Actividades agrícolas associadas a práticas comerciais de fronteira. O lugar do linho no desenvolvimento transfronteiriço do concelho do Sabugal

September 12, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Sociologia, Patrimonio Cultural, Sociología, Turismo, Turismo e Cultura, Turismo Cultural
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Actividades agrícolas associadas a práticas comerciais de fronteira. O lugar do linho no desenvolvimento transfronteiriço do concelho do Sabugal Helena Santana Universidade de Aveiro (Portugal)

Rosário Santana Instituto Politécnico da Guarda (Portugal)

A Beira Interior, território que abrange na sua denominação as Beira Alta e Beira Baixa, comporta uma das maiores riquezas da Beira Interior, sendo que a feracidade das suas terras sempre contribuiu para a presença do homem desde tempos imemoriais. Neste contexto, nascem alguns dos principiais aglomerados populacionais de toda a região, dada a presença de um importante número de industrias ligadas ao lanifícios. Encontramos ainda inúmeras localidades com interesse histórico, sendo que aqui se encontram grande número de aldeias históricas de Portugal. O amanho do linho data dos primórdios da Humanidade e sempre se cultivou em grande quantidade nesta região do interior do país, já que era usado não só para uso doméstico, mas também para pagamento de foros e rendas, e actividades de troca em práticas comerciais de fronteira. O objectivo desta comunicação é analisar uma região, resultando daí o estudo do património natural com vista ao seu desenvolvimento aplicando modelos de desenvolvimento baseados nas tradições presentes nas actividades não corrompidas dos seus modos de vida, apresentando assim, o estudo dos usos e costumes deste território. A metodologia empregue é a investigação/acção, e o estudo in situ de uma realidade não corrompida por factores externos. Os resultados a obter passam pela estudo das políticas de desenvolvimento aplicados no crescimento social, económico e cultural de uma região farta de costumes e tradições, nomeadamente através do aperfeiçoamento de práticas ligadas à animação sociocultural e sua aplicação em modelos de intervenção local, analisando os modos de vida e o seu reflexo nos usos e costumes de uma população, traçando um perfil das práticas vigentes neste território do interior do país. La région que l’on a prise pour étudier, est une région très spécifique en ci que concernent les traditions et les pratiques agricoles encore pures et uniques dans le panorama national. Le lin, est une plante qui a fortement contribué pour le budget domestique dans une époque très propre au Portugal. Les dynamiques territoriales et pratiques agricoles étaient fortement centralisées dans l’économie familiale. Ainsi, la culture et les modèles appliqués dans cette région sont décisifs dans la façon dont on regarde la manière d’être de l’homme et dont l’on étudie les différentes générations et les divers territoires. L’objet de cette étude est celui d’analyser une région dans ses coutumes et ses traditions, en ce qu’elles portent de plus pure et vérifier en ce qui elles peuvent être appliquées dans des modèles de développement d’un territoire, notamment en appliquant les modèles et les pratiques propres au tourisme régional. La méthode que l’on a utilisée est celle de l’étude des espaces ruraux en ci qu’ils comportent de vrai et authentique dans ses pratiques agricoles, uniques dans ce territoire. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Les résultats que nous envisageons sont ceux qui nos permettront de systématiser les altérations qui le territoire a souffert ainsi que les politiques de développement envisagés par le gouvernement pour cette région. Nous voulons encore étudier, la façon dont elles affectent ces habitants et ses modes de vivre. Ainsi, on étudiera les altérations produites dans la façon d’être d’une population, en ci que concernent ses modes de vie et ses traditions les plus authentiques. Palavras-chave: Património; Cultura, Tradição, Intervenção. Mots-clés: Patrimoine; Culture; Tradition; Coutume, Intervention.

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INTRODUÇÃO A Beira Interior comporta em toda a sua extensão terrenos férteis e deslumbrantes que se situam entre o Vale do Douro e as Serras da Estrela e da Gardunha. Neste vale, denominado de vale do Zêzere, permanece uma das maiores riquezas da Beira Interior, sendo que a feracidade das suas terras sempre contribuiu para a presença do homem desde tempos imemoriais. Neste contexto, nascem alguns dos principiais aglomerados populacionais de toda a região, dada a presença de um importante número de industrias ligadas aos lanifícios. Encontramos ainda inúmeras localidades com interesse histórico, sendo que aqui se encontram grande número de aldeias históricas de Portugal. Segundo Cavaco (1997: 160), “a construção da raia numa perspectiva bélica, defensiva e de afirmação de uma territorialidade vigiada, foi materializada por castelos e atalaias e numa perspectiva económica, pela criação de corpos de guardas, responsáveis pelo controlo dos fluxos, pagamento das taxas alfandegárias, respeito pelas proibições de exportação ou de importação de certos bens, dados os seus impactos na vida económica nacional

(carências;

competitividades),

conjunto

de

funções

específicas

e

individualizantes”. Este facto contribui para a definição geográfica e social de um território pleno de carácter e singularidade das suas gentes. A Beira, terra inóspita e única, possui uma paisagem essencialmente granítica, delimitando de forma natural um território ímpar e excepcional. Tendo no seu horizonte a serra que se delineia a nascente pelo sol que nos põe a descoberto, ao despertar, uma fronteira que não é apenas o limite de um território que é nosso, mas nos aporta as características que marcam um povo delineando carácter, relações, animosidade, trocas, cumplicidade, conflitos, e se põe a ocidente escondendo-se por entre serras cobertas por um manto verde de coberto vegetal único, e possuidora de uma riqueza singular de espécies vegetais entre as quais destacamos o pinho bravo, os castanheiros, carvalhos e vimeiros; estas imprimindo a todo este vale um coberto que se descobre todas as Primaveras depois de longo período de hibernia imposto pelo manto branco de neve presente nos Invernos fartos e agrestes desta região. É a demarcação de uma fronteira única mas global, impressa na paisagem pela descontinuidade política, administrativa, jurídica e ideológica, sendo que a economia se demarca face a forças desiguais onde os AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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povos se reconhecem distantes e as assimetrias surgem na delimitação de territórios induzindo actividades controladas de trocas de bens e serviços, e migrações humanas. Grande parte das actividades agrícolas que se desenvolvem no interior do país não são lucrativas, sendo que a agricultura nesta região se encontrava, e ainda se encontra, em grande parte do território, virada para actividades com parcos rendimentos económicos, resultando ainda muito numa agricultura de subsistência pela dificuldade de expansão dos campos, resultado das assimetrias dos terrenos de tipologia acidentada. Segundo Cavaco (1997: 161) “uma certa permeabilidade invisível da fronteira foi, todavia, uma constante, mais ou menos intensa e mais ou menos ampla em termos espaciais, conforme os motivos de trocas, a força da vigilância proteccionista e a pressão das necessidades de sobrevivência da população raiana. Assim sucedeu na Beira Baixa, habitada por uma população na sua maior parte rural, sem terra e sem casa, e muitas vezes sem trabalho nem jornas, não obstante a baixa densidade populacional, a reduzida dimensão dos principais núcleos, a mediocridade dos seus consumos e o mau estado das vias de comunicação que as ligaram quase até hoje”. Verificamos ainda, que, nesta região, não existe uma aplicação eficaz de programas de desenvolvimento específicos que promovam o bem-estar das populações residentes. A reduzida oferta de emprego em sectores que fujam a esta forte vinculação com a terra, a mesma terra com a qual mantêm uma forte identidade e lhes imprime um caracter único e reservado, conduz ao abandono da região e ao desapego da agricultura, com consequências sociais e económicas que se espelham na desertificação de todo um território. Segundo Cavaco, (1997: 162), “aos concelhos raianos do Minho ao Algarve correspondem, com efeito, indicadores de forte ruralidade e acentuada dependência da produção primária, em particular da agrícola, apenas pontualmente perturbados pela terciarização da estrutura económica e do tecido sócio-profissional, que deriva do desenvolvimento do comércio a retalho e dos serviços públicos pela permanência da abertura de antigas passagens de fronteira (Valença, Miranda do Douro, Vilar Formoso, Elvas ou Vila Real de Santo António)”.

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1 - ACTIVIDADES AGRÍCOLAS E DINÂMICAS TERRITORIAIS – AS ACTIVIDADES AGRÍCOLAS ASSOCIADAS A PRÁTICAS COMERCIAIS DE FRONTEIRA O sector agrícola, bem presente no Interior do país, é caracterizado por actividades de pequena dimensão, fragmentadas e sob a responsabilidade de pessoas de idade já avançada. Esta actividade está ainda muito ligada à família, sendo que todo o trabalho se destina ao sustento do núcleo familiar; os excedentes entrando em circuitos de comercialização deficitários e com características de comercio local/troca. A falta de vias de comunicação e de infra-estruturas que permitam o livre acesso e o desenvolvimento de novas práticas comerciais e agrícolas, impõe um grande entrave à evolução e competitividade do território. No entanto, o Interior detém uma grande cultura e saber únicos no domínio dos produtos tradicionais e regionais, do artesanato e da gastronomia que urge cultivar e preservar. A transformação e comercialização de produtos agrícolas, a criação de infra-estruturas que permitam, a par com a certificação e o marketing de alguns produtos, a divulgação de toda uma região rica de conteúdos, é um dever e uma aposta dos núcleos administrativos e culturais que insta dinamizar. Esta divulgação permitirá a troca de produtos e bens com os povos visitantes, permitindo todo o desenvolvimento de uma região, contribuindo para reduzir a desertificação de todo um território rico de conteúdos e de tradição. O interior tem produções que, pelas suas especificidade e qualidade, têm assegurada uma presença competitiva nos mercados regional e nacional, atraindo turistas nacionais e estrangeiros. Falamos de produtos cuja qualidade e originalidade poderão levar à criação de denominações de origem e que devem continuar a ser apoiados e preservados, a par de uma procura de novos produtos, sempre na linha artesanal e/ou de qualidade. Neste contexto, deverá ser analisada a relevância dos produtos tradicionais regionais, no âmbito da economia rural do Interior, conduzindo, assim, ao desenvolvimento de novas práticas comerciais que permitam o desenvolvimento de toda uma região. Esta estratégia de defesa dos produtos tradicionais assenta na convicção de que existem hoje importantes segmentos de mercado que preferem este tipo de produtos, sobrevalorizando o genuíno e o tradicional em detrimento de produtos produzidos à AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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escala global. Com a preservação e a garantia de uma compensação aos agentes dinamizadores de uma região, é possível a preservação da paisagem rural e do ambiente, numa política de apoio ao desenvolvimento rural, onde os produtos endógenos terão lugar de relevo e conduzirão ao desenvolvimento e preservação de toda uma região com o nascimento de rotas e roteiros que divulguem os produtos regionais e esclareçam o visitante na forma como esses produtos eram feitos em tempos idos, preservando assim a cultura e a tradição locais. Este aspecto conduzirá, inevitavelmente, à revitalização e diversificação do tecido produtivo, e ao desenvolvimento económico, social e cultural. A conjugação das intervenções de política agrícola com as de desenvolvimento rural devem ter carácter estruturante para que contribuam de forma efectiva para o desenvolvimento da região. O apoio às actividades complementares de produção agrícola enquadradas na política rural, deverá originar modelos empresariais sustentáveis, onde as regiões mais desfavorecidas possam receber a ajuda necessária ao seu desenvolvimento, assumindose como formas compensatórias da manutenção ambiental, contribuindo assim de forma útil para toda uma comunidade. Para as regiões do Interior, o desenvolvimento da agricultura passará sempre por uma componente social. Urge aproveitar a riqueza de todo um território valorizando as actividades não associadas directamente à produção agrícola de componente alimentar, abrindo outras possibilidades de valorização da agricultura através de empresas ligadas ao turismo rural, à valorização cinegética e da paisagem, às actividades de lazer, ao artesanato, etc.. Dever-se-á actuar de forma integrada, valorizando o conjunto dos recursos, promovendo a diferença, a especificidade e a qualidade dos produtos endógenos. Insta criar infra-estruturas que reforcem a competitividade e alarguem o espectro de actuação a nível económico das regiões do interior do país, para que ao falar-se em desenvolvimento rural para o Interior, se alargue o espectro de programas específicos de desenvolvimento rural, nomeadamente os de iniciativa local, e que têm dificuldade em implementar-se dada a exiguidade dos apoios para o desenvolvimento desta região. Cremos que o movimento cooperativo, a criação de associações para o desenvolvimento local e o nascimento de programas de apoio que promovam a cultura AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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local, serão uma mais-valia para a divulgação de toda uma região, pela mostra de todo um saber local e regional que devemos preservar. Segundo Cavaco, (1997:163) “ao lazer e ao turismo se atribuem hoje papéis relevantes para o desenvolvimento sustentado das regiões mais profundas, como o são as de fronteira, pela potencialização do alargamento da procura efectiva a nível local e regional, e das capacidades de iniciativa para a elaboração de ofertas que valorizem conjuntamente a diversidade do património dos dois lados da fronteira (ambiental; histórico-cultural, construído, ao nível dos edifícios e de centros históricos de vilas e aldeias).”

2 – O LUGAR DO LINHO NO DESENVOLVIMENTO TRANSFRONTEIRIÇO DO CONCELHO DO SABUGAL A cultura do linho data dos primórdios da Humanidade. No entanto, as espadeladas, desaparecidas quase (ou mesmo) por completo em certas regiões onde a cultura do linho tinha outrora grande significado, constituem, hoje, uma recordação que o tempo vai diluindo na memória das gentes rurais e das suas populares e ancestrais tradições. Segundo Alves (2002: 293) “o linho é vivenciado na memória colectiva através de representações distintas, umas conotadas com dureza de trabalho, bem simbolizadas na expressão “tormentos do linho”, e outras com pureza e intimidade, em que o conceito de bragal surge como o mais expressivo, todas elas remetendo para imaginários em que a rudeza das tecnologias tradicionais se aliava a perfeccionismos artísticos e manifestações lúdicas de trabalho colectivo”. Associada a antigos ritos que expressam raízes culturais milenárias, mantidos ciclicamente em manifestações circunscritas a conceitos de trabalho e a praxes comunitárias, inserem-se, tal como as lavradas, as sachas do milho, as desfolhadas, a apanha da cebola e da azeitona, as podas das videiras ou a vindima, num grupo de tarefas agrícolas feitas por troca, ou seja, por entreajuda familiar, de amigos e/ou vizinhos da mesma povoação e/ou povoações próximas, numa tradição rural de cariz comunitário que se conservou até aos dias de hoje. O linho, utilizado ao longo de toda a Idade Média para o pagamento das rendas aos abades e senhores e dos dízimos às igrejas, constituiu a primeira riqueza do país, lugar AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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que conservou até ao século quinze e, a partir do qual se deu a sua decadência. Para tal contribuiu a desertificação dos campos em consequência dos descobrimentos e da saída da população para Oriente. Este facto, contribuiu ainda para o início da cultura do bicho-da-seda. No século dezassete, o avanço da cultura do milho, sobrevindo à proibição por Filipe III da exportação do linho, tecido ou em rama, e a preferência pelo algodão já no século dezanove, e que havia entrado em Portugal na primeira metade do século dezasseis, conduziu inevitavelmente à sua decadência. O linho, planta muito antiga que se cultivou em grande quantidade nesta região do interior do país e neste concelho do Sabugal, era usado não só para uso doméstico, mas também para pagamento de foros e rendas, e actividades de troca em práticas comerciais de fronteira. Hoje, é uma planta muito rara, principalmente desde que o linho industrial passou a existir mas, na região da Beira Interior, a população ainda trabalha o linho sendo que, entre alguns, ainda existem teares em funcionamento. Para o cultivo do linho é necessário percorrer várias etapas. Desde as sementeiras até ao tecido que todos conhecemos, o linho segue, um total de doze transformações. De uma maneira geral, e apesar da complexidade de todo este processo, pode dizer-se que a planta do linho se adapta bem em quase todos os climas. No entanto, prefere os terrenos silico-argilosos, de solo profundo, de consistência média, fresca e permeável à água. Como a duração do seu ciclo vegetativo é muito curta, a planta deve absorver rapidamente os elementos minerais, sendo que os solos frescos e ricos lhe são altamente benéficos, ao contrário dos solos pobres que requerem processos de fertilização cuidadosamente aplicados. A colheita é manual. A planta é arrancada pela raiz, afim de se aproveitar todo o comprimento dos caules, formando-se pequenos molhos com a parte da semente toda para o mesmo lado. Inicia-se este processo quando o talo está amarelo-maduro, isto é, quando o terço inferior do talo ficou amarelo e está perfeitamente redondo por fora. O linho, constituindo talvez a principal fibra utilizada na confecção de vestuário e roupa de casa, manteve ao logo dos séculos um caracter artesanal e caseiro, provendo sobretudo ao consumo familiar, ou então, servindo para pagamento de rendas e foros. A importância da cultura do linho, a remontar ao período neolítico em território português, AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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nunca deixou de manifestar-se, de tal modo, que, até meados do século dezanove, o dote das noivas ou das raparigas era avaliado pelo número de teias (tecido) de linho que possuíam. Se bem que servisse para o comércio, o linho destinava-se, sobretudo, a prover aos dotes. Actualmente, o cultivo do linho encontra-se praticamente extinto, enquanto que, no que se refere aos dotes, resta deles apenas a tradicional lembrança. A região da Beira Interior sobressaiu sempre pela qualidade das peças resultantes do trabalho das tecedeiras, cujo saber não invalida a qualidade dos fios de linho, fruto das sementeiras efectuadas nesta região. Devemos realçar, que ainda estão bem presentes na memória de muitos, os trabalhos por que passa o linho, desde que é semeado até ser tecido nos teares manuais mas, infelizmente, para as gerações mais novas, esse conhecimento pertence já a um passado recente, que eles não presenciaram. Nesta região da Beira Interior, inúmeras foram as aldeias onde se cultivava o linho, e onde este era fortuna e uma mais valia para a economia doméstica. Apesar de, actualmente, já não se proceder ao cultivo do linho, é ainda possível encontrar aldeias onde a memória de como este se cultivava com vista ao uso doméstico e trocas comerciais de fronteira, estão presentes nas histórias e vivências de pessoas de idade mais avançada. Segundo Cavaco, (1997: 161), “a fronteira era um espaço privilegiado para as migrações de pessoas e bens, havendo a fixação de ambos os lados da fronteira de portugueses e espanhóis”. De acordo com a mesma autora, (1997: 161), “outros fluxos comerciais clandestinos e outras migrações humanas atravessaram as regiões de fronteira sem deixar grandes marcas, já que polarizados e controlados de longe ou em busca de destinos mais distantes e mais prometedores: comércio ilegal volumoso e especializado e emigrações para a Europa, apoiados num e outro caso por passadores locais oferecendo algumas cumplicidades a negócios alheios, num e noutro lado da fronteira, a troco de poucos ganhos.” Neste contexto, surge o linho, matéria prima de primaz importância para a elaboração de bens susceptíveis de troca com o lado espanhol. Assim, nos territórios desta raia, tais que Escalos de Cima nos campos do Verdelhão, Cotifo ou Vale da Alagoa, o linho era visível pelos campos em fartos tufos, ondulando ao sabor do vento. Aldeia de Santa Margarida, Várzea de Calde, Aldeia Velha; ou ainda Sortelha, e Aldeia da Ribeira, AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Badamalos, Bismula, Ozendo e Rebolosa, são também eles, exemplos de territórios onde o linho era cultivado e provia às necessidades das populações. A cultura do linho, para além de constituir um valioso recurso, cuja utilização ia do vestuário à medicina e à culinária, ocupava um lugar de destaque na vida social e cultural de cada comunidade, rodeada como estava a sua produção de ritos e lendas, que ainda hoje fazem parte da memória colectiva das suas gentes. Assim como o vinho, o azeite e o pão, o linho ocupava lugar de relevo nas casas das aldeias, um lugar quase sagrado. As espécies mais cultivadas eram o linho mourisco e o linho galego. Depois de efectuado o cultivo e concluído todo o processo de crescimento, procedia-se ao seu tratamento. A revolução industrial e a sociedade actual de consumo acabaram com o processo manual de tratamento do linho. No entanto, este material ainda é trabalhado em algumas, mas raras, regiões do nosso território. Harmonizando o saber antigo, conservado nos gestos repetidos ao longo de gerações, a produção de trabalhos em linho representa um importante e valioso património cultural que luta pela sobrevivência com o aparecimento de tecidos modernos e de mais práticas e lucrativas formas de confecção.

3 - O LUGAR DA MÚSICA NO CULTIVO DO LINHO: ASPECTOS TÉCNICOS E ESTÉTICOS DOS CANTOS PRÓPRIOS E DE APOIO A ESTA PRÁTICA O trabalho rural, manifesto da vida simples, da vida mais em contacto com a natureza, naquilo que ela tem de mais belo e imediato face à criação, sempre deteve um peso acrescido para o homem, não só pela diferença de forças que concorrem para essas tarefas mas, igualmente, pela pujança das forças anímicas presentes na natureza, por vezes contrárias ao homem e dilacerantes na sua essência. A diferença entre o homem e a natureza manifesta-se, ainda mais, numa conjuntura onde a agricultura de subsistência subjuga o homem nas suas forças, face a campos que se cingem à orla das povoações, não permitindo o uso de maquinaria essencial no alívio destas funções. O homem sempre trabalhou para o seu sustento, especialmente em regiões onde impera o isolamento, seja pelas dificuldades presentes nos acessos, seja pelos parcos recursos AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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económicos e patrimoniais ainda hoje declarados nesta região. Em territórios do interior beirão, como é o caso em apreço, as actividades económicas e agrícolas são caracterizadas pelas dificuldades não só em extrair do solo o seu provento, como no forte isolamento que caracteriza a região e que ressalta da idade das suas gentes. A fronteira tem, e sempre teve, um forte impacto no carácter deste povo, avesso a estranhos e desconfiado face ao desconhecido, dado que continuamente lutou contra as invasões espanholas e sempre teve uma forte actividade económica ligada ao contrabando. Neste fazer, uma actividade ilegal com hercúleo impacto na economia destas gentes da raia, entravam e saiam do país, por caminhos próprios e religiosamente resguardados de olhares e saberes alheios, produtos locais que pudessem ser trocados por bens de primeira necessidade, ou outros haveres em falta num território fechado ao outro, e que impunha uma enérgica presença militar não só de defesa do território, mas também de bens e serviços nacionais. Nesta actividade do contrabando surge um elemento importante de troca com o lado espanhol - o linho. O linho, planta viçosa da qual se extrai o fio que, depois de tratado por processos manuais, chega a um fio com o qual é possível realizar peças de inigualável beleza e diversidade, é usado não só no seio doméstico mas também na comunidade. No que concerne as peças para uso pessoal, referimos peças de vestuário diversas, feitas com os tecidos que assomam nos teares que, nesta região, são em número significativo . No que respeita as peças para uso doméstico, temos que realçar as peças decorativas e os atoalhados e mantas ainda hoje presentes nas diversas casas das aldeias deste território, assim como a presença nas casas de culto da região, de peças de linho que espelham a sabedoria das tecedeiras e o orgulho destas gentes no manuseamento de um material tão fino e sensível, e tão próprio a esta região. No que concerne esta zona do país, o linho era cultivado não só para uso doméstico, mas também para venda no lugar. Assim, a presença de cursos de água impeliu esta escolha, pois o linho é uma planta que necessita de bastante água não só no seu cultivo como no tratamento efectuado em tempo posterior à colheita. A presença de um curso de água é, assim, essencial, representando para esta região uma mais valia para o seu plantio. O linho, como foi por nós apurado, não era cultivado por todos os habitantes da AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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aldeia, sendo que existiam casas com teares mas cujos domiciliados não se dedicavam ao seu amanho. O número de teares presentes nas habitações era variável, podendo chegar aos dois teares por domicilio. O processo de cultivo e tratamento do linho é complexo e obriga a rituais e tempos próprios. Os ritmos regulares e cadenciados que aportam a pancada/o movimento regular e de natureza igual para todos os intervenientes é uma constante e uma necessidade. Além da natureza do gesto, marcado pela cadência rítmica e temporal das peças, verificamos que as linhas melódicas são de fácil assimilação tendo a estrutura na sua essência, a repetição de gestos que aportam a quem canta uma grande facilidade na sua assimilação. A música sempre teve, e sempre terá, um lugar de destaque no auxilio que presta no trabalho efectuado pelo homem. Linguagem do corpo e da mente, transmite na sua essência o saber do homem enquanto ser pensante e portador de vida e emoções. Assim, o homem trabalha, pensa, descansa e cria, num universo de sons e ritmos próprios que imprimem a cada ser uma forma peculiar de estar e de agir. Servindo de força motriz no alívio do ónus presente na realização das tarefas mais árduas ou duras do quotidiano, a música surge como um bálsamo que alivia a carga não só física como emotiva que caracteriza as actividades agrícolas. Manifestação do sensível, a obra de arte revela, de forma involuntária, a presença do homem marcado pelos tempos e lugares que habita. A obra, seja ela erudita ou popular, obedece a princípios técnicos e estéticos rígidos, cujas leis se afirmam codificadores de códigos e princípios da harmonia universal. O belo, traduzindo uma beleza contida no objecto de arte, transmite códigos técnicos e estéticos, morais e sociais, linguísticos e regionais. O meio influencia o homem, sendo que lugar e cultura locais se traduzem na obra de arte de forma diversa. Pela sua fixação geográfica, estudo, vivência e existência humanas, que se manifestam na obra de arte pela pesquisa, tradução e objectivação do sensível, percebemos que a obra de arte, mesmo a de cariz popular, traduz a riqueza cultural de um povo, manifestando modos de vida e sabedoria populares. Assim, e embora possamos falar de princípios gerais básicos de formalização e conceptualização AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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do objecto artístico, verificamos, univocamente, que as particularidades de uma região, de um meio social, e porque não moral, esculpem e trilham caminhos de formalização e vivificação únicos em arte. O musical não se foge a esta regra. Dentro de universos aparentemente semelhantes, podemos notar dissemelhanças próprias de um viver geograficamente diverso. Assim, Portugal revela detalhes únicos que denunciam uma diversidade extravagante e que o adornam de cores e sabores teimosamente perpetuados. Traduzindo esses universos diversos, a obra de arte transmite o objecto mais vivo dessa diferença, dessa diversidade que embeleza o mundo em mil cores, sabores, cheiros, sons e imagens excepcionais. O universo geográfico das beiras, muito rico em tradições e elementos que a distinguem de outros territórios, revela um mundo ímpar, pleno de tradições perpetuadas no saber das suas gentes. No mundo musical, o universo de sons, revela atributos e manifestos que trazem uma luminosidade e um colorido próprios à paleta de sons e cores de um Portugal único. A influência dessas manifestações faz-se sentir de diversas formas, nomeadamente na maneira como o criador, prenhe de sons, cores e sabores de um território, os reflecte na obra de arte. Não pensemos que a música tradicional, porque é de cariz mais popular e a temos como nossa desde os tempos imemoriais, não passa por um processo de criação e formalização que se manifesta num objecto de arte que traduz um viver e sentir únicos. Assim, caracterizando-se por singularidades que revelam um povo desenhado pela cor e dureza da pedra, pela geografia de um território singular, pelas cores e pelos sons que se impõe ao homem revelando uma arte única e não adulterada por saberes ou lugares externos ao seu território, encontramos saberes únicos e inalterados, de enorme riqueza para a etnografia e etnomusicologia nacionais. O trabalho do investigador que quer perceber de que forma essas cores, sons, sabores e lugares se manifestam na obra de arte e no universo sonoro da região, descerra, no caso particular da música tradicional da Beira Interior, universos de particularidades infinitas, seja no universo literário, seja no universo musical. Assim, perceber os atributos e as singularidades de uma região única, anuncia-se imperioso. Descerrar a natureza criativa de anónimos que esculpiram os sons e as letras, qual artesão que talha a pedra e a serra em busca de sustento e realização, é nosso dever também. A partir de obras da música AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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tradicional beirã, percebemos o universo musical que afirmam, auferindo as particularidades de seus modos ou tonalidades, conduções melódicas, gestos ou significados musicais. O universo é exclusivo, sendo relevante a sua afirmação e formalização musicais. A modalidade caracteriza diferenças, particularidades, especificidades. O tonalismo, centrado nos seus dois modos – o maior e o menor –, revela-se pobre perante a diversidade de cores do universo tradicional. A geografia incrementa-as e o isolamento também, daí a riqueza de sonoridades que ousamos dizer, não se quer morta, (Santana, 2008). Os modos definem universos sonoros característicos na organização dos sons, e especificidades que se traduzem na formalização e criação de melodias, e consequentemente de universos harmónicos, rítmicos e tímbricos exclusivos e pertencentes a uma região. Nas Beiras, estas manifestam-se não só ao nível da formalização do universo sonoro - um modalismo próprio -, como ao nível da instrumentação e da orquestração. O timbre influencia a cor do musical, sendo reflexo do regional. Paralelamente, a função e o objectivo a que se destina a obra, influencia e determina as características do sonoro, do literário e do musical. Uma moda ou canção de trabalho é diversa de uma moda ou canção de festividade pagã ou religiosa. As especificidades traduzem-se na formalização e determinação da função; o harmónico, o melódico, o rítmico, o tímbrico e o formal, esculpidos pela intenção. No caso de uma moda ou canção de trabalho, a especificidade da função a que se destina traduz-se, como referimos, no universo musical da obra. O trabalho repetitivo, cadenciado da monda, da apanha, da ceifa, requer ritmos próprios, ciclos de acção que se traduzem tanto formal como rítmica, melódica, harmónica, tímbrica ou literariamente, apontando as características de impulso rítmico, métrico e temporal em planos formais exclusivos, como é o caso das peças destinadas ao trabalho no campo. Contudo, isto não quer dizer que a obra de arte que serve de transmissão da intenção adquira contornos do incompreensível. A mensagem e a intenção são puras e simples; a obra reflecte-o. Podemos admirar várias modas ou canções que traduzem esta intenção de diálogo. A sua formalização enquanto objecto de arte revela uma simplicidade e uma clareza surpreendentes. Não é na complexidade que a verdade se manifesta. A verdade AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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na palavra é sempre simples e clara, como é simples e clara a música que a acompanha. A ignorância e a prepotência do homem é que enevoam a palavra, encerrando a verdade, destruindo a intenção. Heróica e estoicamente a música tradicional sobrevive, de forma simples mas efectiva, à prepotência de uma pseudo intelectualidade que complica o simples, intenta contra a verdade, prejudica o genuíno e aniquila a diversidade, (Santana, 2008). Assim, e em contacto com as populações deste território, verificamos que os cantos são de natureza silábica, não existindo uma grande riqueza nos contornos melódicos das suas linhas. No entanto, algumas peças mostram estruturas clássicas de repetição e variação, e alguns movimentos melódicos contrariam a normal condução das vozes numa relação tónica/ dominante; dominante/ tónica. A adaptação da música aos valores rítmicos verbais da palavra, do verso, da linguagem em geral, contribuem para que os processos técnicos de manipulação do tempo musical com base na raiz literária-poética sejam visíveis na dilatação métrica resultante da introdução de silêncios que quebram a continuidade rítmica numa espécie de interjeição virtual.

CONCLUSÃO A visão reducionista do mundo rural, substituída por uma visão patrimonial onde o valor simbólico e paisagístico é determinante para o seu desenvolvimento, altera significativamente as formas de estar e de pensar, contribuindo para uma visão dos territórios como berços de uma cultura e paisagem únicas. O património construído e cultura ímpares, reforçando a sua identidade e sentimento de pertença, promovem actividades económicas geradoras de valor acrescentado e de emprego, melhorando as condições de vida das populações com garantias do seu desenvolvimento. Partindo das necessidades reais dos indivíduos, e mediante a criação de relações interpessoais que permitam estabelecer uma relação de confiança, sem a qual não é possível realizar qualquer trabalho de campo que fundamente um estudo com base na análise da realidade de um território socorrendo-se da recolha in situ dos dados, o investigador acede ao sentido de identidade da comunidade, assomando as AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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características de cada território, encerrando em si simbolismos e significados distintos, promovendo as diferentes competências territoriais. A região do Sabugal é um território rural onde os patrimónios natural e construído são importantes na definição de modos de ser e estar, comportando diversos elementos repletos de tradições e que encerram um simbolismo muito rico cheio de rituais, tanto na vindima como na preparação do linho, onde o canto é elemento singular na caracterização deste território. Podemos assim, afirmar que a canção popular, aposta inequivocamente na construção de uma identidade territorial, onde a tradição ainda hoje vincula e gere modos de vida e tempos/templos repletos de ritos, mitos e tradições. E as canções chegam, assim, envoltas no mistério da criação, no acto involuntário de seres inocentes e puros no seu íntimo. Seres onde as leis e as regras impostas ao criador pela técnica e pela estética, ou pelos princípios formais impostos na criação, são postos à prova pela liberdade de pensamento, pela necessidade imposta pelos movimentos e pela função que estes têm. Assim sendo, num território como o Sabugal, a música tem a função de coadjuvar o homem na realização das suas tarefas diárias, seja no campo, seja nas actividades em contexto familiar. Encontramos peças musicais que importam pelo contexto em que se inserem, pela marcação de uma pulsação que ajuda nas tarefas onde a cadência imposta ao grupo conduz à leveza conjunta do gesto, factor decisivo no resultado final obtido, nomeadamente no que concerne algumas tarefas agrícolas e o tratamento do linho. Nas actividades diárias não fica a música excluída, tendo um papel relevante pois aparece ligada a todos os momentos desde o nascer ao pôr-do-sol, representando uma mais-valia para as suas gentes. Os ritmos e os tempos, a métrica e os textos, são próprios deste território, reflectindo modos de vida e tradições, contando-nos histórias únicas da vida e do lugar. De melodias simples e ritmos onde o apoio binário e/ou ternário predominam, seja pela urgência do gesto cadenciado, seja pela repetição dos conteúdos ou a ingenuidade de quem cria, sobressai a simplicidade do homem que se revê nesta pureza onde o gesto nasce e a obra assoma. De linhas simples mas complexas pelos apoios que nos apresentam, não deixamos de aí escutar as linhas mestras de um pensamento estruturado, e de um sistema subjacente à sua criação. Os textos reflectem as vivências, AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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recitam histórias, trazem à memória mitos e lendas da região, salvaguardando a cultura e as tradições locais. Todos estes dados apontam para uma forte cultura raiana, onde as tradições ainda não profanadas são motivo de orgulho para as suas gentes e factor de identidade e especificidade, geradores de um forte sentimento de pertença em territórios de fronteira. A abordagem feita aos elementos exteriores às tradições deste território, legado não corrompido dado o forte sentimento de pertença assente nas memórias e na sua perpetuação, é o que mais marca estas gentes na construção de uma identidade muito própria, e na afirmação de uma memória assaz viva e impositiva de condutas e modos de vida, conservados segundo modelos autênticos e não sujeitos a reformulação. Estes elementos permitem a refuncionalização do património, contribuindo para o desenvolvimento e aplicação de arquétipos reformulados nas tradições, e que são formas capazes de promover e divulgar um território mediante a aplicação de modelos de desenvolvimento sustentado, assentes em memórias colectivas e individuais, traduzidas nas tradições ainda presentes neste território.

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