ACCOUNTABILITY OU PROPAGANDA? A PUBLICIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: ESTUDO DE CASO DO PROGRAMA ESCOLA DE GOVERNO DO GOVERNO DO PARANÁ

July 28, 2017 | Autor: Márcio Carlomagno | Categoria: Accountability, Publicidade, Public Sector Accountability, Accountability and Governance Issues
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III Congresso Consad de Gestão Pública

ACCOUNTABILITY OU PROPAGANDA? A PUBLICIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: ESTUDO DE CASO DO PROGRAMA ESCOLA DE GOVERNO DO GOVERNO DO PARANÁ

Márcio Cunha Carlomagno

Painel 19/074

Participação, transparência e accountability na gestão pública: experiências e questões

ACCOUNTABILITY OU PROPAGANDA? A PUBLICIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: ESTUDO DE CASO DO PROGRAMA ESCOLA DE GOVERNO DO GOVERNO DO PARANÁ Márcio Cunha Carlomagno

RESUMO Uma das problemáticas enfrentadas pela gestão pública é como tornar transparentes seus atos, divulgando e levando-os ao conhecimento dos cidadãos. Contudo, depara-se com o problema da indistinção entre o princípio da publicidade, estabelecido pela Constituição Federal para a Administração Pública, e a propaganda de Governo. Onde acaba um e começa outro? Tanto a Constituição Nacional quanto as teorias do Estado e as teorias da accountability garantem o direito à informação sobre os atos do governo como um dos princípios estruturantes da democracia, e através da publicidade estatal esse direito se efetiva. No entanto, existem diferenças entre a publicização, o processo de tornar algo público, e a propaganda – tomada por indefinições conceituais como sinônimo para a “publicidade” constante na Constituição – enquanto promoção das realizações do governo de modo a promover também seus realizadores. Com o pretexto de publicizar seus atos, faz-se propaganda. Defende-se que não é possível existir publicidade neutra, que não promova o governo de plantão, e que, portanto, não existem propósitos para um governo realizar publicidade comercial que não seja promover a si mesmo. O governo deve prescindir de fazer propaganda. A partir de alguns alicerces teóricos se faz uma análise de case do programa “Escola de Governo”, do Governo do Paraná, reunião semanal do secretariado estadual, transmitido pela TV Educativa do Paraná, e comandado pelo governador Roberto Requião. Nele, o governador e os secretários de estado apresentam ações do governo, fazem balanços, prestam contas sobre as ações e programas governamentais, discutem propostas, e discorrem sobre temas contemporâneos. O estudo também analisa o contexto comunicacional no qual o programa nasce e se insere, que é o de corte de investimentos nos meios de comunicação privados e o fortalecimento da rede estatal como promotora da comunicação pública. A accountability, princípio pelo qual o governo é controlado pela sociedade, garante que os governantes devem reportar-se aos cidadãos, mas exige mais do que mera informação; exige justificativa sobre as ações do governo. A publicidade comercial só garante informação, mas a Escola de Governo promove, além de informação substancial, a explicação sobre as informações. Contudo, acusa-se a Escola de Governo de ser um campo de promoção das idéias e posições do governo e do governador. O papel personalista exercido pelo governador Roberto Requião reforça essas acusações. Conclui-se que a reunião da Escola de Governo é um modo de promover transparência e accountability, abandonando o modelo de publicidade comercial, no entanto, ao mesmo tempo, promove a imagem pessoal do governador. Não teria como deixar de ser assim. Do mesmo modo que a publicidade tradicional também o faz. Pela própria natureza dos conceitos, não é possível estabelecer um

critério imperativo para essa separação. Apesar dos vícios existentes na conjuntura, e dos aspectos que ainda podem ser aprimorados, é uma contribuição valorosa para o processo de accountability e para a democracia. Palavras-chave: Accountability. Propaganda. Publicização. Publicidade. Escola de Governo. Requião. Comunicação Pública. "A luz do sol é o mais poderoso dos detergentes." Hugo Black, juiz da Suprema Corte dos EUA.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 04 2 A ESCOLA DE GOVERNO: O QUE É.................................................................... 05 3 ACCOUNTABILITY: CONCEITOS.......................................................................... 07 4 DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS............................................................................ 10 4.1 Transparência e publicidade na Constituição Federal e na Teoria do Estado..... 10 4.2 A publicidade oficial............................................................................................. 11 5 PUBLICIDADE, PROPAGANDA E UM OUTRO TERMO....................................... 13 5.1 Conceitos e indistinções...................................................................................... 13 5.2 Publicização......................................................................................................... 14 6 SOBRE A PROPAGANDA ESTATAL..................................................................... 15 6.1 Neutralidade da publicidade................................................................................. 15 6.2 (Não) Propósitos da propaganda estatal............................................................. 16 6.3 Apropriação da comunicação estatal................................................................... 17 7 ESCOLA DE GOVERNO: PROMOÇÃO DA ACCOUNTABILITY........................... 19 8 ESCOLA DE GOVERNO: CARACTERÍSTICAS DE PROPAGANDA.................... 22 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 24 10 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 25

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1 INTRODUÇÃO

Em uma sociedade marcada pela alcunha de era da informação, este precioso bem básico – informação – é essencial quando se trata de discutir as políticas governamentais e a própria democracia. O Governo do Paraná criou, em uma iniciativa inédita no Brasil, uma reunião semanal do alto escalão do governo, batizada Escola de Governo, que inclui governador, secretários e equipe administrativa, e é transmitida ao vivo pela televisão pública do estado, para promover a transparência de suas ações. Concomitantemente, a iniciativa é vista por alguns setores como um meio de autopromoção, do governo e da imagem do próprio governador. Mas como mostrar suas ações, sem implicar promoção? Existem limites entre a publicidade dos atos e a promoção pessoal? A transparência pública é campo obrigatório para a democracia, mas a publicidade comercial é campo fértil para a controvérsia. A iniciativa do governo do Paraná se insere dentro de controvérsias sobre o dever e o papel do Estado em relação à comunicação. Este estudo tem como objetivo analisar o projeto Escola de Governo, do governo do Paraná, à luz de algumas abordagens e implicações teóricas, e situado dentro da conjuntura na qual se apresenta. Para isso, adota-se como metodologia uma revisão teórica dos pressupostos nos quais se alicerçam a controvérsia entre propaganda e accountability – princípio que exige a transparência dos atos do governo – e a reflexão e análise do objeto realizada a partir desses alicerces. Também se vai situar e discutir a conjuntura que permeia a criação da Escola de Governo – que é a de corte de investimentos públicos nos meios de comunicação privados e fortalecimento da rede estatal. O estudo se justifica pela inovação da proposta da Escola de Governo e pelos avanços que ela traz para a construção da democracia e promoção da accountability, mas também pelas controvérsias por ela geradas, assim como a importância de se entender e discutir o papel da política estatal para a comunicação pública.

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2 A ESCOLA DE GOVERNO: O QUE É

A Escola de Governo1 consiste em uma reunião semanal do secretariado e do alto escalão do Governo do Estado do Paraná, presidida pelo governador do estado Roberto Requião, e transmitida ao vivo pela TV e rádio Paraná Educativa, rede pública do estado do Paraná, autarquia do governo do estado. Assim, é também um programa existente na grade horária da rede Paraná Educativa, geralmente com uma hora e meia a duas horas de duração, aproximadamente. A reunião semanal é realizada desde o início do mandato do governador

Roberto

Requião

no

período

2003-2006,

e

permanece

na

continuidade de sua gestão, no período 2007-2010. Reunidos no auditório do Museu Oscar Niemayer em Curitiba, participam da reunião a equipe do governador, secretários de estado, assessores, integrantes do governo do 1o e 2o escalão, representantes de entidades civis, e convidados. O programa foi criado por iniciativa do governador Roberto Requião como forma de divulgar as ações do governo do estado para a população, e tem por objetivos a apresentação de projetos, obras, e ações das secretarias estaduais. Ele serve também para explicar as atividades e ações das secretarias, longamente e em detalhes, assim como os resultados de programas do governo. O governador pessoalmente comanda a reunião; o secretário, técnico ou pessoa encarregada, geralmente em uma tribuna, apresenta as ações e discorre sobre elas. O governador faz intervenções, sempre pontuando sua visão sobre as ações do governo. Nessas reuniões não é incomum a participação de pessoas ligadas a movimentos sociais que são convidadas a falarem sobre o tema em pauta, assim como palestrantes que versam sobre determinado tema; no entanto, o que prevalece é a pauta política. Durante a reunião o governador assina contratos licitados, estabelece parcerias com prefeituras (nessas ocasiões os prefeitos são convidados a comparecer), mostra resultados de projetos realizados, apresenta propostas de projetos a serem viabilizados, expõe problemas e entraves da gestão para justificar o andamento de determinados programas, assim como uma série de ações na mesma linha, a fim de 1

Existe um programa homônimo, ligado à secretaria de administração, de capacitação do funcionalismo público do estado do Paraná, também denominado Escola de Governo. Ambos estão inseridos nas iniciativas do governo estadual de promover a eficiência administrativa, mas suas ligações formais se restringem a isso.

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promover a transparência dos atos do governo. O governador também discorre sobre assuntos diversos e contemporâneos à época, que estejam em voga na opinião pública. O governador dá um tom despojado à sua fala, se permitindo fazer brincadeiras e comentários jocosos com os secretários, o que estabelece um clima de naturalidade à reunião. Ele também dialoga com os interlocutores em tom informal, muitas vezes pedindo que tomem determinadas ações, verifiquem determinado dado, e faz cobranças aos secretários, publicamente, essas as ações. Característica marcante dessas reuniões são as intervenções e as falas do governador, que não se abstém em opinar sobre os rumos que considera adequado a tomar e a nominar adversários, de interesses contrários ao que considera os interesses do estado – o que já lhe rendeu polêmicas e processos. Também não se furta a responder publicamente, durante a reunião, às críticas que eventualmente sofre, sobretudo da mídia jornalística estadual, e a tecer críticas a estas. Vinculada à Casa Civil, a organização da reunião é incumbência do Cerimonial do Governo, mas a pauta é definida pela Chefia de Gabinete do governo de acordo com as demandas que chegam. A organização para a transmissão é responsabilidade da rede Paraná Educativa. Oficialmente, sua transmissão não é a finalidade, mas o meio de promover a transparência – a finalidade é a reunião de governo em si. A criação e inicio da transmissão da Escola de Governo nasce no contexto em que o governo do Paraná, na gestão Requião, cortou radicalmente os gastos com publicidade paga nos meios de comunicação privados2, relegando esta verba apenas ao mínimo necessário para campanhas de cunho social. O fortalecimento da Paraná Educativa – em diversas áreas, como o jornalismo – se dá, segundo o próprio governador Roberto Requião3, como uma estratégia para se comunicar diretamente com a população sem a necessidade da mídia empresarial.

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Segundo dados do governo do Paraná, em todo período entre 2007 e 2009 foram dedicados apenas R$ 20,3 milhões à área de comunicação social. 3 Entrevista concedida em janeiro de 2008. Disponível em: http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=34595

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3 ACCOUNTABILITY: CONCEITOS

Não existe tradução precisa ou adequada do termo accountability para o português, apesar de alguns autores adotarem os termos responsividade ou responsabilização, o que convencionou o seu uso na língua inglesa. A accountability é o princípio pelo qual os governos são controlados pela sociedade; para isso devem reportar-se aos cidadãos, prestar contas de seus atos, e sofrer as sanções eventualmente impostas. Miguel (2005) sintetiza que a accountability “se refere ao controle que os poderes estabelecidos exercem uns sobre os outros (accountabilty horizontal), mas, sobretudo, à necessidade que os representantes têm de prestar contas e submeter-se ao veredicto da população (accountability vertical).” A

necessidade

de

controle

sobre

os

indivíduos

delegados

à

representação baseia-se no pressuposto hobbesiano de que o homem, mau, deixado sem controle tenderia a abusos, o que pode ser percebido no escrito de Madison: Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governo. Se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos do governo. Ao constituir-se um governo – integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens – a grande dificuldade está em que se deve, primeiro, habilitar o governante a controlar o governando, e, depois, obrigá-lo a controlar a si mesmo. A dependência em relação ao povo é, sem dúvida, o principal controle sobre o governo, mas a experiência nos ensinou que há necessidade de precauções suplementares. (MADISON, 2006)

Conforme apresentado por Schedler apud Horochovski (2008), existem duas dimensões da accountability, que a constituem como um todo: answerability e enforcement. Answerability é a capacidade de resposta dos governos, a obrigação que os agentes públicos têm de informar e explicar seus atos. Enforcement refere-se à capacidade das agências de accountability de impor sanções aos agentes que violem os deveres públicos, ou seja, diz respeito essencialmente à punição. Peruzzotti & Smulovitz (2000) definem que “Accountability refere-se à capacidade de garantir que os funcionários públicos sejam answerable (responsáveis) por seu comportamento, no sentido de serem obrigados a informar e justificar sobre suas decisões e, eventualmente, de serem punidos por essas decisões.” (tradução livre) Nessa definição constam as duas dimensões de answerability e enforcement, com destaque para um elemento em especial da answerability: é importante ingrediente o

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fator justificativa. Não basta informar, é necessário explicar as decisões tomadas, o que pressupõe uma concepção dialógica. O princípio da accountability passa, invariavelmente, pela questão da transparência e da publicidade, mas não se resume a mero prestar de contas previsto pela burocracia legal; pressupõe diálogo. Sobre este campo retomaremos, adiante, a análise do objeto em estudo, a Escola de Governo. A accountability pode ser exercida em duas esferas, denominadas vertical e horizontal. A essas duas esferas tradicionais se acrescentou uma terceira esfera, a accountability social. A accountability vertical é exercida na relação entre o cidadão e o representante eleito. Segundo definição de O’Donnel apud Horochovski (2008) “Os mecanismos verticais são aqueles que possibilitam o controle dos agentes públicos pelos cidadãos em geral”. A forma de controle mais básica em que o cidadão exerce poder e impõe sanções aos agentes públicos é a eleição, em que, com o voto, conduz ou retira os representantes de seus cargos. Informação é a chave para esta tomada de decisão, e o responsável por fornecer a informação é, muitas vezes, o representante político com interesses em fornecer ou não tais informações. Manin, Przeworski & Stokes (2006) tecem uma crítica à insuficiência do voto como mecanismo de controle e accountability, justamente pelo, entre outros argumentos, déficit informacional existente para os eleitores. Os autores argumentam que “a prestação de contas não é suficiente para induzir a representação quando os eleitores têm informações incompletas” e que “as eleições são inerentemente um instrumento nada acurado de controle.”. Apesar das críticas, o voto ainda é considerado o principal momento em que o cidadão pode impor sanções no processo da accountability. A accountability horizontal, pela qual se passará brevemente por não tocar no objeto desse estudo, se baseia no mecanismo de checks and balances (freios e contrapesos) que preconiza a necessidade dos poderes, ao mesmo tempo em que são autônomos, exercerem controle mútuo uns sobre os outros. A fiscalização mútua e recíproca das instituições do Estado sobre si, lastreada no princípio da compensação de ambições, em que “a ambição deve ser usada para neutralizar a ambição” (MADISON, 2006), garante a eventual sanção por delitos políticos. A sanção a partir dos mecanismos horizontais, judiciário e legislativo, é o

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único meio de sanção formal (leia-se destituição do cargo) possível, de acordo com as leis brasileiras, durante a vigência do mandato eletivo. A terceira esfera de accountability, rejeitada por alguns autores, é a accountability social, que, segundo Peruzzotti & Smulovitz (2000), é um mecanismo não-eleitoral apesar poder ser caracterizado como vertical, à medida que o seu eixo de funcionamento é externo ao Estado – o que leva autores como O’Donnel a considerá-lo integrante dos mecanismos verticais. Peruzzotti & Smulovitz (2000) diferenciam o mecanismo vertical, exercido por cidadãos não-organizados, predominantemente eleitoral, do societal, pois este assenta-se em mecanismos organizados. Conforme argumentam, o mecanismo social “se baseia em setores organizados da sociedade e em instituições de mídia interessadas e capazes de exercer influência sobre o sistema político” (tradução livre). Compreende, desse modo, ONGs, movimentos sociais, associações civis e a mídia. Apontam ainda que a accountability social pode ser exercida sem necessitar calendários fixos e, diferentemente das outras esferas, não necessita mandato ou requisitos legais. Essa instância exerce, sobretudo, funções de vigilância, e funciona como ativador dos outros mecanismos de accountability. Nisso reside a maior crítica a este mecanismo, pois não detém o poder de impor sanções formais. No entanto, como defendem Peruzzotti & Smulovitz (2000) “as sanções que eles aplicam são – na maioria dos casos – não formais, mas simbólicas” (tradução livre). Por entender que a sanção simbólica – referente à reputação – também é uma sanção (principalmente quando da reputação, ao menos em parte, dependem os políticos para sua eleição), é salutar a separação proposta pelos mecanismos societais. No entanto, é importante deixar claro o papel da mídia nesse jogo. Conforme adverte Miguel (2005) sobre a postura não isenta da mídia: O pluralismo dos meios de informação é limitado, seja pelos constrangimentos profissionais, seja pela pressão uniformizadora da concorrência mercantil; ou, ainda mais importante, devido aos interesses comuns dos proprietários das empresas de comunicação de massa, que, aliás, formam um mercado cada vez mais concentrado.

Ou seja, a mídia exerce papel duplo, ainda que seja um mecanismo de controle sobre o poder, e contribua para esse controle, ela também tem interesses inseridos dentro do poder, sendo ideologicamente orientada.

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4 DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS

4.1 Transparência e publicidade na Constituição Federal e na Teoria do Estado

A transparência dos atos do governo é um elemento central em toda a questão democrática. A publicidade (no sentido de tornar público) é o meio pelo qual se efetiva a transparência. O texto da carta magna nacional, a Constituição Federal, preconiza os princípios pelos quais deve ser regida a administração pública. O texto do artigo 37 determina: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Aqui, nos deteremos sobre o quarto item enunciado, o princípio da publicidade. Sobre este, anota o texto do mesmo artigo em seu primeiro parágrafo: o

§ 1 – A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Deste modo, procura-se estabelecer que os atos do governo sejam públicos e, concomitantemente atendendo ao princípio da impessoalidade, não contenham referências que promovam os governantes em si. O direito do cidadão à informação também se assenta sobre o inciso XXXIII do artigo 5o da Constituição, que anota: XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A Constituição apenas normatiza um princípio já estabelecido como uma das bases estruturantes da Democracia e do Estado de Direito. A concepção do direito do cidadão à informação, através da publicidade dos atos de governo, fundamenta-se nas teorias da democracia. Noberto Bobbio (2000) define que “o governo da democracia é o governo do poder público em público.” O jogo de palavras enunciado por Bobbio refere-se às duas acepções de público, enquanto oposição a privado, e no sentido de evidente, visível. Bobbio (2000) argumenta:

11 Que todas as decisões e mais em geral os atos dos governantes devam ser conhecidos pelo povo soberano sempre foi considerado um dos eixos do regime democrático, definido como o governo direto do povo ou controlado pelo povo. E como poderia ser controlado se estivesse escondido?.

A questão da transparência não se refere apenas à possibilidade de controle pelos cidadãos, mas à legitimação da própria definição do que é a representação política exercida pelos eleitos em nome dos eleitores. Citando Carl Schmitt, Bobbio expõe: Representar significa tornar visível e tornar presente um ser invisível mediante um ser publicamente presente. [...] A representação apenas pode ocorrer na esfera da publicidade. Não existe nenhuma representação que se desenvolva em segredo ou a portas fechadas. (CARL SCHMITT apud BOBBIO, 2000).

Assim, a transparência dos atos de poder se constitui como um dos princípios que formam a própria democracia e o Estado de Direito. No entanto, existem diferentes interpretações possíveis para a palavra “publicidade” constante na Constituição. Dar publicidade, enquanto ato de tornar público, ou fazer publicidade, enquanto ato propagandístico. Como exposto, dar publicidade de seus atos é imprescindível para o exercício da democracia, contudo, como será tratado adiante, o fazer publicitário contemporâneo vai além do simples tornar público, transformando-se o meio, a publicidade, em objeto per se.

4.2 A Publicidade oficial

A publicidade oficial, no Brasil, é prevista conforme as bases legais já expostas, contudo não há regulamentação adicional nem maiores pormenores para sua aplicação. A expressão “publicidade oficial”, também chamada imprensa oficial, comumente refere-se àquela parcela da publicidade governamental destinada à divulgação oficial dos atos de governo, para que possam gerar efeitos jurídicos, tal como nomeações e demissões, editais de concorrência pública, concursos etc. Os atos oficiais de governo só têm validade jurídica após sua publicação, que se dá através do Diário Oficial, tanto nas esferas federal, estadual e municipal. Contudo, toda publicidade realizada pelo Estado é “oficial”, e, portanto, a publicidade paga veiculada em mídia privada também é considerada “publicidade

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oficial”, não havendo, no direito ou na legislação, diferenciação no tratamento de ambas. Desde modo, pode-se interpretar a partir do termo “publicidade” na Constituição tanto que a publicidade oficial é meramente a publicação dos atos do governo no Diário Oficial, quanto que o Estado pode (ou mesmo deve) veicular anúncios na mídia corporativa. O uso empírico da expressão publicidade oficial para designar a imprensa oficial já demonstra as diferenças entre a publicidade obrigatória e necessária, e a propaganda de governo. Acredita-se ser fundamental essa distinção, e aqui será adotado o termo publicidade oficial apenas para designar esta tipologia de publicidade, enquanto o termo publicidade designa a publicidade paga comercial.

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5 PUBLICIDADE, PROPAGANDA E Um OUTRO TERMO

5.1 Conceitos e indistinções

Tradicionalmente, sobretudo no Brasil, existe uma indistinção teórica a respeito dos conceitos de publicidade e propaganda, usados muitas vezes como sinônimos. Como Pinho (1990) aponta, “as definições de publicidade e de propaganda envolvem profundas contradições”. Citando Rabaça e Barbosa aponta a interpretação comumente mais usada: Em geral, não se fala em publicidade com relação à comunicação persuasiva de idéias (nesse sentido propaganda é mais abrangente, pois inclui objetivos ideológicos, comerciais etc); por outro lado, a publicidade mostra-se mais abrangente no sentido de divulgação (tornar público, informar, sem que isso implique necessariamente em persuasão (RABAÇA & BARBOSA apud PINHO, 1990)

No entanto, diversos autores apresentam concepções distintas, ligando a publicidade à técnica de promoção e vendas de produtos. Pinho demonstra que a publicidade, que inicialmente designava o ato de divulgar, tornar público, ganhou – ao longo da história e sobretudo a partir da Revolução Industrial – contornos de persuasão, deixando em segundo plano o sentido informativo. Hoje o termo publicidade é comumente empregado para designar a venda de produtos e o despertar do desejo de compra, em sentido comercial. Já propaganda (do latim propagare, propagar), devido ao seu uso pela Igreja Católica no século XVII na Congregatio de Propaganda Fide (Congregação de Propagação da Fé), impregnou-se de sentido institucional, de propagação de idéias, valores, ideologia etc. No entanto, contemporaneamente, o termo propaganda também passou a ser usado no sentido comercial, usado para designar inclusive a peça publicitária em si, a propaganda, contribuindo para a indistinção conceitual dos termos propaganda e publicidade. Bobbio (1998) define propaganda como ato persuasivo: difusão deliberada e sistemática de mensagens [...] visando a criar uma imagem positiva ou negativa de determinados fenômenos e a estimular determinados comportamentos. A Propaganda é, pois, um esforço consciente e sistemático destinado a influenciar as opiniões e ações de um certo público ou de uma sociedade total.

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No plano da sociologia do direito, Castro (1979), de forma semelhante a Bobbio, define a propaganda como “técnica que consiste em controlar as atitudes e visa propiciar um clima de necessidades, levando os indivíduos a satisfazê-las de acordo com o que lhes é sugerido” e ressalta como característica fundamental que “a propaganda não admite diálogo”, não aceitando esta a opção de julgamento contrário ao apresentado. Ainda Bobbio (1998), procurando definir as características da propaganda, descreve que esta é deformada e parcial, e adota uma postura de verdade frente a determinado ponto, não estando disposta a discussão: A informação nunca é apresentada em toda a sua inteireza, contendo sempre um elemento de valor bastante acentuado, geralmente assinalado pela presença de adjetivos "fortes"; ao mesmo tempo, os argumentos eventualmente contrários, ou são ignorados, ou ridicularizados, ou tratados como irrelevantes, mas sem nunca se entrar na sua essência.

Em síntese, modernamente a publicidade e a propaganda se misturam, gerando uma indiferenciação dos limites de cada uma. Independentemente do que seja, ou da postura teórica que se adote, o amalgama de definições gerado abre espaço para interpretações – e mais: ações – no sentido de que seja juridicamente legal governos fazerem propaganda, o que proporciona brechas para a malversação do uso da publicidade estatal.

5.2 Publicização

Devido aos problemas conceituais expostos, adotar-se-á aqui o termo publicização4 para designar o ato de tornar algo público, em sentido amplo. Apesar do termo não estar dicionarizado nem teorizado, a raiz público mais o sufixo do indicativo de agir, que constituem a palavra, indicam a ação de tornar público. Esse conceito é amplo, abrangendo toda e qualquer informação que venha a público (em discursos políticos, entrevistas de governantes etc), e não somente aquela publicada, como pode ser interpretado ante o termo publicidade. É, dessa forma, um termo mais adequado para o setor público, pois contém o significado que no passado o termo publicidade já teve, mas que foi perdido. Assim, esse estudo versa sobre o tornar público na esfera pública, seja em forma de publicidade ou propaganda, sem recair em confusões conceituais. 4

É importante não confundir o uso aqui empregado com termo homônimo usado no direito para designar a forma de desestatização na qual as organizações sociais assumem as funções das entidades públicas.

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6 SOBRE A PROPAGANDA ESTATAL

6.1 Neutralidade da publicidade

Conforme Bakhtin (2006) apresenta em sua filosofia da linguagem, os objetos não existem em si, estão inseridos dentro de um sistema ideológico de símbolos e representações. Um signo (imagem, palavra, escrita, som, objeto etc) fora de sua realidade não seria passível de ser reconhecido ou compreendido. Para Bakhtin (2006), a compreensão só existe devido à realidade na qual o objeto está inserido e, portanto, não se pode falar de nada fora de seu sistema de representações, pois logo perderia a sua própria definição. Desse modo, também não se pode falar em neutralidade, característica do que não tem ideologia ou é desprovido de posicionamento. A publicidade também não pode se querer neutra, uma vez que é concebida e está inserida dentro dessa rede de significações, tanto dos emissores quanto de seus receptores. Versando sobre a imputabilidade dos sujeitos enquanto agentes de Estado, Hans Kelsen (2005) formula o pensamento que pode ser expandido para esta tese: “Falar das obrigações e direitos do Estado não quer dizer que algum ser, que existe separadamente dos indivíduos humanos, “tem” essas obrigações e deveres.” O que Kelsen diz é que não existe Estado em si, separado de seus agentes, e só através dos indivíduos ele pode se efetivar. Interpretando Kelsen, pode-se afirmar que, assim como não pode existir delito de Estado, mas do agente que age em nome dele, não há como existir uma publicidade de Estado, fora do mundo e contexto no qual estão inseridos, e, portanto, que não se constitua promoção pessoal de determinado governante. Desde modo, ainda que a constituição proíba a utilização de “nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal”, tal designação é mesmo impossível de ser cumprida, uma vez que: a) não existe Estado sem seus governantes e agentes; b) tudo se constitui como símbolo; c) ainda que seja implícito e indireto, sempre haverá uma promoção pessoal do realizador da obra, visto que as relações semióticas operam por mecanismos subjetivos demais para a normatização jurídica.

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Quanto à definição de símbolo, reconhece-se que o terreno é contestável, devido à sua polissemia. Símbolo, como tratado na Constituição, refere-se à questão objetiva e material, enquanto tratado de forma subjetiva pela filosofia. Menos controverso, no entanto, é a promoção angariada. Tome-se, por exemplo, que determinado governo realizou uma propaganda de suas obras, enquadrando-se em todos dispositivos legais. Ainda que a propaganda não mencione o governante, o receptor (aquele a quem se destina a publicidade) está inserido em um universo no qual tem conhecimento que o governo X é do governante Y. Logo, ainda que indireto, há promoção pessoal do governante ao ser realizada a publicidade de seu governo – recurso que é fartamente usado pelos governantes.

6.2 (Não) Propósitos da propaganda estatal

A publicidade (ou propaganda) de e no governo, constitui, a partir do modo como foi apresentada até aqui, uma problemática por sua indistinção entre os limites da publicidade estatal e da propaganda pessoal. Eugênio Bucci (2008) argumenta que existe uma separação entre as informações que o governo tem o dever de tornar públicas, que, para ele, fluem através dos meios jornalísticos, e a publicidade de governo, localizada na esfera da publicidade paga. Ainda que contenha conteúdo informativo, o que atenderia ao dispositivo constitucional, o problema se deve à própria natureza persuasiva do discurso publicitário. Bucci (2008) exemplifica essa prática com uma questão indiscreta: Tome-se, por exemplo, uma propaganda de governo que supostamente alerta o público para os riscos da Aids e pergunte-se: sua finalidade é proteger aqueles que podem estar expostos ao contágio ou é convencer os que estão menos expostos ao contágio de que o governo é tão magnânimo, humano e solícito que cuida de perto da saúde do povo?

Para Bucci (2008), e consoante ao que se expôs sobre a neutralidade da publicidade, toda publicidade de governo não tem como deixar de ser, ao fim, a promoção das causas e do próprio governante. Devido a isso, sintetiza pensamento em linha também defendida pelo signatário: Para ‘publicizar’ seu trabalho, os governos usam dinheiro público na compra de espaço publicitário a toda hora. [...] a democracia deve prescindir desse tipo de custo; o que interessa ao cidadão é que lhe seja assegurado o acesso às informações de seu direito e de seu interesse sobre a gestão pública e, para isso, ele não precisa de publicidade paga, salvo em circunstancias excepcionais.

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Esse âmbito, da publicidade paga, refere-se às relações entre governo e empresas privadas, e a compra de espaço em meios de comunicação privados. O uso pela publicidade pública dos mesmos mecanismos e recursos (técnicos, narrativos, lingüísticos etc.) da publicidade comercial, não constituindo uma característica própria da publicidade do setor público, evidencia qual o real propósito de tais mensagens. Levando em conta que, salvo exceções (campanhas de orientação social, por exemplo), o dever do Estado ao fazer publicidade é prestar contas e gerar transparência, pode-se fazer uma analogia com a questão levantada por Bucci, e questionar: que contas podem ser prestadas em um comercial de 30 segundos em horário nobre na televisão ou em um anúncio de página inteira em revista/jornal, além de passar a mensagem da eficiência daquela administração? Nesse sentido, se fazem necessários para a publicização efetiva no setor público menos recursos propagandísticos e mais recursos dialógicos, como preconiza o princípio da accountability. Pode-se entender nas ações do governo do Paraná, na gestão analisada, uma posição consoante à exposta – e oposta à prática majoritária – ao notoriamente não investir em publicidade paga nos meios de comunicação privados. A Escola de Governo é um passo importante rumo ao tornar público sem a conotação comercial no uso da propaganda estatal.

6.3 Apropriação da comunicação estatal

O eminente Raymundo Faoro demonstra que, devido às características da formação do Estado brasileiro, este não adquiriu o conceito da “administração burocrática”, fundando-se sob a prática do patrimonialismo (Faoro, 2001). A característica patrimonialista não distingue sociedade e Estado, nem as idéias de público e privado. O Estado patrimonial, uma vez tomado pelo agente político, passava a arcar com seus gastos e custos, e o interesse pessoal de tal agente se transformava em interesse do Estado, configurando assim a apropriação patrimonialista do Estado. Essas características advindas da monarquia no nascimento do Estado brasileiro determinariam, até os dias de hoje, a organização política brasileira. Ainda que os tempos tenham mudado, os traços patrimonialistas teriam permanecido no espírito nacional. Contemporaneamente, pode ser visto, sobretudo na área da comunicação, os resquícios desses traços patrimonialistas, em

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que, como já ensejado, o governante se apropria da publicidade estatal para promover-se, ainda que sob a égide da lei. Nesse contexto característico nacional é importante fazer algumas notas sobre o comportamento antagônico do governo do estado do Paraná. A postura do governo do Paraná frente à publicidade paga e o corte dos investimentos em propaganda sinaliza, à primeira vista, o salutar abandono da postura de apropriação do Estado, de fazer propaganda de si mesmo, de vangloriar-se pelas suas realizações, que caracteriza majoritariamente os governos brasileiros, em todas as esferas de governo. No entanto, concomitantemente, vê-se a ampliação da comunicação estatal por meio da rede pública. O papel da Paraná Educativa na comunicação governamental do governo Roberto Requião vai além do âmbito da Escola de Governo, tomando os intervalos comerciais e os noticiários da emissora. A administração fortaleceu e ampliou a televisão estatal, de modo a construir um contraponto à mídia corporativa. Não se vai entrar aqui, por não ser este o foco deste estudo, no mérito da questão de como a Paraná Educativa veicula, em seus comerciais, publicidade do governo estadual, ou na análise de seu teor, nem nas relações entre governo e o jornalismo favorável ao governo exercido na emissora – material este que renderia um belo estudo à parte. Tais posições são legitimadas pela discussão sobre qual o verdadeiro papel de uma emissora pública: comportarse de modo “neutro”, na mesma linha das empresas privadas, ou assumir a função de promoção das questões públicas de interesse do Estado, e, em conseqüência, da comunicação governamental. A Escola de Governo nasce dentro desse debate sobre o papel de uma emissora pública. Contudo, vale registrar que, ainda que tenha o mérito de não gastar dinheiro público em empresas privadas, a publicidade veiculada nos intervalos comerciais no canal estatal continua sendo publicidade – ainda que esta, ao contrário

das

mensagens

veiculadas

nas

redes

privadas,

distinga-se

esteticamente da formulação comercial da propaganda. E, conforme defendido por Bucci (2008), acredita-se que “(os governos) não deveriam precisar de propaganda de si mesmos”.

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7 ESCOLA DE GOVERNO: PROMOÇÃO DA ACCOUNTABILITY

A accountability é um processo contínuo que é exercido em diversas esferas e momentos, o que impossibilita tratá-la como um conjunto fechado e completo, mas em características e momentos. Como apresentado, ela pressupõe três momentos chave – informação, justificativa, e punição – na relação entre agentes públicos e cidadãos. A publicidade oficial e a publicidade realizada por governos, tal como costumeiramente praticada e garantida pela Constituição, garante (quando garante) somente o primeiro momento, da informação. Acredita-se que

é

no

segundo

momento

que

reside

o

diferencial

da

publicidade

constitucionalmente garantida para o verdadeiro processo de accountability, a explicação das decisões. Como já apresentado, a dimensão da answerability exige que os agentes públicos informem sobre seus atos e os justifiquem, os expliquem, e é sob esse prisma que se entende a Escola de Governo como uma contribuição valorosa ao processo da accountability. A Escola de Governo é essencialmente uma esfera argumentativa. Diferentemente da publicidade paga, que exige restrições em tempo, espaço e linguagem, as ações apresentadas durante a Escola de Governo decorrem por longos períodos de tempo a cada reunião, sem determinação de tempo, com explicações em pormenores das ações. Pode-se dizer, desse modo, que, além de atender a esfera da explicação das ações, a qualidade da informação transmitida é mais substancial. A titulo de exemplo, para melhor compreensão, pode-se citar alguns casos de prestação de contas (e serviços à sociedade) realizados pela Escola de Governo. Balanços de secretarias são comuns. Apenas para ilustrar, em janeiro de 2009 ocorreu uma reunião em que o secretário de planejamento fez um balanço das políticas de desenvolvimento do estado, apresentando os resultados obtidos. Em maio foi a vez da secretaria de saúde fazer balanço semelhante, apresentando as ações desenvolvidas, seus objetivos e resultados. Essas apresentações apóiam-se em dados, números e estatísticas, geralmente apresentados em formato de slides em um telão. Apesar de a pauta positiva prevalecer, também as áreas “sensíveis” ao governo (aquelas atacadas pelos críticos e oposição como sendo ineficientes) são tratadas durante o programa, a exemplo da segurança pública, tema de uma reunião

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de outubro de 2009. A relação com a sociedade como um todo também é mais ampla. A Escola de Governo muitas vezes foge da pauta política para promoção de temas de interesse social. Ocorre, por vezes, de corais de escolas públicas se apresentarem durante reuniões, incentivando assim ações de promoção cultural. Durante o surto da gripe Influenza A (H1N1), em agosto de 2009, um programa foi dedicado a debater o tema, em que o secretário estadual de saúde explicou as implicações, precauções, limites e “mitos” a respeito da nova gripe. Este programa foi considerado, pelo governo, como exemplo da importância da Escola de Governo para a informação à população. As reuniões não são somente de prestação de contas, mas também de anúncios de medidas a ações que estão se iniciando ou sendo planejadas, assim como de debate sobre as ações a serem tomadas. A exemplo de reunião em dezembro de 2009, em que se abriu espaço para discutir a participação dos municípios do Paraná no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Em maio de 2009, o governador Roberto Requião convidou, durante uma das reuniões, os prefeitos do Paraná a mostrarem ações e programas desenvolvidos em suas cidades nas reuniões semanais da Escola de Governo. Intentava assim, tornar a reunião um espaço para a demonstração e compartilhamento das boas práticas governamentais. Apenas um exemplo, que ganhou mais destaque, dos contratos e assinaturas de projetos que costumeiramente são firmados publicamente durante as reuniões, foi em setembro de 2009, em que governador Roberto Requião sancionou, após aprovada pelo legislativo, a lei antifumo estadual durante a reunião da Escola de Governo. Na oportunidade, o governador discorreu sobre os argumentos favoráveis que o levaram a encampar o projeto, e refutou os argumentos contrários à lei. Para seus críticos, intenção de promover seu ponto de vista e de demonstrar serviço. Na impossibilidade humana de se averiguar as intenções do governador pode-se apenas analisar o efeito produzido: transparência dos atos do governo e, além, dos motivos que levaram o governo a adotar tal ato. A respeito de explicações é importante notar o processo de resposta à sociedade, no qual está inserido a Escola de Governo. São notórias as respostas que, na reunião semanal, o governador dá aos noticiários e à imprensa paranaense. Muitas vezes sem medir palavras, o governador, com a veemência que lhe é peculiar, rebate críticas que tenha sofrido e tece suas próprias críticas aos meios de

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comunicação. Entendendo o papel exercido pela imprensa como accountability social, pode-se afirmar que as respostas de Requião são também accountability, vertical, para com os cidadãos. Poderia ele não responder, omitir-se, ignorar, ou uma série ações possíveis, mas, ao optar por rebater as críticas feitas ao governo, ao responder a questões desagradáveis, incômodas, o governador está explicando seus atos, dando satisfações ao cidadão, e gerando transparência. Assim evidenciase como a accountability é um processo contínuo e circular, ela ocorre no momento em que a imprensa tece uma crítica, e no momento em que o governador a rebate, demonstrando capacidade de resposta e justificação para com o cidadão. Desse modo, a Escola de Governo contribui também para criar uma esfera pública de debate, o cenário por onde passam, publicamente, todos os temas relacionados ao governo, incômodos ou não a este. Também vale ressaltar o papel de aproximação do governo à sociedade e aos cidadãos comuns, proporcionado pela Escola de Governo. A Escola de Governo, além de promover transparência sobre as ações do governo, leva o cotidiano governamental para dentro da casa do cidadão, por meio da transmissão televisiva. O cidadão pode acompanhar, semanalmente, as ações, os progressos, o andamento, e os temas em pauta no governo do estado. Assim, o governo abandona a mediação dos meios de comunicação e da imprensa para estabelecer uma relação direta do cidadão com o centro do poder: as decisões e argumentações do governo para tomar tais decisões são apresentadas diretamente, sem intermediários. Baseado nas informações e argumentações expostas o cidadão está munido de informação para tomar seu posicionamento em relação ao governo, a favor ou contra.

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8 ESCOLA DE GOVERNO: CARACTERÍSTICAS DE PROPAGANDA

Apesar dos avanços no campo da accountability, a Escola de Governo também detém traços fundamentalmente ligados à propaganda. Ainda que todo tipo de publicidade gere, por conseqüência, um favorecimento à imagem do governante, a reunião do secretariado paranaense é marcada pelo personalismo do governador Roberto Requião. Ele comanda o programa, faz intervenções e dita a opinião do governo – o que seria natural, por ser o governador. Weber ao estabelecer os fundamentos pelos quais a autoridade se legitima situa o Estado essencialmente no campo da legitimidade legal-racional (ou burocrática), adquirida pelo reconhecimento (e submissão) do cidadão perante a lei e o Estado instituído. Apesar de estar ali em nome do Estado, Requião apresenta papel muito mais próximo da autoridade carismática, que segundo Weber “descansa na entrega extraordinária e na santidade, heroísmo e exemplo de uma pessoa” (WEBER, 1999). Sobre o papel de liderança carismática exercido pelo governador Requião assentam-se as críticas por parte da oposição ao governo e setores da mídia sobre o uso da transmissão da Escola de Governo para promoção pessoal. Poder-se-á argumentar, em resposta, que o governador está exercendo, em uma reunião de secretariado, a liderança própria do seu cargo. No início de 2008, a Escola de Governo ganhou destaque nacional ao ser matéria de uma decisão judicial em que o juiz Edgard Lippmann Júnior, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, proibiu Requião de emitir opiniões e fazer críticas na programação da emissora pública. Segundo a hermenêutica do juiz Lippmann em sua sentença: ...é fato público que o Agravado, Governador do Estado do Paraná, Sr. Roberto Requião é useiro e veseiro em tecer críticas ácidas tanto à imprensa paranaense, políticos desafetos, bem como às instituições públicas, especialmente o Ministério Público e a alguns de seus integrantes, o o não poupando nem a Justiça Federal (1 e 2 graus), quando proferem decisões em desfavor aos interesses do Estado do Paraná.

E a mesma sentença determinava: ...impor ao Agravado, Roberto Requião de Mello e Silva, se abstenha de praticar atos que impliquem em promoção pessoal, ofensas à imprensa, adversários políticos e instituições, com a utilização indevida de qualquer programa, propaganda ou comercial veiculado pela Rádio e TV Educativa do Paraná, especificamente, no programa “Escola de Governo.

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O que se realizou, na prática, foi a suspensão preventiva do direito de expressão do governador por causa, no entendimento do juiz Lippmann, do uso indevido da Escola de Governo para a promoção pessoal do governador. Tal decisão causou polêmica e reações da sociedade civil, frente ao que foi considerado censura. Tal decisão, posteriormente, foi revista e extinta. Segundo as definições de Castro e de Bobbio das características da propaganda, esta não permite o diálogo, não há espaço para respostas. Nesse movimento a Escola de Governo pode ser enxergada sob dois prismas. Ao mesmo tempo em que, junto com outras forças da sociedade, integra um grande conjunto que promove um diálogo da sociedade, ela se manifesta apenas como uma parte desse diálogo. Dentro da reunião não há, na prática, espaços de debate ou abertura para questionamentos; a decisão e a opinião do governo são manifestadas de modo pronto e acabado, tal qual definida a propaganda, que não admite argumentos contrários, sendo estes descartados como “errados”. Entendendo propaganda por propagação de idéias, o que se verifica é, mais do que a simples exposição, a promoção das causas do governo, do ponto de vista do governo. Assim, a Escola de Governo se constitui como um campo de defesa e promoção dos interesses, bandeiras e opiniões do governo e de seus agentes. Campo público, mas exercido de forma monopolística, a que não tem acesso outros setores e agentes. A inexistência de uma formalização a respeito da concepção da Escola de Governo é outro ponto que incorre contra a mesma. Não existe, formalmente, uma definição sobre sua concepção, uma carta de intenções ou objetivos e metas formais – os objetivos expostos resumem-se a expressões informais. Deste modo, a Escola de Governo é não é uma reunião de Estado, mas da administração. O que pode ser empiricamente evidenciado pelo fato de ter se tornado comum a ironia de setores contrários ao governo que chamam a Escola de Governo de “Escolinha do Requião”, apelido adotado popularmente e, em certa medida, pelo próprio governo. A Escola de Governo fundamenta-se sobre a vontade pessoal do governador, sob ela foi instituída, e sem ela inexistente. Característica que enfraquece toda a inovação positiva do projeto – uma vez que o governador deixe o cargo, a iniciativa corre o risco de desaparecer, o que evidencia não se tratar de uma iniciativa de Estado.

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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda e qualquer forma de publicidade gera promoção. A publicidade não tem como ser neutra, como se o Estado pudesse existir sem seus agentes. A Escola de Governo também gera promoção para os seus agentes. Contudo, existem meios e meios de realizar a publicidade estatal. O governo do Paraná optou por um modelo inédito, que abandona a publicidade comercial paga e aproxima a administração dos cidadãos. Enquanto o discurso publicitário comercial procura mascarar a propaganda de governo com ares de oficialidade, os agentes públicos da Escola de Governo, secretários e afins, “mostram a cara”, expondo-se para as críticas públicas. Promovem-se, sim, mas com isso também expõem, conforme Bobbio define a democracia, o público em público. A accountability depende fundamentalmente não só de informação, mas de justificativa. Nisso distingue-se a Escola de Governo da publicidade nos veículos comerciais, tal qual tradicionalmente realizada. Enquanto essa assegura somente informação, na Escola de Governo existe espaço para a justificativa e explicação de tais atos. O que, inevitavelmente, acaba incorrendo também como promoção e difusão do ponto de vista apresentado, o que a caracteriza como propaganda. Os limites são tênues, e não imperativos; não há como estabelecer uma linha entre uma coisa e outra. É as duas coisas, simultaneamente, todo o tempo. Existem muitas e graves vicissitudes no modelo, como a apropriação patrimonialista da comunicação estatal através da rede pública. Mas aqui defendese, conforme o entendimento de Bucci, que o papel do Estado não é fazer propaganda de si mesmo, apregoar-se de seus feitos. E nisso a gestão analisada obtém sucesso, por abandonar a publicidade em veículos comerciais. É um avanço rumo à publicização no setor público sem a conotação comercial que se impregnou no fazer governamental. Enquanto a publicidade paga só apresenta a informação, a reunião semanal expõe os argumentos que levaram à decisão, e seus resultados. Menos propaganda, e mais diálogo. Mais democracia. É uma iniciativa que pode, e precisa, ser aperfeiçoada – um modelo menos personalista e mais baseado na tecnicidade estatal seria recomendável – mas que, mesmo com seus defeitos, se constitui como uma importante ferramenta democrática de promoção da accountability e da cidadania.

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10 REFERÊNCIAS

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___________________________________________________________________ AUTORIA Márcio Cunha Carlomagno – Graduando em Gestão Pública pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e graduando em Comunicação Institucional pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Universidade Federal do Paraná (UFPR). Endereço eletrônico: [email protected]

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