A Vida da Serra

July 15, 2017 | Autor: Cristiana Bastos | Categoria: Sustainable agriculture, Mediterranean Studies, Agriculture, Material Culture, Algarve
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Descrição do Produto

A Vida da Serra Núcleo Museológico de Cachopo

A VIDA DA SERRA Ficha Técnica

Exposição Coordenação, projecto e Programa Museológico Luísa Rogado

Investigação (antropologia), programa cientifico e textos para a exposição Cristiana Bastos

Fotografia António Cunha Luís Pavão

Recolha do acervo Centro Paroquial de Cachopo

Inventariação do acervo Marco Lopes Eulália Chita Susana Gonçalves

Conservação e restauro do acervo Leonor Esteban – Técnica de conservação e restauro assistida por Eulália Chita

Investigação Histórica Marco Lopes

Recolha de informação para o roteiro cultural Albino Martins - Centro Paroquial de Cachopo Eulália Chita - Câmara Municipal de Tavira

Recuperação do Edifício e acompanhamento da sua adaptação a Núcleo Museológico Gabinete Técnico Local Serviços Técnicos da Câmara Municipal de Tavira

Concepção e instalação museográfica Bloco d - Design e comunicação, Lda.

Organização Câmara Municipal de Tavira Centro Paroquial de Cachopo

Co-financiamento Câmara Municipal de Tavira PPDR - Programa “Promoção do Potencial e Desenvolvimento Rural” / FEOGA

Catálogo Coordenação geral Centro Paroquial de Cachopo

Coordenação editorial Sandra Cavaco, Celso Candeias – Serviço de Arqueologia, Conservação e Restauro, Divisão de Património e Reabilitação Urbana, Departamento de Urbanismo, Câmara Municipal de Tavira.

Textos Alexandre Miguel Costa. Cláudia Dupont. Cristiana Bastos. Jaquelina Covaneiro. Marco Lopes Sandra Cavaco

Entradas de catálogo Susana Gonçalves

Fotografia António Cunha

Design gráfico Teaser (www.teaser.pt)

Impressão Teaser (www.teaser.pt)

Co-financiamento FEOGA ORIENTAÇÃO PROALGARVE AGRIS

Apoio Câmara Municipal de Tavira

Centro Paroquial de Cachopo 1.ª edição, 2008 – 3000 exemplares ISBN Depósito Legal:

Índice

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Destinos. Cristiana Bastos

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O ciclo agricola.

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Pelos caminhos da Serra. Memórias das pedras esquecidas.

Cristiana Bastos

Sandra Cavaco e Jaquelina Covaneiro.

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Quando a aldeia de Cachopo misturava gente crente e maldizente.

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Arquitectura popular na Serra de Tavira. Cláudia Dupont e Alexandre Miguel Costa.

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Catálogo.

Marco Lopes

Susana Gonçalves

Destinos...

Q

uem desavisadamente abrir este capítulo poderá pensar que estamos a sugerir rotas, ideias para passeios, explorações, experiências e aventuras em tempo de lazer. Ou não é esse o conteúdo de grande parte das mensagens do Algarve sobre si mesmo? Destinos de férias, destinos de sonho, destinos de descanso, destinos inesquecíveis, a fruição dos sentidos, a paisagem diferente, a ruptura do quotidiano, enfim, a essência do turismo. Há muito que o Algarve se tornou uma grande praça de transacções desta natureza, entre os que chegam e quem os atende, entre os que consomem e quem lhes fornece dos bens e serviços que compõem o sector do turismo. Primeiro era a praia, o sol e o mar, e para os vender fizeram-se hotéis, promoveramse férias, lazer, divertimento, alguns desportos, incluindo o golfe; mas era também o peixe, o marisco, os doces, os sabores, os figos, as amêndoas, as amendoeiras, as cores, a luz, a paisagem; era a pesca, os barcos, as grutas; eram os cenários, os enredos, os encontros, os passantes, os da terra, os de outras terras; os serviços novos, os empregos, a estação alta, a estação baixa, a estação assim-assim; e os aldeamentos, os apartamentos, as torres, o time-sharing, a urbanização ilimitada, casas de férias para todos os bolsos, hipotecas para todos os gostos; pacotes de saldo, voos de baixo custo, turismo de massas, e também os lugares de luxo, o turismo diferenciado, as zonas de reserva; e finalmente o turismo alternativo, os destinos de natureza, de rudeza, a atitude ecológica, a alimentação biológica, a procura do autêntico, o interesse no património, as 00

provas de gastronomia, o gosto na tradição e a celebração do passado. De tudo isto tem vivido e vive o Algarve vai para meio século, procurando diversificar para não parar, acomodando novos interesses, novos produtos, inventando novas ofertas, convidando a mais, convidando mais. Nesse mais, claro, se inclui também o menos: experiências mais sofisticadas porque com menos impacto, com menos desgaste dos recursos, menos consumo de água, menos combustível, menos gordura, menos tempero, mais autenticidade. Cal em vez de tinta; sal em vez de ketchup; terra em vez de alcatrão; lenha em vez de micro-ondas; alfarroba em vez de pastilha-elástica. Adivinharam: a Serra em vez do Litoral. Podia, podia mesmo ser esse o propósito único deste capítulo, o de apresentar um destino alternativo, um destino em que o menos é o mais e o mais é o menos - a serra que todos andaram a esquecer e a esconder quando o fervor do desenvolvimento litoral fez erguer as torres e estender os molhes, multiplicar os guarda-sóis e os roteiros de grutas, planear mais hotéis, mais resorts, mais aldeamentos, mais crescimento, mais consumo, mais prosperidade. Nesse tempo esquecia-se a serra, ou ocultava-se a serra; era pouco mais que um fundo, uma ideia vaga, uma presença invisível, desconvidada da mesa do consumo, e excluída da preocupação do planeamento. Tudo se concentrava no litoral, e a serra não incomodava senão como obstáculo que se interpunha entre o Algarve e o resto do país, fazendo daquele troço da estrada motivo de A Vida da Serra

agonia, desafio à paciência e prova final para a chegada de forasteiros; mas era obstáculo de pouca monta, porque o venciam as curvas das estradas e os carris do caminho-de-ferro, e com o passar do tempo também o betão das vias rápidas, as auto-estradas, as pistas de aeroporto. Não era propriamente antagonizada, a serra, nesse furor de redenção pelo turismo que só tinha como horizonte a orla costeira. Era antes desprezada, como sombra incómoda, num escuro de invisibilidade que simbolicamente equivalia a inexistência, ou talvez existência de baixo fulgor, quando muito suscitando piedade, deixando suspensa a dignidade. A dignidade, essa, era vivida de dentro, como temos vindo a documentar há mais de duas décadas. A dignidade de fazer, de viver, de resistir, de trabalhar, de continuar, perseverar, insistir, repetindo anual e diariamente o milagre de tirar o pão das pedras. Vista de dentro, a penumbra era afinal o brilho de um sol escaldante, e a sonolência da serra uma actividade frenética de lavras e de ceifas, de mondas e de carregos, de moinhos, de farinha, de fornos, de amassar e cozer, criar, reproduzir, cuidar, sacrificar, calcular, comer, festejar, conviver, continuar. Era toda esta vida também um acto de resistência à sua negação por parte do exterior, de resistência a um destino traçado fora dali; traçado em lugares de onde esta vida não se via, de lugares incendiados pela intensidade do crescimento rápido, riqueza à vista, transformação sem fim; lugares a partir dos quais a serra não passava dessa mancha sonolenta e estorvo, uma quase

inexistência, uma entidade diluída, ténue, leve nas estatísticas, etérea na economia, escassa na demografia, irrelevante nos votos. Desinteressante, portanto, para os ímpetos do desenvolvimento e do consumo, interessante apenas para as contra-correntes que insistem na preservação do património e da memória, e nessa insistência injectam alguma energia e fundos com o propósito de promover a capacitação local. Mas para as instâncias que decidem e moldam destinos, para os governos e administrações regionais, a serra quase nunca interessou. Nem era destino, nem tinha destino. Ou melhor: tinha como destino deixar de existir, passar da condição de invisibilidade para o grau supremo da inexistência. É desse destino que queremos também falar. O destino que a serra não tinha, que lhe era dito não ter, destinado que lhe foi deixar de existir a breve prazo. A Serra, e não apenas a freguesia de Cachopo, que melhor documentamos neste volume; trata-se de todo o nordeste algarvio, ou a serra algarvia de uma forma geral, mas trata-se também de uma concepção mais extensa sobre o interior do país, desprezado pelo modelo de desenvolvimento rápido e de lucro a curto prazo, condenado ao despovoamento, lamentado a posteriori, e chorado quando se espalham as cinzas das matas vazias que o fogo devorou. Podemos hoje tentar destinar a serra a trajectos de turismo, desses de um novo tipo que procura a autenticidade dos sabores e

dos cheiros, dos percursos pedestres, das conversas de alpendre, dos pegos das ribeiras, da arquitectura vernácula e do património etnográfico; podemos inventar destinos de férias rurais, como em todo o mundo e no nosso país também. Mas não podemos deixar de perceber que o destino desta serra foi traçado fora dela, com outra intenção e noutra direcção – a da extinção demográfica, da desertificação da terra, da substituição da agricultura por matas e florestas, mesmo sabendo-se, só de assistir ao que ocorre verão a verão em todo o país, que as matas despovoadas são o atilho dos incêndios e o caminho das cinzas. E, como nas profecias que se cumprem pelo simples facto de serem enunciadas, estamos à beira de ver esse destino cumprido, despovoada a serra, envelhecidos os que ficam, extintos os fornos, parados os moinhos, substituídos os campos por matas, quando não pelos campos de golfe que, num interior de pouca água, simbolizam o paroxismo último de um certo modelo de desenvolvimento. Se vamos ao encontro de uma serra cuja vida se dilui perante os nossos próprios sentidos, sabendo nós que não tinha de ser assim, não era destino, mas foi um destino, que fique um registo da memória, um esforço para resgatar o património, dignificado num pequeno museu que os evoca. Sem deixar de meditar nos paradoxos que invocámos com o duplo sentido de des-

tino, tracemos destinos de conhecimento, de encontro, de descoberta, e com eles contrariemos esse destino que se fez no artifício da exclusão daqueles que traziam vida à serra, que pediam pouco e davam muito, cujos traços, artefactos, gestos e sociabilidades tentámos dar conta neste volume. Celebremo-los com visitas, percursos, destinos culturais, arqueológicos, etnográficos. Façamo-lo: este catálogo é, também, a abertura de um convite. Cristiana Bastos Junho 2008

Cristiana Bastos é antropóloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e autora do livro Os Montes do Nordeste Algarvio (Lisboa, Cosmos, 1993).

A Vida da Serra

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O CICLO AGRÍCOLA Lavra.

Todos os anos se repete o ciclo agrícola, em que humanos e animais se condicionam à vida das plantas, se combinam com a terra e os elementos para produzir as searas, as hortas, os frutos. Não é rígido o calendário deste ciclo, e as tarefas podem começar dias ou semanas mais cedo que no ano anterior, ou mais tarde, consoante as pequenas variações de chuva, calor, geada e outros imprevistos a que o clima se permite; variam também a disponibilidade e a vontade dos que trabalham, e varia de ano para ano o conjunto de tarefas, as parcelas a cultivar e o que nelas se semeia e planta; precisando a terra de se refazer, a cada seara de trigo seguem-se anos de pousios, forragens e cereais menos nobres. Trigo, ou pão: este foi sempre o centro de atenções e actividades da vida serrana tradicional, organizando o ano e os dias em gestos de preparar a terra, semear, colher, fazer molhos e roleiros, carregar, debulhar, joeirar, ensacar, moer, peneirar, amassar, cozer, e, todos os dias, havendo, comer. É 010

Debulha.

o pão serrano que ainda se consome, mas são menos os que o cozem, o colhem, o semeiam. São poucas as searas hoje em dia, diz-se que não são rentáveis, mas as que persistem dão-nos uma amostra dos trabalhos que estruturavam a vida na serra até há muito pouco. Persistem as searas por hábito, por teima, por gosto, para servir os animais, para os fazer servir, para manter viva a roda de rotinas do ano. Mesmo chegando o pão aos montes, mesmo sabendo que este pode ser mais barato que o colhido em seara própria, alguns agricultores persistem em fazê-las, em continuar uma tradição de trato da terra que nos liga a momentos do passado, em que os alqueives se fazem com pequenas charruas e animais, as sementeiras à mão, as ceifas em grupo, ou em família, de foice na mão, e as debulhas em eiras próprias, no monte, fazendo as bestas pisar o grão e sacudindo a palha ao vento, ou esperando a visita da máquina, também ela uma relíquia industrial, que todos os anos circula pelos montes. A Vida da Serra

Em tempos estas actividades eram o quotidiano de todos. Semeado no inverno, o trigo estava maduro antes do Verão, e era em fins de Maio que começavam as ceifas. Toda a família participava: de manhã partia-se para a seara, que podia ser longe, o almoço nos alforjes do burro e à cintura de cada um a sua foice e dedeiras, de cana ou de couro, para proteger dos cortes e espigões. Dia fora, gesto atrás do mesmo gesto: uma mão segurando as espigas, a outra a foice, um golpe nos caules, e de novo, e de novo, até fazer uma braçada, e várias braçadas um molho, atado a palha de centeio, esperando no campo agora aberto pelo fim das ceifas e o carrego para a eira. A eira era o palco da debulha, “a sangue”, ou “patas de besta”, com muares e burros – em tempos bois – pisando em roda o cereal, homem e mulher controlando, ajeitando, varrendo, levando a forquilha ao vento para ajudar a separar o grão da palha. Ensacado e guardado, o trigo era depois levado a moer – nos moinhos de água das ribeiras, nos moinhos de vento no alto dos cerros, nas moagens eléctricas ou mesmo em pequenos moinhos caseiros. A farinha, semanalmente, era separada para a amassadura da casa. Com fermento tirado da massa anterior, num alguidar de barro, com água e muito esforço, a mulher da casa amassava até se sentir o borbulhar das as burrefas, sinal que a massa estava pronta; posta a descansar, benzida, tapada, ao fim de umas horas seria tendida, e um a um iam saindo os pães, postos em tabuleiros, levados ao forno que a lenha entretanto acendera. Pão para toda a semana, o culminar dos trabalhos.

Junto à eira.

Na cozinha.

Ao forno.

OS TRABALHOS E OS DIAS

o moinho, e farinha do moinho, ou da moagem eléctrica. Espera-se pelos carros que agora circulam pelos montes: o carro do pão, as mercearias que lá chegam, os carros que levam idosos a centros de dia, os que transportam crianças para as escolas, os que levam trabalhadores para contratos de curto prazo. Leva-se o conduto, ou volta-se a casa para o meio-dia, de novo se corta o pão, e se molha se estiver muito duro; e se for Verão um gaspacho, ou mais frescos da horta, talvez um pouco de queijo, azeitonas; griséus, grão, legumes e leguminosas no Inverno, e sempre o pão, omnipresente, da casa ou dos carros que agora circulam e buzinam à chegada. Pelo ano fora se vão consumindo chouriços, paios e presuntos de um porco que fora alimentado no ano anterior e sacrificado no Inverno, no Natal, nos Reis. E ano fora se vai consumindo a farinha moída do trigo colhido, a que frequentemente se acrescenta farinha comprada, já que a seara consome muito esforço, mas não chega para o consumo doméstico; lentamente, a popu-

lação vai substituindo a compra da farinha pela compra directa do pão, que agora é de fácil acesso, mas não sem lembrar que o que amassavam e coziam em casa era sempre melhor, feito de matéria conhecida, investido de afectos desde o início. Semana a semana se amassava e cozia o pão em fornos exteriores, quase sempre partilhados por vários moradores do monte. Se a frequência da cozedura escasseia hoje, o gosto mantém-se. E quando há oportunidades de excepção, como as feiras onde acorrem compradores, voltam a fumegar os fornos, e ao pão acrescentamse as costas e bolos caseiros. Mudaram-se os ritmos, mas mantêm-se as chaminés fumegantes: mesmo com fogões modernos, dificilmente se extingue o fogo da cozinha, o fogo em torno do qual se desenvolvem as conversas de serão, as histórias as visitas de uns a outros, o tecer da sociabilidade dos montes. Convívio que em dias mais quentes sai à rua, e se dá em torno dos descasques de verão, do encontro com os que voltam em visitas mais curtas, ou ainda, ocasionalmente,

Se o calendário agrícola marca a especificidade de tarefas para cada tempo do ano, e em grande medida determina os produtos frescos que entram em casa, o que se come, o que se prepara, o que se faz, o que se espera, há um conjunto de gestos e sequências que se mantêm comuns, que seguem ritmos diários, semanais, mensais, e que integram, também, a excepção. Dentro de casa, e nas casas que integram o complexo doméstico, cuida-se das pessoas e dos animais. Cortase o pão, prepara-se o café, faz-se sopas, come-se; dá-se milho às galinhas, ou pedaços de côdea, alimenta-se o cão, mais tarde o porco, com o caldeiro de sobras da cozinha, com um pouco mais daqui e dali, restos de frutos, bolotas; leva-se a cabra a pastar, ou a ovelha, se a houver; dá-se palha ao burro. Parte-se para uma manhã de trabalhos fora, nas árvores, nas apanhas, nas searas, ou na preparação delas. Apanha-se lenha, transporta-se água, transporta-se grão para

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Ferreiro. em torno dos mastros e das festas que outrora animavam a serra inteira.

craveiras, cuja abertura definitiva só se dá no momento de ferrar. Já o ferrador tem de necessariamente interagir com a besta, e sujeitar-se aos seus humores. Não é apenas técnico o seu ofício, uma vez que muitas vezes tem de tratar de moléstias no casco do animal – como o “formigo”, que se trata queimando. Num processo normal há três momentos: primeiro, descascar, ou seja, arrancar os cravos da ferradura antiga com uma turquês; depois, aparelhar o casco, com um formão e grosa; e finalmente atarrachar, pregando cravos de aço na ferradura nova a que abriu as craveiras. Há também que ajustar as ferraduras à variedade de cascos dos animais, reforçando-as à frente, de arpão, ou por trás, de rompão.

FERREIROS E FERRADORES A aldeia de Cachopo conheceu muitas gerações de ferreiros, cuja arte é indispensável para o modo de vida serrano: é das suas forjas que saem foices e ferraduras, e ainda outros elementos metálicos complementares à caça, agricultura e pastoreio. Central na oficina de um ferreio é a forja, e o fole que a mantém acesa. Os instrumentos são múltiplos: martelos, maços, silhos, talhadeiras, ponteiros, grosas, limas, formões, saca-rebites, turqueses, uma ou mais bigornas, e rodas de amolar. Pelo o chão e pelas paredes a matéria-prima e várias fases da principal produção: foices e ferraduras. Faz-se a foice a partir do aço-faca, comprado em folhas, a que se cortam tiras com a guilhotina. A cada tira, a quente, puxa-se um espigão que se enfiará no cabo de madeira. A quente ainda, sobre a bigorna, segurando e malhando, faz-se vergar o aço: primeiro o sobrinhal, a curva junto ao cabo, leva-se de novo à forja, e no calor se arma o arredondado definitivo. Para o produto final falta rebolar e picar, com a firmeza de um cinzel de aço rápido, que esculpirá a serrilha com que a foice irá, a golpes de braço humano, ceifar e segar por muitos anos. Para fazer a ferradura convém o trabalho conjugado de dois homens. Vêm os pedaços de ferro das barras compradas, pode0012

ALBARDEIROS rão ter servido para cascos de navio, terão tido outras vidas e outras paragens, antes de se transformarem no calçado das bestas. O calor da forja torna-os agora maleáveis, e sobre a bigorna, a golpes de malho, os padaços de ferro vão cedendo a forma até ficarem curvos. É trabalho de equipa, a dois tons, fazer vergar o ferro; alternam-se as pancadas pesadas do malho de um dos ferreiros com as pancadas mais leves do martelo do outro. A certo momento este faz rodar a peça, um quarto de volta entre cada pancada, e o malho bate na parte mais larga enquanto o martelo bate na parte mais fina. Com um silho, e ainda à força do maço, marcam-se as A Vida da Serra

Albardas e melins são ainda feitos em Cachopo como em tempos passados, sendo um casal da aldeia quem garante a produção destas peças. Usando apenas materiais flexíveis e macios – linhagem, carneira, corda, guita, lã, palha de centeio – constroem a solidez dos quase indestrutíveis melins e albardas que paramentam as bestas. O segredo de tal arte está na forma de cortar e coser os elementos. Para fazer a albarda há que talhar as costas, o suadoiro, as maças, e ligá-las por pontos de agulha e voltas; fazer a rabiça, a testeira, e virar a peça; logo abrir os unhais e encher de palha de centeio, com as espigas desencontradas, empurrando com um ferro

Albardeiro.

e batendo com um maço de madeira. Depois remata-se, dá-se os acabamentos, e forra-se de carneira. No total a albarda leva onze costuras. Só falta ajustar a peça ao animal que a vai usar, e enfeitá-la com borlas coloridas. Quanto aos melins, há-os de dois tipos: os de trabalho, mais simples, utilizados na lavoura, e os de festa, mais enfeitados, a que se pode atrelar um carro. São estes melins mais garridos muitas vezes usados como exlibris do Algarve, não escapando à miniaturização para fins turísticos.

TECEDEIRAS Num passado não muito longínquo o tear era uma peça constante em muitas das casas serranas e praticamente todas as mulheres

Ao tear.

sabiam usá-lo. Tecer consiste em fazer cruzar os fios até ter um tecido durável; no passado esses fios eram de lã, linho e estopa, todos produzidos na serra, e com eles se teciam estamenhas e surianos, que iam pisoar fora, noutras paragens serranas, para depois serem usados na confecção de roupa caseira. Mas antes de chegarem ao tear já os fios tinham uma longa história e muitos trabalhos de tormento e esforço. O linho, como a estopa, de origem vegetal, era semeado numa parcela do terreno à parte. A semente servia para o óleo de linhaça, e o caule para as fibras. Processá-las exigia um longo conjunto de operações: primeiro arrancar a planta e secá-la, molhando-a e secando de novo, e prepará-la para ser fiada, maçando, gramando, espadelando e sedando. Fiado na roca, à

cinta, enquanto se faziam outros trabalhos, se vigiavam os animais e as crianças, o linho estava pronto a ser branqueado e dobado, e finalmente posto no tear a tecer, montadas a urdidura, a teia, a trama. Os tecidos saíam de qualidade variável, consoante a espessura do fio, o branqueamento, a qualidade inicial da fibra. Os tecidos mais finos eram usados no vestuário e na roupa da casa; os mais grosseiros serviam para as sacas de cereal e farinha, coadeiros, alforges. A lã tinha uma outra história. Tosquiada das ovelhas antes do verão, era cremeada, azeitada, e cardada; os cardadores andavam pelos montes de cardas na mão, oferecendo serviços a troco de lã, afilando, com os pregos das cardas (outrora cardos do campo), a lã bruta numa pasta mais uniforme e pronta a fiar. Fiada, sarilhada, dobada, posta em novelos, a lã estava pronta a ir ao tear, mantendo-se antigamente nas cores originais das ovelhas de onde provinham, ou seja, branco e castanho-negro; só o anil era excepção. Hoje as mantas têm todas as cores e são frquentemente feitas de trapos e restos de tecidos, compactando e reciclando materiais sem outro uso. É aliás à produção destas mantas que se dedicam as poucas tecedeiras em actividade nestas paragens. Cristiana Bastos Junho 2000

Cristiana Bastos é antropóloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e autora do livro Os Montes do Nordeste Algarvio (Lisboa, Cosmos, 1993).

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Pelos Caminhos da Serra: memórias das pedras esquecidas. Sandra Cavaco* Jaquelina Covaneiro* “(…) esta tarefa de localizar, identificar e caracterizar sítios onde se conservam vestígios de antigas ocupações humanas constitui tarefa sempre inacabada (FABIÃO, 2003:17).”

Introdução.

P

ara a realização de qualquer estudo arqueológico abrangente sobre Cachopo não podemos ter em consideração os actuais limites da freguesia, uma vez que os mesmos são bastante recentes, datando de 1836 (ANICA, 1993: 43). De realçar, ainda, que em 1538 a aldeia de Cachopo pertencia ao termo de Alcoutim e não ao concelho de Tavira como hoje acontece (CATARINO, 1997-98: 564). Por outro lado, e como refere Carlos Fabião, a realidade do concelho (neste caso da freguesia) não corresponde a nenhuma entidade política ou étnica do passado pelo que todas as leituras de realidades pretéritas implicam necessariamente quadros geográficos de referência mais amplos (FABIÃO, 2003: 11). Será, por este motivo, de enquadrar a freguesia de Cachopo naquilo que foi definido por Victor Gonçalves como “Alto Algarve Oriental” (GONÇALVES, 1989).

História das investigações na freguesia de Cachopo

A

investigação arqueológica revestese de várias facetas, metodologias e abordagens, sendo que o seu objectivo último, independentemente da estratégia utilizada, é o estudo do homem e das suas relações com o meio em que se insere. Os resultados das diferentes abordagens e metodologias, ainda que sejam todos válidos e úteis, são, porém, bastante díspares. Para a área de estudo em apreço existem dados, sobretudo, provenientes de Cartas Arqueológicas. Estas são muito importantes no coligir de informação dispersa e para “descobrir” novos sítios. Esta informação é oriunda de trabalhos de prospecção do território. Assim, as Cartas Arqueológicas assumem-se como um instrumento indispensável na gestão do território garantindo a salvaguarda dos vestígios materiais do passado (FABIÃO, 2003: 11). Porém, este instrumento pouco nos diz sobre as sociedades que habitaram os antigos espaços sendo pouco úteis

no entendimento das dinâmicas de ocupação dos espaços, nas distintas épocas, e as vivências das antigas sociedades humanas (Ibidem: 11). A primeira Carta Arqueológica do Algarve foi elaborada por Sebastião Phillipes Martins Estácio da Veiga (1828 -1891), ilustre tavirense e pioneiro da arqueologia portuguesa. Publicada em 1878, a Carta Arqueológica de Estácio da Veiga é uma referência incontornável, ainda que, a região serrana registava apenas escassos pontos cartografados, todos eles referentes ao Algarve Ocidental (GONÇALVES, 2003: 28). Em meados dos anos 70, surge o projecto CAALG (Carta Arqueológica do Algarve) dirigido por Victor Gonçalves. O projecto, levado a cabo por uma notável equipa – Victor Gonçalves ocupava-se das realidades neo-calcolíticas, Ana Margarida Arruda dos vestígios proto-históricos e romanos e Helena Catarino dos vestígios islâmicos

* Arqueólogas. Serviço de Arqueologia, Conservação e Restauro – Divisão de Património e Reabilitação Urbana – Departamento de Urbanismo – Câmara Municipal de Tavira. [email protected], [email protected] .

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Anta da Masmorra.

Cristiana Bastos é antropóloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e autora do livro Os Montes do Nordeste Algarvio (Lisboa, Cosmos, 1993).

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Anta das Pedras Altas.

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Ocupação humana do território. – (FABIÃO, 2003: 16), dedicou-se à investigação integrada do Alto Algarve Oriental, uma vasta região mas que apresentava uma certa homogeneidade (Ibidem: 16). Graças ao CAALG foram identificados novos sítios, nomeadamente a Anta das Pedras Altas (Mealha) e a Anta da Masmorra (Alcarias de Pedro Guerreiro). Em 1995 é publicado o volume da Carta Arqueológica de Portugal correspondente aos concelhos de Faro, Olhão, Tavira, Castro Marim, Vila Real de Santo António e de Alcoutim. Os trabalhos, da responsabilidade de Teresa Marques apontam para a existência de cinco sítios arqueológicos para a freguesia de Cachopo: as antas da Masmorra e das Pedras Altas, a Necrópole do Cerro da Gineta, o Cerro dos Mouros e o sítio de Esmoriz. No entanto, este trabalho consistiu fundamentalmente na compilação da informação já disponível, pouco acrescentando ao já conhecido (Ibidem, 17). Já nos finais da última década do século XX, Helena Catarino publica os resultados da sua tese de doutoramento subordinada ao tema: O Algarve Oriental durante a Ocupa-

ção Islâmica – Povoamento rural e recintos fortificados, tendo registado no concelho de Tavira 11 sítios arqueológicos, cinco dos quais na área da freguesia de Cachopo (Cerro dos Mouros, Corguinhas de Alcarias de Pedro Guerreiro e Esmoriz), dois dos quais inéditos (Monte do Telheiro e Graínhos). O reduzido número de sítios identificados está relacionado com o facto de que os trabalhos de prospecção mais exaustivos que efectuou limitaram-se a algumas áreas dos concelhos de Alcoutim e de Castro Marim, sendo muito pontuais os realizados nos concelhos de Tavira e Loulé (CATARINO, 199798: 134). Este facto deveu-se à falta de meios técnico-financeiros (Ibidem, 35), uma vez que a autora reconhece a importância para este trabalho de um conhecimento mais profundo do Algarve Oriental, designadamente do concelho de Tavira (Ibidem, 135). No ano de 2000, a Associação Campo Arqueológico de Tavira publica o Levantamento da Carta Arqueológica de Cachopo, passando-se de uma situação de 11 arqueossítios registados oficialmente e publicados, para 112 bem localizados (MAIA, 2000: 7).

A Vida da Serra

O

s dados resultantes destes trabalhos arqueológicos, maioritariamente de prospecção (excepção feita às escavações realizadas por Victor Gonçalves na Anta das Pedras Altas), permitem avançar com algumas hipóteses para a reconstituição da ocupação do território, bem como das estratégias utilizadas. A origem e escassez dos dados disponíveis, porém, não permitem a elaboração de modelos teóricos mais seguros, o que revela a necessidade da realização de escavações arqueológicas em alguns locais de forma a compreender as dinâmicas de ocupação. Como Victor Gonçalves afirma, a actual imagem do povoamento pré-histórico do Algarve Oriental não traduz minimamente a realidade, tenha sido ela o que quer que foi (GONÇALVES, 2003: 24). A ausência de escavações nos pequenos povoados não impede, porém, que o investigador defenda a existência, durante a primeira metade do 3.º milénio a.C., de um complexo sistema de redes de povoamento, explorando os recursos do território (Ibidem, 24). No que concerne as antas e a sua função, o mesmo autor defende que as mesmas poderiam ter constituído, em simultâneo, lugares de enterramento e marcos territoriais, referenciando espaços controlados por comunidades (Ibidem, 27). Como se trata de comunidades nómadas ou pouco enraizadas, as antas assumiriam o papel de referências inamovíveis, compensando a fluidez dos territórios do grupo que as construía (Ibidem, 27). Mas quem seriam e onde viveriam as 017

comunidades que construíram as antas e as tinham como marcos territoriais e locais de enterramento? Do povoamento deste período pouco se sabe, o que apenas poderá significar uma de duas hipóteses (ou uma conjugação das mesmas): prospecção insuficiente ou inexistência de locais duráveis de habitação (Ibidem, 33). Por outro lado, o povoamento da serra neste período seria muito reduzido e disperso, o que dificulta ainda mais a tarefa de reconstituir o mesmo. Para o mesmo investigador, os monumentos megalíticos traduzem tardias entradas de pastores no Alto Algarve Oriental e não a estabilização em actividades agrícolas de populações “neolíticas” (Ibidem, 33), uma vez que a reduzida qualidade dos solos e a proximidade dos chamados “Barros de Beja” tornariam a região pouco atractiva para as florescentes comunidades agropastoris do final do Neolítico (Ibidem, 33). Os trabalhos de prospecção de Maria Maia levam-na a defender que, durante o Calcolítico e Bronze Inicial (4.º milénio, inícios do 2.º milénio a.C.) as populações serranas elegeram para a construção dos seus habitats pontos elevados, bem defensáveis sendo que no Bronze Final é escolhida a meia encosta, tanto para habitats como para necrópoles (MAIA, 2000: 16).

Segundo a mesma autora, durante a Primeira Idade do Ferro existem povoados de altura, não raro amuralhados, coexistindo com habitats abertos que se implantam em pequenas elevações sobranceiras a várzeas férteis e com um curso de água (Ibidem, 16). A já mencionada pobreza dos solos não terá facilitado a romanização das comunidades locais nem a fixação de comunidades já romanizadas vindas de outros pontos do Império (Ibidem, 16). No que respeita ao povoamento nos períodos visigótico e islâmico, Helena Catarino define duas fases as quais correspondem a dois tipos de estratégias de ocupação de território. Numa primeira fase, correspondente aos períodos visigótico e islâmico antigo, deu-se uma permanência em determinadas villae (…) e em alguns casis e o aparecimento, em simultâneo de alguns povoados de altura01 (…) com uma ocupação centrada nos séculos VII e VIII/IX (CATARINO, 1997 – 98: 537). Estes últimos não apresentam (à superfície) nem cerâmicas romanas nem cerâmicas vidradas muçulmanas. Alguns destes povoados de altura correspondentes à Fase I foram abandonados. Porém, assiste-se a partir do califado, a uma permanência nos restantes e a um certo flo-

rescimento rural o que se traduz no aparecimento de diversos alcariais com ocupação até à época almóada (Ibidem, 537). Segundo a mesma autora, alguns destes alcariais disporse-iam, ao redor de uma estrutura defensiva, a qual funcionaria como Torre de Atalaia (Ibidem, 537). Algumas destas alcarias seriam exclusivamente muçulmanas, designadamente povoadas por berberes (Ibidem, 553). Com os avanços da cristandade, que na região serrana apenas se fizeram sentir no século XIII, assiste-se a migrações de populações muçulmanas em direcção ao que restava do Gharb al-Andalus. Aparentemente, estes movimentos populacionais também se fizeram sentir na serra, levando a uma certa desertificação rural02 a que se seguiram dificuldades no repovoamento da região (Ibidem, 550). Os povoados que não foram abandonados aquando da conquista cristã, foram-no nos dois séculos que se seguiram. Surgem, porém, novas concentrações de povoamento nas recém-criadas paróquias, algumas das quais estabelecidas nas imediações de antigas alcarias, outras, como é o exemplo da aldeia de Cachopo, localizadas em áreas mais afastadas (Ibidem, 563). Estas novas aldeias desenvolveram-se em torno do largo da Igreja Paroquial (Ibidem, 563).

01 Como é o caso do Cerro dos Mouros, povoado de altura (408m), de cariz agro-pastoril, de razoável extensão (CATARINO, 1997-98: 552). 02 Para a autora, este declínio demográfico parece ser indiciado pela densidade de povoados muçulmanos desertificados que se encontram no Algarve Oriental (Ibidem, 562).

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Conclusão.

A

ausência de escavações arqueológicas dos sítios arqueológicos identificados na área da actual freguesia de Cachopo vem confirmar que, para o conhecimento das populações humanas e consequente reconstituição das estratégias de ocupação e exploração do território, acrescentar pontos aos mapas nem sempre tem grande significado (GONÇALVES, 2003: 32). Para um maior entendimento das comunidades que habitaram a região serrana (e não apenas as que habitaram a actual freguesia de Cachopo) e a sua relação com o meio seria necessário elaborar um projecto de investigação de âmbito cronológico mais alargado do que os dois já existentes (um vocacionado para o estudo das comunidades Neolíticas e Calcolíticas; outro para a ocupação islâmica do território) e que não se limitasse ao simples cartografar de sítios num mapa (como, no fundo, se limitam todas as Cartas Arqueológicas, instrumentos de utilidade indiscutível no planeamento e ordenamento do território). Esse projecto, obviamente, teria de ter escavações arqueológicas de alguns dos sítios de forma a compreender as suas relações quer com o meio, quer entre si. Contudo, o estado de conservação de alguns sítios, aliado ao facto de alguns deles terem sido profanados recentemente, limita a possibilidade de ainda se encontrar alguma informação preservada.

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Quando a aldeia de Cachopo misturava gente crente e maldizente. Marco Lopes Historiador (Câmara Municipal de Tavira)

E

scondida no meio da serra, quase sem companhia, a não ser dos silenciosos montes que a envolvem, bem longe da agitada e sonora vida urbana do litoral algarvio, fica a aldeia rural de Cachopo. Desse isolamento já o pároco que por estas bandas andava em missão espiritual nos dava relato em 1758. Aos olhos de Manoel do Nascimento 01 , assim chamado esse religioso, a aldeia de Cachopo está situada em hum monte ou serro e que não se descobrem della povoaçois algumas, senão somente serranias e alguns hortejos que a çercão e dous moinhos de vento que ficão e estão plantados em hum serro fronteiro ao mesmo lugar 02. Poucas diferenças se podem apontar entre as declarações registadas pelo representante da Igreja em Cachopo nos meados do século XVIII e as observações que hoje se possam retirar a propósito da condição geográfica desta aldeia do concelho de Tavira, que nem sempre a este teve de prestar contas. Ao longo das centúrias que medeiam entre os primórdios da passagem das tropas cristãs da Ordem de Santiago pela serra algarvia e os anos 30 do século XIX, a aldeia de Cachopo conheceu mais do que uma sede de concelho. Alcoutim e Tavira, principal-

mente, mas também Faro e Loulé, acondicionaram nos seus limites territoriais não só a aldeia de Cachopo, actualmente sede de freguesia, mas também pequenos montes que no presente lhe pertencem. Antes de rumarem em direcção ao Algarve mourisco, entusiasmados pelas vitórias conseguidas em Mértola e Aljustrel ainda na primeira metade de Duzentos, a Ordem de Santiago e o seu marcante líder D. Paio Peres Correia teriam de descobrir uma solução eficaz de dobrar a serra algarvia. As tropas santiaguistas, receosas pela grande passagem da serra 03, tentam impedir que Paio Peres Correia mantenha a intenção de avançar sobre as urbes islâmicas do litoral algarvio. Indiferente ao estado de alma dos seus homens, o mestre dos espatários pede a Garcia Rodrigues, mercador que vende as suas mercadorias antre os moros e os christaons 04, portanto um homem experiente nas travessias entre o Alentejo e o Algarve, que o aconselhe a seguir o melhor trajecto pela acidentada paisagem da serra. Não seria o único a andar nesta vida. O ganha-pão deste e outros comerciantes consistia em assegurar o abastecimento de localidades rurais como Cachopo, fornecendo aos seus

moradores bens essenciais como o sal e o pescado, artigos alimentares muito apetecidos mas longe do seu alcance. Graças a esses viajantes, feirantes e almocreves, que tinham ao dispor caminhos quase sempre defeituosos para circular, não sendo diferente ao longo da serra algarvia, se fica a dever o abastecimento dos concelhos e o intercâmbio comercial de produtos básicos para os respectivos munícipes 05. No fim de contas Paio Peres Correia resolve lançar o ataque e parte de Aljustrel, indo terminar a sua marcha em Estombar, que sem grande dificuldade se resignou 06. A serra, temida pelos homens de Santiago, devido ao ar austero e traiçoeiro que no seu imaginário estava representado, não teria pelos vistos qualquer implicância desastrosa no desenlace do projecto de Paio Peres Correia nem obviamente na estratégia régia de consolidação do território político e geográfico. Uma vez concluída a empresa belicista cristã ao reduzido território muçulmano que ainda restava no Algarve em meados do século XIII, simbolicamente assinalada com a queda de Faro às mãos de Afonso III, importava agora retirar esta região do clima de pe-

Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu termo: memorando histórico, vol. II, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 2001, p. 250. Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (I.A.N./T.T.), Memórias Paroquiais, 1758, vol. 10, n.º 234, fl. 1571. Arquivo Histórico Municipal de Tavira (A.H.M.T.), Livro n.º 1 de Registo da Câmara Municipal ou Reforma dos Tomos da Câmara, 1733, fl. 3v.º. 04 Idem, ibid., fl. 3 v.º. 05 Humberto Baquero Moreno, Os municípios portugueses nos séculos XIII a XVI: Estudos de História, Lisboa, Presença, 1986, pp. 167-169. 06 Damião Augusto de Brito Vasconcelos, Noticias Históricas de Tavira (1242/1840), Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 1989, p. 294. 01

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riferia e marginalidade que respirava. Aqui o número de estalagens está praticamente ausente e as visitas régias raras vezes acontecem. A ligação económica não vai além do Baixo Alentejo, por força dos laços antigos que em matéria de comércio conservam com os territórios da Andaluzia 07 , e a sociedade, ao que parece composta por cristãos, muitos muçulmanos e judeus, anda dispersa. É preciso alargar os horizontes económicos do nóvel reino e também defender as suas fronteiras da vizinha Castela, isso pensa a dinastia afonsina. Para tal reveste-se de fundamental interesse atrair almas suficientes que povoem e defendam localidades tradicionalmente desertificadas e igualmente estratégicas na afirmação da fronteira política. Alcoutim é precisamente um desses casos, sendo com naturalidade que D. Dinis lhe atribui foral em 1304. Se a intenção deste monarca consiste em reunir população num local que se debate com problemas de despovoamento, não é menos verdade que este diploma baseado no de Évora vai criar o termo de Alcoutim, autonomizando um espaço que até então era administrado pela vila de Tavira 08 , isto depois de ter alinhado pelo termo de Cacela nos longínquos anos qua-

renta do século XIII 09. No ano do foral dionisino a Alcoutim o limite concelhio de Tavira, que subia até à ribeira do Vascão desde os tempos em que Paio Peres Correia conquistara esta vila aos mouros, desce até à ribeira de Odeleite 10, curso de água que atravessa e cobre algumas povoações que hoje estão incorporadas na freguesia de Cachopo. Se como vimos a circunscrição administrativa de Tavira recua em relação à localização da aldeia de Cachopo então facilmente se percebe que é ao termo de Alcoutim que cabe agregar no seu território mais essa terra do interior algarvio. Tudo indica que o tenha integrado desde o reinado de Afonso IV até ao consulado de D. Fernando 11, exactamente na altura em que Alcoutim volta a ser anexada ao termo de Tavira 12. Situação que todos os vizinhos da vila de Alcoutim e os habitantes das aldeias rurais ao seu redor terão de sustentar até ao século XV, data em que se dá a instituição do condado de Alcoutim 13 e nessa medida a restauração do seu território enquanto entidade concelhia independente. A aldeia de Cachopo participa naturalmente neste jogo de clarificação dos territórios concelhios na serra algarvia e na disputa

dos centros urbanos mais importantes do Algarve Oriental pela rentabilidade económica que as localidades rurais como aquela eram capazes de oferecer. O lucro que as terras de Alcoutim e de Castro Marim somava não era dos mais altos mas o termo de Cacela disso não se queixava, já que era ele quem o absorvia nos anos vinte do século XIV 14. Acresce a esses rendimentos contabilizados pela Ordem de Santiago, resultantes do produto que os campos de cultivo brotam, a rede de igrejas que está ao seu cuidado e que encontra implantação em vários pontos da serra. É bem credível que muitas dessas casas religiosas no espaço rural algarvio tenham aparecido entre os finais de Quatrocentos e as décadas primaciais da centúria seguinte, levando a sério a ideia de se ter registado um aumento populacional na serra durante esse período temporal, associado muito provavelmente à politica de incentivo agrícola traçada pela Coroa, em concreto pela régia pena de D. Manuel I, que desejava ver os campos de Tavira cultivados em lugar de incultos e ocupados de matos e arbustos silvestres, algo que vinha acontecendo desde o reinado do Mestre de Avis 15. A Câmara de Tavira, proprietária legítima da serra que integra no

Luís Adão da Fonseca, “O Algarve da Reconquista à conjuntura depressiva do século XIV”, in O Algarve da Antiguidade aos nossos dias (elementos para a sua história), Lisboa, Colibri, 1999, p. 118 08 Teresa Rebelo da Silva, “Foral de Alcoutim – 9 de Janeiro de 1304”, in Seminário O Foral de D. Dinis e Alcoutim Medieval e Moderno (policopiado), Alcoutim, Câmara Municipal de Alcoutim, 2004, p. 3. 09 Luís Filipe Oliveira, “A Ordem de Santiago e a conquista de Alcoutim”, in Seminário O Foral de D. Dinis e Alcoutim Medieval e Moderno (policopiado), Alcoutim, Câmara Municipal de Alcoutim, 2004, p. 8. 10 Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu termo: memorando histórico, vol. I, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 1993, p. 13. 11 Alexandra Gradim, Alcoutim urbano e rural: dos finais da Idade Média ao fim do Antigo Regime, Lisboa, Colibri/Câmara Municipal de Alcoutim, 2006, p. 24. 12 Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu termo…, vol. I, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 1993, p. 14. 13 Idem, ibid., p. 14. 14 Luís Filipe Oliveira, ob. cit., p. 10 15 Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu termo…, vol. I, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 1993, pp. 20-22. 07

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Fachada principal da igreja de Cachopo.

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seu domínio concelhio, doada pelo Venturoso em 1502, apoia a actividade agrícola e a fixação de famílias nestes sítios distantes e ermos. Em compensação era exigido o pagamento de um alqueire em cada quinze de trigo, milho ou cevada. Aqui reside um dos fortes motivos que leva a serra de Tavira a dividir-se em oito paróquias e a receber nestes anos cerca de 1200 fogos 16. Bem menos do que esse número de lares era atribuído à vila de Alcoutim e ao seu termo, onde Cachopo entrava, que se saldava em 545 no recenseamento produzido no ano de 1527 17. A aldeia de Cachopo na década de trinta do século XVI permanece sob a alçada administrativa e territorial de Alcoutim, contudo, nada a impede de ter o seu próprio templo, situado no dito lemite d’alldea de Martym Longuo, como dito é na visitação operada a essa localidade em 1534 pela Ordem de Santiago 18 . Adianta ainda esse relatório rubricado pelos visitadores santiaguistas que a ermida de Santo Estêvão, orago da paróquia de Cachopo, tem uma única nave e capelamor, sendo as suas paredes rebocadas a pedra e barro. No seu interior, pouco abonado de trabalhos artísticos, existe uma imagem do santo padroeiro de vollto grande 19, cer-

tamente encomendada alguma oficina de terra afastada, já que no termo de Alcoutim ninguém se conhece que labore nesse mester20. Evidentemente que o luxo e um grandioso conjunto de alfaias religiosas não é esperado nesta igreja, mas ainda assim não dispensa a presença de cálices, castiçais, galhetas, cruzes processionais, caldeirinhas de água benta, campainhas de metal e turíbulos21. Vestes religiosas, panos a ornamentar os altares e toalhas a utilizar no serviço litúrgico também não faltam, algumas destas novinhas vindas da Flandres, como de resto muitas igrejas algarvias as tinham 22. Todos estes bens estavam à guarda de Joham Palmeyro e Bastião Diaz mordomos da dita irmida e moradores no Vall do Chachopo que juntamente na companhia de muitos populares da freguesia construíram à sua custa e de raiz o edifício religioso. Às suas expensas está igualmente o capelão Francisco Alvarez, que recebe anualmente dous moyos e meo de triguo e mill reaes em dinheiro pelas missas que celebra aos domingos, festas, dias de Nossa Senhora, dias dos Apóstolos e às segundas-feiras 23. Que se saiba, três décadas separam a primeira da segunda visita da Ordem de San-

tiago à igreja de Cachopo. Uma nova comitiva santiaguista examina o templo local em vésperas do Natal de 1565. Ainda no reduto administrativo de Martim Longo, sabe-se desta vez que a ermida de Cachopo detém na sua capela-mor um telhado em madeira de castanho, um altar em alvenaria e um nicho de madeira tudo velho que ostenta a imagem de Santo Estêvão 24. O interior da igreja está diferente e denuncia algumas inovações de carácter decorativo desde que os visitadores de Santiago apareceram em Cachopo nos anos trinta do século XVI. Exemplo disso é a pintura mural que surge nas paredes recentes e por caiar da igreja a retratar a imagem de São Sebastião e outros santos, expressão artística que no Algarve se estende quase até ao término de Quinhentos, embora se debata com a concorrência dos retábulos que as igrejas desta região vão começando a importar do Norte da Europa 25. Vê-se que a igreja está inacabada e em obras: falta ladrilhar o chão, assentar as grades à entrada do cruzeiro e colocar umas portas nos pontos de acesso ao interior do edifício 26. São os devotos de Santo Estêvão de Cachopo que nesta data continuam a arcar com as despesas de manutenção e reno-

Idem, ibid., p. 22. Alexandra Gradim, ob. cit., p. 29. Hugo Cavaco, Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio (subsídios para o estudo da História da Arte no Algarve), Vila Real de Santo António, Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, 1987, p. 146. 19 Idem, ibid., p. 146. 20 Francisco Lameira; Manuel Rodrigues, A escultura de madeira no concelho de Alcoutim do século XVI ao XIX, Faro, Comissão de Coordenação da Região do Algarve, 1985, pp. 17-18 21 Hugo Cavaco, ob. cit, pp. 146-147. 22 Francisco Lameira, A talha no Algarve durante o Antigo Regime, Faro, Câmara Municipal de Faro, 2000, pp. 56-57. 23 Hugo Cavaco, ob. cit., p. 148 24 Idem, ibid., p. 320. 25 Francisco Lameira, A talha no Algarve…, p. 24. 26 Idem, ibid., p. 320. 16 17

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Imagem de Santo Estevão, orago da paróquia de Cachopo, produzida nos finais de setecentos.

vação da igreja, decidindo mandar executar umas portas novas para a entrada principal que substituam suas portas velhas 27. Se dinheiro há que torne exequível o aparecimento de hum campanairo feito de novo d’alvenaria com hum sino pequeno bom

e de um novo altar em alvenaria saindo da capella da banda do sul, outros trabalhos artísticos existem na igreja que contrastam em idade e estado de conservação, tendo em conta que os visitadores de Santiago testemunham ter visto uma imagem de Nosa Senhora da Conceição de vulto já velha 28. Tem pia baptismal, como mandam as regras, mas o barro em que é moldada deveria ceder lugar a uma peça de pedra bem obrada com suas grades fechadas 29. Administra aqui missa todo o santo Domingo e em dias de festa grande que o calendário religioso contemple o capelão Antonio Fernandez clerigo do abito de São Pedro com carta de cura do Bispo do Alguarve, ofício que lhe vale ao ano dous moios de trigo que lhe pagão os fregueses a suas custas 30. A população de Cachopo, que à data da última visita santiaguista ronda o meio milhar de moradores, maioritariamente atarefada nos trabalhos da agricultura e da pastorícia, participa e contribui na conservação e no embelezamento da sua igreja. No entanto, são os mordomos da fábrica paroquial de Cachopo, escolhidos todos os anos entre os confrades 31, cargo que na altura era desempenhado a meias entre Manoel Vaaz e Rodrigo Estevens, os primeiros a ouvir as determinações dadas pela Ordem de Santiago

e os principais responsáveis a empreender todos os esforços para que essas recomendações se cumpram sem delongas, evitando uma multa que podia incorrer numa pena de dez cruzados, ametade pera os cativos e a outra ametade pera o meirinho da Visitação da Ordem 32. Além da nova pia em pedra e das novas portas para a entrada principal, a igreja segundo parecer dos rigorosos observadores santiaguistas estava necessitada de armários onde colocar os santos óleos e os assentos paroquiais, uma caixa para os unguentos sagrados e uma caldeira de água benta. As obrigações de fundo a que estão sujeitos residem, por um lado, na reconstrução da capela-mor tendo em vista atingir um tamanho idêntico ao da nave da igreja, e por outro lado, à edificação de uma sacristia 33, compartimento que pelos vistos constituía uma novidade. No último terço do século XVI os hábitos económicos em Cachopo nada divergem daqueles que antes se exercitavam. A agricultura, em particular o cultivo de campos de trigo, centeio e cevada, continua a ter um importante peso na ocupação quotidiana das gentes desta aldeia, que na década de setenta dessa centúria é um lugarete de quarenta vizinhos, termo de Alcoutim34. A par dos lugares de Giões e Vaqueiros, a

Idem, ibid., p. 320 Idem, ibid., p. 320. Idem, ibid., p. 322. 30 Idem, ibid., p. 321. 31 Francisco Lameira; Manuel Rodrigues, A escultura de madeira…, p. 16. 32 Hugo Cavaco, ob. cit., p. 323. 33 Idem, ibid., p. 323 34 Manuel Viegas Guerreiro; Joaquim Romero Magalhães, Duas descrições do Algarve do século XVI, Lisboa, Sá da Costa, 1983, p. 57. 27

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aldeia de Cachopo corresponde a uma freguesia territorialmente ainda sufragânea de Martim Longo, que ao início de Seiscentos regista duzentos fregueses, figurando talvez entre eles uns quantos lavradores ricos35. A ligação de Cachopo a Martim Longo, porém, enfrenta uma realidade administrativa distinta, considerando que no século XVI e suspeitamente ao longo da primeira metade do século XVII o território dessa paróquia se desanexa de Alcoutim e se dispõe à jurisdição repartida entre os termos de Faro e Loulé36. Regressará ao concelho de Alcoutim na segunda metade do século XVII, como adiante explicaremos, quando a Casa do Infantado se torna senhorio desses terrenos. Pão não falta à mesa das famílias de Cachopo, mas fartura dele não se pode dizer que a região algarvia tenha, caso contrário os algarvios seriam vistos como gente tão alterosa e detreminada que não pudera ninguém com eles37. É verdade que o termo de Alcoutim está confortavelmente abastecido de trigo, carne e caça no século XVII38, mas os quantitativos de cereais muitas vezes não evitam que se recorra a outras paragens como o vizinho Alentejo, a Andaluzia, Lis-

boa ou o Norte da Europa39. O figo, que muito rende à economia e ao comércio regionais, substitui nos períodos de acentuada crise os ingredientes que em circunstâncias normais deveriam satisfazer o estômago dos algarvios. Semelhante papel alternativo na dieta alimentar tem o peixe, em especial a sardinha40, pois quando a fome aperta e o cereal rareia o aconchego surge de algum lado. Não bastando esses recursos alimentares o termo de Alcoutim ainda proporciona aos seus munícipes, incluindo os de Cachopo, a apanha de cogumelos, frutos silvestres, plantas, folhas, raízes e bolotas, além de mel e cera, que muito se observa em Martim Longo41, aliás em boa parte da serra, que a ser apurado com qualidade e prontidão pelos seus produtores garantidamente granjeiam bem sua vida42. Na serra, desde Aljezur até Alcoutim, é possível detectar nos finais do século XVI grandes manadas de vacas, fermosos fatos de cabras e muitas varas de porcos43, mas na região que circunda a aldeia de Cachopo é a cultura do cereal que mais salta à vista e que muitas afinidades, quer económicas quer geográficas, demonstra ter em relação ao termo de Mértola 44.

Idem, ibid., p. 172 Alexandra Gradim, ob. cit., p. 24. 37 Manuel Viegas Guerreiro; Joaquim Romero Magalhães, Duas descrições…, p. 128. 38 Alexandra Gradim, ob. cit., p. 31. 39 Joaquim Romero Magalhães, O Algarve Económico (1600-1773), Lisboa, Estampa, 1993, p. 177. 40 Idem, ibid., p. 183. 41 Alexandra Gradim, ob. cit., p. 67. 42 Manuel Viegas Guerreiro; Joaquim Romero Magalhães, Duas descrições…, p. 127. 43 Idem, ibid., p. 127 44 Alexandra Gradim, ob. cit., p. 74. 45 Joaquim Romero Magalhães, O Algarve Económico (1600-1773), p. 117. 46 Alexandra Gradim, ob. cit., p. 74. 47 Joaquim Romero Magalhães, O Algarve Económico (1600-1773), p. 187. 35

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O Algarve vira-se para o campo, a sociedade converte-se aos prazeres da vida rural e as principais cidades do litoral perdem gente e motivo de interesse que leve alguma pessoa a estabelecer morada ou a abrir negócio. Sintomas temo-los a partir do último quartel do século XVI, mas a centúria seguinte é por excelência aquela que expõe nitidamente o novo quadro económico e social em que a região algarvia ingressa. Centros urbanos enumeram-se quatro: Tavira, Faro, Vila Nova de Portimão e Lagos, todos equiparados na depressão, a tal ponto que nenhum se destaca nem tem forças que o empurrem até à reabilitação. A serra, em sentido contrário, independentemente de distribuir os seus povoados em núcleos dispersos, vai crescendo, sobretudo entre as décadas de 30 e 70 do século XVII45, não só em população como também no volume de cereais produzidos. Projectando precisamente os lucros que o trigo, a cevada e o centeio estão nesta altura em boa posição de prometer, a Igreja, ou mais em concreto o Cabido da Sé, instala em Martim Longo um celeiro destinado à recolha do dízimo46 , que em 1640 vai receber pão, tal como outros depósitos à sua guarda implantados na serra47. Mas o controlo das autoridades eclesiásticas na serra algarvia, em particular na freguesia de Cachopo, ultrapassa as actividades económicas e vai atingir seriamente as convicções religiosas e os comportamentos morais dos seus paroquianos. António Banha, ferreiro em Cachopo, sentar-se-á nos finais da década de sessenta do século XVII nos bancos da Casa do Despacho da Inquisição de Évora, depois de ter sido acusado de 025

heresia e blasfémia. A denúncia chega pela boca de um padre de São Pedro de Sólis (termo de Mértola) que relata ao Inquisidor Pedro Mexia de Magalhães o episódio fatal dos actos intoleráveis que António Banha comete e sobre os quais o incriminam. Terá sido durante um jogo de cartas à noite em casa de Domingos Marques, agricultor, 51 anos de idade, na presença de pessoas de Cachopo e Alcoutim, entre eles o pároco da terra Manoel Rodrigues, que nestes momentos de lazer pouco se diferencia do povo48, quando António Banha alegadamente afirmou ter sido responsável pela venda de Cristo, que a censura e a excomunhão apenas tinham o objectivo de assustar e que melhor era gastar dinheiro em vinho do que na Bula da Cruzada. Uns dias nos cárceres da Inquisição eborense e um valente sermão são os castigos que lhe aplicam49. Pior sorte tem Lourenço Martins, que deixa viúva Maria da Praça, depois de saber em Junho de 1666 que vai ser queimado num auto-de-fé, sentença que deriva do crime que lhe imputam de heresia e escândalos de palavras. Morava em Alcaria mas era dos Montes da Malhadinha, freguesia do Vale de Cachopo50. Desta aldeia são naturais Baltasar Martins e Leonor Fernandes, igualmente vítimas

do Santo Oficio. O primeiro, homem do campo, a viver em Loulé nesta altura, protagoniza um delito de adultério, casando de segundas núpcias com Catarina Miguéis ainda em vida da primeira esposa, a pobrezinha da Bárbara Viegas. É preso em Agosto de 163451 e morto na fogueira um ano depois . A segunda, a trabalhar como empregada doméstica, mora nos anos 90 de Seiscentos em Lisboa e conta 23 primaveras. O facto de andar a condicionar o serviço da Inquisição lisboeta merece que ouça a sentença dada a 23 de Fevereiro de 1692 com a carocha na cabeça, uns açoites à vista de todos, três anos de degredo para Castro Marim e não sendo pouco o pagamento de custas do processo52. Estamos então diante de ovelhas tresmalhadas que não seguem as pisadas decentes do resto do rebanho e muito menos os conselhos puros do pastor da freguesia. Todos os que praticam o mal ou aqueles que de algum modo se desviam das regras impostas pela Igreja, estão de imediato a assinar o seu nome no livro de devassas da paróquia onde residem, informação a que o bispo tem acesso e que é lavrada em assento próprio após se dar ao esforço de inquirir um conjunto aleatório de paroquianos durante as suas visitas à diocese53. Cachopo teve a oportunidade de expe-

rimentar semelhante sensação quando em Julho de 1631 sua santidade o bispo D. Francisco de Meneses escolhe essa aldeia como um dos alvos do seu itinerário pastoral54. Antes, mais especificamente na primeira metade de Quinhentos, as visitas tinham como pretexto vigiar e velar pelo bom estado das igrejas e do seu recheio artístico, a partir da segunda parte dessa centúria, é a atitude moral e social das pessoas que mais importa às instâncias máximas da diocese e que motiva a realização de deslocações dos seus responsáveis pelas cidades e aldeias algarvias55. A Igreja está sem dúvida muito presente na aldeia de Cachopo e na vida dos seus habitantes, reprimindo e castigando exemplarmente os que maldizem acerca da sua doutrina, por um lado, e animando os que defendem os valores cristãos a falar sempre a verdade e a cuidar do seu património religioso. Por isso continuava a deter uma grande força e um evidente poder, que a partir da segunda metade do século XVII em diante vai partilhar com a Casa do Infantado, donos de avultados terrenos no concelho de Alcoutim e naturalmente na freguesia de Cachopo. O património dos jovens membros da família real, entenda-se Casa do Infantado, reside na sua grande maioria em proprieda-

Bruno Leal, “A igreja no Algarve nos séculos XVII e XVIII”, in O Algarve da Antiguidade aos nossos dias (elementos para a sua história), Lisboa, Colibri, 1999, p. 287. Marco Lopes, “Contributos para o estudo da acção inquisitorial no Algarve durante a segunda metade do século XVII: um caso de heresia e blasfémia na aldeia de Cachopo”, in Vipasca – Arqueologia e História, n.º 1, 2.ª. série, 2006, pp. 53-62. 50 I. A. N. T. T., Tribunal do Santo Oficio, Inquisição de Évora, proc. 8080. 51 I. A. N. T. T., Tribunal do Santo Oficio, Inquisição de Évora, proc. 6723. 52 I. A. N. T. T., Tribunal do Santo Oficio, Inquisição de Lisboa, proc. 3959. 53 Bruno Leal, ob. cit., p. 288. 54 Idem, ibid., p. 288 55 Idem, “Contra-Reforma e Reforma Católica no Algarve”, in O Algarve da Antiguidade aos nossos dias (elementos para a sua história), Lisboa, Colibri, 1999, pp. 244-245. 48 49

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A Vida da Serra

Imagem de São Sebastião manufacturada nos finais do século XVIII. des agrícolas56, parte delas garantidamente oriundas do termo de Alcoutim, incorporadas nas suas possessões à custa das terras confiscadas ao Marquês de Vila Real e Duque de Caminha que aí possuía em bom número57. A Casa do Infantado torna-se então a gestora e gestora será ainda nos meados do século XVIII de terrenos que se estendem pelo termo de Alcoutim e que abrangem a freguesia de Cachopo. Se réstias de dúvidas pairavam acerca da posse da aldeia de Cachopo o Inquérito Paroquial de 1758 encarrega-se de as eliminar, anunciado que a mesma hé e pertence ao Infantado, e que a este pertence ao prezente, e não consta que há annos immemoráveis pertencesse a outro qualquer proprietário ou senhorio58, palavra de Manoel do Nascimento, pároco da terra. Menciona ainda esse documento que a aldeia fica em Província do Algarve e pertence ao Bispado do Algarve, comarca da cidade de Beja, termo da villa de Alcoutim59. Não admira pois que o líder religioso de Alcoutim reserve alguma atenção à aldeya de Caxopo na elaboração das respostas a idêntico formulário, descrevendo-a juntamente com as restantes sedes de freguesia do termo (Pereiro, Giões, Vaqueiros e Martim Longo) como lugares onde rezidem os Parochos e

aonde estão as Igrejas de cada huma das freguezias e aonde concorrem as ovelhas de cada huma das taes freguezias para receberem o pasto espiritual60. Nos cálculos do pároco de Alcoutim a aldeia de Cachopo consta de quarenta e tres vizinhos61, enquanto a sua freguesia totaliza trezentos e settenta vizinhos e de mil e duzentas pessoas exceptuadas as de peito e as demais que attingem a idade de sette annos62. Alimento que baste a esta gente toda pode-se alcançar nos campos de centeio, trigo e cevada que se vão cultivando, nas perdizes e nos coelhos que os matos desta freguesia vão acolhendo ou no gado cabrum que os seus moradores se dão à iniciativa de criar63. Em cabeças de gado a freguesia de Cachopo não tem rivais no termo de Alcoutim por concervar mais matos e ser terra mais fragoza64. Feira não há e correio menos ainda. Nem tudo é mau se pensarmos que na aldeia está ao serviço do público um juiz vinteneiro dependente de Alcoutim. Nogueiras e castanheiros pontuam a paisagem de Cachopo e também um sortido variado de ervas medicinais, como violetas, sete sangrias, herva alcar, e nesta freguezia e termo nas rochas a herva douradinha e em muntas partes fora de rochas Orgevam,

Armando de Castro, “Casa do Infantado”, in Dicionário de História de Portugal, (dir. Joel Serrão), vol. III, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, p. 316. António Miguel Ascensão Nunes, Alcoutim: capital do Nordeste Algarvio (subsídios para uma monografia), Alcoutim, Câmara Municipal de Alcoutim, 1985, pp. 165-167. 58 I.A.N./T.T., Memórias Paroquiais, 1758, vol. 10, n.º 234, fl. 1571. 59 Idem, ibid., fl. 1571. 60 I.A.N./T.T., Memórias Paroquiais, 1758, vol. II, n.º 12, fl. 114. 61 Idem, ibid., fl. 115. 62 .A.N./T.T., Memórias Paroquiais, 1758, vol. 10, n.º 234, fl. 1571. 63 Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu termo…, vol. I, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 1993, p. 44. 64 I.A.N./T.T., Memórias Paroquiais, 1758, vol. II, n.º 12, fl. 122. 56 57

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Fontes. Malvaísco, munto Resmoninho, Escabriola, herva sem nô, Cardazol, tem toda esta serra em os barrancos muitos valles que se cultivão, e com abundacia de agoas onde a coriozidade e conveniência tem feito muitos ortejos principalmente na freguezia de Cachopo honde athe de verão nunca se secam os valles dando nos tais ortejos de toda a casta de plantas65. A freguesia de Cachopo também tem vinhas, mas no gosto as uvas não sam espiciaes como as da vila de Alcoutim. Por fim, uma nota ao clima de Cachopo, que não sendo indiferente ao pároco de Alcoutim, também é objecto de apreciação humorada no Inquérito Paroquial. A amplitude térmica é de tal modo extrema que no Verão os habitantes para sua tranquilidade buscão as sombras das arvores dos seos ortejos e a terra lhe dá abundância de agoas para metigar as calmas e no Inverno sofrem tanto com o excesso de frio que nem na cama se expelli de todo nem o fas totalmente sahir do corpo66. Temperaturas que nada mudam na década de 40 do século XIX, confiando na caracterização meteorológica que Baptista Lopes tece em relação a Cachopo e aos montes da sua freguesia67. Uma única diferença relevante pode ser reparada à aldeia de Cachopo durante esse período: a sua sede concelhia. Através do decreto de 6 de Novembro de 1836 a freguesia de Cachopo integra o termo

de Tavira e desvincula-se administrativamente de Alcoutim68. Hoje, a aldeia de Cachopo compõe uma das nove freguesias do concelho de Tavira e preserva os traços que ao longo da sua história veio desenhando: a economia rural, a interioridade e a solidão.

Arquivo Histórico Municipal de Tavira (A.H.M.T.), Livro n.º 1 de Registo da Câmara Municipal ou Reforma dos Tomos da Câmara, 1733. Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (I.A.N./T.T.), Memórias Paroquiais, 1758, vol. 10, n.º 234. I. A. N. T. T., Memórias Paroquiais, 1758, vol. II, n.º 12. I. A. N. T. T., Tribunal do Santo Oficio, Inquisição de Évora, proc. 8080. I. A. N. T. T., Tribunal do Santo Oficio, Inquisição de Évora, proc. 6723. I. A. N. T. T., Tribunal do Santo Oficio, Inquisição de Lisboa, proc. 3959

Idem, ibid., fl. 121. Idem, ibid., fl. 122. 67 João Baptista da Silva Lopes, Corografia ou memória económica, estatística e topográfica do Reino do Algarve, vol. I, Faro, Algarve em Foco, 1988, p. 379. 68 Arnaldo Casimiro Anica, Tavira e o seu termo…, vol. I, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 1993, p. 43. 65

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A Vida da Serra

Bibliografia. ANICA, Arnaldo Casimiro, Tavira e o seu termo: memorando histórico, vol. I, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 1993. IDEM, Tavira e o seu termo: memorando histórico, vol. II, Tavira, Câmara Municipal de Tavira, 2001. CASTRO, Armando de, “Casa do Infantado”, in Dicionário de História de Portugal, (dir. Joel Serrão), vol. III, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992. CAVACO, Hugo, Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio (subsídios para o estudo da História da Arte no Algarve), Vila Real de Santo António, Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, 1987. FONSECA, Luís Adão da, “O Algarve da Reconquista à conjuntura depressiva do século XIV”, in O Algarve da Antiguidade aos nossos dias (elementos para a sua história), Lisboa, Colibri, 1999. GRADIM, Alexandra, Alcoutim urbano e rural: dos finais da Idade Média ao fim do Antigo Regime, Lisboa, Colibri/Câmara Municipal de Alcoutim, 2006. GUERREIRO, Manuel Viegas; MAGALHÃES, Joaquim Romero, Duas descrições do Algarve do século XVI, Lisboa, Sá da Costa, 1983.

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MAGALHÃES, Joaquim Romero, O Algarve Económico (1600-1773), Lisboa, Estampa, 1993.

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Arquitectura popular na Serra de Tavira. Cláudia Dupont Alexandre Costa

Arquitectura popular - raízes e influências.

Introdução.

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ctualmente tem-se vindo a assistir a um gradual envelhecimento de toda a população serrana, decorrente do êxodo das camadas mais jovens para o litoral, originando o abandono e desertificação de muitas das aldeias e montes da serra. Outras, não estando ainda vazias, estão prestes a sê-lo, pois na grande maioria dos casos, o seu número de moradores não ultrapassará a meia dezena e já com idades bastante avançadas. Este processo é de tal forma evidente que nos leva a reflectir sobre a hipótese de estarmos diante da última geração, já envelhecida, de habitantes capazes de transmitir conhecimentos, adquiridos ao longo de gerações, sobre uma arquitectura popular vernácula, feita pelos próprios e sem a intervenção de técnicos projectistas, ou sujeita a regras e a leis de construção e de ordenamento. Essa arquitectura, fundamentalmente funcional na sua essência, era feita à medida das necessidades e possibilidades de cada um, recorrendo apenas a mestres pedreiros e aproveitando a mão-de-obra de familiares ou vizinhos. Essa constante passagem do testemunho, às gerações mais novas, corre agora o risco de se perder. Mesmo aldeias com maior número de habitantes, como é o caso de Cachopo, em que aparentemente se conserva 030

alguma vida, são uma sombra daquilo que já foram, apenas há algumas décadas atrás. Com o desaparecimento de toda uma geração, extingue-se com ela todo o “saber fazer” de uma arquitectura alicerçada num conhecimento empírico, bem como o domínio dos materiais e técnicas tradicionais de construção utilizados na execução desses edifícios. Tal como as aldeias, também as técnicas tradicionais de construção são abandonadas, ou substituídas por outras mais modernas e mais fáceis, acabando por desaparecer ou ficar esquecidas no tempo. Há que ter consciência da existência de técnicas e características arquitectónicas, que perduraram por séculos e que se têm, vindo a perder, irremediavelmente, nas últimas décadas. Torna-se desta forma muito importante e até urgente, a realização de estudos, trabalhos e investigações, sobre a arquitectura popular vernácula da Serra Algarvia e seus processos construtivos, que registem com rigor e seriedade este tema tão poucas vezes abordado. Neste contexto, Cachopo não é um caso isolado. Falar da sua realidade é falar na realidade da restante serra do Sotavento algarvio. Falar da sua arquitectura é, também, falar da arquitectura desta região e vice-versa. A Vida da Serra

A

Arquitectura popular tradicional portuguesa surge como expressão final da conjugação e interdependência de factores que à partida parecem distintos. O meio geográfico natural, o meio humano, o meio histórico-cultural e sobretudo as condições económico-sociais contribuem para a caracterização de cada região e consequentemente para a definição da casa popular e da sua arquitectura. À grande diversidade regional, a que corresponde uma grande diversidade geográfico-paisagística, estão associados processos construtivos, tipologias arquitectónicas, diferentes formas de assentamentos populacionais e materiais de construção disponíveis para a execução dos edifícios. Normalmente, os condicionalismos financeiros levavam as populações a recorrer ao meio natural envolvente às suas povoações, para dele extraírem as matérias-primas e materiais disponíveis para a construção dos edifícios. Mesmo quando o factor económico não constituía uma condicionante relevante para a aquisição dos materiais de construção, a sua importação de lugares mais distantes podia, só por si, tornar-se uma condicionante, pois transportar o que quer que fosse era sumariamente complicado, num território sem meios e sem uma rede viária acessível. A casa popular torna-se, principalmente

por estas razões, na expressão social e económica de cada região. Utilizando processos simples e arcaicos, mas que revelavam uma grande sabedoria empírica, as pessoas foram conseguindo dominar os materiais e técnicas tradicionais de cada região, aperfeiçoandoas ao longo do tempo e erigindo edifícios cuja qualidade construtiva permitiu que muitos chegassem até aos nossos dias. Pela conjugação dos múltiplos factores inerentes a cada região e nomeadamente pela utilização dos recursos naturais de cada uma delas, pode-se então definir, genericamente, tipologias arquitectónicas e construtivas distintas. A uma casa do norte correspondem, obviamente, tipologias, processos construtivos e emprego de materiais de construção distintos de uma casa do sul. Por exemplo, as características da pedra existente numa região condiciona, impreterivelmente, as características da alvenaria que com ela se executa, assim como, a inexistência de pedra origina a utilização de técnicas alternativas, nomeadamente as construções em taipa, tijolo, adobe e até mesmo certos materiais vegetais. Também o legado histórico e cultural constitui um factor de extrema importância, na caracterização da casa portuguesa, quer se trate de arquitectura civil, religiosa ou militar. Muitas das técnicas que hoje conhecemos foram deixadas por outros povos com culturas distintas da que hoje reconhecemos como portuguesa. Porem, muitas influências dessa cultura ficaram e perduram ate hoje manifestando-se em muitos dos hábitos, tradições e costumes que praticamos diariamente e como não podia deixar de

ser, também na arquitectura. São bastante perceptíveis as diferenças existentes entre as populações do Norte e do Sul do país, pois cada uma destas regiões recebeu diferentes heranças culturais, fruto da influência de povos que ocuparam esses territórios sucessivamente, durante séculos e nele enraizaram parte das suas culturas. Obviamente, no sul do país ficou mais vincada a cultura islâmica, local onde este povo permaneceu durante mais tempo. Da inter-relação e coexistência de diferentes civilizações, que difundiram e espalharam as suas géneses e culturas pelas regiões da bacia do Mediterrâneo, resultaram povos com uma cultura, relativamente semelhante entre si. Neste processo houve, contudo, um grande protagonista que propiciou o desenrolar desses acontecimentos. O Mar, se por um lado foi a porta aberta a expansões, guerras e ocupações, por outro foi também a grande via de comunicação para a difusão de ideias, culturas, povos, civilizações e consequentemente da arquitectura. A costa algarvia é, na sua quase totalidade, banhada pelo Oceano Atlântico, mas a proximidade desta região ao estreito de Gibraltar, principalmente o sotavento, deixa-a à mercê das influências do Mar Mediterrâneo e de tudo o que dele advém, incluindo muitas das conquistas e expansões territoriais passadas por toda a bacia do Mediterrâneo. Em Portugal, foi o Algarve a região que mais influência teve dos povos Mediterrânicos. Hoje é possível, através de alguns processos como as escavações arqueológicas ou a constatação de dados históricos, comprovar a passagem e permanência de muitas A Vida da Serra

dessas civilizações e culturas, por este território. De facto, esta foi uma área bastante cobiçada e com certeza de grande importância estratégico-militar e comercial, tendo em consideração o grande número e relevância dos vestígios que se têm vindo a encontrar. De uma forma geral, na arquitectura popular algarvia são evidentes as influências Mediterrâneas, sobretudo as de proveniência árabe que, reinterpretadas e adaptadas à realidade local pelas populações autóctones, resultam numa tipologia e morfologia própria desta região. Muitas das técnicas utilizadas na construção de edifícios populares vernáculos algarvios são idênticas àquelas que se faziam e que ainda hoje se fazem, noutros países da bacia do Mediterrâneo. Estes, inclusive, aproximam-se por vezes à tipologia, morfologia e até mesmo ao próprio modo de habitar e viver a casa e os espaços exteriores envolventes.

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Os montes na serra do Sotavento Algarvio assentamentos e implantação

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o mundo rural da serra e do litoral, tal como a maioria dos povos mediterrâneos, vive-se em comunidade e em mútua colaboração, originando povoamentos compactos na serra e disseminados no litoral. O primeiro, na zona serrana, manifesta-se essencialmente por um tipo de povoamento baseado em pequenos assentamentos designados por montes, ou por outros, de dimensões maiores, designados por aldeias. O segundo, no litoral, manifesta-se sobre a forma de casas isoladas, que se localizam pontualmente em redor das vilas ou cidades. Destes dois tipos de povoamento decorrem dois tipos específicos de propriedade e regimes de produção distintos que, por sua vez, geram formas distintas de integração na paisagem. Na serra, os assentamentos correspondem, maioritariamente, a um regime de propriedade extremamente retalhado, à excepção de algumas propriedades de dimensão considerável que, na grande maioria dos casos pertencem a lavradores mais abastados. No litoral, o assentamento disseminado, geralmente, faz corresponder a cada grande parcela de terreno, uma estrutura edificada, unifamiliar, de apoio à propriedade. De qualquer modo, a implantação dos montes e estruturas edificadas, da serra ou do litoral, está directamente relacionada com as características do território que explora e sobre o qual assenta, tendo como factores de escolha preponderantes as pendentes, a altitude, a orientação, o clima, os solos a estrutura das propriedade e condições sócio económicas do lugar.

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A arquitectura rural tradicional na serra constitui, tal como no litoral, uma projecção do território onde assenta e um testemunho arquitectónico, indiscutível, da paisagem. Regra geral, o local da implantação de um monte ou aldeia na serra pressupunha a existência de uma série de pré-requisitos necessários. A proximidade de uma ribeira era fundamental para a sobrevivência das populações, servindo a sua água para o consumo de pessoas e animais e para a rega das hortas. Junto da ribeira, nas áreas férteis de depósito de terras e salvo raras excepções, localizavam-se as hortas e no cimo do serro, nas zonas estéreis construíam-se as casas, sobre a rocha. É habitual que essa elevação seja rodeada por outras, de maior altura, protegendo o aglomerado habitacional dos ventos fortes e frios do Inverno. Apesar de nem sempre ser evidente, consegue-se perceber uma certa lógica na localização das distintas valências funcionais de cada monte, sobretudo naqueles de menores dimensões. Desta forma, tomando como exemplo representativo o monte do Beliche de Cima, na Serra de Tavira, constata-se que na área mais alta deste aglomerado se encontram as habitações e que estas, aproveitando os afloramentos rochosos como base de sustentação das suas paredes, mantêm-se secas e longe das linhas de água. Num patamar mais baixo encontram-se os palheiros e as ramadas dos animais cujos dejectos, daí provenientes e utilizados nas hortas como fertilizante, são depositados nas estrumeiras localizadas num plano já muito próximo do nível das hortas que, por sua vez, se lo-

A Vida da Serra

calizam junto à ribeira. Mais afastados encontram-se os pocilgos preservando, desta forma, a aldeia de maus odores. É, portanto, bastante notória a hierarquia e organização funcional patente na implantação desta aldeia revelando uma grande inteligência no aproveitamento e racionalização do espaço e dos recursos existentes. Em núcleos de maiores dimensões, esta organização deixa de ser tão perceptível e as distintas funções, que inicialmente surgem separadas em pequenos sub-núcleos, a determinada altura do seu crescimento misturam-se, dando origem a assentamentos mais complexos.

A casa da Serra do Sotavento Algarvio.

A

casa característica dos montes da serra, nomeadamente a do Sotavento, pode ser entendida como um dos exemplos das tipologias mediterrânicas. É de dimensões reduzidas, porque não necessita de responder a questões funcionais complexas e porque é, principalmente, utilizada para dormir. Os produtos a armazenar ocupam pouco espaço, os animais de estábulo são poucos e as ferramentas de trabalho também. A exiguidade dos espaços habitacionais obrigava, frequentemente, à sua mudança de uso, sendo normal uma divisão ter mais que uma função, ou funções diferentes ao longo do ano. Era frequente, sobretudo no Verão, a passagem de usos que, habitualmente eram de espaço interior, para o exterior. Cozinhava-se na rua e por vezes, homens e animais dormiam debaixo do mesmo tecto. As casas da serra resumem-se, na grande maioria das vezes, ao “essencial”, desprovendo-se de elementos de conforto, supérfluos, distanciando-se largamente do que actualmente são os padrões e os novos conceitos do habitar. Pode-se considerar que grande parte destas casas não era concebida como habitação, mas sim como uma espécie de abrigo que surgia no prolongamento das actividades económicas destas populações, sobretudo a agricultura e a pastorícia. Chegavam a dormir seis a sete pessoas num espaço com cerca de nove metros quadrados. Os pátios fronteiros, na maioria das vezes formalizados por um pavimento mais cui-

dado, em lajes de xisto ou seixo da ribeira e pela colocação de uma parreira que serve de ensombramento, são o prolongamento do interior da casa para o exterior, numa constante busca da vivência e exploração espacial resultante da relação entre ambos. A maior parte do dia é passada no exterior, seja no trabalho artesanal, nos ofícios, ou no descanso, porque o clima permite que assim o seja, ao ar livre, durante quase todo o ano. Pátios, fornos, casas de fogo, poços e noras (as noras, muito raras na serra), podem também considerar-se uma extensão da casa para o exterior e é ai, em torno desses elementos, onde se gera parte fundamental da vida doméstica rural, seja ela da serra do litoral ou do barrocal. Na compartimentação destes edifícios é frequente utilizar-se designações tais como: “casa de dentro”, “casa de fora”, “casa de fogo” ou “casa de despejo”. A verdade é que, dada a multifuncionalidade das distintas células da habitação e a inexistência de preocupações com os actuais conceitos do habitar, onde se definem funções para cada compartimento, designações como quarto, sala, cozinha, escritório, etc, não fariam sentido para nomear células que abarcavam uma série de possíveis funções. Desta forma, “casas de fora” são os compartimentos aos quais se pode aceder, através de portas, directamente ao exterior do edifício e aqueles cuja comunicação com o exterior era feita através de outros compartimentos designados de “casas de dentro”. As funções das casas de dentro ou de fora podiam ser diversas, dependendo das necessidades da família residente, cheganA Vida da Serra

do mesmo haver acumulação de funções no mesmo espaço. Estes, eventualmente, poderiam ser simultaneamente sala, quarto, arrumos e cozinha. As casas de fogo eram, obviamente, os compartimentos onde se fazia o fogo, podiam ser cozinhas, ou fumeiros, ou ambos. Estas, muitas vezes, estavam dissociadas e separadas fisicamente da restante casa fazendo-se, nestes casos, a comunicação pelo exterior. O fumo intenso produzido pela queima da lenha foi referido, inúmeras vezes, como a principal razão para a existência desta separação física impedindo, desta forma, que este se espalhasse pelos restantes compartimentos. As “casas de despejo”, normalmente também casas de dentro, eram compartimentos destinados a arrumos ou armazenamento de ferramentas da lavoura. Sendo estas utilizadas para o armazenamento de cereais, ou produtos hortícolas, designavam-se “celeiros”. Azeite, trigo ou a caixa da salga da carne, são exemplos de produtos que poderiam ser armazenados ou mantidos neste compartimento até ao seu consumo. Palheiros e ramadas são designações atribuídas a espaços destinados, fundamentalmente, aos animais e que surgem, na grande maioria das vezes, agregados. O palheiro servia para armazenamento da palha que seria dada como alimento aos animais, se bem que, quando as famílias eram numerosas e as casas não comportavam o agregado, estes espaços também serviam como dormitório. Nas ramadas encontravam-se os animais, bovinos ou equídeos, que aqui permaneciam, abrigados, quando não estavam a pastar no 033

Elementos de decoração e ornamentação. exterior. Entre estas duas células existia uma comunicação que servia para remover a palha, do palheiro para a ramada, colocando-a directamente na manjedoura onde os animais se alimentavam. Os conjuntos habitacionais da serra não são constituídos por edifícios de morfologias rígidas ou pensadas de raiz. A necessidade de adaptação funcional e a transmissão de propriedade por matrimónio, herança ou processo de partilha estão na origem de uma constante adição, ou subtracção, “orgânica” de células habitacionais, que podem ser confinantes e interligadas entre si ou afastadas dentro da aldeia ou monte. Construíam-se volumes, abriam-se e fechavam-se vãos, ligando ou encerrando espaços. Cresciam de uma forma muito “orgânica”, adaptando-se às necessidades da família e às características do terreno. Este, geralmente, ditava a orientação das drenagens da cobertura e o posicionamento dos volumes que constituíam a casa. São, normalmente, casas de pé-direito baixo, de um só piso, excepto quando possuem sobrados (2º piso que ocupa parcialmente a área da casa ou de uma divisão) que resultam da diferença de cotas existentes nos terrenos, ou do aproveitamento da diferença de pé-direito, existente entre a fachada principal e a parede de cumeeira. Na serra as coberturas das casas são de uma ou, esporadicamente, de duas águas, cujo o beirado se encontra, respectivamente na fachada principal e na fachada posterior. São frequentes as casas sem janelas e a iluminação dos exíguos compartimentos cinge-se à luz que entra pelo postigo da porta. 034

D

e uma forma geral, na arquitectura popular da Serra do Sotavento Algarvio não existem elementos formais de decoração das fachadas. Molduras ou cantarias de vãos, socos, pilastras ou cunhais salientes, são elementos que, quando existentes, foram na grande maioria dos casos introduzidos à posteriori, fruto de importações e reinterpretações regionais, provenientes do litoral onde, aí sim, são frequentes. Mesmo a tradicional chaminé algarvia, rendilhada e luxuosamente trabalhada, é muito pouco frequente na serra. De facto, aqui, as chaminés não são tão abundantes como no litoral e muitas das vezes não são mais do que duas telhas levantadas, ou desviadas, na cobertura, para possibilitar a exaustão do fumo da casa de fogo. Estes elementos de composição formal das fachadas são mais facilmente encontrados em casas de lavrador, cujo poder económico permitia a execução deste tipo de trabalhos mais elaborados e dispendiosos. Nestes casos, até as molduras dos vãos, que normalmente são construídas em argamassa eram, muitas das vezes, adquiridas em pedra calcária proveniente do litoral. Na serra, um pouco à imagem da arquitectura grega, uma das características mais proeminentes do seu casario é, sem dúvida, o branco intenso e vibrante dos volumes caiados, ou, por contraste, a alvenaria de pedra aparente. No litoral, por sua vez, a paleta de cores dilata-se e o branco começa a ser acompanhado dos tons vermelho “sangue de boi”, “azul cobalto”, cinzento “pó-de-sapato”, verde e amarelos ocres, remetendo-nos para outras tendências mediterrânicas. A Vida da Serra

A utilização da cor, na Serra e ao contrário do que acontecia no Barrocal e no Litoral, é muito pouco frequente, resumindo-se apenas a sua aplicação, embora muito raramente, à pintura de socos, pilastras e molduras de portas e janelas. Portanto, salvo raras excepções que incluem as casas de lavrador, não é normal encontrar-se cor nos planos de fachada, excepto nos elementos acima referidos. Apenas, esporadicamente, se vêem aplicações de cor nas casas da serra e na maioria, das vezes quando estas pertenceram a alguém de extracto ou condição social acima da média. A cor na arquitectura serrana, como elemento decorativo, era quase um luxo, a que nem todas as pessoas podiam aceder e era conotada como símbolo de riqueza, sendo utilizada pelos proprietários como “demonstração” de poder económico. Eram, geralmente, as casas de lavrador que tinham revestimentos coloridos. Podiam tratar-se apenas de caiações, mas muitas vezes eram estuques, barramentos com pinturas a fresco, ou fingidos de marmoreados que, entre edifícios distintos, podiam diferir nas técnicas e processos utilizados na sua execução. Se no litoral o protagonismo arquitectónico, da casa popular, se manifesta sobretudo pelos elementos decorativos, pelas cantarias de vãos, pelos rendilhados de chaminés, ou pelos estuques em relevo, na serra, os edifícios primam pela depuração e despojamento. A ornamentação e decoração é praticamente inexistente. Mesmo o branco, que actualmente predomina na serra, é uma característica relativamente recente. No início e até meados do século XX, a maioria dos

Cachopo: Casario popular vernáculo com introdução, à posteriori, de elementos de decoração e composição formal de fachadas.

A Vida da Serra

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Cachopo: Casario popular vernáculo.

edifícios não eram rebocados ou caiados. Algumas pessoas referem o facto de ainda terem conhecido as suas aldeias com todas as casas de pedra aparente, sem qualquer tipo de revestimento. Mais tarde, na serra, começa então a ser utilizada a cal como material de revestimento, embora de forma heterogénea 036

e mal distribuída. Esta chegava apenas aos montes de lavradores e a algumas aldeias maiores e socialmente mais importantes. Este atraso, na divulgação da cal como material de construção e a sua deficiente divulgação deveu-se, sobretudo, à inexistência de estradas e vias de A Vida da Serra

acesso que possibilitassem o transporte desta e de outras mercadorias até esses locais. A cal tinha, então, que ser transportada em carros de mula, subindo e descendo montes e vales. A cal que chegava às populações, nesta altura, era cara, sobretudo devido ao transporte. Esta apenas era utilizada nas caiações

Cachopo: “Moinho Branco de Cachopo”. e muito dificilmente era empregue em rebocos ou assentamentos de alvenarias de pedra. Nesta altura os rebocos também se faziam em argamassa de barro e eram pintados com cal, mas, devido à sua constituição, não é possível encontrar muitos exemplos em bom estado. Muitas vezes, as caiações eram aplicadas directamente sobre a pedra. Estas, constituídas por sucessivas camadas sobrepostas que se iam acumulando de ano para ano, criavam uma superfície de protecção impermeável de tal forma espessa e ondulante que a reflexão da luz ao incidir-lhe provoca uma luminosidade e vibração inatingível pelas actuais tintas plásticas. Ainda hoje é possível observar-se, em algumas aldeias e montes, a caiação sobre camadas existentes mantendo e preservando estas texturas. Muito raramente se rebocavam ou pintavam as casas destinadas aos animais. Pode-se afirmar, quase com certeza, que na serra só muito excepcionalmente estas divisões eram rebocadas e quando isso acontecia pressupõe-se uma anterior utilização como habitação. Na serra, a utilização da cal, como revestimento, também se traduz numa espécie de “código social” estabelecendo-se, deste modo, uma hierarquização quanto a sua aplicação. O mais rico, quando pode, além de utilizar o reboco, aplica também as cores, os estuques ou os fingidos de marmoreados, ostentado deste modo, pelo revestimento e decoração das fachadas, o seu estatuto social. Ao contrário, os mais pobres muitas das vezes nem um simples reboco aplicavam nas fachadas das suas habitações.

Existindo realmente este código, ele pode ser constatado noutras situações da vida social da aldeia, como no caso dos moinhos de vento, em que dois moinhos, que fazem dois tipos de moagem distintas, possuem, também, dois tipos de revestimentos distintos. O moinho “branco”, rebocado e caiado de branco, moía cereais que produziam farinha para utilização na confecção de alimentos para a população. O moinho “preto”, de alvenaria de pedra à vista, esteticamente e higienicamente menos cuidado, moía cereais para alimentação dos animais. No entanto, esta distinção entre moinho branco e moinho preto devia-se sobretudo ao tipo de moagem realizado, estando o tamanho do grão associado ao tipo de pedra que o moía e por consequência, a sua designação. O grão mais fino era produzido pelas melhores mós (“mós brancas”), nos moinhos brancos, que produziam farinha de trigo para alimento das pessoas. O grão mais grosso era produzido pelas mós mais rudes (“mós pretas”), nos moinhos pretos, que produziam farinha de aveia, cevada e centeio, para alimento dos animais. A Caiação, além da questão estética, é também apontada como uma questão de limpeza, desinfecção e salubridade, mas, muitas das vezes caiavam-se as casas, no exterior, apenas para ficarem mais bonitas, razão que pode explicar o facto de muitas apresentarem apenas a fachada principal caiada e as outras com a alvenaria aparente. No interior, quando eram caiadas, usava-se geralmente o branco em quase todas as divisões, excepto nas casas de fogo onde era frequente aparecerem os amarelos ocres ou A Vida da Serra

os vermelhos. Estes evitavam que as paredes se sujassem tanto com a fuligem e cinzas do fumo. O branco, por sua vez, transmitia uma sensação de limpeza e desinfecção. Quando chaminés ou casas de fogo eram caiadas de branco, era também frequente encontrar-se por perto um recipiente com tinta de cal e 037

uma brocha para pintar após cada utilização do fogo, tapando o negro da fuligem, conferindo-lhe sempre um aspecto limpo e asseado. No exterior, quando utilizada a cor, os tons mais frequentes eram os amarelos ocres ou o vermelho. Estes obtiam-se a partir da adição de pigmentos, adquiridos nas drogarias, à pasta de cal com que se faziam as pinturas. Pelos mais velhos estes pigmentos são geralmente conhecidos como “óca” ou “Oxiferro”, que são corruptelas das palavras ocre e óxido de ferro e que produzem, respectivamente, um tom amarelo-torrado e “avermelhado”. No interior também se utilizavam os pigmentos mas, como recurso menos dispendioso, muitas vezes recorriase a barro diluído em água afim de se obter a cor “amarelada” ou “avermelhada” com que se pintavam as cozinhas. Esta não seria, no entanto, uma solução adequada para o exterior pois o barro dissolver-se-ia com a chuva desaparecendo rapidamente.

Os materiais de construção.

A

utilização de diferentes materiais construtivos, na arquitectura popular, resulta da conjugação de vários factores: os puramente geográficos, que determinam a disponibilidade de cada zona; os económicos, segundo o custo da sua utilização; os derivados da presença de certas tradições construtivas; e as necessidades e condicionantes funcionais de cada obra. Construíase o que se podia com o que se tinha e dada a semelhança de disponibilidade de recursos

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na região, pode-se encontrar, tanto na serra como no litoral, ou barrocal, situações construtivas muito idênticas. Na serra a construção dos elementos verticais passava, quase exclusivamente, pela execução de alvenarias de xisto argamassadas com barro, nas paredes-mestras e pela execução de alvenarias de adobes ou de tijolos de barro cozido, nas paredes divisórias. A taipa, pouco habitual na Serra do Sotavento Algarvio, pode ser encontrada com mais frequência nas áreas de charneira com barrocal ou com o Alentejo. No que se refere aos pavimentos dos edifícios, também é possível detectar vários tipos de material e até de aplicação, estes variam essencialmente de acordo com a função dos espaços e com os recursos económicos e geográficos onde se inserem. Os pavimentos mais modestos são de terra batida mas, quando possível, era também utilizado o xisto e a tijoleira de barro cozido. O xisto podia surgir aplicado de duas formas distintas: uma como calçada irregular, ou a cutelo, nos espaços exteriores associados à casa e em dependências de animais e outra como lajeado, aplicado nos compartimentos interiores e em pátios exteriores. A utilização da tijoleira de barro cozido era quase exclusivamente aplicada no interior e era também uma solução mais dispendiosa e menos habitual, tornando-se mais recorrente apenas nas últimas décadas. A cobertura, elemento construtivo de suma importância para a função primária dos edifícios, abrigar, assume uma utilização de materiais mais constante. À excepção de algumas construções, para armazenamen-

A Vida da Serra

to de alimento para os animais (palheiros), em que também é possível encontrar como revestimento a palha de centeio, a cobertura dos edifícios era normalmente executada com o sistema de barrotes, caniço e telha. Este sistema consiste na construção de uma estrutura de barrotes de madeira, normalmente de eucalipto, apoiada nas paredes principais, sobre a qual se fixam as canas, uma a uma, construindo-se uma espécie de esteira. Sobre essa esteira, caniço, colocamse as telhas de canudo, sem qualquer outro tipo de resguardo ou revestimento seja ele térmico ou impermeabilizante. Nos lintéis dos vãos e em caixilharias de portas e janelas, era frequente o emprego de madeira mais duradoura. Estes elementos construtivos, por se encontrarem no exterior, em contacto com os agentes atmosféricos e por requerem mais mão-de-obra na sua execução, eram geralmente realizados, respectivamente, em madeira de azinheira ou oliveira e pinheiro.

Cachopo.

Mealha: Construções de planta circular, “Palheiros Bicudos”.

Cachopo integra-se no contexto arquitectónico anteriormente descrito. No coração da Serra do Sotavento Algarvio, Cachopo desenvolveu-se e cresceu enraizada sob condições sociais, económicas e culturais idênticas às da restante serra do Sotavento, com ela desenvolveu-se, também, toda a sua arquitectura e os materiais e técnicas de construção que lhe estão associados. Actualmente, no panorama da sua arquitectura, apesar da descaracterização que se tem vido a registar no casario tradicional, popular de Cachopo, ainda é possível passear por algumas ruas e constatar que existem áreas onde se mantém alguma da originalidade dos volumes e morfologia da arquitectura popular. Nas áreas Sul e Nascente da Aldeia, ainda é possível encontrar as casas baixas, praticamente sem janelas, caiadas de branco, com telhados de uma ou duas águas e com os seus poiais e alegretes anexados às fachadas, servidas pelos pátios ou, na sua ausência, pelas ruas calcetadas com pedra de xisto, que os habitantes aproveitam para transformar na extensão, exterior, das suas habitações. Apesar da principal tipologia dos edifícios ser de apenas um piso, pode-se encontrar pontualmente casas de dois andares. Estas foram, provavelmente, construídas entre o início e meados do séc. XX. Pertencentes, seguramente, a famílias mais abastadas, sendo possível constatar na sua morfologia a influência de outras arquitecturas, mais eruditas, importadas e trazidas, provavelmente, por mestres pedreiros que viriam de outros locais, nomeadamente, de cidades do litoral. A nascente da aldeia, mas já fora dos A Vida da Serra

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Cachopo: Azinhaga de acesso às construções de planta circular. seus limites, é possível encontrar, ainda, um conjunto muito interessante de construções de planta circular, vulgarmente conhecidas como palheiros redondos, ou bicudos, assim designados popularmente, por terem, originalmente, coberturas cónicas, com estrutura de madeira e cobertura de palha de centeio. Estes localizam-se numa zona alta, fora da aldeia e serviam para armazenamento de palha, para os animais, estando associados a eiras onde se debulhava o cereal. Como referências arquitectónicas, não populares, existe em Cachopo a Igreja Matriz e a antiga casa de cantoneiros. Ambos recentemente reabilitados e este ultimo, a funcionar, actualmente, como Núcleo Museológico de Cachopo. Cachopo ainda nos mostra alguns elementos arquitectónicos que resistiram ao passar dos tempos. Um caminhar, atento, pelas suas ruas pode tornar-se uma agradável surpresa, revelando-nos pormenores, ou elementos construtivos, que pensávamos desaparecidos e que permaneciam apenas no nosso imaginário infantil. Por outro lado, nos últimos anos, através de alguns projectos de iniciativa autárquica e do PRAA (Programa de Revitalização das Aldeias do Algarve), têm vindo a desenvolver-se esforços no sentido de inverter a nefasta tendência, de descaracterização que se tem vindo a notar nesta Aldeia, promovendo projectos de recuperação e reabilitação arquitectónica urbana e paisagística. O “Moinho Branco de Cachopo”, como exemplo de um desses projectos, consistiu na recuperação e reconstrução de um dos inúmeros Moinhos de vento que existem

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em redor da Aldeia. Procurou-se, nesta intervenção, aplicar as técnicas e os materiais de construção tradicionais, originais. Para isso, utilizaram-se pedras de xisto assentes com argamassa de barro na reconstrução das alvenarias, reconstruíram-se as engrenagens de moagem e a estrutura da cobertura utilizando madeira de eucalipto e azinheira, aplicaram-se rebocos de cal e recuperou-se a técnica das coberturas de palha de centeio. Outros projectos de recuperação a salientar, foram as requalificações da “Azinhaga de Acesso ao Poço” e da “Azinhaga de

A Vida da Serra

Acesso às Construções de Planta Circular”, localizadas na charneira entre a aldeia e a envolvente rural de Cachopo. Também aqui se utilizaram técnicas tradicionais, para a execução e recuperação das alvenarias e das calçadas de xisto. Desta forma, entre estes e outros projectos desenvolvidos, contribuiu-se não só para a recuperação do património construído mas também e principalmente, para a recuperação do património etnológico, recordando aos habitantes técnicas e costumes que caíram em desuso, chamando a atenção de turistas, estudiosos e curiosos.

Conclusão.

A

arquitectura popular na Serra do Sotavento Algarvio, pouco se alterou ao longo de séculos. As técnicas passaram de pais para filhos durante gerações. Hoje, apesar de parcialmente destruído e abandonado, o casario antigo de montes e aldeias que ainda sobrevive é, morfológica e tipologicamente idêntico, ou igual, ao que se construía há alguns séculos atrás, nesta região. Agora, estamos diante do ultimo resquício dessa cultura popular serrana, que actualmente assiste, por um lado a uma galopante degradação do seu património, por outro a uma pseudo-recuperação de edifícios, em prol de uma falsa modernidade, que propicia mais rapidamente a destruição que a sua recuperação, dando origem a edifícios híbridos e descontextualizados. Este fenómeno pode-se, talvez, explicar pela grande ansiedade, existente nestas populações, em poder construir uma casa que se aproxime dos padrões morfológicos, estéticos ou construtivos, dos centros urbanos, conotando esse tipo de construção a um poder económico que nunca conseguiram ter até ao momento. Recusam, dessa forma, o seu passado e tudo aquilo com que sempre viveram e que, para

eles, representa uma época de necessidades e de pobreza. Técnicas, materiais, processos, tipologias, são completamente destruídas e deixadas para trás, apagando as memórias de outros tempos. Muito do património popular vernáculo que actualmente existe, não só na serra do Sotavento Algarvio, mas como em quase todo o Portugal, tem vindo a ser abandonado, destruído e adulterado. As principais alterações passam pela substituição de rebocos e outros revestimentos tradicionais e pela demolição do “miolo” do edifício permanecendo só a fachada, como se apenas esta fosse importante ou só ela constituísse património. Dá-se origem a falsas arquitecturas, criando imitações e “pastiches” que não são mais que meros cenários de aldeias, vilas e até cidades antigas. Por outro lado, ao observar, estudar e entender esta região percebemos que ela tem as suas características próprias e que isso se reflecte também na sua arquitectura. Desde sempre se alimentaram ideias sobre um estereótipo morfológico, da arquitectura tradicional algarvia, formulando uma imagem que caracterizava um estilo, “Algarvio” e que,

A Vida da Serra

supostamente, abarcava toda a região. De facto, tomando como exemplo esta pequena área da região algarvia, torna-se evidente que o estereótipo criado não corresponde, tipológica ou morfologicamente ao que realmente existe. O que se constata é uma clara distinção, entre a Serra e o Litoral, seja ela ao nível morfológico ou ao nível da aplicação dos materiais. Também a utilização da cor, da decoração e em alguns casos, até mesmo do simples reboco, aparece associada a uma determinada condição ou estatuto social, que se prende, na maioria das vezes, com a sua localização geográfica. Torna-se, hoje, urgente preservar e reabilitar, com autenticidade, este património vernáculo, valioso, que nos foi deixado. Porém, torna-se ainda mais importante entender, estudar e recuperar não só estas arquitecturas mas também as técnicas de construção tradicionais, que lhes estão associadas, pois elas fazem parte da nossa cultura e são a base de todo um conhecimento construtivo actual. Só conhecendo e entendendo o passado conseguiremos prosseguir e evoluir de uma forma sustentada e equilibrada.

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Glossário. Adobe. Tijolo de barro seco ao ar, executado com molde de madeira cujas dimensões poderiam variar dependendo do executante ou da necessidade específica do trabalho a realizar. Alegrete. Canteiro ou floreira, situado geralmente junto à fachada da casa ou no topo dos muros dos pátios. Servia habitualmente para a colocação de uma parreira, ou outro tipo de arbusto ou árvore de ensombramento. Alvenaria. Sobreposição e/ou arrumação de peças de um determinado material de tamanhos idênticos, ou não, de forma a constituir-se uma parede ou muro. Calçada de xisto ao cutelo. Calçada executada com pedras de xisto colocadas ao alto, segundo uma estereotomia relativamente regular. Calçada irregular de xisto. Calçada executada com pedras de xisto colocadas com posição e estereotomia irregular.

Cunhal. Esquina dos edifícios. Cruzamento dos planos das fachadas principal ou posterior, com as empenas laterais. Estes poderão ser ligeiramente salientes, da restante parede, rematando as fachadas com uma marcação vertical. Empena. Paredes laterais, perpendiculares às fachadas em que se encontram os beirados.

Poiais. Bancadas ou assentos, corridos, construídos junto às fachadas dos edifícios. Serviam como bancadas de apoio às actividades domésticas ou como simples assento.

Lintel. Viga de pequenas dimensões que, entre outras aplicações, é utilizada para suster os troços de parede construídos por cima dos vãos de portas e janelas.

Soco. Faixa, ou marcação horizontal, eventualmente sem relevo, que surge nas fachadas rematando-as e fazendo a transição entre estas e o pavimento.

Molduras de vãos. Também designadas por guarnições, são marcações, “molduras”, que por vezes surgem em redor das portas ou janelas. Estas podem ser em relevo, saliente relativamente ao plano da fachada, ou apenas pintadas na parede.

Taipa. Processo construtivo, de paredes, que consiste na compactação de terra entre dois taipais de madeira (pranchas) que funcionam como moldes. O processo de montagem do taipal, compactação e desmoldagem é repetido tantas vezes quanto as necessárias para a execução do edifício. Um taipal pode ter dimensões variáveis, mas rondará os 50 a 60cm de largura e de altura por 1,40 a 1,70m de comprimento.

Pé-direito. Distancia entre o chão e o tecto, medida no interior do edifício.

Cumeeira. Linha horizontal do telhado, rematada por telhas colocadas perpendicularmente às restantes, localizada no ponto mais alto da cobertura.

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Pilastras. Faixa ou marcação vertical, em relevo ou não, que surge na zona do cunhal quando as fachadas estão alinhadas com as dos edifícios adjacentes.

A Vida da Serra

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A Vida da Serra

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Agricultura

Catálogo

Mobilização da Terra.

Instrumento de pesagem.

Charrua.

Balança Decimal.

Artefacto composto por um barrote em madeira (a garganta) que tem, numa extremidade, uma roda em ferro (para rolar no terreno) ligada à garganta por duas barras em V (armas ou tenazes), e uma argola à qual era atada uma corda que ligava a charrua ao animal. Na outra extremidade encontra-se um cabo em madeira (a rabiça) para o agricultor guiar o objecto. De um dos lados tem uma única aiveca em ferro, para virar a terra, permitindo que esta fique lavrada. O arado de pau tradicional, na maioria dos casos trabalhando há séculos fixado numa forma que pouco ou nada mudara, foi em muitas regiões do País praticamente abandonado. (…) tem vindo a ser progressivamente substituído pela pequena charrua ou charrueco de ferro industrial, designados em muitos locais por arado (…). A pequena charrua que apareceu pelo Algarve (…) é idêntica à antiga aravessa local, (…) diferindo desta apenas pela existência duma aiveca de ferro, de virar. Pela serra algarvia divulgou-se também uma charrua com estrutura de madeira e ferro.01

Peça de grande dimensão de cor verde e castanha. Apresenta um prato suspenso para colocar os pesos, ao lado do qual se encontra uma escala decimal. No lado oposto ao prato encontra-se um estrado em madeira, com duas barras em ferro, para colocar a carga. Esta peça é essencial para a pesagem de cargas e para uma avaliação mais correcta e concisa do peso dos alimentos. A quantidade de produtos deixa de ser avaliada pelo seu volume e passa a sê-lo pelo peso. Este sistema mais recente de avaliação está relacionado com o sistema decimal de medição e encontra-se ligado à evolução da sociedade monitorizada.

Século XX Madeira e Ferro A: 64cm; C: 177cm Cachopo/Tavira

Século XX Madeira e Ferro A: 59cm; C: 102cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000112 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000109 OLIVEIRA, E. V., GALHANO, F., PEREIRA, B., Alfaia Agrícola Portuguesa, Publicações Dom Quixote, 1995, p.189-202. http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

1

Citação, p. 198-201.

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A Vida da Serra

Cereais

Colheita.

Produção.

Produção.

Foicinha ou Foice.

Mó.

Alcofa.

Objecto composto por duas partes, um pequeno cabo em madeira de formato cilíndrico e uma lâmina em ferro estreita, lisa e afiada. Esta encontra-se truncada mas teria a forma de um semi-arco. O cabo ostenta decoração incisa – traços geométricos. A lâmina apresenta traços geométricos incisos e uma pequena inscrição incisa, onde se pode ler a palavra “Eira”. Esta inscrição está relacionada com a função da peça: colheita de cereais. Este instrumento é uma alfaia muito antiga, de grande importância para os trabalhadores rurais, e de fácil manejamento. Com uma só mão, o ceifeiro pega no instrumento, enquanto que com a outra agarra o cereal em punhado. A foice ou foicinha é colocada junto do pé das plantas que, num só golpe, são cortadas.

Mó manual composta por duas pedras circulares, com orifício aberto no centro, sobrepostas. A pedra superior, junto à beira, possui um orifício circular onde se introduz um cilindro em madeira, que dá pelo nome de andadeira e que acciona a rotação da mó. Utilizada ao longo de vários séculos na actividade humana de trituração de cereais, a mó assume uma importância elevada na confecção dos alimentos, uma vez que o cereal deixa de ser grosseiro e passa a ser de qualidade superior. Este aparelho é de simples utilização e movido a força humana.

Cesta de fibras vegetais cosidas em espiral. Base circular, paredes estreitas, abertura circular e duas pegas horizontais colocadas no bordo. Artefacto muito utilizado para transportar e conter géneros. O tamanho da alcofa varia consoante o uso: a alcofa pequena servia para conter ou transportar farinha; a alcofa ligeira/maior era utilizada na recolha de produtos hortícolas; na alcofa grande era guardada a farinha para o fabrico do pão e no gigantesco seirão era armazenado o cereal. Na alcofa era ainda guardada a pedra de moer milho para a farinha do xarém 02. Em geral, este tipo de objecto era confeccionado pelas mulheres para as lides domésticas. No sul do nosso país, nomeadamente na serra algarvia, a empreita era feita de palmas.

Século XX (?) Madeira e Ferro C: 31,7cm Cachopo/Tavira

Século XX (?) Madeira e Pedra A: 23cm; Ø: 33cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000128 PEIXOTO, R., Portugal de perto – Etnografia Portuguesa (obra etnográfica completa), Publicações Dom Quixote, 2ª edição, 1995, p.146-150. http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000020 “O Voo do Arado”, Catálogo de exposição, Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, 1996, p.639-340. OLIVEIRA, E. V., GALHANO, F., PEREIRA, B., Alfaia Agrícola Portuguesa, Publicações Dom Quixote, 1995, p.259-273. Susana Gonçalves

Século XX (?) Junco A: 13,5cm; L: 47cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000127 Susana Gonçalves VAZ, A., Algarve Reflexos Etnográficos de uma Região, Secretaria de Estado da Cultura, 1ª edição, 1994, p.38.

2

A Vida da Serra

045

Produção de Aguardente

Produção: Aguardente.

Produção: Aguardente.

Alambique.

Barril.

Objecto de grande dimensão composto por três partes principais. A parte inferior, denominada pote, possui formato circular e duas pegas horizontais em cada lado e apresenta marcas de combustão na superfície externa. A parte superior, constituída por coluna circular com tampa também possui duas pegas horizontais em cada lado. Da tampa da coluna sai um tubo que une o corpo principal à serpentina, peça em espiral, com pés metálicos. Este objecto, utilizado há alguns séculos, está relacionado com a produção de bebidas alcoólicas, nomeadamente aguardente. O alambique é um equipamento de destilação simples. Nesta região devido ao clima e aos solos existe uma vasta plantação de medronheiros. O medronho, baga de cor vermelha alaranjada, quando maduro é comestível e utilizado para o fabrico de aguardente, produzida no alambique.

Peça composta por estacas espessas de madeira, cortadas verticalmente e desbastadas. A base e o topo também são feitos de madeira. As estacas são colocadas verticalmente e presas por cinco cintas em ferro, dispostas na horizontal, paralelas umas às outras e unidas por parafusos. A utilização desta peça na produção de vinho e aguardente é essencial. A sua utilização está relacionada, entre outras, com a fermentação e o armazenamento. O fruto é colocado no barril para fermentar antes da produção, sendo que, depois de destilado, o produto final é depositado no barril para envelhecer.

Século XX Cobre A: 143cm; Ø: 120cm Cachopo/Tavira

Século XX Madeira e Ferro A: 84cm; Ø: 48cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000110 A Produção da aguardente de Medronho na Freguesia de Cachopo, Centro Paroquial de Cachopo, 1999 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000111 A Produção da aguardente de Medronho na Freguesia de Cachopo, Centro Paroquial de Cachopo, 1999 http://www.copper-alembic.com Susana Gonçalves

046

A Vida da Serra

Produção de Azeite

Produção: Azeite.

Produção: Azeite.

Cântaro.

Medidor.

Século XX Latão A: 44cm; Ø: 33cm Cachopo/Tavira

Século XX Latão A: 8cm; Ø: 13cm Cachopo/Tavira

Recipiente fechado, colo cilíndrico com duas nervuras, corpo cilíndrico com três nervuras, base plana. Apresenta dois elementos de preensão em forma de argola e uma tampa de formato circular, que está fixa na peça através de uma dobradiça metálica. Recipiente destinado para o armazenamento de azeite. Ao longo dos tempos as formas de fabrico foram evoluindo, resultando num aumento da produção. Em tempos fabricava-se muito azeite no Algarve a ponto de se exportar. Devido a essa elevada produção, o homem começou a sentir necessidade de conservar o produto produzido em excesso, conservando-o em tulhas nos lagares e armazenando-o em cântaros de latão em casa.

Recipiente aberto, bordo vertical com duas nervuras, corpo cilíndrico, base plana. Apresenta uma asa vertical com arranque abaixo do bordo. Peça destinada à medição de líquidos, nomeadamente azeite, essencial para uma avaliação mais correcta dos produtos líquidos. O aparecimento deste objecto encontra-se relacionado com a medição, que por sua vez está ligado à evolução da sociedade. Centro Paroquial de Cachopo M00000140 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000139 LOPES, J., B., S., Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve, Algarve em Foco, 1988, p.148-149. Susana Gonçalves

A Vida da Serra

047

Tecelagem

Tecelagem.

Tecelagem.

Tesoura de tosquia.

Cardas.

Peça em ferro, composta por duas partes com o mesmo formato. Apresenta dois orifícios de secção oval por onde passam os dedos e duas lâminas de corte pontiagudas, unidas por um parafuso. Ferramenta utilizada para a tosquia de gado ovino. Com a evolução das tecnologias este instrumento caiu em desuso, sendo substituído por meios mecânicos, tornando assim mais rápido e fácil o processo de tosquia. No passado a tosquia era feita pelo proprietário do gado com uma tesoura semelhante a esta.

Artefacto composto por duas partes iguais, de formato rectangular e com duas pegas. Os interiores apresentam-se cravados de puas metálicas muito finas e aguçadas. Em volta das puas existe uma moldura feita em pele, pregada com tachas. As pegas deste objecto encontram-se muito desgastadas, devido à sua utilização. No interior das cardas encontram-se vestígios de lã, provavelmente uma das principais matérias-primas tratadas por elas. Esta peça era muito utilizada pelos cardadores e tecedeiras para desenriçar as fibras, sendo que a tecelagem era uma das actividades económicas mais significativas desta região do País.

Século XX Ferro C: 24,9cm; L: 10,4cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000043 Susana Gonçalves

048

Século XX (?) Ferro e Madeira C: 29,6cm; L: 32,7cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000005 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

A Vida da Serra

Taberna

Taberna.

Taberna.

Taberna.

Talha.

Conjunto de copos.

Conjunto de copos.

Peça composta por dois corpos, ambos de formato quadrangular. O corpo principal, onde são armazenados os líquidos, e a tampa cuja extremidade apresenta forma de pirâmide. A tampa cobre o depósito destinado ao líquido. Na parte inferior da peça encontrase uma torneira que despeja o líquido do seu interior. Devido à sua função de armazenamento de líquidos, esta peça poderá estar relacionada com o comércio existente na altura. Provavelmente, neste recipiente teria armazenado vinho para servir ou água para a lavagem de louça usada no estabelecimento comercial.

Conjunto composto por três recipientes abertos. Bordo extrovertido, corpo em V, base com pé anelar. Apresenta decoração em relevo feita durante a elaboração da peça. Recipiente destinado ao uso doméstico utilizado para o consumo de líquidos. Peça de uso individual.

Conjunto composto por dois recipientes abertos. Bordo introvertido, corpo em V, base com pé de bolacha. Apresenta decoração em relevo feita durante a elaboração da peça. Recipiente destinado ao uso doméstico utilizado para o consumo de líquidos. Peça de uso individual.

Centro Paroquial de Cachopo MC00000004 (M00000119 / M00000120 / M00000121) Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo MC00000005 (M00000122 / M00000123) Susana Gonçalves

Século XX Pedra e Metal A: 64cm; L: 88cm Cachopo/Tavira

Século XX Vidro A: 8cm; Ø: 6,6cm Cachopo/Tavira

Século XX Vidro A: 7,7cm; Ø: 5,9cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000113 Susana Gonçalves

A Vida da Serra

049

Cozinha

Cozinha

Cozinha.

Cozinha.

Enfusa.

Panela com tampa.

Panela com tampa.

Século XX (?) Cerâmica A: 35cm; Ø: 21cm Cachopo/Tavira

Século XX (?) Cerâmica A: 28,5cm; Ø: 18,5cm; Ø tampa: 13,7cm Cachopo/Tavira

Século XX (?) Cerâmica e Ferro A: 16cm; Ø: 19cm; Ø tampa: 11,7cm Cachopo/Tavira

Recipiente fechado, bordo ligeiramente extrovertido, colo cilíndrico, corpo piriforme, base plana, asa vertical. A peça não apresenta qualquer tipo de decoração. Artefacto de uso doméstico utilizado para o transporte e armazenamento de água, fazendo com que esta se mantivesse sempre fresca. Este recipiente, em regra, estava na cozinha da casa.

Recipiente fechado. Bordo extrovertido, colo e corpo cilíndrico, base plana. Apresenta duas pegas cegas verticais. No colo possui duas caneluras. A tampa é de forma circular, apresentando uma pequena pega central em forma de botão. Ambas apresentam vidrado de cor melado, o que lhes confere maior impermeabilidade. A peça apresenta marcas de combustão no seu exterior, o que denuncia a sua utilização na confecção de alimentos.

Recipiente fechado. Bordo vertical, colo cilíndrico, corpo globular, base plana, duas asas verticais com arranque a partir do bordo. No interior apresenta vidrado melado, tornando-a mais impermeável. No início do bojo, junto a uma das asas, ostenta uma marca/inscrição. A tampa em ferro, de formato circular, possui uma pega vertical com arranque a partir do corpo principal. No lado exterior são visíveis marcas da sua utilização ao fogo.

Centro Paroquial de Cachopo M00000114 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000115 / M00000117 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000118 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

050

A Vida da Serra

Cozinha.

Cozinha.

Panela.

Panela.

Século XX (?) Cerâmica A: 20cm; Ø: 20cm Cachopo/Tavira

Século XX (?) Cerâmica A: 32cm; Ø: 32cm Cachopo/Tavira

Recipiente fechado. Bordo vertical, colo cilíndrico, corpo globular, base plana, duas asas verticais com arranque a partir do bordo. Apresenta vidrado de cor melado no interior, tornando-a mais impermeável. No exterior da peça, destacam-se marcas de combustão deixadas pelo fogo durante a confecção dos alimentos e/ou aquecimento de líquidos.

Recipiente fechado. Bordo extrovertido, colo cilíndrico, corpo globular, base plana, duas asas verticais. A peça apresenta, no interior vidrado de cor melado (tornando-a mais impermeável), e no exterior marcas de combustão. Centro Paroquial de Cachopo M00000151 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000116 Susana Gonçalves

A Vida da Serra

051

Cozinha

Cozinha.

Cozinha.

Cozinha.

Panela.

Panela.

Panela.

Século XX (?) Cerâmica A: 24cm; Ø: 18cm Cachopo/Tavira

Século XX (?) Cerâmica A: 13,5cm; Ø: 14cm Cachopo/Tavira

Século XX (?) Cerâmica A: 25,4cm; Ø: 19,5cm Cachopo/Tavira

Recipiente fechado. Bordo vertical, colo cilíndrico, corpo globular, base plana, asa vertical com arranque do bordo. No colo apresenta duas linhas horizontais incisas, dispostas paralelamente. No interior apresenta vidrado de cor melado, tornando-a mais impermeável. Apresenta marcas de combustão no exterior, em consequência do seu uso.

Recipiente fechado. Bordo extrovertido, colo cilíndrico, corpo globular, base plana, asa vertical. Entre o bordo e o colo apresenta uma canelura. No interior apresenta vidrado melado, tornando-a mais impermeável. Exteriormente apresenta marcas de combustão provocadas pela confecção de alimentos.

Recipiente fechado. Bordo vertical, colo cilíndrico, corpo globular, base plana, asa vertical. No interior apresenta vidrado de cor melado (tornando-a mais impermeável). No exterior são de realçar as marcas de combustão feitas durante a confecção de alimentos.

Centro Paroquial de Cachopo M00000124 Susana Gonçalves

052

Centro Paroquial de Cachopo M00000126 Susana Gonçalves

A Vida da Serra

Centro Paroquial de Cachopo M00000150 Susana Gonçalves

Cozinha

Cozinha

Caçoila.

Caçoila.

Século XX (?) Cerâmica A: 7,4cm; Ø: 21cm Cachopo/Tavira

Século XX (?) Cerâmica A: 10,4cm; Ø: 28,5cm Cachopo/Tavira

Recipiente aberto. Bordo extrovertido, corpo troncocónico invertido, carena média suave, base plana, duas asas verticais. No interior apresenta vidrado de cor melado, tornando-a mais impermeável. A peça apresenta marcas de combustão no exterior, derivadas da sua utilização para a confecção de alimentos.

Recipiente aberto. Bordo extrovertido, corpo troncocónico invertido, carena média suave, base plana, duas asas verticais. No interior apresenta vidrado de cor melado, tornando-a mais impermeável. No lado exterior apresenta marcas de fogo, relacionadas com a sua utilização como loiça de cozinha de uso doméstico.

Centro Paroquial de Cachopo M00000125 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000141 Susana Gonçalves

A Vida da Serra

053

Cozinha

Cozinha.

Cozinha.

Conjunto de colheres.

Conjunto de garfos.

Século XX Latão M00000129/130/131: C: 16,5cm; L: 3,7cm M00000132: C: 19,6cm; L: 4,2cm Cachopo/Tavira

Século XX Latão, Madeira e Osso M00000133/135/136: C: 16,1cm; L: 2cm M00000134: C: 19cm; L: 2,8cm M00000137/138: C: 18,6cm; L: 2,1cm Cachopo/Tavira

Conjunto composto por quatro peças. A extremidade proximal (o cabo), apresenta forma rectangular, enquanto que a extremidade distal é oval. Três dos objectos não apresentam qualquer tipo de decoração. O exemplar M00000132 ostenta, no cabo, decoração com motivos geométricos em relevo. Artefactos de uso doméstico utilizados para consumir os alimentos. Peça de uso individual. Centro Paroquial de Cachopo MC00000006. (M00000129/M00000130/M00000131/M00000132) Susana Gonçalves

054

Conjunto composto por seis peças relacionadas com o consumo de alimentos. Os exemplares M00000133/135/136, são compostos por cabo em madeira e dentes em latão. O exemplar M00000134 apresenta cabo em osso e dentes em latão. Os garfos M00000137/138 têm corpo único, realizado em latão. Estes artefactos domésticos são de uso individual. Centro Paroquial de Cachopo MC00000007. (M00000133 / M00000134 / M00000135 / M00000136 / M00000137 / M00000138) Susana Gonçalves

A Vida da Serra

Quarto.

Quarto.

Toalha de mesa.

Avental.

Peça de formato rectangular, composta por dois panos de algodão branco que são unidos por renda feita manualmente. A parte final da peça está debruada a renda com motivos geométricos, também ela manual. A sua utilização poderia ser decorativa ou doméstica, engalanando a mesa durante e/ou após as refeições.

Avental de algodão branco. Cós arredondado, com aplicações de tiras do mesmo tecido para apertar, formando um franzido. Do lado direito apresenta uma algibeira recortada e guarnecida com bordado feito com fio de algodão branco. A extremidade apresenta várias nervuras pespontadas. Conjuntamente, foi aplicada uma tira bordada a ponto de relevo do mesmo tecido, que lhe permite ficar franzido. Alfaia de uso doméstico, muito utilizada pelas mulheres na vida quotidiana. Este acessório do vestuário fazia parte do traje feminino algarvio e era utilizado em boa parte das suas actividades.

Século XX Algodão A: 117cm; L: 105cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000145 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

Século XX Algodão A: 65cm; L: 85cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000147 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

A Vida da Serra

055

Quarto

Quarto.

Quarto.

Quarto.

Espelho de toucador. Arca/Baú.

Naperon.

Século XX Papel, Madeira, Vidro e Metal A: 49,1cm; L: 17,8cm; C: 36,7cm Vale D’Odre/Cachopo/Tavira

Século XX Madeira, Papel, Metal e Tecido A: 59cm; L: 49,5cm; C: 103cm Cachopo/Tavira

Século XX Algodão C: 131cm; L: 55cm Cachopo/Tavira

Objecto de mobiliário composto por três partes principais: Suporte, espelho e gaveta. O suporte apresenta formato rectangular, com um aplique em cada lado onde encaixa o espelho. Este é de corpo rectangular e na parte superior apresenta um nicho triangular. Na parte inferior do suporte existe uma cavidade onde encaixa uma gaveta, também de formato rectangular. Esta peça de mobiliário era encontrada com alguma frequência nas casas, em regra no quarto. Objecto muito utilizado e desejado pelo sexo feminino, pois era à sua frente que se engalanavam para ir passear.

Esta peça apresenta estrutura em madeira e metal. No interior é forrada com papel, apresentando marca do comerciante no verso da tampa. Na parte exterior foi forrada com chapa e depois pintada de cor vermelha. Sobre a chapa foram colocadas umas ripas de madeira de secção rectangular, dispostas paralelamente e fixadas com parafusos. Os cantos de madeira da arca foram revestidos por chapas metálicas pregadas com tachas. A peça possui duas pegas horizontais, duas fechaduras e duas dobradiças em metal. No lado oposto à abertura da arca, apresenta tecido. Peça de mobiliário com alguma dimensão, muito utilizada para guardar as peças de vestuário.

Peça de formato rectangular, realizada em tecido de algodão branco na parte central e com apliques de renda, feita manualmente, nas laterais. A renda apresenta decoração com motivos geométricos e nas terminações de cada lateral apresenta pontas de linha puxadas (franja). Artefacto muito usado a nível decorativo, tendo como principal função o revestimento dos móveis.

Centro Paroquial de Cachopo M00000004 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000144 Susana Gonçalves

056

A Vida da Serra

Centro Paroquial de Cachopo M00000146 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

Vestuário / Roupa interior

Vestuário / Roupa Interior.

Vestuário / Roupa Interior.

Camisa de noite.

Camisa de noite.

Século XX Algodão A: 88cm; L: 84,5cm Cachopo/Tavira

Século XX Algodão A: 93,5cm; L: 84cm Cachopo/Tavira

Camisa de noite em algodão. Decote quadrado guarnecido com renda aplicada feita mecanicamente. Manga de cava com aplicações de renda mecânica. Na zona do peito apresenta uma fita de renda aplicada e bordado a ponto de recorte, feito mecanicamente, formando decoração floral. Frente e costas apresentam várias nervuras sobre o encaixe da fita. Peça de vestuário feminino, utilizada para dormir.

Camisa de noite em algodão. Decote quadrado guarnecido com bordado a ponto de recorte, de cor branca, elaborado mecanicamente, formando decoração floral e ondulada. Tem duas alças em algodão que são aplicadas no decote. Na cintura apresenta dois elásticos, um em cada lado, para cintar a peça. Na parte inferior apresenta bordado a ponte de recorte de cor branca e com decoração floral. Peça de vestuário feminino, utilizada para dormir. Provavelmente foi confeccionada à mão, pois denuncia fácil fabrico.

Centro Paroquial de Cachopo M00000142 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000149 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

A Vida da Serra

057

Vestuário / Roupa interior

Vestuário / Roupa Interior.

Vestuário / Roupa Interior.

Corpete.

Saiote

Peça de uso íntimo, feita em algodão branco. Decote quadrado, recortado e laçado formando motivos geométricos. Alças estreitas e sem decoração, colocadas à posteriori no corpo principal da peça. A parte frontal do corpete apresenta bordado a ponto de recorte, formado decoração floral. Ostenta nervuras pespontadas por toda a peça. Abotoa na frente da carcela, com cinco botões circulares. Peça de vestuário muito importante para a mulher. Este acessório de traje íntimo do vestuário feminino era colocado por debaixo das outras peças de roupa.

Peça de algodão branco. Cós composto por uma tira do mesmo tecido, com uma grande abertura lateral que aperta com duas fitas de algodão branco. Saia franzida na cintura tendo em baixo sido aplicada uma banda com nervuras e guarnecida com renda aplicada, formando decoração floral. Acessório de grande importância para o sexo feminino. Esta peça era colocada por debaixo das saias das mulheres.

Século XX Algodão A: 39cm; L: 35,9cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000148 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

058

Século XX Algodão A: 123cm; L: 92cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000143 http://www.matriznet.ipmuseus.pt Susana Gonçalves

A Vida da Serra

Acessórios de vestuário

Acessórios de vestuário

Acessórios de vestuário

Acessórios de vestuário

Ferro de engomar.

Ferro de engomar.

Ferro c/ suporte.

Ferro de engomar roupa. Com corpo principal triangular. Possui uma pega horizontal em madeira, sob a qual se encontra encaixada uma alavanca fina e longa, com extremidade em madeira, que roda servindo de tranca. A parte superior apresenta um tipo de chaminé, para a circulação do ar, em forma de “pescoço de pato”. Abaixo da pega existe uma outra peça de formato oval, que apresenta uma marca de fábrica constituída por uma estrela e duas letras maiúsculas. No interior do ferro encontra-se uma peça amovível, que serve para se colocar brasas. Este objecto era destinado a engomar peças de roupa utilizadas na vida quotidiana. Para ser utilizado era necessário colocar brasas de carvão no seu interior, a fim de produzir o calor suficiente para se engomar a roupa.

Peça em ferro, de corpo triangular e pega horizontal. Apresenta marca de fábrica na parte superior da pega, onde é legível o número 13. Artefacto relacionado com o vestuário, sendo utilizado para engomar. Este artefacto manuseia-se mais facilmente que os anteriores, uma vez que bastava ter uma fonte de calor onde se pudesse aquecer a base, não sendo necessário utilizar brasas.

Século XX Ferro e Madeira A: 20,2cm; C: 17,9cm; L: 10,6cm Cachopo/Tavira

Século XX Ferro A: 8,3cm; C: 12,6cm; L: 9cm Cachopo/Tavira

Centro Paroquial de Cachopo M00000040 Susana Gonçalves

Centro Paroquial de Cachopo M00000038 Susana Gonçalves

Século XX Ferro e Madeira Ferro: A: 18,9cm, C: 16,3cm, L: 10,6cm; Suporte: L: 11,9cm, C: 28cm Cachopo/Tavira Ferro de engomar roupa. Corpo principal triangular com pega horizontal em madeira. A parte superior apresenta um tipo de chaminé em forma de “pescoço de pato” e que servia para a circulação do ar. Na parte de trás da peça existe em orifício também com esta funcionalidade. Apresenta uma marca de fábrica que não é legível no topo da chaminé. Este objecto era destinado a engomar peças de roupa. Para ser utilizado era necessário colocar brasas de carvão no seu interior, a fim de produzir o calor suficiente para se engomar a roupa. O suporte, forma triangular, apresenta duas barras horizontais, e uma pega que está unida ao corpo e a uma das barras. Esta peça tinha como principal função colocar o ferro de engomar em descanso, sendo muito utilizada para não queimar as peças de vestuário. Centro Paroquial de Cachopo M00000039 / M00000041 Susana Gonçalves

A Vida da Serra

059

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