Abre a Cortina do Passado - A Revista da Música Popular e o Pensamento Folclorista (1954 - 1956)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MARIA CLARA WASSERMAN

“ABRE A CORTINA DO PASSADO” A Revista da Música Popular e o pensamento folclorista (Rio de Janeiro: 1954 – 1956)

Curitiba 2002

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MARIA CLARA WASSERMAN

“ABRE A CORTINA DO PASSADO” A Revista da Música Popular e o pensamento folclorista (Rio de Janeiro: 1954 – 1956)

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-graduação em História, da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre. Orientador: Napolitano.

CURITIBA 2002

Prof.

Dr.

Marcos

2 RESUMO

O presente trabalho tem como objeto o estudo do pensamento folclorista, materializado em uma publicação periódica denominada Revista da Música Popular. Com um curto período de circulação (1954 1956) e tendo apenas 14 números, a RMP reuniu reconhecidos intelectuais e expressou o projeto de se ter uma música autêntica, pura e nacional. Seria então necessário, mediante a denominada crise musical dos anos 50, recriar uma tradição na música brasileira, expressa nos 30, ou na “época de ouro”. A Revista, apesar de pouco conhecida, foi em parte responsável pela criação de um elenco de nomes referendados como gênios da música popular e também responsável por formalizar conceitos posteriormente utilizados na historiografia musical brasileira.

3

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS.............................................................................................

05

CARTA À LÚCIO RANGEL, POR BRASÍLIO ITIBERÊ............................................

08

APRESENTAÇÃO.................................................................................................

09

1º CAPÍTULO: A REVISTA DA MÚSICA POPULAR E A CENA MUSICAL DOS ANOS 50...............

13

2º CAPÍTULO: O FOLCLORISMO EM QUESTÃO........................................................................

47

3º CAPÍTULO: A

INVENÇÃO

DO

PASSADO

NA

REVISTA

DA

MÚSICA

POPULAR

............................................................................................................................

81

4º CAPÍTULO: “FOLCLORISTAS

DA

CIDADE”

-

O

PENSAMENTO

CRÍTICO-MUSICAL

HERDADO DA REVISTA DA MÚSICA POPULAR .................................................

119

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................

137

ANEXOS ............................................................................................................. LEVANTAMENTO DETALHADO DOS 14 NÚMEROS DA RMP...............................

140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................

155

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AGRADECIMENTOS

Meu primeiro agradecimento vai para a CAPES/MEC que, com o apoio em forma de bolsa, me permitiu realizar a pesquisa no Rio de Janeiro e poder adquirir livros e fontes essenciais para a realização desse trabalho. Também agradeço o Departamento de Pós-Graduação de História da Universidade Federal do Paraná e aos seus professores pela constante atenção. Um obrigado especialíssimo para a Lucy, cuja atenção e boa vontade, foram fundamentais em vários momentos. Meus agradecimentos aos professores Luís Carlos Ribeiro e Márcia Kersten pelas importantes contribuições no exame de qualificação e que acabaram sendo fundamentais para a conclusão do trabalho. Um obrigado especial para o professor Carlos Sandroni, uma das primeiras pessoas a colaborar para a minha pesquisa. Gostaria também de agradecer aos profissionais da Divisão de Música da Biblioteca Nacional – RJ e da Biblioteca Amadeu Amaral, também no Rio de Janeiro, onde encontrei a maior parte das fontes e da bibliografia pesquisadas. Agradeço aos amigos que me deram importantíssimas formas de apoio, no plano afetivo e profissional: Celso Branco, Marco Aurélio Hamellin, Renato Bittencourt Gomes, Edinha Diniz, Olga Coutinho, Adriana Luiza do Prado, Mariana Villaça, Roberto Gnattali, Lídia Becker, Regina Lucatto, Fabiano Salek, Miliandre Garcia de Souza e Simone Reis. Agradeço também a gentileza e atenção das pessoas que entrevistei: Humberto Franceschi, Cláudio Murilo Leal e Roberto Gnattali. À minha família, especialmente à minha mãe, que sempre apoiou meus projetos, fossem eles quais fossem.

5 Ao Marcos Napolitano, orientador sempre presente e preciso, professor dedicado, amigo de todas as horas... sem essa fundamental presença na minha vida, nada disso teria acontecido.

6

Esse trabalho é dedicado à memória do maestro Marcos Leite, cuja genialidade artística me fez tomar a decisão de estudar música brasileira. Um obrigada de sua eterna fã n.º 0.

7

CARTA A LÚCIO RANGEL1 Por : Brasílio Itiberê - Música? Deus meu! Que coisa melancólica o panorama musical... Tudo contorcido, hemiplégico, salafrário! O que me fez pensar na “boutade” de Jean Jacques Rousseau: - A música é a arte de exprimir o silêncio por meio de ruídos.” Nunca uma definição tão paradoxal exprimiu tão bem um estado de coisa. O silêncio é o vazio, a grande ausência de substância interior, a incapacidade de cantar com sinceridade, como qualquer homem do povo. - Então vamos falar sobre folclore... - Quer que lhe diga com franqueza? O folclore autêntico, nas sua fontes originais, é a única coisa pura que há na face da terra (...) Mas fique firme que tudo vai entrar nos eixos. E quando o gigante Sibelius figurar empalhado na História da Música, como uma peça de museu, o “Azulão”, de Jayme Ovalle e a “Linda Flor” ainda serão cantados numa terra de cem milhões de habitantes. Afro-brasileiros, com a graça de Deus – pois foi essa prodigiosa fecundação racial, a grande dádiva dos céus à música brasileira. Um abraço do Brasílio Itiberê

1

Revista da Música Popular n.º 13 pág. 12

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APRESENTAÇÃO

Conta a lenda que, em um encontro nos anos 60 com João Gilberto, o jornalista Lúcio Rangel dirigiu-se da seguinte forma ao cantor: - Seu mal foi ter entrado para a bossa nova!! A anedota retrata a visão de Lúcio Rangel sobre a modernidade musical brasileira e marca uma postura de radicalismo tão forte, que, mesmo reconhecendo a importância artística de João Gilberto, não foi capaz de perceber a modernização provocada pelo criador do novo estilo musical. Outra famosa história conta que, por volta de 1956, Rangel apresentou Tom Jobim ao poeta Vinícius de Morais no Bar Villariño, no Rio de Janeiro e assim, acabou promovendo o encontro dos principais compositores da bossa nova. Mas antes da ruptura provocada pela bossa nova, durante os anos 50, Lúcio Rangel, juntamente com músicos e jornalistas ligados à música popular brasileira, criaram um projeto de proteção e restauração de um passado musical que, segundo eles, tinha nos anos 30, a sua forma mais pura. O jornalista que há anos escrevia para a imprensa carioca, em agosto de 1954 criou um projeto próprio: a Revista da Música Popular, um periódico especializado em música popular, não apenas brasileira, mas também norteamericana. A ambiciosa publicação reuniu os principais nomes da música e da intelectualidade brasileira e congregou um novo pensamento musical, que tentava alcançar

a

legitimidade

através

da

abordagem

folclórica.

Também

o

reconhecimento da música urbana carioca como autenticamente brasileira fazia parte da proposta. Quanto à música norte-americana, a exclusiva abordagem do

9 jazz de New Orleans, deixava clara a intencionalidade de transformar a música “de raiz” em música pura e autêntica. A presente dissertação tem, portanto, como objeto, o estudo do pensamento folclorista tal como se materializou na Revista da Música Popular, publicação periódica que circulou no Rio de Janeiro, entre agosto de 1954 a setembro de 1956, com exatamente 14 edições O objetivo de combater a inferioridade estética da música brasileira do momento e redefinir a música popular com bases folclóricas foram seus eixos norteadores. Este periódico também foi o articulador de um debate musical centrado na divulgação massiva dos músicos populares que, para seus editores e colaboradores, representavam a tradição urbana brasileira. A Revista foi também responsável por formalizar os conceitos de “Época de Ouro” e “Velha Guarda,” 2 na música popular brasileira.. Com 14 volumes, a RMP é um corpo documental praticamente inédito, e seu estudo até hoje serviu apenas como fonte secundária para as análises do contexto musical dos anos 50. Contexto este que é caracterizado como decadente pelas crônicas de época e pela historiografia, com o predomínio do bolero, das marchas carnavalescas, da rumba e das bigbands.. Parto da hipótese de que a RMP reuniu profissionais que procuraram criar uma tradição a partir de bases folclorísticas e assim, através de um trabalho sistemático, acabaram por gerar uma corrente de pensamento sobre música brasileira que se estabeleceu na historiografia do tema. A partir dessas considerações, o trabalho aqui apresentado divide-se em quatro partes:

10 O primeiro capítulo, A Revista da Música Popular e a cena musical dos anos 50, procura revelar o panorama musical da década, especialmente entre 1954 e 1956, quando circulou a Revista. O capítulo tem como objetivo principal verificar que a idéia de decadência sempre esteve presente na história da música urbana do Brasil e que a internacionalização e a popularização excessiva da música brasileira na década de 1950 formava apenas uma face do panorama musical, uma vez que era constante a presença nos meios de comunicação dos grandes sambas e dos grandes nomes da nossa música. O segundo capítulo, O Folclorismo em Questão, procura acompanhar a trajetória do movimento folclorista brasileiro, desde o final do século XIX, quando apareceram os românticos folcloristas até a década de 1960, quando foi produzida a Carta do Samba pela Comissão Nacional do Folclore Brasileiro. A idéia central é apresentar os principais debates dos articuladores do movimento sobre a música urbana brasileira. Coincidentemente com a circulação da Revista da Música Popular, os anos 50 representaram o apogeu do movimento folclórico, quando aconteceram os principais congressos, incluindo o Congresso Internacional do Folclore de 1954. Em tais eventos, foram produzidos documentos sobre fato folclórico e música popular, que acabaram sendo incorporados ao pensamento da RMP. O terceiro capítulo, A invenção da tradição na Revista da Música Popular, analisa o periódico como um projeto de homens da imprensa, que procuraram criar (ou inventar) uma tradição e combater a “inferioridade estética” da música brasileira a partir de uma vertente folclorista. O capítulo ainda apresenta um estudo detalhado dos artigos da RMP, sua estrutura editorial, o panteão eleito pelo

2

Época de ouro: denominação que Ary Vasconcelos vai usar para designar a fase dos anos 30. na

11 periódico, principais nomes, estatísticas e obras, assim como as ações culturais e o espírito de colecionismo dos seus principais articuladores. O quarto e último capítulo fugirá do recorte traçado durante o trabalho e apresentará os principais pesquisadores herdeiros do pensamento musical gerado pela Revista da Música Popular, como o próprio Lúcio Rangel, Almirante e Ary Vasconcelos. Optamos por uma abordagem específica das principais obras desses autores em vez de analisar a trajetória profissional e individual de cada um deles. No capítulo também demonstraremos como o pensamento folclorista, ligado às raízes da música urbana brasileira gerou uma corrente historiográfica própria na música brasileira.

música popular brasileira. Velha Guarda: músicos ligados à produção musical nos anos 20 e 30.

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CAPÍTULO 1 A REVISTA DA MÚSICA POPULAR E A CENA MUSICAL BRASILEIRA NOS ANOS 50 “Que coisa melancólica o panorama musical...”3

O presente capítulo tem por objetivo analisar o cenário musical dos anos 50 e suas variantes, como o rádio, a indústria fonográfica, os ídolos e os gêneros musicais do período.. Em meio a este contexto, surgiu a Revista da Música Popular, criada por Lúcio Rangel e Pérsio de Morais. A publicação teve início em setembro de 1954. O trabalho editorial acontecia em um escritório na Rua Santa Luzia 732, sala 702, centro do Rio de Janeiro e de lá, era distribuída para as principais cidades brasileiras. A Revista circulou até setembro de 1956, no 14º número, quando repentinamente deixou de existir, por falta recursos suficientes para essa cara edição.4 Situada entre as gerações dos anos 30 e 60, a RMP foi resultado de um trabalho de memória comum de um grupo, que julgava a forma musical dos anos 30, o momento mais expressivo da cultura brasileira. Para esses homens, o jornalismo cumpria, ou melhor, devia cumprir, de forma reconhecida, a tarefa de formador de opinião pública. Atuar em jornais e revistas, era fundamental, não só porque fazia parte de qualquer estratégia de ascensão intelectual, mas porque a imprensa era a base da circulação de idéias da época.

3

Brasílio Itiberê. Op. cit. Acreditamos que o principal problema tenha sido a falta de anunciantes. Todas as pessoas entrevistadas não souberam dizer o motivo do fechamento da RMP e também nada saiu na imprensa da época. 4

13 A Revista da Música Popular contou com a colaboração direta e indireta de reconhecidos intelectuais, como o caso dos artigos e discursos de Mário de Andrade publicados postumamente, e ainda colaboradores especialistas em diversos segmentos da história da música brasileira, fossem músicos, jornalistas, escritores ou poetas. Entre estes, verificamos que os principais nomes ligados à cultura brasileira do período: Almirante, Ary Barroso, Cláudio Murilo Leal, Clemente 5

6

Neto, Emmanuel Vão Gogo , Evaldo Rui , Fernando Lobo, Flávio Porto, Haroldo Barbosa, Jorge Guinle, José Sanz, Manuel Bandeira, Mário Cabral, Mozart Araújo, Nestor de Holanda, Nestor R. Ortiz Oderigo, Paulo Mendes Campos, Sérgio Braga, Sérgio Porto, Sílvio Túlio Cardoso. A linha editorial da Revista diferenciava-se de outras publicações, o que direcionava para um outro tipo de leitor que não fosse o mesmo consumidor dos periódicos de entretenimento da época, como Cinelândia, Radiolândia, Revista do Rádio, entre outras. Cada edição contava com 50 páginas, cada página com duas colunas de texto e um número reduzido de fotografias, uma média de quatro vezes mais textos que fotos. A identidade do leitor da Revista da Música Popular era fixada pelos próprios editores: “pretendemos fazer dessa Revista o guia de uma imensa legião de fãs, de interessados, de colecionadores de discos...” 7 Tratava-se de um público apreciador da “velha música” , colecionadores, estudiosos sobre o assunto que negavam o presente musical por este ter se desvirtuado da “pureza” (na expressão dos editores) conquistada com Ismael Silva, Wilson Batista, Noel Rosa, Aracy de Almeida.

5 Pseudônimo de Millor Fernandes 6 Evaldo Rui participou apenas do primeiro número, vindo a falecer assim que a Revista foi lançada. Já no segundo número, Lúcio Rangel fez uma homenagem ao compositor. 7 Revista da Música Popular n.º 1 pág. 1

14 O projeto que criou a Revista da Música Popular tinha uma clara intenção: diante da crise musical dos anos 50, tornava-se necessário recuperar o passado e trazer à tona o elemento puro e original da música brasileira – o samba. Por isso mesmo, o tema constante, gerador e não explícito era o resgate da pureza na música brasileira. O livro de Cláudio Bojunga, que biografa Juscelino Kubitschek, analisa a Revista como um projeto de resistência, importante e criativo, porém voltado a um passadismo inerte, uma vez que não havia como voltar atrás num período em que se projetava a modernização para o país.

O tradicionalismo de Lúcio e Almirante não era um conservadorismo pelo conservadorismo, mas saudável reação à avassaladora vaga dos Sinatras & Crosbys & Tormé & Big Bands do pós-guerra. Mas a obsessiva referência a Noel Rosa, Ismael Silva, Pixinguinha tinha virado resistência – não era solução. O purismo tornava-se paralisia. Havia ótimas músicas do passado, mas o passadismo 8 não alimentava bem o futuro. Era impossível voltar atrás.

Bojunga concorda que realmente foi uma grande fase a deixada nos anos 30, com grandes expoentes, como Ary Barroso, mas mesmo assim “a célebre Revista da Música Popular não conseguia ser uma trincheira suficientemente forte para resistir aos assaltos de Dick Haymes e do Trio Los Panchos.”

A Revista deu um espaço significativamente menor para a música brasileira produzida no seu próprio período. Os articulistas utilizavam a cena musical 9 daquela década para apontar o ambiente de decadência musical que o país vivia, com músicas de fossa em espaços escuros das boates de Copacabana.

8

Cláudio Bojunga,. JK O Artista do Impossível. pág.483 Entendemos o conceito de cena musical como um espaço cultural no qual um leque de práticas musicais coexistem, interagindo entre si, dentro de uma variedade de processos de diferenciação e de acordo com uma ampla variedade de intercâmbios e influências entrecruzadas. WILL STRAW APUD NEGUS, Keith. Popular Music in Theory. London, Polity, 1999 , p. 22 9

15 A idéia da decadência musical da década, corrente na historiografia da música brasileira (e também pensamento dominante na RMP), será discutida nesse capítulo, tendo por base a análise documental e bibliográfica da música dos anos 50, que remete de maneira simplista à idéia de crise na música brasileira. Isso se explica pelo crescimento da indústria fonográfica no período e pela multiplicidade de ritmos que tomava conta das rádios. O samba deixava de ser hegemônico e dividia com rumbas, jazz, boleros, fox e marchas de Carnaval, as paradas de sucesso das maiores emissoras de rádio do país. Novos ídolos apareciam e se consolidavam no universo radiofônico. Eram construídas imagens de artistas com ardorosos fãs-clubes e que tinham sua vida particular devassada pelas revistas de entretenimento. Segundo Alcir Lenharo, a idolatria era um fenômeno constante, que se confundia com a própria história dos meios de comunicação, ganhando características marcantes na virada dos anos 50.10 Os programas de auditório e os reis e rainhas do rádio, tratado como panorama decadente pela Revista da Música Popular, não eram a única alternativa de música brasileira do período. Os artistas que brilharam nos anos 30 continuavam com sólidas carreiras e com alto prestígio. Na segunda metade da década de 50 a música popular foi tema constante na imprensa brasileira. Cartola foi redescoberto por Sérgio Porto e retornou à vida artística; a turma da Velha Guarda, comandada por Pixinguinha, voltou a gravar e fazer shows, a atuação de Almirante nos programas de rádio continuava com grande sucesso. Também foram características marcantes da década o envelhecimento e/ou morte dos ícones dos anos 30 e 40, como Francisco Alves e

10

Alcir Lenharo, Cantores do Rádio, pág. 167.

16 Carmem Miranda

11

e um intenso debate em torno dos rumos da música popular

brasileira. Porém, apesar de todos os acontecimentos ligados à música popular, as opiniões insistentes sobre a decadência do samba acabaram consagrando, na memória, os anos 50 como período de crise.12 Pretendemos, ao longo desse capítulo verificar o conturbado contexto musical que predominou a partir da segunda metade da década de 1950 e revisar a idéia de “decadência”, não porque concordemos, mas porque a Revista da Música Popular tinha como projeto formar uma grande rede nacional para discutir e combater a crise na música brasileira e, a partir da conscientização popular, voltar às origens e retomar a tradição, que seria o samba “puro” dos anos 30. Alcir Lenharo lembra que, ao contrário do que se pressupunha, o cenário musical era variado, sendo o samba o gênero principal.

O começo dos anos 50 era um período de especial criatividade musical no calendário momesco. Haroldo Lobo, Braguinha, Nássara, Wilson Batista, Klécius Caldas e Armando Cavalcanti, Zé da Zilda, entre outros sempre estavam na ponta. Predominavam as marchinhas, mas o frevo aparecia bastante, através de Severino Araújo e de outros artistas nordestino. E havia lugar para manifestações musicais como o bigorrilho, cultivado por Jorge Veiga, para não falar da rica variedade de sambas, samba de morro, samba duro, samba de roda, e os belíssimos “sambas de 13 última hora”, que vinham na boca do povo.

11 A partir de 1945, afastaram-se da cena musical, Orlando Silva, Pixinguinha, Cartola; também grandes ídolos como Francisco Alves e Carmem Miranda morreram nos anos 50. Francisco Alves morreu de acidente de carro em 1954 e Carmem Miranda foi vítima de um ataque cardíaco um ano mais tarde. 12 Um exemplo, que discutiremos no quarto capítulo, é a divisão histórica que aparece constantemente em obras especializadas em música brasileira. Pesquisadores como Tinhorão, Vasco Mariz e Ary Vasconcelos classificam a história da música popular de maneira didática, para demonstrar as diferenças musicais existentes em cada período: fase de formação (1902 – 1929), época de ouro, (1930 – 1945) época moderna (1945 – 1958) e época contemporânea (1958 em diante). As datas não são as mesmas para os autores, mas a proposta metodológica sugere os anos 30 como a época que corresponde a melhor fase da música popular brasileira. Os anos 50 por sua vez, são citados como um período de decadência e (talvez por isso) transição para a bossa nova. 13 Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág. 200.

17 Para entender o projeto que criou a RMP, há a necessidade de entender o pensamento que influenciou os articuladores da Revista. Por isso privilegiaremos os assuntos em pauta na publicação, como o mercado fonográfico que se estruturava naquela década, o samba tradicional substituído por ritmos estrangeiros, tais como boleros, rumbas e o próprio jazz popularizado por orquestras Big Bands. Positivamente o músico brasileiro está com espírito de imitação. Isso é uma coisa evidente e que não pode originar controvérsias. Cada povo cultiva a sua música. No Brasil, toca be-bop, toca-se cool e difundem as duas coisas. Tocam não é bem o termo; tentam tocar. (...) Que os americanos inventem um estilo de música, já é droga, porque música não se inventa; que nós toquemos música inventada por eles, 14 é mais droga ainda.

A condenação do novo panorama musical fez com que artistas e jornalistas iniciassem um debate centrado na decadência do samba e da música brasileira em geral. Um dos jornalistas mais críticos e atuantes da RMP, Cláudio Murilo Leal, escrevia especificamente sobre o que considerava o “panorama negro” dos anos 50, ou seja, a internacionalização da música brasileira. Tanto Cláudio Murilo quanto outros jornalistas eram imbuídos do saudosismo dos anos 30, época de Noel Rosa, Ismael Silva, Aracy de Almeida, Orlando Silva, Pixinguinha e outras personalidades que consagraram, através do rádio e do disco, o samba recém nascido15 Um artigo escrito pelo compositor Ary Barroso sintetiza o pensamento crítico dos jornalistas à respeito do ambiente musical da época e também ilustra o projeto da Revista da Música Popular. Por isso mesmo, optamos por uma transcrição integral.

14 Revista da Música Popular n.º 1 pág. 13 15 A partir de 1931, com a canção Se você jurar, de Ismael Silva, o samba adquiriu a batida que caracterizou os anos 30. Antes desse período a síncope ainda não estava totalmente definida e o samba se confundia com o maxixe, como é o caso do “primeiro samba”, Pelo Telefone, de 1917.

18 1 - Antigamente não havia “gramáticas” em samba. E todos o entendiam. 2 - Antigamente não havia “acordes americanos” 3 - Antigamente não havia “boites”, nem “night clubs”, nem black tie”. E o samba andava pelos cabarets, humilde e sem dinheiro. 4 - Antigamente não havia “fans-clubs”. Então os cantores cantavam sem barulho um samba sem barulho, vindo da Penha, único barulho era o preparatório para o grande barulho que era o Carnaval. 5 - Antigamente as orquestras não tinham a disciplina militar das bandas, porque eram bandas autênticas sem pretensão à orquestra. Então o samba saía sem pretensão, mas gostoso. 6 - Antigamente o “compositor” não era “compositor”; era um veículo sonoro de suas emoções. Então o samba saía à rua vestido de brasileiro, gingando com as “portaestandartes” dos ranchos. 7 - Antigamente não havia parceria de cantores, empresários e “veículos” Então o cantor cantava: não impingia! 8 - Antigamente o teatro era palco dos triunfos populares. Então, o samba vinha da Praça Tiradentes para a cidade e depois para o Brasil. 9 - Antigamente samba era uma coisa, hoje é outra... 10 - Decadência! Decadência! Decadência!

Os dez itens que Ary escreveu com o título de Decadência levantou temas que, de forma sintética, expressaram opiniões sobre o período que se consagraram na historiografia da música brasileira. O compositor identificou como motivos da decadência a influência americana, as marchas carnavalescas, os fãs clubes e programas de auditório, as orquestrações no samba e todo o procedimento da indústria fonográfica. Tais assuntos, que foram intensamente explorados pela RMP serão analisados neste capítulo. O tipo de samba que a Revista considerava puro e que, conforme o texto de Ary Barroso, se apresentava decadente nos anos 50, foi fruto dos anos 30. Naquele período o samba sofreu mudanças do padrão rítmico operados pela “turma do Estácio”16 (Ismael Silva, Nilton Bastos, Bide, Brancura e outros) Tal transformação marcou a batida do samba moderno, formando uma escola de sambistas e compositores que já nos anos 30 foi definido como paradigma de samba tradicional. O tipo de samba que teria sido criado no Estácio logo se difundiu, influenciando os compositores de outras áreas da cidade, generalizando-se e tornando-se um 16 Bairro Estácio de Sá, Rio de Janeiro.

19 sinônimo do samba moderno, de samba, tal qual o reconhecemos hoje em dia. A 17 primazia do Estácio sobre os outros redutos do samba é admitida por todos.

Segundo os articulistas da Revista, o apogeu da música brasileira, especialmente do samba, seguiu até por volta de 1945; os jornalistas argumentam que depois desse período as rádios começaram a importar ritmos vindos da América Central e dos Estados Unidos. Nesse último caso, o consumo principal veio dos filmes musicais produzidos por Hollywood. Segundo o pesquisador Ary Vasconcelos18 a mudança musical encerrou a época de ouro, cedendo lugar para a fase do internacionalismo, das influências estrangeiras e da música comercial. Outro colaborador da RMP, Evaldo Rui, lembra com saudosismo do samba como o ritmo predominante no mercado brasileiro: (...) Daquele samba que o Brasil inteiro cantava. Daquele samba que assim que ficava pronto, escorria pela garganta de Francisco Alves, pela garganta de Mário Reis... Daquele samba, como igual já ninguém sabe fazer, nem eu, que procurei aprender com eles.(...) 19 No mesmo artigo, Evaldo Rui critica a cena musical dos anos 50: “Cadê bossa? Cadê aquele toque de genialidade tão necessários? (...) Aprendi qual a diferença entre o bom e o puro samba, e o mau, o falso samba.” 20 Pesquisadores que marcaram a historiografia da música brasileira, como Tinhorão e Vasco Mariz, analisam o período como propício à involução musical, provocada pela moderna indústria do disco que começou a criar e a manipular uma nova audiência. Na verdade, a base desse pensamento tomou forma com a Revista da Música Popular que, pela primeira vez tratou sistematicamente do tema,

17 Carlos Sandroni,. Feitiço Decente. pág. 131 18 Ary Vasconcelos,. Panorama da Música Popular.pág.25 19 Revista da Música Popular , n.º 1 pág. 17 20 Revista da Música Popular , n.º 1 pág. 17

20 criticando a indústria fonográfica que a cada dia, “fabricava” artistas e músicas sem qualquer compromisso com a tradição. A menção constante da decadência e estrangeirismo que a canção brasileira sofreu nos anos 50 não dá conta da complexa variedade musical pois, como já afirmamos, havia grande diversidade do ambiente musical da década, estando a música brasileira em plena atividade, na mídia. Apesar das críticas às canções que faziam sucesso nos anos 50, o samba ainda predominava com temas que caracterizavam o ambiente urbano carioca desde os anos 30, como o cotidiano do trabalho e a malandragem. Foi durante a década de 1920 que o malandro apareceu na música brasileira como tema e a partir de então, um diálogo musical se travou esse personagem constante da vida carioca, indicando um caminho temático para a música brasileira. Carlos Sandroni, ao estudar o samba carioca, argumenta que “a malandragem é mais do que uma palavra (...) pois se articula a uma rede de questões”21, como a negação do mundo do trabalho, a vadiagem, a mulher. No período conhecido como “Época de Ouro” esse malandro, fosse compositor, intérprete ou tema musical, se tornou quase que sinônimo do bom samba. O redimensionamento dos espaços da chamada malandragem, aconteceu ainda nos anos 30, conforme afirma Alcir Lenharo. Para o autor, o lugar da boêmia e do meio artístico carioca nos anos 30 e 40, sofreu uma trajetória descendente: em 1942 foram fechados prostíbulos e desapropriados prédios “velhos e insalubres”; em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra fechou os cassinos e proibiu o jogo no Brasil. Essas, entre outras alterações na aparência da cidade, modificaram os redutos da malandragem característica dos anos 30, provocando

21 Carlos Sandroni, op. cit. Pág. 164

21 na população em geral, uma sensação de decadência no próprio mundo do samba. Lenharo afirma que, apesar de toda a mudança, o centro da cidade do Rio de Janeiro, principalmente a Lapa, era o ambiente de uma vida noturna musical, conferindo uma referência para as novas composições que cumpriam a trajetória para as rádios e também para os discos. Tal afirmação contradiz o senso comum, que acredita ser o morro o grande reduto do “samba puro”. Nesta fase de mudanças musicais e culturais, um outro ponto da cidade iniciava uma nova moda. Era a Zona Sul do Rio de Janeiro, que abria novos espaços noturnos para “boites” e nights-clubs, principalmente em Copacabana. Músicos (especialmente pianistas) se apresentavam com freqüência para um novo grupo de freqüentadores assíduos das noites cariocas. 22 A nova boêmia que ocupava Copacabana não era a mesma que circulava no Centro do Rio de Janeiro. Mesmo em pontos opostos da cidade, a música popular ainda era o elo de união entre espaços e classes sociais e o que se tocava em ambos os lugares, direcionava o repertório das rádios, principalmente em relação aos sambas-demeio-de-ano ou sambas-canções. 23 Como não podia deixar de ser, tal processo também influenciou a música. Nos anos 40, o samba teve seu espaço dividido nas rádios com outros gêneros populares, como o chorinho e a valsa. Surgiam, vindos do Nordeste, ritmos dançantes como o baião e o xote, representados principalmente por Luís Gonzaga e Carmélia Alves (Rei e Rainha do Baião). Havia também um clima latino-

22 Lenharo comenta que, a partir dos anos 50 na zona sul, o whisky tornava-se a bebida da moda e o uso das drogas disseminava-se. 23 Desde 1928 quando foi gravado o primeiro samba canção, Ai Yô Yô (Linda Flor), foi criado um novo gênero para designar uma música mais lenta do que o samba carnavalesco. Essas canções passaram a ser gravadas fora do período de Carnaval, entre março de novembro. Por isso também eram chamadas de “sambas de meio de ano”.

22 americano,

com

rumbas,

rancheiras,

guarânias

paraguaias,

tangos

e

especialmente o bolero mexicano, sensação ao longo dos anos 50. Os anos 50 se iniciaram com o baião e o samba-canção assumindo a liderança da popularidade entre os gêneros musicais, depois do domínio da música americana durante a guerra, a invasão do bolero e da canção francesa. Os defensores da música autêntica denunciaram, continuamente, a influência deturpadora da música estrangeira no Brasil, inclusive a do bolero no samba, produzindo um híbrido a que chamavam de sambolero.

O bolero era o gênero musical predominante nas rádios e na venda de discos dos anos 50. Porém, ressaltamos que samba-canção e bolero são ritmos diferentes. O samba-canção original, surgido no final da década de 20, era leve, de andamento fluente, não arrastado. O bolero, por sua vez, chegou ao Brasil após a 2ª guerra mundial e fez enorme sucesso. Os compositores brasileiros pressionados pelo mercado se influenciaram pelo ritmo mexicano. Não mudaram o ritmo do samba-canção mas diminuíram o andamento, mudaram o teor das letras, que passaram a ficar mais passionais, melodramáticas e sentimentais. Entre 1946 a 1950 nasceu então o “samba de fossa”, representado por seus expoentes máximos, como Lupiscínio Rodrigues, Herivelto Martins e Ataulfo Alves. A levada rítmica de suas músicas redefiniram o conceito de samba-canção e o andamento, o embalo dançante, os temas das letras aproximaram-se do bolero. O sambacanção assumiu então uma forma híbrida, o sambolero e se tornou um veículo fácil de permanência, sucesso e alastramento por todo o Brasil. 24 Alcir Lenharo analisa o bolero já com forma brasileira, como uma música “que trazia uma espécie de

24 O mesmo já havia acontecido entre a Polca e o Lundu, que se fundiram na polca-lundu e no maxixe.

23 aconchego cultural para multidões que viviam sob o bombardeio de uma constante troca de valores”.25 O baião foi outro gênero que predominou nas rádios da época. O ritmo ganhou o país na década de 1940, trazido pelo nordestino Luís Gonzaga, que tornou-se um dos artistas mais populares do período. 26 Mas apesar do sucesso do baião, o samba-canção era a música intérprete do panorama cultural dos anos 50. Luís Edmundo de Castro afirma que o ritmo era uma produção cuja origem era um outro grupo social: parte da classe média em ascensão, moradora em sua maioria da zona sul, com hábitos e necessidades inteiramente diferentes. 27 As boates nesse período, proliferaram na Zona Sul, principalmente em Copacabana, fazendo florescer o samba-canção urbano, ligando músicos, escritores, jornalistas e os antigos freqüentadores dos cassinos, congregando, no novo espaço, todos aqueles que atuavam no meio da produção artística, cultural e intelectual urbana. Tais boates, como Vogue, Fred’s, Arpège, Au Bom Gourmet e o Sacha’s, a partir dos anos 50 tornaram-se ponto de encontro de uma nova boêmia, diferente da Lapa, mais próxima da elite carioca, de artistas nacionais e estrangeiros e ainda de colunistas sociais. Um nome diretamente ligado ao novo ambiente cultural do Rio de Janeiro merece ser aqui destacado: o jornalista e compositor Antônio Maria, responsável pelas canções mais famosas dos anos 50. Autor de 62 músicas gravadas, Maria foi menosprezado pela historiografia, talvez por ser letrista de samba-canção. Mas suas composições sempre são lembradas como marcantes do período. Entre as

25 Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág. 149 26 Em 1946, Asa Branca, do compositor, em parceria com Humberto Teixeira, consagrou o ritmo, tornando-se o maior sucesso do país naquele ano. A canção introduziu o tema da seca nordestina na música brasileira e, da mesma maneira que Paraíba e Vozes da Seca, também de Gonzaga e Zé Dantas, tornaram-se sucesso absoluto nas vendas e nas paradas. 27 Luís Edmundo de Castro, Modernidade e crítica na música popular brasileira dos anos 50 pág. 19

24 canções mais famosas destacamos Ninguém me ama, Menino Grande, Canção da Volta, Manhã de Carnaval, Valsa de uma cidade, O Amor e a Rosa, Se eu Morresse Amanhã, entre outras. Para Joaquim Ferreira dos Santos que escreveu uma biografia dedicada à Antônio Maria, as críticas dirigidas ao compositor de fazer “melodramas abolerados” eram infundadas: “O que Antônio Maria fazia era samba canção. Não tinha nada de bolero. Ele não inventou nada, mas ouviu direitinho a lição dos mestres que vieram antes e traduziu para os anos 50. Deu ao gênero suas cores definitivas: o preto e o cinza”.28 O autor sugere que o tão criticado gênero, acusado constantemente de se abolerar, era representação de um Rio mais urbano, com ritmo batendo como samba, a melodia levada como canção e letras com tema de desilusão amorosa. Apesar das canções de Antônio Maria ainda serem lembradas, seu biógrafo observa que na briga entre grupos ligados a “tradição” e a “modernidade”, a música do compositor ficou isolada: Se os tradicionalistas, como Ary Barroso, lhe faziam restrições por causa do sambolero, os moderninhos que vieram depois chegaram a fazer um movimento inteiro para negar aquela conversa de que “ninguém me ama” e que “se eu morrer 29 amanhã minha falta ninguém sentiria”.

A disputa pelos ritmos e a briga entre compositores tinham o rádio o grande veículo para divulgação. A televisão ainda não representava uma ameaça para a audiência radiofônica. Em 1950 foi inaugurada a TV Tupi, primeira emissora de televisão no Brasil, mas ainda, por ter um número reduzido de aparelhos permaneceria, por toda a década, restrita a um universo reduzido de público, a

28 Joaquim Ferreira dos Santos. Antônio Maria, pág. 89 O autor intenciona recuperar a memória do compositor e desfazer enganos sobre essa personalidade tão popular e famosa no Rio dos anos 50. 29 Joaquim Ferreira dos Santos. Op. cit. pág. 92

25 classe média alta.

30

Em 1952 foi elevado de 10% para 20% o percentual

destinado à propaganda, aumentando assim, o número de patrocinadores. Aos poucos, a televisão foi ganhando espaço, mas a popularização do aparelho só aconteceu na década de 1960. O rádio, por sua vez, popularizado desde 1932, 31 representaria ainda, nos vinte anos seguintes, um fator simbólico de congregação das classes populares e da burguesia. “Ele era fonte de informação, de lazer, de sociabilidade, de cultura”32, tornando-se assim peça fundamental em todos os lares, dos mais ricos aos mais pobres. A audiência se consolidou e transformou-se em um fenômeno cotidiano, ligado à cultura popular urbana. Interessante notar que a popularização do rádio incomodava os setores conservadores e folcloristas da sociedade. Sérgio Cabral cita um artigo que Luís da Câmara Cascudo escreveu em 1938, época em que o folclorista estava atuando no movimento integralista:

(...) aqueles que esperavam ter no Rádio um elemento educador estão se desiludindo. As estações emissoras brasileiras, cm exceções raras, comprem um programa de perfeita banalização musical, irradiando, com lamentável insistência sambas e sambas, sambas e sambas (...). O samba tem a sua função e a sua beleza segura. Mas, se o auxílio do espírito, e com as finalidades meramente emissoras, sem direção, sem escolha de linguagem e de moral, o Rádio está, como 33 o esporte, deseducando e preparando uma dúzia de futuros gozadores”.

A Revista da Música Popular compartilhava o pensamento de Cascudo e preocupava-se com a dimensão excessivamente “popularesca” do veículo. Acreditava que a audiência poderia ser “salva” se a tradição na música popular

30 Cláudio Aguiar Almeida. Cultura e Sociedade no Brasil, pág.39 31 A partir dessa data, o governo Vargas autorizou a publicidade paga nos programas de rádio, criando novos programas, especialmente de música popular brasileira. 32 Luís Edmundo de Castro, op. cit. pág. 13 33 CASCUDO Apud. Sérgio Cabral. No tempo de Almirante, pág. 133

26 fosse preservada e o comercialismo crescente pudesse aliar-se a qualidade musical. O rádio era o intérprete da cultura popular desde os anos 40 e a Rádio Nacional a maior e mais popular emissora. Por isso, um dos acontecimentos mais significativos da década de 1940 foi a incorporação do veículo pela União. 34 Até então, a emissora pertencia a um grupo empresarial no qual faziam parte o Jornal A Noite, a Rio Editora, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande e milhares de alqueires de terras no Paraná e em Santa Catarina. Tudo isso foi incorporado pelo governo no dia oito de março de 1940, quando Getúlio Vargas instituiu o decreto-lei n.º 2073 para pagar uma dívida de três milhões de libras esterlinas assumida pelo grupo com o aval governamental:35 (...) Art. 1º: Ficam incorporadas ao patrimônio da União a) Toda a rede ferroviária de propriedade da Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande ou a ela arrendada. b) Todo o acervo das sociedades “A Noite”, Rio Editora” e “Rádio Nacional” c) As terras situadas nos estados do Paraná e Santa Catarina, pertencentes à referida Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande

A incorporação tornou a Rádio Nacional a maior e mais importante emissora de rádio do país. Apesar dos artistas e funcionários terem se mostrados preocupados, o novo diretor, Gilberto de Andrade procurou conservar toda a equipe e fazer a rádio crescer. Cabral nos informa que apesar de um passado dedicado a repressão ditatorial do governo Vargas, Andrade tornou-se um dos maiores comandantes que a Rádio Nacional já teve. O pesquisador José Ramos Tinhorão afirma que a Rádio Nacional foi modernizada, possibilitando que sua programação se espalhasse pelo resto do país. Com a encampação (...) a emissora recebe um transmissor mais potente, e os programas de auditório se transformam em espetáculos sui generis : seu centro de 34 A Rádio Nacional foi inaugurada em 1936. 35 Sérgio Cabral. No tempo de Almirante, pág. 203

27 interesse é local, mas seus sorteios, concursos, brincadeiras e ruídos chegam aos mais distantes pontos do Brasil, estimulando a imaginação e o interesse das 36 grandes camadas do interior pela vida urbana da então capital do Brasil.

A Rádio Nacional criou a fórmula dos programas de auditório, passando a reunir mil pessoas num só palco. Mas o fenômeno de popularização só aconteceu a partir da segunda metade da década de 1940. Até essa data, a programação ainda

evidenciava

o

período

“época

de

ouro”.

Iniciava-se

porém

uma

transformação gradual, com o surgimento de grandes orquestras em estilo bigband, transformando a sonoridade do samba dos anos 30. Radamés Gnattali era o maestro que conferia uma identidade para esse repertório:

(...) arranjos modernos de Radamés – velhas páginas brasileiras orquestradas por ritmos novos (...). Seguia-se Valsa, divina valsa!, programa produzido e apresentado por Lamartine Babo na série Vida musical e pitoresca dos compositores (...). [Em seguida] entrava em cena Almirante com Curiosidades Musicais. Os Produtos Eucalol ofereciam Instantâneos Sonoros do Brasil, trabalho de Almirante e José Mauro, com arranjo de Radamés. [Ainda havia] músicas especiais de Lamartine, 37 Alcir Pires Vermelhos, João de Barro, Dorival Caymmi (..)

Santuza Cambraia Naves chama a atenção para a “estética do excesso” que Radamés Gnattali operou e que promoveu “uma verdadeira revolução nos arranjos musicais”.38 O maestro tornou-se, a partir da década de 1930, um dos maiores orquestradores do Brasil, desenvolvendo ainda as funções de pianista, regente, compositor e arranjador. Gnattali trabalhou na Rádio Nacional por 30 anos, conferindo em seu trabalho, um desenho rítmico diferente à batida original do samba. Segundo Bide, os arranjos de Radamés davam vida e enfeitavam o samba. Essa opinião é também compartilhada pelo já citado autor Luís Carlos Saroldi que diz ser Radamés o responsável pela criação de uma nova moldura

36 José Ramos Tinhorão,. Música Popular – Do gramofone ao rádio e TV, pág. 66 37 Luís Carlos Saroldi,. Rádio Nacional – O Brasil em sintonia, pág. 30 38 Santuza Cambraia Naves. O Violão Azul, pág. 177

28 para os cantores brasileiros, limitados antes pela simplicidade dos arranjos regionais. 39 Segundo o Maestro Roberto Gnattali, o trabalho musical desenvolvido por Radamés sempre foi respeitado, “porém, de um lado, músicos e críticos populares o acusavam de ser muito erudito, nos arranjos e de outro, os eruditos o acusavam de ser muito popular, fazendo música nacionalista com clichês do rádio,” 40 ou seja, utilizando temas populares nos arranjos sinfônicos e levando para o rádio procedimentos de orquestra sinfônica erudita.. Para Roberto Gnattali, Radamés era o músico que tinha o mais íntimo trânsito entre o erudito e o popular. 41 Nessa época, as grandes orquestras, principalmente as big bands internacionais predominavam na vendagem de discos e também nas paradas de sucesso, o que gerava uma certa frustração pela ausência de um som mais vigoroso (timbres de samba) na música brasileira. Os efeitos grandiosos eram adquiridos através dos instrumentos de sopro, que Pixinguinha, já em 1933, havia tentado criar e que era a característica de Radamés. O maestro utilizava trumpete, trombone e saxofone na orquestra, técnicas de condução da melodia em bloco e paralelismo de vozes. Tudo isso gerava uma sonoridade que lembrava as big bands americanas. Para os artistas, porém, Radamés representava a salvação estética para o samba. Cabral cita uma fala de Almirante no programa Curiosidades Musicais, transmitido pela Rádio Nacional em 1939: Hoje, queremos mostrar toda arte que pode haver num arranjo de samba. O samba, esse ritmo que tem sido injustamente combatido por alguns críticos esnobes que só vêem valor na música estrangeira, é, como gênero musical, tão bom ou melhor do 39 Idem, pág. 178 40 Entrevista concedida no dia 29/06/2002 41 Roberto Gnattali também afirma que enquanto os músicos utilizavam elementos folclóricos para temas nas músicas eruditas, Radamés Gnattali utilizava o mesmo procedimento com música popular.

29 que o fox americano, o tango argentino (...) A questão, caros ouvintes, é que essas músicas dão a impressão de serem melhores, porque são tratadas musicalmente de maneira mais elevada do que a nossa canção popular. Tudo se resume, no entanto, numa questão de roupagem, de apresentação (...) Radamés emprega no samba todos os recursos da técnica musical que tem sido os principais fatores da 42 popularidade da música típica de outros países.

As músicas brasileiras das décadas de 1940 e 1950, principalmente as de Pixinguinha, Braguinha e Ary Barroso, além de outros compositores e intérpretes, tinham a intervenção direta de Radamés Gnattali. São exemplos Aquarela do Brasil, Carinhoso, Rosa e muitas outras que ficaram famosas no Brasil e no exterior. Naves afirma que a utilização dos instrumentos de sopro no samba caracteriza o comprometimento do maestro com a estética do excesso. O conceito empregado registra a grandiosidade de tais orquestrações e confere uma característica musical importante para a música brasileira no período. Mas a importância do maestro não o livrava das críticas:

Mas também havia os puristas que o acusavam de americanizar o samba e o choro, porque ele introduzia nas harmonias dos arranjos dissonâncias introduzidas pelo be bop americano. E daí? Antes, já se tinha sido influenciado de todas as formas pela música da Europa, do século XIX. Influências que eram melódicas, rítmicas e 43 harmônicas mas também formais, timbrísticas, etc.

As orquestrações no samba foram predominantes nos anos 40 e 50, mas também alvo de críticas por parte da Revista da Música Popular, que não via como puro o samba sinfônico. Daí a quase total ausência de referências à Radamés Gnattali no periódico. A partir de 1945 (lembrando que esse é o ano em que Ary Vasconcelos considera terminada a “Época de Ouro da música brasileira), a Rádio Nacional modificou sua programação e criou uma nova estrutura. A principal alteração foi a massificação dos programas de auditório, com o objetivo (atingido) de aumentar a

42 Sérgio Cabral, No tempo de Almirante, pág. 187

30 audiência e a paixão em torno do próprio rádio. Essa nova prática trazia a participação direta das massas, representadas pelo nome pejorativo de “macacas de auditório”,44 pois aquela platéia constituía-se, na sua maioria, de empregadas domésticas, negras e pobres, que se manifestavam de forma ruidosa diante dos ídolos que agora podiam ver de perto. O programa só passava a existir no momento em que aparecia o ídolo. Era um novo tipo de relação público artista, era a identificação das classes de menos possibilidades com seus artistas preferidos, era a realização de um sonho: se hoje 45 estou junto dele, amanhã posso perfeitamente ser igual a ele.

Outro processo de popularização desse meio de comunicação era a eleição para Rainha do Rádio. O concurso, reorganizado em 1948 pela Associação Brasileira do Rádio, representava motivo de alta mobilização popular, quase tanto quanto a eleição presidencial. A votação era feita a partir da compra de cupons que vinham nas populares revistas de rádio da época, como a Radiolândia e a Revista

do

Rádio,

vinculando

o

artista

ao

poder econômico de seus

patrocinadores. Um exemplo aconteceu com a cantora Marlene, em 1949, quando a eleição foi manipulada para que ganhasse, provocando e iniciando uma rivalidade histórica com outra popular cantora, até então constantemente vencedora do concurso: Emilinha Borba.46

43 Entrevista com Roberto Gnattali concedida à autora em 02/07/2002 44 Tinhorão, (pág. 77) afirma ainda que “as condições especiais da vida carioca nas décadas de 40 e 50, permitindo à massa flutuante das empregadas domésticas, operárias, pequenos artesãos e donas-de-casa suburbanas um contato mais íntimo com seus ídolos nos auditórios, contribuíram para o aparecimento de um fenômeno novo nesse tipo de relação público-artista: as rainhas passavam a ter o seu séquito pessoal, recebendo inclusive suas fãs em casa, familiarmente, com o surgimento, então, de curiosíssimos episódios de vinculação pessoal. 45 Mário Lago. Bagaço de beira-estrada, pág.118 46 O pesquisador Tinhorão analisa o período dos concursos como um fenômeno de popularização do rádio. Para esse autor os programas de auditório e as eleições para rainha do rádio representavam um “impulso de nostalgia pequeno burguesa das pompas da monarquia”. (sic)

31 Tais rivalidades aconteciam entre os fãs-clubes

47

das cantoras e também

entre as mesmas, com a imprensa fomentando e detalhando todas as ”brigas”. Mário Lago lembra que as brigas entre Marlene e Emilinha eram as mais bem preparadas, evidenciando as duas cantoras de outros artistas rivais, como Francisco Carlos e Cauby Peixoto. “Se uma das duas fosse para Canudos íamos ter outro Euclides da Cunha. Se fossem as duas juntas, adeus mundo!” 48 Apesar de parecer irrelevante para a história da música brasileira, as rivalidades provocavam uma disputa musical que predominavam nas rádios. Tanto os compositores quanto as gravadoras corriam para lançar o disco de uma das rivais primeiro, garantindo com o próprio acirramento da disputa, grande divulgação e o primeiro lugar nas paradas. Os programas de auditório das rádios, as chanchadas nos cinemas, as revistas de fotonovelas e o teatro de revista, eram todos vistos, segundo os críticos da época, como expressões de mau gosto para um público nada sério em suas pretensões estéticas. Na verdade, o desenvolvimento beneficiou as camadas mais baixas e a classe média urbana, formando um público com maior poder aquisitivo - portanto mais disponível para o mercado cultural - mas julgado como alienado pela 49 intelligentsia da época. Era o conceito de arte séria contra o de arte popular.

A Revista da Música Popular considerava as eleições de rei e rainha do rádio como símbolo da decadência musical. O jornalista Nestor de Holanda 50 tinha uma coluna fixa no periódico denominada “O Rádio em 30 dias” e ficava encarregado de descrever e polemizar os acontecimentos nas principais emissoras do país. Com estilo irônico, Nestor de Holanda criticava os fatos e as personalidades radiofônicas:

47 Segundo Saroldi, “os fã-clubes que começaram a existir na década de 1940 estavam mais organizados nos anos 50 e acompanhavam seus ídolos através de qualquer aparição em público”. pág. 64 48 Mário Lago. Op. cit. pág. 117 49 Luís Edmundo de Castro, op. cit. pág.17 50 único colaborador da RMP que escrevia para outras revistas, como por exemplo, a Radiolândia.

32 A claque paga, à falta de idéias novas, o mergulho definitivo no ramerrão, os mambos de Getúlio (o Macedo), as faixas de endeusamento, o ridículo dos “slogans” ,(...), as sambistas-cronistas, os Fãs-Clubes ou Fã-Pagos – tudo isso faz o 51 bem intencionado homem de rádio falar até latim.

Apesar das criticas que fazia aos fãs clubes e aos concursos, a coluna do jornalista era a única que possuía espaço para os principais nomes do rádio nos anos 50, como Emilinha, Marlene, Jorge Goulart, Angela Maria e outros. Em meio a críticas e sugestões, Nestor de Holanda chegava a noticiar os principais eventos da Rádio Nacional e dos concursos em geral:

Nora Ney e forte candidata ao título de Rainha do Rádio no concurso promovido pela Associação Brasileira do Rádio. Desde o começo do ano, assim que venceu o mesmo certame, Angela Maria lançou a candidatura de Nora, no Programa Manuel 52 Barcelos.

O Programa Manuel Barcelos, da Rádio Nacional era um dos mais famosos programas de auditório da época, só perdendo para o Programa César de Alencar, da mesma emissora.53 Acusados de excessivamente popular esses programas ganharam um espaço na Revista com a confiança de que um dos mais respeitados jornalistas da época, Nestor de Holanda, realizaria um trabalho sério e crítico o suficiente para polemizar os grandes eventos radiofônicos da época.

As marchas também faziam parte do ambiente musical dos anos 50 e dividia com o bolero, a rumba, o baião, o samba-canção e o próprio samba, o repertório dos programas de rádio. Executada principalmente entre novembro e março, a marcha carnavalesca era responsável pela criação de novos reis e rainhas e movimentava os fãs clubes.

51 Revista da Música Popular, n.º 1, pág. 28 52 Revista da Música Popular n.º 3 , pág. 29 53 A cantora Marlene apresentava-se constantemente no Programa Manuel Barcelos enquanto que Emilinha Borba era assídua do Programa César de Alencar.

33 Com letras curtas, rimas simples, fácil de cantar e com poucos compassos, a marcha possui uma aproximação bastante significativa com o samba, mas com formas mais simples. A Revista da Música Popular porém considerava o ritmo carnavalesco causador do empobrecimento do samba tradicional. O jornalista Cláudio Murilo Leal afirmava que a fase musical era “das mais críticas”, pois o samba estava perdendo “as formas puras”:

Não souberam os nossos músicos reagir às influências estrangeiras; o resultado aí está: choros, be bop, sambas, boleros, etc., Os nossos irmãos yankees legaram-nos os clichês bops, os sussurros melódicos e as orquestrações progressivas . E nós aceitamos. O samba desnacionalizou-se. O que tinha sabor e marca do Brasil, 54 perdeu o valor para os ouvidos da nova geração. Foi-se o nosso monopólio.

Nesta citação, Murilo coloca o samba entre o be bop e o bolero, justamente para evidenciar a idéia de marcha, que não é o mesmo “samba puro” dos anos 30. Imbuído de um nacionalismo musical, o jornalista conclama o retorno ao passado para sair do processo de decadência, sinônimo de misturas de ritmos e da influência norte-americana. A idéia de monopólio que o jornalista defende talvez jamais tenha existido, mas essa expressão, com certeza, remete aos anos 30, quando o samba ocupava o primeiro lugar nas rádios. Apesar das críticas da Revista e dos principais críticos da época, a marchinha era “a grande pedra de toque da cultura musical desse momento do rádio” ,55 possibilitando a entrada de novos artistas no mercado e uma diversidade de composições que, mesmo longe do período de Carnaval, eram constantemente executadas nas rádios. Paralelamente com os acontecimentos do rádio, movimentava-se um outro mercado, o fonográfico, que havia crescido na década de 50 provocado pelo

54 Revista da Música Popular, N.º 2 pág. 14 55 Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág., 145

34 ecletismo dos gêneros musicais que traziam estabilidade para o novo mercado de disco. As gravadoras mediante essa enorme diversidade de ritmos, passou a produzir diretamente para agradar o público. Para o artista, tornou-se símbolo de prestígio o lançamento de um LP no mercado, que era ainda custoso e portanto difícil para “qualquer um” gravar. Apenas as grandes estrelas tinham acesso a um 10 polegadas, pois além do alto custo de produção, era de difícil acesso ao público consumidor: apenas uma pequena parcela da população tinha poder aquisitivo para comprar as vitrolas 33 rpms. Em face disso, foi lançado para um público intermediário o 45 rpm, com compactos duplos que possibilitavam também o consumidor diversificar suas compras. Em 1956 foi introduzido o sistema play black no sistema de gravação, melhorando a qualidade do material gravado. Essas inovações desvalorizavam o 78 rpm e o desprestigiavam junto ao público. Mas mesmo assim, este 78, mais barato e já com mercado consolidado, continuou no mercado pelo menos até 1965.56 O procedimento do mercado fonográfico foi duramente criticado pela Revista da Música Popular. O repertório das rádios durante o período de circulação da Revista (1954 a 1956) evidenciava uma política voltada para o gosto popular, onde o melodrama era a principal característica das canções do período.

Compositores como Antônio Maria, com Se eu morresse amanhã e Ninguém me Ama, Herivelto Martins, com Caminhemos, além do próprio Vicente Celestino, que regravou O Ébrio em 1957, trabalharam o tema do homem abandonado à exaustão, alcançando um sucesso que, no período anterior à Bossa Nova, só era comparável 57 ao baião de Luís Gonzaga

Basicamente, as músicas brasileiras que mais fizeram sucesso na década de 1950 foram: Antonico, Balzaqueana, General da Banda, Nega Maluca, Qui nem

56 Alcir Lenharo. Cantores do Rádio, pág. 148 57 Cláudio Aguiar Almeida. Cultura e Sociedade no Brasil, pág.41

35 Jiló, Retrato do Velho, Vingança, Alguém como tu, Kalu, Ninguém me ama, Menino Grande, Cachaça, Mulher Rendeira, Saudosa Maloca, Lata D’água, Sassaricando, Duas Contas, Mulata Assanhada e muitas outras ainda presentes em nossa memória. Já as canções internacionais mais executadas foram os mambos de Perez Prado e os boleros mexicanos, como Contigo e Vaya com Dios. No período de atuação da Revista da Música Popular, entre 1954 a 1956, as “paradas de sucesso” apresentavam-se da seguinte forma: 58

58 De acordo com Jairo Severiano, A Canção no Tempo 85 anos de musicas brasileiras. Optamos, na seleção musical que fizemos acima, por usar apenas essa fonte, pois queremos apenas uma amostragem do que se ouvia na época da circulação da Revista.

36

1954 CANÇÃO / GÊNERO Carlos Gardel (tango) Valsa de uma Cidade (valsa) A fonte secou (samba/carnaval) São Paulo Quatrocentão (dobrado) Teresa da Praia (samba) Neurastênico (fox) Um a um (coco) Vida de Bailarina (samba-canção) Quase (samba-canção) Saca-Rolha (marcha – carnaval)

COMPOSITORES Herivelto Martins e David Nasser Ismael Neto e Antônio Maria Monsueto Meneses, Raul Moreno Garoto, Chiquinho do Acordeom e Avaré Tom Jobim59 e Billy Blanco Betinho e Nazareno de Brito Edgar Ferreira Chocolate e Américo Seixas Mirabeau e Jorge Gonçalves Zé da Zilda, Zilda do Zé e Valdir Machado

1955 CANÇÃO / GÊNERO Café Soçaite (samba) Do-Re-Mi (samba-canção) Duas Contas (samba-canção) Saudosa Maloca (samba) O menino da porteira (cururu) Pois é (samba) Adeus querido (tango) Amendoim Torradinho (samba) Beijo nos olhos (bolero) Samba da Volta (samba-canção)

COMPOSITORES Miguel Gustavo Fernando César Garoto Adoniran Barbosa Luisinho e Teddy Vieira Ataulfo Alves Eduardo Patané e Floriano Faissal Henrique Beltrão Portinho e Wilson Falcão Ismael Neto e Antônio Maria

1956 CANÇÃO / GÊNERO Conceição (samba-canção)60 Foi a Noite (samba-canção) Maracangalha (samba) Mulata Assanhada (samba) Neste mesmo lugar (samba-canção) Rapaz de Bem (samba) A voz do morro (samba) Meu vício é você (samba) Mentindo (tango) Só louco (samba-canção)

COMPOSITORES Dunga e Jair Amorim Tom Jobim e Newton Mendonça Dorival Caymmi Ataulfo Alves Klecius Caldas e Armando Cavalcanti Johnny Alf Zé Ketti Adelino Moreira Eduardo Patané e Lourival Faissal Dorival Caymmi

59 Depois do sucesso de Teresa da Praia, Antônio Carlos Jobim começava a despontar com alguns sambas-canções, arranjos e direção musical para gravadoras.

37 Nos três anos citados pelas tabelas, os maiores sucessos internacionais foram , Hi-Lili, Hi lo, Ruby, Vaya com Dios, Ruega por Nosostros, Sinceridad, CiCiu-Ci. Arrivederci Roma, My little one, Recuerdos de Ypacaraí, Unchained Melody, entre outras canções. Notamos, por essa pequena amostragem que o samba ocupava 30% do repertório de sucesso, seguido de perto pelo samba-canção, também com quase 30%. Já as marchas de carnaval, segundo nossa lista, tinha menos de 10%, mas esse índice variava conforme o mês, por causa do Carnaval, podendo chegar, em fevereiro, a ocupar 50% do repertório total. Os ritmos internacionais, como o bolero, o tango, a rumba e o fox tomavam 20% do repertório. Essa porcentagem era quase que uma constante e por isso mesmo, os críticos da RMP afirmavam que um número cada vez maior de boleros e ritmos estrangeiros tomava conta das rádios, das revistas especializadas e da vendagem de discos. Para a Revista esse cenário era “ apocalíptico e trágico” e caberia ao próprio periódico retomar a tradição perdida. Podemos também verificar que as tabelas foram classificadas em canções e compositores. Os intérpretes, nos anos 50 ocupavam um espaço próprio. Se voltarmos ao ambiente musical dos anos 30, verificamos que o compositor era o grande personagem. Era ele que ficava conhecido pelas músicas que compunha. Com Noel e Wilson Batista, por exemplo, as canções ganhavam caráter de crônicas do cotidiano e os compositores tornavam-se personalidades típicas do “ser brasileiro” ou do “ser carioca”. Outro exemplo é Francisco Alves que, para gravar e tornar a canção conhecida, comprava parcerias de sambistas pobres. Nas décadas seguintes porém, o intérprete ganhou uma importância que ultrapassou o 60 Gravado por Cauby Peixoto, no auge de sua fama, a canção tornou-se um dos principais sucessos de 1956

38 próprio compositor. A Revista da Música Popular seguiu essa trajetória e, tanto compositores, quanto intérpretes foram privilegiados como parte da história da música brasileira.61 Mesmo assim, o panteão que a Revista da Música Popular tentou consagrar era outro, diferente dos artistas que faziam parte do contexto dos anos 50. Podemos perceber as diferenças de seleção feitas pela RMP e pela Revista Radiolândia nas tabelas seguintes.

61 Essa visão centrada no compositor é fruto dos anos 30 e também da década de 60, quando vai ser construída uma aproximação musical entre as duas décadas. Os nomes que surgem vão sugerir também uma ligação entre os períodos, um exemplo típico é a ligação entre Noel Rosa e Chico Buarque.

39 Elenco de artistas da Elenco de artistas da RMP Radiolândia Almirante Ademilde Fonseca Aracy Cortes Angela Maria Aracy de Almeida Carlos Galhardo Ary Barroso Cauby Peixoto Ataulfo Alves Dalva de Oliveira Bororó Dick Farney Braguinha Dircinha Batista Carmem Miranda Doris Monteiro Chiquinha Gonzaga Elizeth Cardoso Donga Emilinha Borba Dorival Caymmi Francisco Carlos Elizeth Cardoso Isaurinha Garcia Ernesto Narazé Jorge Goulart Francisco Alves João Dias Inezita Barroso Linda Batista Jacob do Bandolim Luiz Vieira Mário Reis Mário Lago Noel Rosa Marlene Pixinguinha Nelson Gonçalves Sinhô Nora Ney Wilson Batista Orlando Silva

Podemos afirmar, em síntese, que os intérpretes de maior sucesso durante a década de 1950 foram os consagrados pelos periódicos, pelas rádios e por todos os meios de comunicação que estavam presentes no Brasil desde a década de 30. A tabela a seguir, expõe uma seleção de Alcir Lenharo para a década que estamos analisando. Verificamos que os artistas de grande sucesso eram também, na maior parte, os consagrados pela Revista da Música Popular.62

62

Alcir Lenharo. Op. Cit. pág. 182

40 Cantoras Angela Maria Isaurinha Garcia Elizeth Cardoso Dircinha Batista Dalva de Oliveira Linda Batista Nora Ney Emilinha Borba Marlene Doris Monteiro Carmen Costa

Cantores Sílvio Caldas Carlos Galhardo Francisco Carlos Ivon Cury Jorge Goulart Nelson Gonçalves Orlando Silva Luís Gonzaga Cauby Peixoto Dick Farney Lúcio Alves

Utilizamos como critério para a seleção das tabelas anteriores, além de Alcir Lenharo, as reportagens e os artigos das citadas revistas. Tomamos também como exemplo de critério de seleção da RMP as 14 capas que também nos mostram as escolhas de Lúcio Rangel e Pérsio de Morais. Cada uma delas representa uma homenagem a artistas consagrados naquele passado recente, mas esquecidos (segundo eles) pela indústria do período. A seguir, colocamos uma breve seleção das capas da Revista Radiolândia no ano de 1954, em comparação com a Revista da Música Popular.

Capas da Revista da Música Popular CAPA Pixinguinha Aracy de Almeida Carmem Miranda Dorival Caymmi Elizeth Cardoso Inezita Barroso Velha Guarda Carmem Miranda Sílvio Caldas Jacob Bittencourt Leny Eversong Dircinha Batista Marília Batista Orlando Silva.

DATA63 Setembro de 1954 Novembro de 1954 Dezembro de 1954 Janeiro de 1955 Fevereiro de 1955 Março/Abril de 1955 Maio/junho de 1955 Agosto de 1955 Setembro de 1955 Outubro de 1955 Nov/Dez de 1955 Abril de 1956 Junho de 1956 Agosto de 1956

63 Não aparecia na RMP a especificação do dia, somente o mês e o ano.

41

Capas da Revista Radiolândia64 CAPA Dircinha Batista Elizeth Cardoso Celso Guimarães Angela Maria Aidée Miranda Neusa Maria (rainha do jingle) Isaurinha Garcia Carmélia Alves Dalva de Oliveira Daysi Lúcidi Marlene e Luís Delfino

DATA 10 de julho de 1954 17 de julho de 1954 24 de julho de 1954 31 de julho de 1954 07 de agosto de 1954 21 de agosto de 1954 28 de agosto de 1954 04 de setembro de 1954 11 de setembro de 1954 18 de setembro de 1954 25 de setembro de 1954

Nomes como Elizeth Cardoso e Dircinha Batista figuravam nas duas publicações, o que era uma exceção, pois percebemos que o critério utilizado para seleção de cada um dos periódicos era diferente. Enquanto a Revista destacava os artistas que estavam presentes nos anos 50 e se preocupavam em manter a tradição, gravando os grandes compositores, como Pixinguinha e Ary Barroso, a Radiolândia, como tantas outras publicações de entretenimento, evidenciava os eventos sociais e musicais recém ocorridos com o artista, como a eleição para rainha do rádio, uma nova gravação de disco ou mesmo um casamento. Apesar de opostas a Radiolândia era constantemente citada pela RMP. A publicação da editora Globo não contava com especialistas na área de música popular. Como tantas outras, era uma revista dedicada aos fãsclubes e aos bastidores do rádio.

Radiolândia é uma revista feita para vocês. Desde o primeiro número abrimos páginas à colaboração de fãs e dos fans clubes, procurando ligar o público 64 A Radiolândia circulou de 1953 até a década de 60, com edição semanal. Por isso mesmo selecionamos apenas 10 capas para poder comparam com o primeiro ano de circulação da Revista da Música Popular.

42 radiofônico aso produtores e aos intérpretes, sem partidarismos nem interferências (...). Aquilo que o grande público não vê – os bastidores do rádio com suas lutas pela estabilidade econômica, pela melhor qualidade de sua produção, pela sua liberdade de expressão – será também nosso objeto de interesse. Atendemos à paixão popular (...) – capacidade de venerar os 65 verdadeiros intérpretes da alma nacional, simples e sensível.

Uma peculiaridade da Radiolândia era a presença dos próprios artistas, que ganhavam uma coluna para conversar com os fãs, expor a agenda de trabalho e esclarecer fatos sobre a vida pessoal. Era o caso de Angela Maria, Linda Batista, Marlene, Francisco Carlos, Doris Monteiro, e outros que faziam parte do universo do rádio durante a década de 1950. Entre os jornalistas responsáveis pelos artigos estavam Miguel Curi, Sílvia Donato, Eugênio Lyra Filho, Flávio Menezes, Nestor de Holanda (que também tinha uma coluna na Revista da Música Popular), Henrique Bernardo, Dias Gomes, entre outros. Paradoxalmente,

a

Revista

da

Música

Popular

considerou a

Radiolândia a única publicação séria sobre música brasileira no período. Uma matéria que se aproxima bastante com a proposta do periódico de Lúcio Rangel, por exemplo, foi uma entrevista com os artistas Jorge Farad, Lamartine Babo e Ary Barroso sobre a crise da música brasileira. 66 Podemos verificar pelo depoimento de Lamartine Babo, que as críticas à música brasileira e à indústria fonográfica eram correntes entre os artistas e também que o espaço para críticas não era exclusivo da Revista da Música Popular.

O comercialismo desenfreado. O ambiente de imoralidade artística. Concursos oficiais em que só há marmelada (...) – “Primeiro predominava o espírito boêmio e amadorista, depois a música popular começou a dar dinheiro. Foi um benefício e um malefício”. Ainda afirma que os compositores antigos não visavam lucro e trabalhavam por amor, ” como Noel que tinha 65 RADIOLÂNDIA N.º 1 – Dezembro de 1953 pág. 1 66 RADIOLÂNDIA N.º 2 – janeiro de 1954, pág. 14

43 necessidade de criar”. Para o compositor os “gafanhotos” (profissionais da música que trabalham por dinheiro) “não tem amor às nossas tradições e muito menos à Arte. (...) boa música se faz por si mesma, não precisa ser 67 trabalhada.”

Ary Barroso, na mesma reportagem, era mais incisivo e garantia que a influência estrangeira no samba seria responsável pelo “enterro da música brasileira”. A citação reflete o ambiente musical da década de 1950 amplamente discutido pela revista de Lúcio Rangel. Primeiro foi a introdução do “be-bop” nas orquestrações, quebrando inteiramente o caráter histórico de nossas modulações inspiradas nas velhas escolas dos seresteiros. Segundo, o alijamento quase completo dos nossos instrumentos rítmicos. Terceiro, o estilo lacrimoso, gutural e binscrosbyano de alguns de nossos cantores que deixaram de cantar como sabiam para tentar cantar o que não sabem. Quarto: A industrialização por um grupo de capitalistas que se organizam à base de rateio e compram horários nas emissoras, subvertendo completamente a própria essência do Direito Autoral (...) Se providências urgentes e oficiais não forem tomadas, preparemo-nos 68 para acompanhar o enterro da mais linda música do mundo.

O complexo ambiente cultural e musical, contradiz a idéia de decadência e homogeneização em torno do bolero, recorrente em tudo o que vimos. Se os ritmos estrangeiros tomavam conta das rádios e novos artistas surgiam, desfigurando cada vez mais o passado de glória, ao mesmo tempo um variedade de novos gêneros tomavam conta de todas as áreas artísticas, como o teatro, o cinema, a recente TV e o rádio, com um número crescente de emissoras e de patrocinadores. Havia um grande espaço para a música popular, apesar desta sofrer visíveis transformações, como a influência do jazz e do bolero. Na verdade, o que a Revista da Música Popular não perdoava era o esquecimento dos ídolos dos anos 30 e o risco da perda de referenciais de raiz, tal como pensado pelos folcloristas dos anos 50.

67 Para Lamartine Babo, música “trabalhada” é aquela que para tocar, foi preciso comprar programadores e discotecários, além de distribuir os discos de maneira forçada, sem dar atenção ao gosto do público. 68 RADIOLÂNDIA N.º 2 – janeiro de 1954, pág. 14

44 Em 1956, coincidentemente com o ano de fechamento da Revista os artistas do rádio começaram a perder espaço profissional. Isso se explica devido a alguns fatores como o crescimento da televisão, com novos canais e novas capacidades de transmissão e também pelos novos ritmos que chegavam, como o rock e a bossa nova. Os programas de rádio já não mais conseguiam sustentar o padrão clássico, com tecnologia e repertório tornando-se obsoletos. As expectativas tornavam-se diferentes com o aparecimento também de novos ídolos com novas legiões de fãs, que demandavam 69 expectativa diferentes.

Ao longo de toda discussão que a Revista da Música Popular desenvolveu em dois anos de circulação, uma idéia predominou: a arte não deveria atender à demanda popular, ou seja, ser comercial. A arte popular, que deveria representar uma radiografia cultural da população, se corrompia através do circuito comercial. A indústria do entretenimento foi execrada pela Revista porque identificada com a ignorância e com a perda das tradições, por isso, o periódico insistia na preservação da aura artística. Segundo Mônica Veloso,

70

a idéia de cultura como lazer e diversão,

desvinculada de um projeto político não era vista com bons olhos por homens ligados a imprensa. Estes utilizavam os meios de comunicação para se

colocar

contra

o

que

denominavam

“degeneração

da

arte”

e

argumentavam que a mesma deixaria de ser objeto de prazer estético para se converter em mero objeto de consumo. Pesquisadores e jornalistas ligados à musica brasileira tentavam criar uma identidade cultural para o povo brasileiro, e ao mesmo tempo indagavam se a cultura popular deveria ou não ser isolada dos meios de comunicação para não perder a sua forma pura pois, para eles, o cinema mataria o teatro, a TV mataria o rádio e a longo prazo morreria a própria arte. Enquanto os folcloristas colocaram em cena as culturas locais de modo

69 70

Luís Edmundo de Castro. Op. cit. Mônica Velloso . A dupla face de Jano: romantismo e populismo. p. 125

45 convincente, acreditou-se que os meios de comunicação de massa eram a grande ameaça para as tradições populares. Com o objetivo de deter esse processo, um outro grupo de homens da imprensa ligados à música popular e/ou ao projeto folclorista, se reuniu para concretizar a idéia de utilizar a tão criticada mídia para transformá-la em veiculo de conscientização. Era esse o espírito e a missão das quais se arvorava a RMP. Para Mônica Veloso, esse grupo apresentava-se na posição de “artífice da nação” e, portanto, caberia a ele realizar tal metamorfose, fazendo prevalecer a beleza do lirismo e do popular.

71

Esta intenção está

diretamente ligada ao aparecimento da Revista da Música Popular, em 1954.

71

Mônica Velloso . A dupla face de Jano: romantismo e populismo. pág. 136

46 CAPÍTULO 2 O FOLCLORISMO EM QUESTÃO “Então vamos falar sobre folclore...”

Esse capítulo tem por objetivo verificar a ligação do movimento folclorista com o projeto da Revista da Música Popular nos anos 50. Para isso, de forma breve, acompanharemos o percurso do folclorismo, desde o seu nascimento, no século XIX, até a década de 1960. A idéia central será demonstrar que, no seio do movimento, uma corrente defendeu a existência de um folclore urbano, nascido da confluência das culturas presentes nas grandes cidades, principalmente no Rio de Janeiro. A existência de uma tradição folclórica urbana está ligada diretamente ao pensamento que orientou a Revista da Música Popular entre 1954 e 1956, coincidentemente, período de apogeu do movimento folclorista. Alguns debates sobre os temas folclóricos serão levantados, mas como pretendemos chegar às discussões em torno do folclore urbano e do folclore musical, localizaremos apenas os mais importantes e as mais calorosas discussões que aconteceram em meio a congressos e encontros, principalmente nos anos 50. Outra temática abordada no capítulo, compreende a discussão entre o que seria folclórico e o que seria popular, dentro do movimento folclórico. A denominação de movimento na trajetória do folclore vem do uso disseminado (mesmo que não sistemático) pelos próprios folcloristas. A expressão se popularizou, mobilizando a opinião pública em torno de temas da cultura popular e da identidade nacional; além de se tornar emblemática para entender como esses intelectuais pensaram a nação no período.

47 2.1 Origem do movimento folclórico Em 1878, foi criada, na Inglaterra, a primeira Sociedade do Folclore. A palavra folclore designava disciplina especializada no saber e das expressões “subalternas”, ou seja, uma cultura proveniente das classes baixas. Os escritores românticos do período utilizaram, de forma lírica, um conjunto de tradições populares para promover seus interesses artísticos. Preocupados com as constantes desarticulações entre o político e o cotidiano e com o esquecimento da cultura popular, acabaram por impulsionar os estudos folclóricos, provocando assim críticas por parte dos positivistas.72 Essa utilização do folclore, por parte dos românticos e a crítica feita pelos positivistas, foram as primeiras manifestações da burguesia para gerar uma identidade às recém formadas nações. 73 O folclorismo tem, portanto, suas origens históricas na emergência das preocupações eruditas com a cultura popular e na questão da identidade nacional. Os românticos folcloristas pretendiam situar o conhecimento popular dentro do espírito científico. O termo “povo” foi definido de várias formas pelos folcloristas e, segundo Peter Burke, no século XIX, todas elas convergiam para uma definição purista. Concebia-se o povo em estado primitivo, sem influências da sociedade urbana capitalista. Tal indicação nos permite concluir que os

72

“A característica do positivismo é a romantização da ciência. Com o romanticismo da ciência, o positivismo acompanha e estimula o nascimento e a afirmação da organização técnico-industrial da sociedade moderna e exprime a exaltação otimística que acompanhou a origem do industrialismo.” Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano pág. 746. 73 Segundo Denys Cuche, (A noção de cultura nas ciências sociais. pág.178), a origem das raízes seria o que fundamentaria toda identidade cultural e definiria o indivíduo de maneira autêntica.

48 primeiros folcloristas, ao mesmo tempo que procuravam raízes autênticas e genuínas para definir a cultura nacional,74 também enfatizavam o estudo das “sobrevivências”, ou seja, as camadas que não acompanharam o progresso passaram a constituir o povo.

Assim, o folclore se explica pelo apelo ao passado, sendo o estudo dos elementos culturais praticamente ultrapassados. Seria: “cultura do inculto”. Interpretação cheia de juízo de valor que é evolucionista e se opõe ao materialismo histórico. A burguesia, sob essa ótica, seria a única capaz do 75 progresso enquanto o proletariado permaneceria estagnado.

O primeiro grupo que cuidou do tema da cultura popular com visão folclórica foram denominados por Renato Ortiz de românticos folcloristas.

76

Eram intelectuais que procuravam entender o que era a tradição e em que momento ela seria criada para gerar a ilusão de perenidade. Com esse projeto, defenderam a legitimidade da cultura popular, considerada reduto da essência nacional. A definição do nacional era necessária para a construção da identidade da nação, de acordo com as características da autenticidade. O povo, por sua vez, era caracterizado como um tipo homogêneo, cujos membros teriam hábitos mentais similares e seriam os guardiões da memória esquecida. Os românticos foram, portanto, responsáveis pela fabricação de um conceito de popular, que segundo Renato Ortiz, era sinônimo de ingênuo, anônimo, síntese da alma nacional. Mas não seria a cultura das classes populares, enquanto modo de vida concreto, que despertaria a atenção, mas a idealização de nação e povo, conferindo as características necessárias para o modelo nacional que se buscava.

74

Luís Rodolfo Vilhena, Projeto e Missão, pág. 25 Florestan Fernandes,. O folclore em questão. Pág. 76 Renato Ortiz,. Românticos e Folcloristas pág. 24 75

49 Para Renato Ortiz, o século XX marcou a separação dos folcloristas (científicos) com o grupo dos românticos (intuitivos). Mesmo assim, o autor localiza os folcloristas como continuadores dos românticos; que viam no Positivismo emergente um modelo para a interpretação do popular. Para o novo grupo que buscava um rigor científico, o primitivo seria o testemunho da tradição, o povo seria o arquivo dessa mesma tradição e o folclore, "o corpo de conhecimento de homens deseducados, incluindo os costumes, as instituições, as superstições".77 Na década de 1920, no Brasil, o projeto já era outro: o movimento modernista lançado nesta década, procurava uma identidade estética na luta contra o que denominavam “passadismo”, que seriam o romantismo e a perspectiva positivista. Para tal, invocavam tendências artísticas européias que podiam funcionar como modelos legitimadores de propostas locais. O modernismo objetivava assim a existência do homem cultural, um agente social que fosse capaz de deglutir antropofagicamente as falas populares num discurso sonoro nacionalista atrelado à arte pura. A perspectiva do folclore78 acoplava-se a esse projeto para submeter o elemento popular a um olhar erudito e, assim, chegar a uma arte ao mesmo tempo cosmopolita e enraizada no pathos popular. Na preocupação com a cultura popular, os modernistas procuravam exaltar a potência criativa do povo, entendido como portador da semente da tradição brasileira. Tentando estabelecer um elo entre o projeto modernista e a música popular, o musicólogo Mozart de Araújo, que mais tarde veio a ser colaborador da Revista da Música Popular, procurou um critério funcional

77 78

Renato Ortiz, op cit. pág.24 “Elemento menos civilizado ou primitivo que vem do universo rural”

50 para definir e solucionar o que era popular, folclórico e erudito na música brasileira.

Assim, a música é interessada – o que se aplica ao caso da folclórica e da popular – quando se vincula a determinados aspectos da vida cotidiana ou a rituais coletivos, como a canção de ninar, o canto do trabalho ou o de recreação, o ritmo marcial, etc. Já a musica desinteressada, ou erudita, feita para se ouvir, visa ao puro deleite, livre de qualquer critério de 79 funcionalidade.

O musicólogo, acreditava que o importante na música popular não era a originalidade (que estava na música erudita), mas a autenticidade nacional. Seguindo

essa

mesmo

lógica,

seriam

nos redutos populares que

conservariam os elementos constitutivos da alma da “raça”. A partir dos anos 40, o pensamento derivado do modernismo propunha uma solução na qual se produziria uma identificação com a “nação” através dos valores do povo. O folclorista desempenharia então um papel de articulação decisivo, pois era possuidor do status do intelectual que pensava a pureza e as raízes da nação. O movimento folclorista atingiu o ápice nos anos 50, quando tornou-se uma das tendências do pensamento social brasileiro, calcado na vertente etnico-cultural. Por este prisma, o passado seria a força esclarecedora do presente e o folclore, o contato com a sobrevivência cultural do povo, ou seja, o contato com a própria brasilidade. Datam dessa época, os primeiros Congressos e organizações de entidades, museus e exposições destinados à preservação da cultura popular com o intuito de assegurar a continuidade da alma nacional.

79

80

Santuza Cambraia Naves, O violão azul., pág. 47 Essa idéia do popular enquanto revelação e/ou essência da nação não é criação exclusiva dos folcloristas. Ela também vai estar subjacente às reflexões do ISEB e até mesmo às análises do CPC da UNE. Ver SOUZA, Miliandre. Garcia de Da Prática à Teoria: Arte e Engajamento no Brasil (1957-1964). Dissertação de Mestrado. UFPR. 2002 80

51 Na década de 1950 no Brasil, o povo

81

foi então o grande eleito,

paradoxalmente, símbolo da tradição, da transformação ou da contestação.82 O passado social redescoberto cumpriria a missão de formar e informar o sentido da nacionalidade (e da autenticidade) da cultura brasileira. 83 É a partir da documentação que o objeto (povo) adquire contornos visíveis. Ou seja, a cultura popular ‘só é reconhecida enquanto documento que fala sobre a nação’ (...). Assim, essa cultura se converte em uma espécie de objeto mágico, fetiche, pedaço de história a ser contada para as crianças e os 84 curiosos.

O movimento folclórico, apoiado pelo Estado, tinha por objetivo congregar intelectuais de todas as regiões do país, convocando membros dos institutos e academias para construírem uma imagem de nação unificada. A atividade foi se delineando e justificada pela idéia de “missão”, segundo a qual seriam os folcloristas os elementos capazes de orientar esse processo de modernização nacional frente às ameaças desagregadoras apresentadas por essa mesma modernização. Luís Rodolfo Vilhena denomina os folcloristas como intérpretes particulares da nacionalidade pois, na medida em que enfatizam a dimensão cultural e popular no processo de sua formação, também realçam, ainda que de modo contraditório, o aspecto de contínua transformação do folclore. 81

O conceito de povo está atrelado à idéia de elemento social puro, representante legítimo das tradições brasileiras. 82 Para Angela Castro Gomes, uma tradição tem seus temas, procedimentos, referências organizacionais e simbólicas e suas figuras-chave. As tradições podem se fundir ou, ao inverso, multiplicar-se em dado momento, para o que é preciso considerar a situação do pequeno, mundo intelectual, além da conjuntura política maior. As tradições intelectuais marcam o perfil de relações, que nelas e por elas procuram se demarcar. As tradições exigem suportes materiais, que a noção de lugar de sociabilidade nos ajuda a mapear e a dotar de um sentido subjetivo, uma convivência que a memória comum irá registrar. 83 Nesse período, de maneira surpreendente para alguns, os intelectuais da ABL conferiram também um projeto para si. Para eles, o conceito de povo só vai adquirir sentido no mundo do folclore, saber mais competente e o único capaz de construir um discurso sobre a nação. Os intelectuais da ABL faziam distinção entre o que seria “fato folclórico” e “fato histórico”. A história se preocuparia com a recuperação do passado e o folclore, buscaria sua inserção na dinamicidade do presente. Seriam ainda os folcloristas a conferir importância fundamental às fontes primárias. 84 Mônica Velloso, o cit. pág. 136

52 Concordamos com Vilhena quando ele afirma que, apesar dos constantes estudos, o folclorista se tornou o paradigma de um intelectual não acadêmico, ligado por uma relação romântica com seu objeto, estudado a partir de um colecionismo descontrolado e de uma postura empiricista, descontextualizando os fatos que analisa.85 Foram ainda os folcloristas os primeiros a formular um discurso sistemático sobre a “cultura popular”. Para Vilhena “um traço recorrente da produção folclorística é sua ênfase nos aspectos autênticos e comunitários das culturas do “povo”, de maneira a apresentar suas manifestações como uma base adequada para a definição do caráter nacional.”86

2.2 Eventos e definições: os congressos de folclore O período amplo apogeu do movimento folclorista, seu apogeu e decadência, foi marcado por dois grandes eventos: a criação da Comissão Nacional do Folclore, em 1945 e o enfraquecimento da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, em 1964.87

85

Vilhena chama também de folclorista aquele que visava criar a figura do profissional especialista e científico. Mereceria esse epíteto na medida em que escrevesse sobre o tema, participasse de congresso, e comissões folclóricas, ainda que não fosse sua única atividade.. O autor procura também acompanhar as polêmicas do período de forma a compreender o que estava em jogo nesses debates, tentando mostrar o que representou cada uma das posições sobre o assunto e examina a estrutura institucional dentro do qual os intelectuais se organizaram dentro da sociedade, discutindo algumas representações em torno de identidades relevantes para eles – como o objeto, a ciência e sua nação. 86 Luiz Rodolfo Vilhena. Op. cit. pág. 28 87 O fim da CDFB deve-se ao golpe militar de 1964

53 O pesquisador e folclorista Renato Almeida fundou a Comissão Nacional do Folclore – CNFL, e já em sua primeira reunião propôs um plano de trabalho envolvendo diversas iniciativas para dinamizar o folclorismo brasileiro. Consolidou-se em torno de Almeida um grupo mais constante que participava intensamente das reuniões e dos congressos, incluindo Manuel Diégues Júnior, Joaquim Ribeiro, Édison Carneiro, Mariza Lira e Cecília Meireles. Nesse momento de estruturação da CNFL, Câmara Cascudo era o folclorista de maior prestígio no Brasil.88 Esse grupo esteve bastante ativo, entre o fim do Estado Novo e meados da década de 1960. Durante o período, todas as publicações realizadas, objetivavam a ramificação do movimento, envolvendo o esforço pela criação, em todo o Brasil, de um clima favorável ao “estudo e à proteção” do folclore. Nesse ambiente, onde se procurava institucionalizar o movimento folclórico, foram organizados os eventos. Mas é importante frisar que os mesmos caracterizaram-se por um caráter celebrativo da cultura nacional e regional e tinham por objetivo, definir os trabalhos com cultura popular e

12 Joana Abreu faz uma análise do livro de Câmara Cascudo, Folclore do Brasil (pesquisas e notas). Rio de Janeiro, São Paulo, Fundo de Cultura, 1967. Destaco, desse trabalho, conceitos importantes do folclorista. Segundo Cascudo, nós (?) somos formados pela convergência dessas diversas continuidades de tradições com origens remotas – "Essas pequeninas citações apenas positivam a convergência de elementos que ajudam a formar o nosso cotidiano."(p.11). Distingue folclore e cultura popular – "O folclore é o popular, mas nem todo popular é folclore. A Sociedade Brasileira de Folk-Lore (1941) fixou as características do conto, a estória, como tive a inicial coragem de usar em 1942, e que coincidem com o fato folclórico: a) Antigüidade/ b) Anonimato/ c) Divulgação/ d) Persistência"(p.13).Explica o processo de incorporação de um motivo pelo o folclore, de "reajustamento para o folclórico"(pp.14-16). Ao fazê-lo, ressalta a autenticidade presente nos elementos folclóricos – "…somente o tempo, dando-lhe a pátina da autenticidade a fará folclórica. A autenticidade é o resumo constante e sutil das colaborações anônimas e concorrentes para sua integração na psicologia coletiva nacional"(p.14).Apresenta uma visão de povo como aquele que conserva as próprias tradições: "No campo ergológico o povo conserva o seu patrimônio tradicional, móveis e utensílios nos formatos antiquados que muito lentamente vão sendo mudados. (…) é todo um mundo ainda defendido, quanto possível em quinhentos anos de fidelidade inabalável. (p.16/17). Mais adiante, citando Cláudio Bastos, diz: "O povo é um clássico que sobrevive" (p.18).

54 folclore. Apesar de tumultuados, pouco objetivos e sem grandes definições conceituais, estabeleceram orientações de um programa de investigação nos moldes científicos desejados por seus participantes. A procura por uma definição da identidade brasileira foi recorrente em todos os encontros. Esse debate principal originou outros, também a respeito da preservação da cultura popular, onde os folcloristas procuravam fornecer contribuições subsidiárias a um problema, aproximar-se ligeiramente de um assunto,

ou

acrescentar

informações,

porém

sem

objetivo

de

aprofundamento. Tudo que não pudesse ser preservado teria que ser ao menos registrado. A necessidade de preservação documental foi a marca dos folcloristas durante todo o período em que atuaram. Entre 1947 e 1954, aconteceram os seguintes encontros:89 -

1947 – Comissão Nacional do Folclore

-

1958 – Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro

-

1948, 1949, 1950, 1952 – Semana Nacional do Folclore

-

1951, 1953, 1959, 1963 – Congresso Brasileiro de Folclore.90

-

1954 – Congresso Internacional do Folclore

Um mapeamento dos principais encontros se faz necessário para localizar as idéias que, nos anos 50, caracterizaram o folclore, a cultura popular e o lugar da música. O conceito de fato folclórico, muito citado na Revista da Música Popular, foi debatido no primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, em que foi 89

Angela de Castro Gomes,. História e historiadores. RJ: Fundação Getúlio Vargas, 1999. pág. 172 90 No III Congresso Brasileiro de Folclore, em 1959, o presidente Juscelino Kubitschek anunciou a formação de um grupo de trabalho para elaborar um plano em favor da proteção das artes populares. Na comissão estavam Renato Almeida, Joaquim Ribeiro Manuel Diegues Júnior, Edison Carneiro e Rossini Tavares de Lima. Para diretor da Comissão, o ministro Clóvis Monteiro nomeou Mozart de Araújo (colaborador da Revista da Música Popular), que não tinha ligação com o movimento folclórico e dirigiu na época, a Rádio MEC.

55 aprovada a Carta do Folclore Brasileiro. Este texto que se tornou paradigmático do movimento folclórico. No documento, em meio a muitas discussões, foi redefinido e ampliado o conceito de fato folclórico. Estes argumentos marcavam uma nova percepção dos folcloristas sobre a formação sociocultural da nacionalidade brasileira. Eis o texto da Carta:

O Congresso Brasileiro de Folclore reconhece o estudo do Folclore como integrante das ciências antropológicas e culturais, condena o preconceito de só considerar folclórico o fato espiritual e aconselha o estudo da vida popular em toda a sua plenitude, quer no aspecto material, quer no aspecto espiritual. Constituem fato folclórico as maneiras de pensar, sentir e agir de um “povo”, preservadas pela tradição popular e pela imitação, e que não sejam diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e instituições que se dedicam ou à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano ou à fixação de uma orientação religiosa e filosófica. Também são reconhecidas como idôneas as observações levadas a efeito sobre a realidade folclórica, sem o fundamento tradicional, bastando que sejam respeitadas as características de fato de aceitação coletiva anônimo ou não, e essencialmente popular. Em face da natureza cultural das pesquisas folclóricas, exigindo que os fatos culturais sejam analisados mediante métodos próprios, aconselha-se, de preferência, o emprego de métodos históricos e culturalistas no exame e 91 análise do Folclore

Para um dos participantes, Manuel Diegues, o fato folclórico não precisaria

ser

tradicional



contanto

que

fossem

respeitadas

as

características de fato coletivo, anônimo e essencialmente popular. A Carta sugere que o popular seja privilegiado em todas as instâncias desde que tenha aceitação coletiva. O texto tornou-se conhecido em outros setores e mesmo entre os folcloristas, pouco foi modificado nos congressos posteriores. O folclorista Cruz Cordeiro utilizando-se do reconhecimento do Congresso para com a cultura popular, escreveu um artigo para Revista da Música Popular com o objetivo de privilegiar e defender a música popular,

91

ICBF, 1952, pág. 77

56 uma vez que a Carta tratava de aspectos culturais e manifestações coletivas, como fato folclórico. Folcmúsica (do anglosaxônico folk music, ‘música do povo”), a qual faz parte, em conseqüência do Folclore, significa também, em conseqüência: a música que é tradicional, funcional e típica num povo, país ou região. Música popular (popular music em inglês) significa a folcmúsica ou não que se popularizou, 92 que dizer, que foi aceita pelo povo, coletivamente, num pais ou região.

O artigo de Cordeiro distingue três instâncias para a cultura popular: folcmúsica, folclore e música popular, todas interligadas. O folclorista no exemplo seguinte, tenta se fazer entender.

Se uma Congada, um Reisado, um Bumba-Meu-Boi, são tradicionais ou típicos de certas regiões do Brasil, já um frevo, de Pernambuco, ou uma Escola de Samba, do Rio de Janeiro, por serem criações relativamente modernas do nosso povo, isto é, sem tradição propriamente dita, são apenas típicos, mas em ambos os casos folcmúsica brasileira, e portanto, do folclore brasileiro....) Quem criou e fixou, não só a nossa legítima música popular, como sobretudo, a nossa folcmúsica, foi o Carnaval, que se tornou legítimo 93 folclore brasileiro.

Outro pesquisador participante do Congresso, Oracy Nogueira procurava encontrar uma definição “tão ampla quanto possível” para o objeto dos Estudos de folclore. Propunha então que o fato folclórico fosse definido como aquelas “maneiras de pensar e agir de um povo, preservadas pela tradição oral e pela imitação e menos influenciadas pelos círculos e instituições que se dedicam à renovação e conservação do patrimônio científico e artístico humano.”94 Apesar do caráter científico que o Congresso procurava em relação ao conceito e a pesquisa folclórica, a Carta suscitou uma série de indagações, entre elas a de Renato Almeida, que apontou três problemas fundamentais a serem enfrentados: a pesquisa, para levantamento de material; a proteção do 92 93

Revista da Música Popular, n.º 7 pág. 6 Revista da Música Popular, n.º 7 pág. 7

57 folclore, evitando a sua regressão; e o aproveitamento do folclore na educação. Os três problemas foram incorporados pela RMP para o âmbito da música popular (pesquisa, proteção e educação). Ao colocar a pesquisa em primeiro lugar, Renato Almeida via a necessidade

de

conhecer

os

fatos

folclóricos

no

Brasil,

assim

fundamentando esforços contra a descaracterização: “Não queremos pesquisar para estudar apenas, porque o fato folclórico não é coisa morta, como uma peça arqueológica ou um documento histórico, queremos conhecer, para manter, para guardar, para perpetuar.”

95

A análise de alguns documentos, como o Boletim do Congresso Internacional do Folclore no mostra a indefinição das posições sobre o folclore, causada pelas faltas de alguns inscritos, pelas diversidades ideológicas e mesmo, como já dito anteriormente, pelo caráter celebrativo que marcou tais encontros.96 A

importância

que

os

folcloristas

dedicaram

aos

meios

de

comunicação97, foi outro traço da atuação do movimento folclórico. Todos os participantes do movimento viam com bons olhos a participação da imprensa na cobertura dos eventos e na divulgação da própria pesquisa. Renato Almeida, por exemplo, sempre solicitava a veiculação das pesquisas folclóricas na imprensa local.

94

Luiz Rodolfo Vilhena, op. cit. pág. 140 Renato Almeida ainda discursa mais sobre o assunto: “O fato folclórico é universal. As manifestações da sabedoria e da arte do povo, seu modo de pensar, de sentir e de agir são de forma tão semelhantes que Bastian sublinhou a ‘espantosa monotonia das idéias fundamentais da humanidade no mundo inteiro’. Não há mito, conto ou provérbio, não há crença, arte ou técnica que não se vá encontrar, me formas e expressões diferentes, mas de fundo igual, em todas as partes do mundo [...] Assim, as essências folclóricas de um povo não são rigorosamente nacionais, embora o modo de enformá-las seja sempre peculiar a cada cultura. [...]Há que concluir que, sendo a mais regional na sua exterioridade, o folclore é a forma universal de cultura. RENATO ALMEIDA,– 1953, p.338 96 FOLCLORE – Órgão da Comissão Espírito-santense do Folclore. N.º 32/33 95

58 O mais importante evento para os folcloristas aconteceu em 1954 em São Paulo: o Congresso Internacional do Folclore. Apesar de muito divulgado e ainda hoje mencionado como um grande evento, o único tema realmente importante foi a análise do conceito de fato folclórico pela comissão paulista, que confirmou o texto da Carta do Folclore Brasileiro já aprovada pelo congresso de 1951. Interessante também observar que o pequeno número de trabalhos apresentados pelos participantes do congresso se deu (segundo os próprios) por dificuldades com a língua, o que dificultou o entendimento de várias expressões “tipicamente nacionais”. (sic) O folclorista belga A. Marinus em seu relatório geral sobre o Congresso, expressou sua decepção com os resultados: “O Congresso de São Paulo teria sido o ponto de partida para um alargamento de estudos tendo em vista a cooperação internacional.(...) [Houve] um insucesso de nossos esforços”. Para o folclorista, que proclamava o Folclore como ciência isolada de outras disciplinas, a indefinição de fato folclórico por parte dos congressistas, atrapalhou o andamento dos trabalhos, pois continuaria difícil, para os profissionais folcloristas, abstrair os conceitos estranhos ao folclore para observar o fato em si mesmo. Para Marinus, se esse isolamento acontecesse resolveríamos facilmente a condição de primitivos e civilizados. Saberíamos mesmo dar um sentido preciso à palavra popular que, ao meu ver, estorva nossos trabalhos. Representaríamos mesmo o papel da tradição e 98 saberíamos delimitar mais profundamente a sua ação.

O desabafo de Marinus deu-se após a comissão ter definido como impossível fixar uma terminologia unificada para o conceito de fato folclórico.

97

Durante os congressos, houve uma grande cobertura por parte dos jornalistas. Eram divulgados os acontecimentos do evento em revistas, jornais e noticiário de rádio. 98 Relatório Geral do Congresso Internacional do Folclore, apresentado pelo Folclorista Belga Sr. A. Marinus.

59 Renato

Almeida,

inconformado

com

presidente os

do

resultados

Congresso, e

também

considerou

a

mostrou-se

posição

deste

“inexplicavelmente retrógrada”. A Comissão procurou então, na fase final do congresso, não alterar a estrutura do documento original de 1951 e após todo esse percurso de encontros, atas e relatórios, os folcloristas reunidos chegaram à seguinte conclusão: “Considera-se fato folclórico toda maneira de sentir, pensar, agir; que constitui expressão peculiar de vida de qualquer coletividade humana, integrada numa sociedade civilizada”.99 Neste que foi o maior Congresso de folclore em nível internacional, o conceito de popular não foi isolado do folclore e não se tornou disciplina isolada das outras ciências humanas, apesar dos protestos de Marinus. Os folcloristas, apesar de seus esforços, não conseguiram nesses congressos, arbitrar para o folclore a condição de ciência.100 A Revista da Música Popular assimilou a concepção de fato folclórico e utilizou esse conceito, e o próprio método folclorista, em seu projeto para reforçar uma tradição para a música brasileira. O trabalho desenvolvido pelos artífices da RMP, tinha como função a preservação da memória musical do país e do elemento musical ligado à tradição, considerado puro. Por isso também criaram uma hierarquia de valores estéticos. O gênero samba foi privilegiado e teve o tratamento de fato folclórico, pois carregaria consigo pureza, tradição, ideais. Segundo a

99

FOLCLORE – Órgão da Comissão Espírito-santense de Folclore. Ano VI, Ns. 32/33, Setembro a Dezembro de 1954 100 Importante ressaltar que nem todos os folcloristas eram partidários dessa idéia de isolamento do folclore das outras ciências humanas. Edison Carneiro e Florestan Fernandes, por exemplo, sempre propuseram um trabalho interdisciplinar e diziam não ser possível o folclore trabalhar isoladamente, pois existiria claramente uma interdependência entre etnologia, antropologia e outras ciências sociais.

60 abordagem da RMP, a história da música no Rio de Janeiro, sincronizada com a história do país (por ser sua capital), transformou o samba no gênero característico do povo brasileiro. A menção ao conceito de fato folclórico foi constante na Revista. Em um artigo do número 10, o escritor Mário Cabral, situou o século XIX como a fase heróica da música brasileira, período em que compositores como Villa Lobos e Jaime Ovalle puderam assimilar o fato folclórico puro, sem ainda ter sido “maculado” pela indústria: “hoje isso não seria mais possível, ante o comercialismo voraz, o rádio, a música americana e os outros elementos deformadores do nosso populário. 101 Como podemos verificar a constante citação do termo “fato folclórico” levantou discussões acaloradas e apropriações por parte de outros setores da sociedade. Florestan Fernandes, de fora dos Congressos, definiu o termo fato folclórico. Este seria caracterizado pela sua espontaneidade e pelo seu poder de motivação sobre os componentes da referida coletividade, podendo resultar tanto da invenção quanto da difusão.

Pelo poder de motivação do fato folclórico se tem visto que sendo ele uma expressão da experiência peculiar da vida da coletividade, é constantemente vivido e revivido pelos componentes desses, inspirando e orientando seu comportamento. Encontra-se sempre em reatualização. Sua concepção como sobrevivência reflete o etnocentrismo do observador que leva a reputar como mortos ou em vias de desaparecimento os modos de sentir, pensar e 102 agir deste, se contrapondo à moda, à arte, à ciência e à técnica.

Florestan Fernandes dialogou, no período, com os ideólogos do movimento folclorista.103 Na época, o autor foi qualificado como o arauto de

101

Revista da Música Popular N.º 10, pág. 3 Florestan Fernandes. O folclore em questão. .pág. 24 103 Uma boa forma de conhecermos parte desse diálogo está no livro “O Folclore em Questão, de 1978 que traz uma coletânea de ensaios escritos entre 1944 e 1962, em 102

61 uma nova investida contra o folclore, pois criticou os folcloristas por não levarem em conta a dimensão “sociológica” da cultura popular. Negava também para o folclore a condição de ciência, caracterizando-o como método a ser abordado de forma interdisciplinar, incluindo a sociologia e a antropologia. Por isso, chamou a atenção para o trabalho do folclorista, pois a medida em que este se comprometia com o método científico, perderia as possibilidades de focalizar e de interpretar os aspectos do folclore que realmente lhe caberia estudar. Florestan criticava o debate travado no seio do movimento folclórico e criticava o espírito de colecionismo dos folcloristas.

Os folcloristas limitam-se à formação de coleções, de materiais folclóricos, coligidos de modo assistemático. Revelam-se incapazes de aplicar o próprio método folclorístico da análise dos dados folclóricos. São responsáveis pelas piores coleções, feitas de materiais recolhidos sem critério, por terceiros e editados sem nenhuma tentativa de ordenação metódica dos dados. Não são coerentes, não têm procedimentos que permitem interpretar o folclore como realidade social. A palavra FOLCLORISTA se tornará um jargão pouco recomendável. O acúmulo dos dados representa uma condição deveras mais importante para o progresso dos estudos sobre o folclore brasileiro que a proliferação de meras verbalizações metodológicas. A cooperação entre folcloristas e cientistas sociais constitui o único meio para corrigir as 104 diferenças de abordagem e de análise especializada.

Florestan

Fernandes

explicitava

a

falta

de

unanimidade

no

pensamento dos folcloristas, ao mesmo tempo propunha um novo olhar sobre o popular, que superasse o conceito estrito de folclore (etnias, autenticidade, fato folclórico, espontaneidade, organicidade, isolamento sociológico em comunidades, e tudo o que caracterizasse o pensamento folclorista). Perturbava-se com o uso da categoria "classe social", pois para ele as tradições populares seriam indistintas do termo.

diversas revistas e jornais. Em tais artigos, Florestan propôs uma colaboração mais eficiente entre as ciências sociais e o folclore, que definiu como expressão da vida social e cultural de um povo. Propunha que o folclore deveria ser disciplina humanística e não científica, pois tratava-se mais de um método do que uma ciência e envolveria interpretações singularizantes ocorrendo de forma indistinta, independente de classe social. 104 Florestan Fernandes op. cit. págs. 9, 20

62

O folclorista deixa de encarar o elemento folclórico como parte de um conjunto cultural mais amplo, ou melhor, de uma configuração sócio- cultural onde ele tem forma, uso, significado e função característicos. Toma-o isoladamente, estuda-o sob o ponto de vista genético e depois o agrupa. Esse método elimina a possibilidade de análise do folclore em seus 105 processos e transformações.

Importante ressaltar, nesse contexto de diálogo com o movimento folclórico, e apesar da abundância de descrições, os folcloristas sempre deram poucas explicações sobre o popular. Nunca consideraram que processos sociais dariam as tradições uma função atual. Mesmo na Carta do Folclore Brasileiro a referência ao conceito de popular foi tão amplo que acabou se perdendo na discussão sobre folclore. Verificamos então que a principal ausência nos trabalhos de folclore que já citamos é o não questionamento sobre o que ocorre com as culturas populares quando a sociedade se massifica. Esse fenômeno, segundo Nestor Garcia Canclini “é quase sempre uma tentativa melancólica de subtrair o popular à reorganização massiva”.106 A partir da constatação que o popular, enquanto cultura de massa é refutado pelos folcloristas, partimos para a questão central do capítulo: a música no debate folclorista. O Congresso Internacional de 1954, considerado o mais importante encontro dos profissionais ligados à pesquisa de folclore, reuniu musicistas na Conferência Internacional de Música Folclórica com o objetivo de deliberar sobre música folclórica e música popular. Como primeiro item, os folcloristas discutiram a importância do uso do folclore musical na educação e julgavam positiiva a divulgação na mídia (rádio, televisão, discos, filmes e audições

105 106

Florestan Fernandes op. cit. pág. 55 Nestor Garcia Canclini. Culturas Híbridas, pág. 211

63 públicas). Também reconheceram a importância do folclore como produto de uma “tradição musical que evoluiu por meio da difusão oral”. Definiram como fatores que condicionaram a tradição oral a “continuidade, que liga o presente ao passado; a variabilidade, que emana dos impulsos criadores tanto individuais como coletivos e a seleção no meio de uma coletividade.” 107 Nesse Congresso, a música popular foi excluída por não se encaixar aos itens citados: no mesmo documento, os relatores afirmaram que em hipótese alguma tal música poderia ser englobada como tradicional, pois não sofreu a influência desses três fatores, ou seja, não tinha continuidade cultural com o passado, não nascia de criação espontânea e sua seleção não se dava pela coletividade, uma vez que era produto da indústria. Também era senso comum utilizar a concepção clássica de folclore enquanto tradição pura para se refutar a música popular por estar em ambiente urbano e sofrer influências e sincretismos A idéia de alguns folcloristas ligados ao tema, de preservar as tradições,

influenciou

outros

setores,

principalmente

musicólogos

e

jornalistas ligados à música, mas essa idéia não foi bem definida ou finalizada, com exceção da Revista da Música Popular que é fruto do mesmo projeto, de manter vivo o passado musical. As deliberações sobre popular e fato folclórico que citamos anteriormente não foram unânimes e provocou uma certa diáspora entre os folcloristas: alguns assumiram o estudo da música popular e defenderam a existência de folclore nas grandes cidades. Ramificava daí um outro grupo, disposto a tratar desse controvertido aspecto do projeto folclorista que se tornou a música popular brasileira. 107

FOLCLORE – Órgão da Comissão Espírito-santense de Folclore. Ano VI, Ns. 32/33,

64 A música popular concebida como folclórica gerou tantos debates que, os mesmos intelectuais que criticavam a música popular por não ter raízes, em alguns momentos a defendiam como folclórica. A falta de um estudo sistematizado e mesmo de um interesse centrado no universo popular urbano, acabou provocando contradições nos discursos sobre o tema. Cruz Cordeiro, no artigo folcmúsica e Música Popular ilustra todo o universo da contradição:

Mas se o samba, música popular, tal como vimos, entrou em decadência, o samba, folcmúsica, por isso mesmo, persistiu (...). Com efeito, o samba, folcmúsica carnavalesca, é só coro e percussão, não tem instrumento algum de sopro. (...) Talvez por isso é que o samba, música popular, tenha decaído pros “be-bop” lacrimosos dos “crooners” das buates e das rádios sofisticadas (...) Mas o samba, folcmúsica, persistindo, como se viu , tornou-se também, 108 expressão máxima de nossa atual folcmúsica, avassalante.

Luís Rodolfo Vilhena retoma a idéia de separação entre o folclórico e popular e se posiciona sobre o samba da seguinte maneira: A escolha do samba como representante de nossa identidade cultural não corresponde ao projeto folclorístico. Para Andrade, o samba urbano não representava a música popular, mas a que ele qualificava de popularesca. Ao defender a necessidade de uma definição científica do folclore, o exemplo principal que usa é justamente o desse gênero musical, equivocadamente 109 qualificado na época como popular.

Retomar Mário de Andrade neste ponto é essencial pois além de fundar a Sociedade Brasileira de Folclore, foi o primeiro folclorista a pensar a música popular (ainda que negativamente), constituindo-se como grande referência para os debates posteriores sobre tradição, folclore e nação.

Setembro a Dezembro de 1954 pág.3 108 Revista da Música Popular, n.º 7 pág. 41 109 Luís Rodolfo Vilhena, op. cit. . Pág. 257

65 Florestan Fernandes afirmava que foi um dos primeiros folcloristas a se especializar, fazendo do folclore musical o principal ramo de atividades. 110 O amplo debate que se verificou na música popular a partir dos anos 50 originou-se das primeiras preocupações nacionalistas de Mário de Andrade, cuja produção edificou-se sobre os importantes temas e problemas socioculturais gerados pela transição de uma civilização tipicamente rural para urbano-industrial. Mário problematizou a natureza da modernidade, a luta por uma identidade nacional e americana, a racionalidade da civilização, o papel do artista e do intelectual e a relação entre cultura erudita e cultura popular. Conquistou também o lugar de pensador e crítico da música no Brasil a partir de 1922. Sua corrente estética derivada em modernismo nacionalista tornou-se hegemônica até meados dos anos 40. Elizabeth Travassos aponta cinco proposições das idéias de Mário de Andrade, expostas no Ensaio da Sobre a Música Brasileira, em que pode ser sintetizada a estética nacionalista. 1) A música expressa a alma dos povos que a criam. 2) a imitação dos modelos europeus tolhe os compositores brasileiros formados nas escolas, forçados a uma expressão inautêntica; 3) sua emancipação será uma desalienação mediante a retomada do contato com a música verdadeiramente brasileira; 4) esta música nacional está em formação, no ambiente popular, e aí deve ser buscada; 5) elevada artisticamente pelo trabalho dos compositores cultos, estará pronta figurar ao lado de outras no panorama internacional, levando uma contribuição singular ao patrimônio 111 espiritual da humanidade.

110

Florestan Fernandes – Mário de Andrade e o Folclore Brasileiro in Revista do Arquivo Municipal de São Paulo (n.º CVI, 1946) apud, FOLCLORE, N.º 34/36 Florestan ainda coloca a contribuição das pesquisas de Mário nas fontes do folclore musical brasileiro: “De suas pesquisas, concluiu que os portugueses nos deram o nosso atonalismo harmônico, a quadratura estrófica, provavelmente a síncope, desenvolvida posteriormente pelo negro, os instrumentos europeus, como a guitarra (violão), a viola, cavaquinho, a flauta, oficlide, o piano, o grupo dos arcos, textos, formas político-líricas, como a moda, o acalanto, danças do gênero as rodas infantis, do fandango, danças dramáticas como os Reisados, as Pastoris, a Marujada, a Chegança, a forma primitiva de Bumba-meu-boi. 111 Elizabeth Travassos, Modernismo e Música Brasileira, pág. 34

66 Na medida em que a nova função do artista era descobrir e conhecer a realidade nacional, foi a própria realidade brasileira que, para Mário, tornou-se o material de criação. Ao invés de reproduzir imitações das obras européias, para ele, o artista mergulharia na experiência coletiva de busca de uma identidade nacional. “Nós só seremos deveras uma Raça o dia que nos tradicionalizarmos integralmente e só seremos uma Nação quando enriquecermos a humanidade com um contingente original e nacional de cultura.” 112 Nesse contexto, convém analisar como Mário de Andrade concebia a cultura popular, com quais tipos de relação se constituía o povo e que peso relativo ele atribuía aos processos ideológicos e políticos, na determinação da natureza da cultura popular. Seu engajamento como artista e intelectual manifestou-se em dois níveis diversos, mas inter-relacionados: o nível da forma e da técnica artística e si, e a militância para criar condições de surgimento de uma cultura nacional autônoma com o objetivo de desenvolver uma memória histórica, apropriar-se do passado, identificar-se com a sua própria história. “Abrasileirar o Brasil”, segundo Mário seria “sentir e viver o Brasil não só na sua realidade física, mas na sua emotividade histórica”. 113 Mário de Andrade entendia o nacionalismo vinculado a um desenvolvimento futuro, voltado para o internacionalismo, uma vez que entendia as culturas como internacionais; trabalhava voltado para a formação de um novo discurso que abarcasse a realidade então emergente. Rejeitava também a tradição da arte regionalista, dedicada à simples descrição dos

112 113

M. de Andrade Assim falou o papa do futurismo. Apud SCHELLING pág.104 SCHELLING pág.106

67 hábitos e modos de falar do Brasil rural, pois, a seus olhos, ela reforçava uma visão exótica do país. 114 Uma arte nacional não se faz com escolha discricionária e diletante dos elementos: uma arte nacional já está feita na inconsciência do povo. O artista tem só que transpor elementos já existentes uma transposição que faça da 115 música popular, música artística isto é: imediatamente desinteressada.

Numa série de artigos escritos no final da década de 1920, propôs a maneira como se devia estruturar a relação entre as tradições da cultura erudita e da cultura popular, com o objetivo de contribuir para a sua nacionalização. A distinção entre arte erudita e cultura popular viria a moldar toda a obra de Mário de Andrade: sua ficção, seus textos de crítica e seus estudos científicos sobre o folclore. Na década de 1930, viria a abordar cultura popular como uma forma de conhecimento, designando não só o conjunto de obras artísticas do “povo”, mas todo um modo de vida popular, objetivando em sua linguagem, costumes, crenças e instituições. “A experiência é outra, consistindo em permanecer popular sem permanecer folclórico. Se os temas e ritmos conservam o caráter popular, já são porém da própria invenção do compositor e não mais tirados do populário tradicional.” 116 Nessa empreitada, o artista deveria evitar o perigo de enfatizar demasiadamente o típico e de torná-lo “erroneamente” exótico. Essa mistura

114

A função intelectual de Mário de Andrade está ligada a uma definição de “construção” pois dedicou suas energias a esse processo: a construção de uma linguagem que refletisse a experiência coletiva da nação brasileira; a construção de uma consciência crítica sobre a natureza da arte tanto em sua natureza imanente quanto em sua relação a determinantes externos a ela; a recoleta e análise do folclore para promover a produção de uma música “universal” e “brasileira”, a altura da “arte erudita” (veículo para a aquisição de uma memória histórica) e criação das condições prévias para um autêntico sentido de identidade; a construção de uma visão alternativa para o desenvolvimento da sociedade brasileira, de acordo com um outro princípio civilizatório, diverso do princípio europeu herdado com a colonização. 115 Mário de Andrade. Ensaio sobre a música brasileira, pág. 16 116 Idem pág. 18

68 complexa de temas étnicos e estrangeiros deveria ser feito de “maneira espertalhona pela deformação e adaptação”.

117

Mário rompeu esteticamente com o naturalismo e a “poesia passadista”. Em relação ao folclore, enquanto prática viva do povo, também rompeu com a atitude predominante entre românticos de considerá-lo como produto pitoresco de uma região atrasada.

Já afirmei que não sou folclorista. O folclore hoje é uma ciência, dizem (...) Me interesso pela ciência porém não tenho capacidade para ser cientista. Minha intenção é fornecer documentação para o músico e não, passar vinte anos escrevendo três volumes sobre a expressão fisionômica do lagarto 118 (...).

Mário de Andrade deslocou também a ênfase de sua pesquisa da literatura para a música, na qual achou possível identificar a influência dos grupos étnicos não europeus, para com os modelos portugueses: “A Música Popular Brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, a mais forte criação de nossa raça até agora. A bem dizer, o Brasil não possui canções populares muito embora possua, incontestavelmente, música popular. Pelo menos não existem elementos por onde provar que tal melodia tem sequer um século de existência. Tanto no campo como na cidade florescem, com enorme abundância, canções e danças que apresentam todos os caracteres que a ciência exige para determinar a validade folclórica duma manifestação. Essas melodias nascem e morrem com rapidez, é verdade, o povo não as conserva na memória. Mas se o documento musical em si não é conservado, ele se cria sempre dentro de certas norma de compor, de certos processos de cantar, reveste sempre de certas formas determinadas (...) não é tal canção determinada que é permanente, mas tudo de que ela é construída. A melodia, em seis ou dez anos poderá obliterar-se na memória popular, mas os seus elementos constitutivos permanecem usuais o “povo”, e com todos os requisitos, 119 aparências e fraquezas do tradicional.

Mário sugeriu localizar na música popular a marca principal da nacionalidade. Nos anos 30, quando essa corrente floresceu, os estudiosos de folclore alcançaram poucas conquistas institucionais universitárias, sendo

117

Mário de Andrade, op. cit. pág. 16

69 a principal a criação da cadeira de folclore musical, tornada obrigatória em conservatórios e escolas de música.120 Essas considerações sugerem que o conceito de popular para Mário de Andrade, era o folclore. Apesar de pouco ter se preocupado com a música urbana, que chamava de popularesca, todos esses preceitos serviram de base para o projeto de folcloristas e jornalistas (às vezes ambos em uma só pessoa) na música popular dos anos 50. Verificando a Revista da Música Popular, percebemos como Mário foi apropriado por esse grupo que extrapolou os temas inerentes à música popular urbana e adotou o universo das pesquisas folclóricas como método de pesquisa. Na verdade, ocorreu uma leitura enviesada dos textos de Mário por parte dos nomes ligados à RMP. Outro grande folclorista que tratou do tema e que também foi apropriado por esse grupo (um pouco mais de perto) foi Renato Almeida, que desenvolveu uma abordagem diferente, apesar das “decisões” dos congressos. Em um artigo de 1959,121 podemos notar a preocupação com o samba e o problema em defini-lo como folclórico. Almeida revelou, no artigo, que o trabalho nas escolas de samba não seria folclórico, pois pouco restou da autenticidade. As escolas estariam demasiadamente próximas da indústria cultural e acabariam seguindo o caminho do samba urbano. 122

118

APUD, Vilhena, pág.131 Ensaio sobre a Música Brasileira, 1928 ed. de 1962 120 Quando analisa “cantigas e danças”, mantém, grosso modo, um esquema no qual suas origens são atribuídas a três fontes étnicas, como quando traça, por exemplo, as influências de portugueses, africanos, ameríndios, espanhóis na composição de nossa música folclórica. Essa fórmula ternária generaliza-se no estudo de nossa música e, quando o compositor Lorenzo Fernandes vai realizar sua palestra sobre a música brasileira na I Semana Folclórica, intitula-a de ‘Flor Amorosa de três raças tristes’ (note-se que Flor Amorosa é música urbana, de autor conhecido que a princípio é negada como folclórica por esses intelectuais) 121 APUD, Luiz Rodolfo Vilhena op. cit., pág. 281 122 O secretário capixaba Guilherme dos Santos Neves afirmava que “aquilo que está sujeito à transitoriedade da moda não é folclore”. O folclórico seria tudo que não é oficial, e a forma 119

70 Pela análise de outro longo texto de Almeida, verificamos como as posições sobre a música popular ainda não estavam definidas. O autor afirma que o samba foi a grande matriz de toda a folk-dance brasileira, tendo sido influenciado pelas danças estrangeiras que “se aclimataram e tomaram expressão nacional.” Também cria uma vertente histórico-folclorístico para a gênese do samba e do Carnaval.

Dos folguedos (congos, congadas e maracatus), nasceram os “cordões” carnavalescos, que se aprimoraram nos ranchos, empregando um instrumental mais variado do que o de percussão, único usados pelos primeiros, e organizando os préstitos com enredos fabulosos. “Esses sambas, com que marchavam os ranchos – ‘samba-de-influência’ – fosse no Carnaval ou na Penha, tiveram grande importância como elemento gerador 123 do samba carioca.

Almeida argumenta que o nascimento do samba parte do universo folclórico. Na citação, vamos perceber como define a trajetória do ritmo, do universo rural para o urbano. Outra questão interessante é o tratamento do samba enquanto dança. Fator onde o ritmo popular se reencontra com o folclore. Essa abordagem procura se legitimar pele bordagem folclorista.

O professor Artur Ramos fixou três etapas na música de dansa brasileira: ‘Numa primeira fase, vamos encontrar a forma genérica batuque ou samba, que é dansa de roda, com execuções individuais, originadas dos negros angola-conguenses. Uma segunda fase assinala o aparecimento do maxixe, dansa brasileira que aproveitou o elemento negro dos batuques, incorporando-o a estilizações hispano-americanas (habanera) e européia (polca). Uma terceira fase, a atual, está realizando um amplo conglomerado. É a fase do samba (com a nova significação), forma de dansa ainda indefinida, mas de uma extraordinária riqueza de elementos musicais, melódicos e rítmicos, e elementos coreográficos, onde intervêm o negro

de liderança exercida nas escolas de samba emanando autoridade constituída, afastaria tal movimento do domínio folclórico. 123 Renato Almeida. O samba carioca. In. Mariza Lira 1ª exposição de folclóre no Brasil. (Achegas para a exposição do Folclóre no Brasil.). Rio de Janeiro, 1953 pág. 61

71 africano e o negro de todas as Américas e dansas européias adaptadas. Não 124 sabemos ainda qual a sua fixação definitiva.’

Almeida sintetiza o pensamento que orientou os articuladores da Revista da Música Popular, ao defender a existência de dois tipos de samba, o de origem folclórica e o popular/comercial. Este apareceu após os anos 30, com o crescimento da indústria do rádio e do disco. Já o samba da roda teria sempre existido no morro ou fora dele, “onde houvesse agrupamento de pretos” da zona urbana. Foi com todos esses elementos que o samba começou e se vai fazendo. No carnaval de 17 surgiu Pelo Telefone, fixando o samba, que se tornou expressão legítima da nossa cidade. Os compositores foram surgindo e 125 demarcando as primeiras formas dessa expressão nova de dansa.

Diferente das sua próprias posições anteriores a respeito da música popular, Renato Almeida considerava a escola de samba autêntica, verdadeira, reduto de tradições. Sua análise apontava para o mesmo “rigor científico” com que se estudava o folclore (rural).

Uma escola de samba é uma agremiação carnavalesca em primeiro lugar, cuja função principal é preparar um préstito para ir à Praça Onze, nos desfiles de Carnaval. Esse préstito, sem a importância do “Ranchos”, é contudo de maior relêvo do que os “Cordões”. Tem enredo anunciado num dístico que o precede. Com instrumentos apenas de percussão – tamborim, pandeiro, cuíca e surdo. Alguns porém usam bandolins, cavaquinho e violão (...).O samba que cantam constam de uma parte apenas. É tirado a seco, pelo Mestre da harmonia, que é professor de canto e dansa e, em geral, compõe. Depois entra o coro, que repete o samba, acompanhado pela bateria. O samba é o verso aprendido de memória. Ã guisa de refrão, o Mestre tira versos, não raro se ligação alguma com o sentido do samba. Improviso algumas vêzes, outras repete quadras tradicionais (...) A melodia não muda, enquanto o ritmo se multiplica em variações intermináveis. (...) O côro é de mulheres e meninas, a quem chamam de ‘pastorinhas’, reminiscência do 126 cortejo dos Reis’ (...) Registram-se até intervalos de sextas.

124

Renato Almeida, op. cit pág. 62 Idem 126 Renato Almeida, op. cit. pág. 63 125

72 Mais uma vez, Almeida valorizava a dança como o elemento base do samba, estabelecendo ligação direta com a tradição folclórica do ritmo urbano. A coreografia, quando em préstitos, é uma marcha. Se param há movimentos de conjunto, em passinhos curtos, com figuras comuns nos sambas-de-roda, embora seja raro grandes variações. (...) Nas Escolas, o samba é de roda, indo para o centro, dois quando não mais dansarinos ou dansarinas. Dansam independentemente uns dos outros. Não são umbigada para se substituírem o centro da roda, mas fazem ligeira curvatura. Quase que basta um dansarino parar em frente a um camarada de roda, para este se preparar e 127 cair no samba.

A busca da autenticidade foi outro elemento presente no texto de Almeida que finalizou sua discussão sobre música popular no universo das cidades. “Só no Rio nasce o samba. O baiano Dorival Caymmi trouxe coisas lindas da sua terra, mas fês samba aqui no Rio, que é o clima natural e propício. Só na terra carioca germina o samba, mas, com nela se somam elementos de todo 128 o Brasil, o samba ficou brasileiro...”

As reflexões de um dos maiores folcloristas do Brasil na época, Renato Almeida, sobre a possibilidade e validade de um folclore urbano nos fazem refletir sobre o porquê da pouca atenção que o movimento folclórico deu à música popular brasileira. Mesmo as referências feitas ao samba tiveram um objetivo isolado, que era ressaltar a idéia da roda, do batuque, enfim, das raízes folclóricas. Porém, tais afirmações acabaram por desvendar que as posições dos folcloristas sobre o ambiente urbano não eram definitivas, isentas de dúvidas e questionamentos. Mesmo o radicalismo de alguns, ao querer isolar música folclórica de música popular mostrou-se inconsistente no decorrer dos debates que aconteceram no seio do movimento folclórico.

127 128

Renato Almeida, op. cit. pág. 66 Renato Almeida, op. cit. pág. 67

73 Outra importante posição sobre a música popular vem de Luiz Heitor de Azevedo, catedrático de folclore da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, que escreveu sobre música nas principais publicações dos anos 30 e 40, sendo a principal, a Revista Cultura Política. Luiz Heitor defende a existência do folclore na cidade e critica os folcloristas por pensarem que os grandes centros deveriam ser excluídos das pesquisas populares, “porque era impossível a existência de um autêntico folclore urbano” Hoje em dia, entretanto, é bem outra maneira de se encarar essa questão, os mais conceituados folcloristas contemporâneos, estão de acordo em que não somente há folclore nas grandes cidades, com há mesmo tradições e costumes populares que lhe são peculiares que só nelas podemos encontrar 129 e que constituem portanto a face original, própria de seu folclore.

O autor analisa a presença do folclore na cidade como provocadora do sincretismo das tradições e de valioso material para o trabalho do folclorista. Preocupa-se também em usar a palavra tradição, de forma a tornar legítima sua argumentação. Nesse sentido, percebemos que o trabalho desenvolvido pela Revista da Música Popular muito se aproximou desse ideário. A constante pesquisa desenvolvida e os textos selecionados, mostravam uma clara posição do periódico quanto a presença do folclore no ambiente urbano. Apesar dessa idéia contrariar as decisões dos congressos folclóricos que ocorriam em paralelo com os anos de circulação da Revista, foi defendida integralmente pela mesma em todos os seus 14 números. Luís Heitor ainda continua salientando a peculiaridade do folclore existente na cidade e como esta constantemente seria a base do encontro de diversas tradições.

129

Mariza Lira. Op. Cit. Pág. 8

74 Os grandes centros urbanos, como salientou Gorokin, sociólogo russo, determinam uma imensa “mobilidade horizontal”, isto é, provocam fortes correntes de imigração para o seu meio. Enquanto nas regiões rurais, as tradições tendem a se manterem separadas e isoladas entre si, nos centros urbanos as fusões, as trocas, as interferências, as convergências, enfim, o sincretismo prevalece com máxima nitidez.

Por fim, o autor salienta a importância de se incorporar o folclore das cidades aos estudos folclóricos tradicionais. O folclorista, ao estudar o folclore urbano, tem diante de si um documentário muito mais complexo do que uma coletânea de tradições campesinas, quase sempre mais extensas, porém de exegese menos dificultosa que a dos materiais citadinos”.

As afirmações de Luís Heitor aproximam-se do estudo desenvolvido por André Gardel no livro O Encontro de Bandeira e Sinhô.130 Gardel analisa a vida do Rio de Janeiro nos anos 20, como um momento da invenção do que costumamos chamar de carioca. Segundo Gardel, a antiga capital do país constituía um ponto de confluência de diversas etnias, juntando “mundos de significado e procedências muitas vezes aparentemente irreconciliáveis”131 e parte do pressuposto que a autenticidade foi um elemento forjado para se criar uma tradição na cultura carioca e que o Rio de Janeiro serviu como o espaço do encontro de diversas culturas: O Rio de Janeiro da Primeira República é o espaço histórico do encontro. O Rio de Janeiro de “nós todos” ‘é o espaço político do encontro, cidade em que todas as ruas vão dar no mar, em que todas as vozes cantam sua miséria e 132 glória e que todos os corpos dançam a dança erótica do tempo.

Gardel salienta um traço importante sobre os centros urbanos. Pelo fato das cidades representarem um espaço do encontro de etnias e culturas, torna-se evidente a falta de raízes e de homogeneidade para se pensar no

130

André Gardel O Encontro de Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1996. 131 Citado por Hermano Vianna O encontro... pág. 13 132 André Gardel Op. cit pág. 24

75 folclórico e na tradição. As defesas de Luís Heitor e Renato Almeida denotaram a carência de um estudo mais amplo entre os folcloristas e evidenciaram a multiplicidade cultural do ambiente urbano, principalmente quando se pensou o Rio de Janeiro, capital do país. A idéia de confluência e encontro mediado, ainda não era um pensamento corrente nos anos 50 e, mediante o que chamavam de crise, alguns folcloristas e intelectuais ligados à cultura popular sentiram a necessidade de criar uma tradição para o espaço urbano e passaram a considerar a história da cultura popular brasileira a partir de um viés folclórico.133 Nos anos 50, a Revista da Música Popular tornou-se um elo de ligação entre folcloristas e estudiosos e aficcionados da música urbana. Mas a publicação não se manteve após 1956 e os debates a respeito da música brasileira permaneceram isolados. Porém, entre os folcloristas, o estudo da música popular só se materializou de fato quando a Comissão Nacional do Folclore, preocupada com as possíveis interferências estrangeiras134, abriu mão do caráter tipicamente rural que vinha dando ao folclore e preparou um congresso sobre samba em 1962.135 O conhecido folclorista Edison Carneiro organizou então o I Congresso Nacional do Samba onde, com a promoção da Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro, participaram músicos, estudiosos e amigos do

133

Percebemos então que todas as argumentações e debates não são de modo algum lineares. Isoladamente, permeando diversos eventos sobre folclore, podemos decifrar uma concepção, no meio do movimento, sobre música popular urbana. 134 As interferências estrangeiras a que se refere a Carta do Samba está diretamente relacionada à bossa nova. 135 Mais especificamente o Congresso aconteceu de 28 de novembro a 2 de dezembro de 1962, no Rio de Janeiro. apesar de estar fora do nosso recorte de estudo, o Congresso do Samba marcou posições importantes que não podemos deixar de comentar.

76 samba em geral. No encerramento dos trabalhos, Carneiro redigiu a Carta do Samba.136 A intenção desse Congresso seria preservar as características tradicionais do samba sem tirar-lhe as perspectivas de modernidade e progresso, como se verifica na introdução do documento:

O Congresso do Samba valeu por uma tomada de consciência: aceitamos a evolução normal do samba como expressão de alegrias e tristezas populares; desejamos criar condições para que essa evolução se processe com naturalidade, como reflexo real da nossa vida e dos nossos costumes; mas também reconhecemos os perigos que cercam essa evolução, tentando 137 encontrar modos e maneiras de neutralizá-los.

Renato Almeida, que já havia polemizado a questão da música popular, tentou conciliar suas posições com a de Carneiro: “não vibrou por um momento sequer a nota saudosista. Tivemos em mente assegurar ao samba o direito de continuar como expressão legítima do sentimento de nossa gente.” 138 Mesmo adotando concepções folclorísticas sobre o samba, Carneiro reconhece e valoriza a síncope como elemento tradicional, ao contrário de Mário de Andrade. Para Carlos Sandroni, “essa alusão à síncope é a única tentativa em toda a Carta de definir, através de um termo técnico, o que seriam as características musicais tradicionais do samba que se queria preservar.”139 Apesar da posição assumida pelos folcloristas na defesa do samba, cabe ressaltar que o popular e o folclórico continuaram em universos distintos e o tipo de samba abordado caracterizava, via folclore, a identidade da nação brasileira. 136

Edson Carneiro,. Carta do samba. Palácio Ernesto, 1962. Idem, pág. 1 138 Carta do Samba, pág. 1 137

77 “Esse documento, que por assim dizer, oficializa o samba, garante copyright dos autores, solicita do Congresso dispositivos legais que disciplinem os problemas de sua divulgação, afasta de vez e em definitivo o samba dos quadros do folclore, que afinal, é tudo o que não é oficial. Naturalmente, que tudo se refere à forma urbana e popular do samba, não intervirá nos batuques e sambas de roda da gente do povo, que continuarão em sua forma puramente folclórica, no seu perpétuo vir-a-ser, na sua interminável fluidez” 140

Os folcloristas pediam que o samba evidenciasse a percussão – elemento de características folclóricas – e garantiam autenticidade às escolas de samba, desde que estas guardassem fidelidade às suas origens. A preservação dessas características seria um dever patriótico, pois o samba guardaria em si “um dos traços nacionais que mais distinguem a nossa nacionalidade”.141 Temos então um projeto similar à Revista da Música Popular, a tentativa de preservar a pureza na música brasileira, mantendo o samba distante do vínculo comercial. Mas esse projeto seria implodido pelo ulterior desenvolvimento da música popular brasileira, culminando na chamada “linha evolutiva” bossa nova – MPB – Tropicália. Carlos Sandroni observa que a própria escolha de Edison Carneiro para a redação da Carta, manifestava “visivelmente a intenção de reforçar a filiação folclórica do samba”. 142 Carneiro era o inventor da expressão sambade-umbigada (expressão que substituiu o batuque como termo genérico) e essa separação diferenciava, para o folclorista, o samba folclórico (batuque), do samba popular (vindo do maxixe). Na Carta, Carneiro ainda recomendava que o compositor e o intérprete não misturassem o samba puro com ritmos estrangeiros – que usassem ou

139

Carlos Sandroni. Feitiço Decente, pág.19 Carta do Samba, pág. 2 141 Idem. pág. 11 142 Carlos Sandroni. Feitiço Decente, pág. 98 140

78 um ou outro – para assim evitar a desnacionalização do samba, reduzindo-o a música qualquer. A Carta do Samba de 1962 encerra a trajetória de congressos, documentos, discussões e contradições entre os folcloristas. Na década de 1950, muitos temas foram assumidos pela Revista da Música Popular que optou por uma metodologia próxima ao que buscavam os folcloristas do movimento: a pureza e a tradição na música brasileira, considerada reserva cultural

num

acentuados.

processo

de

modernização

capitalista

e

urbanização

79 CAPÍTULO 3 A INVENÇÃO DO PASSADO NA REVISTA DA MÚSICA POPULAR “Mas fique firme que tudo vai entrar nos eixos.”

A Revista da Música Popular representou um eco direto da cena musical dos anos 50 e do movimento folclorista. Foi uma resposta de alguns críticos e jornalistas à “decadência musical” que se verificava no período e também foi uma tentativa de resgatar a música brasileira considerada autêntica. Esse capítulo tem objetivo identificar que tipo de pensamento orientou os jornalistas e intelectuais que colaboraram na Revista da Música Popular, assim como mapear os grandes temas presentes no periódico, como o folclorismo, resgate ou invenção da tradição, o panteão eleito pelo periódico, a indústria cultural, o juízo de valor criado e, como já vimos no capítulo anterior, a própria cena musical que a Revista refuta, mas que inevitavelmente tornou-se um dos grandes temas de debate dos jornalistas. O nacionalismo musical

143

desenvolvido tanto pelos folcloristas da música

urbana, quanto pelos jornalistas ligados à Revista da Música Popular, gerou uma escola que se mostrou forte, permeada por um espírito de aproximação e paixão, sem porém endossar o discurso modernista de superioridade artística da expressão erudita.

A afirmação de Enor Paiano nos permite

entender como projeto dos jornalistas ligados à Revista da Música Popular aproximava-se do espírito folclorista e da idéia de se criar uma identidade para a nação brasileira. Paiano afirma que ao desenvolver obras sobre a música popular, os autores extrapolaram o movimento modernista usando

80 uma metodologia similar - recolher, organizar, compilar, mantendo fidelidade à expressão original e a um nacionalismo de caráter protetor, visando impedir a “deturpação” da expressão nacional, pela comercialização ou pelas influências estrangeiras. Ao contrário do nacionalismo musical desenvolvido durante o Estado Novo, que se aparelhou no Estado e se dirigiu à intelectualidade, os folcloristas da cidade interferiram nos meios de comunicação de massa para fazer com que suas idéias tivessem uma circulação mais ampla. Paiano vê como principal vitória desse grupo o reconhecimento do samba como manifestação nacional, autêntica e não regional. No fim dos anos 50, por exemplo, os músicos populares já eram reconhecidos nacionalmente, vistos como “genuína forma nacional.”. Foi nesse período que se iniciou um debate musical centrado na divulgação massiva da música popular brasileira Ainda segundo Enor Paiano, os folcloristas urbanos (como ele os chama) não criaram um arsenal ideológico próprio, que pudessem combater a desqualificação da música popular dentro da hierarquia sócio-cultural, pois essa seria a contribuição dos debates que viriam apenas nos anos 60.144 Outra característica da atuação dos folcloristas urbanos, além do chamado rigor metodológico ou “rigor enciclopédico” (não esquecendo que eles buscavam uma metodologia científica que acreditavam, vir do folclore), era o trabalho baseado na memória que sempre pautou as ações desse grupo. Essa contradição pode ser explicada pelo fato de a pesquisa, mesmo sendo rigorosa, não vir acompanhada de instrumental crítico, principalmente

143

Enor Paiano. O Berimbau e o Som Universal Para conhecer os debates em torno da MPB dos anos 60 ver: NAPOLITANO, Marcos, Seguindo a Canção., 1998. 144

81 em termos cronológicos e de referência às fontes. José Honório Rodrigues

145

define esse tipo de trabalho como história memorialista, um tipo de arsenal ideológico, mitificando e construindo personalidades de acordo com o projeto desenvolvido. Nestor Garcia Canclini, observa que o trabalho folclórico é também um “um movimento de homens de elite que, através da propaganda assídua, esforçam-se para despertar o povo e iluminá-lo em sua ignorância”

146

Tal valorização do passado a que se propunham esses intelectuais, traduzia-se por um sentimento de nacionalidade. 147 A procura também exigia um intérprete, representante do momento de glória, reconhecido pelas suas aptidões específicas. Era um espírito nacional a ser criado, valorizando o passado e fazendo uma leitura positiva do mesmo. Podemos também verificar que o projeto da Revista da Música Popular pressupunha um número de leitores mais dirigidos e mais restritos do que a própria Revista do Rádio, principal periódico de entretenimento na época, que tratava dos assuntos inerentes ao veículo, como os artistas, os programas, as paradas musicais, de uma forma leve e com um caráter simplesmente informativo. A Radiolândia, publicação que ocupava o segundo lugar de venda sobre o tema, tinha uma estrutura parecida com a Revista do Rádio. A mídia tradicional que ocupa o mercado, ainda segundo Canclini, não concebe o popular como resultado de tradições e sim como lógica

145

, José Honório Rodrigues, História Memorialista e o Rio de Janeiro. In: Coaracy, Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1965. Pág. 161 146 Idem, pág. 208 147 Se o "espírito nacional" está nos costumes, na raça, na língua e na memória, devendo todos ser recuperados e valorizados, uma das concepções de passado está ligada à cultura popular, manifestando-se através de um conjunto de tradições, convivendo com o presente, sendo a-histórica e permanente.

82 comercial e por isso, tal noção é construída e manipulada pelos meios de comunicação.

Popular é o que se vende e o que agrada a multidões. Não interessa ao mercado e à mídia o popular e sem a popularidade. Não se preocupam em preservar o popular como cultura ou tradição; “mais que a memória histórica, interessa à indústria cultural construir e renovar o contato simultâneo entre emissores e receptores. Também lhe incomoda a palavra “povo”, evocadora de violências e insurreições. O deslocamento do substantivo povo para o adjetivo popular e, mais ainda para popularidade, é uma operação neutralizante, útil para controlar a “suscetibilidade política’ do povo. Enquanto este pode ser o lugar do tumulto e do perigo, a popularidade é medida e 148 regulada pelas pesquisas de opinião.

A Revista da Música Popular procurou fugir desse perfil “popularesco” e atingir um público mais restrito, propondo atuar no campo do resgate da tradição, para eles, a música popular urbana carioca dos anos 30. A mídia tornou-se então, para esse grupo, um meio de se tomar conhecimento do folclore, entendido aqui ( e negado pelos folcloristas) como arte popular. O objetivo era a formação de uma opinião valorizada em torno da música popular brasileira. A Revista da Música Popular propôs um novo projeto, tomando a mão contrária da mídia tradicional e procurando um novo público, absolutamente restrito, que fosse preocupado em manter as tradições e definir o papel do povo na construção da nação. Lúcio Rangel, no primeiro número já dizia que a Revista vinha para um “serviço meritório”. O objetivo principal dos jornalistas que criaram a RMP era resgatar o passado musical que representava a “alma nacional brasileira”. Mas tal passado, onde se procurava encontrar raiz e tradição era fruto de um projeto um tanto fortuito (obviamente não explícito e não assumido) de invenção de

148

Nestor Garcia Canclini, Op. Cit. pág. 259,

83 tradição. O historiador Eric Hobsbawn, desenvolveu o conceito de tradição inventada, onde se compreende um conjunto de práticas normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado histórico apropriado. A expressão pode incluir tanto as tradições que são verdadeiramente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, como também as que são mais difíceis de localizar num período limitado e determinado de tempo e que se estabeleceram com enorme rapidez. A função das tradições seria dar a qualquer mudança (ou resistência à inovação) a sanção do precedente e da continuidade histórica. O fato folclórico, discutido no capítulo anterior e tido pelos folcloristas (após as deliberações nos congressos) como invariável e científico, funcionou como um elemento de sanção. Vemos então que, seguindo a metodologia de Hobsbawn, para se inventar um objetivo original, seria necessário a utilização de elementos culturais do passado, com base no fato folclórico, para a elaboração de novas tradições. Para Hobsbawn, nesse caso, o folclore poderia ser então modificado, ritualizado e institucionalizado para servir a novos propósitos nacionais, gerando assim uma continuidade histórica. O autor verifica o caso das canções folclóricas, que se propagaram em novo ambiente popular e urbano, sem que se perdesse sua origem rural ou étnica. Podemos tomar emprestado essa afirmação, que se remete às canções camponesas do interior da Inglaterra e colocar o samba urbano carioca como um exemplo de invenção de tradição.

84 A linha de pensamento de Hobsbawn nos permite entender a atuação dos jornalistas ligados ao projeto da Revista como intelectuais que buscavam inventar uma tradição ao criar um projeto de restauração da música brasileira dos anos 30. O historiador inglês também deixa claro que não é necessário e não tem sentido inventar tradições quando os velhos usos ainda se conservam. Mas quando deliberadamente não são usados, nem adaptados, surgem movimentos que defendem a restauração das tradições para indicar ruptura: intelectuais que não podem preservar um passado vivo e por isso inventam tradições ligadas ao nacionalismo, ou seja, à defesa de interesses nacionais. Para outro autor que trabalha com o conceito de invenção de tradição, Richard Peterson,149 pesquisar tradições seria uma forma de preservar as características originais a fim de reestruturar a identidade de um determinado grupo. O autor sugere que a autenticidade encontrada no passado seria diferente da verdade histórica pois trata-se de uma construção social, uma convenção que deforma parcialmente o passado. Uma nação forte, segundo o autor deve ter música nacional, enraizada na cultura popular, autêntica e emanada do diretamente do povo, das classes baixas.150 Essa afirmação também pode se adaptar ao Brasil dos anos 50, quando o samba de Ismael Silva, Noel Rosa, Aracy de Almeida, isto é, da época da ouro, já não estava mais em moda. Seria preciso, segundo a linha de resistência implantada por Rangel, recriar essas figuras de forma mítica para se restaurar essa tradição. Como dito anteriormente, tal preservação

149

Richard Peterson,. La Fabrication de L’authenticité La country music. Pág. 8 A tradução para o francês coloca o termo ouvrière, para o povo. Traduzimos livremente e adaptamos o termo de forma bem mais genérica, utilizando o termo classe baixa. 150

85 serviria ao propósito de construção da nação, garantindo a identidade e consequentemente, a autenticidade. A Revista da Música Popular é, portanto, o grande eixo dessa análise, uma vez que compilou na forma de um periódico, toda a idéia de autenticidade nacional e musical com metodologia folclorística. Os folcloristas urbanos, emprestando o termo de Enor Paiano, seriam os detentores da salvação da “autêntica” música brasileira. Por isso mesmo, além do rigor científico que pretendiam, utilizavam a memória ( sua própria memória, diga-se) como documento. Segundo Peterson, o trabalho com memória torna a pesquisa infiel ao passado, uma vez que a pesquisa memorialista procura satisfazer as necessidades do presente. 151 O passado evocado pela Revista da Música Popular, elegeu o samba como o elemento autêntico, símbolo da brasilidade e da tradição. Um levantamento dos termos mais utilizados na publicação demonstra que as expressões “verdadeiro” e “autenticidade” “brasilidade” são freqüentes.

É um consolo a volta do verdadeiro samba nesta época do ano. Já não ouvimos o samba de boite, o samba rumba ou o samba-blue. Agora as batidas dos tamborins dominam tudo e quem canta o samba é o samba de bossa ou o samba de voz. Acabou-se o reinado dos sussurrantes, o domínio dos fazedores de boleros, o samba é agora o senhor absoluto. E a gente ouve entusiasmado os Ataulfos, Monsuetos, e Haroldo Lobo e outros do mesmo naipe, sambistas dos bons, sambistas autênticos. As pastoras e as baterias estão nos discos, estão nos espetáculos nos teatros e nos “shows” espetaculares. Mas breve estarão na rua , em volta da Praça 11 152 imortal.

Lúcio Rangel procurava evocar um clima de legitimidade no trabalho desenvolvido pela Revista. Na afirmação que se segue podemos verificar a tentativa do jornalista em criar uma ligação entre a brasilidade e a autenticidade do periódico.

86

Sílvio é o intérprete ideal dos sambas cariocas cheios de malandragem e de ternura, de poesia ingênua e de malícia. Mas é também o seresteiro incomparável, o cantor das valsas, das modinhas e das serenatas, que fazem lembrar um Rio mais antigo e mais brasileiro. (...) Sentimo-nos felizes ao verificar que essa Revista, embora modesta, veio ao encontro do desejo de milhares de leitores que reclamavam uma publicação séria, que tratasse com elevação e amor tudo o que se refere à música brasileira

Todos os jornalistas ligados a essa publicação deixavam claro, através de seus artigos, o que consideravam um passado legítimo. E, a partir disso, procuravam recuperar a história através da revitalização dos documentos que guardavam

para

a

identificação

das

tradições

populares

do

país,

estabelecendo um vínculo entre fonte e tradição. Para Gomes, “esse sentido de tradição atribuído ao passado e desdobrado na idéia de história do povo é convergente à idéia de espírito nacional.”153 Se analisarmos as múltiplas concepções de cultura e folclore, dentro e fora do período estudado, notamos a impossibilidade de extrair uma única compreensão desse conceito, embora se considere canção folclórica, genericamente como a música vinda de raiz. Os colaboradores da Revista posicionam-se no fato do samba ser considerado uma manifestação "brasileira" e ser expresso através do "povo", como expressão de massa ligada às suas origens. Para a RMP, inventar tradições significava recuperar o material musical da cultura urbana brasileira com base no folclorismo.

Deve-se considerar música folclórica certo elemento pré-histórico, das populações primitivas, cujo conteúdo conserva o povo em estado vivo e que sejam originários de invenção coletiva (...) Se não possuímos uma verdadeira música folclórica, no conceito de Mário de Andrade, possuímos, contudo, uma criação musical com processos já fixados, apresentando uma unidade 154 de caráter que a torna perfeitamente popular

151

Richard Peterson. Op. Cit. pág. 4 Revista da Música Popular, n.º 3 pág. 1 153 Angela de Castro Gomes. Op. Cit. Pág. 171 154 Revista da Música Popular n.º 4, pág. 6 152

87

Certamente considerar o samba urbano como elemento folclórico contrariava as decisões tomadas pelos Congressos do período, que separaram o folclórico do popular (na música). Mas, não estando diretamente envolvidos com os folcloristas, os articuladores da RMP acordaram entre si, provavelmente não de forma explícita, que o periódico teria uma base folclórica.

155

Até porque tal categorização legitimava o projeto, dando-lhe

respeitabilidade perante a opinião pública A RMP foi responsável por consagrar o samba como sinônimo de tradição na música brasileira. Resgatá-lo, segundo seus autores seria retomar o que estava disperso entre um passado “de glória” e um presente obscurecido por outros ritmos, estrangeiros ou não. Concordamos com Hobsbawn quando ele afirma que toda reverência ao passado acaba sendo superficial, pois trata-se de uma resistência a situações novas. Resistir ao presente, buscando a pureza no passado caracteriza a invenção de uma tradição.156 Os projetos que envolveram o resgate da tradição musical brasileira tem outra peculiaridade: a ligação dos artífices da Revista com os movimentos de recuperação do passado que foram produzidos no período, como a volta da velha guarda, a Antologia da Música Brasileira, os livros lançados (posteriormente ao fechamento da Revista foram editadas

155

Em entrevista concedida a mim, o jornalista Cláudio Murilo Leal, colaborador da Revista, afirmou não ser freqüente reunião de pauta ou mesmo discussões metodológicas entre os colaboradores do periódico. 156 Eric Hobsbawn. Op. cit.

88 importantes obras que caracterizaram essa trajetória, como, por exemplo, No tempo de Noel Rosa, de Almirante).157 Já verificamos anteriormente como os folcloristas se posicionaram perante o que chamaram de folclore urbano. Também vimos a expressão que Paiano utilizou para designar os intelectuais ligados a esse universo de pesquisa: folcloristas da cidade. Cabe-nos agora verificar como e até que ponto a RMP adotou esse critério. Apesar de não estarmos tratando da seção de jazz da Revista, faremos uma pequena análise para situar o pensamento folclorista também nesse assunto. Sob a direção de José Sanz, a organização dessa seção fixa tratava o jazz como folclórico, utilizando inclusive, expressões como folkways, folklore afronorteamericano e folk música. Todos os artigos da seção de jazz estavam relacionados com o universo do ambiente urbano vivido pelos negros norte-americanos em New Orleans, para os articulistas das seção, a única cidade que expressava a pureza da música “afroamericana”. O crítico José Sanz deixou clara a abordagem folclórica, escolhida pela Revista quando optou por utilizar a classificação, “excelente” de Ernest Borneman: 1. Improvisação coletiva, em vez de partes escritas (arranjos). 2. Estrutura contrapontística, em vez de harmonia vertical 3. Orquestração individual para cada instrumento, em vez de por grupos ou seções. 4. Variações baseadas em temas afroamericanos e não sobre temas europeus ou americanos brancos. Temas afroamericanos em vez de temas acadêmicos ou árias comerciais como ponto de partida para improvisações coletivas. 5. Não acentuação dos quatro temos como base métrica das variações rítmicas, em vez dos tempos 2/4 ou 4/4 acentuados. 6. Fraseado na tradição afroamericana (“spirituals, “work songs”, “blues”, 158 etc.), em vez de na tradição européia (Bix, Tatum, Wilson, Goodman).

157

Cartola também foi redescoberto nessa época por Sérgio Porto trabalhando como garagista 158 Revista da Música Popular N.º 2, pág. 35

89

A classificação de Borneman nos dá uma dimensão exata do motivo dos jornalistas para privilegiar um terço da Revista para o jazz. Tido como gênero de raiz folclórica, podemos notar que até algumas deliberações dos congressos de folclore, sobre espontaneidade e elementos primitivos, encontram-se presentes na citação que transcrevemos. Como já dissemos, a tradição criada pela Revista partia do pressuposto que no passado estava o elo perdido da cultura musical brasileira. Tal passado era visto pelo viés folclórico, tendo como base a idéia de raiz, porém nunca foi claro para os jornalistas que escreveram no periódico, qual e onde estava a base folclórica da música brasileira. Apesar de receberem influência direta dos folcloristas em plena atividade no período, também viam como autêntica, toda a manifestação musical carioca dos anos 30. Um panteão foi então construído, assim como conceitos valorativos de obra prima (entendido como o samba) e obra medíocre (especialmente o bolero). As ações culturais promovidas pelos interlocutores da RMP tinham também por objetivo referendar uma tradição recém criada ou talvez reorganizada.

3.1 Mercado, modernização e tradição A Revista acreditava que a modernização suprimiria a tradição e que esta se desapareceria com o aparecimento da indústria fonográfica. A crítica que os jornalistas dirigiam ao moderno mercado fonográfico era a falta de critérios estéticos e a não preocupação em deixar vivo o que chamavam de passado de ouro, ou heróico da música brasileira. Os articuladores do

90 periódico acreditavam que a conservação das tradições resgataria uma “consciência” da ainda nascente indústria fonográfica dos anos 50 para que esta não se deixasse levar por “modernismos” e “estrangeirismos”. Outra característica da publicação era o juízo de valor presente na definição de “música boa” que estava ligada ao passado heróico e era desviada naquele momento pela indústria do rádio e do disco. Alguns editoriais nos dão uma dimensão mais exata dos temas tratados. Lúcio Rangel escrevia e deixava claro que não faria concessões ao mercado fonográfico.

Essa Revista contou, desde o seu primeiro número, com a colaboração de diversos anunciantes, que souberam apreciar o nosso esforço, no sentido de oferecer ao público uma publicação especializada que muitos desejavam. No entretanto, e confessamos com tristeza, não tivemos o apoio daqueles que mais de perto são beneficiados com a maior divulgação da nossa música popular – os fabricantes de discos e os comerciantes das casas do ramo. Devemos fazer uma exceção para Continental Discos, que desde o nosso primeiro número nos honrou com a sua confiança, prestigiando o nosso 159 esforço, modesto, mas sério.

Temos exemplificado o embate entre tradição e modernização. Para a Revista, toda música antiga (época de ouro) era considerada boa por representar a alma da nacionalidade brasileira; enquanto a música moderna era sinônimo de deturpação da autenticidade e da desnacionalização da cultura brasileira. Um outro periódico que circulava no mercado foi convocado pela Revista para a luta contra a modernização musical.

Radiolândia, conhecida revista especializada, vai iniciar uma campanha pela nacionalização de nossa música popular, tão deturpada pelos falsos compositores, pelos plagiadores de boleros, pelos “fabricantes” de sambas. 160 Ótima iniciativa, que conta com o nosso integral apoio (...)

159

Revista da Música Popular N.º 4 , pág. 1

91 Chamamos a atenção também para um dos artigos mais panfletários, escrito por Cláudio Murilo, mesmo não chegando a analisar o panorama musical da época, decretava a derrocada da música popular.

Não souberam nossos músicos reagir às influências estrangeiras; o resultado está aí: choros be-bop, sambas, boleros, etc. Os nossos irmãos yankees legaram-nos os “clichês bops” (...) e nós aceitamos. (...) O samba desnacionalizou-se. O que tinha o sabor e marca do Brasil, perdeu o valor 161 para os ouvidos da nova geração.

Cláudio Murilo ainda afirmava que a música estava vivendo em meio ao caos e à decadência e, para que houvesse esperança, seria necessária a retomada da evolução, isto é, revolver ao passado, segundo seu próprio termo, onde estaria presente a forma pura e nacional da música, sem “cacoetes kantianos e outros exibicionismos de orquestras medíocres”. Mesmo com a persistente crítica à indústria fonográfica, a Revista se rendia ao fato de depender de publicidade para continuar circulando; mas ainda oferecia resistência ao método tradicional de patrocínio, preferindo agregar ideólogos em vez de pagantes.

Essa Revista precisa de publicidade para viver, como toda e qualquer Revista. Avisamos, no entretanto, que a publicidade que inserimos é em forma de anúncio. Não aceitamos reportagens e fotografias pagas. Fazemos essa declaração aos nossos leitores e a quem possa interessar, para que não se repita o caso de um certo diretor de publicidade de conhecida gravadora que nos propôs um anúncio com a condição que a capa viesse com o retrato do cantor X e, no texto, uma reportagem de duas páginas com a cantora Y. Não, isso não fazemos. As capas, as fotografias e os textos que publicamos não têm nenhum interesse financeiro. Focalizamos os artistas que merecem o nosso interesse e o dos leitores, e não nos prestamos ao papel de simples propagandistas de artistas muitas vezes “inventados” pelos 162 golpes e artimanhas já muito comuns em nosso meio.

O jornalista Pérsio de Morais era o responsável pela parte administrativa da Revista da Música Popular e cuidava também dos 160 161

Revista da Música Popular N.º 5 pág. 1 Revista da Música Popular N.º 2 , pág. 14

92 patrocínios. A estrutura pouco comercial do periódico, além da postura ideológica de Morais e Rangel provocaram uma crise financeira na Revista após a 7ª edição, quando deixou de ser mensal e passou a circular de forma aleatória, quando fechava o orçamento. Os apoios comerciais e patrocínios que a que a Revista teve nos dois anos de circulação merece uma consideração à parte. Já vimos que Lúcio Rangel não aceitava participar do esquema comercial que a indústria fonográfica começava a imprimir, tanto que se recusou a ter matérias pagas de gravadoras. Isso levou Rangel e Pérsio de Moraes (diretor comercial) a um direcionamento, uma escolha de quem iria custear a publicação mensal. O interesse comercial não era prioridade. mas tratando-se de um projeto independente, o patrocínio era absolutamente necessário. A lista que segue oferece uma indicação da escolha.

ANUNCIANTES MAIS CONSTANTES R.C.A VICTOR LIVRARIA SÃO JOSÉ (LIVROS DE LUÍS EDMUNDO – CRONISTA DO RIO RÁDIOS “BEL” SUEBRA – MÚSICA POPULAR DE TODO O MUNDO JUCA’S BAR TEATRO CASABLANCA FOTOGRAVURA SÃO JORGE JORNAL DE LETRAS PINTO BASTOS S.A. – IMPORTAÇÕES GRAVADORA CONTINENTAL DISCOS COPACABANA LOJAS PALERMO S.A LIVRARIA JOSÉ OLYMPIO

Os anunciantes citados acima não foram os únicos que ofereceram apoio, mas foram os que mais publicaram seus anúncios. Contando com algumas esparsas propagandas de companhias aéreas e tecidos, notamos a 162

Revista da Música Popular N.º 6, pág. 1

93 seleção rigorosa que os editores fizeram para o patrocínio da RMP, como gravadoras especializadas em sambas, carnavais, livrarias que publicavam livros de crônicas e memórias da cidade do Rio de Janeiro. Apesar de parecer paradoxal, os anúncios de algumas rádios e gravadoras indicam que as críticas não eram contra a modernidade, mas contra a manipulação da indústria fonográfica no repertório musical que alterava o gosto dos ouvintes. No último número (14) ainda houve um apelo para conseguir patrocínio, talvez fosse um último recurso para a Revista da Música Popular continuar circulando.

Caro anunciante. Temos o prazer de informar-lhe que, neste momento, o seu anúncio está sendo lido em todo o Brasil. [grifo da Revista](...) Podemos afirmar, portanto, que a verba que V. S. destina à publicidade em nossa Revista é uma verba bem aproveitada, além de contribuir para a manutenção 163 de um empreendimento cultural que é a REVISTA DA MUSICA POPULAR.

Durante os dois anos de circulação, colaboradores e patrocinadores foram escasseando, dificultando o processo de edição da Revista da Música Popular. A tiragem, que era para ser mensal, passou a ter intervalos maiores. Em setembro de 1956, parou de circular sem qualquer aviso prévio. A única referência é o editorial de número 12, que denunciava a crise:

Esta Revista não tem aparecido com a regularidade que desejaríamos. Infelizmente, circunstâncias inteiramente independente de nossa vontade vem contribuindo para isso. Os assinantes, contudo, nenhum prejuízo sofrerão, pois contamos nossas assinaturas pelo número de exemplares 164 enviados, e não pelos meses em que fizeram suas assinaturas.

163 164

Revista da Música Popular n.º 14 pág. 15 Revista da Música Popular n.º 12 pág. 1

94 A Revista foi uma publicação que mereceu referência da imprensa na época. A idéia de autenticidade do periódico foi corrente entre os jornalistas que escreveram sobre o assunto:165

Não me lembro de outra publicação com esse propósito de se estudar de verdade o nosso cancioneiro, de estimular o que é autêntico, de opinar e de influir na gravação e na edição de músicas populares (Mário Cabral - Tribuna da Imprensa) Apareceu a Revista da Música Popular depois de uma longa e papeada gestação. Saudamo-la, violões em continência. A turma que nela colabora é de primeira e sua influência poderá ser muito boa (Henrique Pongetti – O Globo)

A Revista tornava-se um foco de resistência contra o panorama musical dos anos 50. Aplaudimos a idéia de uma tal Revista, sobretudo agora, quando o rádio e a televisão, com seus mil boleros e mambos, exercem uma influência danosa sobre compositores e intérpretes de personalidade débil. Escrevo essa nota para aplaudir a iniciativa. E, ao mesmo tempo, sugerir aos apreciadores da boa musica popular que travam conhecimentos com a simpática publicação. (Hoche Ponte – Correio da Manhã) É a Revista que estava faltando a esta cidade tão sambista e seresteira, mas que ainda não sabe, em termos de musicologia, a riqueza enorme que possui em pouco mais de um século da sua canção de carnaval. (Antônio Bento – Diário Carioca)

A proposta folclórica também foi destacada pela imprensa, assim como a seriedade a que se propunha a publicação, uma vez que reuniu nomes importantes do cenário intelectual da época:

O aparecimento da Revista da Música Popular é motivo de justa alegria para os cultores da música folclórica e da música popular entre nós. [Esta] selecionou um excelente corpo de colaboradores onde figuram especialistas nos diversos aspectos musicais dos temas populares. É de louvar o aparecimento dessa nova Revista, esperando que seja ela um instrumento de

165

Todas a publicações mencionadas saíram entre Setembro e Outubro de 1954, no Rio de Janeiro.

95 valiosa orientação do público na compreensão da verdadeira música popular 166 e da música folclórica (Manuel Diegues Júnior – Diário de Notícias)

Tal grupo era tido pelos jornalistas “como abalizado e autorizado para tratar da música brasileira”167 Também a possibilidade de ser um instrumental para músicos foi mencionada pela imprensa. Por ser única em sua proposta, foi referendada e anunciada como a melhor publicação sobre música popular em sua época.

3.2 Espírito de colecionismo e as ações culturais Outra marca do procedimento da RMP é o colecionismo. Além de musicólogos, historiadores e jornalistas, foram chamados para colaborar na Revista famosos colecionadores de discos raros. Eles emitiam opiniões, mostravam suas coleções e realizavam críticas musicais. Tornaram-se peças fundamentais para a proposta do periódico que pretendia cercar toda a publicação musical do século XX. Um exemplo importante é a Antologia da Música Brasileira, projeto criado junto com a Revista, que não chegou a se concretizar. A Antologia seria uma coleção de discos raros distribuídos apenas para quem se associasse ao programa. O folclore musical e a música popular brasileira estão sofrendo o impacto de influências estranhas à medida que o progresso, - no caso, representado pelo rádio - penetra nas camadas mais pobres da população e nas regiões mais afastadas da civilização, que são a fonte de todo o nosso patrimônio musical. Breve, o pesquisador terá imensa dificuldade em destacar exatamente o que é música brasileira. Nos centros urbanos, principalmente, essa dificuldade já se faz sentir. No Rio de Janeiro, por exemplo, rara é a música de compositor popular ou sambista, atualmente, que não está cevada de modismos e estilos pertencentes ao bolero, à rumba, à música popular americana e principalmente sob a influência estética do atonalismo, através do be-bop. 166

Diário de Bauru - SP (citação da Revista) s/d

167

Diário de Bauru - SP (citação da Revista) s/d

96

Lúcio Rangel propunha então criar uma coleção para a preservação da memória da música brasileira. Urge, portanto, tomar medidas no sentido de preservar a nossa música, seja pela regravação e popularização dos velhos discos hoje esgotados, seja pela gravação de novos compositores e sambistas que, considerados não comerciais, tem na sua música toda a pureza tradicional dos temas e formas brasileiras. Daí a idéia de se criar uma Antologia da Música Popular Brasileira, com o objetivo de proporcionar aos estudiosos e interessados o que há de mais genuíno e importante no terreno do folclore musical e da 168 música popular.

Nos números seguintes, a referência à Antologia se perdeu. Na edição de número 3, José Sanz esclarecia que "a Revista e a Antologia são organizações inteiramente separadas, não sendo responsável uma pela outra" Também argumentava que era uma idéia antiga de Lúcio Rangel e que esta agora se concretizava com a colaboração de Mozart de Araújo. Em seguida, Sanz explicava o objetivo do projeto que era “permitir aos interessados na música brasileira, adquirir grandes coleções da nossa música folclórica e popular hoje inteiramente esquecidas e pelas quais as grandes firmas gravadoras não se interessam”.

169

José Sanz projetou a edição da Antologia. Os discos seriam de 12 polegadas, com seis músicas em cada face, selo próprio desenhado pelo pintor Santa Rosa e que, principalmente, cada uma viria acompanhada de um folheto "com um estudo crítico sobre o autor, intérprete e músicas”. A Antologia era um exemplo do tratamento sistemático que os folcloristas davam a uma coleção e demonstra como a tentativa de recuperar o material musical da música urbana brasileira tornou-se preocupação constante, presentes nos textos dos colaboradores da Revista. 168 169

Revista de Música Popular. n. 1, pág. 27 Revista da Música Popular n.º 3 pág.23

97 Outras seções que exemplificaram o espírito de colecionismo na Revista da Música Popular foram: “Estes são raros” e “Discografia completa de...” No primeiro caso, a seção (que não era assinada), foi uma tentativa de criar uma historicidade para a música popular e ao mesmo tempo, recuperar o material musical. A coluna fixa trazia a ilustração de discos raros e pouco conhecidos do grande público e os artigos contavam a história do intérprete, do compositor ou mesmo do disco.

Seu Libório é um dos bons discos da música popular brasileira. Aliás, nesta época de LP, não seria má idéia se os atuais possuidores das matrizes dos discos de Vassourinha lançassem um disco reunindo todas as gravações do 170 cantor tão cedo desaparecido.

Outras vezes o autor da seção se orgulhava em apresentar um disco peculiar e desconhecido do grande público: Foram diversos os discos de Benedito Lacerda como cantor. Os acompanhamentos são do Grupo Gente do Morro, dirigido elo próprio cantor. Extremamente raro, acreditamos que nem mesmo o autor de Boneca seja 171 possuidor de um exemplar do mesmo.

A outra seção fixa, “Discografia Completa de...”, pretendia auxiliar os colecionadores com informações precisas sobre a coleção discográfica de artistas dos anos 30. Durante o período que circulou, a seção teve quatro grandes discografias completas: Francisco Alves, Mário Reis, Jacob do Bandolim e Orlando Silva. A primeira seleção foi organizada pelo jornalista, radialista e crítico Sílvio Túlio Cardoso, que procurou compilar a discografia de Francisco Alves nos números 3, 4 e 5 da Revista. Mas o procedimento metodológico da

170 171

Revista da Música Popular, n.º 2 pág. 15 Revista da Música Popular, n.º 12 pág. 7

98 Revista da Música Popular exigia rigor de pesquisa e precisão nos dados, por isso, uma retificação acontece no número 9, reformulada por um misterioso Enegê, que Lúcio Rangel afirmava ser um grande discógrafo escondido sob pseudônimo.

A Discografia Completa de Francisco Alves (...) de autoria de Sílvio Túlio Cardoso apresentava muitas falhas. (...) Para que o trabalho ficasse completo e sem falhas (esperamos) (...) encomendamos uma quarta e última relação, com todos os discos que não foram arrolados por Sílvio Túlio. É o que apresentamos hoje aos nossos leitores, ficando completa, realmente, a 172 discografia do grande cantor brasileiro.

A Revista da Música Popular fazia parte de um amplo programa para preservar a tradição na música brasileira e isso incluía não apenas o cuidado com o patrimônio, mas também as ações culturais. Entre os eventos culturais promovidos, além da própria Revista, estavam o já citado projeto da Antologia da Música Brasileira e o Festival da Velha Guarda.

No momento em que sai esse número, realiza-se em São Paulo o II festival da Velha Guarda, a grande festa da Música popular brasileira. Como no ano anterior, Pixinguinha, Benedito Lacerda, Donga, Caninha, os irmãos Palmieri, Paraguassú, Raul Torres e muitas outras figuras tradicionais de nosso populário estarão presentes. A REVISTA DA MÚSICA POPULAR, em seu próximo número, fará uma cobertura jornalística completa do grande acontecimento promovido, mais uma vez, pelo extraordinário homem de rádio que é Almirante, e sob o patrocínio da Rádio Record, emissora que cada vez mais prestigia a verdadeira música popular brasileira.

Em 1954, por ocasião do 4º Centenário de São Paulo, Almirante, que trabalhava na Rádio Record, resolveu promover um espetáculo para defender e consagrar a tradição na música popular. 173 Juntamente com Eduardo Tapajós e Lúcio Rangel, reuniu os representantes da época de ouro e reconduziu ao cenário musical artistas que há tempos não se

172 173

Revista da Música Popular, n.º 9 pág. 19 Revista da Música Popular N.º 7 pág. 20

99 apresentavam ou gravavam. Pixinguinha foi o mais homenageado, tomando parte na galeria dos “gênios da música popular”.

Novamente os representantes dos primórdios da nossa música popular receberam a consagração a qual fazem realmente jus, pela beleza e pela excelência de suas interpretações, das composições realmente nossas. Pixinguinha comandando, Moreira da Silva cantando, João da Baiana, Alfredinho do Flautim, Bide da Flauta, Orlando com seu trombone, Haroldo e Salvador, ritmistas, Cirilo Edgar e seu cavaquinho, e outros, brilharam (...) e 174 permanecerão lembrados para sempre.

O evento aconteceu nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e o sucesso das apresentações criou nos promotores a idéia de lançar uma campanha de defesa da música brasileira. Segundo eles, a nossas canções estavam sendo preteridas “de maneira injustificável pelas composições oriundas de outros países, divulgadas entre nós em quantidade considerada excessiva e danosa”.175 A campanha não chegou a acontecer de fato, mas a idéia da preservação associada ao espetáculo gerou ainda outro fruto que foi o lançamento do disco da Velha Guarda, representando “ o que há de melhor, mais autêntico e puro em nossa música, tanto no que se refere aos números escolhidos quanto à execução dos veteranos componentes do grupo, que nada perderam com o correr dos anos176. “Em todos os números, as três vozes do conjunto (Pixinguinha, Bide e Alfredinho) apresentam um trabalho contrapontal que é o que há de mais puro em nossa música e uma verdadeira lição para os “abolerizadores” de nosso samba. (...) Esse LP, que aparece em momento oportuno, representa uma esperança de que nossas gravadoras resolvam finalmente se interessar pelo que nossa música tem de mais autêntico e belo, e que não se preocupar apenas com o sucesso comercialmente fácil de certas coisas que andam por aí. Alem do valor musical e artístico inestimável deste disco, salientamos as notas de Lúcio Rangel e a capa de Lan, captando bem o espírito do grupo. Este é um disco que ninguém, qualquer que seja seu gosto musical, pode 177 deixar de ter em sua discoteca.” 174

Revista da Música Popular N.º 1 pág. 23 Revista da Música Popular N.º 7 pág. 20 176 Revista da Música Popular n.º 9, pág. 16 177 Idem 175

100

A RMP deu grande cobertura para cada apresentação e para o lançamento do disco. A divulgação ampla, tanto na Revista, quanto na imprensa em geral, consagrou a expressão “Velha Guarda” , que passou a ser corrente no vocabulário musical. Apesar disso, quando ouvimos o resultado final das gravações, percebemos que o tratamento fonográfico da velha guarda, a aproximou do clima carnavalesco da cena musical dos anos 50. Como exemplo, tomemos a gravação de Pelo Telefone, feita pelo conjunto de Pixinguinha, onde percebemos a presença da tão fustigada marcha de Carnaval.

3.3 Algumas seções fixas A Revista da Música Popular contou com vários autores consagrados pela literatura e imprensa, como Manuel Bandeira, Almirante, José Sanz, Sérgio Porto e outros. Lúcio Rangel criou seções fixas para alguns e contribuições esporádicas para outros autores. As seções fixas objetivavam transparecer um método de pesquisa para os leitores. O primeiro caso refere-se à folclorista Mariza Lira que possuía uma coluna fixa intitulada História Social da Música Carioca. A pesquisadora, especialista em folclore brasileiro, trouxe para o periódico um estudo sobre as raízes folclóricas da música do Rio de Janeiro. A partir da edição número 3, a coluna de Mariza tornou-se constante no periódico. A proposta seria historicisar a música popular carioca, garantir a vertente folclórica e consolidar a idéia de que a música nascida no ambiente urbano do Rio de Janeiro era a música que representava a identidade da nação brasileira.

101 Mariza Lira escreveu dez artigos para a Revista da Música Popular procurando

evidenciar

as

raízes

folclóricas

da

música

178

brasileira.

Provavelmente, o objetivo da folclorista em cada artigo era chegar de forma cronológica aos anos 50, o que não aconteceu pela suspensão do periódico no número 14.

ARTIGO N.º DA REVISTA O ALVORECER DA MÚSICA DO POVO CARIOCA 3 OS NOSSOS PRIMEIROS TROVADORES 4 RITMOS CARNAVALESCOS 5 A INFLUÊNCIA DO ÉTNICO NA NOSSA MÚSICA POPULAR 6 A INFLUÊNCIA AMERÍNDIA 7 A CONTRIBUIÇÃO DO NEGRO – O RITMO 9 A MÚSICA DAS SENZALAS 10 MÚSICA DAS TRÊS RAÇAS 11 A MODINHA 12 A MODINHA II 13 A POLCA 14

Nos dez artigos Mariza confirma a história da formação do povo brasileiro a partir do conceito e da trajetória social das três raças, que deu origem à mestiçagem, propalado elemento característico da brasilidade. E enquanto as três raças se fundiam num caldeamento aprimorante de mestiçagem, a música evoluía lindamente depois de três séculos de marasmo e às vezes de indecisões. A melodia triste, alcançando o pungente, era avivada pelo ritmo quente do africano. Enquanto a revolta do índio 179 guardava a originalidade que hoje é o grande encanto da música brasileira.

O elemento musical primitivo seria encontrado junto aos índios tamoios “que eram os músicos mais inspirados e os primeiros gentios cuja

178 Mariza Lira era colaboradora da Revista da Música Popular, mas não temos certeza se esses artigos foram especialmente escritos para o periódico. Durante a década de 30, a folclorista escrevia para jornais do Rio de Janeiro e os temas dos artigos eram os mesmos. Não localizamos, em pesquisa realizada nesses jornais, artigos iguais aos da RMP. Mas devido a ausência de qualquer tipo de referência na Revista não podemos ter precisão da data e nem a localização original dos artigos. 179 Revista da Música Popular , n.º 11 pág. 6

102 música foi apreciada pelos europeus.”.

180

Concentrando a análise na mesma

época, Mariza Lira focaliza como outros elementos formadores, o português e o “negro-africano escravizado”

Temos ainda os anos de dominação espanhola, a invasão holandesa ao norte (...). Dessa fusão que se processou ao som das características musicais desses vários povos, resultou a riqueza original e típica da música 181 desse Brasil mestiço.

A modinha, primeira manifestação brasileira, nasceu sob influência portuguesa, mas foi inspirada “na beleza deslumbrante do cenário carioca” 182 O ritmo que ganhou os salões europeus levado pelo músico Domingos Caldas Barbosa foi comparado por Mariza Lira com os sambas de Noel. A folclorista afirma que a modinha foi a primeira música brasileira destina ao comércio e também foi a primeira canção a narrar em forma de crônica o modo de viver do carioca.

[Domingos Caldas Barbosa] por certo foi o precursor, nas nossas canções dos “leilões quando são postos à venda corações, violões (Noel Rosa) e outras coisas mais.(...) Ele, pois deve, neste setor, ser considerado o ponto 183 de partida da nossa riqueza popular.

Em outro artigo, Mariza observa que o Carnaval, na figura do Zé Pereira, representou mais uma tradição portuguesa incorporada pelo povo brasileiro. Durante o século XIX, Antonio da Silva Callado e Chiquinha Gonzaga foram os nomes responsáveis por definir a tradição da música urbana brasileira. No século seguinte, Mariza Lira elegeu a casa de Tia Ciata, na Praça 11, e o empresário Fred Figner, como os responsáveis pela

180

Revista da Música Popular , n.º 3 pág. 20 Revista da Música Popular , n.º 3 pág. 22 182 Revista da Música Popular , n.º 4 pág. 10 181

103 consolidação do samba e da marcha. Figner foi dono da Casa Edison, primeira gravadora do Brasil e a casa da Tia Ciata foi o ponto de encontro dos boêmios e músicos da cidade. O reduto que reunia Donga, João da Baiana, Pixinguinha entre outros, foi o local de nascimento do primeiro samba gravado, Pelo Telefone, registrado por Donga. Segundo Mariza Lira, mesmo sob influência de sincretismos, o samba se tornou o representante da identidade nacional. Outro elemento formador, segundo Mariza Lira, era a música das senzalas, vinda dos negros africanos, “mártires da nossa nacionalidade” 184. Em meio as danças primitivas, como lundus, acalantos e chulas, apareceu a umbigada, que deu origem ao batuque, principal componente do samba. Essa trajetória folclórica remete à idéia de evolução, onde o primitivo isolado e sem influências, permaneceria puro. A folclorista ainda coloca que o lundu, principal dança dos negros, adaptou-se, ganhando versos humorísticos em vez de lamentosos e que evoluiu das senzalas para as ruas da cidade. Do tempo da escravidão chegou-nos o eco desses lamentos das senzalas, fragmentos de cânticos religiosos ou de solenidades sociais africanos, extravasados nos leitos da capina ou abafados nos troncos, depois do castigo 185 tremendo.

No espaço urbano, a presença negra foi fundamental para a formação da música nacional. “Os negros de ganho transportavam fardos e iam cantando e as ruas ressoavam ecoando a bulha das vozes e das cadeias”

Enquanto o negro carregado ritmava o esforço muscular com exclamações compassada a dois tempos: Ê...ê Ê...ê Isso nos interessa ao folclore, embora tenham servido de inspiração para a 186 composição de músicas populares (...) 183

Revista da Música Popular , n.º 4 pág. 12 184 Revista da Música Popular, N.º 10, pág.11 185 Revista da Música Popular , n.º 10, pág. 11 186 Revista da Música Popular n.º 10, pág. 8

104

Depois de isolar os focos musicais primitivos, Mariza Lira afirmava que a nacionalização da música popular aconteceu nas ruas do Rio de Janeiro, no bailes de Carnaval e nas rodas de choro, esta última, “canção autenticamente carioca”. A intenção de encontrar as raízes folclóricas para a música brasileira e ao mesmo tempo criticar o popular urbano (comercial) se perde um pouco na trajetória rural-urbano que Mariza Lira faz nos artigos para a Revista da Música Popular. Os artigos que o jornalista Jota Efegê escreveu para a Revista tiveram o objetivo de identificar os aspectos primitivos da música brasileira. 187 Nos artigos, “Noel Rosa: O Cantor Mais Expressivo da Música Popular Carioca”, “O Condutor de Bonde, Personagem Quase Clássica” e “Festa da Penha, Prelúdio de Carnaval”, Efegê ressalta a importância das raízes da música brasileira. Noel Rosa foi considerado um cantor expressivo (o termo mais pertinente seria compositor) por trazer coisas, fatos, modismos do ambiente em que vivia. Seu samba, denominado de música ligeira, pertencia à escola negra que nasceu sob a influência dos “africanismos” no Rio de Janeiro, especificamente na Casa da “Tia Assiata”.

Nesta hora em que os sambistas e ainda os marchistas, na feliz desinência de Orestes Barbosa, são arrolados e quiçá reconhecidos como compositores, mas que os afeitos às rodas os classificam como tiradores de samba, porque era esse o termo usual nos morros para se designar os que arranjavam facilmente melodia e versos para serem entoados, Noel Rosa deve ser lembrado como compositor, compositor na verdadeira acepção do vocábulo.

187

Três artigos escritos para RMP foram selecionados para a publicação do livro Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira Rio de Janeiro: FUNARTE, 1978. Págs.18, 21 e 23.

105 As festas populares também foram lembradas como ponto de encontro dos músicos que mantiveram contato com as tradições populares. As festas que aconteciam em outubro na Igreja da Penha ficaram conhecidas por apresentar um repertório pré-carnavalesco ao reunir músicos como Pixinguinha, Sinhô e Caninha. Segundo Efegê, o repertório musical que nascia no subúrbio indicava o início da popularização musical que se espalhava e ficava conhecida por toda a cidade. O morro era outro local onde a pureza das tradições, na visão da RMP, estavam presentes. No artigo “Risoleta, Trêfega e Vaporosa” que abria uma nova seção fixa denominada “O samba na Literatura”, Jota Efegê narra a trajetória um tanto trágica dos sambistas, que sofrem por amor, brigam com navalhas e sofrem todo o tipo de dificuldades. Seria a partir desse sofrimento da gente do morro, que o samba nasceria simples e poético.

Risoleta! A musa vivida do morro. O estro dos “bacharéis” do samba. A inspiração, a “bossa” poética do malandro. (...) Pequenos tamborins, martelados com cadência, sustentam harmoniosamente o ritmo alegre. E, como um paradoxo musical, as puitas têm um gemido contínuo na sinfonia 188 fácil que se espalha pelo sossego da noite. Forma-se o samba.

Outro colaborador da Revista era o folclorista Cruz Cordeiro. Em um artigo denominado Teatro Folclórico Brasileiro, Cordeiro escrevia que o “folclore é saber do povo”. A sucinta definição reitera o caráter folclórico da Revista e ao mesmo tempo cria uma forma de pensar as tradições populares dentro do periódico. Vejamos parte do artigo: “Existe uma tremenda força folclórica potencial inapropriada em nosso país (...). Foi apenas por falta de potencial ou de verba que tal poder criador da arte do povo e da arte popular deixou de se concentrar um grandioso e único empreendimento.”

188

Revista da Música Popular n.º 10 pág. 4

106 Cordeiro pede também para o governo a criação de uma entidade especializada para captar elementos sempre presentes no “povo anônimo “ e também para ”valorizar a união entre o erudito ou culto e com o popular e o folclórico. Erudito e folclórico são então inversos, antagônicos. O rústico estaria diretamente associado à arte vinda do povo. Outro artigo de Cruz Cordeiro que merece nossa análise detalhada denomina-se Problemas de um show folclórico. O folclorista relata a Conferência Mundial da Energia que ocorreu em Petrópolis – RJ em 1954 onde fazia parte da equipe de tradutores e correspondentes do comitê brasileiro e ficou junto com uma equipe, encarregado da organização de um “show” folclórico. A dualidade entre a indústria de disco que crescia e a preservação do folclore é latente no artigo que ainda registra uma outra definição para folclore: arte popular, sem interferências culturais que traz um espírito de autenticidade e simplicidade

Logo nos opusemos a qualquer exibição do que hoje, em nosso meio fonográfico, se chama de “cartazes”, pois de folclore nada dai podia sair além do risco de oferecermos ao estrangeiro uma versão melhor ou pior do que já se conhecia de “boites”, rádios e teatros mais ou menos convencionais e padronizados em qualquer lugar”

A observação sobre a exibição gráfica é um ponto de partida para a análise de Cordeiro, que recorreu ao Grupo Brasileiro de Arte Popular

189

para a apresentação no hotel. Assistindo aos ensaios, chegou às seguintes observações: 1. “Por mais rica, atual e popular, o elemento da folcmúsica afro-brasileira predominará, por enquanto, pelo menos, em qualquer espetáculo folclórico brasileiro 189

Grupo que era oriundo do antigo Teatro Folclórico Brasileiro

107 2. Há uma arte espontânea e criadora na população mestiça e de cor em nosso país (arte ignorada e impraticável pelos brancos). 3. Há um amor e consciência perfeitos pelos nossos temas originais de folclore em tal população, inclusive no seio do nosso povo anônimo, cujos elementos apareciam no “grupo” em apreço ao menos anúncio de jornal, revelando talentos excepcionais.”

A próxima afirmação determina como a influência prejudica a pureza do folclore: 4. Sem conhecimentos técnicos do ballet profissional dos brancos (...) nossos artistas do povo tem uma escola própria e original, na qual só falta a parte de ginástica física tecnicamente orientada sendo prejudicial para arte deles, não só a técnica como as criações do ballet clássico, do mesmo modo que qualquer intromissão [grifo meu] da técnica da música culta ou erudita, inclusive no seu instrumental ou percussão.

O autor se refere a presença da técnica, ou de um material mais elaborado como um elemento desnorteador, que tira a autenticidade do fato folclórico. Também no caso da música “a intromissão dum cavaquinho” desnorteia e transtorna a marcação de atabaques, dança e coro num samba e num côco. ”Se for o caso de uma orquestra qualquer querendo acompanhar, então o desastre será o mais completo possível, ninguém mais se entendendo no coro, na dança ou na marcação”. Foram pelas radicais posições de Cordeiro, que a apresentação do Grupo Brasileiro de Arte Popular teve a supressão “de qualquer elemento musical de corda ou sopro, nos seus números baseados apenas em ritmo de percussão, de dança e coro ou vozes”. A cena musical do período aparece no fim do artigo em tom de completa reprovação, como não poderia deixar de ser: Existe, pois, um vasto campo a ser estudado, cientificamente, para fundação real, efetiva e técnica de arte do povo brasileiro na sua mais legítima expressão, fora do espírito ‘boitístico’ ou de rádio, que, no momento, desordenadamente impera em nosso populário.

108 A idéia de uma cultura pura e autêntica está também presente em um artigo do músico Brasílio Itiberê

190

sobre o filme “Orfeu do Carnaval”, de

Vinícius de Morais, com direção de Marcel Camus. Neste, o folclorista discute o perigo do sincretismo na obra de arte: “Não posso imaginar obra de arte do assunto brasileiro, dirigido por um estrangeiro que ainda não se integrou na nossa formação racial. É um perigo tremendo..” Itiberê sugere a Vinícius encontrar um material puro, não deturpado, ou seja, um material folclórico utilizado de forma dosada “mediante o perigo de uma fauna parasitária do folclore que poderia comprometer ou desvirtuar a autenticidade da obra. 191 Posições como as de Cruz Cordeiro e Itiberê trazem à tona uma outra discussão

sobre

os

colaboradores

da

Revista.

Classificá-los

como

intelectuais talvez não fosse o caso, uma vez que nenhum deles estaria ligado à academia. Mas a afirmação de Angela de Castro Gomes é imprescindível para entender a posição desses artífices: "são historiadores, em tese, aqueles que produziram na área de estudos históricos e são, com freqüência, poetas, romancistas, juristas e, praticamente todos, jornalistas militantes.192 Enquadro o termo aqui pelo fato desse jornalistas, ligados a Revista, serem intelectuais de seu tempo, frutos de uma geração que pretendia criar uma memória musical para o país dando continuidade a uma época dita heróica. Gomes ainda coloca que uma geração situa-se na junção de memória e história, entendida como um conjunto de homens que experimentou um certo tempo. Falar de geração, 190

Revista da Música Popular, n.º 12, p. 2 Todos os congressos de folclore na década de 50 acabaram representando um perigo para os folcloristas mais puristas, pois havia a proposta de um sincretismo que poderia desvirtuar a pureza da cultura brasileira. 192 , Angela Castro Gomes. História e historiadores. RJ: Fundação Getúlio Vargas, 1999 191

109 nessa perspectiva, é falar de relações entre pessoas de um mesmo grupo e é falar também das relações entre gerações, pois há uma nítida dinâmica 193 construtiva nesse processo.

Uma outra seção da Revista, Discoteca Popular, foi o espaço para a crítica que se fazia à indústria cultural da época. O editor pede que sejam criadas mais discotecas populares para que nestes houvesse a preservação dos sambas antigos “que ainda detém a preferência absoluta dos ouvintes” Nesse artigo, aparece o conceito de obra medíocre: “as músicas populares mexicanas, de tão grande aceitação no momento, ocupam, bastante distanciadas, o segundo lugar (...) À medida que esses programas são realizados, cresce o interesse pela boa música ”. A Revista ocupou várias seções para cuidar do assunto sobre a desnacionalização que a música brasileira vinha sofrendo nos anos 50, com a entrada dos ritmos estrangeiros. Em quase todas as seções especializadas em tratar do tema, havia a referência sobre o assunto. A luta contra a indústria fonográfica tinha um objetivo: a preservação do autêntico.

3.4 Os grandes ídolos do passado

Ao longo de suas 14 edições a Revista da Música Popular abordou temas como folclore, tradição e época de ouro. O panteão de artistas eleito pelo periódico também nos permite compreender o movimento pretendido pela publicação. Os ídolos dos anos 30 e 40 foram os personagens principais da Revista da Música Popular. Eram os grandes destaques e foram

193

Idem. Pág. 40

110 apresentados em entrevistas, artigos e crônicas ao longo dos 14 números do periódico. Ary Barroso foi dos um dos personagens centrais da RMP. O compositor de Aquarela do Brasil, ao lado de Pixinguinha, Caymmi e Noel, formava o primeiro escalão de gênios da música brasileira. Um exemplo foi a entrevista que Ary concedeu a Paulo Mendes Campos, que traçou um perfil do compositor e ao mesmo tempo aproveitou para referendar o que chamava de música legítima. É interessante a configuração deste artigo, com forma rápida de perguntas e respostas, onde o compositor falava de seus gostos musicais, de futebol, de política. Textos pequenos, charges, fotos e os temas separados por pequenos títulos. Frases de efeito para garantir a respeitabilidade ao “maior compositor popular” Ary Barroso foi presidente de honra da Revista da Música Popular e colaborou com diversos artigos e entrevistas. Nestes, se dizia protagonista da História do Samba e, portanto, “uma fonte viva”

Começo por dizer que não sou espectador da História do Samba. Sou um pouquinho mais, sou protagonista. Muita coisa que ouço e leio sobre o mundo da música popular não passa de palpite, de alguém que deseja saber, mas 194 não investiga as fontes vivas dessa sabedoria.

No polêmico artigo, Ary escreveu sobre Noel, revelando a importância das letras do poeta da Vila, mas o desconsiderando enquanto gênio. “Como melodias, às vezes, tinha sorte. Como cantor, mau. Como violonista, o suficiente para se fazer entender” 195 A pedido dos leitores, Almirante escreveu para a Revista uma resposta: Noel foi grande, mesmo sem parceiros. Neste artigo, Almirante 194 195

Revista da Música Popular n.º 11, pág. 5 Revista da Música Popular n.º 11, pág. 5

111 defendeu Noel Rosa, chamando as críticas de Ary de “maledicências” que pretendiam diminuir o mérito do compositor como produtor de melodias, restringindo-o a condição de poeta. A defesa incondicional do poeta da Vila era uma constante na vida de Almirante. Em outra ocasião, voltou ao tema.

Já vi e ouvi, por exemplo, grande Ary Barroso afirmar, em programas de rádio e TV, que Noel Rosa fora, meramente, bom letrista, mas péssimo melodista. E, além de Ary e suas autoridade, outras personalidades de valor de nossos meios musicais, repetem e expandem opiniões do mesmo quilate, criando em torno do saudoso companheiro do Bando de Tangarás as mais desbaratadas inverdades, Muita gente, nos dias que correm, fala de Noel como se o houvesse conhecido a fundo, como se tivesse privado da intimidade do famoso compositor. A maioria, entretanto, jamais terá tido com ele mais do 196 que um breve contato do cafezinho.

Nos artigos que aparecem nos números seguintes, a visão de Ary sobre Noel foi mencionada e respeitosamente refutada. Dorival Caymmi foi outro nome constante na Revista. O baiano que começou a carreira fazendo canções para Carmem Miranda foi considerado pela RMP um representante do folclore nordestino, pois conciliou regionalismo com música erudita. Uma alternativa válida à modernização, conforme os valores da RMP. O compositor que a Revista relacionava à pureza e a tradição, concedeu uma entrevista a Paulo Mendes Campos e respondeu sobre a situação da música popular no Brasil A nossa música popular recebe em cada fase muitas influências exóticas e de um caráter estritamente comercial. Há muitas falsidades, com o baião e a música de morro. (...) Sou um produto do tempo em que o rádio cultivava as 197 coisas sérias(..)

196

Sérgio Cabral. No tempo de Almirante, pág. 301. Observação: Cabral não nos fornece nem a data nem a fonte dessa citação de Almirante; mesmo assim a utilizei como referência pelo seu importante contexto . 197 Revista da Música Popular n.º 4, pág. 2

112 Caymmi também se rendeu às críticas que a Revista fazia ao panorama comercial da época e posicionou-se como representante da verdadeira música brasileira.

O compositor Noel Rosa foi destaque especial da Revista, uma vez que em todos os números apareceram artigos sobre o compositor da Vila Isabel, o definindo como gênio e principal compositor brasileiro. Não seria irreal supor que a própria RMP consagrou figura de Noel como o representante da mais autêntica tradição brasileira. A visão que os inúmeros artigos nos oferece acaba favorecendo essa constatação. Rubem Braga, na edição de número 1 classificou Noel como símbolo da brasilidade.

Os seus sambas de amor mais tristes tem na letra ou na música alguma coisa que evita o patético pegajoso do tango (...). Noel está precisando de um assunto sério. Um dia alguém o compreenderá e o fará – porque aquele homenzinho sem queixo e de olhos de criança muitas vezes exprimiu, na ingênua malícia tão saborosa de sua linguagem, mais de dois terços do Rio 198 de Janeiro.

O folclorista e escritor de música brasileira Jota Efegê escreveu outro artigo sobre Noel classificando-o como o cantor mais expressivo da música popular carioca. Como outros folcloristas, Efegê quer deixar claro o caráter científico de sua pesquisa: 199 Quando se escrever uma história certa, precisa ser bem analisada, de música ligeira carioca nas suas diversas modalidades, denominadas, genericamente, samba e marcha, mas que dentro do ritmo ou andamento podem ser classificadas: samba canção, samba corrido, chula, batucada, etc., há de aparecer ao lado de Sinhô, Pixinguinha, Donga – o nome de Noel Rosa.

198 199

Revista da Música Popular, N.º 1, Pág. 11 Revista da Música Popular n.º 3, pág. 14

113 Noel foi colocado pelo escritor como um talento da geração posterior à “escola negra”, composto pelos nomes citados acima. Para a RMP, havia uma diferença entre ser compositor e “tirador de samba” Noel era compositor porque era capaz de decompor e dizer a razão dos elementos que punha em suas composições. Não era um desses “com jeito para a coisa”, que às vezes são felizes em suas produções (...) Noel Rosa deve ser lembrado como compositor, compositor da verdadeira acepção do vocábulo.

Carmem Miranda também foi uma das figuras mais referendadas pela Revista da Música Popular. O periódico constantemente fez alusões à Carmem como grande cantora de samba, acompanhou seu retorno ao Brasil, fez-lhe inúmeras homenagens e publicou uma edição extra (número 8), inteiramente dedicada à artista por ocasião de sua morte, em agosto de 1955200. A edição especial não foi original pelo fato da morte da artista ter sido tão repentina. Na verdade houve então uma compilação das publicações de vários jornais do Rio, com artigos de Adalgisa Nery, Almirante, Joubert de Carvalho, Fernando Lobo e outros A Revista Radiolândia destacou a edição especial da RMP como um documento histórico importante: “Vale a pena ter em casa, bem guardadinho, o número especial da ‘Revista da Música Popular’ sobre Carmem Miranda. Lúcio Rangel e Pérsio de Morais brilharam”.

201

Desde o primeiro número a Revista elegeu Carmem Miranda como um dos maiores expoentes da música popular no Brasil. As críticas que a cantora recebeu no período, por trabalhar nos Estados Unidos não foram compartilhadas em nenhum momento pela a RMP, o que é bastante

200

Toda a edição em homenagem à Carmem Miranda foi organizada de modo peculiar: um número grande de fotos (maior que das outras edições) e, principalmente, artigos que centralizavam a presença do samba na vida da cantora. 201 Radiolândia N.º 76, ,pág. 28

114 paradoxal. A publicação levava em conta que antes de se tornar uma representante latina nos Estados Unidos, cantando em Hollywood sambas e rumbas, Carmem gravou centenas de músicas, participou de dezenas de filmes e gravou um número de discos maior que qualquer outra cantora, tendo sua importância fixada na história da música brasileira antes de 1939, quando viajou.

Ao meu ver, Carmem tirou o samba de uma situação secundária e fê-lo elevar-se à mais alta categoria da música popular., por meio de grandes instrumentações e orquestrações. Como amiga, Carmem não se esqueceu 202 de seus amigos e colegas, mesmo estando no apogeu e no estrangeiro.

A trajetória de vida da artista acabou virando um drama a ser compartilhados por todos os amigos, muitos deles colaboradores da Revista, como Almirante. Em um artigo escrito para a Revista Manchete e publicado na RMP, o radialista lembrou da amiga e fez duras críticas à indústria americana.

A prova definitiva de sua noção de responsabilidade, de usa invejável qualidade profissional, lá ficou na forma como se ajustou ao regime drástico de trabalho artístico nos Estados Unidos, onde o estrelismo e os temperamentais não intimidam diretores, colegas e organizações que 203 exploram a música e os intérpretes.

202 203

Revista da Música Popular n.º 8, pág. 17 Revista da Música Popular n.º 8, pág. 46

115 CAPÍTULO 4 “FOLCLORISTAS DA CIDADE” O PENSAMENTO CRÍTICO-MUSICAL HERDADO DA REVISTA DA MÚSICA POPULAR “Afro-brasileiros, com a graça de Deus – pois foi essa prodigiosa fecundação racial, a grande dádiva dos céus à música brasileira.”

Este último capítulo tem por objetivo analisar as ideologias e a trajetória de alguns dos principais nomes ligados à Revista da Música Popular que utilizaram os meios de comunicação para afirmar suas idéias de pureza e tradição sobre a música urbana brasileira. Como já vimos, os colaboradores da Revista possuíam um espírito de colecionismo e culto folclórico ao passado. Mesmo não estando diretamente envolvidos no movimento folclórico dos anos 50, incorporaram algumas das principais idéias relativas à cultura popular. Lúcio Rangel, editor da Revista da Música Popular e Almirante, um dos seus articuladores, lançaram nos anos 60 os livros Sambistas e Chorões e No tempo de Noel Rosa, respectivamente. As obras foram uma compilação do pensamento que norteou o periódico entre os anos de 1954 a 1956. Outra publicação importante denomina-se Panorama da Música Popular, de Ary Vasconcelos, lançado em 1964. Ary não foi um dos membros da RMP, participando de modo esporádico na publicação, mas sua produção estava também voltada para a idéia de folclorismo. Panorama saiu com as obras de Almirante e Rangel e ajudou a consolidar conceitos e análises que até então tinham a forma de projetos historiográficos.204

204

Uma das expressões utilizadas no livro e que vão ser citadas a seguir: Era de Ouro

116 O trabalho minucioso desses estudiosos nos remete à uma citação de Nestor Garcia Canclini: Segundo Refaelle Corso o trabalho folclórico é um movimento de homens de elite que, através da propaganda assídua, esforçam-se para despertar o povo e iluminá-lo em sua ignorância” O conhecimento popular é requerido (...) para 205 libertar os oprimidos e resolver as lutas entre classes.

Canclini acredita que apenas os investigadores filiados ao historicismo idealista se interessam por entender as tradições em um sentido mais amplo, mas acabam as reduzindo a testemunhos de uma memória que supõem útil para fortalecer a continuidade histórica e a identidade contemporânea. 206 O pensamento positivista, apesar de estar datado no século XIX, não deixou de existir e se concretizar entre os intelectuais do século seguinte. Almirante, Rangel e Vasconcelos procuraram desenvolver suas pesquisas dentro do espírito folclorista e empregaram os conceitos de folclore e música popular para recriar a tradição na música brasileira. Suas principais produções, escritas posteriormente ao fechamento da RMP, indicam a bagagem de colecionismo e memória. A procura por um sentimento de nacionalidade exigia um intérprete reconhecido pelas suas aptidões específicas. O “espírito nacional” que precisava ser recuperado e valorizado estava nos costumes, na raça, na língua e na memória.

Se o presente permanece ancorado no passado como tradição(...), fez-se um esforço para redescobrir o passado histórico enquanto realidade antecedente e passível de compreensão. Um passado histórico que não podia, como a tradição, coexistir com o presente, mas que era fonte de explicação para o 207 novo.

205

Nestor Garcia Canclini, Culturas híbridas, pág. 209 Nestor Garcia Canclini, Culturas Híbridas. Pág. 210 207 Angela de Castro Gomes, História e Historiadores pág.145 206

117 Também a historiadora Angela de Castro Gomes em seu estudo sobre a Revista Cultura Política, afirma que o discurso que vinculava passado e tradição era emitido em articulação com uma série de iniciativas como comprovação da tese de recuperação do passado. Podemos tomar emprestado da autora a mesma análise para a Revista da Música Popular.

Almirante, Rangel e Vasconcelos tiveram como característica de sua trajetória artística, além do espírito folclorista, um romantismo exacerbado que via no passado, a fonte da autenticidade da cultura brasileira. Esse ideal que deu origem a RMP também gerou outras publicações com o mesmo objetivo de preservação.

4.1 Autores herdeiros do pensamento da Revista da Música Popular Henrique Foréis Domingues, o Almirante, pesquisador rigoroso, músico, apresentador de programas de rádio, tinha uma característica única em seu trabalho: não colocava uma informação em seus programas ou em seus artigos se não tivesse, o que ele chamava de provas documentais. Ele, que já havia sido integrante do grupo Bando de Tangarás, juntou ao longo de sua vida mais de cem mil partituras, centenas de álbuns de recortes de jornais e revistas; além de discos, fotos, programas de teatro, catálogos de gravadoras, livros, libretos teatrais. Por isso, conseguiu estatuto de consultor de música popular.

208

208

Enor Paiano op. cit. Pág. 210

118 Almirante era chamado de “a maior patente do rádio”. Quando gravou o LP para a gravadora Sinter, Mário Faccini escreveu na introdução disco.

Foi um dos maiores conhecedores da música popular no Brasil. sem medo de erro, podemos afirmar que não existe nenhum arquivo particular no país que possa ombrear com o de Almirante; e que ninguém manuseia e conhece melhor o que possui do que ele. Por outro lado, no momento em que a indústria do disco no Brasil, entrava no seu verdadeiro surto de desenvolvimento, Almirante, muito moço ainda, isoladamente ou acompanhado pelos legendário Bando de Tangarás, não só gravou um punhado de músicas nossas, como pôde acompanhar de perto o movimento desse ramo de atividade artística. Assim, Almirante sabe porque leu, porque estudou; mas sabe, também porque fez; porque viveu lado a lado com Noel e Carmem Miranda, como hoje está ao lado de Pixinguinha e Caymmi. E que quiser, algum dia, escrever a história da música popular brasileira, não 209 poderá prescindir dos trabalhos de Almirante .

Reconhecidamente, o maior estudioso de música brasileira, Almirante tornou-se sinônimo de conhecimento e respeitabilidade no campo da história da música popular, por isso, tornava-se impossível não incluí-lo em algum projeto que visava preservar a memória desse campo de estudo. Na já citada Carta do Samba, Edison Carneiro louvou o esforço do jornalista em organizar e catalogar toda a documentação referente à história do samba e recomendou, a partir desse trabalho, que a OMB e a CDFB 210 se apressassem em organizar e preservar a documentação sobre música popular brasileira. Almirante, por ser uma das figuras mais populares dos anos 50, tinha uma ocupação intensa em seus programas de rádio e nos outros eventos que organizava, por isso, acabou não participando de todas as edições da Revista da Música Popular. A falta da grande “patente” provocou o recebimento de várias correspondências dos leitores, sentindo falta de seus artigos na Revista. A resposta veio em seguida: “É um dos homens mais

209 210

Revista da Música Popular n.º 14 pág. 11 Ordem dos Músicos do Brasil / Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro.

119 atarefados do nosso Rádio, mas vai enviar a sua colaboração, conforme nos prometeu”, responderam os editores nas constantes cartas. Sua presença legitimava a proposta da Revista. Um dos peculiares casos211 foi abordado por Sérgio Cabral no livro, No Tempo de Almirante:

“O segundo número da Revista da Música Popular, de Novembro, publicou um artigo de Almirante a propósito da vitória de Jânio Quadros em São Paulo. Não era um artigo político, mas uma reminiscência sobre a presença da vassoura – símbolo da campanha eleitoral de Jânio – na música popular brasileira. Chamava-se Vassouras Históricas”. No mesmo número, a Revista publicou uma carta sua corrigindo um artigo do poeta Manuel Bandeira: o samba ‘Claudionor’ não era de Sinhô, mas de Manuel Dias e o seu nome certo era “Morro de Mangueira”. Além disso ‘Não posso mais meu bem’ também não era de Sinhô, mas de Antônio Silva ( o Antonico do Samba). O poeta também errou no seu nome, pois o samba chamava-se mesmo ‘Já é Demais’. Daí em diante, não saía uma edição da Revista da Música Popular que não tivesse uma carta de leitor, querendo mais colaborações de 212 Almirante.”

Ainda na RMP, Almirante dedicou-se a destacar nomes como Carmem Miranda e Noel Rosa, garantindo a preservação dos nomes no panteão de gênios que os articuladores da Revista pretendiam criar. Em 1962, Almirante escreveu No tempo de Noel Rosa,213 uma compilação de seus programas de rádio e ao mesmo tempo um ensaio que buscava uma definição do que seria nacional na formação da cultura brasileira. Aliás, o nacionalismo tornou-se um registro importante de todos os autores preocupados com a preservação da música popular. O livro, que virou uma referência biográfica de Noel, procurou defender o samba como uma manifestação tipicamente urbana, mas com origem rural

211

O artigo que Cabral comenta, Vassouras Históricas, destacava o apoio de Almirante à Jânio Quadros” e historiava a presença da vassoura, enquanto objeto de limpeza, na música brasileira. Durante a passagem pela Prefeitura paulista, a musa popular [vassoura] sintetizou, num estribilho de marcha carnavalesca, o regime de higiene administrativa posto em evidência: Vassoura pra cá, vassoura pra lá, Agora a coisa é outra, todos tem que trabalhar. 212 CABRAL, Sérgio. No tempo de Almirante. Uma história do Rádio e da MPB. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. Pág. 286

120 e nordestina, tendo sido influenciado, em seu nascimento, por temas folclóricos-rurais. O autor não chega a citar a possibilidade da confluência dos gêneros no centro do Rio, como é comum na história do samba. Para Almirante, o primeiro samba, Pelo Telefone, de Donga, derivou de uma peça de costumes sertanejos denominada “O Marroeiro”, de Catulo da Paixão Cearense e Ignácio Rapôso. Na casa da Tia Ciata, os co-autores que freqüentavam o lugar, oriundos do nordeste, acabaram por contribuir com temas regionais nessa composição coletiva. Noel Rosa, personagem central do livro, seria então descendente dessa vertente folclorista. Almirante tenta comprovar sua tese, demonstrando que as primeiras composições de Noel não foram sambas, mas músicas nordestinas, regionais. O Bando de Tangarás, formado pelo próprio Almirante, João de Barro, Henrique Britto, Álvaro Miranda Ribeiro e Noel Rosa, cantava esses temas. Apenas após a inclusão do batuque dos terreiros na música Na Pavuna (1929), que foi introduzida a batucada no samba gravado, antes disso, os instrumentos de percussão não faziam parte do samba, até porque a captação dos instrumentos ficava prejudicada no sistema de gravação mecânica. Influenciado por Na Pavuna, Noel se converte de uma vez à linguagem do samba, compondo Eu vou pra Vila. Conclui-se portanto que, para Almirante, as culturas nortista e nordestina

constituíram

e

compuseram

essencialmente

o

samba,

representado como fruto de uma manifestação urbana que sofreu influências folclóricas. O batuque foi mais um acréscimo ao ritmo. Um outro fator que destaca essa afirmação na obra de Almirante é a reconstituição que faz da história da música popular brasileira. O pesquisador 213

ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. São Paulo: Francisco Alves, 1963.

121 não

cita

figuras consideradas importantes para a formação desta

manifestação, como Chiquinha Gonzaga, Joaquim Callado, Ernesto Nazaré, entre outros. Almirante deixa clara a importância de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense, quase em detrimento a Sinhô e Donga. É importante também observar que apenas na década de 1950, que Noel Rosa foi considerado o legitimo representante da “época de ouro”. O trabalho iniciado por Almirante nos programas de rádio, nos artigos de jornais, na Revista da Música Popular e na forma final, com o livro No tempo de Noel Rosa, favoreceu bastante essa visão.

Ary Vasconcelos é outro nome ligado ao pensamento folclorista em torno da música popular brasileira. O livro Panorama da Música Popular, lançado em 1964, tentava preservar, de maneira mais sistematizada, uma determinada tradição, corroborando a idéia de um passado original e grandioso, que ele localizava nos anos 30, e que chamou de época de ouro. O livro apresenta na estrutura, a história da música brasileira em quatro fases (fase primitiva (1889 -1927) - fase de ouro (1927 - 1946) - fase moderna (1946 - 1958) e fase contemporânea - 1958 em diante), de forma a organizar uma linearidade para a história musical do Brasil. Para debater sobre a música popular, Vasconcelos não negou a origem urbana do samba, mas buscou folclorizar suas raízes no Nordeste e na África. A intenção do autor seria a de contribuir, através de uma vertente folclórica, para a formação da identidade nacional do povo brasileiro. Assumindo tal posição para definir a origem do samba, Vasconcelos inicia seu trabalho recorrendo ao folclorista Luís da Câmara Cascudo:”(...) em seu Dicionário do Folclore Brasileiro é incisivo: ‘provém de semba, umbigada

122 em Loanda’. O autor também esclarece que a origem africana do ritmo está relacionada com a vinda de escravos e a fixação da dança na Bahia. Ao que tudo indica, foi na Bahia onde começaram a surgir as primeiras sessões de samba, ou seja danças de negros, sagradas e profanas. Essas danças foram aos poucos tomando forma autônoma, distinguindo-se das 214 danças africanas originais.

Ao criar a divisão em quatro fases na história da música, Vasconcelos chama a atenção para a questão da pureza e da raiz na música brasileira. Tal qual a Revista da Música Popular, a tradição estaria se perdendo devido à influência crescente da música estrangeira. Uma diferença fundamental entre o trabalho desenvolvido pelos articuladores da RMP e por Ary Vasconcelos é a concepção de influência estrangeira. Se para a Revista, a música se desnacionalizava devido aos boleros e rumbas, para Ary a presença estrangeira já estava nas harmonias elaboradas da bossa nova. Ary pressupunha que, em comparação com a década de 1930, anos 50 retrocederam em termos musicais, mesmo assim, a música americana e o bolero, segundo o autor, contribuíram para que o samba, nos anos 50, fosse chamado de antiquado. A Revista da Música Popular encontrou na indústria fonográfica a grande vilã da história. Da mesma maneira, para Ary, os dois culpados pela perda das raízes seriam a indústria cultural e as influências estrangeiras que “sepultaram a expressão mais pura da alma nacional”. Vê-se a influência do discurso predominante na RMP. Já a fase de ouro, para o autor, seria a época em que o compositor se profissionalizou.. Mas ainda assim, como vimos, Vasconcelos nega a origem 214

Ary Vasconcelos. Panorama da Música Popular, pág. 18

123 urbana e comercial do samba, o que seria um paradoxo com sua própria afirmação e constata que, durante o período, as músicas eram compostas mais por amor do que por dinheiro e quase nada rendia além do prazer de expressar-se esteticamente. Reafirma-se aqui a visão romântica dos anos 30. Mas o processo de profissionalização da música brasileira já havia começado e há muito. Carlos Sandroni lembra que a compra de sambas e a apropriação indébita das composições eram constantes desde que se começou a gravar e a ganhar dinheiro com as canções.

Havia várias modalidades de compra e venda de sambas: o caso mais drástico era aquele em que o autor, em troca de uma soma fixa, cedia não só os direitos autorais como o reconhecimento da autoria – ou seja, seu nome não aparecia nem no disco, nem na partitura. (...) Por fim, havia o caso em que um cantor propunha uma barganha segundo a qual ele gravaria o samba 215 se lhe fosse cedida uma parte dos direitos autorais.

Uma série de negociações e brigas aparecem entre cantores e compositores da chamada época de ouro. Sandroni ainda lembra que o comércio de sambas foi possibilitado por uma tomada de consciência dos sambistas de que poderiam auferir ganhos e entrar no nascente mercado cultural moderno. Como vemos, a visão de Ary Vasconcelos sobre o romantismo dos artistas da fase de ouro, corresponde a uma realidade calcada no folclorismo e não no que era de fato. O autor de Panorama continua o estudo da história da música brasileira na fase moderna que, segundo ele, começava em 1946. A análise que já poderia ter se iniciado nos anos 30 é deslocada para a fase seguinte, onde um conjunto de fatores criaria a idéia de decadência. O movimento das sociedades arrecadadoras e a música como negócio, para Ary Vasconcelos,

124 aparece apenas na fase moderna, onde surgiria uma nova casta musical que desalojaria a antiga, pois então a grande força não viria mais da arte enquanto expressão estética, mas sim do dinheiro. Panorama da Música Popular, escrito em 1964 termina quando o autor chama a atenção para o sucesso da bossa nova no exterior, principalmente nos Estados Unidos mas, preocupado com as raízes de pureza, Vasconcelos não consegue perceber a presença do samba na bossa nova e nem distinguir a diferença entre João Gilberto e a turma que o imitava. Mais informativo do que analítico, o livro se aproxima do projeto realizado pela Revista da Música Popular quando se perde com informações excessivas e, por outro lado, suprime questões importantes na história da música brasileira.

O livro Sambistas e Chorões, de Lúcio Rangel procurava criar uma continuidade ao trabalho desenvolvido pela Revista da Música Popular. Ao selecionar e reunir textos já publicados pela imprensa carioca e paulista, o jornalista reiniciava o trabalho pela busca da autenticidade e da tradição no samba. Lúcio Rangel foi um jornalista sempre presente na imprensa brasileira. Em 1953 ele estreou uma coluna na Revista Manchete para comentar o panorama musical brasileiro. Na estréia do primeiro artigo, teve o seu perfil musical traçado pelo escritor Rubem Braga. É intransigente com o que considera samba ruim. (...) Acha que samba como os de Ismael, Cartola, Noel e Orestes Barbosa nunca forma superados com graça, beleza e autenticidade. O que há com o samba hoje? Lúcio responde que o samba antigamente era feito por sambistas e, hoje, por engenheiros, 216 aviadores, militares, advogados (...). 215 216

Carlos Sandroni. Op. Cit. pág. 148 Revista Manchete, 19 de dezembro de 1953, pág. 63

125

Rubem ainda comenta a paixão de Lúcio pelo jazz e pelas coisas brasileiras, desde que autênticas. O pensamento disseminado pelo editor da Revista da Música Popular em seus vários anos de imprensa foi compilado no livro Sambistas e Chorões, de 1962. Diferente da posição folclorista de Almirante, o samba foi privilegiado por Rangel como carioca, popular e urbano, derivado da mistura de ritmos e gêneros que tiveram no morro, sua época mais pura. Em sua visão, o samba, “representa a história de nossos costumes, dos gostos de nosso povo, da sensibilidade desse homem simples (...) que é o sambista carioca.” Percebemos aqui a existência de duas visões folclóricas sobre a origem do samba: na primeira visão, defendida por Almirante e Vasconcelos, o samba tem raiz na África e na Bahia e na segunda, defendida por Rangel, o samba nasceu da mistura de vários ritmos, mas foi nos morros cariocas que ganhou a forma pura. Carlos Sandroni procura esclarecer a questão sobre as diferenças entre os dois tipos de samba. Para ele, não se poderia afirmar a existência de “tradição carioca de sambas de roda”. O samba folclórico teria sido introduzido no Rio de Janeiro apenas em fins do século XIX, onde já havia na cidade, um misto baiano-carioca e uma grande contribuição de músicos e tradições musicais de outros estados, como Minas Gerais e Pernambuco. A idéia de invenção folclórica para o samba, da qual concordamos, se faz clara na análise de Sandroni. (...) a partir dos anos 30 os habitantes do Rio já teriam criado, a partir do samba introduzido pelos baianos e das demais influências, uma nova modalidade de samba folclórico, não sendo pois seus herdeiros (...), mas 217 seus inventores.

217

Carlos Sandroni. Op. Cit. Pág. 141

126

Ainda em Sambistas e Chorões, Lúcio Rangel faz uma crítica aos “folcloristas de gabinete”, que preocupam-se em discutir “se o samba é folclórico, popularesco ou popular” e cobra um estudo monográfico sobre o assunto. O jornalista também critica a superficialidade (“visão ampla e pouco profunda) dos estudos de Orestes Barbosa, Mariza Lira e Vasco Mariz, até então, os principais pesquisadores de música brasileira e, no caso dos dois primeiros, colaboradores da Revista da Música Popular. Mesmo com a crítica que faz aos folcloristas, Rangel mantém uma postura muito próxima a esses intelectuais, tanto que convida Brasílio Itiberê para prefaciar o livro. No início do nosso trabalho, colocamos uma carta de Itiberê dirigida a Lúcio Rangel que foi publicada na Revista da Música Popular. Dez anos mais tarde, o folclorista torna-se mais radical, denominando de calamitosa a música popular do período.

(...) ela foi ferida de morte na sua parte orgânica mais preciosa, atingida na cerne, na medula - isto é - no ritmo. Desaparece o ímpeto dinamogênico do sincopado e, privada de sua vivacidade rítmica, a melodia popular se amolentou, tornou-se invertebrada, perdendo caracteres raciais específicos (...) Há, entretanto, um fato que me consola: é pensar que o folclore é coisa eterna e imperecível. A prova está na vitalidade criadora de alguns 218 remanescentes da velha guarda, a exemplo desse bravo Pixinguinha (...)”

Fica evidente no caráter dessa introdução, que o espírito de derrota frente a cena musical do período permanece tão forte quanto nos anos em que a Revista da Música Popular circulou. Observamos também que, apesar de serem períodos musicais completamente diferentes, a visão do contexto musical enquanto decadência é exatamente o mesmo. Para o público, Sambistas e Chorões aparece como mais uma

218

Lúcio Rangel. Sambistas e chorões. Pág. 8

127 contribuição para a historia da música popular, mas não apresenta qualquer novidade em relação aos artigos anteriores de Rangel ou mesmo à RMP. Tal afirmação pode ser facilmente confirmada pelo fato de Itiberê ter escrito o prefácio sem conhecer o livro e de confiar no talento de “folclorista” de Lúcio Rangel. Não conheço o livro, mas fico imaginando que será uma valiosa contribuição para o estudo da nossa música popular e um bom “comando” e serviço de profilaxia no arraial dos samboleros.(...) Mas não é só isso. O instinto seguro, o bom gosto e sua autenticidade folclórica têm de lambuja as credenciais de músico e instrumentista (...). Tudo leva a crer que ele é o homem indicado para esse trabalho complexo, que ainda está por fazer: A História da música 219 popular carioca.

Para tentar conciliar o projeto modernista com a música popular, Lúcio Rangel resgatou o trabalho de Mário de Andrade sobre música popular, colocou a importância do escritor paulista na preservação do folclore, e o criticou por seu distanciamento em relação à música urbana: Como outros folcloristas, não sei porquê, Mário também preferiu o estudo de certas manifestações musicais observadas em pequenos núcleos da população ao grande samba, cantado e dançado por milhões de brasileiros, embora influenciado pelas modas internacionais, como não poderia deixar de 220 ser.

Mas a crítica que intenciona criar uma legitimidade para o livro, tornase infundada, uma vez que Mário não estava preocupado com a música urbana, ainda em formação no Brasil dos anos 20. Mesmo assim, Rangel procura enquadrá-lo entre os estudiosos de samba, já que o folclorista é a grande referência para todos os outros pesquisadores. Lembramos que a tentativa de adoção do método de Mário de Andrade também aconteceu no projeto da Revista da Música Popular.

219 220

Lúcio Rangel. Sambistas e chorões. Pág. 10 Idem, pág. 23

128 Os trabalho escritos e a vigorosa atuação pública (na imprensa e no rádio) de Almirante, Lúcio Rangel e Ary Vasconcelos marcaram uma fase importante na historiografia da música popular brasileira. Não se pode dizer que os “folcloristas da cidade” tinham um projeto claro e orgânico, mas foram vitoriosos na consagração do samba, através dos meios de comunicação, como ritmo autêntico. Estabelecer uma tradição era interferir na formação da audiência, na medida em que o gênero samba estava plenamente constituído e possuía um público próprio. Na virada dos anos 40 para os 50, tratava-se de afirmar um gênero específico, que deveria trazer uma marca de origem - o samba - contra os outros gêneros reconhecíveis que interferiam na audiência nacional - como o jazz, o bolero e a rumba.

4.2 A Revista da Música Popular e a historiografia A Revista da Música Popular ajudou a consagrar nomes ligados época de ouro e que também deu origem a uma corrente metodológica na pesquisa em música brasileira diretamente ligada à idéia de raiz.

221

O debate historiográfico que associa nacionalismo e classes populares é fruto do pensamento divulgado pela Revista da Música Popular e tem encontrado um grande campo de aceitação. A corrente, que associa o samba folclórico como representativo das classes médias-baixas urbanas no Rio de

221

Durante os anos 30, duas obras marcaram o debate em torno do samba pelas próximas décadas e os princípios básicos para idéia de raiz: Na Roda de Samba, de Francisco Guimarães e Samba, de Orestes Barbosa. No primeiro, Guimarães localiza o morro como território mítico, lugar da roda, do verdadeiro samba. Também Guimarães inicia o debate que a RMP assumiu: a crítica à indústria fonográfica, que estaria matando o samba autêntico (essa crítica já se inicia nos anos 30). O livro de Orestes Barbosa também afirmava que o samba era carioca, fruto de vários encontros em diferentes espaços da cidade. Diferente de Guimarães, Barbosa acreditava que o rádio impulsionaria e propagaria o novo gênero nacionalmente.

129 Janeiro. deu origem a vários ensaios,

222

que, em comum, localizaram nos

morros e nos redutos da Cidade Nova, Gamboa e centro do Rio de Janeiro, pontos de confluência e criação de um ritmo tipicamente brasileiro e de origem primitiva, ou seja, negros e pobres. Para entender como esse pensamento foi disseminado com a influência da Revista, localizamos na historiografia da música popular brasileira duas correntes de pesquisa: enquanto a primeira discute a “busca das origens”, ou seja, a raiz estético-cultural da música popular, a segunda corrente historiográfica procura criticar a própria questão da origem, enfatizando os diversos vetores formativos da musicalidade brasileira. 223 Vamos nos concentrar em apenas algumas análises da primeira corrente,

222

Podemos citar aqui Samba, o dono do corpo, de Muniz Sodré; Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro, de. Roberto Moura , entre outros 223 Alguns autores não seguem a linha da pureza do samba entre classes, mas procuram analisar os novos padrões e identidades que o gênero tomou quando configurado como música popular e representante da autêntica cultura nacional. Jorge Caldeira critica a idéia da pureza social do samba com base na canção urbana brasileira e a relação que esse gênero musical obteve com o crescente mercado fonográfico na década de 1920. O autor analisa a trajetória da consagração do samba, para o qual concorreram novos hábitos de composição, produção, circulação e escuta musical. Para o autor, é na trajetória roda - disco que deve-se pensar a questão da origem de canção urbana brasileira, baseada no samba como gênero matriz. Esta posição afasta Caldeira das tendências que buscam enfatizar uma identidade constituída de uma vez por todas como marca de uma origem, e que vai se perdendo na ida ao mercado. A idéia da pureza é também contestada por José Miguel Wisnik. Para esse autor, durante as festas de Carnaval aconteceu a transformação do samba e a música popular emergiu para o mercado (indústria fonográfica e rádio). Em Getúlio da Paixão Cearense, Wisnik traçou um painel de clivagens que a música brasileira sofreu até os anos 30. O autor tenta esboçar uma reflexão sociológica e estética que saia da armadilha da busca das origens, evitando trabalhar com espaços sociais polarizados, como morro, roda, terreiro como contrapartida de cidade, rádio, concerto. A utilização de espaços intermediários, para o autor, constituíram as experiências das vivências musicais. Hermano Vianna analisa a apropriação do samba através de duas questões centrais: invenção das tradições e fabricação das identidades. O autor analisa a autenticação do samba na expressão social de raiz como um dos parâmetros fundamentais da mediação cultural pela qual esse processo se construiu. Outro problema central investigado pelo autor a partir dos encontros sócio-culturais e ideológicos, é a clivagem que a questão da mestiçagem sofreu nos anos 20 e 30: “da raiz dos males do Brasil à definidora do caráter nacional”. Esse é um mistério do qual o samba é locus fundamental, pois muda o parâmetro pelo qual se pensa a nacionalidade. O autor rejeita as teses que localizam o samba como patrimônio cultural negro, expropriado pelos brancos e transformado em artigo de consumo. Vianna trabalha a idéia que mitos, como da autenticidade do samba de raiz e da resistência cultural que ele teria desempenhado, são invenções históricas de forte caráter ideológico. Tem-se aí a invenção da tradição que, ancorada em práticas sociais, possui um passado tão enraizado, que muitas vezes essas práticas passam como um processo natural.

130 pois trata-se de um eco direto do pensamento da Revista da Música Popular . José Ramos Tinhorão224 é um dos principais autores oriundos do pensamento da Revista e do folclorismo urbano, ocupando um lugar destacado na historiografia da música brasileira, tanto por sua grande produção bibliográfica, quanto por sua vertente polemista. O pesquisador tem como tese principal do seu trabalho, ou melhor, de toda sua obra sobre música brasileira, a idéia de nação com base no folclorismo. Tinhorão enfatiza a ligação direta entre autenticidade e base social (grupos de “negros e pobres) e preocupa-se em separar o que é popular e o que é folclórico para definir a visão dominante no Brasil: música folclórica seria de autor desconhecido e transmitida oralmente de geração em geração; a música popular, ao contrário, composta por autores conhecidos e divulgada por meios gráficos, através da gravação e venda de discos, partituras, fitas, filmes, etc. A música popular, sob essa ótica, constitui-se de uma criação contemporânea por ser urbana e estar associada com o aparecimento das cidades, das classes sociais e da indústria cultural. Nesse aspecto, Tinhorão defende a tese da expropriação da música popular pela classe média, cuja conseqüência inevitável foi a perda de referenciais de origem. A idéia de intencionalidade da expropriação não é compartilhada por Muniz Sodré225 que acredita neste fato, mas não como roubo deliberado, ou como corrupção cultural, mas como lógica de um processo produtivo que deu à classe média poder econômico para influenciar a indústria fonográfica. O autor tem como tese central de seu trabalho, a importância do negro na

131 formação do samba e suas vinculações religiosas. O samba é visto pelo autor como um movimento de continuidade e afirmação dos valores culturais negros, uma cultura não oficial e alternativa, que seria uma forma de resistência cultural ao modo de produção dominante da sociedade carioca do início do século XX. A casa de Tia Ciata é entendida como continuação da cultura baiana, sem ter recebido qualquer influência urbana. Sodré chama a comercialização do samba na década de 1920, após o sucesso de Pelo Telefone, de “diáspora africana no Rio de Janeiro”.

O projeto que procurava configurar o Rio de Janeiro como síntese cultural da nação teve na Revista da Música Popular o seu primeiro momento. A intelectualidade ligada a tal projeto, apoiou-se no samba como gênero matriz e procurou legitimar, no plano musical, o mito da autenticidade, da tradição e da pureza. Tais aspectos, que nortearam toda a RMP, formaram também a base de uma corrente de pensamento historiográfico e memorialista que se apegou no folclore para firmar suas bases científicas.

224

José Ramos Tinhorão. Pequena História da Música Popular. São Paulo, 1978. Muniz.Sodré. Samba, o dono do corpo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1998

225

132 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse trabalho procurei estabelecer relações entre a cena musical dos anos 50, o pensamento folclorista da época e o projeto desenvolvido pela Revista da Música Popular. Com o objetivo de deter o processo que associava a cultura como diversão e diversão como decadência, jornalistas e pesquisadores, preocupados com a preservação da memória musical do Brasil reuniram-se em torno de uma proposta voltada à restauração da tradição na música urbana brasileira, idealizando as décadas de 20 e 30. Tal projeto, materializado na Revista da Música Popular, foi o responsável pela formação de um pensamento musical que buscava no folclorismo a possibilidade de estabelecer um pensamento crítico-musical de um caráter pretensamente científico e sistematizado para refletir sobre a música popular brasileira. O movimento folclórico, fortalecido nos anos 50 pela realização do Congresso Internacional do Folclore, em 1954, influenciou o pensamento dos articulistas da RMP nas concepções de “fato folclórico” e “cultura popular”. Enquanto um tipo de fato folclórico isolado, o samba se manteria puro, livre de influências sincréticas ou comerciais. A maioria dos artigos da Revista demonstrou essa vontade de isolar para manter e fortalecer uma determinada noção de tradição na música popular. Para a reorganização de uma história com bases folcloristas, várias interpretações contraditórias ganharam corpo, entre elas a de que o samba da época de Noel, Ismael, Pixinguinha e outros grande nomes não tinha qualquer vínculo comercial mais estrutural com o rádio ou a indústria fonográfica. Também a partir da idéia que a produção musical dos anos 30

133 era feita de forma “pura e ingênua”, os intelectuais procuraram localizar nos morros do Rio de Janeiro a forma autêntica da criação musical brasileira. O pensamento disseminado pela Revista gerou ações culturais e correntes historiográficas ligadas à idéia de raiz na música brasileira. O samba dos anos 30, reverenciado pelo periódico como “época de ouro” da música ganhou outro sentido na interpretação dos “folcloristas urbanos”. A chamada batida tradicional do samba constituiu-se como representação da verdade histórica em oposição às formas ou ritmos estrangeiros que seriam anti-nacionais. Portanto, pensar o samba como “autêntico ou puro”, embora ameaçado pela modernidade e pelo tipo de popularização do consumo musical dos anos 50, foi a base da proposta da Revista da Música Popular, como tentamos demonstrar durante o trabalho. A música brasileira, vista como enraizada no folclore, garantia a construção de um idioma nacional próprio e propício para a construção da nação, ao menos no plano musical. Como já havia afirmado Enor Paiano, a principal vitória dos “folcloristas urbanos” foi o reconhecimento do samba como manifestação nacional e autêntica e o Rio de Janeiro, por sua vez, acabou consagrado como capital musical do país: o que fosse produzido em ambiente carioca, era tomado sinônimo de nacional. Nos anos 60, com a ruptura e o deslocamento do lugar social da canção, catalisados pela bossa nova, a relação com a música dos anos 30 e com o passado musical como um todo, transformou-se. O ideal de pureza e tradição que Lúcio Rangel e outros folcloristas tanto perseguiram, deslocouse para uma perspectiva de modernização musical e cultural do país como um todo. Ainda assim, em plena década de 60, o pensamento “folclorista” construído nos anos 50, ainda será influente, incorporado em parte pela

134 esquerda nacionalista e reforçado sobretudo após o golpe de 1964, como demonstram os espetáculos “Opinião” e “Rosas de Ouro”. Mesmo com esta significativa influência, para a maior parte dos novos criadores e consumidores de música popular, surgidos depois de 1959, já não se tratava mais de abrir a cortina de um passado desconhecido e ameaçado, mas de construir um projeto de futuro. Neste projeto, síntese das utopias da época, tradição e modernidade, elite e povo, lazer e consciência social deveriam estar harmonizados num só idioma político e cultural, a começar pelo campo da música popular. Então, o samba da “época de ouro” deixou de ser objeto inerte de um culto à tradição e passou a ser visto como a base musical e ideológica para a formação da moderna música popular brasileira, que passaria a ser designada pelas suas consagradas iniciais maiúsculas: MPB.

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ANEXO LISTAGEM DETALHADA DOS 14 VOLUMES DA REVISTA DA MUSICA POPULAR

Edição mensal. Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Sede: Rua Santa Luzia 732 sala 702 Rio de Janeiro

Colaboradores da revista: Almirante Ary Barroso Cláudio Murilo Clemente Neto Emmanuel Vão Gogo Evaldo Rui Fernando Lobo Flávio Porto Haroldo Barbosa Jorge Guinle José Sanz Manuel Bandeira Mário Cabral Mozart Araújo Nestor de Holanda Nestor R. Ortiz Oderigo Paulo Mendes Campos Sérgio Braga Sérgio Porto Sílvio Túlio Cardoso

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Número 1 Setembro de 1954 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Pixinguinha Número de páginas: 52 Seções e Artigos – Editorial O Enterro de Sinhô; por Manuel Bandeira Discoteca Popular Ary Barroso define para o leitor seus gostos e suas idéias – Paulo Mendes Campos Noel Rosa; poeta e cronista; por Rubem Braga Espírito de Limitação; por Cláudio Murilo A pretexto de violão elétrico; por Emmanuel Vão Gogo O Café do Compadre; por Evaldo Ruy Aracy de Almeida responde 15 perguntas feitas por Lúcio Rangel Música dentro da noite; por Fernando Lobo A noite da Velha Guarda Um tipo da Música Popular; por Pérsio de Moraes Antologia da Música Brasileira O Rádio em 30 dias; por Nestor de Holanda Um disco; por Sérgio Porto Estes são raros... Discos do mês JAZZ ( Direção de José Sanz) Gato por Lebre Um disco por mês O jazz e a cultura dos negros; por Nestor R. Ortiz Oderigo Discografia selecionada de jazz tradicional; por Jorge Guinle Notas de jazz

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Número 2 Novembro de 1954 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Aracy de Almeida Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Vassouras Históricas; por Almirante Ping-Pong; Stalislaw Ponte Preta entrevista Manezinho de Araújo Três figuras do samba; por Orestes Barbosa Sete Notas Musicais Sambistas; por Manuel Bandeira O Rádio em 30 dias; por Nestor de Holanda Vamos tocar bem alto; por Cláudio Murilo Estes são raros... A Indumentária Sagrada no Candomblé da Bahia; por Martin Gonçalves Música Popular no clube da crítica Um tipo da Música Popular; por Pérsio de Moraes Aracy: 23 anos de Música Popular Discos do mês Música dentro da noite; por Fernando Lobo Coluna do leitor Noticiário Evaldo Ruy – Nota de falecimento JAZZ ( Direção de José Sanz) Notas sobre jazz O jazz de New Orleans; por Marcelo F. de Miranda Um disco por mês Rock; church; rock; por Arno Bontemps Discografia selecionada de jazz tradicional Como a imprensa se referiu ao aparecimento da revista de Música Popular Continental (lançamentos de discos)

138

Número 3 Dezembro de 1954 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Carmem Miranda Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Ernesto Nazaré; Conferência de Mário de Andrade de 1926 Nonô; oração de corpo presente; por Ary Barroso Três bahianos na vida de Carmem Miranda; por Armando Pacheco Escreve o leitor Batalha no Largo do Machado; por Rubem Braga. Discos do mês Noel Rosa; o cantor mais expressivo da música popular carioca; por Jota Efegê Discografia completa de Francisco Alves; organizada por Sílvio Túlio Cardoso. Estes são raros... O alvorecer da música do povo carioca; por Mariza Lira Antologia da Música Brasileira Música dentro da noite; por Fernando Lobo Um tipo da música popular O rádio em 30 dias Esse Rio moleque é um show JAZZ ( Direção de José Sanz) Temas do folklore afroamericano O trem Lead Belly (arquivo humano do cancioneiro afroamericano; por Nestor R. Ortiz Oderigo. O jazz de New Orleans; por Marcelo F. de Miranda Um disco por mês Os fatores essenciais da música de jazz; por Jorge Guinle Como a imprensa se referiu ao aparecimento da Revista de Música Popular Continental (lançamentos de discos)

139

Número 4 Janeiro de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente Pérsio de Moraes Capa: Dorival Caymmi Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Dorival Caymmi fala sobre pintura, literatura e música; entrevista de Paulo Mendes Campos. Sete Notas Musicais; por Emmanuel Vão Gogo (Seção de folclore) Sobrevivência portuguesa; por Luís Cosme Quando Chico Alves era turista; por Haroldo Barbosa História Social da Música Popular Carioca; por Marisa Lira Os novos trovadores Estes são raros... Um tipo da Música Popular Discos do mês Recordando Minona Carneiro; por Jarbas Mello Música dentro da noite; por Fernando Lobo Onde mora o samba. A escola de samba da Portela; por Cláudio Murilo Sobre a R. M. P. (Revista da Música Popular Brasileira); por Fauck Savi Discografia completa de Francisco Alves; organizada por Sílvio Túlio Cardoso. Vicente Celestino, cantor e canastrão; por José Guilherme Mendes Estou muito satisfeito; madame; crônica de Bororó O rádio em 30 dias JAZZ ( Direção de José Sanz) Dictionnaire du jazz Retrato de Fats walker; por Santa Rosa King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr. Notas de jazz Zutty escolhe Escreve o leitor Discos da Continental

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Número 5 Fevereiro de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente Pérsio de Moraes Capa: Elizeth Cardoso Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Variações sobre o baião; por Guerra Peixe Mestre Ismael Silva; por Vinícius de Morais História Social da Música Popular Carioca; por Marisa Lira Ritmos carnavalescos Um pouco de recordação; por Jarbas Mello Gafieiras; de Armando Pacheco Philliipe-Gerard: o brasileiro mais cantado em Paris; por Nice Figueiredo Discos do mês; por Lúcio Rangel Música dentro da noite; por Fernando Lobo Um tipo da Música Popular;- Conversa de Botequim -; por Pérsio de Moraes O condutor de bonde; por Jota Efegê Este é raro... Discografia completa de Francisco Alves; organizada por Sílvio Túlio Cardoso. O Rádio em 30 dias; por Nestor de Holanda Noticiário JAZZ ( Direção de José Sanz) Apoio a um projeto O muito vivo Mr. Pitman Os 50 músicos que influenciaram o jazz King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr. Um disco por mês Respondendo ao leitor

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Número 6 Abril de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente Pérsio de Moraes Capa: Inezita Barroso Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Origem do fado; por Mário de Andrade O adeus da Juriti; por Viriato Corrêa Do folklore afrobahiano: a capoeira; por Nestor R. Ortiz Oderigo Estes são raros... Penaforte, um valsista célebre; e Onestaldo de Pennafort Curandeiros, feiticeiros, bruxos e médicos; por Luísa Barreto Leite João de Barro; por Sérgio Porto Música dentro da noite; por Fernando Lobo Catulo; letrista; por Jarbas Mello O rádio em 30 dias Um tipo da Música Popular- Seu Oscar - ; por Pérsio de Moraes Discos do mês História Social da Música Popular Carioca; por Marisa Lira A influência do étnico em nossa música popular Uma figura - Dorival Caymmi; por Rubem Braga Noticiário JAZZ ( Direção de José Sanz) Um italiano e o jazz King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr. Um disco por mês Dicionário de marcas de discos Respondendo ao leitor

142

Número 7 Junho de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente Pérsio de Moraes Capa: Velha Guarda Número de páginas: 50 Editorial A propósito de um samba popular; por Clemente Neto Música (demasiado popular); Emmanuel Vão Gogo Folcmúsica e música popular brasileira; por Cruz Cordeiro Este é raro... São João no populário brasileiro; por Jarbas Mello Inezita Barroso, por Thalma de Oliveira Discos do mês Os independentes da Gávea, por Vinícius de Morais Histórias musicais (Música dentro da noite); por Norberto Lobo O Festival da Velha Guarda, por Assis Brandão Um tipo da música popular: O sambista inédito Discografia mensal da indústria brasileira, por Cruz Cordeiro História Social da Música Popular Carioca - a influência ameríndia; por Marisa Lira Noticiário Discografia completa de Mário Reis Folk música e música popular JAZZ ( Direção de José Sanz) Jazz & champanhote ou o colibri e a flor King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr. Respondendo ao leitor

143

Número 8 Julho / Agosto de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Extra: A morte de Carmem Miranda Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Revista especial dedicada à vida de Carmem Miranda

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Número 9 Setembro de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Sílvio Caldas Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Modinha, por Luís Cosme Porto Alegre, zero grau: Lupiscínio Rodrigues; por Irineu Garcia Decadência; por Ary Barroso Música dentro da noite - Paris, meu pecado - ; por Fernando Lobo História Social da Música Popular Carioca: - A contribuição do negro - ritmo; por Marisa Lira Estes são raros... Festas da Penha: prelúdio de Carnaval; por Jota Efegê Disco do mês Discografia completa de Francisco Alves, por Enecê Musicoterapia; por Lourdes Caldas Marcelo Tupinambá; por Duprat Fiúza Um tipo da Música Popular - Onde está a honestidade?; por Pérsio de Moraes Discografia mensal da indústria brasileira, por Cruz Cordeiro JAZZ ( Direção de José Sanz) Hear me talkin’ to ya Olga James King Oliver e a “creole jazz band”; por Frederic Ramsey Jr. Dicionário de marcas de discos Respondendo ao leitor

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Número 10 Outubro de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Jacob Bittencourt Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Ovale, o seresteiro; por Mário Cabral O samba na literatura: Risoleta, trêfega e vaporosa, por Jota Efegê Estes são raros... História Social da Música Popular Carioca - A música das senzalas; por Marisa Lira Música dentro da noite; por Fernando Lobo Teatro Folclórico Brasileiro; por Cruz Cordeiro Noticiário Discografia completa de Jacob Bittencourt; por Sérgio Porto A ascensão de Gershin, por Sérgio Barcellos Ai, saudade matadeira; por Jarbas Melo Um tipo da Música Popular - Maria Maluca; por Pérsio de Moraes Discos do mês Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda) O problema do jazz New Orleans memories de Jelly Roll Morton Jazz no Copa, não, no Municipal Respondendo ao leitor

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Número 11 Novembro/ Dezembro de 1955 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Leny Eversong Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Erotilde de Campos: traços da vida do autor de Ave Maria; por Duprat Fiúza Noel Rosa, letrista; por Jarbas Melo Choro; por Rubem Braga Problemas dum show folclórico; por Cruz Cordeiro Bolero; conto de Homero Homem Estes são raros Um tipo da Música Popular - Palhaço de Natal; por Pérsio de Moraes Música dentro da noite, por Fernando Lobo Pixinguinha; por Paulo Pereira Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro Discografia completa de Jacob Bittencourt; por Sérgio Porto Dicionário de marcas de discos, por Sylvio Túlio Cardoso JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda) Os blues Um disco por mês New Orleans de hoje, por Eugene Willians Respondendo ao leitor

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Número 12 Abril de 1956 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Dircinha Batista Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Orfeu da Conceição, por Brasílio Itiberê Notas e fragmentos de velhas canções portuguesas; por Celso Cunha Literatura de violão; por Manuel Bandeira História Social da Música Popular Carioca - A modinha; por Marisa Lira Música dentro da noite - Carnaval sem crítica; por Fernando Lobo Noel, poeta de outro mundo; por Jacy Pacheco Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro Pastoris Pernambucanos; por Jarbas Melo Um tipo da Música Popular - O folião; por Pérsio de Moraes Onde nasce o samba: Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira; por Cláudio Murilo Música concreta, revolução musical; por Sílvio Autuori - Pierre Gujon JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda) Os blues Um disco por mês New Orleans de hoje, por Eugene Willians Respondendo ao leitor

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Número 13 Junho de 1956 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Marília Batista Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial Este é raro A mais recente elegia do pintor Emiliano à terra carioca Noel Rosa foi grande, mesmo sem parceiros; por Almirante Um tipo da Música Popular - Kid Pepe de volta; por Pérsio de Moraes Parabéns pra você. Carta a Lúcio Rangel por Brasílio Itiberê Música dentro da noite; por Fernando Lobo Discografia completa de Orlando Silva; por Enecê Os rumos da música popular brasileira; por Haroldo Costa Um tipo da Música Popular - O Correio; por Pérsio de Moraes O caso de Luciano; por Nestor de Holanda As canções bilíngües de música popular brasileira; por Jota Efegê Prêmios literários para 1956 Discografia mensal da indústria brasileira; por Cruz Cordeiro a propósito do melhor trombonista de 1955. História de um músico simples; por João Farias História Social da Música Popular Carioca - A modinha II; por Marisa Lira JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda) Jazz, críticos e estilos Um disco por mês New Orleans de hoje, por Eugene Willians Respondendo ao leitor

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Número 14 Setembro de 1956 Diretor Responsável: Lúcio Rangel Diretor Gerente: Pérsio de Moraes Capa: Orlando Silva Número de páginas: 50 Seções e Artigos – Editorial História Social da Música Popular Carioca - A polca; por Marisa Lira Música dentro da noite - Nacional é a palavra; por Fernando Lobo O circo; por Jarbas Melo Catulo; o trovador do Brasil; por Edigar de Alencar Almirante, a maior patente do rádio; por Mário Faccini Um tipo da Música Popular - Pois é, Ataulfo; por Pérsio de Moraes Os compositores nos roubaram Benedito Discografia completa de Orlando Silva A viagem da folclorista; por Nestor de Holanda Suplemento de discos JAZZ (Direção de Marcelo F. de Miranda) Dizzy Gillespie no Rio Jazz, críticos e estilos New Orleans de hoje, por Eugene Willians The Second line Respondendo ao leitor 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -

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