Administração da Justiça em espaços coloniais. A experiência imperial portuguesa e os seus juízes, na época moderna

Share Embed


Descrição do Produto

Administração da Justiça em espaços coloniais. A experiência imperial portuguesa e os seus juízes, na época moderna por Nuno Camarinhas Abstract. – This paper proposes to study the early-modern Portuguese magistracy to demonstrate a specific character of the Portuguese imperial experience which resided in an intense circulation of its agents, either between different colonial territories, either between the colonies and mainland Portugal. It underlines the precociousness of its bureaucratization, which derives from the notion of royal service and its non-transactional nature, since the early 16th century. The paper elaborates on the role played by magistrates and their circulation in the construction of a common juridical space that is built by the Portuguese crown throughout the early-modern period in its overseas territories. It ends up proposing some exploratory methodologies to map and measure the construction and extension of this bureaucratic network, making use of both prosopographical data and network analysis methods.

Introdução Este texto parte da ideia de circulação intensa de agentes da coroa por­ tuguesa dentro do espaço colonial e entre o espaço colonial e Portugal. Por trás desta proposta, está a hipótese de que, na transição da época medieval para a época moderna, se verifica uma burocratização precoce do aparelho judicial português que estimula e facilita essa circulação. Um passo se­ guinte, para o qual serão dadas breves indicações, uma vez que se trata de trabalho a fazer nos próximos tempos, seria o de propôr uma cartografia da rede burocrática ao longo da época moderna – as suas ligações, a frequência da circulação e a sua intensidade. O espaço colonial sob jurisdição directa da coroa portuguesa é um espaço real, que vai sendo implementado no terreno, num processo longo de estabelecimento e extensão, que se prolonga desde meados do séc. XVII Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas  52 © Böhlau Verlag Köln/Weimar/Wien 2015

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

110

Nuno Camarinhas

até inícios do séc. XIX, quando é interrompido por dois fenómenos fracturantes de natureza política: as reformas constitucionais e a independência do Brasil. A análise aqui apresentada trabalha com uma ideia muito específica de espaço jurídico, na medida em que se centra nos territórios sob a jurisdição primordial de agentes nomeados pela coroa de forma continuada. Como veremos, trata-se de um espaço descontínuo e dotado de grande plasticidade, com diferentes dinâmicas, muitas vezes em contracorrente, quando consideramos o conjunto dos territórios ultramarinos portugueses. Como trabalhamos sobre este espaço jurídico específico, o Brasil será, sobretudo ao longo do séc. XVIII, o epítome da reprodução ultramarina de um sistema cujas origens mais remotas se encontram na Península Ibérica medieval. O Estado Português da Índia, pelo contrário, apesar de ter conhecido um primeiro impulso de transposição de administração metropolitana com a criação da Relação de Goa, nunca conhecerá o desenvolvimento de estruturas jurisdicionais inferiores que se estabeleceram na América portuguesa ou nos arquipélagos atlânticos. Falamos, mesmo assim, de um espaço jurídico extenso, em permanente reconfiguração e que coexiste com diversas outras realidades jurídicas, quer no seu interior, quer nas suas fronteiras. À semelhança do que se passa no reino de Portugal, onde a jurisdição da coroa coexiste com outras jurisdições privilegiadas, o espaço colonial português da época moderna é um mosaico dinâmico de diversificadas formas de administração do direito. O espaço jurídico de que aqui nos ocupamos coincide, grosso modo, com a vigência de capitanias-donatarias e de concelhos, coexistindo com outros espaços de administração da justiça: feitorias (predominantes na costa ocidental africana e no Índico), fortalezas ou contratos com particulares que dão origem a formas de administração indireta, são diferentes formas de domínio político sobre os territórios ultramarinos.1 No interior do espaço jurídico de que aqui tratamos há uma continuidade e transposição de um sistema de saberes e de práticas, com longa tradição de aplicação no reino, para os espaços coloniais, nomeadamente para o Brasil, que é, no período moderno, o território ultramarino onde o estabelecimento do aparelho judicial português conheceu a sua maior complexidade. O tipo de jurisdições que são criadas e mantidas pela coroa em ambiente colonial, com adaptações, são claramente uma reprodução do que existia no reino. A actividade judicial atesta esse espaço comum, na medida em que existe uma clara continuidade entre espaço metropolitano e ultra1 Para uma análise detalhada destas diferentes formas políticas, veja-se António Manuel Hespanha, “Estruturas político administrativas do Império portugués”: Joaquim Romero de Magalhães (ed.), Outro mundo novo vimos. Catálogo da exposição (Lisboa 2001), pp. 23–39.

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

111

Administração da Justiça em espaços coloniais

marino, com circulação de agentes dentro de um aparelho judicial que é comum e alargado aos vários territórios coloniais. Trata-se de um espaço jurídico que se cria depois de processos de descoberta e/ou ocupação territorial, estabelecimento de populações europeias, exploração económica dos recursos naturais ou agrícolas da região e consequente crescimento demográfico e dinamismo económico que cria novos centros de poder em contexto ultramarino. O espaço jurídico de que este texto trata vai muito a par com a importância que a coroa atribui aos terri­ tórios, que se transcreve na sua vontade de aumentar a sua presença ad­ministrativa, nomeadamente com o envio de magistrados fixos, no sentido de administrar uma população europeia crescente e, ao mesmo tempo, de garantir os direitos da coroa sobre os territórios mais dinâmicos. Trata-se de um sistema jurídico que dispõe de várias instâncias, reproduzindo de forma adaptada, o que se verifica no reino. A adaptação faz-se sobretudo para responder às dificuldades e contingências logísticas (dificuldade de manter um aparelho denso à distância, no ultramar, em territórios extensos, realidade dispersa da ocupação humana nas colónias), mais do que por adaptação a realidades pré-existentes. É um espaço que cobre não apenas as elites mas toda a população europeia ou até a que com ela se relaciona, numa heterogeneidade jurisdicional que, se quisermos, não difere muito do que se praticava no reino, embora aqui a componente étnica tenha um peso determinante. O ultramar português organiza-se de forma distinta consoante as realidades territoriais: regiões económica ou políticamente mais importantes conhecem um aparelho administrativo judicial mais complexo do que regiões mais periféricas. A justiça letrada coexiste, no espaço imperial alargado ou até em cada região tomada separadamente, com justiças ordinárias, justiça eclesiástica, justiça militar ou justiça senhorial. O que me parece importante notar é que este tipo de pluralidade não é específica do espaço jurídico colonial, uma vez que já existe no contexto europeu da época moderna e pré-moderna. O objecto deste estudo são os agentes, a magistratura letrada nomeada pela coroa, na medida em que ela dá corpo a um aparelho (que nesta análise acaba por se confundir bastante com ideia de espaço jurídico comum) com ambição de englobar vastos espaços territoriais sob uma mesma forma de administrar e regular. A magistratura letrada contribui para a formação do espaço jurídico de diferentes formas: personifica a própria ideia de jurisdição (e o papel individual de cada magistrado, a carga pessoal que confere ao serviço, não é de descurar na análise); circulam entre diferentes regiões do império contribuindo para a criação de um espaço comum; homogenizam as formas de administração, transportando consigo saberes e práticas

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

112

Nuno Camarinhas

adquiridas numa mesma e única Universidade jurídica (Coimbra), obedecendo a uma estrutura centralizada (o Desembargo do Paço); mas, ao mesmo tempo, também entram em conflito com entidades locais o que também, a contrario senso, contribui para a construção do espaço pelos problemas que vai levantando, quer localmente, quer junto dos centros decisores, e pelas respostas que deles vai exigindo. Há um prolongamento das práticas aprendidas e trazidas da metrópole. A base legal geral e comum a todos os territórios sob administração dos agentes da coroa são as Ordenações Filipinas, mesmo em espaço colonial. E há um alargamento lento, gradual, circunstanciado, do território sob jurisdição letrada. Cada criação de um lugar novo repete uma série de protocolos nessa extensão, que remetem para experiências anteriores mas que não são especialmente diversos do que era prescrito para a criação de jurisdições novas no reino. Sendo aplicado um direito único e comum a todos os territórios (as Ordenações) vale por dizer que, ao contrário do que se passa na experiência espanhola, não existe um «direito índio». O que se verifica são actuações pontuais do centro no sentido de responder a questões específicas levantadas pelas colónias, normalmente resolvidas pelos tribunais de relação brasileiros (Baía e, mais tarde, Rio de Janeiro) ou pelos tribunais centrais do reino (Casa da Suplicação, Conselho Ultramarino, em Lisboa). As cidades dos domínios portugueses são tratadas como extensões ultramarinas do reino, tendo mesmo representação em Cortes como as congéneres de Portugal. Decretos régios e assentos dos tribunais de relação vão procedendo à actualização/adaptação das Ordenações à realidade colonial. As propostas que serão avançadas neste texto prendem-se essencialmente em como o estabelecimento de um aparelho judicial pluricontinental e a circulação de magistrados contribui para a criação de um espaço jurídico comum. Em termos metodológicos, esta análise é profundamente devedora dos trabalhos que começaram por pensar o império português como rede, na sequência das sugestões de outros historiadores que trabalharam outras realidades (como o comércio), ou que se centraram nas questões do poder. Partindo da nossa análise prosopográfica da magistratura portuguesa,2 dispomos de uma imensidão de dados que podem ser usadas, fazendo uma quase revolução coperniciana, em que o foco se transfere dos homens para as estruturas burocráticas. Com este processo simples, usando os mesmos dados, podemos conceber pontos num mapa global (as jurisdições letradas), unidos por laços que representavam a passagem de agentes de um serviço para outro. Nuno Camarinhas, Juízes e administração da justiça no Antigo Regime. Portugal e o império colonial, séculos XVII–XVIII (Lisboa 2010). 2

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

113

Administração da Justiça em espaços coloniais

A existência de uma ligação entre dois pontos indicando a possibilidade de circulação; a repetição desses movimentos entre dois pontos indicando a frequência dessa circulação. O resultado será um mapa que não só representa a extensão do espaço jurídico como identifica os caminhos percorridos pelos seus agentes no seu interior, a existência ou inexistência de relações entre as suas partes, os caminhos principais e os secundários, etc. Estes dados provêm sobretudo da documentação produzida pela administração central enquanto instância de nomeação e gestão do pessoal judicial ao serviço da coroa portuguesa. Trata-se de fontes de carácter essencialmente burocrático, adequadas a este estudo (processos individuais de admissão de magistrados, registos de progressão na carreira, cartas de nomeação, listagens), complementadas por um útil e inédito dicionário ­biográfico de juízes portugueses, um manuscrito do séc. XVIII. Na continuação do meu trabalho, outro tipo de fontes de carácter local (que permita aferir conflitos em torno da criação de novas jurisdições) ou até de carácter não oficial (como relatos de viagem, correspondência privada de magis­ trados, memórias), deverão ser igualmente trabalhadas para aprofundar a análise. Este trabalho está estreitamente ligado ao trabalho de António Manuel Hespanha com quem tenho tido o privilégio de poder trabalhar. As propostas de Hespanha,3 de resto, inscrevem-se numa corrente historiográfica mais alargada que engloba a historiografia espanhola (com destaque para a sua proximidade com Bartolomé Clavero4), dialoga intensamente com as historiografias italiana e alemã, e tem tido uma alargada recepção junto da historiografia brasileira, onde tem influenciado toda uma geração de novos historiadores que trabalham com as questões da política e do direito. A administração da justiça no Brasil da época moderna, de resto, tem suscitado o florescimento de estudos, desde meados da década de 1970,5 até ao novo impulso que decorreu da recepção dos estudos de António Hespanha, em torno de João Fragoso, Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa,6 3 Para este texto, destacamos, sobretudo, António Manuel Hespanha, As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal, século XVII (Coimbra 1994); idem, “Estruturas político administrativas do Império portugués”: Carminhas (ed.), Juízez (nota 2), pp. 23–39; idem, “Early Modern Law and the Anthropological Imagination of Old European Culture”: John A. Marino (ed.), Early Modern History and the Social Sciences. Testing the Limits of Braudel’s Mediterranean (Kirksville 2002), pp. 191–204. 4 Bartolomé Clavero, Los derechos y los jueces (Madrid 1988); idem, La grâce du don (Paris 1996). 5 Com o seminal estudo de Stuart B. Schwartz, Burocracia e sociedade no Brasil colonial (São Paulo 1979). 6 João Fragoso/Maria Fernanda Bicalho/Maria de Fátima Gouvêa (eds.), O Antigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI–XVIII) (Rio de Janeiro 2001).

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

114

Nuno Camarinhas

passando por trabalhos de fôlego sobre instituições coloniais,7 monografias sobre diversas jurisdições e as suas relações com os poderes locais,8 ou o cruzamento destes factores com o da escravatura.9

A especificidade da experiência portuguesa Em meados do séc. XVII, quando começa a análise deste texto, a coroa portuguesa está reunida à espanhola, conservando, no entanto, uma autonomia que se reflecte, inclusivamente, na distinta administração dos seus territórios ultramarinos. A presença portuguesa atingiu já a sua extensão máxima, restando agora intensificar a penetração no interior dos seus domínios. O império português é pluricontinental, tem uma dimensão de rede, assentando, muitas vezes, mais em domínio de circuitos do que em domínio territorial, sobretudo nos locais onde encontra maior resistência.10 Dentro deste espaço, que vai dos arquipélagos atlânticos mais próximos do reino ao Brasil, passando por África (ocidental e oriental), uma presença importante na Índia, chegando ao extremo oriente, circulam pessoas. Desde logo cir­ culam pessoas envolvidas no comércio e na sua defesa, essas dimensões (mercantil e militar) andando muitas vezes a par. Mas, à medida que o domínio se vai tornando mais permanente, circulam também agentes de administração. Duma administração de Antigo Regime, isto é, que se reparte por dimensões diversas que, por sua vez, se justapõem, coexistem, algumas vezes competem. Administração política, que muitas vezes se confunde com administração judicial, mas também administração eclesiástica, fiscal ou militar. Os territórios administrados, tão distantes entre si, têm também características muito distintas e, sob a mesma coroa, coexistem territórios onde a presença régia é mais marcada, com outros onde a administração é delegada em agente religiosos, militares ou senhoriais.11 Mas há circulação também destes agentes régios.

Arno Wehling/Maria José Wehling, Direito e Jjustiça no Brasil colonial. O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751–1808) (Rio de Janeiro 2004). 8 Entre outros, veja-se o trabalho recente de Isabele Mello, Poder, administração e justiça. Os ouvidores gerais no Rio de Janeiro (1624–1696) (Rio de Janeiro 2011). 9 Silvia Hunold Lara/Joseli Maria Nunes Mendonça (eds.), Direitos e justiças no Brasil. Ensaios de história social (São Paulo 2006). 10 Catarina Madeira Santos/António Manuel Hespanha, “Os poderes num império oceánico”: José Mattoso (ed.), História de Portugal, vol. IV (Lisboa 1993), pp. 351–396. 11 António Manuel Hespanha, Cultura jurídica europeia. Síntese de um milénio (Coimbra 2012), pp. 278–283. 7

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

115

Administração da Justiça em espaços coloniais

Proponho centrar-me na administração judicial por dois motívos essenciais: porque creio ser aquela onde esta característica da circulação é mais notória; e porque, para o debate promovido no âmbito deste simpósio, lanço a hipótese da grande contribuição destes agentes (e da sua circulação) na criação de um espaço judicial (ou espaços judiciais) em contexto colonial. Se nos focamos na administração letrada da justiça, falamos de um universo jurisdicional específico: o dos territórios controlados pela coroa, onde se aplica o direito régio, servido por magistrados centralmente seleccionados a partir de critérios uniformes que incluem, desde logo, a posse de um grau universitário em direito. Não é só nos territórios ultramarinos que a diversidade de jurisdições existe no terreno; mesmo no reino, no final da época moderna, coexistem territórios directamente submetidos a esta justiça letrada, com territórios onde a justiça quotidiana é ministrada por juízes não letrados, muitas vezes iletrados, ditos «juízes ordinários», que aplicam um misto de direito régio com usos e costumes locais. O argumento, aqui, é que esta matriz heteróclita, pré-existente no reino, é facilmente transposta para os territórios ultramarinos. Há, contudo, uma grande diferença de escala: no reino, os territórios sob jurisdição letrada (da coroa ou de donatários senhoriais que aplicam o direito régio), embora não maioritários, são proporcionalmente maiores do que no ultramar. No ultramar, os espaços de aplicação directa e quotidiana da justiça letrada são pontuais e específicos, embora com tendência a crescer ao longo do séc. XVIII. Há que matizar esta ideia, contudo, com o papel desempenhado pelas jurisdições de nível regional (corregedores, no reino, e ouvidores, no ultramar), que, pelo menos no papel, são nomeados para exercer um controlo transversal das jurisdições inferiores, sejam elas letradas ou ordinárias. Mas, aqui, já não se trata tanto de um justiça quotidiana, próxima, em primeira instância, mas uma justiça de recurso e de fiscalização. No entanto, não deixa de contribuir para a criação do espaço jurídico, na medida em que vincula os níveis inferiores a uma forma (erudita, ibérica, europeia) de conceber o direito. O aparelho judicial ao serviço desta justiça letrada vai-se complexificando ao longo da época moderna. No reino, o ritmo de crescimento é mais lento uma vez que as estruturas que vão vigorar ao longo do período estão quase todas criadas nas primeiras décadas do séc. XVII. No ultramar, pelo contrário, o crescimento do aparelho é mais tardio e diferenciando, consoante as regiões. Depois dos arquipélagos atlânticos da Madeira e dos Açores, o Brasil é a região onde a coroa mais depressa procura estabelecer uma extensão do seu aparelho judicial com características semelhantes às que existiam no reino (criação, ao longo do séc. XVII e sobretudo do XVIII, de instâncias locais, regionais e centrais). Em África (Cabo Verde, São

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

116

Nuno Camarinhas

Tomé, Angola), há uma versão mais resumida do aparelho (apenas com instâncias locais e de fiscalização), e na Índia, região de instalação mais precoce de estruturas judiciais, mas onde a presença territorial portuguesa se resume a pontos de apoio muito localizados, o que vai existir é um aparelho invertido, praticamente apenas com um tribunal de relação (em Goa), cujos juízes acabam por desempenhar funções de fiscalização sobre o território sob a sua jurisdição, uma vez que as instâncias locais são pontuais e as regionais inexistentes. É este o cenário ao longo da época moderna. E é por este cenário que vão circular os nossos agentes, de uma forma que eu proponho pensar como específica da experiência portuguesa. No caso da administração da justiça, em Portugal, há uma burocratização precoce que deriva do facto de os ­ofícios de justiça serem, desde muito cedo (a partir de 1539 é obrigatória formação universitária em direito),12 excluídos da prática da venalidade. Os juízes letrados eram nomeados pela coroa por períodos limitados e con­ trolados por órgãos burocráticos centrais. O resultado é a criação e o desenvolvimento, logo desde meados do séc. XVI, de um corpo de oficiais judiciais, um mundo de funcionários com critérios endógenos de promoção – o “mérito”, embora numa acepção fortemente corporativa e autorreferencial – que permitia o estabelecimento de laços profissionais e pessoais sobre os quais se constituíu uma esfera de comunicação (jurídica, política e administrativa) forte, eficiente e espacialmente estendida. A precocidade da burocratização cria uma originalidade da expansão portuguesa, sem paralelo noutras experiências imperiais europeias: a da construção, ao longo da época moderna, de um aparelho pluri-continental no interior do qual se verifica uma intensa circulação de agentes. Os outros impérios europeus conhecem outro tipo de realidade, com a venda de ofícios e uma maior fixação dos agentes nos seus locais de serviço, a título vitalício. A especificidade portuguesa está relacionada com a importância da justiça letrada, como grupo menos patrimonializado do oficialato, culturalmente muito homogéneo e forçado a circular, construindo uma rede à escala global. A própria lógica do serviço – temporário, por triénios, sempre com a promoção em vista – força a circulação. Depois de ocupar um lugar, o magistrado cessante, cumpridos os requisitos da boa avaliação do seu serviço, será promovido a um novo ofício, noutro lugar, com uma jurisdição

12 Carta de lei de 13 de Janeiro de 1539. Veja-se José Anastácio de Figueiredo, Synopsis chronologica de subsidios ainda os mais raros para a historia e estudo critico da legislação portugueza, Tomo I (Lisboa 1790), pp. 383–384.

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

117

Administração da Justiça em espaços coloniais

mais elevada. O que é interessante no caso português é a forma como o serviço de lugares no reino pode ser facilmente intercalado com serviço no ultramar e vice-versa, num tabuleiro de jogo que não está geograficamente compartimentado, uma vez que a sua extensão é global. Existem, contudo, lógicas de circulação, muitas delas criadas pela própria estrutura hierárquica do aparelho. É a essas lógicas que gostaríamos de dedicar o nosso trabalho futuro e sobre as quais apresento aqui uma primeira proposta de metodologia de análise.

Uma rede burocrática Quando falamos de circulação de agentes, estamos a referir-nos, especificamente, à circulação de juízes letrados. Abaixo dos magistrados, outros ofícios judiciais de acompanhamento (escrivães, tabeliães, solicitadores, entre outros), conhecem outras lógicas uma vez que a eles não estava vedada a propriedade. A este nível, pelo contrário, os ofícios são propriedade de indivíduos e, se bem que de formas muitas vezes dissimuladas, são objecto de transacções.13 Dentro deste aparelho, coexistem indivíduos que criculam com indivíduos que se fixam, também eles desempenhando um papel na criação do espaço jurídico que convirá questionar noutra ociasião. Aqui, centramo-nos nos juízes e na sua intensa mobilidade. Proponho aqui a ideia de uma rede burocrática como algo que vai para além da simples movimentação de magistrados dentro do aparelho. Os movimentos são ainda mais complexos bem como os conteúdos dessa mesma rede. Desde logo, para além da circulação de indivíduos entre postos, há a própria circulação dos magistrados no interior das suas jurisdições em serviço (em correição, em devassas), facto que, em territórios ultramarinos, de fixação humana mais dispersa e pouco sedimentada, adquire uma importância acrescida em relação ao que era a prática no reino. Para além disso, existe a circulação de pares, de outros magistrados, condicionada pelo próprio serviço das letras, nomeadamente quando, terminado o triénio, o órgão central de gestão do corpo judicial, procede à sindicância (“residência”) dos juízes cessantes.14

13 Roberta Stumpf/Nandini Chaturvedula (eds.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas. Provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII–XVIII) (Lisboa 2012). 14 Sobre o processo de controlo das magistraturas e ofícios em Portugal, veja-se Nuno Camarinhas, “As residências dos cargos de justiça letrada”: Stumpf/Chaturvedula, Cargos e ofícios (nota 13), pp. 161–174.

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

118

Nuno Camarinhas

Para além dos agentes, outras entidades, participantes, todas, na criação deste espaço jurídico, circulam no interior deste aparelho. Com os magistrados viajam também livros e papéis (cartas, processos, memoriais, etc.), que também contribuem para o estabelecimento desta rede que, neste sentido, é também uma rede de comunicação. Viajam ideias e crenças sobre o que é o direito e o que é a justiça, sobre o que é governar. Viaja, igualmente a experiência anterior. A experiência imediatamente anterior, dos outros lugares por eles servidos, mas também a experiência mais remota dos bancos da Universidade ou da primeira entrada no Desembargo do Paço, o tribunal supremo do reino onde era feito o exame de acesso à carreira. O papel destas duas instituições parece-me de enorme importância na configuração do espaço jurídico. No Portugal da época moderna, apenas uma universidade, Coimbra, formava estudantes em direito (civil ou canónico). Não existe qualquer universidade no ultramar ao longo de toda a época moderna. Os futuros magistrados passam todos, obrigatoriamente (com a excepção de um ou dois, em mais de 6000, vindos de Salamanca), por Coimbra, o grande centro de formação da elite judicial portuguesa. Para ingressar no serviço da justiça da coroa, um segundo passo era requerido: o exame no Desembargo do Paço, o tribunal de graça régio, igualmente responsável pela gestão de todo o pessoal judicial.15 Ao exigir-se o exame, está a criar-se uma segunda instância de selecção, superior à universidade na medida em que a sucede, para decidir da aptidão para o serviço régio e para administração da justiça. Para além desse primeiro momento, o da selecção inicial, é ao Desembargo do Paço que cabe, depois, ao longo da carreira dos magistrados, a tarefa de gerir o corpo judicial, inspeccionando o serviço e decidindo das futuras nomeações. Mais um elemento forte de uniformização do espaço jurídico.

Perfil dos agentes Não me vou alongar aqui sobre o perfil dos magistrados ao serviço da coroa.16 Apenas tentarei reter alguns traços gerais para compreendermos de que tipo de indivíduos estamos a tratar. Como se disse o grande traço comum entre eles é o da formação em direito na universidade de Coimbra, em números equilibrados entre direito civil e canónico, com tendência para Sobre o Desembargo do Paço, o estudo de referência continua a ser José Subtil, O Desembargo do Paço (1750–1833) (Lisboa 1996). 16 Para uma análise mais detalhada, veja-se Camarinhas, Juízes e administração da justiça (nota 2), sobretudo o cap. 3. 15

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

119

Administração da Justiça em espaços coloniais

um decréscimo de Cânones ao longo da segunda metade do séc. XVIII. Outro grande traço comum, que não convém menosprezar, é o da uniformização social e étnica que era introduzida logo no momento do exame no Desembargo do Paço. A precedê-lo, eram feitas inquirições sobre os candidatos e a sua família, por forma a excluir qualquer traço de origem moura ou judia e a limitar ao máximo o perfil mecânico dos futuros magistrados. Em relação a este último existia alguma abertura para, por via da graça régia, serem criadas situações de excepção em casos pontuais por troca com a disponibilização dos candidatos afectados para servirem nos lugares ultramarinos, tidos como mais difíceis e perigosos.17 Quanto à origem geográfica dos magistrados que vão compondo este corpo, verificamos um peso enorme de Lisboa, a capital, seguido das províncias mais populosas e dinâmicas do reino, com algum destaque para as comarcas de Coimbra e Porto. Mas duas notas são interessantes de ressaltar: por um lado, o do peso grande de regiões menos conotadas com os grandes centros urbanos da época moderna, mas onde existe uma elite local, terratenente, tradicionalmente arredada dos círculos burocráticos do centro, mas que vê no ingresso na carreira das letras dos seus filhos segundos uma via de consolidação do capital social da família. Por outro, um fenómeno extremamente interessante e até há pouco tempo inapercebido: o do crescimento grande, sobretudo ao longo do séc. XVIII dos magistrados naturais do Brasil, cujas famílias tinham capacidade para investir na formação dos seus filhos, enviando-os para Coimbra, no sentido de ingressarem numa carreira que trazia prestígio e capital simbólico. Na segunda metade do séc. XVIII, o Brasil é a segunda região a fornecer magistrados para o corpo judicial, atrás apenas de Lisboa, a capital macrocéfala e centrípeta do reino. Outro aspecto que gostaria de assinalar neste perfil é o da importância da pertença a famílias de juristas na formação deste corpo. Podemos falar em casos de verdadeiras dinastias de juristas, em que se sucedem, ao longo de gerações, magistrados que serviram a coroa. Nem sempre a configuração destas famílias é linear (avô jurista, pai jurista, filho jurista); muitas vezes a linha faz-se entre tios e sobrinhos ou, inclusivamente, em movimentos que nos deixam crer em estratégias de uniformização, por casamento de magistrados com filhas ou sobrinhas de magistrados. Se observarmos o corpo dos magistrados na sua globalidade, o peso relativo destas famílias não é muito 17 Trata-se da «dispensa com termo», como referem as fontes da época, que consistia no comprometimento do candidato a servir lugares ultramarinos em troca da possibilidade de ser admitido ao serviço apesar de concorrerem nele falhas no perfil social que, à partida, seriam impeditivas do serviço régio, veja-se Camarinhas, Juízes e administração da justiça (nota 2), cap. 4.1.3.

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

120

Nuno Camarinhas

grande, quando comparada com a mole imensa que o constitui e que é principalmente composta por indivíduos sem parentescos com outros magistrados. Mas quando observamos mais de perto os percursos dos membros destas famílias, apercebemo-nos que é em grande medida entre elas que são recrutados os indivíduos que atingem os lugares mais elevados da carreira que são, ao mesmo tempo, os lugares de decisão e, até, de configuração do corpo judicial, pelo papel de regulação e de gestão do aparelho desempenhado pelos tribunais centrais. Para além das funções de selecção de novos elementos para o corpo dos juízes letrados da coroa e de nomeação para novos ofícios, desempenhadas pelo Desembargo do Paço, os tribunais de relação, e, presidindo a todos eles, a Casa da Suplicação, julgam todos os casos decorrentes de desvios na conduta dos juízes cessantes, detectados pelas sindicâncias («residências»).

Mapeando a rede O que fazer, então, para melhor compreender esta rede? Como estudá-la? Precisamos conhecer a sua configuração, a sua evolução no tempo, a sua inscrição no espaço, o peso relativo dos pontos e das linhas que a constróiem. Ainda estamos numa fase muito inicial desta análise, mas gostaria de partilhar algumas ideias sobre o método e os primeiros achados.18 Em termos metodológicos, o procedeu-se a uma inversão de perspectiva sobre os dados prosopográficos de que dispunhamos, e que serviram de base para o estudo da magistratura portuguesa de Antigo Regime. Os dados prosopográficos são, como o próprio método implica, centrados nos indi­ víduos. Mas se eles estiverem correctamente formatados, facilmente se inverte o foco dos indivíduos para as estruturas institucionais. Foi isso que fizemos: transformámos uma série de indivíduos numa série de lugares servidos por indivíduos. O foco, agora, é nos lugares (nas jurisdições) e os indivíduos servem apenas para nos ajudar a perceber como esses lugares se relacionam entre si no grande roteiro da circulação burocrática. Com esta inversão obtemos outro tipo de dados que nos permitem tentar mapear a rede burocrática que vai sendo criada ao longo do período moderno, num esforço para identificar recorrências no movimento dos agentes mas igualmente, e com o mesmo interesse, identificar ausências de movimentos entre determinados territórios. Noções de centralidade, periferia e ultra-periferia 18 Uma primeira exposição desta metodologia foi apresentada em Nuno Camarinhas, “Justice administration in early modern Portugal: Kingdom and empire in a bureaucratic continuum”: Portuguese Journal of Social Sciences 12:2 (2013), pp. 179–193.

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

121

Administração da Justiça em espaços coloniais

podem ser analisadas não apenas à luz do seu estatuto jurídico mas também de acordo com as lógicas burocráticas de funcionamento do aparelho judicial. O resultado ambicionado será uma cartografia da administração judicial nos territórios sob administração portuguesa na época moderna, de que aqui apresentaremos um primeiro esboço.

Fig. 1. Rede de circulação dos letrados com passagem pelo Brasil – mais de 5 ligações (1620–1750)

O método que utilizámos é emprestado da análise de redes sociais e baseiase num conceito designado por «2-mode affiliation», desenvolvido por cientistas sociais para estudar fenómenos como o da pertença a clubes ou associações, ou presença de indivíduos em diferentes órgãos de direcção de empresas, por exemplo.19 Neste texto, utilizamos este método para reconstituir a circulação. Na nossa rede, cada ponto ou nó representa um dado cargo judicial e cada linha representa o movimento de um magistrado de um cargo para outro. Se mais magistrados repetem o mesmo movimento entre esses mesmos dois lugares, há uma recorrência, representada por uma linha mais espessa que atribui mais ou menos peso a esse circuito. Pontos, na rede, que não se ligam, representam lugares de e para onde nunca, ou raramente, se passa.

Walter de Nooy/Andrej Mrvar/Vladimir Batagelj, Exploratory social network analysis with Pajek (Cambridge 2011), cap. 5. 19

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

122

Nuno Camarinhas

Fig. 2 – Rede de circulação dos letrados com passagem pelo Brasil – primeira fase (1620– 1750)

Aqui propomos um pequeno estudo com base apenas nos letrados com passagem pelo Brasil, para melhor se integrar essa passagem no fenómeno mais geral da carreira das letras. Apresentam-se três gráficos, todos baseados apenas na circulação entre lugares que se repete por mais de 5 vezes. No primeiro (fig. 1) vemos a totalidade da rede de circulação mais frequente. Para se compreender melhor dividimo-la em dois momentos, representados pelos dois gráficos seguintes. No segundo (fig. 2), observamos a rede de circulação dos ministros antes de abandonarem a fase de nomeações temporárias, isto é, entre o reino e o ultramar (que não apenas o Brasil), até eventualmente atingirem os lugares de desembargador num tribunal de relação ultramarino; no terceiro (fig. 3), observaremos a circulação entre os lugares ultramarinos e os tribunais de relação do reino e demais grandes conselhos. O que observamos vem relativizar um pouco a ideia de uma circulação muito intensa entre jurisdições locais no Brasil. Se observarmos as diferentes ouvidorias, elas estão relacionadas ou com lugares no reino ou com as relações brasileiras. As excepções são os grandes centros brasileiros da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, onde se verifica alguma circulação no interior dos seus diferentes lugares. Dois casos interessantes: a ligação entre a ouvidoria de Angola ou de Cabo Verde e a Relação da Bahia e a ausência de ligações entre a Índia e esta região do ultramar português. Para a nossa proposta, o que nos parece mais relevante, mais do que a circulação dentro

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

123

Administração da Justiça em espaços coloniais

Fig. 3 – Rede de circulação dos letrados com passagem pelo Brasil – segunda fase (1620– 1750)

de mesmas regiões, são os fluxos de magistrados que chegam ao ultramar depois de servirem lugares no reino, regressando depois para lugares mais elevados. Na segunda fase, a dos letrados que conseguem subir às relações no reino, destacamos dois fenómenos mais marcantes: a intensa circulação de magistrados da relação da Bahia para a do Porto, verdadeira porta de entrada no regresso ao reino depois de adquirido o estatuto de desembargador; e a ligação directa da Relação de Goa com a Casa da Suplicação (sem passar pela Relação do Porto), o que atesta a importância simbólica do tribunal indiano, decorrente da posição de Goa no xadrez político do Portugal da época moderna (Estado da Índia, vice-reinado).20 Quando se cruzar a dimensão geográfica, e se proceder a uma observação mais fina e detalhada da totalidade dos movimentos, será possível compreender melhor a estrutura da circulação, medir centralidades e periferias nessa estrutura, identificar lugares-chaves e becos sem saída. A experiência imperial portuguesa da época moderna coloca muitos desafios à visão tradicional de um império dominador e centralizado. A presença portuguesa no ultramar foi heterogénea e descentralizada, com uma 20 Catarina Madeira Santos, Goa é a chave de toda a Índia. Perfil político da capital do Estado da Índia (1505–1570) (Lisboa 1999); Ângela Barreto Xavier, A invenção de Goa. Poder imperial e conversões culturais nos séculos XVI e XVII (Lisboa 2008).

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

124

Nuno Camarinhas

forte componente de policentrismo. Territórios onde a dominação territorial era mais efetiva, coexistiam com outros onde o domínio era negociado ou partilhado com poderes nativos. O espaço jurídico a que aqui nos referimos e que propomos analisar sob a perspetiva da rede burocrática que contribuiu para a sua uniformização, corresponde, grosso modo, aos territórios onde a vontade e possibilidade de dominação foi mais eficiente. Ele próprio, com a sua cronologia e uma plasticidade que vai alterando a sua configuração ao longo da época moderna. Num primeiro momento, as atenções estão muito voltadas para o Estado da Índia e para os territórios que servem de base para a sua navegação. Assim se compreende a precedência da criação de grandes jurisdições para a Índia que, inicialmente, servirão de modelo ao Brasil. Antes, ainda, e graças à sua proximidade geográfica, temos os arquipélagos atlânticos, para onde, do ponto de vista da administração judicial se transpõem jurisdições muito decalcadas das ouvidorias senhoriais do reino. Quando a ocupação territorial do Brasil se começa a concretizar cada vez mais para o interior, impulsionada pelo crescimento da sua importância económica e demográfica, ao longo do final do séc. XVII e primeira metade do séc. XVIII, assistimos a uma transformação do modelo administrativo transposto do Estado da Índia (com um ouvidor-geral, e uma jurisdição de supervisão e fiscalização limitada por questões logísticas) para um que é bastante mais devedor da experiência no reino, com vários níveis jurisdicionais, uma presença mais forte a nível local, uma profusão de jurisdições especializadas nas questões fiscais, e tribunais de relação a coroar a estrutura. É importante, pois, compreender os limites deste espaço jurídico: incide apenas sobre alguns dos territórios do sob administração portuguesa e, nestes, tende a incidir essencialmente sobre a população europeia, com fronteiras algo difusas e, muitas vezes, dependente da iniciativa e das características pessoais dos indivíduos que o encarnavam.

Unauthenticated Download Date | 6/7/16 10:36 AM

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.