ACUMULAÇÃO BIOCLÁSTICA DO PÂNTANO DA MALHADA (HOLOCENO DO RIO DE JANEIRO): SIGNIFICAÇÕES SEDIMENTOLÓGICAS, TAFONÔMICAS E DE ALTERAÇÃO METEÓRICA

June 20, 2017 | Autor: J. Porto Barros | Categoria: Taphonomy, Holoceno, Meteoric Alteration
Share Embed


Descrição do Produto

ACUMULAÇÃO BIOCLÁSTICA DO PÂNTANO DA MALHADA (HOLOCENO DO RIO DE JANEIRO): SIGNIFICAÇÕES SEDIMENTOLÓGICAS, TAFONÔMICAS E DE ALTERAÇÃO METEÓRICA João Paulo Porto Barros1, Patrick Fuhr Dal’Bo2, Antonio Carlos Sequeira Fernandes3 1

Geólogo, Programa de Pós graduação em Geologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências, Departamento de Geologia, email: [email protected]. 2 Professor Adjunto. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências, Departamento de Geologia, email: [email protected]. 3 Professor Titular. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Departamento de Geologia e Paleontologia, email: [email protected]

RESUMO O interesse no estudo das rochas formadas a partir da acumulação de bioclastos (coquina) tem aumentado muito nos últimos anos devido a descobertas de hidrocarbonetos nos reservatórios das bacias de margem leste brasileira. Esses reservatórios possuem organização complexa do espaço permoporoso, decorrente da sobreposição de fases de alteração meteórica ligada a processos diagenéticos e pedogenéticos. Apesar de acumulações bioclásticas serem comuns no registro sedimentar e importantes fontes de informações sedimentológicas, tafonômicas e paleoambientais, os processos de pedogênese e de diagênese meteórica em coquinas ainda são pouco conhecidos. O objetivo deste estudo é integrar as análises sedimentológicas com análises tafonômicas e de reconhecimento de feições de alteração superficial em conchas que ocorrem em depósitos holocênicos distribuídos na região do Pântano da Malhada e que irão conduzir a processos de geração de porosidade diferenciada em coquinas. Dos diversos depósitos que ocorrem na região da planície costeira do litoral do estado do Rio de Janeiro, foi escolhido o depósito Pântano da Malhada devido a sua expressiva extensão tanto lateral como vertical e ao alto grau de preservação do material. Esse depósito ocorre dentro da reserva Tauá, localizada no município de Armação dos Búzios. Para a realização do trabalho foi elaborado um perfil estratigráfico e a descrição sedimentológica com as características tafonômicas do intervalo. Adicionalmente foram coletadas amostras para identificação taxonômica, caracterização de feições tafonômicas, confecção de lâminas delgadas e imagens tomográficas, micro-CT de raioX e datação por radiocarbono. Nas caracterizações sedimentológicas e tafonômicas, a acumulação bioclástica revelou-se constituída predominantemente por biválvios, sendo a espécie Anomalocardia brasiliana a de maior representação numérica. As conchas ocorrem concentradas em duas camadas distintas no perfil. Na camada 2, as conchas compõem em torno de 70% do intervalo e ocorrem imersas em argila de cor 5PB 6/1, enquanto a camada 3 é constituída por uma menor proporção relativa de conchas, não superior a 20%, ocorrendo em argila escura orgânica de cor preta N3 a N2,5. Em laboratório, as assinaturas tafonômicas e de alteração superficial analisadas foram: articulação, fragmentação, dissolução, abrasão, coloração (brilho/cor) e bioerosão. A camada 2, mostra empacotamento denso, suportado por bioclastos e bem selecionado. As conchas exibem variações de orientação relativa de concordância com o acamamento (mais frequente) e ausência de orientação (distribuição aleatória). As concavidades voltadas para baixo ocorrem em 54% das conchas. No depósito ocorre uma mistura de valvas articuladas, desarticuladas e fragmentadas.

Palavras-chave: alteração meteórica, coquinas, Pântano da Malhada

INTRODUÇÃO O interesse no estudo das rochas formadas a partir da acumulação de bioclastos (coquina) tem aumentado muito nos últimos anos, devido a descobertas de hidrocarbonetos nos reservatórios das bacias de margem leste brasileiras. Esses reservatórios possuem organização complexa do espaço permoporoso, decorrente da sobreposição de fases de alteração meteórica ligada a processos diagenéticos e pedogenéticos. No litoral fluminense é comum a ocorrência de depósitos bioclásticos holocênicos, compostos por conchas de moluscos, que apresentam diferentes estágios de preservação das conchas e grande variabilidade faciológica vertical e horizontal nos depósitos. Apesar de acumulações bioclásticas serem comuns no registro sedimentar e importantes fontes de informações sedimentológicas, tafonômicas e paleoambientais (Kidwell & Holland 1991), os processos de pedogênese e de diagênese meteórica em coquinas ainda são pouco conhecidos. Na região do Pântano da Malhada, as acumulações bioclásticas são conhecidas desde a década de 1970 (Sant’Anna,1976; Brito & Carvalho, 1978). Estudos posteriores de caracterização tafonômica, identificação taxonômica, considerações paleoambientais e datações geocronológicas (Senra et al. 2003; Castro et al. 2009; Cunha & Castro, 2011; Cunha et al. 2012 e Castro et al. 2014), foram realizados, contudo, o foco de tais estudo não foi sobre os processos de alteração meteórica. O objetivo deste estudo é integrar as análises sedimentológicas com análises tafonômicas e de reconhecimento de feições de alteração superficial em conchas que ocorrem em depósitos holocênicos distribuídos na região do Pântano da Malhada e, que irão conduzir a processos de geração de porosidade diferenciada em coquinas. MATERIAIS & MÉTODOS Para a realização do estudo foram utilizadas as conchas provenientes de acumulação bioclástica que ocorrem a longo da planície costeira do litoral do estado do Rio de janeiro. Dos diversos depósitos que ocorrem nessa região foi escolhido o depósito Pântano da Malhada, devido a sua expressiva extensão tanto lateral como vertical e ao alto grau de preservação do material. Esse depósito ocorre dentro da reserva Tauá, localizada no município de Armação dos Búzios (Figura 1).

Figura 1 - Localização da área de estudo na região de Búzios. O círculo vermelho na imagem de satélite (Google Earth) indica a localização da reserva Tauá (22°45’11” S / 41°59’52” W datum: WGS84).

Em campo, foi realizada a descrição sedimentológica segundo o método de análise de fácies (Walker, 2006), levando em consideração as características tafonômicas (Kidwell et al., 1986). Adicionalmente as descrições, foram coletadas amostras de conchas para análises laboratoriais. As amostras foram cuidadosamente lavadas (para evitar uma maior abrasão e fragmentação), e os indivíduos ou fragmentos maiores que 2 mm foram quarteados para que fossem utilizados 150 indivíduos, selecionados de modo aleatório, para a realização das análises laboratoriais. Nas amostras selecionadas foram realizadas identificações taxonômicas, análise de feições tafonômicas, confecção de lâminas delgadas, imageamento por tomografia e micro-CT de raios-X e, adicionalmente, foram enviadas amostras para o laboratório Beta Analytic (localizado em Miami - EUA) para datação por radiocarbono. RESULTADOS Caracterização sedimentológica e tafonômica A acumulação bioclástica é constituída predominantemente por biválvios, pertencentes a três táxons: Anomalocardia brasiliana, Tellinidae sp. e Lucina pectinata. A espécie A. brasiliana possui o maior número de representantes com cerca de 80% do material coletado. As conchas ocorrem concentradas em duas camadas distintas (Figura 2). A camada 2 possui espessura variando entre 40 a 45 cm e apresenta contato erodido com a camada inferior 3. Nesta camada, as conchas compõem em torno de 70% do intervalo e ocorrem imersas em lama de cor 5PB 6/1 (bluish gray), sendo em sua maior proporção desarticuladas. A camada 3 possui espessura em torno de 30 cm e é constituída por uma menor proporção relativa de conchas, não superior a 20% e não registra a ocorrência de conchas articuladas. A camada é constituida por lama escura orgânica de cor preto N3 a N2,5.

Figura 2 - Trincheira escavada na reserva do Tauá mostrando a organização sedimentar dos depósitos.

Em laboratório, as assinaturas tafonômicas e de alteração superficial dos 150 indivíduos foram analisadas segundo os parâmetros de articulação, fragmentação, dissolução, abrasão, coloração (brilho/cor) e bioerosão. Nos indivíduos analisados, 93% dos biválvios ocorrem desarticulados, 71,64% possuem grau de fragmentação baixo (mais de 90% da valva da concha), 38,05% tem grau de dissolução ausente e 47,01% fraca dissolução, 70,15% apresentam fraca abrasão, 29,85% possuem marcas de bioerosão e 70,89% coloração ausente. Os dados indicam que os organismos foram expostos a curtos intervalos de exposição, o suficiente para a desarticulação das valvas; contudo, a exposição não gerou superfícies de dissolução proeminentes. Biotrama Para a caracterização do empacotamento e estabelecer a orientação relativa das conchas foram utilizadas imagens tomográficas de uma amostra não deformada coletada na camada 2 (Figura 3). A camada mostra empacotamento denso, suportado por bioclastos e bem selecionado, com mais de 60% dos indivíduos na classe granulométrica de 2-4 cm. As conchas exibem variações de orientação relativa de concordância com o acamamento (mais frequente) e ausência de orientação (distribuição aleatória). As concavidades voltadas para baixo ocorrem em 54% das conchas analisadas, 32% com concavidade para cima e 14% ocorrem articuladas ou verticalizadas. Na imagem também foi identificada mistura de valvas articuladas, desarticuladas e fragmentadas, indicando a variação de energia no ambiente com momentos de produção biológica alternados a momentos de fluxos subaquosos que exumam os organismos e que ficam susceptíveis a sofrer processos de abrasão e fragmentação.

Orientação das conchas 32%

14%

54%

Articulados ou verticalizados Valvas com concavidade para baixo Valvas com concavidade para cima

Figura 3 - Imagem tomográfica mostrando a disposição das conchas no depósito analisado (esq.). À direita, proporção relativa de conchas com orientação da concavidade, mostrando a predominância de valvas desarticuladas e com concavidade para baixo. CONCLUSÕES No depósito ocorre uma mistura de indivíduos articulados, desarticulados e fragmentados, indicando que além da produção biológica do local ocorreu uma variação de energia para a formação do depósito. A espécie Anomalocardia brasiliana possui representantes jovens e adultos indicando que a mortandade do depósito foi ocasionada por um evento não-seletivo. A sequência de alteração superficial do Pântano da Malhada dá-se do seguinte modo - Chuva (impacto de gota de água) impermeabilização da superfície com alagamento temporário - proliferação de cianobactérias na superfície expostas das conchas – ocupação por algas e por último bioestabilização por gramíneas. Novas possibilidades de estudos podem ser geradas a partir da caracterização dos processos que ocorrem nesse depósito, que podem ser utilizados como análogos a intervalos de coquinas na compreensão dos eventos que geram a acumulação e dos processos diagenéticos que ocorrem nesse tipo de depósito.

AGRADECIMENTOS  Programa de Capacitação de Recursos Humanos em Geologia do Petróleo (conv. PRH-ANP/MCT n.18)  Projeto “Análise geológica sedimentar de sucessões carbonáticas cretáceas em uma bacia sedimentar brasileira” (Fundação Coppetec proj. IGEO 15.981) desenvolvido pelo Laboratório de Geologia Sedimentar (Lagesed) da UFRJ, sob patrocínio da BG Brasil, com fundos da Participação Especial em P&D.  Laboratório de Instrumentação Nuclear (LIN) da COPPE-UFRJ, pela aquisição da imagem tomográfica.  Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq (Bolsa de Produtividade em Pesquisa Proc. 300857/2012-8). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRITO, I.A.M.; CARVALHO, M.G.P. (1978). Distribuição de invertebrados marinhos na planície costeira do rio São João, estado do Rio de Janeiro. Anuário do Instituto de Geociências, v.2, p. 56-70. CASTRO, J.W.A.; SENRA, M.C.E. & RAMOS, R.R.C. (2009). Coquinas da Reserva Tauá – Pântano da Malhada, CaboFrio, RJ. In: Sítios Geológicos e Paleontológicos, v.2, SIGEP, UNESCO, p. 269-276. CASTRO, J. W.; SUGUIO, K, SEOANE, J.C.S. CUNHA, A. M. & DIAS, F.F. (2014). Sea-level fluctuations and coastal evolution in the state of Rio de Janeiro, Southeastern Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências (Impresso), v. 86, p.671-683. CUNHA, A. M.; CASTRO, J. W. A. (2011). Identificação taxonômica e parâmetros paleoambientais da malacofauna holocênica da planície costeira do rio Una, município de Cabo Frio, RJ. In: XIII Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário - III Encontro do Quaternário Sul-americano, 2011, Armação dos Búzios, RJ. Anais do XIII Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário - III Encontro do Quaternário Sul-americano. CUNHA, A. M; CASTRO, J. W. A; DIAS, F. F. A. (2012). Importância da preservação das acumulações bioclásticas da planície costeira do rio Una, municípios de Cabo Frio e Armação dos Búzios, RJ, Brasil. Anuário do Instituto de Geociências (UFRJ. Impresso), v. 35, p. 58-=7. KIDWELL, S.M.; FURSICH F. & AIGNER, T. (1986). Conceptual framework for the analysis and classification of fossil concentrations. Palaios, v.1, p.228-238. KIDWELL, S. M.; HOLLAND, S. M. (1991). Field description of coarse bioclastic fabrics. Palaios, Tulsa, v. 6, n. 3, p. 426– 434. SANT’ANA, E.M. (1976). Estudo geomorfológico da área da Barra de São João e Morro de São João. Revista Brasileira de Geografia, v.37, n.3, p.3-15. SENRA, M.C.E.; SILVA, L.H.S.; BATISTA, D.S.; ASSIS, C.M & BARREIRO, R.M.C. (2003). Tafonomia e paleoambientes do Pântano da Malhada- Reserva Tauá, planície costeira de Armação dos Búzios/Cabo-Frio (Quaternário superior), estado do Rio de Janeiro, Brasil. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO QUATERNÁRIO, IX, 2003, Recife. Anais do Congresso Brasileira de Estudos do Quaternário, Recife, 2003. 1 CD-ROM. WALKER, R.G., (2006). Facies models revisited: introduction. In: Posamentier, H.W., Walker, R.G. (ed.), Facies Models Revisited. Society for Sedimentary Geology, Special Publication 84, 1-19.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.