A UTILIZAÇÃO DA ELASTICIDADE-PREÇO DA DEMANDA NO GERENCIAMENTO DA IRRIGAÇÃO DO ARROZ

July 3, 2017 | Autor: Jussara Cruz | Categoria: Price Elasticity, Rio Grande do Sul
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A UTILIZAÇÃO DA ELASTICIDADE-PREÇO DA DEMANDA NO GERENCIAMENTO DA IRRIGAÇÃO DO ARROZ Francisco Rossarolla Forgiarini1; Jussara Cabral Cruz2 Resumo – Esta última década nos trouxe uma significativa intensificação nos estudos de cobrança pelo uso da água. Entretanto, poucos estudos abordam a racionalização no uso da água obtida com a utilização desse instrumento de gestão. O presente trabalho procura discutir a utilização da elasticidade-preço da demanda a fim de auxiliar o gerenciamento da irrigação do arroz. Para tanto, será analisada a aplicação da cobrança pelo uso da água na agricultura, os aspectos teóricos da elasticidade-preço da demanda, as variáveis que influenciam a demanda de água na irrigação do arroz e um estudo sobre a aplicação da elasticidade na agricultura. Conclui-se, por meio da revisão efetuada, que a demanda de água pode ser considerada muito elástica para o arroz irrigado no estado do Rio Grande do Sul, verificando-se que existe grande margem para estabelecimento de economias no uso a partir da introdução de processos produtivos mais eficientes. Além disso, constatou-se que para calcular estatisticamente a curva de demanda é preciso enfrentar dois tipos de problemas: o primeiro é conseguir os dados e o segundo a transformação dos dados no modelo. Abstract – That last decade brought us a significant heightion in the studies on raw water charges. However, few studies approach to rationalise in the use obtained with the utilization of that instrument. The present paper aims to discuss the utilization of the price elasticity of the demand for help the management for the irrigation of the rice. For so much, will be analyzed the application of the raw water charges in the agriculture, the theoretical aspects of the price elasticity of the demand, the variables that influence the demand of water in the irrigation of the rice and a study about the application of the elasticity in the agriculture. Concluded, by means of the revision performed, that the demand of water can be considered big elastic for the rice irrigated in the state of the Rio Grande do Sul, verifying itself that big margin for establishment of economies exists in the use, from the introduction of most efficient productive trials. Beyond that, established himself that for calculate statistically the curve of demand is necessary face two kinds of problems: the first one is going to obtain the datas and the second the transformation of the datas in the model. Palavras-Chave – elasticidade-preço, cobrança pelo uso da água, irrigação do arroz. 1

Mestrando da Universidade Federal de Santa Maria. Departamento de Hidráulica e Saneamento, CTLAB, sala 539. Campus Camobi. Cep: 97105900. Santa Maria/RS. Fone (55) 220-8886. [email protected] 2 Professora da Universidade Federal de Santa Maria. Departamento de Hidráulica e Saneamento, CTLAB, sala 539. Campus Camobi. Cep: 97105900. Santa Maria/RS. Fone (55) 220-8886. [email protected] 1 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

INTRODUÇÃO A agricultura é a atividade humana que mais consome os recursos hídricos do planeta, devido, principalmente, à atividade de irrigação do arroz. No estado do Rio Grande do Sul, maior produtor de arroz do Brasil, o sistema de irrigação é feito tradicionalmente por inundação contínua, causando um déficit hídrico nos meses de plantio. Dessa forma, segundo Weber (2000), a pouca disponibilidade de água tem sido um fator limitante para a expansão da área cultivada no Estado, sendo de fundamental importância a busca da otimização no uso dos recursos hídricos nas lavouras. No sistema de irrigação por inundação contínua, a quantidade de água recomendada para suprir a necessidade da cultura do arroz varia de 1,5 a 2,0 L/s/ha, para um período médio de irrigação de 80 a 100 dias (IRGA, 2001). Caso seja considerado um consumo de 1,75 L/s/ha para um período de 80 dias, são necessários cerca de 12.000 m³ de água para suprir cada hectare cultivado. Entretanto, o que se observa na prática e em estudos realizados é que este valor é muito variável. Weber (2000) relata volumes que variam de 5.700 m3/ha até 14.000 m3/ha, enquanto Machado (2003) relata volumes superiores a 15.000 m3/ha. O consumo exagerado de água tem como conseqüência o aumento do custo de irrigação. Conforme dados do IRGA (2003), para a safra 2003/04 no Rio Grande do Sul, o custo de irrigação da lavoura de arroz foi equivalente a 9,69% do custo total de produção. Entretanto, caso sejam considerados os percentuais relativos a todos os serviços de irrigação, atinge-se um percentual de 21,33%. De acordo com Corrêa et al. (1997), o consumo de água além do necessário tem como conseqüência o desperdício de energia e o superdimensionamento de toda a estrutura de irrigação e drenagem, contribuindo para o aumento do custo total de produção e de infraestrutura. O aumento de custos é resultado da falta de iniciativa, por parte dos agricultores, em se adotar técnicas produtivas que racionalizem o uso da água. Essa necessidade de se adotar a racionalização faz parte do novo paradigma da administração dos recursos hídricos, que promoveu uma mudança no gerenciamento da oferta de um recurso até então tido como abundante para o gerenciamento da demanda de um recurso escasso. Nesse contexto, novas técnicas de gerenciamento foram introduzidas em muitos países, passando-se a utilizar instrumentos econômicos cujo principal princípio é servir de incentivo financeiro para a mudança dos padrões de consumo dos usuários. Assim, segundo Lanna (2000), na gestão dos recursos hídricos deve ser dada atenção prioritária ao desenvolvimento de métodos adequados para regular o uso, o controle, a proteção e a conservação do ambiente. Essa nova forma de gerenciar os recursos hídricos começou efetivamente no Brasil a partir do processo de redemocratização. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como competência da 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

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União instituir o sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso (Art. 21, XIX). Em cumprimento a esse dispositivo constitucional, em 8 de janeiro de 1997, o Presidente da República sancionou a Lei 9.433 e, de forma complementar, 15 Estados e o Distrito Federal aprovaram leis que instituíram seus respectivos sistemas de gestão. De acordo com o que consta nessas leis: a água é um bem de domínio público; um recurso natural limitado; dotado de valor econômico; sua gestão deve proporcionar o uso múltiplo das águas; deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades; a bacia hidrográfica é a unidade básica de planejamento (Lei 9.433/1997, art. 1o). Conforme Pereira (2003), trata-se, portanto, de uma tendência em adotar um modelo de gestão com integração participativa caracterizado pela existência de planejamento estratégico por bacia hidrográfica, tomada de decisão por meio de deliberações multilaterais e descentralizadas e estabelecimento de instrumentos legais e financeiros necessários à implementação de planos e programas de investimento. Na busca de atribuir um valor econômico à água, a lei 9.433 introduziu a cobrança pelo uso da água no Brasil como um instrumento de gestão. Dessa forma, a cobrança deve arrecadar recursos para dar suporte financeiro ao sistema de gestão de recursos hídricos e às ações definidas pelos planos de bacia hidrográfica. Além disso, a cobrança deve indicar para a sociedade o real valor da água, com a finalidade de que os recursos hídricos sejam usados de forma racional e que atenda aos princípios do desenvolvimento sustentável. Atualmente, é possível verificar inúmeras propostas e estudos teóricos sobre a aplicação da cobrança em bacias brasileiras. Entretanto, a elasticidade-preço da demanda por água é pouco abordada, embora ela seja importante por refletir a sensibilidade do usuário no que diz respeito à demanda frente a alterações no preço da água (Lanna, 2000). Essa informação pode aprimorar os estudos de cobrança uma vez que possibilita analisar os impactos nas atividades econômicas e nos diversos segmentos sociais que são relacionados à arrecadação promovida e às retrações de uso (Ribeiro et al., 1999). Dessa forma, o objetivo deste artigo é discutir a aplicação da elasticidadepreço da demanda para auxiliar o gerenciamento da utilização da água na irrigação do arroz. Para tanto, será analisada a aplicação da cobrança pelo uso da água na agricultura, os aspectos teóricos da elasticidade-preço da demanda, as variáveis que influenciam a demanda de água na irrigação do arroz e um estudo sobre a aplicação da elasticidade na agricultura.

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COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA NA AGRICULTURA Os objetivos da cobrança pelo uso da água, definidos pela Lei 9433/97, que a caracterizam como um instrumento de gestão, são: − reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; − incentivar a racionalização do uso da água; − obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Contudo, as iniciativas de cobrança pioneiras no Brasil se concentram no terceiro objetivo. Isso ocorre por dois motivos centrais: a facilidade de identificação dos níveis de degradação dos recursos hídricos, bem como a atribuição de valores monetários para sua recuperação, com base em parâmetros tradicionalmente utilizados para este fim (por exemplo, Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO); a possibilidade de auto-investimento, a partir dos recursos da cobrança, em obras que resolveriam a questão da degradação quali-quantitativa de maneira concentrada e que romperiam a inércia do sistema. No entanto, o investimento concentrado em um único objetivo descaracteriza o sistema e traz desequilíbrios que podem torná-lo insustentável futuramente. Um exemplo dos argumentos neste sentido é de que ações de impacto através de cobrança, sem um gerenciamento da demanda que vise a racionalização do consumo, podem gerar aumentos no uso, que romperiam com a lógica de preços determinados anteriormente. Neste caso, a arrecadação futura não atenderia as necessidades de investimento dadas por um aumento não esperado na demanda, sendo necessária a aplicação de novos investimentos sucessivamente. De acordo com Telles (1999), na agricultura irrigada existem muitas perdas de água e uma das principais causas dos desperdícios de água é a não cobrança pelo seu uso. Com a introdução da cobrança pelo uso da água é de se esperar um uso racional da água, com redução do consumo. Entretanto, a experiência internacional indica que existe uma forte reação contrária à implantação da cobrança pelo uso de recursos hídricos para os usuários agrícolas, pois os mesmos utilizam grandes volumes de água para produzir produtos com baixo valor agregado. Em todas as experiências de aplicação de cobrança, o setor agrícola ou não participa ou tem sido o último setor a ser incorporado (Ramos e Kelman, 2003). Nos últimos anos, nas negociações sobre o valor da cobrança para o setor agrícola na bacia do Paraíba do Sul, os representantes deste setor exigiram que o valor cobrado não implicasse em aumentos superiores a 0,5% nos custos de produção. O valor final estabelecido para captação para uso agrícola naquela bacia é de cerca de um milésimo do estabelecido para a indústria e o saneamento. 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

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Lanna (1995) conclui que na irrigação do arroz, em qualquer região brasileira, existe a possibilidade de cobrança apenas quando a oferta for suficiente para o atendimento à demanda, sem necessidade de grandes obras de regularização e transporte. Essa conclusão é baseada no custo incremental médio de oferta, que foi determinado segundo um enfoque financeiro e composto pela soma dos custos dos investimentos, operação e manutenção das obras e procedimentos necessários à oferta. Dessa forma, fica evidente que primeiro se deve pensar em racionalização do consumo de água para posteriormente se pensar em aumento da oferta. Até mesmo porque com a racionalização do uso, por meio da utilização de técnicas e equipamentos eficientes no uso da água e até mesmo a troca de cultura produzida, as obras para o aumento da oferta serão mais viáveis economicamente, pois será possível irrigar mais áreas com a mesma água. Além disso, de acordo com Campos (1999), os locais propícios para novas barragens, a baixos custos, estão cada vez mais escassos. A obtenção da água bruta, no tempo certo, está cada vez mais dispendiosa, sendo necessário a busca de outras alternativas, como a dessalinização, a transposição de bacias, etc. Dessa forma, a sociedade deve partir para medidas não estruturais que, mesmo sem construções, resultem em economia de água.

ELASTICIDADE-PREÇO DA DEMANDA De acordo com Pedrosa (1999), as opções de gerenciamento da demanda têm o objetivo de reduzir futuros consumos e melhorar o nível de atendimento atual, através do uso mais eficiente dos recursos hídricos, bem como adiar a necessidade de novas obras hídricas. Também segundo o autor, uma das ferramentas disponíveis para a gestão da demanda residencial é a adoção de instrumentos econômicos, utilizando alterações no preço para desencorajar o uso ineficiente do recurso. Essa ferramenta pode também ser utilizada para qualquer outra atividade que utilize os recursos hídricos, inclusive a agricultura. O instrumento econômico definido na política nacional de recursos hídricos é a cobrança. Uma maneira de utilizar a cobrança como incentivo ao uso racional da água é o conhecimento da elasticidade-preço da demanda de água. A elasticidade mede a resposta proporcional de uma variável em relação a mudanças em outra. O conceito de elasticidade fornece um modo sistemático de estimar como uma variável responde a mudanças em alguma outra variável. Segundo Byrns (1992), a elasticidade-preço da demanda é a medida (a) do declínio proporcional das unidades compradas ou utilizadas quando o preço é aumentado por uma dada pequena proporção ou (b) do crescimento proporcional das unidades compradas ou utilizadas quando o preço é reduzido por uma dada pequena proporção. 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

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Na análise econômica tradicional, a condição básica para determinação de preços pelo uso da água é o conhecimento de seu mercado demandante e, conseqüentemente, de suas curvas de demanda. Esta pode ser definida como o lugar dos pontos em um gráfico de preços e quantidades demandadas, que indicam, par a par, a quantidade (Q) de água demandada (demanda agregada), em uma unidade de tempo, a um preço determinado (P). Representa pois, a tentativa de relacionar a intensidade da procura, em uma unidade de tempo, conforme expõe a Figura 1. Para diagnosticar as inflexões da demanda ao longo do tempo, é importante conhecer o comportamento do consumidor em relação ao preço do produto (água). Em síntese, necessitamos conhecer a elasticidade-preço demanda. A elasticidade-preço da demanda descreve o comportamento esperado na demanda do consumidor, ao qual a teoria neoclássica atribui um comportamento racional e objetivo, em relação ao preço atribuído ao produto. Matematicamente, a elasticidade-preço da demanda (Equação 1) é igual a proporção da percentagem de variação de Q sobre a variação percentual de P, ou seja: Ep = - [(DQ)/Q] / [(DP)/P]

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Conforme Byrns (1992), em uma curva de demanda (Figura 1), o campo de variação de Ep vai, geralmente de 0 a −∞, posto que a quantidade e o preço se movem em direções contrárias. Quanto mais elástica for a curva de demanda, maior será a flutuação da quantidade utilizada devida a uma determinada variação do preço e se diz que a demanda é mais sensível ao preço.

Figura 1. Curva de demanda e a elasticidade-preço da demanda (Lanna, 2000).

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A demanda atende às seguintes classificações: − Elástica: quando uma redução de P eleva Q a ponto de aumentar a receita total, trata-se de demanda elástica, ou seja |Ep|> 1. Da mesma forma, quando um aumento de P reduz Q a ponto de diminuir a receita total, trata-se também de uma demanda elástica. Sob outro ponto de vista, a demanda é elástica quando pequenas alterações no preço causam grandes variações contrárias na quantidade demandada; − Unitária: quando uma redução de P resulta numa elevação de Q exatamente compensadora, a ponto de deixar inalterada a receita total, trata-se de uma elasticidade da procura unitária, ou seja, |Ep|= 1; − Inelástica: quando uma redução percentual de P invoca um aumento percentual de Q tão pequeno que a receita total (P x Q) cai, trata-se de demanda inelástica, ou seja, |Ep|< 1. Sob outro ponto de vista, a demanda é inelástica quando pequenas alterações no preço causam variações contrárias menores que a do preço na quantidade demandada. Dessa forma, utilizando os seguintes números como exemplo: - Ep = 1,5 – demanda elástica: um aumento de 100% no preço causa uma diminuição de 150% na demanda e uma diminuição de 100% no preço causa uma elevação de 150% na demanda; - Ep = 0,5 – demanda inelástica: um aumento de 100% no preço causa uma diminuição de 50% na demanda e uma diminuição de 100% no preço causa uma elevação de 50% na demanda.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DETERMINAÇÃO DA ELASTICIDADE-PREÇO DA DEMANDA NA IRRIGAÇÃO DO ARROZ Conforme Ribeiro et al. (1999), a curva de demanda de um bem é estimada através de métodos consagrados da estatística e da econometria, representando a disposição agregada a pagar pelo bem em questão. Para se definir uma curva de demanda são usados estudos estatísticos de consumo em diversas situações de preço e demais parâmetros que variam conforme o uso. Trata-se, portanto, de um problema de otimização que considera que os consumidores são racionais, estão restritos à seus orçamentos e têm suas preferências. Os modelos têm a forma: q = f (p, x1, x2, ..., xn), onde q é a quantidade consumida de água, p seu preço e x1, x2, ..., xn as variáveis explicativas. A função f é geralmente apresentada sob duas formas, linear ou exponencial. O consumo de água pelo arroz irrigado é determinado pela soma da água necessária para a saturação do solo, formação da lâmina de irrigação, evapotranspiração, perdas por percolação e infiltração, além das perdas no sistema de condução (Corrêa et al., 1997). Dessa forma, segundo 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

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Corrêa et al. (1997), na irrigação do arroz, os principais fatores determinantes do consumo de água são: - Manejo da irrigação; - Sistema de cultivo; - Características físicas do solo; - Fatores climáticos; - Eficiência na condução da água. Assim, para a definição do modelo matemático da curva de demanda de água na irrigação de arroz, esses fatores devem ser estudados com profundidade, verificando a possibilidade de obtenção desses dados junto aos agricultores, através de entrevistas e pesquisas nos bancos de dados existentes. Nessas entrevistas também devem ser simulados preços para a água para a construção do modelo. Por meio desse modelo é extraída a elasticidade da demanda de água, com o isolamento da relação de Q com P, ou seja, mantendo todas as demais variáveis constantes. Durante toda a análise econômica, essa metodologia do “tudo o mais mantido constante” é utilizada de modo a permitir examinar, uma de cada vez, as variáveis que afetam o comportamento humano. De acordo com Byrns (1992), o termo latino ceteris paribus é usado por muitos economistas para se referir à idéia de que “todas as outras influências”, sobre alguma variável dependente, são mantidas constantes, ao examinar o efeito de mudanças em uma variável independente. Portanto, a lei da demanda trata da influência independente do preço sobre a quantidade demandada (a variável dependente). A seguir são feitos alguns comentários sobre como cada um dos fatores citados anteriormente afetam a demanda de água na irrigação do arroz3.

Manejo da irrigação – tipo de irrigação A irrigação por inundação pode ser contínua, com água corrente ou estática, e intermitente. A irrigação contínua com água corrente é a mais utilizada no Rio Grande do Sul e a que mais consome água, apresentando baixa eficiência. Weber (2000) enfatiza que a irrigação com lâmina de água contínua requer 214% mais água do que os tratamentos com irrigação intermitente, produzindo somente 15% a mais de grãos.

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Comentários baseados, em quase sua totalidade, no texto de Corrêa et al. (1997).

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Manejo da irrigação – altura da lâmina de água A adoção da sistematização do terreno e a utilização de cultivares modernas possibilitam o uso de lâminas menores (5 a 10 cm), diminuindo o consumo de água. Além disso, Anbuzomi et al. apud Weber (2000), demonstraram que a máxima eficiência do uso da água foi observado com lâmina próxima de 9 cm, pois sob essas condições, o rendimento dos grãos de arroz foi 25% maior de quando a altura da lâmina era de 18 cm. A utilização de lâminas menores também causa uma diminuição na percolação e infiltração da água da irrigação.

Manejo da irrigação – Período de irrigação O número dos dias de irrigação também afeta o consumo de água na irrigação. Vários estudos citados por Corrêa et al. (1997), tais como Gomes et al. (1983), Blanco e Roel (1994) e IRGA (1996) demonstram, que para certos cultivares, é possível reduzir o período de irrigação em até 20% por meio do encurtamento do ciclo, ou retardando ou antecipando o início de submersão das plantas. Além disso, observou-se que não houve perda de produtividade com a redução do período de irrigação.

Sistemas de cultivo Para Machado (2003) os sistemas de cultivo não apresentam diferenças significativas no consumo da água. Entretanto, a utilização de sistemas que preparam o solo com lâmina de água, por exemplo, o pré-germinado, reduzem a quantidade de água devido a mudanças nas características físicas do solo, item abordado a seguir.

Características físicas do solo O fluxo de água no solo (percolação, armazenamento e infiltração) pode ser reduzido através de alterações nas características físicas do solo. Elas são alteradas mudando a forma de preparar o solo, como a construção de taipas definitivas e consolidadas e o preparo final do solo com lâmina de água. Entretanto, essas alterações podem provocar diminuição no desenvolvimento radicular das plantas e limitar a rotação de culturas (Weber, 2000).

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Fatores climáticos A umidade relativa do ar, a velocidade do vento, a radiação solar e a temperatura são os principais fatores que determinam a evapotranspiração, que é a maior parcela de consumo da água na lavoura de arroz. Outro fator climático que apresenta uma grande influência no consumo é a precipitação, contudo é muito difícil prever a quantidade de precipitação que vai ocorrer durante o plantio. Mesmo assim, pode-se construir taipas mais altas, no próprio quadro das plantações, para reter a água das chuvas. Machado (2003), mostra que a utilização da água da chuva pode reduzir em até 20% o consumo de água na lavoura.

Eficiência na condução da água Esse é outro fator que causa muito desperdício de água, podendo ser reduzido drasticamente se forem utilizados canais revestidos ou canalizações fechadas para a condução da água do manancial até as lavouras.

EXEMPLO DE APLICAÇÃO DA ELASTICIDADE NA AGRICULTURA Ribeiro et al. (1999) analisaram o estudo dos espanhóis Viñas et al. (1998), intitulado “Economia da Água e a Competitividade da Irrigação”, e em virtude dos poucos estudos sobre a aplicação da elasticidade na agricultura, este também será analisado no presente trabalho. No estudo espanhol foram feitas simulações considerando um sistema tarifário variável, isto é, definiu-se uma tarifa em pesetas por metro cúbico consumido. Quinze níveis de tarifas foram simulados (0, 3, 6, …, 42 ptas/m³). A metodologia consistiu em simular através de técnicas de programação matemática o comportamento dos agricultores frente aos distintos cenários de políticas tarifárias. Nesse estudo concluiu-se, segundo Ribeiro et al. (1999), que as comunidades com menor dotação de água e sistema de irrigação mais modernos e eficientes têm curvas de demanda mais inelásticas que aquelas que são mais antigas, têm maior dotação de água e sistemas de distribuição de água menos eficientes. Um exemplo disso é apresentado a seguir: a curva de demanda da comunidade de Babilafuente (maior dotação de água, sistema de distribuição antigo e ineficiente) é mais elástica do que da comunidade de Villoria (menor dotação, sistema de distribuição moderno) conforme mostrado na Figura 2. Estas duas comunidades têm muitos elementos em comum como a qualidade dos solos, o tipo de cultivos e a área cultivada, mas há uma diferença fundamental entre elas: a eficiência da rede de distribuição em Babilafuente é de 60% enquanto em Villoria é de 95%. 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

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Pela Figura 2 nota-se que em Villoria os agricultores só passariam a diminuir consumo quando a tarifa alcançasse um valor superior a 30 pts/m³. Em Babilafuente, eles passariam a reduzir consumo quando a tarifa alcançasse valores superiores a 6 pts/m³. Nesse caso é justificada a cobrança para induzir o uso racional apenas na comunidade de Babilafuente, uma vez que na comunidade de Villoria o consumo é eficiente.

45 40

Taxa (pesetas/m3)

35 30 25 20 15 10 5 0 0

2

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6 8 Consumo (1000 m3/ha)

Babilafuente

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Villoria

Figura 2. Demanda de Água na Bacia Hidrográfica do Rio Duero - Espanha (Viñas et al. apud Ribeiro et al., 1999).

CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento da atividade agrícola é limitado pela escassez dos recursos naturais (terra e água). Nesse sentido, é necessário o desenvolvimento e a utilização de técnicas e equipamentos mais eficientes no uso dos recursos naturais, especialmente a água. A cobrança baseada na elasticidade-preço da demanda pode ser utilizada para induzir a racionalização no uso dos recursos hídricos, fazendo com que os agricultores repensem seus sistemas de cultivo, de irrigação e até mesmo a cultura produzida. No Brasil, segundo Ribeiro et al. (1999), a elasticidade da demanda de água na agricultura irrigada pode ser considerada muito elástica nos cultivos tradicionais com baixo valor agregado, irrigados com técnicas pouco eficientes quanto ao consumo de água. Em face ao grande consumo de água, o arroz irrigado no Rio Grande do Sul entra nessa classe, e verifica-se que existe grande margem para estabelecimento de economias no uso a partir da introdução de processos produtivos mais eficientes. 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

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A definição final do valor a cobrar exigiria negociações no âmbito do respectivo Comitê de Bacia. Conforme Ribeiro et al. (1999), os estudos sobre a elasticidade-preço da demanda por água no Brasil e disposição dos usuários em pagar podem ser utilizados para a análise dos impactos da cobrança, no que se refere à arrecadação promovida, às retrações de uso, aos impactos nas atividades econômicas e nos diferentes segmentos sociais, permitindo a definição de mecanismos de proteção àqueles com menor poder aquisitivo. O comitê ficaria encarregado de definir o consumo máximo por hectare a ser atingido em um cenário futuro. Aqueles agricultores que não respeitassem esse limite pagariam o preço definido na curva de demanda determinada para que o uso racional fosse incentivado. A cobrança utilizada apenas como fonte de arrecadação é insustentável no futuro, pois sempre será necessário o re-investimento, já que o problema é o consumo exagerado por causa do uso de técnicas de cultivo e sistemas de irrigação inadequados. Um exemplo ilustrativo dessa situação é a Associação dos Usuários do Distrito de Irrigação de Arroio Duro, em Camaquã – RS, que possuem uma reserva hídrica de 170 milhões de metros cúbicos e mesmo assim apresentam conflitos no uso da água, não conseguindo atender à demanda de todos os agricultores. Em um estudo de campo realizado por Viegas (2004) nas lavouras de arroz no distrito de irrigação, se observou consumo superior a 16.500 m³/ha, enquanto se pode produzir até com metade desse valor se fossem adotados manejos adequados. Os gerentes dessa associação perceberam que é necessário utilizar a água eficientemente por meio de técnicas adequadas (por exemplo, sistematização do solo, canais de irrigação revestidos ou fechados e irrigação por aspersão) e fazer o monitoramento da quantidade de água utilizada pelos agricultores, cobrando taxas por essa água. É aconselhável que na definição do preço da cobrança na agricultura se considere a diferença entre as culturas tradicionais (especialmente os cereais), que possuem baixo valor agregado, e as culturas com alto valor agregado como as fruticulturas. Também se deve considerar a sazonalidade das precipitações e, em épocas ou anos com alta disponibilidade de água, pode-se cobrar menos. Em qualquer caso, porém, cabe analisar a vulnerabilidade econômica da agricultura brasileira e riograndense que, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Comunidade Européia, não recebe subsídios significativos. A cobrança por si só não é suficiente para garantir a racionalização do uso da água nas lavouras de arroz. Entretanto, ela deve ser utilizada também com esse intuito e acompanhada de outros incentivos e os demais instrumentos de gestão. Segundo Pedrosa (1999), é preciso explicitar a importância de ação conjunta entre campanhas públicas e instrumentos econômicos para incentivar o uso eficiente dos recursos hídricos, pois as experiências no campo da gestão ambiental apontam para esta direção. 1° Simpósio de Recursos Hídricos do Sul I Simpósio de Águas da AUGM

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Apesar da elasticidade da demanda por água poder ser usada para incentivar a redução no consumo de água, tal instrumento ainda não tem sido usado com freqüência. Isto ocorre porque quando se tenta calcular estatisticamente uma curva de demanda, é preciso enfrentar dois tipos de problemas: o primeiro é conseguir os dados e o segundo é o processo de transformação dos dados em uma curva de demanda. De fato não existe um manual ou fórmula pronta para ser aplicado para definir os preços da água, existe sim realidades diferentes em todo o país, onde devem ser consideradas as particularidades sociais, econômicas, políticas e ambientais de cada bacia hidrográfica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BYRNS, R. T., STONE, G. W. (1992). Microeconomics. HarperCollins College Publishers. Nova Iorque/EUA. CAMPOS, J. N. B. (1999). Administração e cobrança de água bruta: o passado e o presente. In: XIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos/ABRH. Belo Horizonte/MG. CORRÊA, N. I., CAICEDO, N. L., FEDDES, R. A., LOUSADA, J. A. S., BELTRAME, L. F. S. (1997). Consumo de água na irrigação do arroz por inundação. Lavoura Arrozeira, Porto Alegre, vol. 50, nº 432, jul-ago/1997, pág. 3-8. IRGA (2001). Arroz irrigado: recomendações técnicas da pesquisa para o sul do Brasil. Porto Alegre/RS. IRGA

(2003).

Custo

de

produção

ponderado:

safra

2003/2004.

Disponível

em

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