômico em que vivemos são a sua incapacidade para garantir o pleno-emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da riqueza e dos rendimentos. (KEYNES, 1964, p.351)

5.1 PANORAMA GERAL DA ECONOMIA A compreensão do processo de crescimento econômico da Bahia, na segunda metade do século XX, requer algumas referências ao cenário nacional. Tomando-se como ponto de partida os anos 1970205, serão examinadas as três décadas finais do século, marcadas por profundas transformações na economia brasileira cujo padrão de desempenho modificou, de modo sensível, as perspectivas de expansão da economia baiana, abortando os efeitos decorrentes dos ganhos obtidos no decênio anterior. Enquanto, na década de 1970, o PIB cresceu a uma taxa média de 8,53% a./a., atingindo um pico de 14% em 1973, nos decênios de 1980 e 1990, este crescimento situou-se na média de 2,9% e 1,7% a./ a., respectivamente, registrando-se uma estagnação do PIB per capita entre 1980 e 1993. Os vinte anos que se sucederam, a partir de 1980, foram perdidos pela economia brasileira.206 Em 1980, a inflação, pela primeira vez, rompe a casa dos três dígitos, chegando a 110,2%, índice este que atinge seu ponto máximo em 1993 com 2.708,6%.207 Nas décadas de 1980 e 1990, a inflação anual situou-se na média aritmética de 428 e 695% a./a. respectiva-

204

Algumas análises desse título constituem uma atualização e complementação do trabalho elaborado pelo autor, em 1983, em parceria com Fernando Cardoso Pedrão e José Raimundo de Abreu Zacarias, intitulado A indústria no Estado da Bahia: uma proposta de política industrial, editado pela Secretaria da Indústria e Comércio do Estado da Bahia. 205 Considerado como o período do “milagre econômico” pelas elevadas taxas de crescimento do PIB, o que vem a ser abortado posteriormente, gerando duas décadas perdidas (1980/1990) a partir da primeira crise do petróleo. 206 Ver Tabela 22 no Título III. 207 Ver Tabela 23 no Título III.

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mente208. A indústria, carro-chefe da economia desde o tempo de Juscelino Kubitschek viu a sua participação no PIB decrescer, em 1980, de 33,7% para 29,1% em 1993 (GIAMBIAGI, 1999). A partir de 1980, o país experimentou fortes efeitos restritivos, decorrentes do processo hiperinflacionário, dos sucessivos congelamentos de preços, do fechamento da economia e da moratória da dívida externa209, o que o provocou sérias restrições do mercado financeiro internacional até a segunda metade dos anos 1990. A situação política do país, após a nova “redemocratização” iniciada em 1985 e concluída em 1988 com a promulgação da prolixa “Constituição cidadã”, foi simplesmente caótica. A morte do candidato eleito, Tancredo Neves, e a posse do seu vice-presidente, José Sarney, nunca foram assimiladas pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido que liderara a campanha pelas eleições diretas em 1984 e a cujos quadros pertencia de fato e de direito o presidente falecido.210 Neste período, de crise econômica, com hiperinflação, adoção de políticas heterodoxas de congelamento de preços, moratória da dívida externa e a realização da Assembléia Nacional Constituinte, só se fez política no país. O grande mérito de José Sarney constituiu-se na estóica paciência com que suportou todas as pressões, administrando, sem maiores traumas, uma transição turbulenta, provocada pelos ciúmes e interferências do MDB e pelo aflorar de imensas expectativas represadas durante 21 anos de ditadura militar e que, em grande parte, foram canalizadas para os textos da nova Constituição. Sarney transmitiu mansa e pacificamente o cargo ao seu sucessor Fernando Collor de Mello um personagem alucinado que protagonizou a maior crise política do país, sendo alvo de um impeachment em 1992. Apenas em 1993, com o governo de Itamar Franco, responsável pelo Plano real de estabilização econômica, que efetivamente debelou o processo inflacionário, ingressou o país numa nova conjuntura propícia à retomada do processo de crescimento econômico, se bem que em taxas moderadas. A década de 1990 também assistiu ao fim do processo nacional-desenvolvimentista, que vigorava desde o governo Vargas, e ao predomínio do ideário neoliberal balizado pelas diretrizes do 208

Idem. Lei n. 5.771 de 20 de janeiro de 1987. 210 José Sarney era da ARENA e no final do movimento militar migrou para o MDB. 209

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Banco Mundial a partir do chamado Consenso de Washington. Isto implicou na redução do tamanho do Estado, na abertura da economia e numa série de reformas estruturais e privatizações de empresas públicas, algumas delas estratégicas, lucrativas e essenciais para o país como a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). O aumento de complexidade das relações interindustriais da economia nacional acentuou-se na década de 1970, a partir de quando se registrou a reversão de posições relativas entre as indústrias tradicionais e as dinâmicas211. Naquele momento, ao comparar-se os Tabela 40 - Brasil: indicadores macroeconômicos 1990-1998

Fonte: IBGE, Banco Central e Ipea (apud GIAMBIAGI, 1999, p.39). Notas: (1) A preços de 1980. (2) A preços correntes. (3) Base: 1990=100. (4) Equivale a superávit. (5) Taxa real Selic bruta de janeiro a dezembro (deflator: IGP-DI centrado) (6) Estoque em dezembro.

211

Repetindo o que se disse na seção 2.6.4 trabalha-se com a classificação das empresas em gêneros “dinâmicos e tradicionais”. Como se sabe, estes conceitos têm a ver com o grau de modernidade tecnológica da indústria e, inclusive, com a sua capacidade de reproduzir e disseminar novas formas de tecnologia que racionalizem processos, aumentem a

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anos de 1959 e 1970 assiste-se pela primeira vez na história econômica do país ao segmento industrial dinâmico da economia, respondendo por 54% do valor bruto da produção, e superando o segmento da indústria tradicional que declinou para uma participação de 45%. (Ver Tabelas 50 a 54).

Figura 21 – Gráfico das taxas de investimento (% do PIB a preços de 1980) – 1980/1994 Fonte: Ipea

Estes movimentos sugerem modificações no perfil das relações da economia brasileira com o exterior, com um coeficiente de importações mais elevado e menos flexível, portanto com um aumento significativo na sensibilidade da economia nacional a movimentos cíclicos de escala internacional. Tais modificações se refletiram na organização interna da economia brasileira, com inegável relevância para a economia baiana, então em rápida transformação e aumento de complexidade. Igualmente, as diferenças no ritmo dos investimentos nos setores da economia indicariam correspondentes diferenças intersetoriais de velocidade de circulação do dinheiro, com seu correspondente no plano regional. produtividade e inovem. Este seria o caso do gênero dinâmico, em contraposição às indústrias tradicionais, estagnadas frente ao aporte de tecnologia e, até mesmo, refratárias à modernização.Esta classificação é criticada por diversos autores, pelo menos quanto à sua abrangência, tendo em vista a revolução tecnológica mundial que vem sendo incorporada praticamente por todos os segmentos da indústria, notadamente a partir dos anos 90. Entretanto, conforme se demonstrou no correr do texto, observa-se que a classificação é pertinente para a indústria baiana examinada no período de 1950 a 2000.

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E de se destacar que, a partir da década de 1980, a taxa de investimentos passa a cair. Naquele ano, a preços constantes212, era de 23,6% do PIB, chegando a 14,0% em 1992 (Tabela 40 e Figura 21). Segundo Pinheiro, Giambiagi e Gostkorzewicz (1990), essa queda refletiu tanto a menor poupança agregada, particularmente as poupanças pública e externa, como também o preço relativo dos bens de investimento, resultantes da instabilidade econômica e do fracasso das políticas públicas adotadas para combatê-la. Registra-se assim a estagnação no crescimento da indústria e, pior que isto, o seu atraso tecnológico em termos de comparação internacional. No plano exterior, o funcionamento da economia nacional esteve condicionado pela pressão combinada da elevação da taxa de juros e dos preços dos combustíveis. O segundo destes fatores é atribuível a um esforço dos países produtores de petróleo e o primeiro, à atividade dos países industrializados para desenvolver as aludidas diferenças de preços, canalizando recursos para investimentos convergentes para o crescimento de suas próprias economias. Esta conjunção de pressões externas teve o duplo efeito de encarecer o financiamento internacional para países semi-industrializados e importadores de petróleo, como o Brasil, tornando-se mais pesado o custo social dos investimentos a longo prazo e mais difícil o reajuste da capacidade de produção a variações a curto prazo no mercado financeiro. A desvalorização cambial decorrente teve impacto negativo no perfil intersetorial do crescimento da economia, pela elevação do custo das divisas necessárias para atender à conta de importações, dado o aumento dos dispêndios com a conta de petróleo, além dos custos sociais crescentes do esforço para aumentar a produção de energia. Nessa circunstância, a busca de vantagens industriais imediatas identificava-se mais com a procura de aumentos de eficiência nas plantas industriais existentes que com modificações na composição e na localização dessas plantas. Simultaneamente, e em decorrência do esforço realizado para construir um modelo de crescimento apoiado nas exportações, a economia brasileira passou a apresentar um coeficiente de importações mais rígido e elevado. Evidentemente tratava-se de uma rigidez concentrada nos setores dinâmicos, de renovação técnica mais rápida, justamente os principais responsáveis pela demanda 212

Preços constantes de 1980.

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interindustrial e, portanto, pelos efeitos de aceleração da economia. Ao mesmo tempo, a expansão territorial da agricultura, combinada com a elevação do grau de mecanização desse setor, resultou em maior pressão pela importação de combustível, contribuindo para agravar o quadro geral de pressão sobre a balança de comércio. A rigidez das importações aumentou a prioridade das exportações pela necessidade de ampliação dos superávits na balança comercial. Tal prioridade constituiu uma forma indireta de apoiar os níveis de ocupação nos subsetores de instalação mais recente na economia, como as indústrias de ponta – por exemplo, a química e petroquímica –, e as diversas modalidades da moderna agricultura. Tudo isto levaria a complexas pressões para um reordenamento da estrutura da economia, que lhe permitisse conviver com as transformações da economia mundial, significativamente representadas pela elevação dos preços dos combustíveis. Era de se esperar que os custos sociais desse reajuste se distribuíssem por um prazo mais prolongado, o que não aconteceu porque afetava drasticamente o curto prazo, quando ocorriam as escolhas de máquinas, equipamentos e instalações, destinação de terras para cultivo, etc. Assim sendo, o desempenho da economia brasileira entre 1970 e 1980 e a elevação da taxa de crescimento do produto nesse período correspondem a determinados perfis de comportamento dos diferentes setores da atividade econômica. A década de 1970 pode ser dividida em dois períodos que separam os quatro primeiros anos dos seis seguintes: o primeiro, com um crescimento anual médio do produto de 11,5% a./a., e o segundo, com uma média de apenas 6,5% a./a. Nestes dois períodos, segundo os dados do IBGE disponíveis para a época, também se registram comportamentos diferenciados naqueles indicadores de compras de bens de uso durável atraídos pelo consumo, como os veículos automotores e no consumo de certos tipos de serviços pouco sujeitos às reduções, como as compras de material de construção e de energia elétrica. No grupo dos elementos que sublinham os aspectos negativos das variações da taxa de crescimento, encontra-se o efeito depressivo da inflação sobre os programas plurianuais de investimento que, a médio prazo, se traduz numa deformação da formação de capital, com prejuízo da expansão da capacidade de produção e da própria taxa de crescimento. As dificuldades de financiamento externo ficariam, finalmente, representadas no aumento do endividamento e da sensibilidade da economia aos produtos importados. 448

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Tabela 41 - Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indústria de transformação no Valor Bruto da Produção (1959/1995) (em %)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa industrial anual.

Tabela 42 - Brasil: participação relativa das classes e gêneros da indústria de transformação no Valor Bruto da Produção (1996-1999) (1) (em %)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa industrial anual – empresa: 1996-1999 Nota: (1) A partir de 1996, o IBGE alterou a nomenclatura. Esta tabela continua as informações da anterior.

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Tabela 43 - Brasil: Valor da Transformação Industrial (1959-2000) (em %)

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censos industriais de 1960, 1970, 1975, 1980. Pesquisa industrial 1992, 1994, 1996, 1998, 2000.

Mesmo assim, cabe observar que estes movimentos do produto bruto real sugerem mais uma mudança no modelo de crescimento da economia que uma circunstância eventual, produto de uma contração cíclica a curto prazo. De fato, esta persistência das taxas que caracterizam os sete anos de 1974 a 1980 abrange um período suficientemente longo para incorporar a retroalimentação dos efeitos das modificações na pauta dos investimentos, provocados pelas próprias modificações do quadro internacional. Equivale a dizer que a continuidade dos novos patamares de taxas de crescimento anual é coincidente com o deslocamento dos componentes que deram lugar à taxa de crescimento, ou ainda, a taxa de crescimento resultou de novos integrantes da demanda interna. Este fenômeno é concomitante com uma modificação nas relações com o exterior, 450

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em que aumenta a importância da composição do produto importado, em forma paralela a sua maior rigidez. Noutras palavras, ainda, ao amadurecer o processo de industrialização no Brasil e ao aumentar a produção de bens de alta tecnologia no conjunto importado, o estímulo ao crescimento tem que captar, de modo mais sistemático, as possibilidades oferecidas pela demanda de bens de tecnologia mais simples. Isto posto, vale reexaminar as relações intersetoriais da indústria de transformação, registrando a função que desempenham a indústria da construção civil e o governo, pela capacidade de cada um destes setores, de alimentar a demanda interna. Justamente, a Tabela 44 registra um crescimento dos transportes superior ao da indústria e a Tabela 45 registra um aumento da participação da construção civil no setor industrial na década de 1970. Sinteticamente, reúnem-se aqui alguns elementos de juízo que permitem julgar a consistência da expansão industrial com os movimentos globais da economia nacional desse período As taxas de incremento anual do produto industrial bruto foram superiores às do produto bruto da agricultura e, como se observa na Tabela 44, o crescimento do produto industrial ocupou uma posição-chave na determinação da taxa de crescimento do produto interno bruto. Certamente, são números que encobrem fortes variações no componente de consumo intermediário nesses dois setores, que limitam as possibilidades do seu uso, dada a presença de margens variáveis de capacidade ociosa na indústria, que comprometem a produtividade média desse setor e que, portanto, reduzem a significação das diferenças de crescimento do produto industrial sobre o agrícola. As informações disponíveis indicam que, no decênio de 1970 a 1980, uma grande parte da capacidade de investir do governo foi canalizada para o capital social básico, atraída pelos objetivos globais dos setores de infraestrutura (transportes e energia), entrelaçados com os de reordenamento da economia rural. Este último componente compreende uma notável expansão da fronteira agrícola e não menos importantes substituições nos usos de terras já abertas ao cultivo. Assim, mesmo considerando que uma parte importante dessa expansão da economia rural se direciona para produtos de ciclo curto, é inevitável considerar que se trata de um movimento cujos efeitos finais somente poderão ser apreciados em lapsos não inferiores a 451

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Tabela 44 - Brasil: índices do produto real (1970-2000)

Fonte: Ipea/Data - IBGE.

Tabela 45 - Brasil: composição da renda interna da indústria por classes - 1970/1980 (em %)

Fonte: FGV. Conjuntura econômica – Ipea/Data - IBGE.

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cinco anos – e possivelmente a dez anos –, quando já sejam zonas de cultivo mais ou menos estabilizado. A mais curto prazo, o impacto dos gastos públicos se exerce por compras de materiais e pagamentos de salários que são, inevitavelmente, concentrados em relação com os principais programas de obras públicas. Aí, tem um peso especial a reformulação da política energética nacional, com uma nova prioridade atribuída a uma combinação de produção e substituição de usos, afetando simultaneamente a produção de combustíveis de origem vegetal, com suas implicações para o planejamento agrícola e os sistemas de usos de combustíveis na produção e nos transportes. Estes elementos têm repercussão fortemente diferenciada nos diversos setores da economia e, logicamente, têm efeitos também diferentes entre os vários gêneros industriais. Assim, são movimentos de grande impacto nas transformações do perfil da distribuição territorial da industrialização, em termos de escala de regiões ou de centros industriais. Mudam as condições em que a expansão industrial é absorvida – como no caso da produção de álcool, em que há uma inevitável dispersão territorial – e, em outros casos, como no da indústria pesada, da aeronáutica e da automotriz, em que se reforçam os traços de uma crescente concentração. No que corresponde especificamente ao setor industrial, há movimentos que podem ser mais bem interpretados, quando são apreciados numa perspectiva de maior prazo, inclusive para poderem registrar as mudanças de estrutura que afetam a dinâmica do setor. Neste caso estão, precisamente, as participações relativas da indústria química, metalúrgica, de material elétrico e de material de transporte entre os gêneros industriais que acusam um crescimento sustentado, e as participações relativas da produção de alimentos e da indústria têxtil, entre os gêneros industriais com movimentos descendentes persistentes (ver Tabela 46). No período de 1959 a 1980, estas observações se aplicam com propriedade a dois grupos de indústrias: o das químicas, metalúrgicas, de material elétrico e de transporte e o da produção de alimentos e têxtil. As componentes do primeiro grupo passaram, respectivamente, de 9,0% a 19,1%, de 10,5% a 13,8%, de 4,0% a 5,3% e de 6,8% a 7,7%, em termos de valor bruto de produção. Nesse mesmo período, a produção de alimentos baixou de 24,1 % a 13,8% e a indústria têxtil passou de 12,5% a 6,9%. 453

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Tabela 46 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústrias no VBP da indústria de transformação 1959/1980 (em %)

Fonte: FIBGE. Censos industriais de 1960, 1970, 1975 e Sinopse preliminar do censo industrial de 1980.

A comparação com as cifras do valor da transformação industrial (VTI) permite captar alguns aspectos fundamentais da evolução do setor nesse período de 1959 a 1980, com movimentos muito menos dramáticos dos gêneros mais dinâmicos e com diferenças muito menores entre os gêneros tradicionais e os dinâmicos. Neste novo bloco de informações, por definição sensível aos movimentos dos custos dos insumos, a participação dos diferentes gêneros industriais reflete os diferenciais de produtividade entre eles, ou pelo menos diferenciais de custos sociais da produção. Como se infere das cifras da Tabela 47, a participação da indústria química elevouse num percentual de 69%, comparado com os 197% da indústria mecânica, observando-se, portanto, que o peso relativo do consumo intermediário – refletindo o maior custo social do coeficiente importado – foi muito maior no caso da indústria química que no da mecânica. Do lado dos movimentos negativos, também se 454

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observa que a diminuição da participação das indústrias de alimentos e têxtil no valor adicionado foi menos que proporcional à diminuição registrada ao nível do valor bruto da produção. Os dados indicam diferenças de comportamento entre gêneros de indústria que descrevem diferenciais de produtividade com as indústrias de outros países mais desenvolvidos e que, em última análise, regulam as possibilidades de participação da indústria brasileira no mercado internacional. Observa-se que justamente os gêneros industriais que mostraram maior vantagem na comparação entre os movimentos do produto bruto e do valor da transformação industrial são os mesmos gêneros que também tiveram maior participação nas vendas ao exterior. Entretanto, talvez mesmo por trabalhar com uma demanda interna mais rígida e com uma expansão de mercado mais confiável, a indústria química mostra resultados mais estáveis em 1980, em comparação com os anos anteriores,

Tabela 47 – Brasil: participação relativa dos gêneros de indústrias no VTI da indústria de transformação 1959/1980 (em %)

Fonte: FIBGE. Censos industriais de 1960, 1970, 1975 e Sinopse preliminar do censo industrial de 1980.

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

sugerindo, assim, a presença de programas de investimentos que se mantêm quando se contraem os demais setores. Em seu conjunto, esses movimentos sugerem uma queda do multiplicador de emprego dos investimentos industriais, paralelamente à mencionada transferência da dinâmica do setor, das indústrias tradicionais, de tecnologia completamente incorporada, a indústrias cujo crescimento interdepende de um movimento contínuo de absorção de técnica. Exceto por um movimento de inércia do crescimento da produção bruta, estas transformações apontam uma diminuição relativa do efeito emprego direto da indústria, que somente poderia ser compensado com modificações do perfil regional do crescimento do setor industrial em seu conjunto, à medida que este perfil regional possa representar mudanças significativas nas relações entre o dinamismo da indústria e o dos setores de infraestrutura. Como foi salientado, o desempenho da economia brasileira nas décadas de 1980 e 1990, medido pelas taxas de crescimento do PIB213 foi pequeno. Tais resultados, ainda, são notavelmente modestos, considerando que houve um período de crescimento mais significativo até 1974, seguido de uma recuperação do crescimento entre 1984 e 1986. Como, nesses vinte anos, houve uma sensível diminuição no crescimento demográfico, os resultados do produto social, no conjunto, refletem uma importante concentração social da renda. No período, em seu conjunto, a diferença entre o produto bruto e o per capita manteve-se com poucas variações, indicando, ainda, que se trata de um traço essencial do estilo de crescimento registrado no Brasil. Ao olhar os resultados da produção no país, nesse período, no contexto em que ela foi realizada, destacam-se duas vertentes de explicação, que não podem ser ignoradas, pois convergem para uma compreensão do problema: a situação do desempenho da economia nacional no contexto internacional e seus fundamentos no comportamento dos agentes econômicos no próprio país. Nesse sentido, a primeira observação a fazer refere-se às transformações da economia mundial no período em causa. Os movimentos da economia brasileira, desde o início da década de 1980, estiveram regulados pela concentração mundial do capital financeiro, com seus reflexos locais, e pela aceleração de seus movimentos 213

Ver Tabela 22 no Título III.

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subsequentes às crises energéticas, que coincidiram com a informatização do mercado financeiro. O aumento do poder financeiro e tecnológico das megaempresas transnacionais coincidiu com um notável aumento da mobilidade do mercado de títulos, resultando em aumento sem precedente da participação de investidores extraempresas. Aumentou a presença dos investidores individuais e, mais que tudo, de investidores institucionais. No Brasil, particularmente, a principal novidade do mercado financeiro é a participação de fundações, fundos de pensão e institutos de previdência e de seguros, que se tornaram controladores de grande parte do capital acionário de empresas. Nos últimos anos, com as privatizações, as fundações tomaram-se as principais sucessoras do anterior controle estatal centralizado. Daí, naturalmente, surge novas colocações, sobre o significado social das privatizações, comparando-se a composição anterior do capital e as novas composições, em que ganham espaço os interesses de aplicadores a longo e médio prazo, como tendem a ser, tipicamente, as fundações e os fundos de pensão. A diversificação de aplicações desses fundos, que os leva a apoiar projetos de turismo do mesmo modo como apoiam projetos industriais, injeta novos critérios de comparabilidade entre investimentos, o que modifica o panorama de financiamento das indústrias. Tais movimentos refletiram-se nos fluxos internacionais de capitais e em reorganização do mercado dos países mais ricos, reforçando seu atrativo de capitais, inclusive dos capitais formados nos países subindustrializados e nos mais pobres. A globalização financeira leva às migrações de capital na direção das economias mais ricas, onde se encontram mais opções de valorização de capital imobiliário, tanto como opções de aplicação no comércio. Desenvolveram-se novas relações de dependência com o exterior, onde se destacam as posições de centros como Miami e Los Angeles, como atrativos do componente de capital mercantil e especulativo urbano brasileiro. Os movimentos que culminaram com a reintegração da Europa enfatizaram uma progressiva concentração de vantagens introjetadas no mercado europeu, se comparamos com aplicações em outros continentes, inclusive com aquelas da América Latina. Essa tendência ficou clara nos diversos segmentos da indústria e da agricultura e até no turismo, que se expandiu mais entre países europeus que para fora da Europa. Mais que tudo, o 457

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

progresso europeu sustentou-se em ganhos estratégicos no modo energético da produção e do consumo, vendo-se que, ao cabo desses dois decênios os países europeus apresentaram balanços energéticos progressivamente menos dependentes de petróleo e alcançaram os melhores resultados mundiais em termos de redução do conteúdo energéticos da produção. Tais resultados, além de representarem melhores condições de proteção do ambiente, significam redução da dependência de combustíveis fósseis, que foi obtida em conjunto com um crescimento fundamental da biotecnologia. Indiretamente, essa tendência significou que as transformações da economia brasileira transcorreram num mercado internacional em que a predominância norte-americana foi menos compensada, tendendo a aumentar a interdependência entre as transformações da agricultura e da indústria brasileiras e seus ajustes com as perspectivas dos interesses norte-americanos. Significativamente, a internacionalização da economia brasileira que ocorreu desde inícios da década de 1980, faz-se com um estreitamento dos laços com os Estados Unidos, tanto nas relações de comércio como no fluxo de capitais. As tendências de integração macrorregionais de mercado realçam essa nova polarização, em que o Brasil caminhou para a constituição de uma área de defesa econômica, sinalizada pelo Mercosul. Nesse contexto, o aumento do peso das grandes corporações, com seus interesses diversificados, tornou necessário substituir a tradicional análise econômica setorizada por outro estilo de explicação, voltado para estratégias de formação de capital ligadas a controle de tecnologia e de financiamento. Nesse ambiente de mercado, somente um pequeno número de grandes grupos tem suficiente controle sobre sua captação de recursos que lhe permita manter sua concentração setorial de investimentos. Outros, mesmo constituídos de empresas de grande porte, procuram compensar sua falta de controle tecnológico mediante movimentos de diversificação que, de fato, são estratégias para aproveitar vantagens locais de controle de mercado. No entanto, esses movimentos de expansão em mercados locais são externamente regulados pela expansão especializada dos maiores grupos, que se torna localmente estratégica. Nesse sentido, destacam-se certas multinacionais, umas, no campo da agroquímica, outras, na tecnologia de exploração de petróleo, outras ainda, 458

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na indústria química. Essas multinacionais realizam a maior parte da pesquisa especializada nesses campos, controlando a renovação tecnológica naquele dado campo de investimento, controlando as faixas de mercado em que podem operar empresas de porte médio. Isso aconteceu primeiro com a metal-mecânica, petroquímica e oleoquímica e estendeu-se a campos mais complexos, como o aeroespacial e o da informática. A massa de capital concentrado de modo especializado pelos maiores grupos tornou-se uma barreira à entrada nos mercados locais, levando a uma segmentação de fato do mercado industrial. Nela, primeiro está a faixa das megaempresas de escala mundial, que combinam grandes vantagens oligopólicas com grande autonomia de financiamento, que praticamente não dependem da localização de seus estabelecimentos. Num segundo nível estão grandes empresas de base nacional e regional, que se mantêm próximas da renovação de tecnologia e dependem de ganhos oligopólicos e de sustentação política e institucional, tal como acontece com a produção de cimento e a metalurgia de grande porte. Finalmente, estão empresas que operam com tecnologia dominada e com financiamento de mercado aberto, sobrevivendo em espaços limitados de mercado. Isso significa que os diferentes grupos de empresas concorrem de variados modos, de acordo com a mobilidade necessária para mover-se entre esses ambientes de mercado. Objetivamente, significa que as tendências de transformação do sistema produtivo, tanto na gestão da capacidade disponível como no direcionamento das aplicações de capital, estão atreladas a condições de mobilidade financeira, que pré-condiciona o desempenho tecnológico. Nessas condições, a estratégia de gestão capital das grandes empresas ficou condicionada pela expansão de setores que tiveram a mais rápida renovação tecnológica da história, como os da informática e aeroespacial, cujos efeitos, entretanto, estenderam-se aos demais setores, deslocando os centros internacionais de acumulação de capital para novos campos em que, também, há novas especialidades. Há, portanto, um novo tipo de especialização, que é o dado pelo controle desses campos dinâmicos de expansão do capital. No conjunto, entrementes, esses crescimentos são inseparáveis do condicionamento energético, que aparece, simultaneamente, pelo lado do controle da oferta e pelo da pressão da demanda. O aumento do consumo mundial de energia traduz-se na diferenciação entre os países que têm os recursos e a capacidade para usá-los, os 459

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que têm o capital e a tecnologia para aproveitá-los e os que têm capitais e tecnologia, mas não são ou se tornam energeticamente deficitários. As opções de investimento não escapam desse condicionamento energético, cujo significado foi corrigido pela consideração dos custos ambientais. O argumento ambiental passou a ser considerado desde a década de 1970, mas, a partir do decênio seguinte, foi efetivamente incorporado, na medida em que se tornou a base de nova abordagem da restrição energética, representando a relação entre os interesses públicos e os privados. Os argumentos energético e tecnológico tornaram-se divisores de águas entre a expansão autônoma e a expansão induzida de capital. Distinguem-se movimentos autônomos e induzidos das diversas empresas, distribuídos desigualmente entre empresas de diversos tamanhos, mas com indiscutível concentração dos movimentos autônomos por parte das megaempresas. Ao mesmo tempo, verifica-se que algumas delas têm a capacidade de atuar de modo autônomo por contarem com vantagens anômalas. Por exemplo, uma empresa de médio porte que possui uma jazida de mármore de alta qualidade, ou uma empresa que controla um recurso escasso, portanto, que obtém ganhos monopólicos superiores aos que tecnicamente poderia obter em condições de equivalência em participação no mercado. Objetivamente, no mercado mundial, no período que se segue a 1980, houve profundas mudanças de política econômica entre os países mais ricos, que resultaram em maior exposição por parte dos europeus frente à proteção praticada pelos Estados Unidos e Japão, levando adiante ao fortalecimento das vantagens regionais européias, que contrastaram com a ascensão da participação dos asiáticos. Nesse ambiente, a retomada dos esforços integracionistas latino-americanos, agora dirigidos ao formato do Mercosul, surgiu como estratégia defensiva, desenvolvendo-se nas margens dadas pelo tecido de relações de cada país com os países mais ricos.

5.2 O PERFIL REGIONAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA No desempenho da economia nacional, nas últimas décadas do século XX, identificam-se mudanças na forma das inter-relações entre o perfil do crescimento do produto, o funcionamento do sistema financeiro e as relações com o exterior, em que o aperfeiçoamento 460

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Tabela 48 – Brasil: participação relativa das regiões no valor da transformação industrial

Fonte: IBGE – Censo Industrial.

Figura 22 – Participação relativa das regiões no valor da transformação industrial 1959/2000 Fonte: IBGE.

do sistema financeiro constitui o eixo de um novo direcionamento dos investimentos, oferecendo novas opções para a colocação das poupanças privadas. Este mecanismo revela-se fundamental na determinação dos custos da industrialização para as empresas, obrigando as aplicações industriais a concorrerem no mercado financeiro sobre a base de previsões de desempenho global de empresa – econômico e financeiro – em lugar dos tradicionais dados utilizados para obter vantagens de proteção. Identificam-se, assim, elementos de decisão de investimentos, que 461

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se sobrepõem aos bem conhecidos elementos de custos de transportes, talvez explicando, inclusive, por que a notável elevação dos custos sociais dos transportes (frotas de caminhões subutilizadas, viagens desnecessárias entre centros distantes, etc.) não tenha sido suficiente para modificar a localização de indústrias de bens de consumo de baixo valor por unidade de peso. Esses mecanismos também regulam a organização inter-regional da economia, superando os já bem conhecidos diferenciais de custos de transportes (consequentes aos custos sociais dos bens de uso generalizado e dos bens estratégicos e aos custos diretos em produtividade dos transbordos e demoras dos transbordos e da armazenagem) e ao encarecimento dos insumos importados. Na prática, estes últimos itens são transferidos pelas empresas diretamente aos consumidores ou indiretamente, via empresas de comercialização. Identificam-se, portanto, diferentes mecanismos que realizam a conversão dos efeitos setoriais em efeitos regionais, distinguindo-se ainda, aqueles que, por serem absorvidos pelas estruturas de custos das empresas, são finalmente anulados nos movimentos globais do setor. É necessário, portanto, distinguir entre os resultados regionais do crescimento industrial conseqüências da industrialização – e os mecanismos de decisão dos investimentos que dão lugar aos aludidos resultados. Nesta parte deste documento, apresentam-se alguns desses resultados regionais da industrialização, deixando-se de confrontá-los com os movimentos de fechamento de empresas, da relocalização, etc., que permitiram penetrar nos mecanismos intra-regionais de localização de indústrias. Do exame da Tabela 49 observa-se que o Sul foi a única região do Brasil que teve um aumento consistente de sua participação no valor da transformação industrial no período de 1970 a 2000. Esta participação elevou-se de 11,9 a 18,3% no final do século. Essas cifras gerais refletem movimentos positivos dos três estados do Sul, observando-se que o peso relativo do Rio Grande do Sul, que em 1970 correspondia a 52% do VTI regional, cai para 45% no ano 2000. O Paraná, no período, passa de uma participação de 25 para 31% enquanto Santa Catarina mantém-se relativamente estagnada, saindo de 23% para 24%. Notese que a participação do Rio Grande do Sul em 2000 (8,3%) é praticamente igual à de todo o Nordeste (8,9%) no mesmo ano. Esta comparação é igualmente impressionante quando é feita com Minas Gerais, cuja participação no valor da transformação industrial elevou-se de 7% a 9,5% no período examinado. Num desempenho 462

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Tabela 49 – Brasil: participação relativa das regiões e respectivas unidades da federação no valor da transformação industrial 1970/ 2000 (em %)

Fonte: FIBGE. Censos industriais de 1960, 1970,1975 e Sinopse preliminar do censo industrial de 1980.

bastante superior ao do Rio Grande do Sul, a indústria de Minas Gerais superou a de todo o Nordeste, dando mostras de maior articulação interna entre os gêneros industriais do que aquela apresentada pela indústria dos oito estados do Nordeste em seu conjunto. Ademais, Minas, a partir de 1996, assume o papel de segundo Estado mais industrializado do Sudeste e do país, desbancando o Rio de Janeiro, 463

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único Estado que mostrou movimentos de igual constância em sua posição industrial, e com sinal negativo, passando dos 19% do VTI regional em 1970 a 14% em 2000, numa regressão que não pode ser dissociada de sua perda de status de capital federal. Também São Paulo apresenta um quadro de perda de participação, caindo de 56,6% em 1970 para 45,3% em 2000.214 Após um século de concentração industrial, esse Estado inicia um movimento de reversão da polarização e de desconcentração industrial para várias regiões do país. São, além disso, movimentos que não podem ser circunscritos à execução de quaisquer projetos em especial, senão que aspectos mais amplos da política industrial, entre outras razões, por corresponderem à totalidade dos trinta anos em que amadurece a industrialização do país em seu conjunto. Outro caso digno de nota, Goiás permanece completamente inexpressivo, sem mostrar qualquer vantagem da consolidação de Brasília e da demanda industrial que esta nova concentração urbana possa representar. Indiretamente, todas as indicações são de que o reajuste de localização industrial causado pela transferência da capital federal tenha favorecido precisamente a Minas Gerais e àqueles estados do Sul antes mencionados. Nesse período, a posição do Nordeste mostra um relativo crescimento entre 1970 e 1992 com participações no VTI de 5,7% e 8,1% respectivamente. Mas a baixa de quase 20%, entre 1992 e 1994, expressa movimentos negativos significativos na década de 1990, sentidos por todos os estados nordestinos, notadamente Pernambuco e Bahia. Ademais é importante mencionar que a participação da Bahia no valor bruto da produção e no valor da transformação industrial apenas mostra algum indício de melhora entre 1970 e 1980: em 1970, a Bahia participava com 1,5% do valor da transformação e em 1980 com 3,0%. Esta participação declina e permanece estagnada em toda a década de 1990 somente apresentando recuperação no ano 2000 quando atinge 3,9%.

5.3 A PARTICIPAÇÃO DA BAHIA NA INDUSTRIALIZAÇÃO NACIONAL E REGIONAL, PERÍODO DE 1959 A 2000. Uma crítica que se faz ao processo de análise da participação da Bahia no processo de industrialização brasileiro consiste no fato 214

Ver tabela 49.

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de que se toma usualmente como referência a sua participação neste setor em termos nacionais, considerando os números globais de produção e pelo registro dos principais fatos que caracterizam as mudanças da indústria localizada no Estado. Este critério parece ser insuficiente pelas limitações dos dados disponíveis sobre a produção industrial baiana e suas inter-relações215 e por ignorar os principais fatos que ocorrem com a indústria nacional. Ademais, não se levam em consideração os reflexos condicionantes das modificações do sistema financeiro do país e os problemas resultantes do impacto produzido pela dinâmica da indústria nacional sobre a economia baiana.216 Ao isolarem-se importantes fatores decorrentes da reestruturação financeira da economia industrial, esta análise macroeconômica revela-se insuficiente para identificar os principais problemas da indústria. Estas limitações têm contribuído para distorcer a análise industrial ao concentrarem-se apenas nos valores globais da produção dos estabelecimentos industriais – sem considerar as transformações ocorridas no âmbito das empresas e, portanto, da composição da produção por empresas. Até por falta de informações ou de pesquisas direcionadas para este fim, têm sido excluídos da análise aspectos importantes relacionados ao tamanho e à forma de organização das empresas, aos problemas de financiamento da produção e da comercialização da produção industrial e de mercado e aos problemas de eficiência de cada fábrica ou unidade de produção equivalente. A ênfase em avaliações que se limitam aos aumentos do volume da produção, sem considerar em que medida correspondem estes a modificações na pauta da produção industrial ou simplesmente representam ganhos no número de unidades produzidas das mesmas mercadorias, impede que se avaliem os impactos resultantes na estrutura do emprego, em ampliações da capacidade instalada e na formação de capital. Numa conjuntura permeada por variações cíclicas é, pois, inaceitável restringir a interpretação dos problemas industriais a fenômenos de produção. A questão industrial deve ser tomada em 215

Ao contrário de Minas Gerais, por exemplo, a Bahia nunca conseguiu montar uma matriz de inter-relação industrial (insumo-produto). As tentativas efetuadas fracassaram pela combinação da oposição das indústrias e a falta de apoio político governamental. 216 Apesar da ampla adoção deste método neste livro, por ser o único com dados disponíveis, busca-se neste capítulo fazer também uma análise seriada deste processo de industrialização.

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relação aos diversos indicadores que explicam a trajetória da indústria regional no contexto da nacional e permitem fazer previsões sobre a capacidade do setor para reagir às ameaças a médio e a longo prazo, tais como aquelas geradas pelas mudanças tecnológicas, pelas modificações da estrutura do mercado e transformações dos mecanismos de financiamento, entre outros. Sabe-se que o progresso industrial é uma função da evolução tecnológica, pelo simples fato de que a diversificação da produção, a produtividade e consequentemente a sustentação da capacidade de competição e sobrevivência em um mercado cada vez mais globalizado dependem da atualização das técnicas utilizadas. Quando o crescimento industrial ocorre a partir de uma intensa renovação do setor, os problemas tecnológicos tornam-se vitais, visto que os aumentos de capacidade e de produção dependem dos investimentos em tecnologia. Os aumentos de produção, obtidos pela transferência, entre regiões, de fábricas com técnicas ultrapassadas, como sói acontecer na Bahia, são vantagens efêmeras, que desaparecem frente a maiores diferenciais inter-regionais de produtividade. Assim, é fundamental considerar quais tenham sido os progressos alcançados pela Bahia, no aprofundamento tecnológico de sua expansão industrial. As questões vinculadas à estrutura operacional das empresas e ao financiamento da atividade industrial são igualmente importantes. Nas atuais circunstâncias, torna-se indispensável uma eficaz integração entre o sistema financeiro e o industrial, que se expande e envolve, aperfeiçoando seus mecanismos de geração e administração dos recursos. A permanente busca de produtividade que assegure padrões seguros de competitividade torna também estratégica a transformação na estrutura do sistema industrial, com a busca de economia de escopo nas fábricas e a substituição de empresas monoprodutoras por empresas flexíveis que operam conjuntos de diferentes fábricas e linhas de produção.Finalmente, uma notável modificação nos modos de operação das empresas industriais, com a integração de suas cadeias de produção, fortalecendo a sua logística operacional mediante efeitos linkage, tanto no setor primário quanto no terciário, com a proliferação de subsidiárias e sucursais distribuídas no território nacional, desenvolvendo áreas de especialização e utilizando-as para captar, com mais eficiência, as diversas possibilidades oferecidas pelo mercado interno e de aproveitamento de recursos naturais para exportar. 466

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A diversificação das linhas de atividades das empresas – indústrias que passam à produção agropecuária, empresas agropecuárias que passam à indústria, indústrias que passam à mineração, grupos financeiros que promovem indústrias, a formação de clusters, etc. – passou a ser um novo paradigma do processo de expansão da economia brasileira a partir da década de 1970, mediante um notório ponto de inflexão na organização do mercado financeiro. Esses arranjos produtivos constituem um aspecto básico da industrialização que não pode ser estudado isoladamente como a transformação apenas de um setor, devendo ser examinado em um contexto mais amplo que leve em conta um movimento de transformação da economia como um todo. A nova dinâmica do mercado financeiro com a emergência de inúmeras alternativas nos diversos mercados que o compõem, oferecendo opções diferenciadas de rentabilidade às aplicações de capital passa a condicionar a disponibilidade de recursos para investimentos industriais. Assim, a rentabilidade de cada indústria ou gênero industrial passa a ser confrontada com a rentabilidade das diferentes possibilidades de aplicação de capital oferecidas pelo mercado financeiro. Neste caso, segundo uma peculiaridade do capitalismo financeiro, as aplicações a curto e médio prazo, com retorno mais rápido e rentabilidade maior, passam a constituir um elemento contraposto à realização de investimentos em implantação de indústrias. A partir da década de 1970, são essas transformações internas da economia nacional que lhe permitem realizar uma rápida e profunda modernização da sua estrutura de produção e comercialização e, por conseguinte, lhe permitem iniciar um movimento de participação significativa no mercado internacional, não só em produtos demandados no mercado tradicionalmente aberto no Brasil, mas inclusive realizando um esforço de ampliação de mercados. A expansão das relações com o exterior, principalmente a partir de 1970, surge como uma resposta da própria necessidade de elevar a taxa de crescimento do produto interno bruto e se concretiza numa série de demandas aos diversos setores da produção. É um esforço de aumento de exportações que continua, em sua maior parte, como um peso atribuído ao setor primário. Há uma sensível ampliação das exportações industriais que, entretanto, não chegam a compensar o aumento da carga em divisas conseqüente ao aumento do coeficiente de importações, gerado pelas necessidades das próprias indústrias. 467

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Esta maior presença do setor externo na economia traduz-se numa preferência por investimentos e perfis de produção altamente competitivos, que permitam concorrer no mercado daqueles países mais atrativos no esquema geral de financiamento da economia nacional. É uma preferência que opera em detrimento daqueles outros investimentos que somente realizam as operações cabíveis no mercado nacional e, portanto, é uma preferência que afeta as comparações entre a rentabilidade dos investimentos, reduzindo o interesse por aplicações a médio prazo – implantação de fábricas novas –, para operar com técnicas de produção já estabelecidas, sem ganhos derivados de inovações em máquinas e em desenhos de produtos. Estes fatos constituem um quadro de referências que passa a condicionar a análise de comportamento e o planejamento de crescimento de indústrias em regiões como na Bahia, mostrando em que extensão e de que forma interdependências entre fábricas condicionam as transformações do setor. Se bem que, está claro, em boa parte, que a política industrial do Nordeste em geral e da Bahia em particular formulou-se em esquemas de aproveitamento de oportunidades observadas no próprio processo de industrialização nacional, com uma percepção orientada a buscar grandes impulsos de industrialização (grandes fábricas, complexos industriais, etc.) como também parece não haver dúvida de que agora é necessária outra percepção da inserção da Bahia na industrialização nacional. Assim, se por um lado faz-se evidente a necessidade de eliminar os aspectos provincianos da análise e do planejamento industrial, também é inegável a necessidade de situar a industrialização da Bahia como uma combinação de elementos de propagação da industrialização das regiões mais industrializadas e de algumas formas de transformação da própria economia regional. Está claro que a industrialização da Bahia não pode ser confundida com seu crescimento econômico e social, mas é um componente necessário e fundamental das transformações da economia que podem levar a esse desejado crescimento. Frente a esses elementos de transformação da estrutura das empresas e de seu perfil de financiamento, cabe registrar que o crescimento da indústria brasileira ocorrido, aproximadamente, no período a partir de 1946 (uma data assumida como de início do processo de crescimento atribuído à substituição de importações) até o presente, mostra forte tendência a um fenômeno de concentração, com diversas 468

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características que compreendem a concentração de elevadas proporções da produção em pequeno número de grandes empresas, a concentração do valor da produção e dos investimentos em poucos gêneros industriais e a concentração de localizações das fábricas em pequeno número de localidades, quase todas na região Sudeste. Notadamente, na Bahia, o processo de concentração não foi compensado pela proliferação de indústrias de pequeno e médio porte, orientadas para operar em segmentos do mercado nacional tornados acessíveis pelo protecionismo associado com a substituição de importações. Pelo contrário, a concentração da indústria no Estado apresenta-se como uma consequência previsível da integração dos processos de produção, comercialização e financiamento dos grandes complexos industriais – como o automobilístico, o mecânico e o químico –, que projetou o crescimento desses segmentos industriais à frente dos demais, estabelecendo uma diferença sensível entre os subsetores industriais cuja capacidade de produção cresceu com mais rapidez e aqueles outros cuja produção cresceu em alguns anos, esporadicamente, ou cuja expansão esteve restringida por flutuações abruptas de mercado. Assim, é necessário diferenciar os aspectos formais da expansão industrial dos processos de fortalecimento de alguns subsetores da indústria, atingidos por essa substituição de importações, mesmo que ela tivesse sido feita sem um critério declarado de prioridades. Neste sentido, as pesquisas sobre os mecanismos de formação de capital e redistribuição da renda entre diferentes ramos da indústria, assim como as informações macroeconômicas disponíveis simplesmente não permitem entender: a) como tenha mudado a posição relativa da combinação de indústrias situadas na Bahia, frente à combinação de indústrias do país em seu conjunto; b) como a nova combinação de indústrias predominante na economia brasileira em seu conjunto se manifesta na escala da economia baiana. Verifica-se que há uma questão essencial de situar os problemas industriais da Bahia como próprios de um processo de ampliação e diversificação que opera na composição do setor e ao interior de cada grupo de gêneros industriais, em consonância com movimentos de gêneros e grupos de gêneros da indústria nacional, de maneira que não permitem continuar tratando a indústria baiana como um subconjunto fechado no conjunto nacional. 469

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O essencial, então, é observar como esses grupos mais dinâmicos de gêneros de indústrias se deslocam no contexto nacional, acompanhando os movimentos financeiros da economia. Neste quadro, aprecia-se a significação econômica e social das transformações da indústria localizada na Bahia, como a implantação da petroquímica e mais recentemente da automobilística que são parte destes subsetores fortalecidos pelos movimentos globais de crescimento da indústria nacional e aqueles outros que representam uma concentração aleatória de indústrias médias e pequenas no território estadual. Com este critério, observa-se, nas Tabelas 50 a 54, que os principais movimentos da indústria baiana entre 1959 e 2000 estão concentrados em gêneros industriais que não poderiam desenvolver-se sem o concurso de uma política deliberada de escopo nacional, acompanhando indicadores subsetoriais do país em seu conjunto e não por vantagens da aglomeração regional. Esses gêneros, notadamente o químico, por não encontrarem tais vantagens, gradativamente perderam o dinamismo, revertendo, no final do século XX, as expectativas geradas na década de 1970 (ver Tabela 55). Ainda no ano 2000, nas indústrias do segmento tradicional ressaltam-se as posições relativas da indústria de vestuário, calçados e artigos de tecidos217 e da fabricação de bebidas e produtos alimentares. Esses gêneros industriais de tecnologia menos cara no contexto da indústria nacional, podem demonstrar melhores possibilidades para as regiões menos desenvolvidas. É uma suposição consistente, a de que esses gêneros tradicionais, na Bahia, respondem por maior geração de renda interna, mostrando maior eficiência social – ou menores custos sociais – que nos gêneros ditos dinâmicos. Outro aspecto deste mesmo fenômeno observa-se no efeito do emprego gerado pela industrialização, em que a sua sustentação nos gêneros tradicionais diminui em proporção muito menor que a diminuição da sua participação no valor bruto da produção e no valor da transformação industrial.218 Em 2000, último ano da série apresentada (Tabela 54), a classe das indústrias tradicionais responde por 56,6% do total dos empregos criados. Isto é verdade, particularmente,

217

Objeto de intenso programa de atração e fomento mobilizado pelo governo estadual no final do século XX. (O denominado “pólo” calçadista). 218 O constante avanço das tecnologias de automação e de informação associadas ao processo de privatização na década de 1990, reduziram, na Bahia, substancialmente, os empregos gerados pelas indústrias do segmento dinâmico.

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NOELIO DANTASLÉ SPINOLA

no caso da indústria de bebidas e produtos alimentares, cujo impacto em emprego e em remunerações pagas é superior ao dos gêneros em ascensão no grupo das indústrias dinâmicas. Observe-se que o fato de que as remunerações médias, no grupo da química e da metalurgia, superem as do grupo de alimentos e têxtil não contradiz a observação de que estas últimas tenham efeitos mais homogêneos na estruturação do mercado regional. A implantação do Complexo Petroquímico de Camaçari, da Metalurgia do Cobre e posteriormente do Complexo Automotivo da Ford, parecia oferecer, pela primeira vez, a possibilidade de que na região se introduzissem tanto a montante como a jusante desses complexos, novas unidades industriais atraídas por vantagens de demanda derivada, capazes de germinar novas linhas de atividades (principalmente a partir da metal-mecânica, da petroquímica e de outras indústrias de bens de uso intermediário). Esses complexos induziriam a fixação de algumas linhas de crescimento de que a economia regional iria beneficiar-se. Contudo, em decorrência de circunstâncias estruturais da própria economia brasileira nas décadas de 1980 e 1990, ligadas a questões tecnológicas e mercadológicas, este movimento, que também levaria à introdução de novas modalidades de articulação, no que se refere a subsetores, entre a economia baiana e as de outras regiões, modificando seu comportamento frente às variações cíclicas, não ocorreu. Nas últimas décadas do século XX, destacou-se um aspecto fundamental no comportamento da economia baiana, que consiste na sua vulnerabilidade à propagação de movimentos cíclicos da economia nacional. Este fenômeno procede de um conjunto de condições que vão desde os efeitos genéricos do aumento de participação do setor industrial na formação do produto, até os fatos de que: a) o crescimento dos setores industriais de ponta não foi acompanhado pelo correspondente crescimento da transformação de matérias-primas locais; b) o crescimento das indústrias vinculadas ao circuito habitacional não acompanhou o crescimento deste segmento industrial, de resto bastante superior à média nacional; c) o grau de concentração da renda pessoal disponível e as conseqüentes limitações do mercado regional acentuou-se. Estes desníveis intersetoriais coincidiram, regionalmente, com o fato de que, por sua própria especialização, as indústrias de tecnologia mais avançada dependem mais do mercado externo para 471

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

sustentar seu nível de operações. Assim, acentuaram-se deficiências dos grupos de indústrias tradicionais que inibiram o aproveitamento a montante e a jusante dos efeitos da expansão industrial. Nestas condições, as mudanças de características da estrutura industrial não necessariamente foram compensadas pelos efeitos positivos das economias de aglomeração das concentrações industriais polarizadas. Em Salvador, na Bahia, no Nordeste, como espaços econômicos perrouxianos não se perceberam os efeitos de polarização descritos por Paelinck, ou seja: a polarização técnica com a geração de crescimentos das indústrias de gêneros afins, ou seja os backward e forward linkages, a polarização pela renda, mediante a promoção da prosperidade regional e a polarização geográfica mediante a formação de um parque de indústrias de transformação. Houve apenas uma polarização psicológica, logo frustrada pela não ocorrência das anteriores. Assim, na Bahia, a formação de concentrações territoriais de indústrias – como o Centro Industrial de Aratu e demais distritos industriais – e a construção de complexos industriais, como o de Camaçari, foram inócuas em termos de promoção do crescimento regional. Corresponderam a uma lógica equivocada, que consistia no máximo aproveitamento das vantagens de aglomeração para sustentar o crescimento do setor e buscar, na produção de bens intermediários, integrar-se complementarmente à indústria nacional, visando a aproveitar vantagens econômicas em grau de empresa e inclusive em categoria de fábrica, que dificilmente se confirmavam em termos de classe ou de gênero industrial. Desta forma, definiu-se um quadro de comportamento do setor industrial na Bahia, em que as modificações da estrutura industrial não podem ser claramente classificadas como pertencentes, ou não, ao processo de substituição de importações ou à dinâmica de expansão das exportações. 5.4 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO DA BAHIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX Uma revisão da participação da industrialização da Bahia no quadro nacional assume um caráter mais amplo que busca atender à crítica formulada início do capítulo anterior. Nela, as diversas etapas se interpenetram no tempo, não constituindo uma sequência em que cada etapa supõe a conclusão da anterior. 472

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Assim sendo, neste capítulo, complementa-se a análise do processo de industrialização da Bahia na segunda metade do século XX, demonstrando-se o seu caráter cíclico e dependente das condições em que operaram no período, as economias nacional e internacional e os seus efeitos sobre o nível da renda regional. Ao longo do tempo, um padrão de industrialização da Bahia, cuja origem remonta à segunda metade do século XIX,218 quando se destacava a indústria têxtil, encerrou-se no final da década de 1960 a partir de quando começam a surtir efeito as medidas de política econômica adotadas após o movimento militar de 1964. Foi bastante limitada a participação da Bahia no tipo de industrialização que é geralmente identificado no Brasil como a substituição de importações. Uma análise retrospectiva permite observar que, no período marcado pela predominância desse mecanismo de política econômica, que funcionou como elemento motor da industrialização brasileira basicamente de 1946 a 1960, a expansão da indústria na Bahia em seu conjunto foi um movimento tímido, constituído por alguns projetos industriais de pequenos e médios portes, com tecnologia equivalente ou inferior à média da produção nacional em cada caso. Esta ausência da substituição de importações teria tido efeitos negativos a médio prazo – portanto, sobre a situação atual –, que merecem ser examinados. Conforme já foi destacado, o crescimento industrial da Bahia, até o final da década de 1960, foi uma simples ampliação da capacidade de produção, baseada na renovação da capacidade instalada de fábricas já existentes e na implantação de processos industriais de transformação complementares e empreendimentos agropecuários. É um fenômeno que se infere, entre outros elementos, da participação da indústria de produtos alimentares no valor bruto da produção do Estado que, no período citado, passou de 24,5% em 1959 a 28,4% em 1970 (ver Tabelas 50 e 51) fazendo com que, em 1959, a classe das indústrias tradicionais respondesse por 57,1% do VBP, indicando indiretamente a ausência de outros gêneros de maior dinamismo na composição da produção do setor. Concretamente, no período em que se modernizava o parque industrial do Sudeste / Sul, a expansão industrial na Bahia continuou carente de um impulso predominante que permitisse identificar uma ruptura com o esquema de economia regional estagnada, característico da primeira metade do século XX. 218

Ver Título I deste livro.

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Tabela 50 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1959 (em %)

Fonte: Spinola (2003). Nota: (1) Efeito da Refinaria Landulpho Alves de Almeida (RLAM)

Tabela 51 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1970 (em %)

Fonte: Spinola (2003).

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Tabela 52 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1980 (em %)

Fonte: Spinola (2003).

A pequena ampliação do parque industrial que ocorre a partir de 1950, não foi suficiente para sustentar a decolagem de um aproveitamento significativo das matérias-primas regionalmente disponíveis e não seria senão com a intensificação do planejamento estadual, a partir de 1956, que começariam a aparecer algumas respostas significativas no plano dos projetos industriais que captassem recursos das instituições de fomento já em operação na época. A própria timidez do crescimento industrial torna praticamente supérfluas as colocações acerca de alternativas industriais ou de prioridades, definindo-se o problema industrial regional, principalmente em termos de incorporação das principais margens de transformação, em linhas de produção agropecuária. 475

A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Esta marginalização da Bahia no processo de substituição de importações pode ser atribuída a diversos fatores, próprios das diferenças de maturidade da economia agromercantil do Sudeste/ Sul, comparada com a do Nordeste, a fatores próprios das desvantagens em que se encontrava a economia baiana, para promover uma expansão de seu próprio mercado regional que fosse suficiente para absorver os custos dos novos investimentos e, sobretudo, à incompetência das oligarquias baianas (empresarial e política) que, ao longo do século, como foi demonstrado em títulos anteriores deste livro, somente contribuíram para manter o atraso do Estado em benefício de seus interesses comerciais de curto prazo. Não participando desse processo, a Bahia atrasou-se, em relação ao Sudeste / Sul, na formação de uma estrutura industrial caTabela 53 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 1992 (em %)

Fonte: Spinola (2003).

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paz de absorver as novas exigências que surgiram durante a década, a partir de 1970, em conjunção com o acirramento da concorrência, induzido pela pressão do balanço de pagamentos. A partir de então, ampliam-se as já consideráveis diferenças inter-regionais de crescimento. E esse processo geral de substituição de importações caracteriza-se, cada vez mais, como um processo regionalmente localizado no Sudeste / Sul. Aumentam as dificuldades para que apareça um impulso industrial significativo na Bahia e, a partir de meados da década de 1950, a economia baiana passa a arcar com os custos da proteção outorgada aos produtores industriais nacionais, com o consequente agravamento dos vazamentos de sua formação de capital, como o testemunham os documentos oficiais da época mostrados neste livro. Tabela 54 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor bruto da produção, da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em 2000

Fonte: IBGE. Pesquisa industrial anual (2000).

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

O atraso da Bahia no processo de substituição de importações manifestar-se-ia na pouca diversificação de seu parque industrial e, mais tarde, explicaria as razões da elevada concentração dos programas industriais. Observa-se, por exemplo, que a participação do setor industrial no produto bruto do Estado passou de 10,5% em 1939, sucessivamente, a 6,8% em 1947, a 13% em 1957, voltando a 7,6% em 1967, justamente quando se supõe que a substituição de importações no Brasil já estava em declínio219. Além das razões anteriormente apresentadas, acredita-se que também contribuíram para esta pouca participação na substituição de importações as condições de crescimento do sistema financeiro na região e o processo de modernização que se exigia na estrutura das empresas, o que demorou de ocorrer na Bahia conservadora, presa a práticas mercantilistas do século XIX. O processo de modernização induziu ao aumento de tamanho dos estabelecimentos industriais (modelo fordista de produção) e à integração do sistema bancário. Assim, seriam aquelas indústrias que tiveram a vantagem da precedência e da participação no financiamento via substituição de importações que poderiam satisfazer os requisitos de crescimento requeridos durante o decênio de 1960 e, portanto, que chegariam em melhores condições para ocupar a expansão do mercado interno nacional. Em contraposição, as indústrias das regiões menos desenvolvidas teriam maiores dificuldades para mover-se com a necessária agressividade e aceder à tecnologia que se absorveu junto com a substituição de importações. Os bem conhecidos exemplos da regressão da indústria têxtil no Maranhão, bem como da estagnação e da regressão da indústria têxtil baiana de começos de século, seriam convergentes com estas observações: acrescentam argumentos a favor daquelas análises que inter-relacionam os sucessos no crescimento da indústria com o amadurecimento do sistema financeiro e com a modernização da estrutura da empresa.220 219

Fonte: Estimativas do IBGE e do Departamento de Estatística do Estado da Bahia. Observa-se que os dados da Contabilidade Social baiana elaborados pela SEI só existem a partir de 1975. Assim esses números devem ser tomados com reserva, pois não se conhece a metodologia adotada para o seu cálculo. 220 A indústria têxtil baiana (assim como a nordestina) não participou do processo de modernização do setor ocorrido na década de 1950 sob patrocínio do governo federal. Este processo foi determinante na elevação da produtividade e competitividade da indústria têxtil paulista que passou a colocar seus produtos no Nordeste com preço de venda inferior ao custo dos produtos aqui produzidos, para não mencionar a qualidade superior destes.

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Figura 23 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor da transformação industrial, pessoal ocupado e salários em segmentos selecionados, entre 1970 e 2000 (em %) Fonte: IBGE. Pesquisa industrial anual. Elaborado pelo autor.

Tabela 55 – Bahia: participação relativa das classes e gêneros da indústria referente ao valor da transformação industrial (VTI), pessoal ocupado (PO) e salários (SAL), em segmentos selecionados, entre 1970 e 2000

Fonte:IBGE. Pesquisa industrial anual. Elaborado pelo autor.

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Figura 24 – Bahia: pessoal ocupado entre 1970 e 2000 Fonte: IBGE. Pesquisa industrial anual. Elaborado pelo autor.

A despeito das perdas de oportunidade no processo de substituição de importações, a partir da década de 1940, contribuíram para o crescimento industrial do Estado alguns investimentos significativos, como a construção da Usina Hidroelétrica de Paulo Afonso e da Refinaria Landulpho Alves – Mataripe (RLAM), a criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Sudene. No terreno das ideias, é de se registrar a efervescência intelectual da época (já comentada neste livro) que culminou com a edição do Plandeb, a criação da CPE, etc. Segundo Pedrão (1998, p. 77): É fundamental observar que o modelo de industrialização da década de 1950 constitui, essencialmente, na captação do possível mercado interno para a transformação de matérias-primas locais abundantes e baratas, ignorando as possibilidades industriais de vantagens de localização, ou da criação de mercado, como passaria a ser a norma nos decênios seguintes.

De acordo com dados da SEI (ver Tabelas 56 a 58), entre 1976 e 1980, o Estado experimentou um notável ritmo de crescimento econômico com as taxas anuais do PIB na média aritmética de 8,9% atingindo 11,9% em 1978, e 9,4% em 1980. A atividade industrial que em 1976 correspondia a 17,4% do PIB sofre um acréscimo de 49% no período respondendo em 1980 por 26% do produto. A partir de 1981 as contas estaduais registram os efeitos da crise internacional sobre a economia 480

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brasileira e o impacto dos problemas gerados pela moratória da dívida externa. Nesses 20 anos transcorridos até o final do século a economia baiana cresceu em termos médios 2,5% ressaltando no período cinco anos com taxas negativas entre os quais se destaca o ano de 1987 com uma taxa de – 4,6 % devido a seca que se abateu sobre 78% do território do Estado e 57% dos seus municípios, provocando uma queda de 22,4% no produto agropecuário. (SEI, 2006 p.90). Entre 1981 e 2000 a participação da indústria no PIB estadual situou-se em torno da média de 27% atingindo em 1983 (um ano de crise com crescimento de – 0,2 do PIB) a participação de 33% graças ao desempenho da indústria de transformação que obteve um crescimento de suas vendas externas em 18% o que respondeu pelo crescimento dos ramos químico (8,9%); metalúrgico (11,4%) e produtos alimentares (5,6%) sendo este último o único com vendas para o mercado interno (SEI, 1996 p.65). Tabela 56 “ Bahia: produto interno bruto e per capita, índices e taxas de crescimento entre 1975 e 2000.

Fonte: SEI (2006, p.159) 19 A preços correntes. 2 A preços correntes.

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A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX

Tabela 57 – Bahia: estrutura do produto interno bruto (1975-2004

Fonte dos dados originais: SEI (2006, p.170). Elaboração do autor.

A agropecuária, a despeito de aparentemente ter declinado a sua participação no PIB estadual de 30,7% em 1975 para 10,7% em 2000, apresentou uma participação média entre 1975 e 2000 de 17% do produto estadual. O setor de serviços, como é freqüente, tem participação majoritária no PIB sendo a sua participação média no período de 1975/2000 equivalente a 58% chegando a 68,4% em 1998. Contudo, pelo menos no século XX, na Bahia, este setor não compreendia as atividades modernas e intensivas de tecnologia. O governo (Administração Pública) respondia em média por 11% do PIB estadual seguido pelo comércio (9,7%) e a construção civil (8,5%). Setores mais avançados como o de comunicações só começam a despontar a partir da década de 1990 assim mesmo atingindo apenas 3,3% do PIB em 1999. 482

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Figura 25 – Pólo Petroquímico de Camaçari. Fonte: Carlos Casaes/Agência A TARDE.

Tabela 58 – Bahia: participação percentual dos segmentos do setor serviços no produto interno bruto (1975-2000) (Continua)



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Tabela 58 – Bahia: participação percentual dos segmentos do setor serviços no produto interno bruto (1975-2000) (Continuação)

Fonte dos dados originais: SEI (2006, p.170). Elaboração do autor.

Voltando ao processo de industrialização do Estado considera-se que este tomou impulso na segunda metade da década de 1960 como decorrência dos esforços governamentais tanto do Estado quanto da União no período pós-64. Neste período quatro fatores influenciaram o crescimento industrial. A saber: a) o impacto inicial de uma política de industrialização fundamentada na construção dos distritos industriais do interior, do CIA e do Copec na RMS, combinada com a atração de investimentos mediante a oferta de externalidades nesses distritos industriais; b) o ingresso de substanciais transferências de recursos federais, através do BNDE, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (a fundo perdido) e do Sistema Financeiro de Habitação, o que ativou o mercado regional baiano, dada a realização de um impressionante conjunto de obras de infraestrutura física e urbano-social, de conjun484

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tos habitacionais e da montagem industrial, notadamente no CIA/Copec, que expandiram consideravelmente a criação de empregos; c) a disponibilização de financiamento público preferencial, através o sistema de incentivos fiscais federal e estadual, que promoveu uma transferência considerável de empresas, da região Sudeste para a Bahia, mesmo que revertida quando do esgotamento do prazo do benefício concedido; d)a integração dos projetos baianos com os do governo federal, notadamente no que se refere à petroquímica. Nesse período, consolidou-se o plano rodoviário federal para o Nordeste, com a pavimentação da BR – 116 (Rio – Bahia) e BR – 101 (Litorânea). Estas rodovias viabilizaram o modelo econômico regional em construção assegurando as condições para o escoamento dos intermediários fabricados na Bahia e no Nordeste em direção ao Sudeste, e o abastecimento, por este, do Nordeste e da Bahia, com os produtos de consumo final oriundos do seu moderno parque de indústrias. Nesse contexto, a construção do complexo rodoviário estadual, que possibilitaria a articulação das diversas regiões baianas, produzindo um impacto positivo na integração e expansão do mercado regional, apesar de planejada em 1950, não foi executada. A opção rodoviária executada coincidiu com o desmonte do sistema ferroviário estadual. A desativação da Estrada de Ferro de Nazaré e do Porto de São Roque do Paraguaçu, na baía de Todos os Santos, implicou na desarticulação do sistema de transportes que sustentara a produção têxtil e fumageira. Com isso, ficaram isoladas as bacias do Jaguaribe e do Jiquiriçá, indiretamente desestimulando o crescimento da região Sudoeste do Estado, cortando-se a relação interna entre a indústria têxtil e sua região supridora de matérias-primas.221 Contudo, este período ainda foi o mais importante da história econômica recente da Bahia e o seu movimento de industrialização, segundo a estratégia concebida no Plandeb, foi conduzido pela implantação das principais indústrias dinâmicas do Estado, como as da petroquímica (Copec/CIA), as metalúrgicas Usiba, Sibra e Alcan (no CIA), entre outras, produtoras de bens intermediários. 221

Posteriormente em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7º Região, que atendia ao Estado da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 km de linhas foi privatizada. Atualmente o sistema está inoperante e completamente sucateado.

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Figura 26 – Mapa rodoviário da Bahia Fonte: Spinola (2003).

À exceção da indústria química-petroquímica que gradativamente dominou a economia industrial do Estado, destacavam-se neste período, como segmentos altamente promissores, o siderúrgico e, sobretudo, os da metal-mecânica e elétrica. Entretanto, na década de 1990, o setor siderúrgico acabou não prosperando pela prioridade conferida pelo governo federal aos projetos deste setor implantados na região Sudeste. O mesmo ocorreu com a metal-mecânica, cuja limitação na Bahia não foi apenas de volume da demanda, mas de sua capacidade de estimular sua renovação e ampliação. Na ausência de uma indústria de bens de capital, como as 486

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Figura 27 – Sistema ferroviário da Bahia (desativado) Fonte: Spinola (2003).

de veículos ou a naval, ficou a metal-mecânica em completa dependência da indústria do petróleo. Só podia renovar seu capital e aprofundar sua especialização, na medida em que a Petrobras sustentasse suas compras, o que acabou não ocorrendo. Ao mesmo tempo, nesse período, definiu-se com total clareza o outro elemento fundamental da industrialização na Bahia: seu componente energético. A produção de energia na Bahia desenvolveu-se como um produto do potencial do rio São Francisco, de modo extremamente concentrado, restrito a um pequeno trecho do rio: 100 km dos 2.100 km de seu curso. Iniciou-se um programa de construção de usinas hidrelétricas que prosseguiria até hoje, estabelecendo uma estrutura de oferta e um sistema de preços subsidiados que regularam os custos da produção industrial. 487

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A política energética adotada condicionou o modelo industrial baiano porque o núcleo de indústrias de melhor nível tecnológico formou-se em torno da disponibilidade de gás e de nafta, portanto ligado à escala e ao perfil produtivo do setor petroleiro. A coincidência com o aumento da produção de energia hidrelétrica beneficiou a concentração industrial na RMS em detrimento de uma interiorização significativa do processo de industrialização. Esse fato veio a comprometer os distritos industriais do interior, que foram concebidos com um custo fixo de energia, ou sem explorar possíveis alternativas de combinação energética. Vem em seguida o fato de que a extensão do sistema hidrelétrico favoreceu os grandes compradores concentrados na área do CIA/Copec/RMS, mas seus efeitos não foram realimentados na agricultura nem na interiorização da indústria. Essa deficiência pôde ser compensada mediante promoção de projetos, mas foi praticamente abandonada, uma vez criado o complexo petroquímico. Por fim, a Bahia ficou praticamente excluída do modelo brasileiro de produção de álcool, operando com um elevado e crescente componente de importação de outras regiões. As restrições às miniusinas de álcool, incorporadas na política do Pro-Álcool, tiveram um efeito negativo profundo para a implantação de indústrias de pequeno e médio porte nas maiores cidades do interior. Esse modelo caracterizou-se, além disso, como o de um sistema em expansão, geograficamente concentrado, cujos efeitos se ampliaram à medida que se construíram as usinas do rio São Francisco. A localização desse sistema, com seu significado em termo de custos de distribuição de energia para as indústrias, tornou-se um traço distintivo da situação operacional das indústrias na Bahia, tal como se evidenciou nos decênios seguintes. Essa circunstância traduziu-se em alguns efeitos duradouros na industrialização baiana, que devem ser examinados, para uma melhor compreensão do processo de crescimento desse setor. O primeiro deles decorre de que as vantagens energéticas do núcleo central da indústria ficaram delimitadas pela própria composição tecnológica das fábricas, que só poderiam ser modernizadas ou alteradas se esse conjunto fosse ampliado e incorporasse outros componentes de tecnologia, com maiores efeitos locais indiretos. Houve pouca criatividade e pouca iniciativa de renovação nas indústrias tradicionais, tais como em oleaginosas e em fibras, assim como quase não houve aproveitamento significativo dos subprodutos das agroindústrias e dos 488

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Figura 28 – Sistema elétrico da Bahia – 2000 Fonte: Coelba – SME.

produtos de exportação. Casos como os do cacau, do sisal, do dendê, da mandioca, do coco são reveladores dessa carência de renovação tecnológica e de ampliação do mercado. O segundo efeito foi determinado pelo fato de a concentração territorial da produção de energia ter coincidido com a falta de diretrizes de política agrícola, conseqüência da virtual interrupção das políticas regionais e estaduais. Prevaleceram diretrizes de política que contemplavam projeto por projeto, orientadas pelo governo federal, que não corresponderam às características da produção por tamanho de propriedade e tipo de produto. Em terceiro lugar situa-se o fato de que o encaminhamento da política nacional de produção de álcool foi altamente prejudicial à industrialização na Bahia, concentrando seus benefícios em São Paulo, a par de ajudar as antigas zonas produtoras do Nordeste. A falta de uma política territorialmente distribuída de oferta de álcool contribuiu, ainda, para acentuar o atraso daquelas regiões tradicionais produtoras de cana-de-açúcar, como o Recôncavo, que nesse período passou por uma degradação e fechamento de suas usinas. Isto posto, o sistema industrial na Bahia estruturou-se com base no conjunto das vantagens embutidas na oferta de insumos derivados do petróleo e de uma oferta crescente de energia hidrelétrica que sustentou a articulação operacional do complexo petroquímico. 489

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O uso maciço de energia a preços administrados representou um subsídio significativo que operou a favor das empresas petroquímicas, usuárias desses energéticos, comparando-se com a estrutura de custos das demais empresas222 As décadas de 1980 e 1990 refletiram o que tem sido denominado “décadas perdidas” para o crescimento econômico da quase totalidade da América Latina. Na década de 1980, a economia brasileira ficou na dependência dos reajustes impostos pelas duas crises mundiais do petróleo, que funcionaram como indutoras de um reordenamento muito mais amplo dos controles internacionais de mercado, a partir de grandes políticas de gestão energética nos países mais ricos, do controle do consumo de energia e do crescimento da informática. Com a introdução dos controles digitais e investimentos maciços em técnicas de conservação de energia e de energéticos, os países mais industrializados deslocaram as condições internacionais de concorrência, abriram novas oportunidades de investimento em renovação tecnológica e, especificamente, nas tecnologias guiadas pela proteção do meio ambiente. Atualizar-se tecnologicamente tornou-se mais caro, para países e empresas, levando os mais ricos a estratégias que evoluíram ao longo desse período, desdobrando-se de diversos modos no sistema de produção, estabelecendo, consequentemente, consideráveis vantagens competitivas vis-à-vis os países em processo de crescimento. Esses fatores obrigaram as empresas a uma reorganização produtiva muito maior que a indicada por suas necessidades de reposição de capital. Por sua vez, isso determinou um atraso no atendimento de necessidades sociais, acumulando uma dívida pública, externa e interna, que, com os custos sociais da própria política de estabilização, tomou a forma de uma dívida social que se projetou sobre os anos seguintes até a atualidade. Para os países subindustrializados como o Brasil, essa pressão adicional traduziu-se numa ampliação de seu atraso relativo em investimentos em infraestrutura, limitando sua capacidade de competir em mercados internacionais. A despeito da crise econômica das décadas de 1980 e de 1990, manteve-se a predominância do conjunto químico e petroquímico na 222

Dados do balanço energético estadual para 1993 indicavam que os grandes compradores de energia pagavam em preços que equivalia a um terço dos custos de produção desse insumo.

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economia estadual. Este conjunto industrial condicionou inclusive as pequenas empresas dos ramos de serviços e ganhou dimensões que lhe permitiram substituir a produção cacaueira como líder da economia estadual. No ano 2000 (ver Tabela 54), respondia por 51,9% do VBP do gênero das indústrias dinâmicas, sendo acompanhado pelo refino de petróleo com 22,1 % e, a distância, pela metalurgia básica (8,8%) e a produção de celulose (5,9%). Observe-se que este conjunto, que deve englobar um número reduzido de indústrias vis-à-vis o restante do parque industrial baiano, respondia, no final do século XX, por 89% do valor bruto da produção do segmento dinâmico da economia industrial do Estado e 53,2% do valor bruto da produção industrial baiana. Nestes termos, respondeu consideravelmente pelo PIB da indústria que em 2000 correspondia a 27% do PIB estadual.223 Porém, como indústrias intensivas de capital não contribuem significativamente na geração de empregos, a petroquímica, que chegara a responder por algo em torno de 26 mil empregos em 1982, caiu para cerca de 11 mil no final do século.224 Desde seu início, imaginava-se que o complexo petroquímico poderia funcionar a partir de relações interindustriais em que as externalidades do conjunto produziriam a inclusão de indústrias de terceira. e quarta gerações a jusante, responsáveis por projetos que seriam desdobramentos da árvore genealógica de cada produto e seriam responsáveis pela incorporação de substancial valor adicionado. O aproveitamento pleno dos produtos e subprodutos derivados de cada árvore seria um elemento essencial a viabilidade econômica do conjunto. Assim, a criação de projetos novos, a jusante dos existentes, seria mais importante para a viabilidade do complexo que o aumento da produção em qualquer dos seus componentes. Contudo, a falência desse modelo direcionou as estratégias empresariais para o aumento de produção no mesmo perfil tecnológico, alterando a proposta inicial no conceito de complexo, o que

223

O peso do parque industrial baiano na composição do PIB estadual é função de um conjunto bastante reduzido de empresas do COPEC e do CIA (algo em torno de dez) e da Refinaria Landulfo Alves – Mataripe que isoladamente respondia, em 2000, por 17,7 do Valor Bruto da Produção Estadual e 31,4% do Valor da Transformação Industrial do Estado (Tabela 54). Caso, em um exercício, se abatesse do produto industrial a participação desse conjunto reduzido de fábricas que na prática constituem um enclave industrial no Estado, a participação do setor seria reduzida à metade do valor atualmente registrado. 224 Segundo o sindicato da área.

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demonstra a necessidade de uma revisão do processo de planejamento do sistema regional em seu conjunto.225 A partir da oferta de gás natural e nafta, o complexo petroquímico compreende uma etapa de produtos básicos, outra de produtos intermediários, em que predominam produtos que não são considerados como mercadorias, e outra ainda, de produtos intermediários “finais”, os das fábricas locais, que simplesmente encontram preços para mercado aberto. A diminuição de vantagens para venda no mercado interno, na década de 1990, tornou-se determinante dos rumos seguidos pelas empresas do complexo petroquímico. A contração da economia brasileira, junto com o desaparecimento de compensações através de financiamento público, subsídios e reserva de mercados, levou a mudanças decisivas no desempenho dessas indústrias no mercado. Desde o início desta década, as indústrias do complexo petroquímico foram levadas a um profundo reajuste, que pode receber diversas explicações, mas que, no essencial, significou redução de custos e busca de alternativas comerciais, principalmente mediante exportações. As imposições do mercado coincidiram com ajustes na composição do capital e com compras de participação em empreendimentos – que aqui aparecem como empresas –, determinando um retraimento das empresas para novos investimentos que não estivessem justificados por suas atuais linhas de produção. A reorientação das empresas para ampliar sua presença no mercado decorre de um realinhamento que revelou depender principalmente de seu desempenho comercial. A privatização desse setor tem marcado uma intensa atividade dos grupos empresariais na busca de composições acionarias que lhes assegurem a sobrevivência neste estratégico setor, o que não significa, necessariamente, perspectivas de crescimento nos próximos anos.

225

Teoricamente, a questão levantada pelo Complexo Petroquímico de Camaçari envolve um tipo de desdobramento da polarização de investimentos que foi antevista na teoria dos polos de crescimento (Hermansen, 1970), entretanto não explorada, relativa à necessidade de que o progresso tecnológico seja compatível com a evolução do mercado e avance ao mesmo ritmo que as transformações do mercado. Noutras palavras, para sustentar o sucesso do complexo petroquímico seria indispensável avançar na direção da indústria de transformação final e da química fina, independentemente da eficiência econômica dos empreendimentos hoje operacionais, fato que não ocorreu a despeito dos esforços despendidos pelo Governo do Estado.

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Comparativamente, no espaço regional, e especificamente no contexto do Nordeste, esse perfil da indústria baiana contrasta fortemente com o dos demais estados, especialmente com o do Ceará, onde a expansão industrial fez-se a partir da proliferação de fábricas de pequeno e médio porte, quase todas de bens de consumo duráveis. A inclusão de indústrias intermediárias fez-se a partir dessa base de pequenas e médias indústrias, com um perfil tecnológico e de emprego mais disperso que o da Bahia, com uma base regional e de infraestrutura mais frágil, mas acumulando vantagens de localização e de comercialização em torno das empresas de médio e pequeno porte. Persiste, em todo caso, o problema central de reanimação do segmento de indústrias intermediárias, em condições de robustecer os efeitos de multiplicador na economia da região. Outro aspecto a observar é que, com o desdobramento de movimentos iniciados na década de 1970, a industrialização na Bahia seguiu padrões mais fortemente determinados pelo reordenamento de posições de empresas, cada vez mais dependentes de demanda de capital, forçada pelas empresas líderes mundiais. No plano internacional da globalização do mercado de capitais, um aprofundamento do controle da produção e difusão de tecnologia modificou as perspectivas da indústria brasileira em seu conjunto, especificamente da indústria na Bahia. Nesse sentido, é fundamental observar que a tentativa de industrialização polarizada na Bahia, de fato realizada na década de 1970, surgiu justamente quando se acelerava esse reordenamento mundial da produção industrial, ficando, portanto, previamente condenada a um envelhecimento tecnológico precoce, que foi reforçado pela estrutura organizada a partir do sistema tripartite de constituição do capital das empresas e sustentado pelo oligopólio do sistema Petroquisa, que garantiu preços subsidiados de matéria-prima (nafta). O peso relativo do valor da matéria-prima na composição dos custos dessas empresas será um fator preocupante, quando essas forem exigidas a participar com mais agilidade no mercado do capital globalizado.25 Por outro lado, a elevada mortalidade de empresas, registrada nos distritos industriais da Bahia, notadamente no Centro Industrial 226

A isto já se referia a exposição de motivos ministerial n. 213 de 15.09.1971, fundamentada em livros de consultorias técnicas internacionais realizadas em 1969.

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de Aratu (CIA), ao longo desse período, não se deveu somente ao encerramento de uma fase de aproveitamento especulativo dos subsídios e dos incentivos fiscais, mas, também, a autênticos problemas de administração de empresas, que vão desde a gestão insatisfatória dos negócios e da inadequação tecnológica dos processos e equipamentos às dificuldades de financiamento. Os problemas hoje enfrentados na promoção de novas empresas, sob diversas formas, encaram, precisamente, essas questões que ligam a eficácia gerencial ao quadro de financiamento e os usos adequados de tecnologia. Mas o endurecimento do ambiente competitivo internacional, paralelo à perda de capacidade de financiamento do Estado, pôs a nu as dificuldades internas, tanto as do próprio setor petroleiro e petroquímico, para subsidiar a indústria polarizada, como problemas de gestão das empresas, decorrentes do desenho institucional e das bases culturais das empresas envolvidas nesse processo. Verificaram-se perdas substanciais de diversas empresas e várias falências no trajeto que levou ao reordenamento da capitalização e da operacionalidade do setor. Entre 1980 e 2000, a indústria baiana sobreviveu num ambiente de mudança de mercado em que passou de uns 80% de vendas a um mercado interno oligopolizado, a ter que vender proporção equivalente concorrendo no ambiente internacional controlado por produtores de maior porte. As questões relativas à eficiência vinculam-se às empresas em seu conjunto e não somente a suas operações fabris. Isso significa que, nesse período, a industrialização na Bahia passou, novamente, a depender diretamente de ajustes na economia nacional em um dos seus setores mais sensíveis, em que o realinhamento do capital se fez mediante investimentos de alta densidade de capital e alta tecnologia. Por extensão, isto significa, ainda, que o perfil da indústria implantada no complexo de Camaçari rapidamente tornou-se parte dos movimentos mais acelerados de concentração de capital no país. O movimento de concentração de capital ocorreu no setor químico e na formação da rentabilidade do setor petroleiro, em que foi atingido por dois acontecimentos fundamentais, que foram o crescimento da produção de petróleo e gás na bacia de Campos e a privatização do setor petroquímico. A exploração da bacia de Campos praticamente reduziu a vantagem inicial do Complexo Petroquímico de Camaçari à de sua escala original de produção, 494

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que não correspondia às escalas de mercado de duas décadas depois. Desde então, o quadro de vantagens de localização, de indústria polarizada, passou a depender das políticas de investimento da Petrobras na Bahia, que logicamente são parte de decisões inseridas num referencial externo ao Estado. A privatização significou que a Petrobras deixou de poder compensar subsídios de preço de gás natural, portanto, reduzindo o grau de competitividade do segmento que dependia de seus insumos. No conjunto, e em termos do valor bruto da produção, a indústria química-petroquímica na Bahia passou de uma participação 34,6% em 1970 para 59,5 em 1980, declinando para 41,5% em 2000. Esses resultados refletem duas situações completamente diferentes, que são as do período áureo de funcionamento da indústria petroquímica (beneficiada pelo mecanismo de incentivos e subsídios obtido no período) e, posteriormente, o reflexo da crise econômica das décadas de 1980 e 1990 e os reajustamentos que o setor foi obrigado a promover, como foi assinalado nos parágrafos anteriores. Um aspecto crítico da industrialização na Bahia é que as indústrias metal-mecânicas, elétricas e outras do gênero dinâmico não geraram produtos finais próprios, nem alcançaram capacidade própria de exportar. Isso significou que os efeitos de multiplicador dos investimentos no Estado foram interrompidos, resultando em desindustrialização nesses setores. Por seu turno, o conjunto das indústrias de celulose, papel e papelão, que vem gradativamente ganhando espaço na pauta de exportações do Estado, constituem-se na prática num outro enclave com pouca ou nenhuma contribuição para o desenvolvimento regional. Essas indústrias têm produzido efeitos colaterais bastante discutíveis em termos ambientais no extremo sul do Estado, onde se concentraram. Ao induzirem atividades na agricultura, na qual se registram numerosos projetos de reflorestamento voltados especificamente para abastecê-las, desestabilizam a agropecuária ao promover uma drástica redução de terras antes agricultáveis, gerando desemprego e agravamento da pobreza rural na área. Os dados disponíveis mostram também um crescimento do ramo de vestuários, calçados e artefatos de couro, que é realizado quase exclusivamente por pequenas empresas, do gênero footlose. No conjunto, é uma atividade responsável por emprego e por ocupação informal de grande porte no contexto da região. Estas indústrias, atraídas pelas políticas de incentivos fiscais, não asseguram 495

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maiores desdobramentos a médio prazo (do gênero formação de clusters) pela sua dispersão no território do Estado, provocada em decorrência de critérios políticos. A agroindústria é um componente fundamental em qualquer composição da industrialização na Bahia, desde sua forma tradicional a suas modalidades mais dinâmicas. Contudo a avaliação desse campo é extremamente imprecisa a partir de dados agregados, que não revelam nem a problemática da formação de um complexo agroindustrial, nem a do encadeamento tecnológico entre os diversos níveis de operacionalidade, entre os segmentos agrícola e industrial e entre grandes e pequenas empresas. No período de 1980 a 2000, a agroindústria na Bahia passou por grandes transformações, compreendendo movimentos ascendentes e declinantes de seus diversos componentes. Observam-se claras diferenças entre as agroindústrias tradicionais, que de fato consistem na transformação de produtos tradicionais de exportação, as agroindústrias que, no essencial, consistem na transformação de produtos para mercado interno, geralmente como parte de estratégias de empresas, para incorporar valor agregado a bens de consumo e, finalmente, as agroindústrias que são parte de cadeias industriais de produção mais amplas, que se integram na produção de bens de capital, ou para sustentar indiretamente formas mais complexas de consumo. No primeiro grupo, estão as indústrias ligadas ao aproveitamento de cacau, cana de açúcar, mamona, laranja e outros. No segundo grupo, estão as indústrias de laticínios, ou derivados de frutas, etc. No terceiro, colocam-se a agroquímica de oleaginosas e as indústrias de fibras. Na Bahia, entre 1980 e 2000, estes três grupos tiveram desempenhos que foram afetados por mudanças aceleradas nas tecnologias dominantes em cada uma dessas linhas de produção e por problemas localizados no segmento agrícola do conjunto agroindustrial. Estes fatos sugerem que o setor enfrenta problemas na verticalização da sua produção industrial e na defasagem tecnológica da agricultura. No caso dos óleos vegetais, por exemplo, registram-se dificuldades consideráveis a curto prazo, relacionadas com os baixos rendimentos e com a falta de controle de qualidade na agricultura, que restringem em muito as margens de produtos aproveitáveis pela indústria. O setor continua na dependência de um mercado internacionalmente controlado na fixação dos preços dos produtos 496

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Figura 29 – Mapa agrícola da Bahia (2000) Fonte: Seagri-BA.

semielaborados, que regule a economicidade do aproveitamento das diversas matérias-primas. O dendê é outro exemplo nesse particular. No período considerado, a industrialização do dendê passou de um ambiente de mercado altamente favorável a outro desfavorável, por movimentos de preços desse tipo, que pouco tiveram a ver com a eficiência fabril dessa atividade. A predominância do extrativismo contribui em muito para isso, determinando uma oferta irregular de matérias-primas. A importância dos diversos gêneros industriais para a economia do Estado pode ser aferida de diversos modos, dentre eles, por seus efeitos na geração de renda e tributos, por seu impacto tecnológico e por seu efeito emprego, o que deve criar condições para um novo estágio de crescimento. Na perspectiva da região importam os efeitos indiretos das indústrias em seu conjunto com o multiplicador de suas despesas totais, bem como seus efeitos indiretos para o funcionamento e a implantação de outras indústrias. Nesse sentido, é preciso levar em conta o efeito da intensificação das relações entre indústrias, que se obtém da difusão da demanda oriunda das indústrias de bens intermediários. Na industrialização na Bahia, distinguem-se dois momentos de modificação mais profunda dessa internalização do efeito multiplicador. No 497

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período de 1970/1980, caracterizado pela criação do CIA/Copec, em que a coesão entre indústrias foi dada apenas pela demanda local da Petrobras, houve uma elevada dispersão dos efeitos das diversas indústrias, sendo que a maioria delas foi atraída por vantagens fiscais e pelas externalidades oferecidas. Um segundo momento, a partir de 1981, foi caracterizado pela predominância do setor petroquímico, que se organizou com a perspectiva de aprofundamento tecnológico em indústrias de terceira e quarta geração, nesse mesmo gênero de produção, notadamente a de produção de bens finais, mais intensiva em mão-de-obra, o que não ocorreu. Mas, com a conclusão do ciclo de expansão desse conjunto, que passou a enfrentar custos crescentes no mercado interno, surge a necessidade de um novo momento, em que a região disponha de outro referencial para internalizar os efeitos indiretos de investimentos, de forma mais resistente às flutuações cíclicas que marcaram os diferentes estágios do seu crescimento industrial nesta segunda metade do século XX. Esta necessidade coincide com algumas mudanças fundamentais no quadro da infraestrutura que respalda a indústria. Na Bahia, a indústria expandiu-se num ambiente marcado por uma produção crescente de energia elétrica, que foi ofertada a preços especiais para os grandes consumidores, com a conclusão das grandes usinas do rio São Francisco e com a privatização do setor elétrico. No entanto padece de estrangulamentos sérios no seu sistema rodoferroviário e portuário que estrangulam o giro de insumos e de produtos e lhes retiram competitividade, fazendo com que muitos empreendimentos direcionados para o Nordeste prefiram localizar-se em outros estados, como Pernambuco. As perspectivas da indústria estarão pois ligadas à superação desses entraves. É importante lembrar ainda que, para alcançar um patamar autossustentável de internalização do efeito multiplicador na região, é preciso obter resultados significativos no plano da matriz tecnológica do Estado, com a elevação de padrões tecnológicos na base do sistema produtivo e a ampliação do leque de tecnologias utilizadas. Tal resultado, contudo, é de obtenção bastante difícil a médio prazo, tendo em vista a fragilidade estadual nas áreas de pesquisa e crescimento de tecnologia. Para concluir, não custa repetir que a planejada indústria polarizada em distritos industriais, notadamente o CIA e o Copec, transformou-se num enclave que pouco tem a ver com a grande 498

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parcela da população que gravita entre o desemprego e a informalidade, sobrecarregando extraordinariamente a infraestrutura urbano-social que não teve tempo nem recursos para acompanhar o seu crescimento e suportar as suas demandas. Nesse contexto, a questão do tipo de industrialização tornouse fundamental na Bahia, na medida em que se tornaram evidentes estes resultados dos componentes do sistema de produção, que se acumularam ao longo do tempo, desde remanescentes do primeiro movimento da indústria têxtil, aos atuais, que correspondem aos desdobramentos locais de estratégias de localização de fábricas específicas, decididas internacionalmente segundo as conveniências do capitalismo mundial.

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CONCLUSÃO Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela E oculta mão colora algo em mim. Pus a alma no nexo de perdê-la E o meu princípio floresceu em Fim. (Fernando Pessoa, 1981, p.127)

Pela metodologia adotada, este livro vem sendo concluído desde o primeiro título. Isto porque poderiam ser cinco livros em lugar de um, tão vasto o período que se propôs a explorar, todos eles confirmando uma tendência para a pobreza que começa a prosperar no território baiano desde 1763, quando decidiram daqui tirar a capital do país, transferindo-a para o Rio de Janeiro, e de 1808, também quando para lá fugiu a corte portuguesa, com D. João VI à frente, tangidos da Europa por Napoleão Bonaparte.227 No primeiro título, traçou-se um quadro do turbulento século XIX que daria a marca da personalidade de nossa sociedade, particularmente da elite governante, irreverente e profeticamente tratada por Gregório de Matos, desde o século XVII, quando dizia (citado em BOSI, 2006, p. 37): A cada canto um grande conselheiro. que nos quer governar cabana, e vinha, não sabem governar sua cozinha, e podem governar o mundo inteiro. Em cada porta um freqüentado olheiro, que a vida do vizinho, e da vizinha pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha, para a levar à Praça, e ao Terreiro. Muitos mulatos desavergonhados, trazidos pelos pés os homens nobres, posta nas palmas toda a picardia. Estupendas usuras nos mercados, todos, os que não furtam, muito pobres, e eis aqui a cidade da Bahia.

Mas cabe responder às questões que foram formuladas na Introdução. Por que a Bahia não se desenvolveu como era desejado pelos seus planejadores e governantes, apresentando, na atualidade, um quadro dramático de desigualdade social e de concentração da ren227

Ver capítulo 1.1.

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da? Até onde foram as classes empresariais e as administrações estaduais responsáveis pelo quadro socioeconômico atual da Bahia? Poderiam realmente ter determinado rumos diferentes para o Estado? Será que o famoso enigma baiano, sobre o qual se debruçaram importantes pesquisadores da economia estadual em busca das causas para a sua decadência e estagnação, na primeira metade do século XX, foi efetivamente superado com o novo surto de progresso dos anos 1970? Ou apenas foi substituído por novos e intrincados desafios não superados pela iniciativa privada e o planejamento estatal? Uma resposta singela a todo este questionamento é sim, a Bahia poderia viver uma realidade diferente da atual, ou seja muito melhor do que a existente, se todo o conjunto de hipóteses explicativas da sua problemática não fossem confirmadas pela história. Conforme ficou demonstrado no Título II, o badalado enigma baiano não passou de uma frase de efeito, das muitas que celebrizaram o então governador Octávio Mangabeira (1947-1950). As razões da perda de dinamismo da nossa economia e da preservação secular da pobreza de parcela majoritária da nossa população estão ali alinhadas. Não se tratou de uma causa isolada, mas de uma conjunção de causas que interagiram e se fortaleceram ao longo do tempo. Os efeitos perversos do colonialismo português e do imperialismo britânico, a escravidão e a formação das nossas elites, alicerçadas pelo capitalismo mercantil, já seriam motivos suficientes para carimbar o nosso destino de periferia subdesenvolvida. A transição de um modelo agroexportador, esgotado pelas limitações das vantagens comparativas e pela dependência dos produtores de açúcar, algodão, fumo, café, sisal e cacau aos preços externos, para um novo processo de integração extrarregional, nos moldes do que se estabeleceu na Bahia a partir dos anos 1950/1960, não propiciou alternativas de desenvolvimento econômico ao Estado. Era tarde demais. Perdemos o “bonde da história” (ou o timing como pretendem os mais sofisticados). O máximo que conseguimos foi a promoção de um crescimento econômico como metástase da expansão capitalista da região Sudeste, que se caracterizou em 2000, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, por uma brutal concentração da renda onde os 20% mais ricos se apoderavam de 70,2% das riquezas produzidas no Estado (Indice de Gini igual a 0,67) e a proporção de pobres2 na população estadual 502

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atingia a marca de 55,3%. Nesse final do século XX, ainda segundo a mesma fonte aqui citada, o Indice de Desenvolvimento Humano Municipal da Bahia era de 0,688. Ou seja, “a Bahia vai bem” de célebre jingle político da década de 1980, ocupava a 22ª. posição no rank dos 27 estados brasileiros. Os movimentos do capitalismo internacional e as circunstâncias decorrentes processo de desenvolvimento estadual ao longo do período examinado, também condicionaram e limitaram a eficácia das políticas e do planejamento econômico estadual, que objetivavam a promoção do desenvolvimento da Bahia, contribuindo significativamente para o desequilíbrio inter-regional de emprego e renda. Em verdade, salvo honrosa exceção no governo de Góis Calmon (1924-1928) até a Revolução de 1930, não tivemos políticas governamentais que objetivassem a promoção do desenvolvimento da Bahia. O planejamento econômico, como foi visto, só se implantou no Estado a partir do governo de Antonio Balbino (1954-1958). O que predominou durante a Primeira República foram disputas pelo poder, que se travaram entre “gonçalvistas”, “vianistas”; “severinistas”, “marcelinistas”, “seabristas” e “ruisistas”, as quais revelaram-se um autêntico jogo de soma zero, no qual, na prática, ninguém ganhou e a Bahia perdeu muito no cenário nacional, segundo Octávio Mangabeira, em sua primeira mensagem de 1947 à Assembléia Legislativa da Bahia. Por isso mesmo, Getúlio Vargas, incorporando o espírito modernizador da Revolução de 1930, acabou preterindo a todos os oligarcas baianos, afastando-os do poder durante o seu longo período ditatorial. Mas, nem por isto, conseguiu modernizar a Bahia. Foi realmente impressionante a intensidade do conflito que envolveu as lideranças baianas até os anos 1930. Toda uma considerável energia e capacidade política que poderia convergir para beneficiar o Estado, mediante projetos que promovessem seu desenvolvimento, foi desperdiçada em disputas movidas por interesses pessoais, ciúmes, vinganças políticas, intrigas, conspirações e outras atitudes negativas que, vistas de hoje, desmerecem vultos históricos como Ruy Barbosa, Luis Viana, Severino Vieira, José Marcelino, Araújo Pinho, J. J. Seabra, Antonio Moniz de Aragão e, mais recentemente, Juracy Magalhães e Antonio Carlos Magalhães. Em 1958, já no final do governo Antonio Balbino, quando a CPE de Rômulo Almeida elabora o Plandeb, não havia mais como 228

Medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior à metade do salário mínimo vigente.

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recuperar o tempo perdido pela Bahia no processo de crescimento da economia brasileira. Ademais, as ações desenvolvidas na segunda metade do século XX, na formulação das políticas públicas e no planejamento econômico estadual, não obtiveram o sucesso almejado ao conferir prioridade ao princípio da geração de externalidades e de concessão de subsídios através de incentivos fiscais, tratandoos como elementos suficientes para a implantação e o desenvolvimento de parques industriais e elegendo a grande indústria produtora de bens intermediários, como o “motor” do desenvolvimento regional. Esta política, como se verifica no Título V, resultou na geração de uma base monoindustrial no Estado, fundada no segmento químico/petroquímico que assumiu a forma de um enclave. Quanto ao papel da política macroeconômica do governo federal, discriminatória, ao longo do século XX, para com a Bahia, outra hipótese assumida neste livro, observe-se, em primeiro lugar, que, no passado, este frequentemente se envolvia nas querelas provinciais, respondendo por uma parcela de responsabilidade nos descaminhos políticos baianos, como ocorreu, por exemplo, nas administrações dos presidentes Hermes da Fonseca (1910-1914) que mandou bombardear Salvador e Epitácio Pessoa (1919-1922), com o acordo irresponsável com os “coronéis jagunços” do sertão baiano em 1920, by-passando radicalmente o governo estadual, o que veio contribuir sensivelmente para a concentração das atividades dos governos no que viria ser a Região Metropolitana de Salvador, abandonando-se o interior a sua própria sorte e, por fim, Arthur Bernardes (1922-1926), com a intervenção federal na Bahia, movido pela sua inimizade com J. J. Seabra. Em segundo lugar, isto se confirma a partir da política cambial posta em prática depois de 1930, a qual constituiu um verdadeiro sangramento das finanças estaduais em benefício do governo federal, que, desse modo, obteve as divisas baratas, para atender a suas necessidades administrativas, ou mesmo a sua política econômica, geralmente traçada com absoluta insensibilidade para com o interesse do estado e da sua população229. Ademais, a Bahia não participou do processo de substituição de importações nem foi contemplada pelo Plano de metas de Juscelino Kubitschek230, justamente quando ocorria o take off da economia brasileira. 229 230

Ver Clemente Mariani, no título II , capítulo 2.2. A construção da BR-116 , Rio-Bahia , inserida no programa rodoviário de JK foi um atendimento ás demandas do parque industrial paulista ansioso para atingir os mercados nordestinos com os produtos de suas fábricas, muitas com capacidade ociosa.

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E assim, em termos concretos, a Bahia está muito longe de atingir o estágio de desenvolvimento social almejado,reunindo, de um lado, um conjunto poderoso, mas reduzido de fábricas produtoras de bens intermediários, que respondem majoritariamente pelo valor bruto da produção e da transformação industrial e, do outro, uma miríade de micro– e pequenas empresas sem expressão econômica. Segundo Almeida (1977, p. 43), a participação da Bahia no total da produção da indústria nacional, apurada no Censo de 1920, era de 2,8 %, caiu, no Censo de 1940, para 1.3 % e, segundo o IBGE, em 1985, correspondia a 3,8%. Em 1990, quando o Polo Petroquímico de Camaçari já operava a plena carga, esta participação situava-se em 4% declinando no ano 2000 para 3,75%. Esta é uma tendência histórica que todos os esforços desenvolvimentistas dos últimos cem anos da história baiana não conseguiram reverter. Em termos culturais, ficou claro que o problema também finca suas raízes na escravidão, uma herança maldita do processo colonizador, que resultou na cristalização da secular pobreza local na formação de uma estrutura política cujo estamento social dominante, representado por uma elite agrocomercial e financeira conservadora, inibiu a formação de um capital humano qualificado; a mobilidade social de parte considerável da população, transformada em um “exercito industrial de reserva” disponível para funções subalternas; a formação de uma classe média local e o surgimento de um mercado interno significativo, o que, em última instância, impediu as condições de ocorrência de um processo de desenvolvimento endógeno. Finalizando, observa-se que o contexto marcado por todas as limitações aqui descritas explica a ausência de capital, de poupança e de recursos para investimentos. Explica também a formação, cada vez mais intensa, de uma economia informal, que se amplia como submersa (em sua vertente criminosa), na medida em que o tráfico de drogas já consolida um estado dentro do Estado, em cumplicidade com as “bandas podres” cada vez mais significativas da Polícia e da máquina estatal. Na capital, e não há porque ser diferente nas grande cidades do Estado que reproduzem o modelo, assiste-se, exemplarmente, à divisão do espaço urbano (SANTOS, M. 1979), convivendo em duas cidades distintas. Uma, no “circuito superior”, criada pelo capitalismo monopolista e voltada para relações externas à cidade e mesmo à região, tendo por cenário o país e o exterior; e outra, num “circuito inferior”, 505

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formada pelos excluídos e dominada por atividades de pequena expressão que mobilizam a população pobre da cidade e se enraíza na região. Isto resulta na inexistência de um mercado interno que ofereça escala e sustentabilidade a um parque industrial produtor de bens finais. Espera-se de quem se der ao trabalho de ler este livro a percepção da grave responsabilidade da sociedade baiana, notadamente da sua elite econômica e política para com o futuro da Bahia, que continua sendo um Estado periférico, subdesenvolvido e tão dessemelhante quanto o retratado por Gregório de Matos no século XVII e cantado por Caetano Veloso no século XX. Permanecendo nos primórdios do século XXI a incompetência e indiferença coletiva que foram a marca registrada do século passado e que, com todas as causas aqui alinhadas, fizeram a Bahia perder a trilha do seu desenvolvimento, o prognóstico é de um futuro sombrio. A manutenção de um status quo de pobreza e de miséria cobrará um preço cada vez mais alto à segurança e qualidade de vida dos cidadãos, na medida em que o crime organizado florescer, adubado pela falta de perspectivas e o desencanto de muitos e assumir, sorrateiramente, o comando efetivo do Estado. Porém, para não encerrar sem uma palavra de esperança, afinal ela é a última que morre, vale tomar emprestado do empresário Norberto Odebrecht (2005, p. 17) a citação do poema de D. Helder Câmara que, segundo ele, “Barachisio Lisboa costumava citar quando nos deparávamos – na Empreendimentos da Bahia – com obstáculos que pareciam intransponíveis”: Até o fim Não, não pares. É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças É não desistir. Podendo ou não podendo, caindo, embora aos pedaços, chegar até o fim.

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