Affonso d\'E. Taunay e a construção da memória bandeirante

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AFFONSO D’E. TAUNAY E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA BANDEIRANTE

por

PAULO CAVALCANTE DE OLIVEIRA JUNIOR

Departamento de História

Dissertação de Mestrado em Historiografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor Afonso Carlos Marques dos Santos.

Rio de Janeiro, 2º semestre de 1994

ii

Affonso d’Escragnolle Taunay

iii

iv

Aos meus pais, Neide e Paulo

v

AGRADECIMENTOS

O fim de toda jornada é sempre um momento peculiar: diante dele alcançamos a consciência de que há muito a percorrer. Esse sentimento de finitude impõe a tarefa de agradecer àqueles que contribuíram no cumprimento desta etapa.

Ao longo do curso, da pesquisa e da redação do texto final tive a felicidade de contar com o apoio e a confiança do Prof. Dr. Afonso Carlos Marques dos Santos, orientador desta dissertação. Os seus seminários, as questões por ele propostas e o convívio sempre estimulante e bem-humorado facilitaram bastante o meu caminho. O Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, além de intermediar o financiamento do CNPq, propiciou o encontro com historiadores dos quais obtive consideração e inspiração. Assim ocorreu, com o Prof. Dr. Arno Wheling e com a Profª. Drª. Maria Eurydice de Barros Ribeiro.

O registro de um outro grupo de profissionais muito me

apraz

porquanto

são

originários,

assim

como

eu,

da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Presença decisiva, constante e insubstituível é Maria Helena do Prado Reis. Por suas mãos iniciei a carreira do magistério superior e em virtude de sua insistência implacável e afetuosa hoje posso redigir este agradecimento. Ainda no campo dos mestres sem-par, recebi de Nilo Garcia uma acolhida fora do comum no interior do seu larbiblioteca. Cercado pelos seus numerosos e especializados livros, pude ouvi-lo discorrer lucidamente acerca dos temas relativos ao Brasil colonial. Das suas lições permanece, sem

vi

dúvida, o que houver de relevante neste trabalho. Em Marcos Guimarães Sanches encontrei um amigo de todas as horas e fonte de vivo estímulo intelectual por seu apego à polêmica historiográfica. Por fim, tive em Miguel Arcanjo de Souza um interlocutor e colega de curso igualmente dedicado ao estudo do século XVII.

No dia a dia da pesquisa contei com o inestimável auxílio de Rogério Cunha de Castro. Sua dedicação superou os limites da relação professor-aluno, revelando competência, real vocação

e

sincera

amizade.

O

cotidiano

guarda

mais

proximidade com a família e dela recebi um apoio muito maior do que o possível. Um exemplo é o meu primo Ricardo Luiz Barreiros Motta que editorou eletronicamente o volume.

Para além de qualquer hierarquia, reservo estas últimas linhas para Vera Lúcia Bogéa Borges. Professora e historiadora, sua presença essencial é responsável pelo incentivo afetivo e profissional, enfim, pela conclusão da jornada.

vii

RESUMO O historiador Affonso d’Escragnolle Taunay, na sua produção

acerca

da

expansão

vicentina,

inventa

historiograficamente a tradição bandeirante, isto é, constrói a memória bandeirante. O autor acredita numa verdade histórica absoluta e sujeita à constante rememoração. Na constituição do tema ele vale-se, em particular, das contribuições específicas de Capistrano de Abreu, Washington Luís, Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus e Auguste de Saint-Hilaire. A história das Bandeiras de sua autoria é um veículo de memória porque nela as palavras, os títulos, os temas e a interpretação portam uma dimensão simbólica que ultrapassa a configuração científica da realidade histórica.

viii

ABSTRACT The historian Affonso d’Escragnolle Taunay, in his production of the “Vicentina” expansion, historiographically invents the “bandeirante” (explorer) tradition, that’s to say, he builds up the memory of this exploring group. The author believes in a absolute historic truth, liable to constant remembrance. In order to build up the theme, he especially makes use of specific contribution given by Capistrano de Abreu, Washington Luís, Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus and Auguste de Saint-Hilaire. The history of the “Bandeiras” of his authorship is a “lieu de mémoire” (a vehicle of memory) in that the words, titles, themes and interpretation to be found in it bear a symbolic dimension, surpassing the scientific historic reality.

configuration

of

the

ix

SUMÁRIO 1 . INTRODUÇÃO................................................................................

1

2 . AFFONSO D'E. TAUNAY E O CONHECIMENTO HISTÓRICO.. 2.1 Taunay e sua época..................................................................... 2.2 A tradição como repetição: uma estratégia.................................. 2.3 A história como ciência............................................................... 2.4 José Honório e o revisionismo histórico......................................

9 10 18 25 36

3 . O PRESENTE E O PASSADO NA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA...................................................................................... 3.1 A contribuição do presente.......................................................... 3.1.1 Capistrano de Abreu........................................................... 3.1.2 Washington Luís................................................................ 3.2 A contribuição do passado.......................................................... 3.2.1 Pedro Taques..................................................................... 3.2.2 Frei Gaspar........................................................................ 3.2.3 Taques e Gaspar por Taunay.............................................. 3.2.4 Auguste de Saint-Hilaire....................................................

54 56 56 63 67 67 73 78 87

4 . A HISTÓRIA DAS BANDEIRAS COMO VEÍCULO DE MEMÓRIA...................................................................................... 4.1 A memória nas palavras e nos títulos........................................... 4.2 A luta pela memória.................................................................... 4.3 Os temas estruturadores da memória........................................... 4.4 A mitificação do bandeirante....................................................... 4.4.1 Antônio Raposo Tavares.................................................... 4.4.2 Fernão Dias Pais................................................................

90 92 105 117 131 134 145

5 . CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................

152

6 . FONTES.......................................................................................... 6.1 Obras de Affonso d'E. Taunay..................................................... 6.2 Correspondência entre Capistrano de Abreu e Affonso d'E. Taunay....................................................................................... 6.3 Documentos Publicados por Affonso d'E. Taunay Relacionados ao Bandeirismo.......................................................................... 6.4 Obras Editadas ou Reeditadas por Affonso d'E. Taunay.............. 6.5 Crônicas, Correspondências e Narrativas Diversas......................

155 156

7 . BIBLIOGRAFIA............................................................................. 7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho.........................

167 168 168 170 172 173

x

7.2 Artigos e Partes de Monografias.................................................. 7.3 Livros....................................................................................... 7.3.1 De Caráter Teórico, Metodológico e Historiográfico.......... 7.3.2 De Caráter Geral................................................................ 7.3.3 De Caráter Específico........................................................

175 181 181 191 197

xi

ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Estátua de Antônio Raposo Tavares, de Luiz Brizzolara........

47

Figura 2 - Estátua de Fernão Dias Pais, de Luiz Brizzolara....................

48

Figura 3 - Hall e escadaria do Museu Paulista.......................................

49

Figura 4 - A Partida da Monção, óleo de Almeida Júnior.......................

50

Figura 5 - A Fundação de São Paulo, óleo de Oscar Pereira da Silva.....

51

Figura 6 - Desembarque de Pedro Álvares Cabral, óleo de Oscar Pereira da Silva.....................................................................

52

Figura 7 - Fundação de São Vicente, óleo de Benedito Calixto.............

53

Figura 8 - Milicianos índios de Mogi das Cruzes combatendo Botocudos, de Jean Baptiste Debret......................................

128

xii

O

homem

não

vive

somente

a

sua

vida

individual; consciente ou inconscientemente participa também da vida da sua época e dos seus contemporâneos.

Thomas Mann. A Montanha Mágica.

1

1. INTRODUÇÃO

2

No campo do conhecimento histórico, os estudos acerca

da

expansão

vicentina,

também

chamada

de

bandeirantismo ou bandeirismo, tiveram grande proeminência nas primeiras décadas deste século. Muitos nomes podem ser arrolados para representar esse conjunto: Basílio de Magalhães, Alfredo Ellis Júnior, Alcântara Machado, Carvalho Franco, entre outros. Um autor, porém, se destaca pelo resultado do seu trabalho: Affonso d'E. Taunay.

Se

tomarmos

como

critério

de

comparação

a

quantidade de livros ou artigos escritos, a situação dos demais seria humilhante, mesmo hoje é difícil citar algum historiador brasileiro que tenha publicado mais do que ele. Contudo, sendo a nossa abordagem também qualitativa, percebemos de imediato que o autor muito publicou porque muito repetiu. Caso nos detivéssemos

nessa

constatação,

não

teríamos

como

problematizar a obra historiográfica de alguém que mais parece um plagiário de si próprio.

Realmente, o que detectamos na obra de Taunay é a retomada da tradição bandeirante numa dimensão histórica. Munido do método e da crença absoluta na cientificidade da história, ele recolheu a tradição já estabelecida e, juntamente com os novos documentos descobertos, deu nova vida ao "nobre" passado paulista.

Taunay bradou contra o esquecimento da temática bandeirante, verificado até sua época, e reivindicou para esta um lugar de destaque entre os fatos memoráveis tanto da história de São Paulo como do Brasil e do mundo. A expansão bandeirante

3

constituía um "capítulo original dos fastos brasileiros", o autor afirmava a "singularidade deste movimento no conjunto da História Universal".

Ele exultou aqueles que no passado se debruçaram sobre a questão (Pedro Taques e Frei Gaspar, por exemplo), reeditando suas obras e acrescentando-lhes estudos específicos. A habilidade com que abordou, fundamentou, sistematizou, publicou,

enfim,

inventou

historiograficamente

a

tradição

bandeirante conduz Taunay a um plano destacado dentre os demais historiadores envolvidos na mesma empresa.

Em suma, a competência revelada na construção do tema das Bandeiras por Taunay foi, certamente, de memória e não de história. No dizer de Pierre Nora, a história "é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não é mais" 1 , longe de expressar uma consciência deste tipo, o historiador

sempre

desejou

reter,

evocar,

exaltar

ou

simplesmente reconstituir o passado histórico. Os objetos por ele

tomados

foram

sacralizados,

atualizados

por

uma

temporalidade nunca rompida, destinaram-se a lembrar com afeto e magia uma experiência coletiva idealizada, enfim, foram mitificados

para

que

pudessem

melhor

traduzir

a

sua

simbologia.

Por ter como preocupação primordial a extração da verdade histórica do documento verdadeiro - fator que o vincula à história-ciência - por desejar a recuperação integral do que 1NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XIX.

4

foi, termina por mitificar lugares, eventos e personagens. Por exemplo, o rio Tietê foi o lugar, o veículo por excelência da penetração no interior; as expedições desbravadoras do sertão (bandeiras) são o exemplo da batalha da construção territorial; os protagonistas destes eventos (os bandeirantes) são os heróis que contra tudo lutam antecipando as glórias da nação. Ao invés de reconstruir o autor reconstituiu, fugindo à problematização e priorizando o exercício regulado da memória.

Nossa abordagem é historiográfica por ser este o procedimento indicado para efetivar a definitiva separação entre história e memória. Por isso estamos em condição de afirmar que os trabalhos de Taunay relativos à história das Bandeiras objetivam construir a memória bandeirante. Hoje, ainda segundo Nora, podemos falar tanto em memória porque ela não existe mais. O que sobrevive de forma residual são os lugares de memória

e

continuidade

neles

encontramos

rompida

pela

ainda

aceleração

um da

sentimento história.

da

Somos

capazes de interrogar a produção historiográfica de Taunay uma vez que não nos sentimos mais atingidos por ela. Portanto, nossa perspectiva realiza o cruzamento de dois movimentos: "de um lado um movimento puramente historiográfico, o momento de um retorno reflexivo da história sobre ela mesma, de outro lado um movimento propriamente histórico, o fim de uma tradição de memória" 2 .

São obras de referência sobre Taunay os trabalhos de Odilon Nogueira de Matos e o de Myriam Ellis, em co-autoria

2NORA, P. Op. cit., p. XXIII.

5

com Rosemarie Erika Horch 3 . Estes estudos foram motivados pelo centenário do nascimento do historiador, revestindo-se de um caráter nitidamente comemorativo. Se, por um lado, estes livros ocupam um espaço necessário, por outro, não trazem - e mesmo não pretendem trazer - qualquer problema adicional, qualquer perspectiva nova ou abordagem diferenciada. Seus objetivos são apenas decantar Taunay como "homem e mestre" ou como "historiador de São Paulo e do Brasil".

Há, ainda, dois trabalhos que tratam da relação do historiador com partes de sua obra. José Pedro Leite Cordeiro publicou

na

Revista

do

Instituto

Histórico

e

Geográfico

Brasileiro um pequeno texto intitulado Afonso de Taunay e a História das Bandeiras, nele, a admiração e o registro do vulto da empresa superam o aspecto crítico. De diversa origem é o estudo de Eduardo Rubião Martins Rodrigues. Originalmente, uma dissertação de mestrado tem como objetivo realizar uma revisão crítica dos trabalhos de Taunay sobre o Iguatemi colonial (Mato Grosso do Sul) 4 .

Registra-se, assim, uma insuficiência de trabalhos sobre Taunay e sua obra entre aqueles que procuram tomá-lo nos quadros de uma problemática específica. Mas dois autores constituem importante exceção: José Honório Rodrigues e Katia 3ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. MATOS, O. N. de. Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. 4CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-213. RODRIGUES, E. R. M. Iguatemi visto por Taunay: ensaio de uma revisão crítica (1769-1778). São Paulo : Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1978.

6

Maria Abud 5 . O primeiro, num artigo de cunho historiográfico, posiciona Taunay no mesmo patamar de Varnhagen e Capistrano de Abreu além de considerá-lo um representante do chamado revisionismo histórico; o segundo, numa tese de doutorado, busca "reconstruir a História da história das bandeiras e os mecanismos e relações que transformaram o bandeirante num símbolo paulista" 6 . Embora muito avançando frente ao cenário anterior

meramente

laudatório,

especialmente

Abud,

a

problematização do tema das Bandeiras com o tema da memória numa investigação historiográfica permaneceu inédita.

Para desenvolvermos de forma factível essa extração da memória é necessário articularmos algumas oposições: passado e presente, lembrança e esquecimento, mito e realidade. Aplicamos estas oposições principalmente nos textos específicos sobre o bandeirismo (História Geral das Bandeiras Paulistas, História das Bandeiras Paulistas, Na Era das Bandeiras, etc.), naqueles destinados a elogiar as contribuições de Pedro Taques de Almeida Paes Leme e Frei Gaspar da Madre de Deus e no Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. Numa conferência onde faz um balanço da situação do conhecimento histórico no seu tempo e publicada com o título Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica, encontramos explicitamente a sua 5ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay e o Revisionismo Histórico. In: História e Historiadores. Rio de Janeiro : Fulgor, 1965. p. 135-147. RODRIGUES, J. H. Afonso d'E. Taunay e a História do Brasil. In: História Combatente. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1982. p. 233-254. Temos notícia que Maria José Elias desenvolve tese de doutoramento problematizando a atuação de Taunay frente ao Museu Paulista. Cf. NOVAIS, F. A. O Monumento da Independência: da Monarquia à República. In: Às Margens do Ipiranga (1890-1990): Exposição do Centenário do Edifício do Museu Paulista da USP. São Paulo : Museu da Universidade de São Paulo, 1990. p. 14.

7

concepção de história e, na Correspondência de Capistrano de Abreu, podemos dimensionar a influência deste sobre Taunay.

De acordo com Jacques Le Goff, a história torna-se científica quando faz a crítica dos documentos que chama "fontes". Ainda mais, devem ser estudadas as condições de produção do documento uma vez que nenhum documento é inocente, todo documento é um monumento que deve ser desestruturado, desmontado:

O poder sobre a memória futura, o poder de perpetuação deve ser reconhecido e desmontado pelo historiador. 7 O desmonte deste poder envolve, finalmente, não só a discussão de sua falsidade ou credibilidade, como também a sua desmistificação, uma transformação de "sua função de mentira em confissão de verdade" 8 . Na obra de Taunay, relativa às Bandeiras, tomando-a como documento/monumento condutor de uma memória, a bandeirante, e objetivando demonstrar como ela foi historiograficamente construída, dissertamos ao longo de três capítulos.

O primeiro capítulo estabelece uma ligação entre a concepção histórica de Taunay e o seu comprometimento visceral com a lembrança dos "fastos paulistas". Ainda neste capítulo, discutimos a sua caracterização como "revisionista histórico" proposta por José Honório Rodrigues. 6ABUD, K. M. Op. cit., p. 12 7LE GOFF, J. História. In: Enciclopédia Einaudi: Memória-História. [Lisboa] : Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1984. v. 1. p. 210.

8

O segundo capítulo identifica os dois conjuntos de influências responsáveis pela tendência manifestada nos escritos de Taunay para a evocação, para a restauração no presente do que foi o passado, são eles: o primeiro, Capistrano de Abreu e Washington Luís, o segundo, Pedro Taques, Frei Gaspar e Auguste de Saint-Hilaire.

O capítulo final discute porque a história das bandeiras é um veículo de memória, procurando demonstrar, em especial, como Taunay estruturou a narrativa e como mitificou os personagens históricos.

8Ibid., p. 221.

2 . AFFONSO D'E. TAUNAY E O CONHECIMENTO HISTÓRICO

A História se faz com os documentos e só com os documentos.

Taunay. Os Princípios da Moderna Crítica Histórica.

10

2.1 Taunay e sua época

Nascido em Santa Catarina a 11 de julho de 1876, Affonso d'Escragnolle Taunay formou-se engenheiro civil na Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1900), foi preparador de Química da Escola Politécnica de São Paulo e, a partir de 1911, professor

catedrático

de

Física

Experimental

na

mesma

instituição 9 . A sua ligação profissional com as chamadas ciências exatas, que o levara a São Paulo, findou em 1923 quando foi definitivamente efetivado no cargo de diretor do Museu Paulista por Washington Luís Pereira de Souza, então presidente do Estado de São Paulo 10 .

A atividade de diretor marcou profundamente a sua vida. Mesmo após aposentado compulsoriamente, aos setenta anos, lá permaneceu beneficiado por um gratificante decreto que lhe concedeu o direito de freqüentá-lo, com prerrogativas, e desenvolver também

normalmente

chamado

Museu

suas do

pesquisas 11 . Ipiranga

foi

A

opção

testada

pelo

quando

enfrentou o desafio de escolher entre continuar professor de História da Civilização Brasileira da recém criada Universidade de São Paulo e o cargo de direção. Não hesitou. Continuou no Museu.

9ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 20-21. 10Às Margens do Ipiranga (1890-1990): Exposição do Centenário do Edifício do Museu Paulista da USP. São Paulo : Museu da Universidade de São Paulo, 1990. p. 11. Ele dirigia a instituição desde 1916. 11CORDEIRO, J. P. L. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-199.

11

Odilon Nogueira de Matos informa que o primeiro trabalho de vulto de Taunay foi o Léxico de Termos Técnicos e Científicos, publicado em 1909 12 . Os estudos lexicográficos ocuparam tempo, laudas, a erudição de Taunay e, especialmente, a paciência do ilustre amigo historiador. Capistrano de Abreu não tolerava a polêmica em torno da Língua que Taunay mantinha com o dicionarista português Cândido de Figueiredo: 13

Affonso amigo, Voltou você ao vômito! Que pena! Nem compreendo como insista em gastar tanto e tão precioso tempo a discutir com o homem do chinó. Infeliz mania! Basta! Já V. lembrou os casos do florianista, da sirema, do guaxupé, do aeroplano e quejandas asnices. Para que mais? Tantaene animis! Convença-se de que matou e enterrou o sujeito e, assim, recuperando a saúde mental, cuide de assuntos sérios. 14 Em 1910, com o livro Crônica do Tempo dos Felipes, Taunay aproxima-se da História através de um romance cujo cenário é o litoral nordestino ao tempo da União Ibérica e da invasão holandesa. Em decorrência do espaço cada vez maior que vinha adquirindo no meio intelectual da época, o ano subseqüente, contemplou o seu ingresso no Instituto Histórico e 12MATOS, O. N. de. Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. p. 26. 13Além do Léxico inicial o autor ainda publicaria Léxico de lacunas (1914), Reparos ao dicionário de Cândido de Figueiredo (1926), A terminologia zoológica e científica em geral e a deficiência dos grandes dicionários portugueses (1927), Insuficiência e deficiência dos grandes dicionários portugueses (1928) e Inópia científica e vocabular dos grandes dicionários portugueses (1932). Os livros têm como origem os reparos feitos na imprensa em 1923 a terceira edição do Dicionário da língua portuguesa de Cândido de Figueiredo. 14RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1. p.349.

12

Geográfico de São Paulo e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como afirma:

A Comissão de Admissão de Sócios, examinando a proposta que indica para Sócio correspondente do Instituto Histórico (IHGB) o Dr. Affonso d'Escragnolle Taunay, é de parecer que a mesma deve ser aprovada, visto preencher o proposto as condições estabelecidas pelos Estatutos, além de ser portador dum nome tão caro ao Instituto. Sala das Sessões, 25 de agosto de 1911. 15 Santa Catarina, Rio de Janeiro, São Paulo... Por detrás do percurso geográfico diverso esconde-se a imensa dispersão intelectual de Taunay. A origem francesa, a vivência e presença histórica da família Taunay (que remonta à missão artística de 1816); o peso da influência literária e o apreço pelo regime imperial do pai, o Visconde; o contexto da época em que se instala na cidade de São Paulo, onde é tomado pelo clima “das mais virentes e futurosas civilizações contemporâneas” 16 ; todos esses são elementos que combinados sustentam as opções pelos temas, a possibilidade do método, a ausência de reflexão teórica acerca do conhecimento histórico, a erudição, por fim, a vontade interior de responder - através da história - à demanda dos paulistas por uma identidade social presente, que deveria ser ancorada

no

passado

histórico

e

projetada

no

futuro

resplandescente 17 . 15Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. LXXIV, parte II, 1912. p. 618. É lícito concluir que o nome Taunay, mais do que qualquer preceito estatutário, foi determinante na sua aprovação. 16TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours : E. Arrault & Cia., 1920. p. 141. 17Pensamos, juntamente com Michael Pollak, que a memória coletiva, fenômeno construído socialmente, “é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de

13

Estes

paulistas

restringem-se

à

elite

política

e

econômica, a intelectuais e escritores interessados pela história de sua região. De acordo com Maria Isaura Pereira de Queiroz, eles eram uma:

pequena minoria letrada em meio a população cada vez mais avultada no estado; tanto mais que mesmo nas camadas superiores, era modesta a quantidade dos que tomavam conhecimento do que era publicado pelo pequeníssimo grupo dos homens de letras. 18 O tema privilegiado para tentar produzir o efeito de identificação coletiva e funcionar como instrumento de coesão social, foi o das Bandeiras. O bandeirismo - ou bandeirantismo 19 - retrocede à expedição de Martim Afonso de Sousa, à fundação de São Paulo, fincando, lá, o marco inicial da trajetória dos paulistas. O tema adquire um sentido mais grandiloqüente quando o paulista, travestido de bandeirante, combate os índios que tentam impedir o estabelecimento da cidade, avança sertão adentro em busca de metais e mão-de-obra, terminando por ampliar “irremediavelmente” o território do Brasil, confirmado pelo Tratado de Madri, de 1750.

Tomamos os trabalhos de Taunay relativos à história das Bandeiras objetivando demonstrar como o autor constrói, uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.” POLLAK, M. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 204. 18QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n. 13, 1992. p. 85. 19O problema da origem e do significado dos termos “bandeira” e “bandeirante” é tratado no início do terceiro capítulo. Por hora sublinhamos algo aparentemente óbvio: “bandeirismo” provém de “bandeira” e “bandeirantismo”

de

“bandeirante”.

Portanto,

Taunay

atribuirá

preferencialmente,

mas

não

exclusivamente, ao tema da expansão vicentina nos séculos XVI, XVII e XVIII (primeira metade) a denominação de bandeirantismo por remarcar a atuação do bandeirante.

14

amparado numa tradição que ele mesmo reinventa, a memória bandeirante através da produção historiográfica. Ele recria porque

a

imagem

do

bandeirante,

na

forma

como

fora

estruturada por Pedro Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus, no século XVIII, ficou adormecida, posta de lado 20 . Segundo Katia Maria Abud:

O bandeirante - nobre ou mameluco - mas sempre grandioso, jazia à espera que o contexto histórico novamente o chamasse, em defesa de valores, trazidos no bojo daquele contexto. 21 Esse “contexto” principiara com a expansão da economia cafeeira no estado de São Paulo no último quartel do século XIX, a mais dinâmica de todo o Brasil como considera Joseph Love 22 . Assim, em 1920 mais de dois sétimos do valor total da produção agrícola e industrial nacional procedem de São Paulo. Dezenove anos depois o estado é três vezes maior do que o segundo colocado, o Rio Grande do Sul. A preponderância dos setores exportador e manufatureiro permitiu ao estado esta liderança inquestionável. Café e industrialização imbricam-se no processo de ascensão, primazia e manutenção do estado de São Paulo na vanguarda da federação. A confortável imagem da locomotiva, simbolizando São Paulo e puxando os seus vagões, os demais estados brasileiros, tem as suas razões de ser aos

20A partir de Katia Abud, Queiroz sintetiza a estruturação de Taques e Gaspar: “Pela primeira vez foi traçada a imagem do sertanista desbravador, indômito, cheio de iniciativas, conquistador e rebelde. Tais ingredientes (...) indicam a formação de uma imagem lendária.” QUEIROZ, M.I.P. de. Op. cit., p. 80. 21ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 110. 22LOVE, J. L. A Locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1982. p. 63.

15

olhos da elite paulista contemporânea 23 . Convém lembrar que Taunay se ocupou do tema da expansão do café em obra de quinze volumes e com financiamento oficial 24 .

Se o estado como um todo cresce e amplifica progressivamente a sua influência sobre o país, a cidade, ao mesmo tempo, avança em termos populacionais. A taxa de crescimento populacional da capital entre os censos de 1872 e 1890 é de 107%, para o intervalo 1890/1900 de 269% e para o período 1900/1920 de 141% 25 . Esses dados refletem o forte fluxo imigratório que entre 1882 e 1930 conduz mais de dois milhões de pessoas a São Paulo; principalmente italianos (cerca de 46% do total), além de portugueses e espanhóis 26 . A presença desta nova força de trabalho revela-se importante não só no mundo rural como também no universo urbano 27 .

O impacto do desenvolvimento econômico e urbano do estado e da cidade gera na elite política um orgulho regional que rapidamente assume contornos de identificação coletiva 28 . 23Ibid., p. 24. 24TAUNAY, A. d'E. História do Café no Brasil. Rio de Janeiro : Dep. Nacional do Café, 1939-1943. 15 v. 25BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico. 1971, p. 42. Apud. LOVE, Joseph L. Op. cit., p. 44. 26HOLLOWAY, T. H. Migration and Mobility..., p. 186. Apud. LOVE, J. L. Op. cit., p. 27. 27LOVE, J. L., Op. cit. p. 36. 28A chamada Revolução Constitucionalista de 1932 é o marco fundamental desta transposição da construção simbólica do bandeirante, nascida e adstrita a um pequeno grupo, para a grande população. Queiroz afirma que “a camada hegemônica local lançou mão de todos os instrumentos para conseguir uma adesão a mais ampla possível que assegurasse participação a mais completa”. QUEIROZ, M. I. P. de. Op. cit. p. 85. Os instrumentos principais achavam-se nos meios de comunicação: “Através de manifestos, panfletos, comícios, jornais e rádio eram expedidas as mensagens que conclamavam todos a pegar em armas na defesa de São Paulo e do Brasil. O papel de destaque coube, no entanto, à “grande imprensa” paulista (que veiculou a ideologia dominante), que nesse momento bem cumpriu sua missão de “formadora das consciências”.” CAPELATO, M. H. O Movimento de 1932: a causa paulista. São Paulo : Brasiliense, 198-. p. 32.

16

Para esta elite, ser paulista no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, é encontrar nos “paulistas primevos” do século XVI e no bandeirante do século XVII a imagem original e a predestinação que justifica o sucesso e um lugar privilegiado no presente 29 .

Dessa forma, conclui Katia Abud:

Foi nesse momento, entre 1890 e 1930, que a figura do bandeirante foi resgatada como símbolo, pois ao mesmo tempo em que denunciava as qualidades de arrojo, progresso e riqueza que São Paulo possuía, representava o processo de integração territorial que dera sentido à unidade nacional. Como símbolo, o bandeirante representava, de um lado a lealdade ao estado e de outro a lealdade à nação, e permitia também com a significação que os estudos históricos do período lhe deram, que uma parcela da população, a dos imigrantes, se integrassem, emocionalmente a São Paulo, na medida em que uma das vertentes dos estudos sobre o bandeirismo deu ênfase à miscigenação. 30 Os

intelectuais

pertencentes

à

elite

política

e

econômica de São Paulo 31 e formados em sua maioria pela Faculdade de Direito se incumbiram desta tarefa. Foi o caso de Washington Luís, José de Alcântara Machado de Oliveira e

29“Todo processo de heroificação implica, em outras palavras, uma certa adequação entre a personalidade do salvador virtual e as necessidades de uma sociedade em um dado momento de sua história. O mito, tende, assim, a definir-se em relação à função maior que se acha episodicamente atribuída ao herói, como uma resposta a uma certa forma de expectativa, a um certo tipo de exigência.” GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. p. 82. 30ABUD, K. M. Op. cit., p. 132. 31“Ellis Jr., Alcântara Machado e Taunay pertenciam ao mesmo grupo da elite dominante paulista durante a república, e embora o último tenha sido o único a não ter uma carreira política era casado na família Sousa Queiroz e concunhado de Washington Luís, por sinal, outro historiador dos fatos bandeiristas.” In: ABUD, K. M. Op. cit., p. 132.

17

Alfredo Ellis Júnior. Embora pertença ao grupo, Taunay, como já vimos, formou-se no Rio de Janeiro e em Engenharia 32 .

Taunay

dedicou-se

exclusivamente

à

tarefa

de

construir a memória bandeirante sem o desvio da carreira política. Além do mais, só escapando desta é que poderia ultrapassar anos a fio conjunturas absolutamente desfavoráveis, dirigindo ininterruptamente o Museu Paulista de 1916 até sua aposentadoria. Não seria demais lembrar que Taunay fora nomeado diretor pelo mesmo Washington Luís deposto em 1930.

32Washington Luís Pereira de Souza (1870-1957) bacharelou-se em 1891, José de Alcântara Machado de Oliveira (1875-1941) em 1894 e Alfredo Ellis Júnior (1895-1974), aluno de Taunay no ginásio, em 1917. Dos nomes referidos o único que não se formou na Faculdade de Direito de São Paulo foi Washington Luís, nascido em Macaé, Estado do Rio de Janeiro. Cf. 70 Anos da Academia Paulista de Letras. São Paulo : Academia Paulista de Letras, 1979. A Faculdade de Direito de São Paulo, fundada em 1827, tinha o nome de Academia de Direito. Se nos primórdios a Academia desempenhou um papel ativo no debate das idéias, progressivamente foi curvando-se a um espírito burocrático-bacharelesco cristalizado a partir de 1890: “O diploma de advogado veio a ser um passaporte necessário para uma posição numa sociedade urbana então formada e institucionalizada.” MORSE, R. M. Formação Histórica de São Paulo. São Paulo : Difel, 1970. p.212.

18

2.2 A tradição como repetição: uma estratégia

O pensador espanhol José Ortega y Gasset, ao tecer considerações sobre as possibilidades de ser do homem, afirma que “o homem inventa um programa de vida, uma figura estática de

ser,

que

responde

satisfatoriamente

às

dificuldades

equacionadas pelas circunstâncias” 33 . Ao transportarmos essa concepção do plano prioritário do indivíduo para o plano social - quando o homem dialoga com a coletividade correspondente podemos conceber que ele, o homem em sociedade, inventa uma imagem estática da própria coletividade onde está inserido e que esta imagem possui existência definida, concreta, faz parte da realidade com a qual ele lida cotidianamente.

Taunay recolhe no passado a tradição (a imagem) bandeirante, como havia sido estabelecida no século XVIII, inventando-a agora do ponto de vista historiográfico, de acordo com os pressupostos e métodos da história desenvolvidos ao longo do século XIX, construindo, portanto, a memória e não a história bandeirante. O que Taunay realiza não é apenas tradição porque também é história, não é puramente história porque louva a tradição, é, na verdade, memória 34 .

33ORTEGA Y GASSET, J. História como Sistema. In: História como Sistema : Mirabeau ou o Político. Brasília : UnB, 1982. p. 48. 34“Dos cronistas da Idade Média aos historiadores contemporâneos da história “total”, afirma Pierre Nora, toda a tradição histórica se desenvolveu como o exercício regulado da memória e seu aprofundamento espontâneo, a Reconstituição de um passado sem lacunas e sem falha.” NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XX.

19

Segundo Hobsbawm, o termo tradição inventada possui um sentido amplo, mas nunca indefinido. O termo inclui tanto

as

tradições

realmente

inventadas,

construídas

e

formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais fácil de localizar num determinado tempo - às vezes coisas de poucos anos apenas - e se estabeleceram com enorme rapidez.

A atuação de Taunay, à frente do Museu Paulista, indica

o

lado

institucionalizador

do

saber

(da

tradição

inventada) por ele historiograficamente construído. Responsável pela edição dos Anais do Museu Paulista, neste periódico publica fartamente sua obra, além de documentos históricos mandados copiar no Arquivo das Índias, em Sevilha. Aliás, de início, copiados por conta própria de Taunay em 1914, só depois, em 1917, custeados oficialmente. A leitura de Pablo Pastells, Historia de la Compañía de Jesús en la Provincia del Paraguay, em 1912 , revelou a importância da documentação de origem

espanhola.

esculturas

que

Instruiu

também

perpetuassem

a

a

feitura

imagem

de

de um

telas

e

passado

confortável e jubiloso:

Celebrando este grande episódio de nosso passado militar fizemos o mestre pintor Henrique Bernadelli executar belo painel para a galeria do Museu Paulista... 35 A oito destes conquistadores pudemos, no peristilo do Museu Paulista, conferir a glória do mármore e do bronze. E pouco depois, ainda nos cabia associar ao nosso esforço mais um monumento bandeirante, o de Quitaúna, a Antônio Raposo Tavares, determinado 35TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 1961. t. 1, p. 96.

20

por dois reverenciadores da epopéia das bandeiras do vulto de Calógeras e Simonsen. 36 Hobsbawm define tradição inventada como “um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente simbólica,

aceitas; visam

comportamento

tais

práticas,

inculcar

através

da

certos

de

natureza

valores

repetição,

o

e

ritual

ou

normas

de

que

implica,

automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.” 37

A forte ligação do passado histórico com o presente, a continuidade 38 instaurada pelo discurso historiográfico de Taunay conduz o leitor a ir e vir no tempo, estabelecendo um elo imediato com o passado, presentificando-o simbolicamente:

Na terra de S. Paulo, o metamorfismo da arrancada sertanista é hoje a criação desta lavoura cafeeira, razão primordial de ser do nosso mercado cambial e de nossa exteriorização financeira nacional. 39 A repetição em Taunay não era aleatória, tinha uma forma, uma regra. Ele repete e combina, a aparência é nova, mas 36TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924. t. 1, p. 15-16. 37HOBSBAWM, E., RANGER, T. (Org.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1984. p. 9. 38“Para a história, sob sua forma clássica, expende Foucault, o descontínuo era ao mesmo tempo o dado e o impensável: o que se oferecia sob a forma dos acontecimentos, das instituições, das idéias ou das práticas dispersas; e o que devia ser, pelo discurso do historiador, contornado, reduzido, apagado, para que aparecesse a continuidade dos encadeamentos. A descontinuidade era o estigma da dispersão que o historiador tinha por tarefa suprimir da história.” FOUCAULT, M. Sobre a Arqueologia das Ciências. In: FOUCAULT, M., LIMA, L. C., MENDONÇA, A. S. et al. Estruturalismo e Teoria da Linguagem. Petrópolis : Vozes, 1972. p. 13-14.

21

no fundo é tudo o mesmo, a mesma intenção inicial: uma vontade de memória. De início poderíamos pensar, com ampla razão, que Taunay se repete por desejar escrever muito, por pretender aumentar desmesuradamente a quantidade de fatos narrados conferindo a todos e ao tema em geral grandeza, autoridade e nobreza. Não que isto seja inválido. Mas vale destacar que a repetição de um tema, de um argumento, de uma conclusão, ocorridos dentro de um mesmo livro, em livros correlatos

ou

em

momentos

aparentemente

insignificantes,

conforma uma idéia geral que ganha estatuto de verdade, que cumpre a sua função simbólica de forma explícita, mas, especialmente, de forma implícita.

Todas as suas abordagens apresentam algum tipo de repetição. Tomemos como exemplo o livro S. Paulo nos Primeiros Anos e nele o tema da pobreza do planalto no século XVI.

O livro é construído basicamente a partir das Atas da Câmara da Vila de São Paulo e do Registro Geral, documentos publicados sob os auspícios de Washington Luís, como não se cansa de informar. Aliás, o texto é dedicado ao então prefeito da cidade de São Paulo, numa clara demonstração de amizade e débito intelectual que só é superada pela forma com a qual Taunay

se

refere

a

Capistrano:

os

dois

personagens

contemporâneos de influência mais poderosa sobre ele. As características desta influência desenvolveremos adiante.

39TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 19--. p. 16.

22

O objetivo declarado é reconstruir os “aspectos da vida primeva paulistana” 40 . O livro é a ampliação de estudos que surgiram primeiramente em 1917 no Correio Paulistano. Vamos aos tópicos: a vida nos anos iniciais é rudimentar (p. IX), a vila é “miseravelmente dotada de coisas da civilização” (p. 4), está sob a iminente agressão por parte dos índios (p. 11), possui ar de abandonada (p. 12)... Na página 24 repete: “Lugar rude, desprovido de elementos civilizadores”. A vila era pobre (p. 27), havia penúria de recursos (p. 38), a terra era muito pobre (p. 46), para interromper as citações que fluiriam em profusão, as duas últimas, do final do livro: o comércio era rudimentar (p. 145), a rudeza da vida (p. 187).

Não resta a menor dúvida de que a vida cotidiana no planalto de Piratininga era dura e a carestia imperava. Nossa intenção não é afirmar o contrário. O que objetivamos é compreender por que Taunay usa da repetição tantas vezes ao longo deste livro, e de todos os outros onde tratou o tema da cidade ou das Bandeiras (por exemplo, a História Geral das Bandeiras Paulistas - tomos 1 e 2; a História das Bandeiras Paulistas - tomo 1; Non ducor, duco; etc.).

Para entendermos o papel que a repetição cumpre no texto, necessitamos considerar que Taunay vê a vila de São Paulo como um lugar especial: é o centro de irradiação da conquista do Brasil pelos brasileiros, posto avançado da civilização

no

interior

do

nosso

país 41 . A sua idéia de

civilização remonta ao século XVIII. Conforme aponta Paul 40TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos..., p. VIII. 41Ibid., p. VIII.

23

Hazard,

o

termo

civilização,

em

francês,

provinha

da

jurisprudência; alargado o seu uso, passa a estabelecer a diferença entre um estado selvagem e um estado submetido às leis. Isto posto:

(a civilização) colocava-se no ponto mais alto de uma hierarquia: no mais baixo encontrava-se a selvageria; depois a barbárie; em seguida, a civilidade, a delicadeza; logo, “um sensato policiamento”; e, finalmente, a civilização: “o triunfo do desabrochar da razão, não apenas no domínio constitucional, político e administrativo, mas ainda no domínio moral, religioso e intelectual. 42 Sendo um local civilizado, seguindo a aplicação anacrônica do termo, necessita de aparelhos urbanos e condições mínimas para que o homem civilizado possa sobreviver e dominar os não civilizados e a natureza agressora. Entretanto, os recursos não existem para suprir satisfatoriamente todas as necessidades. Como ele cobra do passado a lógica que desfruta no presente, como ele olha no tempo e quer ver um passado de glórias e luminoso, só lhe resta desculpar os “primevos habitantes” por não conseguirem impor a ordem que ele julga ideal e, simultaneamente, valorizá-los por conseguirem, apesar dos incontáveis obstáculos, construir um grande povoado.

42HAZARD, P. O Pensamento Europeu no Século XVIII: de Montesquieu a Lessing. Lisboa : Editorial Presença, 1983. p. 345-346. Acreditamos que esta passagem indica tanto a época onde ele foi buscar o significado de civilização como o autor - Voltaire: “Com o século XVIII abriu-se nova era: principiou-se a estudar a história dos hábitos dos homens e não mais unicamente a dos acontecimentos. Já antes de 1800 surge, pela primeira vez, a expressão: história da civilização.” TAUNAY, A. d’E. Os Princípios da Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVI, 1914. p. 342. Para uma interpretação de Voltaire à luz da história: Cf. MEINECKE, F. El historicismo y su génesis. México, Fondo de Cultura Económica, 1982. p. 98-99. CASSIRER, E. A Filosofia do Iluminismo. Campinas : UNICAMP, 1992. p. 290-298.

24

A repetição impõe subliminarmente 43 ao leitor a compreensão da época por intermédio de uma noção precária de historicidade; precária porque não baseada na ruptura, mas sim na continuidade; porque não baseada na diferença dos tempos, mas sim na sua semelhança; enfim, porque não baseada na multiplicidade temporal, mas sim numa única duração que se prolonga das origens até o presente. Este último argumento, aproximando-se

do

tempo

mítico,

abre

caminho

para

a

mitificação que será analisada no terceiro capítulo. Seguem duas citações:

Pitoresca a contraposição da sua vida quinhentista, tão rudimentar, e da existência da capital opulenta hodierna, cheia de convicção da magnitude do porvir que se lhe antolha, e orgulhosa da progressão geométrica de sua grandeza. 44 É que o punhado de descobridores piratininganos, urgidos no seu tosco arraial, pela aspereza da existência do planalto, ilhado do comércio mundial pela Serra Marítima, buscavam no interior do continente elementos que lhes pudessem amenizar a existência pobre do montanhês. E assim se convertera essa rudeza de vida no fator do alargamento brasileiro por terras de onde recuava o castelhano, espoliado dos direitos que lhe conferiram bulas e tratados, graças à insopitável e infatigável arrancada dos homens vestidos de couro, saídos das cabeceiras do Tietê, e ávidos gerifaltes do soneto herediano. 45

43Precisando o significado de subliminar: “... Diz-se de um estímulo que não é suficientemente intenso para que o indivíduo tome consciência dele, mas que, quando repetido, atua no sentido de alcançar um efeito desejado...” FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 14. reimp. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 1330. 44TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos..., p. IX. 45Ibid., p. 186-187. O grifo é nosso.

25

Está explicada a repetição da pobreza, da rudeza da vida. Não foram elas causadoras de malefícios seja à raça, seja ao destino da nação que já se vislumbrava. Muito pelo contrário, foram o fator de alargamento do território, razão máxima, justificativa superior do movimento bandeirante.

2.3 A história como ciência

Salientamos acima que Taunay realiza uma vontade de memória. A sua intenção é retirar do esquecimento uma tradição que julga digna de ser lembrada no presente e preservada para o futuro por intermédio da história. Este ponto é central para a nossa análise e pressupõe a apreciação da sua concepção a respeito do conhecimento histórico e da realidade histórica.

Na verdade ele reproduz um conjunto de idéias, práticas, concepções e visões gerais sobre a história que nos conduzem

a

enquadrá-lo

especificamente, simplesmente

como

historicista

historista

-

historicista,

romântico-erudito,

conforme

exposto

por

mais ou Arno

Wehling 46 . Indicando que “uma das principais dificuldades para a

interpretação

do

historismo/historicismo

consiste

em

46“O termo historismo foi possivelmente utilizado pela primeira vez em 1881, no estudo de Karl Werner sobre Vico, significando o conjunto de posições que, no século XVIII, valorizavam o conhecimento histórico, em contraposição ao racionalismo ahistórico.” WEHLING, A. De Varnhagen a Capistrano: Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese para Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade Federal

26

considerá-lo(s) compreensão

em de

bloco,

um

o

que

processo

certamente

intelectual

dificulta

cuja

a

elaboração

estendeu-se por mais de um século”, procurando considerar as diversas

fases

ou

etapas 47 .

Após

examinar

as

diferentes

classificações de Meinecke, Pistone, Mandelbaum e Iggers, Wheling estabelece a classificação por nós seguida. Essa classificação demonstra a sua validade ao estabelecer distinções dentro do longo processo do historicismo, promovendo a discussão do tema a um plano melhor delimitado.

O primeiro momento é o do historicismo filosófico e corresponde a produção dos filósofos do século XVII até Kant e Hegel,

cujas

características

são

o

anti-racionalismo

e,

sobretudo, o anti-mecanicismo, ou seja, a busca de explicações particulares

a

épocas

e

momentos

históricos.

O

caráter

relativista encontrado em boa parte dos filósofos da história do século

XVIII

não

significou

necessariamente

adesão

ao

irracionalismo ou ao romantismo, pois admitiam o padrão newtoniano de interpretação do real. Acolhiam a idéia de um universo

regido

por

leis,

procurando

apenas

detectar

as

regularidades peculiares ao desenvolvimento histórico. Wehling considera os ideólogos do progresso o exemplo mais conhecido e menos sofisticado.

A obra de Taunay, tomada como um todo, não apresenta

qualquer

argumentação

de

texto cunho

onde

seja

filosófico.

desenvolvida

Por

ser

uma

uma etapa

do Rio de Janeiro, 1992. v.1, p. 30. Uma abordagem semelhante, sob o nome de reflexão erudita e genética, encontra-se em: TOPOLSKY, J. Metodología de la Historia. Madrid : Cátedra, 1985. p. 86-105. 47Ibid., p. 51-57.

27

predominantemente filosófica, descartamos de antemão, sem maiores considerações, sua filiação a esta fase do historicismo.

A última fase é a do historicismo cientificista, correspondendo

à

produção

da

esmagadora

maioria

dos

cientistas sociais entre 1850 e a primeira guerra mundial. Abrange

os

campos

da

história,

antropologia,

direito,

sociologia, economia, ciência política e psicologia. Tem como características nas vertentes mais notórias (evolucionismo, positivismo, grande parte do marxismo) a predominância da explicação histórica sobre a sistêmica, a diacronia sobre a sincronia, pela busca de leis que traduzissem as regularidades do processo histórico, e de todo o real, freqüentemente pela macro-teleologia dos sistemas sociais com graus menor ou maior de determinalidade.

Não preocupação

encontramos

com

a

nos

escritos

identificação

de

de

Taunay

a

regularidades,

o

estabelecimento de leis ou a definição de determinismos no processo

histórico.

Esta

preocupação

crucial

ao

período

cientificista, pela sua ausência, afasta-o desta etapa.

A fase intermediária, na qual enquadramos a obra historiográfica de Taunay sobre o tema das Bandeiras, embora não corresponda cronologicamente ao seu período de vida (1876-1958), acreditamos ser por ela sobejamente atingido. Transcreveremos, na íntegra, a definição de Wehling sobre a fase puramente historista do historicismo.

28

Historicismo romântico/erudito - compreendendo a produção de historiadores, juristas, literatos e outros intelectuais contemporâneos do romantismo e do nacionalismo imediatamente posterior à Revolução Francesa, até cerca de 1850. Corresponde ao apogeu do anti-racionalismo, recusando-se os autores em geral a admitir a existência de leis históricas, gerais ou relativas a cada povo, cultura ou época. Seria, a rigor, a única fase puramente “historista”, se por esta expressão entendermos o relativismo anti-racionalista e a crença numa realidade histórica orgânica e inconsciente. Isso não significa admitir uma produção não científica: se esta fase foi a do apogeu do romantismo literário, inclusive do romance histórico à Walter Scott, foi também a da construção definitiva da crítica histórica com a obra de Ranke e seus seguidores, além do estabelecimento dos primeiros pilares metodológicos em outras ciências do homem, como a etnologia, a sociologia ou o direito. 48 A

obra

historiográfica

de

Taunay

pode

ser

classificada como historista por conta da extrema convicção que ele

possuía

do

poder,

da

capacidade

explicativa,

da

superioridade do saber científico da história. Compartilhava assim de uma visão do mundo (Weltanschauung), a partir da perspectiva científica da história. Visão que conduzia, inclusive, à historicização dos demais saberes científicos 49 . Portanto, afirma Taunay:

constitui a história indispensável elemento para a compreensão das ciências políticas e as sociais ainda em via de formação. Eis porque a lingüística, o direito, a economia política, a ciência das religiões tomaram, nos tempos contemporâneos (1911), a forma de ciências históricas. E ainda: reside o principal mérito da história na sua 48Ibid., p. 56. 49Ibid., p. 61.

29

superioridade incomparável, como instrumento de cultura intelectual... 50 A

subordinação

geral

dos

demais

campos

do

conhecimento à história não é suficiente para a determinação de um historista. Urge tecer considerações de cunho epistemológico e metodológico.

A epistemologia historista tem o seguinte postulado, de acordo com Wehling: admite o universo social a conhecer como uma nebulosa, cujo conhecimento global e perfeito somente cabia a Deus (Ranke), já que existe uma realidade histórica que é irredutível à explicação fisicalista-naturalista; fica, em conseqüência, reduzida à cognição filosófica ou científica à reconstituição empírica e lógica das ações dos agentes sociais 51 . O processo de explanação da realidade social assim apreendida não se dá através das leis, mas sim pela compreensão - à maneira de Herder. 52

Considerado por Ernst Cassirer o Copérnico da história, Herder procurou lançar sobre o homem um tipo de investigação tal que pudesse captá-lo como um ser que sente e a própria dinâmica desse sentir - ao invés de reter apenas as suas ações e obras. Essa perspectiva buscou o mundo interior do homem, objetivava alcançar a alma humana. Ademais, reagiu 50TAUNAY, A. d'E. Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVI, 1914. p. 344. 51WEHLING, A. Op. cit., p. 101. 52Ibid., p. 97. Johann Gottfried Herder (1744-1803) nasceu na Alemanha - à época Prússia Oriental. Entre seus ensaios e livros sobre história, teologia, literatura e lingüística encontra-se Idéias para a Filosofia da História da Humanidade (Ideen zur Philosophie der Geschischte des Menschheit). Cf. GARDNER, P. (Org.). Teorias da História. Lisboa : Calouste Gulbenkian, 1984. p. 41-42. MEINECKE, F. Op. cit., p. 303378.

30

contra o orgulho racionalista do Iluminismo que secundarizava as épocas e os povos. Mesmo adotando a idéia de humanidade, procurou relativizar e valorizar as diferentes culturas no tempo. Para Herder, a condição fundamental de todo o conhecimento histórico era penetrar na alma dos grupos históricos para sentir juntamente com eles, enfim para compreendê-los 53 . Se Ranke, assim

como

Herder,

entendia

que

todas

as

gerações

da

humanidade tinham iguais direitos perante Deus, o primeiro, no entanto, acreditava que há uma realidade cultural atomizada, irrepetível e relativa, mas não subjetiva 54 .

Taunay concebia a realidade histórica como algo concreto, o passado existe, está organicamente constituído, e cabe ao historiador alcançá-lo da forma mais completa e direta possível. Como historiador e homem religioso, acredita na Origem e no Destino, possui a convicção de que o conhecimento humano do passado está repleto de lacunas, nunca será total. O sexto capítulo da segunda parte do tomo terceiro da História Geral das Bandeiras Paulistas tem no início do título: “Lacunas da história do bandeirismo agora preenchidas em parte”; logo abaixo, Taunay explica que a história do bandeirismo está “cheia de enormes lacunas de difícil suprimento” e que agora “muitas delas se têm reduzido graças às pesquisas arquivais e às descobertas daí provenientes” 55 . O conhecimento histórico é parcial porque muito se perdeu, porque o homem possui limitações próprias a sua condição mortal e porque o “real” 53CASSIRER, E. El Problema del Conocimiento en la Filosofía y en la Ciencia Modernas: de la muerte de Hegel a nuestros días (1832-1932). México : Fondo de Cultura Económica, v. IV, 1986. p. 265-274. 54WEHLING, A. Op. cit., p. 64. 55TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo: Typ. Ideal; H. L. Canton, 1927. t. 3, p.174.

31

conhecimento, o “verdadeiro”, deve desenrolar o fio da história desde “os tempos primevos” até o fim (o presente).

O resultado metodológico para reencontrar uma realidade distante, quase perdida, que se deseja glorificar - por amor ao passado 56 e à história - é o fetiche do documento. Ele é o único meio de atingir da forma menos indireta possível o passado, é a fonte imorredoura da verdade, é o lugar onde o historiador objetiva o seu conhecimento e limita a sua atuação ao permitir que o documento “fale”:

A história se faz, com os documentos, os atos cujos vestígios materiais desapareceram estão para ela perdidos e quando muito podem concentrar-se no domínio das reminiscências coletivas. Onde desaparecem os documentos chegam os extremados a avançar cessa a história. Deve o historiador moderno começar por investigar e recolher documentos, cultivar intensamente essa ciência que os alemães batizaram Heurística. 57 O trabalho do historiador não “cessa” segundo Taunay,

com

a

busca,

com

a

caçada

de

documentos,

principalmente os inéditos. Após a reunião de um grande material, deve o historiador proceder à sua crítica. Esta pode ser de inspeção, de origem, de interpretação ou das fontes. Lembra o autor, que o excesso de crítica deve ser cuidadosamente evitado para “não cair no extremo oposto na hipercrítica que tudo acha suspeito e nega os caracteres da autenticidade aos 56Segundo Cassirer: “Los románticos aman el pasado por el pasado. Para ellos, el pasado no es tan sólo un hecho, sino uno de los ideales más elevados. Esta idealización y espiritualización del pasado es una de las características más distintivas del pensamiento romántico. Todo deviene comprensible, justificable y legítimo en cuanto podemos referirlo a su origen.” CASSIRER, E. El Mito del Estado. México : Fondo de Cultura Económica, 1988. p. 214.

32

documentos mais veneráveis”

58

. É forçoso notar que o exercício

da crítica reconhecido por Taunay não deve afrontar a soberania do documento. Por isso, apesar de mencionar várias modalidades de crítica, e até uma de interpretação, na verdade elas não significam coisas diferentes, são variações de um mesmo princípio.

O

objetivo

do historiador, seguindo Taunay, é

recuperar o passado, resgatá-lo na sua integridade uma vez que ele existe antes mesmo da ação do historiador. Para realizar tal empresa é necessário o documento, único meio de acessar o passado no tempo; como há o compromisso com a exatidão das informações obtidas deste documento todo um aparato crítico é utilizado para detectar se o documento foi adulterado, se é autêntico, se há divergência interna, se é oficial... Para Taunay em nenhum momento o documento é tomado para promover a problematização, o que ele procura é, através da interpretação das fontes, compreendê-las ao estilo de Herder:

Quem, ao percorrer um texto, não se restringe a sua estrita compreensão, acaba lendo-o através das suas próprias impressões. Critério seguro é então resistir ao primeiro movimento e procurar apenas compreender bem o documento. 59 Percorrido esse caminho o historiador, ao anular suas impressões,

ao

conter

a

sua

subjetividade,

adquire

a

tranqüilidade suficiente para proclamar a verdade sobre o

57TAUNAY, A. d'E. Os Princípios..., p. 326. 58Ibid., p. 329. 59Ibid., p. 331.

33

passado 60 , a real e definitiva tarefa da história, a apologia do passado histórico: “O melhor modo de fazer a apologética é ainda dizer a verdade, toda a verdade, nada mais do que a verdade” 61 .

A significação máxima do documento vem também do seguinte aspecto: os fatos históricos são fornecidos pelos documentos. Taunay julga que o historiador deve ocupar-se de determinados fatos históricos, “não deve a História limitar-se a estudar

fatos

simultâneos

tomados

isoladamente”.

O

compromisso da história vincula-se ao exame dos estágios da sociedade

em

diversos

momentos

e

da

constatação

das

diferenças existentes entre eles...

Para isto se torna indispensável à indagação dos grandes fatos salientes porque explicam a formação dos estados e o começo das evoluções. Será possível estudar a civilização francesa, sem falar em César e na invasão dos bárbaros? 62 Os grandes fatos, eis então os que merecem a atenção do historiador, “o importante é que tenham tido ação decisiva” 63 . Taunay entende, por ação, todo tipo de movimento que agita um grupo, uma coletividade ou o Estado. Estes devem ser investigados a partir das suas origens até o fim último, 60Ao indagar sobre o que é “provar” em história Roger Chartier conclui: “A questão sugeriu durante muito tempo uma resposta de tipo filológico, ligando a verdade da escrita histórica ao correto exercício da crítica documental ou ao devido manejo das técnicas de análise dos materiais históricos.” Taunay procurou estabelecer essa ligação na sua narrativa, por isso mesmo considerada, por ele e seus contemporâneos, histórica e científica uma vez que era um relato verdadeiro. CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa : Difel; Rio de Janeiro : Bertrand, 1990. p. 85. 61Ibid., p. 326. 62Ibid., p. 338. 63Ibid., p. 338.

34

desígnio cabal do “Destino”. O bandeirismo, a ação das bandeiras e dos bandeirantes na expansão territorial partida da capitania de São Vicente, é um grande fato, um grande tema, é o “episódio culminante dos anais brasileiros, pois a ele deve o país dois terços do seu território atual”. 64

Escapava a Taunay a concepção de que um fato histórico só existe quando inserido no processo de construção do conhecimento histórico conduzido pelo historiador. Portanto, para ele, o trabalho de crítica das fontes e de determinação dos dados

prescinde

da

construção

científica,

própria

do

conhecimento histórico 65 .

O nosso interesse não é cobrar de Taunay o que talvez ele não tenha se colocado, desejamos ressaltar que não há nele senão uma conjugação de idéias e concepções sobre o conhecimento histórico que objetivam perpetrar a sua meta primordial:

celebrar

as

tradições

paulistas

através

do

conhecimento científico da história. Nesse duplo movimento, ao pretender ajustar as suas pretensões de apologia das tradições com a verdade científica haurida por intermédio da história, termina

por

construir

historiograficamente

a

memória

bandeirante.

O prestígio que a história vai adquirindo ao longo do século XIX no Ocidente explica o motivo da escolha deste saber como meio primordial de veiculação e legitimação da memória bandeirante. Segundo Wehling: 64TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 7. 65Cf. MARAVALL, J. A. Teoria del Saber Histórico. Madrid : Revista de Occidente, 1967. p. 97-103.

35

Da correta interpretação do passado parecia fluir a segurança cognitiva em relação a um processo que ainda se encontrava em curso e que podia, portanto, em diferentes graus, conforme o determinismo do autor, sofrer interferências e correções. 66 Garantida construída

a

a

memória

interpretação

segura

do

passado

bandeirante,

se,

um

lado,

de

e ela

funcionava como elemento de coesão social, de outro, atuava na demarcação interna da coletividade paulista. O próprio impulso econômico

centrado

no

café

que projetou

São

Paulo

na

federação também promoveu a vinda de imigrantes cujos filhos e netos (paulistas), especialmente na década de 1920, podiam até enriquecer e reivindicar cargos de prestígio mas não dispunham de uma tradição centenária, ou melhor, “quatrocentona”:

O bandeirante enquanto símbolo era criado repleto de um conceito discriminatório; separava, no interior do estado, uma coletividade antiga de outra coletividade de origem recente, valorizando altamente a primeira em detrimento da segunda. Os historiadores do séc. XX se mostravam, pois, muito próximos dos seus antecessores, Pedro Taques e Frei Gaspar da Madre de Deus: como estes, seu intento era traçar uma linha clara de separação entre “paulistas de 400 anos” e forasteiros. 67 Mas a discriminação não prosperou. Tão logo se tornou necessária a união interna, em todos os planos, para levar a cabo o movimento de 1932, o termo bandeirante rapidamente revelou a sua qualidade de símbolo e incorporou a massa antes alijada da sua representação. A cristalização final da memória 66WEHLING, A. Op. cit., p. 30. 67QUEIROZ, M. I. P. de. Op. cit., p. 84.

36

bandeirante no discurso historiográfico não restringia-se mais ao seu traço original elitista.

2.4 José Honório e o revisionismo histórico

Para,

finalmente,

caracterizarmos

Taunay

como

artífice da memória bandeirante, resta-nos, neste momento, discutir o emblema que a Taunay apõe José Honório Rodrigues. Este atribui-lhe o mérito de ter sido um revisionista histórico assim como o fora Varnhagen.

Destaca,

José

promovida

em

27

de

Historical

Association,

Honório, dezembro para

a de

escolha 1944

membro

de

pela

Taunay, American

honorário

desta

Associação. Ressalta, ainda, que o historiador das bandeiras desfruta da companhia de Johann Huizinga e George Macaulay Trevelyan,

entre

outros,

estrangeira

alcançara,

nesta

afinal,

eleição. o

“maior

À

consagração

trabalhador

da

historiografia brasileira”. Assim, demonstra José Honório, a importância de Taunay e a repercussão da sua obra.

Contudo, o que se deve entender por “revisionismo”?

Rever a realidade histórica deve ser a primeira tarefa da chamada “história combatente” 68 . O revisionismo se opõe à ortodoxia,

à

falsa

idealização

do

passado,

aos

mitos,

à

68RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay e o Revisionismo Histórico. In: História e Historiadores. Rio de Janeiro : Fulgor, 1965. p. 135-147.

37

oligarquia, à mumificação dos estadistas, enfim, à atividade destituída de idéias dos cronistas, memorialistas e historiadores descritivos que apenas estabelecem fatos. O revisionismo é um movimento independente, uma construção criativa, alia teoria e prática, não despreza as ideologias, enfrenta a injustiça social, interpreta e reinterpreta o passado na sua significação presente, realça a contribuição popular, procura partir para uma finalidade mais alta, a iluminação da existência e a conexão do presente e do

passado.

Por

fim:

“as

descobertas

históricas

que

o

revisionismo sempre estimula vêm menos das pesquisas factuais trazidas pelos novos documentos que das questões novas que sabemos levantar” 69 .

Assim

sendo,

o

revisionismo

histórico

é

tanto

ideológico como factual. Revelar os adeptos do revisionismo torna-se muito importante na medida em que poucos no Brasil o seguiram.

Quando se debruça sobre a obra de Taunay referente às bandeiras, José Honório constata que Capistrano de Abreu foi o teórico e Taunay o executor 70 . Foi Capistrano de Abreu quem postulou, em primeiro lugar, uma história da conquista do interior ao invés da análise exclusiva da conquista do litoral. Taunay apenas segue a sugestão do mestre de quem tantas lições tomou. É bastante incentivado e auxiliado também pelos documentos descobertos e pelas pesquisas levadas a cabo por Washington Luís. Toda uma massa documental emerge dos arquivos que se organizam em São Paulo, no final do século 69RODRIGUES, J. H. Vida e História. In: Vida e História. Rio de Janeiro : Civ. Brasileira, 1966. p. 3-23. 70Ibid., p. 16.

38

XIX e início deste, através do esforço coletivo de eruditos e historiadores

como,

por

exemplo,

além

de

Capistrano

e

Washington Luís, Orville Derby (geógrafo e geólogo), Teodoro Sampaio (geógrafo) e Basílio de Magalhães (historiador) 71 .



temos

alguns

elementos

que

associados,

configuram o caráter de revisionista histórico destinado a Taunay

por

José

Honório.

A

originalidade

do

tema

da

interiorização devido à escassez de trabalhos produzidos até então.

O

preenchimento

da

lacuna

pouco

explorada

por

Varnhagen acerca do século XVII. O tamanho da empresa, pelo volume das fontes, pelo período abarcado e pela necessidade de um grande número de pesquisadores nela envolvidos. Isso tudo reunido dá o tom de revisão factual ou contribuição factual, sempre conjugado com o revisionismo temático sugerido por Capistrano de Abreu. José Honório deixa bem clara essa separação quando diz que Taunay e Rodolfo Garcia seguiram mais a corrente do puro revisionismo factual 72 , composto, em Taunay, por um factualismo apaixonado e um factualismo ideológico.

José Honório afirma que Taunay tinha um sentido realista, empírico (factualismo apaixonado), preferindo sempre a estrutura e não a conjuntura (factualismo ideológico), o real e não a aparência, as camadas profundas e não as superestruturas, os movimentos coletivos e não as minorias governamentais, ou

71RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 136. 72RODRIGUES, J. H. Afonso d'E. Taunay e a História do Brasil. In: História Combatente. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1982. p. 241.

39

seja, as bases econômicas e sociais para a compreensão da história nacional como produto do processo real 73 .

Do que vai dito até o presente, conclui-se que Taunay foi um homem dedicado ao trabalho. Ele não esperou as necessárias monografias específicas para construir a obra que julgava sistemática; principiou a História Geral das Bandeiras Paulistas a partir dos seus próprios estudos preliminares sobre São Paulo nos séculos XVI e XVII. Ao longo de sua vida produziu

um

montante

de

textos

que

ultrapassa

mil

e

quatrocentos títulos 74 . Dessa forma, finaliza José Honório:

Em resumo: Taunay foi bem o representante do revisionismo histórico, cujo fim principal consiste em rever os grandes quadros históricos já construídos, corrigindo, acertando, acrescentando, atualizando. Apenas, sua contribuição, mais que a de Rodolfo Garcia, se caracteriza não pela emenda, mas pela ampliação. O capítulo de Varnhagen sobre as bandeiras era pífio; Garcia tentou atualizá-lo; Taunay construiu um mundo novo. O ímpeto inicial, porém, foi revisionista. 75 Este é o ponto: “O ímpeto inicial ... foi revisionista”. Portanto, a partir de um determinado momento ele deixou de ser revisionista. Qual foi a tendência da sua obra cessado o ímpeto inicial? O próprio José Honório fornece a resposta:

Taunay, como um grande historiador, reconstruiu todo um mundo espiritual que começa nele de maneira indissolúvel. A vida bandeirante que reconstruiu torna-se imediatamente uma força 73RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 139. 74ELLIS, M., HORCH, R. E. Op. cit., p. 182. 75RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 143.

40

presente e formadora do futuro. Como representante de sua geração, ele reconstruiu todo esse mundo, sob o impulso da necessidade presente, para que pudéssemos recordar sempre de novo o nosso próprio passado, não esquecê-lo e não perder a substância da nossa própria vida histórica, ameaçada pelo abandono ou esquecimento do grande movimento bandeirante. 76 Consideramos

que

a

denominação

“revisionismo

histórico” é muito difusa e de restrita aplicação ao produto do trabalho historiográfico de Taunay. Se, por um lado, José Honório

afirma

que

o

revisionismo

se

opõe

ao

simples

estabelecimento dos fatos, como indicamos acima, como admitir, de outro lado, a existência de um “revisionismo factual”? Curiosa é a dupla vinculação do revisionismo: ideológico e factual. Depreendemos que o revisionismo não deve prescindir nem de uma, nem de outra vinculação; mas não é exatamente o contrário que ocorre quando ele aceita o revisionismo puramente factual? Ou, ainda mais grave, quando a acepção “ideológico” é usada como sinônimo de “teórico” ou “temático”. Uma luz esclarecedora

surge

revisionismo

com

quando a

sua

ligamos noção

essa

de

preocupação

história

do

combatente,

renovadora, problematizadora, que luta no campo oposto de uma “sub-historiografia

entrincheirada

em

algumas

cátedras

universitárias” 77 .

A aplicação dessa tentativa de conceito, que é a expressão “revisionismo histórico”, na obra de Taunay relativa ao tema das Bandeiras nos causa ainda mais desconforto. Primeiro porque impreciso, segundo porque limita a dimensão 76Ibid., p. 141. 77RODRIGUES, J. H. Vida e ..., p. 12.

41

da obra, o que o próprio José Honório reconhece. Ora, o ímpeto revisionista não foi só inicial?

Muito bem, então Taunay é um revisionista, mas onde está a sua preocupação teórica? Não é o próprio José Honório que reconhece que o tema das Bandeiras e o período foi lembrado a Taunay por Capistrano? Não foi também Capistrano quem tentou dissuadi-lo de escrever uma história dos capitãesgerais de São Paulo? É exatamente José Honório quem recorda: “Pensara, em 1904, escrever uma história dos capitães-generais de São Paulo, mas desistira, naturalmente em face da viva condenação de Capistrano” 78 .

Como articular a noção de revisionismo com o juízo que faz Taunay da história, esteio de uma verdade incontestável sempre que extraída do documento verdadeiro?

Hoje (1911), e cada vez mais, é a sombra a grande inimiga do historiador. O melhor modo de fazer a apologética é ainda dizer a verdade, toda a verdade, nada mais do que a verdade. A história se faz, com os documentos, os atos cujos vestígios materiais desapareceram estão para ela perdidos e quando muito podem concentrar-se no domínio das reminiscências coletivas. Onde desaparecem os documentos chegam os extremados a avançar cessa a história. 79 Muito pelo contrário. A concepção de história de Taunay e, principalmente, a sua produção historiográfica, nos remete para uma outra noção, completamente distinta da

78RODRIGUES, J. H. Afonso Taunay..., p. 140. 79TAUNAY, A. d'E. Os Princípios..., p. 326.

42

postulada por José Honório, nos conduz para o conceito de memória.

Se organizar o passado em função do presente é a função da história, no dizer de Lucien Febvre 80 e seguido por José Honório, a nós se impõe uma tarefa: como o passado foi organizado por Taunay em função do presente? No percurso dessa análise encontraremos os pontos de contato e necessário afastamento da relação memória-história 81 .

A referência que fizemos de Taunay nos fornece o ponto de partida. Nela, de início, surge a oposição platônica luz/sombra, a história aparece como discurso apologético (que justifica, defende ou louva) em prol da verdade, toda a verdade, nada mais do que a verdade.

Uma definição sucinta de memória denota: “A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo” 82 . Não é exatamente a verdade absolutizada que Taunay propõe como missão da história desvelar? A luz da ciência não iluminaria todo o passado e o revelaria por inteiro ao presente?

80Apud. SANTOS, A. C. M. dos. Memória, história, nação: propondo questões. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 6. Reforçando a oposição entre memória e história, ainda Lucien Febvre: “O homem não se lembra do passado. Reconstrói-o sempre. O homem isolado, essa abstração. O homem em grupo, essa realidade. Ele não conserva o passado na memória, como os gelos do norte conservam frigorificados os mamutes milenários. Parte do presente - e é sempre através dele que conhece, que interpreta o passado.” FEBVRE, L. Combates pela História. 3. ed. Lisboa : Editorial Presença, 1989. p.25. 81Para Halbwachs, associar os termos memória e história é um grande equívoco “... porque geralmente a história começa somente no ponto onde acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social.” HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 80. Esse corte não foi estabelecido por Taunay. 82NORA, P. Entre Mémoire et..., p. XIX.

43

Revelar

por

inteiro,

eis

o

império

da

continuidade,

da

continuidade histórica.

Essa luz, no exato instante em que revela por inteiro, lembra, também por inteiro; retira do esquecimento aquele passado que não merece o ostracismo. Se a memória é a vida, aberta à dialética da lembrança e da amnésia 83 , a memória historiograficamente

construída

é

o

local

onde

se

pode

cristalizar, solidificar a lembrança recuperada e restaurada, enfim, livrá-la do desterro.

Por isso a memória reconstitui e não reconstrói, por isso a memória evoca, ela quer que o passado venha para o presente na sua dimensão absolutizada e não problematizada. Vamos a Taunay, anos mais tarde (1926):

Havendo, na grande maioria dos casos, a maior imprecisão de dados, para a fixação dos pontos visitados pelas bandeiras, viu-se o autor forçado a limitar-se a indicar as zonas onde operaram as expedições sertanistas, pretendendo, sobretudo, evocar-lhes os feitos como lhes mencionar o nome dos chefes e as datas das jornadas. 84 Taunay pretendia reconstituir todos os trajetos, ou pelo menos os mais importantes, das bandeiras. Era impossível, como ele mesmo constatou. Os bandeirantes não deixaram relatos das expedições e, além do mais, a nomenclatura dos acidentes geográficos, dos pontos de referência, dos caminhos, havia sido tragada pelo tempo. O que restou a Taunay foi 83Ibid., p. XIX.

44

detectar e marcar os lugares visitados e não as trilhas; mas com que intuito? De evocar os feitos 85 , de fixar (lembrar) os nomes dos chefes, de registrar as datas. Esta é a preocupação predominante na obra de Taunay sobre as bandeiras, edificar historiograficamente a sua memória.

A construção da memória bandeirante envolveu Taunay em várias áreas de atuação. Antes de escrever sua História Geral, empreendeu estudos sobre quem ele via como as principais fontes do bandeirismo: Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1915) e Frei Gaspar da Madre de Deus (1916). Publicou estudos sobre São Paulo no século XVI e XVII: Na Era das Bandeiras (1919), S. Paulo nos Primeiros Annos (1920), S. Paulo no século XVI (1921), Piratininga (1923) e, no ano de publicação do primeiro tomo da História Geral, Non Ducor, Duco (1924). Recuperou e reinventou a tradição bandeirante com a retomada de Pedro Taques e Frei Gaspar.

O tema das Bandeiras imbrica-se com o da cidade convergindo, ambos, para a construção da memória bandeirante. No estudo intitulado A Grande Vida de Fernão Dias Pais (1931), no capítulo X, Taunay faz grande digressão sobre a 84TAUNAY, A. d'E. Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas: Séculos XVI-XVII-XVIII. Desenhada por Gregorio Colas e José Domingues dos Santos Filho. [1926]. Citação escrita no mapa. 85O verbo evocar (do latim evocare) além de significar trazer à lembrança, guarda ainda hoje o sentido original de caráter sagrado e religioso. Nos primeiros anos da cidade de Roma, de acordo com Raymond Bloch, a evocatio era um rito “em que o general romano convidava as divindades tutelares da cidade cercada a deixarem as suas habitações para se fixarem em Roma, onde tempos mais dignos delas lhes seriam restituídos (...) A evocatio consistia essencialmente numa fórmula mágica pronunciada pelo comandante das forças na ocasião do assalto a uma cidade sitiada.” BLOCH, R. Origens de Roma. Lisboa : Verbo, 1971. p.126-128. Não exitamos ao afirmar que Taunay, quando pretende evocar os feitos passados, deseja que eles retornem do profundo esquecimento para viverem no presente a glória do reconhecimento eterno. No “posto” de historiador Taunay cumpre a antiga função do comandante romano.

45

municipalidade, sobre a guerra civil entre Pires e Camargos e sobre o papel do bandeirante que atua não só no sertão com aquele “... notável dom de que Fernão Dias Pais deve ter sido dotado para se impor aos índios...” 86 , mas também na urbe: “Iria a luta entrar em nova fase, quiçá a mais violenta da guerra civil. Na que se encerrara não estivera Fernão Dias Pais tão em destaque quanto na que se ia encetar onde lhe caberia um papel absolutamente capital” 87 .

A deliberada benevolência de Taunay em relação aos bandeirantes transforma-os em entidades mitificadas 88 . Como o seu objetivo é reconstituir a trajetória condutora da formação dos paulistas, desde a origem idealizada até o valoroso presente, termina

por

mitificar

os

personagens

que

inauguraram

a

ocupação do planalto, também mitificado: “A “borda do campo” era a borda do sertão ignoto e do mistério profundo, o primeiro marco da conquista do Brasil” 89 ; e, mais a frente: “Precisava João Ramalho fazer como Rômulo” 90 .

Poderíamos reproduzir ao infinito as citações que demonstram que a empresa de Taunay foi de memória e não de história. Taunay buscou, como indicamos anteriormente, a 86TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Pais. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4, 1931. p.110. 87Ibid., p. 88. 88Nossa reflexão sobre o mito privilegia a sua expressão simbólica destacada por Cassirer: “... hablando en general, las respuestas humanas pertenecen a un tipo enteramente distinto. Lo que las distingue de las reacciones animales es su carácter simbólico. En la aparición y el crecimiento de la cultura humana, este fundamental cambio de sentido puede seguirse paso a paso. El hombre ha descubierto un nuevo modo de expresión: la expresión simbólica. Este es el común denominador de todas sus actividades culturales: del mito y la poesía, del lenguaje, del arte, la religión y la ciencia.” CASSIRER, E. El Mito del ..., p. 58. 89TAUNAY, A. d'E. A Vida em Santo André da Borda do Campo. In: Na Era das Bandeiras. São Paulo : Melhoramentos, 1922. p. 9.

46

iconografia das bandeiras e dos bandeirantes, quando não encontrava

os

seus

vestígios,

determinava

a

criação

das

imagens: memória pressupõe imagem.

Façamos a experiência! Adentremos no peristilo do Museu Paulista, lá estão as pinturas imaginadas dos primeiros povoadores, as estátuas de Antônio Raposo Tavares e Fernão Dias Pais (figuras 1 e 2); na escadaria (figura 3), em ambos os lados, os vasos contendo as águas dos grandes rios do Brasil, especialmente aqueles ligados às Monções 91 . Não podemos esquecer de mencionar, aliás, esquecer jamais pois é um lugar de memória, as grandes telas: A Partida da Monção de Almeida Júnior (figura 4), a Fundação de São Paulo e o Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro de Oscar Pereira da Silva (figuras 5 e 6), e a Fundação de São Vicente de Benedito Calixto (figura 7).

Realmente, Taunay “reconstruiu todo um mundo espiritual que começa nele de maneira indissolúvel”, como quer José Honório, e por isso mesmo ele é muito mais do que um revisionista histórico, ele é um construtor de memória.

90Ibid., p. 17. 91Taunay inspirou-se no palácio dos Aquemênidas em Persépolis, que possuía em ânforas as águas do Nilo, do Danúbio, do Indo..., para instalar os recipientes com as águas dos rios históricos brasileiros: “Assim, senhores! Quando à gratidão brasileira se impuser, como saldamento imperioso de uma dívida enorme, a necessidade da ereção de um monumento destinado a rememorar os feitos daqueles que alargaram o Brasil pela América do Sul a dentro - e no dia em que um monumento nacional como este se vai erigir aos homens da nossa Independência se erguer a estes filhos de S. Paulo, portadores das quinas ao coração do continente e doadores ao Brasil, de milhões de quilômetros quadrados de territórios admiráveis, fiquemos certos de que a tal monumento não pode faltar o lugar para a ânfora d'água do rio das bandeiras paulistas (o Tietê)!” TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 100-101.

47

Figura 1 - Estátua de Antônio Raposo Tavares, de Luiz Brizzolara.

48

Figura 2 - Estátua de Fernão Dias Pais, de Luiz Brizzolara

49

Figura 3 - Hall e escadaria do Museu Paulista

50

Figura 4 - A Partida da Monção, óleo de Almeida Júnior

51

Figura 5 - A Fundação de São Paulo, óleo de Oscar Pereira da Silva

52

Figura 6 - Desembarque de Pedro Álvares Cabral, óleo de Oscar Pereira da Silva

53

Figura 7 - Fundação de São Vicente, óleo de Benedito Calixto

3 . O PRESENTE E O PASSADO NA CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA

O presente não se detém. Não poderíamos imaginar um presente puro; não teria valor. O presente tem sempre uma partícula de passado, uma partícula de futuro. E parece que isso é necessário ao tempo.

Jorge Luis Borges. O Tempo.

55

A expansão vicentina, conforme exposta na obra de Taunay, constituiu-se em tema pela interseção de dois conjuntos de contribuições: um, contemporâneo (Capistrano de Abreu e Washington Luís), o outro, localizado no passado (Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Frei Gaspar da Madre de Deus e Auguste de Saint-Hilaire). No primeiro grupo de autores, em relação a Capistrano de Abreu, dele recebeu a indicação do tema,

lições

sobre

importância

do

o

trabalho

do

conhecimento

historiador

histórico

e

sobre

a

cientificamente

estruturado; de W. Luís ele não só apreendeu a estima pelas tradições como deixou-se tragar pelo projeto de valorização do passado paulista. No segundo grupo, ele encontrou a nobilitação inicial

do

bandeirante,

e

como

não

divergia,

invocou

explicitamente esses autores, através de longas e freqüentes citações, para sustentar em grande parte as suas intenções e interpretações.

Portanto,

Taunay

uniu

o

ofício

do

historiador

(Capistrano) e a vontade de celebrar as tradições paulistas (W. Luís) com as lembranças do glorioso passado de São Paulo registradas por determinados autores (Taques, Gaspar, SaintHilaire), amparadas documentalmente ou na tradição oral 92 . Procedendo assim, no dizer de Halbwachs, Taunay confere ao seu texto uma sensação de solidez e exatidão como se a experiência relatada fosse recomeçada não somente por ele no presente, mas também por vários grupos no passado 93 . Em suma, 92Sobre Pedro Taques, afirma Alice Piffer Canabrava: “Ele recolheu a mística bandeirante conservada na tradição oral. Profundamente paulista, Pedro Taques foi um intérprete do sentimento tradicionalista de seu meio.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES, R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica Editora Souza, 1949. p. 495. 93Halbwachs, M. A Memória Coletiva. São Paulo : Vértice, 1990. p. 25.

56

ao submeter o passado e a tradição estabelecida aos rigores da História convertia os três em memória.

3.1 A contribuição do presente

3.1.1 Capistrano de Abreu

Duas são as influências determinantes do resultado da obra historiográfica de Taunay - e correspondem ao duplo movimento acima enunciado: Washington Luís e Capistrano de Abreu 94 . Do primeiro, não só apreendeu a estima pelas tradições como assimilou o projeto de valorização do passado paulista. Do segundo, recebeu lições sobre o trabalho do historiador e a importância

do

conhecimento

histórico

cientificamente

estruturado.

A influência inicial e sempre homenageada por Taunay

foi

de

Capistrano.

O

filho

de

Taunay,

Augusto

d'Escragnolle Taunay, relata:

estudara engenharia pela necessidade de possuir um diploma superior e dos cursos superiores existentes no país era este o que menos lhe desagradara. E, durante os anos em que se ocupou do ensino da física e da química já se vinha empenhando nas pesquisas históricas, matéria para a qual sempre tivera grandes pendores, possivelmente devido aos

94Wehling indicou a influência de Capistrano de Abreu sobre Taunay Cf. WEHLING, A. De Varnhagen a Capistrano: Historismo e Cientificismo na Construção do Conhecimento Histórico. Rio de Janeiro : Tese para Professor Titular de Metodologia da História no Departamento de História - IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992, v. 2, p. 392.

57

incentivos do seu grande mestre e dileto amigo, Capistrano de Abreu 95 . Pensamos ser correta a conjectura de que a real vocação de Taunay era a história sendo a engenharia apenas um pequeno retardo no percurso imposto pela época. De qualquer forma,

fosse

Taunay

formado

em

direito

ou

engenharia,

Capistrano serviu como elo de ligação com a história. Durante quase quarenta anos (desde os doze anos de idade) Taunay recebeu lições de história do Brasil do “Mestre prezado e amigo”, de quem humildemente se considerava discípulo 96 . Desejando que o filho tivesse os melhores professores a sua mãe contratou,

no

ano

de

1889,

Capistrano

de

Abreu

como

“explicador” particular. Realmente é de se invejar a sorte!

A

influência

de

Capistrano

foi

duradoura

e

perpetuou-se até a morte do último (1927):

A Capistrano devi assinalados serviços e os mais leais conselhos. Deu-me indicações preciosíssimas sobre muitos e muitos assuntos. Indicou-me opulentas fontes com aquela prodigiosa liberalidade e ausência total de inveja que formavam o fundo do seu íntimo, ao oferecer aos amigos, aos consulentes em geral, a poderosa valia de seu formidável cabedal de conhecimentos. E como se interessava pelo andamento dos trabalhos daqueles a quem estimava! Como desejava que se aperfeiçoassem! 97 .

95Apud. ELLIS, M., HORCH, R. E. Affonso d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. p. 23. 96TAUNAY, A. d'E. J. Capistrano de Abreu: In Memorian. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, primeira parte, 1927. p. XIII-XVIII. 97Ibid., p. XVII.

58

O

período

coberto

pela

correspondência

de

Capistrano publicada por José Honório Rodrigues estende-se de 1904 a 1927. Capistrano acompanhou os passos de Taunay na escrita histórica desde os primeiros capítulos do romance do seu discípulo. Recomendava muito cuidado com os diálogos, para que

os

personagens

de

época

não

falassem

como

os

contemporâneos do autor, além de muita leitura 98 .

As cartas de Capistrano de Abreu confirmam o quanto ele lutou para evitar desvios temáticos e proporcionar a Taunay uma trajetória que julgava segura. Diz Capistrano por volta de 1904:

Afonso amigo, A sua ídéia de escrever uma história dos capitãesgenerais de S. Paulo é simplesmente infeliz. Que lembrança desastrada a de preferir um período desinteressante, quando a grande época dos paulistas é o século XVII! Deixe este encargo ao... ou ao... Isto lhes vai calhar. Que encham as páginas da Revista com tão desenxabido assunto. Reserve você para si o melhor naco, deixe os miúdos para quem deles gostar. 99 A tese de concurso à cadeira de História do Brasil do Colégio Pedro II (1883) já revelava um Capistrano preocupado com o Brasil interior, há nela um capítulo dedicado ao sertão. O “Mestre” de Taunay vislumbrava toda uma história do Brasil alternativa ao enfoque exclusivo do litoral. Nos Capítulos de

98RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1, p. 274. 99Ibid., p. 276.

59

História Colonial, o maior de todos os “capítulos”, o do sertão, é assim iniciado: A invasão flamenga constitui mero episódio da ocupação da costa. Deixa-a na sombra a todos os respeitos o povoamento do sertão, iniciado em épocas diversas, de pontos apartados, até formar-se uma corrente interior, mais volumosa e mais fertilizante que o tênue fio litorâneo. 100 O tema do sertão, da conquista do interior, foi portanto sugerido por Capistrano. Devemos indicar que o sertão foi objeto de livros de Alfredo d'Escragnolle Taunay revelando assim uma predisposição temática desde o lar, se levarmos em conta a elevada consideração que Affonso, o filho, nutria pelo pai. A admiração expressou-se através da publicação e tradução dos textos do autor de Inocência, das quais Taunay se encarregou sem descanso. Capistrano manifesta a primazia do Visconde:

100ABREU, J. C. de. Capítulos de História Colonial: 1500-1800. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1988. p. 141. Ao filão aberto por Capistrano e seguido por Taunay, entre outros, incorporou-se também, mais tarde, Sérgio Buarque de Holanda: “Vencida porém a escabrosidade da Serra do Mar, sobretudo na região de Piratininga, a paisagem colonial já toma colorido diferente. Não existe aqui a coesão externa, o equilíbrio aparente, embora muitas vezes fictício, dos núcleos formados no litoral nordestino, nas terras do massapê gordo, onde a riqueza agrária pode exprimir-se na sólida habitação do senhor de engenho. A sociedade constituída no planalto da capitania de Martim Afonso mantém-se, por longo tempo ainda, numa situação de instabilidade ou imaturidade, que deixa margem ao maior intercurso dos adventícios com a população nativa. Sua vocação estaria no caminho, que convida ao movimento; não na grande propriedade rural que forma indivíduos sedentários.” Apud. OLIVEIRA JUNIOR, P. C. de. Bandeirantes, Índios e União Ibérica: propondo uma outra abordagem. Revista da Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 1993. p. 7.

60

Quando as críticas se apurarem, reconhecerão que seu pai foi o primeiro dentre nós que descreveu sertões de experiência e autópsia, não de chic: antes dele só houvera estrangeiros. 101 Capistrano não só influiu no tema, gestão exitosa, como procurou interferir no estilo de Taunay, onde fracassou: “Se V. for capaz de sacrifício, aconselharia um: deite fora a retórica, reduza o volume ao rigorosamente significativo” 102 . Nesse ponto Capistrano não teve sucesso porque a Taunay interessava construir um grande tema: o tema das Bandeiras. A sua intenção não era problematizar a conquista e o povoamento do interior do Brasil, ele vislumbrava construir uma matéria que fosse digna aos olhos da História, cujo personagem principal, o bandeirante,

agia

segundo

os

mais

elevados

sentimentos.

Escrevendo muito, redigindo incontáveis laudas, publicando vários tomos, Taunay procurava, com o volume, conferir autoridade quantitativa ao bandeirantismo. Enfim, queria provar ao grupo, à coletividade paulista e brasileira que aquele momento histórico não deveria ser esquecido:

Repetindo-se uns aos outros, cronistas coloniais e historiadores do Brasil nação, prestaram, geralmente, imensa atenção às lutas e à repulsa dos estrangeiros, às questões administrativas, freqüentemente tediosas, infindáveis, deixando na mais inexplicável e imerecida obscuridade os feitos das bandeiras. Para eles a história do Brasil é a história da costa, quase somente. 103

101RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 330. O livro de Alfredo d'Escragnolle Taunay ao qual Capistrano faz referência é Visões do Sertão editado por Taunay após a morte do Visconde. No capítulo subseqüente posicionamos a influência do pai. 102RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 302.

61

As críticas a Taunay abrangem a letra “ilegível”, solicitam que não faça citações literárias, que abandone as paráfrases, que evite substituir vocábulos em língua portuguesa por similares estrangeiros, por exemplo hinterland no lugar de sertão. Esse último aspecto é revelador. Capistrano percebe que Taunay ao valer-se de palavras em língua estrangeira procura enobrecer o seu tema:

Li os dois artigos sobre Taques, que devolvo. Por que rush e placer? Será tão indigente a língua que para coisas brasileiras precisa de palavras peregrinas? 104 Os dois historiadores trocavam informações sobre documentos, discutiam sobre o método de expor a matéria histórica, comentavam a bibliografia. Capistrano gostava de brincar com a excessiva religiosidade católica de Taunay, propunha questões dentro do bandeirismo para ele resolver (por exemplo a origem do sentido histórico que tinha a palavra “bandeira” naquela época - década de 20), criticava os textos enviados por Taunay (considerou que o primeiro volume da História Geral continha muitas páginas relativas aos espanhóis), incentivava-o a identificar os bandeirantes (o caso de Domingos Jorge

Velho)

e

sugeria

publicações

de

livros

dado

o

conhecimento e intimidade de Taunay com os irmãos Weiszflog - a atual editora Melhoramentos.

A presença de Capistrano e sua influência sobre Taunay obedece também às regras do contexto. Se o contato 103TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. ideal; H. L. Canton, 1924. t. 1, p. 7.

62

entre ambos recua a 1889, quando pela primeira vez ele foi seu aluno, desde 1880, segundo Wehling, Capistrano já havia transitado da sua fase cientificista para a subseqüente, cuja característica

é

o

primado

do

documento 105 .

Abandonava,

Capistrano, o historicismo cientificista baseado em Comte, Buckle e Spencer, entre outros, sem uma rígida vinculação a qualquer doutrina. Assim sendo, o Capistrano que ministrou aulas e tornou-se amigo de Taunay não mais tinha como pressupostos teóricos a crença na unidade do real, na existência de leis deterministas, na diretividade do processo (a evolução), na possibilidade de encontrar leis e regularidades para os fenômenos sociais, na sua cognoscibilidade crescente e na definição de atitudes epistemológicas semelhantes para as diversas ciências, envolvendo conceitos abrangentes 106 .

Agora, especialmente após a tese de concurso ao Colégio Pedro II, que foi “o coroamento da conversão de Capistrano de Abreu ao documento”, “é a verdade que emana das fontes que comanda a investigação e as conclusões” 107 . Completa, Wehling:

Em 1883, Capistrano de Abreu aparece como um historiador acabado: é um cientista que domina o seu método, a sua problemática e os seus temas. Não é mais o aplicador das leis positivistas, do evolucionismo spenceriano, do determinismo climático. Utiliza-se deste intrumental como hipóteses de trabalho, que tanto podem ser confirmadas como desmentidas pela análise documental; não se vê mais na obra de Capistrano 104RODRIGUES, J. H.(Org.). Correspondência..., p. 289. 105WEHLING, A. Op. cit., v. 2, p. 385. 106Ibid., p. 360-361. 107Ibid., p. 387.

63

um “tour de force” para encaixar os fatos na teoria pré-elaborada como fez em 1874, a propósito do teatro brasileiro. 108 É esse historiador acabado, cuja obra não ficou irremediavelmente datada (como a de Sílvio Romero) pois superou o cientificismo 109 , que conviveu e influenciou Taunay. A ascendência intelectual de Capistrano manifestou-se em pelo menos cinco aspectos: na importância do documento, no método, no tema, no período e na indiferença à política. A apreensão feita por Taunay dos ensinamentos de Capistrano se o afastou dos ares cientificistas do final do século XIX, no entanto deixou uma preocupação com o objeto e com o documento histórico, firmemente convertida em culto documental, único meio de alcançar àquela realidade que não cessa de escapar, ou melhor, que tende ao esquecimento.

3.1.2 Washington Luís

A outra influência marcante na obra historiográfica de Taunay sobre o bandeirismo é Washington Luís Pereira de Souza. Em todos os momentos nos quais Taunay fez referência à figura de W. Luís a palavra tradição estava envolvida. No entanto, o significado atribuído à tradição ligava-se intimamente à história, na sua dimensão documental. Assim sendo, o antigo prefeito, presidente do estado de São Paulo e da República, era louvado pela sua ação de estímulo aos estudos do passado paulista

e

pela

publicação

essenciais a essas pesquisas. 108Ibid., p. 388. 109Ibid., p. 430.

dos

documentos

considerados

64

No início do livro S. Paulo no Século XVI (1921 é a data da publicação; 1919 é a data do texto citado abaixo), Taunay, no espaço dedicado ao prefácio e que costumeiramente levava o título “Duas Palavras” - título sugestivo uma vez que ele decididamente não possuía o tão desejado espírito de síntese - comenta as fontes das quais se serviu:

Aos elementos hauridos das fontes únicas de outrora, os depoimentos jesuíticos, ajuntamos o copiosíssimo manancial de informes inéditos, proveniente das Atas e do Registro Geral da Câmara de São Paulo, traduzidos e postos à disposição dos estudiosos, graças sobretudo à ação esclarecida de Washington Luís, tão profundo sabedor quanto zelador cioso das tradições da grande cidade de que foi governador. 110 Vale a pena notar dois aspectos que são recorrentes no discurso historiográfico de Taunay. O primeiro é o destaque que ele nunca deixa de fazer quando se utiliza de acervo documental inédito; a respeito especificamente das Atas e do Registro Geral, fará uma ressalva que talvez só Azevedo Marques tenha compulsado essa documentação. Mais do que destacar,

Taunay,

sempre

deu

preferência

exagerada

aos

“inéditos”, como se a história - e era assim, com certeza que ele pensava

-



pudesse

ser

realizada

com

objetividade

e

originalidade se descobrisse novos materiais. O segundo ponto relaciona-se à palavra zelador. W. Luís não é apenas sabedor mas

também

zelador

do

conhecimento

do

passado,

das

tradições. Essa função de zelar pelo passado, tão admirada, foi absorvida por Taunay e assumida como uma das funções da

65

história. Tradição e história, a primeira corrigida pela segunda, concorrem para a exaltação do passado paulista. Abaixo, a dedicatória do primeiro volume da História Geral das Bandeiras Paulistas:

Ao amigo ilustre, Dr. Washington Luís Pereira de Souza, a quem imenso devem a tradição bandeirante, e os estudos sobre o Brasil primevo, homenagem muito grata. 111 Com essa dedicatória Taunay agradece não só o apoio pessoal, a confiança, o estímulo e a amizade, como o apoio oficial. Boa parte da sua obra sobre o bandeirismo, inclusive a História Geral, foi financiada por cofres públicos 112 . As funções executivas exercidas por W. Luís - prefeito de São Paulo no período 1913-1920, em seguida, presidente do estado de São Paulo e, finalmente, presidente da república entre 19261930 - facilitaram a destinação das verbas que custearam a construção de uma “história” bandeirante.

110TAUNAY, A. d'E. S. Paulo no Século XVI: História da Villa Piratiningana. Tours : E. Arrault & Cia., 1921. p. V. 111TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 1. O grifo é nosso. 112“Honrando a publicação a presente obra, com o amparo do governo de S. Paulo, vieram os srs. drs. Washington Luís e Alarico Silveira, trazer-lhe um testemunho que se de um lado nos provoca o maior desvanecimento, de outro, nos traz a apreensão do que não corresponderá a incumbência à expectativa de seus ilustres patronos.” Seria forçoso interpretar a palavra incumbência no sentido de encomenda, não há como comprovar, mas consideramos que indiscutivelmente havia uma comunhão de interesses mediados pelo amor à história e ao passado paulista . Dessa forma, não era preciso existir uma encomenda explícita; havia quem se dispusesse a fazê-la - a História Geral - e quem se dispusesse a financiá-la. TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 16. Capistrano de Abreu deixa vazar, em carta, a projeção de Taunay junto ao governo paulista: “Bem poderia você estimular os seus amigos do Governo a impulsionar tão útil série (de documentos).” RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 280.

66

Enfim, a influência de W. Luís enfeixa também uma consistente

contribuição

de

natureza

histórica.

Além

de

pesquisar e publicar documentos, além de financiar oficialmente a publicação de obras históricas, escreveu, ele mesmo, textos significativos - são significativos e consistentes não só porque amparados em farta pesquisa empírica como correspondem às expectativas coevas. As dúvidas que circundaram o nome de Antônio Raposo Tavares, “magno sertanista”, durante anos e atribuídas, por Taunay, em grande parte aos desvios da tradição oral e ao desaparecimento de uma biografia do bandeirante feita por Pedro Taques para compor a Nobiliarquia, essas dúvidas, foram definitivamente resolvidas por W. Luís em 1905, com a publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo do artigo Antônio Raposo 113 . Nas palavras de Taunay:

Cabe a Washington Luís como se sabe, a glória da reivindicação histórica que veio dar ao homeríada (Antônio Raposo Tavares) as suas características exatas. 114 Completam a contribuição de W. Luís o texto Contribuição para a História da Capitania de São Paulo: Governo de Rodrigo César de Meneses e o livro Na Capitania de São Vicente; no campo dos documentos o incremento para a divulgação das séries Inventários e Testamentos e Documentos Interessantes para a História e Costumes de S. Paulo. Um último dado a ser destacado; a polêmica desconcertante sobre o

113LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX, 1905. p. 485-533. O artigo compõe-se do texto propriamente dito e da íntegra de dezessete documentos comprobatórios. 114TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 3, p. 279.

67

cultuado personagem João Ramalho encerrou-se quando veio a lume, por intermédio de W. Luís, o seu testamento 115 .

A

medida

da

ascendência

intelectual

e

oficial

exercida por W. Luís em Taunay e nos demais eruditos e historiadores da época pode ser obtida através de uma frase de Capistrano de Abreu. Angustiado pela premência do tempo em cumprir uma “tarefa” sugerida por W. Luís - a edição dos escritos de Anchieta - escreve a Taunay: “Haverá tempo? Não sei quando termina o mandato do Washington. 116 ”

3.2 A contribuição do passado

3.2.1 Pedro Taques

Pedro Taques nasceu em São Paulo no ano de 1714. Era o sexto filho do capitão Bartolomeu Paes de Abreu e tinha uma ascendência ilustre que incluía Fernão Dias Pais e Brás Cubas. Ainda segundo Taunay, estudou no Colégio Jesuítico de São

Paulo

sabendo

o

francês 117 .

Estes

diminutos

dados

biográficos não dão conta do intenso sentimento que Taunay dedicava a Pedro Taques: 115LUÍS, W. O Testamento de João Ramalho. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX, 1905. p. 563-569. Assim como Taunay, Alcântara Machado rendeu agradecimentos a W. Luís: “Depois de ter divulgado, quando prefeito do município, as atas e papéis da edilidade paulistana, pondo ao alcance de todos nós os materiais para a reconstrução da vida administrativa da cidade colonial, materiais aproveitados imediatamente em trabalhos judiciosos pelo sr. Afonso de Taunay, promoveu depois, na presidência do Estado, a reprodução dos inventários antigos, salvando-os assim do esquecimento injusto e da destruição inevitável a que estavam condenados.” In: MACHADO, A. Vida e Morte do Bandeirante. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. p. 29-30. 116RODRIGUES, J. H. (Org.). Correspondência..., p. 336. 117TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques. In: LEME, P. T. de A. P. História da Capitania de São Vicente. São Paulo : Melhoramentos, [1928]. p. 5-53.

68

Imenso devem o Estado de S. Paulo e o Brasil a Pedro Taques e esta dívida, mais que secular, tão longe ainda de se saldar, precisa concretizar-se num monumento nacional. Espera firmemente o Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo que, em futuro não remoto, celebre a cidade de São Paulo a glória do filho ilustre num padrão que a todos lembre a memória imperecível daquele a quem tanto cabe o epíteto, formoso entre todos, de - Historiador dos Bandeirantes. A esta homenagem, por certo, há de todo o país concorrer, porque historiador dos bandeirantes significa: historiador da conquista do Brasil pelos brasileiros. E celebrando a glória de Pedro Taques, aclamará ao mesmo tempo a Nação, de Norte a Sul, a dos paulistas, construtores do áspero Brasil Meridional e Central. 118 A dívida, os elogios e as homenagens advêm das qualidades sem-par que Taunay observara na sua conduta e nos seus escritos. Pedro Taques era “homem orgulhoso de sua nobreza e opulência”, esteve “alheio aos preconceitos semimuçulmanos

sobre

a

mulher

que

dominavam

as

velhas

sociedades lusitanas”, foi “o mais fiel dos vassalos do Rei de Portugal”, dispunha de “rara inteligência e erudição”, possuía uma

“convicta

religiosidade”;

no

seu

texto

principal,

a

Nobiliarquia, procurou “ser imparcial ou pelo menos passar por sê-lo” e evitou qualquer referência pesada “aos inimigos encarniçados que contou” 119 .

118TAUNAY, A. d'E. Prefácio: Pedro Taques de Almeida Paes Leme. In: LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v. 1, p. 35-36. O grifo é nosso.

69

Os defeitos do linhagista também foram observados, entretanto de forma esporádica. Em um desses raros momentos, ao comentar as incoerências do terceiro casamento de Taques, Taunay revela-se crítico como poucas vezes se pode notar:

Como iria um aristocrata, apaixonado de ferrenhos preconceitos de casta, oriundo de nobre estirpe altamente colocada e prestigiada em toda a capitania, incansável e retumbante arauto da seleção nobiliárquica, aquele que chegara a escrever que a geração de certa pessoa nobre morrera, porque seu progenitor desposara uma mulata, - como iria o linhagista, apregoador dos “estímulos do sangue”, aliar-se a alguém de modesta origem, pertencente a uma família sem tradições, fortuna nem posição, embora branca e cristã velha e - o que mais grave era - em cujo seio, recentemente ainda, graves irregularidades haviam ocorrido? 120 O tom de crítica veemente, contrário aos desígnios de quem pretende louvar a vida e obra de alguém decorre, certamente, da indignação de Taunay para com o episódio: Taques o decepciona. Se na vida íntima, a cada passo, “trai o linhagista um profundo pendor pelos problemas do eterno feminismo” 121 , na obra preenche as expectativas - de Taunay, é claro.

Na Nobiliarquia o linhagista materializou, segundo conclui Taunay, a influência recebida de seu padrinho o frei Luiz dos Anjos, “apaixonado da nobiliarquia e da ciência

119TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo: estudo de uma personalidade e de uma época. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, p. 253-264. Este estudo foi premiado pela Academia Brasileira de Letras no concurso de erudição realizado em 1923. 120Ibid., p. 143-144. 121Ibid., p. 144.

70

genealógica” 122 . Nos estudos levados a cabo com os jesuítas, Pedro Taques revelava-se detentor de admirável memória fato que o distinguia positivamente entre os demais 123 . Deve-se notar que o próprio Taunay possuía tal dom natural, muitas vezes após ler os documentos e fazer as devidas anotações, no ato de compor o texto, não os retomava confiando na memória 124 . Taunay ao reparar essa qualidade especial no linhagista não deixava de se identificar com ele. Um sinal mais forte dessa identificação nos é dado quando Taunay expressa as supostas expectativas de Pedro Taques às vésperas de sua viagem a Lisboa em 1755, ano do terremoto. O ponto de exclamação indica a emoção de Taques transbordando para o narrador:

Excelente essa ocasião para visitar a capital da monarquia e viajar, amparado pela proteção de altas personalidades que lhe facultariam a entrada no recesso dos arquivos! Anteviu a plena satisfação desta paixão dominante, o contato com os documentos, fonte de sensações deliciosas, para a insaciável curiosidade dos rebuscadores, de impressões fortíssimas, como poucas haverá, tão agradáveis e capazes de provocar os arrepios das grandes comoções e as alegrias intensas dos achados preciosos e inesperados. 125

122Ibid., p. 15. 123Ibid., p. 21. 124“Ao redigir os seus trabalhos, dispensava fichários. Possuía anotações em uma pasta que vez ou outra consultava. Servia-se, antes, da sua invejável memória prodigiosa”. ELLIS, M., HORCH, R. E. Op. cit., p. 37. 125TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo..., p. 57-58. É-nos impossível evitar a lembrança de uma passagem basilar: “O documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, ele próprio parcialmente influenciado por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imagem desse passado, quanto para dizer “a verdade”.” LE GOFF, J. A História Nova. In: LE GOFF, J. (Dir.). A História Nova. São Paulo : Martins Fontes, 1990. p. 54.

71

Os documentos históricos, tão valorizados por um e outro, capazes de provocar as mais espetaculares emoções, foram reunidos em coleção particular à custa dos cargos públicos de Pedro Taques. Taunay da mesma forma constituiu coleções, desta feita no Museu Paulista. Um e outro realizaram obras vastas - a Nobiliarquia e a História Geral das Bandeiras Paulistas - também recorrendo às influências, vantagens e remunerações oriundas do exercício de funções públicas 126 . Para além do valor atribuído aos documentos, unem Taques e Taunay, sempre através da ótica deste, o mais elevado dos sentimentos humanos: o amor.

Do amor consagrado aos documentos dá-nos Pedro Taques numerosas provas, quando lastima a dispersão dos velhos arquivos vicentinos, e sobretudo a catástrofe provocada por um incêndio do cartório da Câmara de S. Vicente, “monumento para a posteridade”. 127 Foi no exercício do cargo de guarda-mor das Minas de São Paulo que Pedro Taques recebeu do capitão-geral D. Luiz Antônio de Sousa a tarefa de escrever “tudo que souber a respeito do estado das Aldeias desta Capitania, as ordens Reais que tem havido a respeito das suas terras e governo, enfim tudo aquilo que alcançar o seu conhecimento e julgar preciso se conserve nesta secretaria para todo o tempo constar” 128 : assim veio a lume a Informação sobre as Minas de São Paulo em 126“É nossa convicção - à falta de documentos - que pôde Pedro Taques tanto fazer avultar a sua Nobiliarquia graças à particularidade de haver sido tesoureiro da Bula e contar, em todas as vilas da capitania, subordinados.” Ibid., p. 102. Além de ter sido tesoureiro-mor da Bula da Cruzada (1758) Pedro Taques também foi investido no cargo de guarda-mor das Minas da Comarca de São Paulo (1763). 127Ibid., p. 247. 128Portaria para o Sargento-Mor Pedro Taques declarar tudo o que há a respeito das Aldeias desta Capitania. Apud. TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo... p. 165.

72

1772. O mesmo ano conheceu outra obra de Taques produzida sob encomenda, a História da Capitania de São Vicente, agora por conta de um particular interessado na defesa de direitos de herança. Antes, em 1768, havia publicado a Notícia Histórica da Expulsão dos Jesuítas do Colégio de São Paulo que não era resultado de encomenda mas estava marcado pelo contexto específico da administração pombalina, fazendo com que o autor manifestasse uma desconfortável posição anti-jesuíta 129 .

De fato, a grande obra de Pedro Taques é a Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica 130 . Consumiu o autor desde os dezesseis anos, envolveu duas viagens a Portugal, o

concurso

de

eclesiásticos)

da

auxiliares Capitania,

por a

vários luta

do

cartórios autor

(civis contra

e as

conseqüências da malária (especialmente várias paralisias) e, sobretudo, a perda de vários originais quando do terremoto em Lisboa por ocasião da primeira viagem. Sem dúvida emerge significativa a produção de Pedro Taques, mas sua relevância torna-se absoluta por atender aos desígnios de Taunay no esforço de documentar, provar, fixar e definir os personagens e feitos

de

um

passado

reputado

como

esplendoroso

em

realizações:

São o pendor para a documentação humana, as tendências à individuação, que para nós sobrelevam o valor dessa Nobiliarquia Paulistana - obra de paciência quiçá apenas documentação valiosa de 129Ibid., p. 102. 130O texto foi publicado pela primeira vez na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a partir de 1869 e compreendeu os tomos XXXII-XXXV. TAUNAY, A. d'E. O Historiador dos Bandeirantes: Pedro Taques e a sua Obra. In: LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980, v. 1, p. 43.

73

nossa história sertanista, para os observadores superficiais; mas para os estudiosos e os sinceros muito mais que isto: porque representa a fixação dos caracteres das gerações longínquas que passaram anônimas, e traduz um pouco da alma que aos dilatadores do Brasil animava. E tudo isto sem a sua intervenção se perdera 131 3.2.2 Frei Gaspar

Gaspar Teixeira de Azevedo (9/2/1715), conhecido por Frei Gaspar da Madre de Deus, constituiu juntamente com Pedro Taques, um referencial seguro e precioso para Taunay. Tanto foi assim, que o historiador soube protegê-los dos “injustificáveis” ataques dos críticos. Cândido Mendes de Almeida foi um daqueles a repelir, em Pedro Taques, a chamada mania nobiliárquica. Na defesa do “historiador vicentino” Taunay expende:

Dentre o primeiro núcleo de fundadores de S. Vicente, gente havia muito bem aparentada em Portugal, - e isto incontestável é - pretendam o que quiserem as alegações de certa corrente da moderna crítica da nossa História que, obstinadamente, se recusa a aceitar as informações iniciais de Pedro Taques, inquinando-as de suspeitas ou lendárias, nascidas da mania nobiliárquica e do prurido da vaidade exagerada, freqüente entre os genealogistas e os paulistas em geral, acrescenta-se com certa malícia. 132

131TAUNAY, A. d'E. Pedro Taques e seu tempo..., p. 252. 132TAUNAY, A. d'E. Biografia de Frei Gaspar da Madre de Deus. In: MADRE DE DEUS, Fr. G. da. Memórias para a Historia da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos anos em que se descobriu o Brasil. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. p. 9.

74

Quanto a Frei Gaspar a acusação repousava no testamento de João Ramalho, compulsado pelo beneditino mas desaparecido até que W. Luís o redescobrisse.

Acusou-o (Cândido Mendes), formalmente, de haver forjado o famoso testamento de João Ramalho e, no entanto, pôde Washington Luís, há alguns anos, trazer a lume irrefragável depoimento comprobatório da veracidade e da boa fé do historiador. 133 A trajetória de Frei Gaspar foi menos tormentosa do que a de seu primo Pedro Taques. Aquele abrigou-se entre os beneditinos em 1731 aos dezesseis anos, sua família possuía grandes propriedades e não enfrentou qualquer abalo repentino como a acusação de desfalque contra Taques. O único “violento abalo” familiar, segundo Taunay, teria sido a morte prematura do pai, Domingos Teixeira de Azevedo. No noviciado da Bahia Frei Gaspar estudou Filosofia, História e Teologia, participou da Academia Brasileira dos Esquecidos (1724), logo desfeita, e conviveu com Rocha Pitta. A este convívio Taunay atribui a consolidação

da

vocação

do

beneditino

para

a

História,

indagando...

No seu remanso freqüentou-o frei Gaspar: quanto não devia ao jovem monge aproveitar o contato com o admirado e invejado mestre supremo da História nacional, o primeiro a quem se atribuíra o título de historiador, quando no país não houvera até então senão cronistas? 134 Muito

significativo

nos

comentários

de

Taunay

acerca deste episódio é o envolvimento de Pedro Taques, 133Ibid., p. 9. 134Ibid., p. 20.

75

formando uma tríade (Pedro Taques, Frei Gaspar e Taunay) em defesa

da

verdade

absoluta

produzida

pelo

conhecimento

histórico e desqualificando, por conseguinte, Rocha Pitta:

Viriam o decorrer dos anos e sobretudo os estudos em comum com Pedro Taques, fazer com que muito se lhe diminuísse esta veneração dos dias da mocidade. “Fantasioso e crédulo”, incidiu a sua “desenfreada pena” em “muitos e péssimos erros” como o afastarse da alma da História, que é a verdade”, di-lo Pedro Taques, em termos duros quanto possível, para com quem entendia ser o bonzo da História brasileira na época setecentista. 135 A veneração de Frei Gaspar por Rocha Pitta, segundo Taunay, foi mediada pela intervenção providencial de Pedro Taques. Este no passado, assim como o próprio Taunay no presente, comungava da única crença relevante à atividade do historiador, a paixão pela verdade, pois esta é a própria essência da História.

Deste momento podemos extrair três conclusões. Primeiro, que a ação de Pedro Taques em prol da verdade o coloca numa posição ligeiramente superior a Frei Gaspar no juízo de Taunay; segundo, Frei Gaspar atende de pronto aos reclamos propiciados pelos estudos em comum com o primo e amigo íntimo, revelando uma propensão interna para o caminho correto valiosa para Taunay; terceiro, esse enredo institui uma ligação sólida e indissolúvel entre os três protagonistas, todos amam a verdade, autorizando Taunay a evocá-los quando necessários. Por conhecê-los a fundo (afinal escreveu-lhes as biografias), por confiar no resultado dos seus estudos, por

76

louvar como eles a “Verdade” 136 , e porque os três possuem como tema central a construção de uma imagem positiva do habitante de São Paulo - bandeirante por excelência - 137 , por tudo isso pôde Taunay qualificá-los como “as fontes do bandeirismo”:

Não há quem ignore que as primeiras obras da história puramente paulista datam do século XVIII. O que para trás desta centúria existe não passa de minúsculos fragmentos, geralmente desvaliosos, não existindo uma única destas contribuições a que se possa dar o título de livro (...) Em suma, a história dos paulistas no século XVIII resume-se até agora naquilo que redigiram Pedro Taques e seu primo Frei Gaspar da Madre de Deus. 138 Potencializa-se a unidade de intenções e concepções de Taques e Gaspar, veiculadas por Taunay, porquanto trocavam idéias, documentos e as páginas de suas obras enquanto as escreviam: “Permutavam os dois historiadores tudo quanto

135Ibid., p. 20. O grifo é nosso. 136Katia Abud observa que na obra de Pedro Taques e Frei Gaspar aparece uma ligação consistente com a tradição de pesquisa histórica surgida na França do século XVII: “Tal tradição vinha do final do século anterior, com a obra de D. Mabillon De Re Diplomatica que iniciou a “ciência do documento valorizando o documento escrito como prova da História, trabalho que foi continuado pelos beneditinos da Congregação de Saint-Maur e que trouxe “condições seguras para o conhecimento histórico”.” ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 74. Taunay possuía a mesma convicção no tocante ao documento como prova da História. 137“A imagem do bandeirante construída por Pedro Taques e Frei Gaspar fixou-se e dela se utilizaram a grande maioria dos historiadores e cronistas que a eles se seguiram, ao tratar da Capitania de São Paulo (...) Essa mesma imagem, que durante o século XIX se esvaneceria voltaria com maior vigor e retomaria a sua função de símbolo da camada dirigente de São Paulo, nas primeiras décadas do nosso século.” ABUD, K. M. Op. cit., p. 98-99. 138TAUNAY, A. d'E. Manuel Eufrásio de Azevedo Marques e seus preciosos “apontamentos”. In: MARQUES, M. E. de A. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e noticiosos da Província de São Paulo. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v. 1. p. 9-11.

77

tinham” 139 . Da intensa correspondência por eles produzida restou apenas duas cartas, levando Taunay a lamentar:

é fácil aquilatar-se a importância da perda, que sua destruição à História de S. Paulo acarretou. 140 Se, de um lado, a Nobiliarquia de Pedro Taques constituiu-se num rico manancial de informações e fontes para Taunay, de outro, as Memórias para a História da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo de Frei Gaspar elencou e conjugou os temas originais da trajetória dos paulistas.

Julgamos serem temas originais exatamente porque buscam reconstituir o processo histórico desde os primórdios até onde for possível. Dessa forma, o primeiro item do livro de Frei Gaspar versa sobre a capitania de São Vicente - é interessante que o item “Descoberta do Brasil” sucede o referente à “Expansão dos Paulistas”; na seqüência encontramos capítulos ligados a Martim Afonso de Souza, à fundação de São Vicente, a João Ramalho e Tibiriçá, à fundação da cidade de São Paulo e, para não nos estendermos além do necessário, à aclamação de Amador Bueno. Todas as menções são centrais dentro do propósito de reconstituir o passado paulista louvando-o e exaltando-o. Todos eles podem ser encontrados dispersos ao longo dos títulos da Nobiliarquia de Pedro Taques. Todos foram incorporados à obra de Taunay, às vezes com pequenos reparos motivados pelo manuseio de novos documentos (como os espanhóis), sem alterar-lhes o princípio de seleção. Assim, mantém-se Taunay dentro dos quadros tradicionais propostos e 139TAUNAY, A. d'E. Biografia de Frei Gaspar..., p. 50.

78

executados

no

século

XVIII,

avançando

aqui

e

ali

ou

simplesmente atualizando-os dentro do que ele chamaria “a moderna crítica histórica”.

3.2.3 Taques e Gaspar por Taunay

Um episódio associado à narrativa do tema da aclamação de Amador Bueno da Ribeira pode ser utilizado como exemplo, inclusive porque através dele são enleados Frei Gaspar e Pedro Taques.

O contexto histórico do final da União Ibérica (1580-1640) e da Restauração Portuguesa registra diversos acontecimentos conexos, entre eles, a expulsão dos jesuítas de São Paulo, a aclamação de Amador Bueno e as lutas de grupos rivais 141 . O traço de união destes episódios é simbolizado pelo fim da dominação espanhola na metrópole que repercutiu no cotidiano americano meridional onde o trânsito espanholportuguês/português-espanhol era comum e intenso, embora proibido. A província do Paraguai e as capitanias da Repartição do Sul da América portuguesa, portanto a região da bacia do rio da Prata, ligavam-se preferencialmente através da vila de São Paulo. Tal intercâmbio significou, na referida vila, uma forte presença espanhola entre os homens de posse e os políticos de então - os camaristas.

140Ibid., p. 50. 141Ao abordarmos o tema da aclamação de Amador Bueno seguimos as considerações de Nilo Garcia. GARCIA, N. Aclamação de Amador Bueno: a influência espanhola em São Paulo. Rio de Janeiro : Tese de Livre-Docência em História do Brasil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1956. p. 57.

79

Quando da Restauração, os espanhóis estabelecidos na imediações de São Paulo vislumbraram a ameaça aos seus interesses comerciais e políticos no retorno de um monarca português ao trono em Lisboa. Antes de proclamarem D. João IV rei (o que só ocorreu a 3 de abril de 1641), aclamaram um paulista

descendente

de

espanhol,

proprietário

de

terras,

administrador de índios e ocupante de cargos públicos: um homem escolhido a dedo. Amador Bueno, surpreendido, recusa a oferta e refugia-se entre os beneditinos. Tudo isso julga-se ter irrompido no dia 1º de abril de 1641 142 .

A trama estava secundada pela ávida ação dos jesuítas na defesa da liberdade dos índios. Os primeiros foram expulsos de São Paulo após a vitoriosa missão dos padres Antônio Ruiz de Montoya e Francisco Dias Tanho na Europa. Montoya obteve de Felipe IV uma lei régia (31/3/ 1640) determinando

a

restituição

dos

indígenas

apresados

pelos

bandeirantes principalmente entre 1628-1638; Tanho conseguiu do papa Urbano VIII o Breve (22/4/1639) confirmando todas as proibições anteriores quanto à escravização do íncola. Tão logo publicou-se o Breve em São Paulo (maio ou junho de 1640) deuse o início das agitações no sentido da expulsão dos jesuítas concretizada no dia 13 de julho de 1640 143 .

De um lado os paulistas de posses (portugueses ou não), defendendo os seus meios de sobrevivência e de acúmulo de relativa riqueza (visto que a região não produzia nada 142“São quase unânimes os historiadores contemporâneos em admitir que o episódio Bueno se tenha verificado a 1º de abril de 1641, isto é, dois dias antes do ato legal.” Ibid., p. 65.

80

comparável aos lucros da lavoura canavieira) 144 , de outro os jesuítas que disputavam o mesmo butim. No meio, o fim da dominação filipina alterando o contexto político no qual flexibilizavam-se as relações comerciais naquela parte da América luso-castelhana. Por fim voltaram os jesuítas a São Paulo como próceres da Restauração e, em seguida, foi eliminada à força, na Câmara, a influência espanhola que havia tentado a sublevação. O próprio Taunay, como indicou Nilo Garcia 145 , chegou

a

admitir

algo

parecido

com

esta

interpretação

abandonando-a logo depois:

E para nós, os fatos da aclamação de Amador Bueno da Ribeira nada mais são do que a conseqüência da politicagem paulistana, a tentativa de um dos partidos para tomar o poder, entronizando um dos seus mais prestigiosos membros, ensaio mal sucedido, graças à sensatez ou à indecisão do chefe aclamado. E mais ainda; às duas parcialidades assistem característicos etnográficos salientíssimos, provocadores do acirramento do conflito. No fundo batiam-se portugueses e espanhóis, como na península, Buenos e Camargos representavam o atavismo castelhano fixado em São Paulo, vultuoso 143LEITE, Serafim, S.I. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro : INL, 1945. v. 6. p. 251-257. 144Após analisar a coleção Inventários e Testamentos, como fizera José de Alcântara Machado, conclui Zélia Cardoso de Mello: “ não caracteriza a sociedade paulista, nos dois primeiros séculos de sua existência, a fortuna. Antes, o que se vê é o retrato da pobreza, que começa a diminuir quando se inicia a atividade mineira. Nos primórdios da ocupação e povoamento predominam os bens para autoconsumo, economia não monetizada, presença de escambo; maior circulação monetária se percebe a partir dos últimos anos do século XVII. Até o meio deste século, os imóveis representavam pouco na riqueza, situação modificada posteriormente. Os emprestadores tinham papel importante na economia e registramse nos inventários “negros e mulatos da terra”.” MELLO, Z. M. C. de. Metamorfoses da Riqueza: São Paulo, 1845-1895. São Paulo : HUCITEC, 1990. p. 42. 145GARCIA, N. Op. cit. p. 59.

81

importante; Pires e Lemes o contingente trazido pelos lusos para a formação da república paulistana. Aí está certamente a causa primordial deste degladiamento feroz. 146 Examinado o tema da Aclamação segundo a melhor historiografia, resta-nos expor, à luz do que foi dito, o episódio envolvendo Taunay, Taques e Frei Gaspar.

Versa

o

caso

sobre

a

resposta

de

Taunay

às

acusações promovidas por Cândido Mendes de Almeida e Moreira de Azevedo de que o relato de Frei Gaspar acerca da Aclamação baseou-se em documentos inexistentes. O último dos “agressores”, como Taunay os chama, ampliou as críticas a Pedro Taques intitulando o conjunto das narrativas de “Lenda de Amador Bueno” 147 .

Terrível a inculpação... Não poderia ela ficar sem resposta à custa do total descrédito para aqueles tão notáveis repositórios da tradição paulista. Indignado, Taunay verbera:

De um fato tão simples, tão verossímil e possível de se ter passado como esse da aclamação de Amador, quis fazer monstruosa deturpação da Verdade Histórica, com V grande e H maiúsculo, obra da vaidade incomensurável, da descabelada imaginativa, do bairrismo superexaltado dos dois cronistas. 148

146TAUNAY, A. d'E. Sobre El Rei Nosso Senhor: aspectos da vida setecentista brasileira, sobretudo em S. Paulo. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922. t. 1, primeira parte, p. 401-402. 147TAUNAY, A. d'E. Notas à biografia de Frei Gaspar da Madre de Deus: I. In: MADRE DE DEUS, Fr. G. da. Memórias para a Historia ..., p. 76. 148Ibid., p. 77. O grifo é nosso.

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Salvar os dois tradicionais cronistas de São Paulo não foi difícil. Os “agressores” julgavam por inexistente uma Patente de Arthur de Sá e Menezes em favor de Manuel Bueno da Fonseca que traz no bojo do seu texto a referência à Aclamação. Eles haviam procurado o texto citado por Frei Gaspar e Pedro Taques no arquivo errado, não o encontrando julgaram tudo uma fantasia. Quis Taunay refutar as injúrias de forma cabal. Reproduziu, na íntegra, a Patente e ainda fez o cotejo da passagem citada em Gaspar com o original. “Mais favorável não pôde ser o confronto; inequivocamente demonstra a escrupulosa fidelidade de Frei Gaspar. 149 ”

Dois aspectos depreendemos do episódio. O primeiro prende-se à preocupação de Taunay em preservar os cronistas de acusações quanto ao procedimento rigoroso das suas pesquisas. Para servir-se de ambos era necessário ter absoluta segurança nas suas informações; o próprio Taunay não toleraria desleixos, tal o seu comprometimento com aquela História.

O

segundo

diz

respeito

ao

próprio

tema

da

Aclamação e, nesse momento, interligamos a questão com a mudança de juízo de Taunay sobre o tema indicada acima. Encerrando o relato dos acontecimentos que envolveram a aclamação, Pedro Taques arremata: Porém Amador Bueno, sem temer o perigo nem deixar prender-se da indiscreta lisonja, com que lhe ofereciam o título de rei para o governo dos povos da capitania de S. Paulo, sua pátria, soube desprezar, e ao mesmo tempo repreender a insolente aclamação, desembainhando a espada e gritando a vozes: - Real, real por D. João IV, rei de Portugal. 149Ibid., p. 82.

83

Salvou a vida do perigo em que se viu pelo corpo desta horrorosa sedição, recolhendo-se ao sagrado mosteiro de S. Bento, acompanhado dos leais portugueses europeus e paulistas até ficar em sossego o inquieto ânimo dos castelhanos que tinham fomentado o tumulto. Nesta ação deu inteiramente créditos de si a incontrastável lealdade deste vassalo paulista. Não ocultou o segredo do tempo na oficina do olvido esta briosa resolução de Amador Bueno, porque reinando o Sr. Rei D. João V, de saudosa memória, se dignou a sua real grandeza mandar lançar o hábito de Cristo a Manuel Bueno da Fonseca (...) sem preceder as provanças pela mesa de consciência e ordens; porque logo que lhe fez esta mercê o houve por habilitado, e na carta que lhe mandou passar, como governador e perpétuo administrador do mestrado da cavalaria e ordem de Cristo, se contém esta expressão: - por ser neto do meu mui honrado e leal vassalo Amador Bueno. 150 De forma semelhante conclui Frei Gaspar:

Pela tradição constante entre todos os antigos, e alguns modernos desta Capitania sabem-se as mais circunstâncias principais do mencionado sucesso; o qual eu refiro com gosto não pela honra de contar entre os meus terceiros avós ao dito Amador Bueno, mas sim para propor ao mundo um exemplo da mais heróica fidelidade; e porque os paulistas, conservando na memória estas, e outras gloriosas ações dos seus Maiores, continuem a mostrar em todo o tempo aquele mesmo amor, e inalterável fidelidade, que sempre os caracterizou para com os seus Augustos Soberanos. A glória de ter por progenitor a Amador Bueno de Ribeira pertence a muitas nobres famílias existentes nas Capitanias de S. Paulo, Goiás, Gerais, Cuiabá e Rio de Janeiro 151 .

150LEME, P. T. de A. P. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. v. 1, p. 77-78. 151MADRE DE DEUS, Fr. G. da. Memórias para a Historia..., p. 245. O grifo é nosso.

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Os dois autores expressam o cuidado em exaltar a atitude de Amador Bueno. Taques destaca a sua lealdade ao o rei, na condição de “vassalo paulista”, não se importando com o desafio enfrentado. Gaspar, de pronto, clama pela tradição, vangloria-se do sucesso do ocorrido e de tê-lo entre seus ascendentes, reforça a lealdade agora com tonalidades heróicas mas sempre paulistas, além de explicitamente desejar que tudo se preserve na memória. Podemos constatar que desde o século XVIII o tema se presta a todo tipo de louvação, por conseguinte, nada mais natural, que Taunay brandisse fogo contra os detratores daqueles preciosos apologistas do passado paulista.

Considera Katia Abud, que ao longo do século XVIII os antigos senhores rurais paulistas perdem progressivamente a importância

local

com

o

desenvolvimento

da

atividade

mineradora. Já na segunda metade do século eles, os antigos organizadores de expedições ao sertão, constituem a minoria na Câmara, nas altas patentes das companhias militares e nos cargos da administração metropolitana 152 . Sendo assim:

Os dois autores (Taques e Gaspar) fizeram das suas obras porta-vozes das reivindicações das famílias antigas, no sentido de garantirem o seu lugar naquela sociedade ainda estamental. Por esse motivo é tão transparente neles o orgulho de casta, a afirmação da tradição, a procura das provas de ascendência ilustre para a classe dominante, ameaçada pelo grupo de recém-chegados, que assumia a sua mentalidade. 153

152ABUD, K. M. Op. cit. p. 66. 153Ibid., p. 86.

85

O esforço intelectual produzido por Taques e Gaspar, estribado no contexto da substituição de segmentos dominantes enfraquecidos,

corresponde,

paralelamente,

ao

esforço

de

Taunay e outros historiadores paulistas no começo do século XX. Em virtude disso se deu o abandono da referida posição de Taunay a respeito da Aclamação, lá está dito que tudo não passou de pura conseqüência da politicagem paulistana. Não há como exaltar um passado com um juízo desses que muito pouco tem do próprio Taunay e mais parece um rasgo de lucidez, bem ao estilo de Capistrano.

Operou

Taunay

uma

mudança

no

rumo

da

interpretação do tema, passando a considerar a “importância notável

do

demonstração

episódio da

de

existência

Amador do

Bueno

espírito

de

como

primeira

independência

americana” 154 . Realmente a rota alterou-se em trezentos e sessenta graus, nem Pedro Taques nem Frei Gaspar chegam, no afã da apologia, a sugerir qualquer espírito nativista ao episódio 155 . Até porque, de fato, nativismo não há e a Aclamação “não passara de uma explosão de ressentimentos e choque de interesses entre lusos e espanhóis” 156 .

A única justificativa para forçar a interpretação dos fatos é, segundo o nosso ponto de vista, o empreendimento de construção da memória bandeirante. Cônscio dos seus atos, Taunay inaugurou no edifício sede do Instituto Histórico e

154TAUNAY, A. d'E. Amador Bueno e outros ensaios. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1943, t. 11, primeira parte, p. 47. 155GARCIA, N. Op. cit. p. 72. 156Ibid., p. 74.

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Geográfico de São Paulo, por ocasião dos trezentos anos da Aclamação (1º de abril de 1941), uma placa que diz o seguinte:

Recorda este preito singelo A oblação grata do Instituto Histórico E Geográfico de São Paulo À memória de Amador Bueno Que ao recusar Uma coroa real Aos paulistas assegurou A continuidade lusitana De sua missão histórica de Impertérritos dilatadores Da Pátria Brasileira 1641-1941. 157 Mais importante do que uma placa é para a memória a imagem, e esta foi fixada através da tela a óleo de Oscar Pereira da Silva Aclamação de Amador Bueno da Ribeira exposta no Palácio Bandeirantes, sede do Governo do Estado de São Paulo.

Avançando para além de qualquer interpretação lúcida e possível e afastando-se por completo dos limites impostos quer pela tradição quer pela documentação, Taunay, velado por seus propósitos, asseverou:

Foi o episódio de Amador Bueno a mais antiga demonstração do insopitável pendor americano em prol da constituição dos estados independentes no Novo Mundo. Impediu o filho do Sevilhano um movimento perigoso para a conservação da unidade brasileira, e manteve os paulistas na continuidade lusitana da expansão bandeirante, formadora de uma 157TAUNAY, A. d'E. Amador Bueno..., p. 56.

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pátria grandiosa. 158 3.2.4 Auguste de Saint-Hilaire

No mesmo esteio que Taques e Gaspar, sobreleva-se a presença do viajante francês Auguste de Saint-Hilaire para a tradição paulista. Ele juntou ao relato de uma de suas viagens um resumo da história de São Paulo coerente e engrandecedor. Nas palavras de Rubens Borba de Moraes:

Eu creio não exagerar muito afirmando que o resumo da história de São Paulo, feito por Saint-Hilaire, ainda é dos melhores que possuímos (...) O resumo de Saint-Hilaire foi escrito há quase um século e, hoje ainda, não podemos deixar de admirar como ele soube salientar o essencial, explicar e comentar o fato importante, abandonando a minúcia sem conseqüência. 159 O texto de Saint-Hilaire é significativo porque bem executado, ele foi o ponto de partida obrigatório em todas as vezes que se procurou relatar algo acerca do passado paulista. Por isso Moraes sublinha que no texto encontra-se o essencial e não a minúcia. Ademais Saint-Hilaire leu e incorporou à narrativa

os

trabalhos

de

Pedro

Taques

e

Frei

Gaspar,

158Ibid., p. 56. 159MORAES, R. B. de. Prefácio. In: SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à Província de São Paulo. Tradução, prefácio e notas por Rubens Borba de Moraes. São Paulo : Martins; EDUSP, 1972. p. XXVXXVI. O juízo de Taunay é o seguinte: “livro de encantadora leitura como quanto em geral escreveu o ilustre naturalista e viajante. Começa por primoroso Quadro abreviado da Província de S. Paulo que pela primeira vez realizou um apanhado sintético, valioso, embora de pequenas dimensões e deficiente, da história de S. Paulo. Era porém quanto no tempo se podia fazer.” TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco: notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924

88

reproduzindo, por conseguinte, os temas originais por eles eleitos e estabelecidos 160 . Não é a toa que detectamos, ao abrirmos o primeiro volume

da

História

Geral

das

Bandeiras

Paulistas,

uma

epígrafe onde Saint-Hilaire é invocado por Taunay. Preside o volume e toda a obra a expressão definitiva demarcadora de uma raça não humana. Eis, na íntegra, o parágrafo que revela alvo para onde se dirigiu o vigor intelectual de Taunay:

Tempo houve em que no interior do Brasil não se avistava uma única choupana, o menor vestígio de cultura, em que as feras disputavam entre si a posse da terra. Foi então que os paulistas o percorreram em todos os sentidos. Várias vezes penetraram no Paraguai, descobriram o Piauí, as minas de Sabará e Paracatú, internaram-se nas vastas solidões de Cuiabá e de Goiás, percorreram o Rio Grande do Sul; no norte do Brasil, chegaram ao Maranhão e ao Amazonas, e tendo galgado a cordilheira peruana, atacaram os espanhóis no âmago de seus domínios. Quando, por experiência própria, se sabe quanta fadiga e privações e perigos, ainda hoje, esperam o viajor que se aventura nestas regiões longínquas e depois se conhecem os pormenores das jornadas intermináveis de antigos paulistas, fica-se como estupefato e levado a crer que estes homens pertenciam a uma RAÇA DE GIGANTES. 161 Numa única expressão, Saint-Hilaire materializou os diversos tipos de sentimentos manifestados por Pedro Taques e 160De acordo com katia Abud: “Nem as narrações dos ataques às reduções jesuíticas, quando lembrou que aos paulistas era indiferente o uso da força ou da perfídia; que tinham “devastado e depredado”, conseguiram dar imparcialidade às narrativas de Saint-Hilaire - há nelas, sempre, um tom de admiração e respeito aos habitantes de São Paulo, que lhe passaram provavelmente os escritos de Frei Gaspar e Pedro Taques.” ABUD, K. M. Op. cit., p. 104. 161Apud. TAUNAY, A. d'E. Historia Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924. t. 1, p. 3. O grifo é nosso. Na edição de Saint-Hilaire acima citada podemos encontrar a referida passagem nas páginas 14 e 15.

89

Frei Gaspar em favor da glória dos paulistas. Taunay ampliou o alcance da expressão equiparando o orgulho bandeirante à essência do patriotismo brasileiro: a história do Brasil passava necessariamente por São Paulo, no passado e no presente. Se Varnhagen publicara uma História Geral do Brasil, em cinco volumes, Taunay também faria uma História Geral, em onze, só que das Bandeiras Paulistas: “lia-se” o Brasil por São Paulo.

Os temas originais estabelecidos por Taques e Gaspar, revalorizados por Saint-Hilaire e refundidos pelo Taunay formado por Capistrano e W. Luís, coincidiam com os temas significativos para a história do Brasil. Todos eram verdadeiros, mas, na narrativa dos apologistas de São Paulo, passaram a ser portadores de uma segunda “verdade” que idealizava os primeiros tempos da “civilização paulista”, cujos personagens eram nobres e suas ações modelares portavam a consciência

do

desdobramento

futuro.

A

produção

historiográfica de Taunay sobre o tema das Bandeiras carrega consigo este sentido, por isso é uma produção de memória, da memória bandeirante.

4 - A HISTÓRIA DAS BANDEIRAS COMO VEÍCULO DE MEMÓRIA

Mitos à frente; santos atrás, e lá se vai a bandeira.

Cassiano Ricardo. Pequeno Ensaio de Bandeirologia.

91

O conjunto da obra historiográfica de Taunay acerca da expansão vicentina constitui um veículo de memória. A expressão foi cunhada pelo historiador Yosef Hayim Yerushalmi e é correlata à lugar de memória. Ao decidirmos utilizá-la tivemos em mente priorizar o lado condutor, veiculador da memória transmitida pela historiografia 162 . Ao longo da sua História Geral Taunay narra pormenorizadamente os “fastos” 163 bandeirantes. Mas não só nesta alentada seqüência de volumes podemos encontrar o cortejo da memória bandeirante através da sua pena. Tão ou mais importante são os livros e artigos conexos por nós citados e relacionados entre as fontes deste trabalho, neles identificamos o sentido mais amplo e o objetivo da empresa. Na História Geral emerge uma exposição que se pretende sistemática, mas é, na verdade, segundo alguns autores, repetitiva e difusa, de leitura exaustiva, de restrito acesso e uma única edição absolutamente esgotada 164 . No conjunto dos seus textos e das suas ações públicas, deparamo-nos com o sentido de 162YERUSHALMI, Y. H. Zakhor: História Judaica e Memória Judaica. Rio de Janeiro : Imago, 1992. p. 11. 163A palavra tem por significado anais, registros públicos de fatos ou obras memoráveis. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 19--. p. 614. Apresentamos um pequeno exemplo do uso que Taunay faz da palavra: “No mesmo dia (14/11/1925) se inaugurou no recinto das sessões da Câmara uma placa de bronze aludindo igualmente aos feitos gloriosos dos filhos de Parnaíba (“cidade bandeirante”) no conjunto das ações do bandeirantismo nos séculos XVII e XVIII em que tanto sobressaem nos nossos fastos nacionais os nomes desses sertanistas extraordinários que foram os dois Domingos Jorge Velho, tio e sobrinho, os dois Anhangueras, pai e filho; Fernando Dias Falcão e tantos mais.” TAUNAY, A. d'E. O Tricentenário de Parnaíba (1625-1925). Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 321-430. p. 370. 164Este é o comentário de Boxer sobre a História Geral: “Difuso e divagante, mas trabalho básico no assunto, devido às copiosas citações retiradas de documentos originais.” BOXER, C. R. A Idade de Ouro do Brasil: dores de crescimento de uma sociedade colonial. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1963. p. 373. Já Pedro Calmon afirma: “Deve-se-lhe a minuciosa restauração dos movimentos sertanistas (11 volumes da História das Bandeiras Paulistas), mal conhecidos, ou nublados na indecisão das tradições recolhidas por Pedro Taques e Frei Gaspar” CALMON, P. História do Brasil. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1981. v. 7. p. 2401. Na sua tese de doutorado, recentemente publicada no Brasil, John Monteiro qualifica a História Geral das Bandeiras Paulistas de “caótica” - apesar de considerá-la “útil”. MONTEIRO, J. M. Negros da Terra. São Paulo : Companhia das Letras, 1994. p. 235.

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glorificação dos ancestrais e com o objetivo de dar estatuto científico a uma tradição inventada: noutras palavras, com a edificação da memória bandeirante.

Neste capítulo final temos como objetivo explicitar os recursos e os mecanismos utilizados por Taunay para construir essa memória na sua produção historiográfica. Em conseqüência, discorreremos acerca do significado e do uso das palavras

bandeira,

bandeirante,

paulista,

bandeirismo

e

bandeirantismo. Faremos uma análise dos títulos bastantes sugestivos das suas obras, da luta historiográfica que empreende contra os detratores dos bandeirantes e da função dos três temas essenciais no seu texto.

4.1 A memória nas palavras e nos títulos

É fato sabido que as palavras bandeira, bandeirante e paulista não foram contemporâneas do chamado ciclo de apresamento que se estendeu do final do século XVI ao final do XVII. O próprio Taunay, intrigado, afirma:

Curioso é que as palavras paulista, bandeirante e bandeira sejam relativamente recentes em nossa documentação nacional. Para os hispano-americanos e os espanhóis, a designação dos paulistas sempre foi portugueses de San Pablo. O mais antigo emprego do gentílico de que temos notícia ocorre numa ordem do visconde de Barbacena a 27 de julho de 1671. Daí em diante generalizou-se rapidamente. A palavra bandeira vemô-la empregada pela primeira vez num documento do Conselho Ultramarino, datado de 1676 e pelo padre

93

Altamirano em 1679 a falar em “banderas de certonistas”, meio século antes do que pensa Alcântara Machado. Mas bandeirante parece ter-se tornado corrente mais tarde. Os espanhóis diziam “certones” como em 1682 Juan Ortiz de Zárate. O mais antigo emprego do substantivo que se nos deparou, data de 1740, quando D. Luís de Mascarenhas, Conde d'Alva, se referiu aos “bandeirantes” de uma “bandeyra” despachada contra os índios Pinarés. 165 Simultaneamente à constatação da inexistência de tão expressivos termos à época de Antônio Raposo Tavares, Taunay revela-se decepcionado. Por quê? Porque não acha registro no tempo de quem sempre louvara: o bandeirante paulista por excelência e membro de um organismo homogêneo e consciente da sua responsabilidade perante a nação. A nação não existia, os paulistas eram portugueses ou mamalucos 166 e a bandeira não possuía qualquer intenção diferente de apresar índios e encontrar o eldorado. Em suma, alargar o território para um futuro Brasil independente estava fora de cogitação.

Ao demonstrar, em recente artigo, a evolução das referidas palavras de substantivo (designa algo que existe 165TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 1961. t. 2, p. 310. 166Sobre a origem e a duplicidade da grafia de mamaluco/mameluco, esclarece Taunay: “Vicentistas foram chamados, por vezes, mas esta denominação se aplicou sobretudo aos habitantes da costa. Quanto ao gentílico paulista embora não possamos afirmar quando surgiu pela primeira vez, cremos que antes do último quartel do século XVII não foi empregado nem era corrente, mesmo entre os lusosbrasileiros. Mamaluco cuja corruptela é mameluco, significa em tupi o mestiço, di-lo Theodoro Sampaio. O vocábulo mamã-ruca decompõe-se, no dizer do erudito glotólogo brasileiro, em “mamã”, misturar, dobrar, abraçar e “ruca” ou “yruuca” que quer dizer tirar. O apelido histórico se traduz, pois: o tirado da mistura ou da procedência mista. Não é mister grande esforço para se explicar como de “mama ruca” se fez “mamaluco” segundo o escreveram os primeiros historiadores e, depois, mameluco como em geral se adotou.” TAUNAY, A. d'E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924. t. 1, p. 128-129.

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materialmente e nessa constatação esgota o seu sentido) a adjetivo (identifica alguém ou alguma coisa por meio de características que lhe são peculiares), conclui Maria Isaura Pereira de Queiroz:

O adjetivo “bandeirante” se originou do substantivo, que lhe foi anterior. Sinônimo de paulista, liga esta designação ao substantivo, isto é, ao fato histórico das bandeiras. Nesta ligação se vislumbra toda uma evocação de um passado que se associa a determinados indivíduos, um significado histórico; se paulista tem uma base geográfica, bandeirante tem como base uma tradição; e quem diz tradição não diz somente outros tempos, mas também crenças, pensamentos, sentimentos, aspirações que perpassam as gerações como legados permanentes, estabelecendo entre elas como que uma comunhão espiritual. O adjetivo “bandeirante” se encontra, pois, pleno de um sentido simbólico. 167 Embora a autora afirme que o termo bandeirante não aparece como substantivo ou como adjetivo antes do final do século XIX - o que entra em franca contradição com Taunay e nesse aspecto não temos porque dele duvidar - corroboramos a associação entre os adjetivos paulista e bandeirante, unidos por uma

simbólica

específica” 168 ,

poderosa essa

e

“veiculando

mensagem

veiculada

uma é

mensagem a

memória

bandeirante. É por isso que se diz “curioso”, ele procurou no 167QUEIROZ, M. I. P. de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n. 13, 1992. p. 80. 168Ibid., p. 80. Uma repercussão ampliada dessa mensagem encontra-se em Euclides da Cunha: “Da absorção das primeiras tribos surgiram os cruzados das conquistas sertanejas, os mamalucos audazes. O paulista - e a significação histórica deste nome abrange os filhos do Rio de Janeiro, Minas, S. Paulo e regiões do sul - erigiu-se como um tipo autônomo, aventuroso, rebelde, libérrimo, com a feição perfeita de um dominador da terra, emancipando-se, insurreto, da tutela longínqua, e afastando-se do mar e dos galeões da metrópole, investindo com os sertões desconhecidos, delineando a epopéia inédita das

95

tempo o substantivo carregado do significado do adjetivo e não se conforma com o fracasso da busca 169 .

Se para paulista e bandeirante damos por definida a questão, resta apreciar a conhecida expressão “entradas e bandeiras”. Bandeira, com já foi dito, só aparece bem no final do século XVII como sinônimo de expedição, tropa em entrada pelo sertão. Da mesma forma que os espanhóis tinham um nome específico para o bandeirante - maloquero - possuíam um para a bandeira - maloca 170 . A partir do século XVIII, segundo Alcântara

Machado,

a

palavra

bandeira

vai

adquirindo

significados adicionais atribuídos por eruditos e historiadores.

Quase todos chegaram até nós e uma breve relação se impõe. O termo derivaria do fato de algumas expedições desfraldarem estandartes; dos sertanistas estarem reunidos em bandos; do costume tupiniquim de levantar uma bandeira em sinal de guerra; do fato de levantar “bandera” o promotor da expedição para o engajamento dos membros; do julgamento de Martius que afirma ser o sistema de milícias ou “bandera” uma instituição singular de defesa criada pelos portugueses no Brasil 171 ; da designação de um veículo de devastação, de um “Bandeiras”.” CUNHA, E. da. Os Sertões. Rio de Janeiro : Edições de Ouro, 19--. p. 74. O livro veio a lume pela primeira vez em 1902. 169Num Léxico que publicou em 1914 Taunay faz referência a um verbo “curioso”: “BANDEIRIAR. v. i. Organizar bandeiras, tomar parte em bandeiras. (Ap. Cunha Mattos, Chorogr. de Goyaz)”. TAUNAY, A. d'E. Léxico de Lacunas: subsídios para os dicionários da língua portugueza. Tours : E. Arrault, 1914. p. 36. 170TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 132. 171O argumento do historiador é o seguinte: “Quando os portugueses descobriram o Brasil, e nele se estabeleceram, acharam os indígenas, proporcionalmente, em tão diminuto número e profundo aviltamento, que nas suas recém-fundadas colônias podiam desenvolver e estender-se quase sem importar-se dos autóctones. Estes exerceram sobre os colonos uma influência negativa tão-somente

96

grande corpo militar, de grupos prospectores de minas, de grupos

escravizadores

de

índios

ou

de

fatos

de

grande

prestígio 172 . Toda essa dispersão serviu mais para difundir e confundir

do

bandeirismo

que /

esclarecer.

Outra

bandeirantismo.

Em

duplicidade Varnhagen,

surgiria: a

palavra

bandeira toma lugar no capítulo destinado ao conjunto das relações dos colonos com os índios: Além das relações com os índios do distrito em que se fixavam, empreendiam os colonos, tanto por mar como terra dentro, algumas de tráfico e resgate com outros índios mais distantes. A essas relações deveram os mesmos colonos o conhecimento, que pronto adquiriram, não só de toda a costa que percorriam em caravelões, em barcaças e até em jangadas, como dos próprios sertões, que devassavam em pequenas troças, chamadas bandeiras; pois não havia cabilda, assaz numerosa, que se atrevesse a atacar quarenta homens juntos, bem armados e de sobreaviso. 173 A apreciação deste tópico complexo, fruto, em grande

parte,

da

pesquisa

anacrônica

e

da

explicação

esquemática 174 irritou Taunay: Muito papel já se tem gasto e muita sutileza empregado para estabelecer distinção entre entrada e bandeira. Visa semelhante nuga determinar o que

porquanto só os forçaram a acautelar-se contra as suas invasões hostis, e por isso criaram uma instituição singular de defesa, o Sistema das milícias.” MARTIUS, K. F. P. von. Como se deve escrever a história do Brasil. In: O estado de direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1982. p. 95. O grifo é nosso. 172Um exame profundo e extenso pode ser encontrado em: ROMÁN BLANCO, R. Las “Bandeiras”: instituciones bélicas americanas. Brasília : UnB, 1966. p. 428. Em função do estilo escolhido pelo autor para expor o tema, aquiescemos unicamente com as conclusões emitidas quanto às origens, significados e definições da palavra bandeira. 173VARNHAGEN, F. A. de. História Geral do Brasil. São Paulo : Melhoramentos, 1948. t. 1, p. 260. 174O livro O Ouro e a Paulistânia de Alfredo Ellis Júnior é exemplo, apesar do descontentamento de Taunay não se referir ao seu dileto colega.

97

se nos assemelha indeterminável à luz do critério reinante na era das bandeiras. 175 Ele se insurge contra uma discriminação impossível para a época: quando a entrada passa a bandeira ou vice-versa? Com entrada se deseja considerar o grupamento de sertanistas organizado por autoridades metropolitanas na colônia, ao passo que

com

bandeira

a

penetração

unicamente

financiada

e

comandada por particulares. Embora não refute totalmente a distinção, mesmo revelando desconforto com ela, o autor lucidamente expende: Mas a fronteira entre um e outro tipo freqüentemente se nos afigura tudo quanto há de mais indefinido. 176 Divergindo Faoro 178

,

para

citar

de

Jaime

dois

Cortesão 177

renomados

e

Raimundo

pesquisadores

que

consideram a dita distinção, filiamo-nos àqueles como Taunay 179 175TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras..., t. 2, p. 310. 176Ibid., p. 310. 177Mesmo ressaltando o seu caráter maleável e adaptável às circunstâncias do novo continente e mesmo admitindo a origem militar e européia das companhias chamadas bandeiras, no que concordamos inteiramente, o autor não deixa de sobrevalorizar a influência oficial portuguesa: “A companhia, como acaba de ver-se, com os seus mesmos capitães e estrutura oficial, torna-se de mero organismo de defesa do território, bandeira livre de assalto e exploração do sertão.” CORTESÃO, J. Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil. Rio de Janeiro : MEC, 1958. Muitos anos antes o autor distinguia bandeira de jornada: “E assim como no sul do Brasil as bandeiras devassavam os mistérios do sertão e reduziram pouco a pouco a hostilidade das tribos sertanejas, assim no Norte e na capitania de Pernambuco se organizaram espontaneamente as jornadas, bandeiras do norte, cujo objetivo, visava mais especialmente a expulsão dos franceses, a redução dos potiguares, seus aliados, e o povoamento do litoral depois de conquistado.” CORTESÃO, J. Domínio Ultramarino. In: PERES, Damião, CERDEIRA, Eleutério (Dir.). História de Portugal. Barcelos : Portucalense Editora, 1933. v. V, p. 315-462, p. 412. 178“As bandeiras, salvo as raras empresas não autorizadas de aventureiros, eram recrutadas e organizadas pelo governo, sobretudo nos cinqüenta anos que precederam à descoberta das minas.” FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. Porto Alegre : Globo, 1984. v. 1. p. 161. 179É recorrente, no texto de Taunay, afirmações reforçadoras da autonomia dos bandeirantes frente aos governos da metrópole e da colônia do tipo: “Continuavam as operações terminais da guerra dos Palmares. Domingos Jorge Velho reclamava socorros bélicos e D. João de Lencastro lhe respondia,

98

, Alice Piffer Canabrava 180 e Sérgio Buarque de Holanda 181 , entre outros, que vêem a expansão vicentina acionada pela própria dinâmica colonial: tanto o caráter como o fomento das bandeiras foi particular. Segundo o último dos citados:

A expansão dos pioneers paulistas não tinha suas raízes do outro lado do oceano, podia dispensar o estímulo da metrópole e fazia-se freqüentemente contra a vontade e os interesses imediatos desta. 182 Aqui já se trata da ampliação do termo bandeira para bandeirismo: o movimento, a ação coletiva de uma região, com fins e métodos próprios, partido preferencialmente do planalto de Piratininga, com a organização de bandeira. O trânsito de bandeira a bandeirismo - movimento expansionista sistemático de uma coletividade na forma de bandeiras - implicou a elaboração do termo bandeirantismo. Este último sintetiza no bandeirante

a

essência

virtuosa

da

sua

comunidade,

o

movimento social centra-se agora na pessoa do sertanista, por isso tornado herói e mitificado. Nem Holanda nem Canabrava contribuem para esse desdobramento, pensamos, por exemplo,

ríspido, a 13 de dezembro de 1696, que a fazenda real nada lhe devia fornecer. Empreitara ele, exclusivamente, à sua custa, a terminação da campanha palmarense.” TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 7, p. 140. 180“Ao contrário do que se deu na América Espanhola, cujos conquistadores foram patrocinados diretamente pelos monarcas, senão financeiramente, ao menos pela concessão de direitos legais, no Brasil, grande parte do movimento expansionista do século XVII se fez à revelia das ordens da metrópole ou quando muito, apenas com o seu consentimento tácito.” CANABRAVA, A. P. Bandeiras. In: MORAES, R. B. de, BERRIEN, W. (Dir.). Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica Editora Souza, 1949. p. 493. 181HOLANDA, S. B. de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1988. 182Ibid., p. 68.

99

no próprio Taunay, em Ellis Júnior e Cassiano Ricardo 183 , que abusam do emprego dos termos.

A palavra bandeira, submetida que foi ao seu integrante singular, o bandeirante, teve o seu significado preciso estabelecido por Román Blanco, solucionando assim a longa disputa com a “entrada”: la “bandeira” tal y como es enseñada, en el Brasil, tal y como los historiadores modernos nos la pintan, no existió nunca. Ni ella buscó minas, ni tampoco cazó indios, por la simple razón de que ella nada de eso podía hacer. Ella es, tan solo y exclusivamente, la organización táctico-militar, que las “entradas”, (éstas si cautivaban indios), llevaban y que había sido introducida en los Ejércitos regulares españoles, en 1507 y en los portugueses, en 1508. De ellos, y en fechas diferentes, pasó a las respectivas colonias. El “Regimento dos Capitães Mores” fue el cuerpo legal encargado de introducirla, primero en Portugal y después, en África, en la India e por fin en el Brasil. Destinado dicho Regimiento a militarizar y organizar obligatoriamente a todos los particulares, en “bandeiras” o compañías y en escuadras, nada pudo impedir, que ellos emplearan esta misma organización táctica para realizar sus “entradas”. 184 A precisão cortante do autor supracitado nos restitui o sentido específico da bandeira, mas também exclui o sentido imaginoso que impregnou a palavra bandeirante dela derivada. 183A idealização da bandeira em Cassiano Ricardo deve ser vista à luz do Estado Novo: “As considerações sobre a obra de Cassiano Ricardo (Pequeno Ensaio de Bandeirologia e Marcha para Oeste) se alongam justamente para que fique clara a construção harmoniosa da bandeira como prenúncio do que o Estado Novo consagra naquele instante. Ricardo mitifica no passado o que lhe tornaria dificultoso acentuar no presente. A solidariedade social, o espírito cooperativo, dinamismo da ação individual direcionada socialmente, a mestiçagem intensa e a não existência de preconceitos (...) A sociedade bandeirante do planalto é projetada acima dos conflitos de classe e pensada como modelo para o presente.” LENHARO, A. Sacralização da Política. Campinas : Papirus; UNICAMP, 1986. p. 63. 184ROMÁN BLANCO, R. Op. cit. p. 434-435.

100

A sensibilidade de um literato permitiu que se alcançasse a diversidade dos móveis da bandeira sem o risco do esquema. Numa feliz passagem, Cassiano Ricardo consegue mostrar que são os próprios mitos, de origem econômica, os responsáveis primordiais pelo arroubo daqueles homens de então. Vida material e ideal de vida juntos na expansão:

A força motriz, e mágica, porém, que arrasta os homens sertão a dentro, é a dos mitos de origem econômica: a itaberaboçu resplandescente, o sol da terra, a montanha dourada, a serra das pedras verdes... Os mitos conduzem, instigam a marcha; os santos a acompanham. 'Peço ao anjo São Gabriel e ao santo do meu nome e ao anjo de minha guarda me queiram acompanhar'. Mitos à frente; santos atrás, e lá se vai a bandeira. Não é só a pobreza que faz o homem do planalto emigrar; é o mito do ouro. É também o fascínio do desconhecido. 185 De

fato,

cremos

ser

mais

adequado

e

menos

comprometedor do ponto de vista simbólico, nomear a ação desbravadora (para muitos também civilizadora), apresadora e prospectora de metais, partida do planalto piratiningano ao longo do período colonial até o final do século XVIII como expansão vicentina. A expressão tem o mérito de manter-se equidistante

de

todos

os

inconvenientes

observados,

principalmente porque refere-se ao acontecimento histórico despida

do

seu

invólucro

simbólico.

Se,

do

contrário,

decidirmos preservar a mística do movimento num nome que o

185RICARDO, C. Pequeno Ensaio de Bandeirologia. Rio de Janeiro : Ministério da Educação e Cultura, 1956. p. 16-17. O grifo é nosso. Há de se lamentar que essa passagem esteja situada num elenco de “causas” do bandeirismo elaborado pelo autor.

101

defina, apelidá-lo apenas por tema das Bandeiras é preferível a bandeirismo ou bandeirantismo.

Além das palavras escolhidas para denominar a ação dos bandeirantes, os títulos dos livros e artigos escritos por Taunay denotam o esforço por uma memória.

O local que gerou os personagens principais do movimento mereceu ser estudado a fundo, ao longo das suas eras. O século XVI fora o dos “anos primevos” onde aquela sociedade expansionista gestava os seus próceres. Nesse sentido aparecem S. Paulo nos Primeiros Anos (1554- 1601): Ensaio de Reconstituição Social e S. Paulo no Século XVI: História da Vila Piratiningana. O primeiro revela também a já observada preocupação em reconstituir a trajetória de tão importantes cidadãos 186 .Tanto os habitantes como a própria vila eram especiais, não fosse assim para que uma história da vila? Mas não se tratava de um lugar qualquer, tratava-se da “acrópole piratiningana” 187 .

Para o século de maior atuação dos bandeirantes uma História Seiscentista da Vila de S. Paulo foi escrita, assim como para o século do ouro uma História da Vila de São Paulo no Século XVIII e uma História da Cidade de São Paulo no Século XVIII. A síntese desses trabalhos é a História da Cidade de São Paulo, publicada para as comemorações do IV Centenário da cidade. Se a era do quinhentos foi de desbravamento, instalação

186TAUNAY, A. d'E. S. Paulo nos Primeiros Annos (1554-1601): Ensaio de Reconstituição Social. Tours : E. Arrault & Cia., 1920. p. 13. 187Ibid., p. 8.

102

da vila, combate aos índios mais próximos e gênese de uma estirpe, a era do seiscentos foi a da grande conquista territorial ao passo que a do setecentos representou a descoberta e desfrute do ouro e das pedras. Periodizando em eras Taunay produz no leitor a sensação de estar assistindo o desenrolar natural e vitorioso de uma civilização ao longo das suas mais variadas fases. Produz, ainda, uma correlação com os períodos do Renascimento italiano: trecento, quattrocento e cinquecento. Taunay inscrevia a coletividade paulista-bandeirante no quadro das civilizações de grande relevância universal. O primeiro capítulo da História das Bandeiras, a resumida, traz dois itens em destaque:

A expansão bandeirante, capítulo original dos fastos brasileiros / Singularidade deste movimento no conjunto da História Universal. 188 De maneira a corroborar nosso argumento o título que segue não poderia ser mais claro: Na Era das Bandeiras. Ao equiparar os feitos bandeirantes com as maiores realizações da humanidade e singularizá-los chegando a afirmar que a “última fase do bandeirantismo (as Monções), esta sim, não encontra similar em qualquer outro episódio de tal natureza, nos fastos de qualquer nação do Globo”; ao julgar São Paulo semelhante à acrópole ateniense, por essas associações Taunay provoca na consciência dos seus leitores uma imagem amplificada daquela história. Numa palavra, constrói memória.

A

memória

bandeirante

é

construída

para

uma

sociedade que espelha no presente o vigor testado com sucesso

103

no passado. Os escritos A Grande Vida de Fernão Dias Pais e Um Grande Bandeirante: Bartolomeu Pais de Abreu procuram, através da biografia contextualizada, identificar esse vigor passado/presente.

Grandes

homens

também

foram

os

que

pesquisaram e revelaram os primeiros dados de outrora, por isso escreveu

Pedro

Taques

e

seu

Tempo:

Estudo

de

uma

Personalidade e de uma Época. Nem mesmo quando tentou o gênero do romance abandonou a preocupação com o contexto, o livro Leonor de Ávila teve, na primeira edição, o título Crônica do Tempo dos Felipes.

Buscas às tradições não faltaram. Em Heráldica Municipal Paulista e Heurística Paulista Brasileira de novo os títulos são emblemáticos. No segundo, há uma clara indignação com aqueles que dispensam o cotejo dos documentos, com o estado dos arquivos e dos “papéis nacionais” e com aquela “legião de repetidores de coisas já impressas”. O historiador, para

Taunay,

deveria

cumprir

um

roteiro

bem

definido:

pesquisar documentos originais e/ou inéditos com o objetivo de valorizar 189 as tradições já conhecidas ou resgatar as perdidas no tempo.

Buscas às imagens também foram intensas, já o dissemos no primeiro capítulo. Com o título Iconografia Paulista Vetustíssima percebemos a importância que tinha para Taunay as imagens. Infrutífera demanda! “É, aliás, a nossa 188TAUNAY, A. d' E. História das Bandeiras..., t. 1. p. 13. 189É muito expressivo que o primeiro significado do verbete valor do Aurélio faça menção aos bandeirantes. “VALOR (...) 1. Qualidade de quem tem força; audácia, coragem, valentia, vigor: Grande o valor dos bandeirantes que desbravaram nossas terras.” FERREIRA, A. B. de H. Op. cit. p. 1439. Temos aqui, com certeza, a repercussão da memória construída.

104

iconografia brasileira pobríssima até a Independência, ou antes até a invenção da fotografia” 190 . Como não achasse o que procurava, como imprescindível se afirmasse a presença de imagens, eis a solução por ele dada:

Assim, quando pedi a Brizzolara que para o Museu Paulista fizesse as duas estátuas dos grandes bandeirantes (Antônio Raposo Tavares e Fernão Dias Pais) e ele solicitou os seus retratos, tratei, para Antônio Raposo Tavares, de arranjar fotografias de indivíduos tipicamente brasileiros, e dentra eles escolhi, com o artista, duas ou três que foram as utilizadas. 191 Mais direto impossível. Se imagens não encontra... Imagens manda elaborar... Memória termina por construir...

Os últimos títulos escolhidos nos dão caracteres complementares dos intentos de Taunay. Na História Antiga da Abadia de S. Paulo (1598-1772) o autor extravasa o carinho destinado

aos

beneditinos,

a

importância

deles

na

nobre

trajetória dos paulistas e a sua intensa devoção pelo credo católico. Na Zoologia Fantástica do Brasil, cuja capa estampa um homem ferindo de morte uma sereia monstruosa, assistimos à sua incontrolável erudição agora em outro campo da ciência. Mas sobretudo, o impacto descomunal que a natureza dos trópicos causara primeiro em seu pai, o Visconde, e depois nele mesmo.

Essa

natureza

indomável

é

determinante,

como

mostraremos adiante, para a louvação dos bandeirantes.

190Esta citação vem de outro trabalho, cujo título também é sugestivo, onde informa como mandou esculpir o rosto de Fernão Dias Pais. TAUNAY, A. d'E. Os Despojos de Fernão Dias Pais: A Efígie do Governador das Esmeraldas. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, 1927. p. 271-282. p. 281.

105

Finalizando,



um

título

muito

especial,

denunciador das suas mais profundas motivações e que ao mesmo tempo estabelece uma densa ligação com o público paulista. O título? Nas palavras de Taunay, “a magnífica divisa da cidade de S. Paulo”, Non Ducor, Duco (Não sou conduzido, conduzo). A origem da legenda do brasão da capital paulista? Deixemo-lo responder:

Inspiradamente adotada por Washington Luís, para a grande capital que então governava, sintetiza, na verdade do seu laconismo lapidar, a exatidão de vários séculos de ação histórica, no conjunto da formação nacional brasileira. 192

4.2 A luta pela memória

Os “vários séculos de ação histórica” dos paulistas na “formação nacional brasileira foram contemplados na obra historiográfica de Taunay. Do seu conjunto podemos inferir certo plano, certa orientação geral. No primeiro momento Taunay se insere entre os estudiosos e eruditos de São Paulo que buscam a origem invulgar da população do planalto, objetivam definir o caráter do paulista. Nesse sentido, depara-se com o bandeirante e ato contínuo envolve-se no estudo das Bandeiras, tanto mais porque fora sugerido por Capistrano. Os séculos XVI e XVII já estão assim apreciados: anos primevos e ciclo de “apresamento”. Mas a pesquisa continua, novos documentos são 191Ibid., p. 281. 192TAUNAY, A. d'E. Non Ducor, Duco: notícias da S. Paulo (1565-1820). São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 1924.

106

descobertos e o século das Monções emerge. A trajetória paulistana se desdobra e, conseqüentemente, interpreta-se as expedições

fluviais

como

integrante

do

mesmo

impulso

incontrolável. O século XVIII é o das Monções mas também é aquele correspondente ao “ciclo do ouro”. Entretanto, se aqui (final do século XVIII) termina a expansão vicentina, o destino dos paulistas permanecerá conhecendo glórias para além destes três séculos iniciais. O século XIX é para Taunay o século do café e para ele escreveu quinze volumes. E o século XX? É o século dos seus leitores, é o século de um São Paulo (cidade e Estado) que não cessa de expandir-se sob os auspícios da industrialização. Sobre este último Taunay não escreveu, na verdade, para ele escreveu. Respondeu com tradição e memória aos que pediam uma explicação para tão retumbante sucesso, expresso na posição que São Paulo ocupava na federação.

Esta impulsão coletiva (o bandeirantismo) perduraria quadri-secularmente impelindo os paulistas à perquisição do ouro e ao grande rush da plantação do café que prossegue intenso. 193 Esta continuidade idealizada (XVI, conquista do solo; XVII, bandeiras e alargamento territorial; XVIII, monções, ouro e povoamento; XIX, café; XX, indústria) revela, na sua obra historiográfica referente à expansão vicentina, um projeto e uma construção de memória e não de história.

Já mencionamos, através de uma citação, como era invulgar e universal o tema das Bandeiras para Taunay. De tal forma esta afirmação é verdadeira que o autor sente-se a vontade 193TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 90.

107

para equiparar o movimento expansionista por terra “americano” à expansão ultramarina portuguesa. Um problema fulcral se apresenta: se o obstáculo maior às navegações era o oceano, o mar ignoto, qual seria o obstáculo das bandeiras? Resposta: o sertão.

O sertão é a máxima que representa a natureza bruta (o

índio

incluído),

o

grande

desafio

da

bandeira

e

do

bandeirante, o alvo a vencer e superar, atingindo assim a glória imorredoura das grandes civilizações e dos grandes heróis. A jornada na América é a continuação da jornada marítima portuguesa no Oriente, por isso universal como esta, por isso merece ser preservada para a posteridade.

Encontramos uma descrição modelar do sertão, que é a síntese da rude relação do homem com a natureza, que é também um ente vivificado porque é “forte e virgem” e porque se recusa a desvendar seus segredos repelindo os sertanistas, a partir dos comentários feitos por Taunay sobre os apontamentos de um bandeirante que cumpria a função de escrivão no curso de uma jornada. Eis a narrativa:

E aquela demonstração civilizada (os apontamentos) no meio de tão bruta natureza, insensivelmente, lhe evocou talvez os duros transes que eles e os seus iam vencendo, através da floresta americana, à busca dos encontros com o gentio cativável e descível; das refregas com topiães, temiminós, gualachos, pés largos e abiucus; a cata das pintas ricas de ouro e das pedras; dos súbitos e possíveis assaltos dos monstros e abantesmas do sertão, homens e animais. Matuiús de pés para trás e corredores agílimos; coruqueans antropófagos, de quinze pés de altura; guaiasis, anões minúsculos, formigantes,

108

inumeráveis, feroscíssimos; giboiussús, serpentes, imensas e terríveis, cujas carnes putrefatas, fétidas, durante as intérminas e penosíssimas digestões, se refaziam constantemente; hahis colossais, empoleirados nas árvores, vivendo do ar mas matando, por simples ferocidade, os homens que lhes passavam ao alcance dos infindáveis braços. E em tropel lhe deviam ter acudido à mente os sacrifícios indizíveis daqueles longos meses de privações, desde a partida de S. Paulo; os víveres, maus, péssimos, escassos, freqüentemente faltando, por completo; os dias de fome em que nem sequer havia meio de obter os guaribás, os “paus de digestão”; a perda dos rumos, os alarmes noturnos, o extravio nos pantanais, o assalto de milhões de insetos sanguidentos, as refregas com o gentio, as chuvas diluviais e intérminas, o ataque das moléstias misteriosas e dizimadoras, a luta contra todos estes recursos de morte com que a terra, forte e virgem, obstinadamente recusava desvendar os seus segredos e repelia os devassadores. Quanta miséria e quanta coragem! E quanto não se lhe inflaria o peito num sentimento de orgulho imenso ao refletir que ele e os companheiros serviam o nome luso com a constância do espírito dos capitães das jornadas de África e das jornadas da Índia! Dos vassalos da conquista do Oriente! 194 O bandeirante, o homem no passado aqui descrito por Taunay, já evocava o próprio presente, já sentia o impacto de uma memória futura nos seus atos, já equiparava os seus feitos memoráveis aos dos lusitanos. A narrativa interliga o presente e o passado no sentido da eternidade, da eternização da coletividade bandeirante.

A idealização do sertão está patente, é possível respirar na atmosfera da época. A vontade de elevar as realizações “paulistas” (uma verdadeira epopéia) ao plano 194Ibid., p. 83-84.

109

mundial também. Mas a questão é tão importante que ele sentiu a necessidade de ser mais direto, transcrevendo até mesmo uma fala imaginária vinda do passado. Continua a narrativa: E agora, na terra americana, proseguia, incansável, tenazmente, insaciável, a epopéia lusa, renovada pelos homens nascidos no planalto de piratininga, de um cruzamento que elevava a mentalidade vermelha e reforçava a agilidade branca. Afuroador da floresta brasileira, sentiria o escrivão da bandeira a percepção confusa de que era um dos continuadores dos seus antepassados de Aljubarrota, das lides do rei de Boa Memória e do Condestável Santo, que prosseguiam nas jornadas de África e do Oceano, de Ásia e de América. Repelia-se o castelhano e dilatava-se esse Brasil que as bulas e os tratados queriam mutilado. E era a sua gente, a gente de S. Paulo, a gente já nascida no Brasil, que promovia agora a obra do alargamento da terra de Santa Cruz. - Nós outros, que aqui estamos, perdidos no deserto, diria de si para si, padecemos talvez mais do que os vassalos da conquista da África e do Oriente! 195 Uma pergunta resta após estas duas emblemáticas citações: o que teria motivado Taunay a extravasar os seus mais recônditos sentimentos de maneira tão intensa, ferindo inclusive os rigores da “moderna crítica histórica”? Tudo isso foi devido ao inventário de Pêro Araújo (1616) no qual aparece, no verso da última folha, algumas estrofes manuscritas dos Lusíadas...

195Ibid., p. 85.

110

E assim, de repente, irrompendo-lhe na alma, pela voz do Épico, o clamor da glória da sua raça, levouo a irresistível associação das idéias e das situações a escrever, no dorso do inventário mísero e obscuro soldado da bandeira, caído na selva em pról da obra da dilatação do Brasil, uma das estrofes narradoras do episódio máximo do Poema. 196 Bastou que se encontrasse um leve e frágil traço de união

para

que

desdobramento

a

tão

expansão notável,

vicentina

ou

mais,

se

tornasse

quanto

à

um

expansão

marítima portuguesa.

Um obstáculo se elevava contra este objetivo: a tão conhecida

lenda

negra.

Desde

o

início

das

atividades

apresadoras na bacia do rio Paraná os jesuítas promoveram intensa campanha de denúncia. Ela não se limitou às autoridades coloniais, quando perceberam que estas não solucionavam a questão,

muito

pelo

contrário,

sancionavam-na,

foram

diretamente para a Europa expor de viva voz as atrocidades cometidas contra determinações metropolitanas e Papais. As leis descumpridas remontavam a D. Sebastião, que, a 20 de março de 1570 ordenou em carta régia:

Defendo e mando que daqui em diante se não use nas ditas partes do Brasil dos modos que se até ora usou em fazer cativos os ditos gentios, nem se possam cativar por modo nem maneira alguma, salvo aqueles que forem tomados em guerra justa que os Portugueses fizerem aos ditos gentios, com 196Ibid., p. 85. Alcântara Machado também repercutiu esse “achado”: “Ninguém há que não aprenda o simbolismo dessa obra maravilhosa do acaso, que é um fragmento da epopéia dos Gamas e dos Albuquerques a servir de fecho ao inventário do bandeirante obscuro. Dir-se-ia que o gênio de Camões aparece à beira da sepultura em que descansa o herói desconhecido, para associar a mesma glória as caravelas arrogantes, vencedoras do Oceano, e as canoas humildes dos sertanistas.” MACHADO, A. Vida e Morte do Bandeirante. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. p. 105.

111

autoridade e licença minha, ou do meu Governador das ditas partes, ou aqueles que costumam saltear os Portugueses, ou a outros gentios para os comerem; assim como são os que se chamam Aimorés e outros semelhantes. 197 A legislação possuía brechas. Os colonos poderiam invocar, a qualquer tempo, a guerra justa e o combate aos antropófagos para justificar a escravidão do nativo. Entretanto, as Atas da Câmara da Vila de S.Paulo demonstram que o assunto também era tratado com clareza e objetividade: os habitantes da Vila caminhavam na direção do sertão porque lá estava o seu “remédio”, ou seja, o índio - enquanto metais ou pedras preciosas não eram descobertos.

Aos vinte e quatro dias do mês de novembro de mil seiscentos e dois anos nesta vila da casa da câmara dela estando aí os oficiais dela José de Camargo e Francisco da Gama vereadores e Francisco Velho juiz e João de Santana procurador do conselho para fazerem câmara nela requereu o procurador do conselho aos ditos oficiais que esta terra se despovoava de peças e que todas fugiam para o sertão de que este povo e capitania recebia muita perda e não era nenhum serviço de deus e de sua majestade despovoar-se a terra e que não as iam buscar por não haver licença que lhe requeria da parte de sua majestade e em nome deste povo o fizesse a saber ao capitão para que pusesse nisso cobro e que outrossim eram idos dez mais ou menos pelo rio abaixo em busca dalgumas peças e que lhe poderia suceder matarem-nos que suas mercês ordenassem alguma gente que fosse buscá-los ou gente que fosse buscar as peças que fugiam e não no

197Apud. VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 408. A rigor, desde o Regimento de Tomé de Sousa (17/12/1548) encontramos a proibição da escravização do índio que, caso se efetivasse, seria punida com a pena de morte. Ibid., p. 274.

112

fazendo assim protestava de toda a perda que a terra viesse a haver por suas mercês. 198 A penetração no interior realizava-se em favor, contra ou apesar da legislação. Taunay assim conclui:

A toda a legislação portuguesa relativa à liberdade dos índios inspirava a mais refalsada hipocrisia. 199 Sabedores

disso,

Antônio

Ruiz

de

Montoya

e

Francisco Dias Tanho rumaram para a Europa e lá propagam os horrores da escravização dos índios. Valendo-se do relato do jesuíta para destacar certa qualidade dos paulistas, Taunay indica a “injustiça”:

De quanto eram os paulistas prodigiosos caminheiros temos nos documentos abundantes provas: “Andan a pie y descalzos como por las calles desta Corte (Madrid). I caminam por aquellas tierras y valles, sin ningun estorbo, trescienteas y quatrocientas leguas, com regalo” deles referia o ilustre Montoya a Filipe IV, em 1643, aliás, a dizer horrores dos filhos de Piratininga. 200 Os jesuítas foram atendidos 201 , conforme enunciamos no

capítulo

anterior,

e

logo

em

seguida

sofreram

as

conseqüências ao chegarem com as novas na colônia. Estava 198ARQUIVO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Atas da Câmara da Villa de S. Paulo. São Paulo, 1915. v. 2, p. 112-113. 199TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 80. Antes, Varnhagen, já comentava o problema: “É por isso que a legislação especial acerca dos índios do Brasil, dada por sua ordem cronológica, apresenta uma série de contradições, que melhor chegaram a manifestar-se, por vias de fato, nas sublevações que teremos de historiar pelo tempo adiante.” VARNHAGEN, F. A. de. Op. cit., p. 393. 200TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 235. 201Cf. MALHEIRO, P. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social. Petrópolis : Vozes; Brasília : INL, 1976. v. 1, p. 183.

113

feito.

Os

paulistas

difamados

no

Ocidente,

os

jesuítas

“defensores dos índios” desterrados pelos “vilões”, enfim, o conflito repercutindo de forma definitiva. Katia Abud assim sintetiza a questão:

Os religiosos organizadores das reduções jesuíticas do Paraguai traçaram com fortes pinceladas a imagem negativa, a “Legenda Negra” do bandeirantismo. Montoya, Jarque e, posteriormente Charlevoix, Vaissete são nomes sempre lembrados, quando a imagem bandeirista se torna escura, pelos crimes que teria praticado. O horror que àqueles significou o ataque dos bandeirantes às suas organizações missionárias provocou o aparecimento de uma literatura indignada, que criou uma visão do bandeirante, ainda hoje retomada em algumas obras de divulgação. 202 Os primeiros a enfrentarem a indigesta lenda negra foram frei Gaspar e Pedro Taques, no século XVIII. O primeiro diretamente, discutindo e refutando acusações improcedentes; o segundo,

elaborando

uma

linhagem

de

“nobres

homens”.

Seguindo o que já afirmáramos antes, Taunay dá continuidade a esse processo de reabilitação na historiografia, entretanto, o faz de forma peculiar.

Em nenhum momento Taunay desmente ou oculta o massacre imposto à população indígena. Em determinadas passagens chega mesmo a surpreender com a dureza dos termos. Quando combate o juízo de Handelmann, citado por Tasso Fragoso, sobre os atos dos bandeirantes, detectamos a sua estratégia:

114

E a recordar palavras de Handelmann, o ilustre historiador alemão que com tanta consciência e elevação de vistas cuidou do Brasil, transcreve o mesmo autor: “Para estas caçadas de índios, não há nenhuma desculpa. Constituem uma das manchas mais negras da história do Brasil”. Não há quem assim possa deixar de pensar, à luz das idéias modernas. O bandeirismo é uma série de violências inspiradas nos sentimentos mais cruéis. Qual dos povos brancos porém pode irrogar-se a glória de não haver, até agora, nos anos que correm da era de 1923, lançado mão da prepotência da superioridade sobre as raças inferiores para as forçar a padecer os maiores horrores? 203 Omitir ou desmentir o acontecido seria um pecado capital para Taunay, tanto do ponto de vista da História por ele entendida como da sua fervorosa fé católica 204 . O que ele empreende é um esquecimento programado. Primeiro compara o massacre perpetrado pelos paulistas com todos os massacres possíveis promovidos pela “civilização” européia, atenuando, mitigando o efeito inicial. Depois, simplesmente não menciona mais os fatos depreciadores, negativos. Em suma, Antônio Raposo Tavares é louvado como o conquistador dos territórios além Tordesilhas e não como um escravizador sem escrúpulos. Esse jogo habilmente conduzido e disfarçado por sua imensa erudição é um instrumento de memória. Ao final da leitura dos livros e artigos permanece na consciência do público o lado 202ABUD, K. M. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições (a construção de um símbolo paulista: o bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. p. 3. 203TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 61. O grifo é nosso. 204No prefácio do terceiro tomo da sua História Geral ele explicita a devoção ao comentar o áspero trabalho do qual se incumbiu: “É longa e trabalhosa a empresa a que nos abalançamos. Pouco vencemos em relação ao que nos caberá realizar se o Todo Poderoso para tanto nos conceder vida e forças.” TAUNAY, A. d'E. História Geral..., 1927. t. 3, p. IX.

115

“bom” dos devastadores do sertão, ou seja, o da luta pela formação

do

território

nacional.

Dessa

maneira,

combate

Taunay:

E se Handelmann chama ao bandeirismo “mancha negra da história brasileira” que se reflita um pouco acerca do regime de delícias da colonização germânica quinhentista em Venezuela e dos processos daquele S. Vicente de Paulo que se chamava Ambrósio Alfinger. Lembrem-se os franceses que o seu Governo, depois de haver decretado a abolição da escravidão, com a Convenção, restabeleceu-a com Napoleão e os ingleses que, em meados do século XVIII, seu governo ameaçou a Espanha de guerra porque o Governo castelhano não queria renovar o contrato do tráfico africano com uma companhia britânica. 205 E assim conclui a luta pela reabilitação:

Se assim se fazia com homens nascidos na Europa ocidental (refere-se à venda de soldados alemães à Holanda em 1792) na região mais civilizada do Universo, em fins do século XVIII, que não se passaria na América selvática e semi-deserta, entre brancos e míseros broncos silvícolas? Assim a esta questão de extermínio dos tipos inferiores da humanidade não há nação européia que possa atirar a outra qualquer pecha que seja. 206 Os conceitos de Taunay em relação aos índios, tomadas as últimas citações, podem nos levar a uma falsa ilação. Qual

seria?

Uma

necessariamente

a

vez

considerado

mestiçagem

o

indígena

auferiria

inferior

características

degenerativas. Mas esse não é o julgamento de Taunay; a mestiçagem é altamente positiva. Um momento romântico e 205TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 62.

116

erudito oferece-nos a confirmação através da preocupação simbólica declarada:

A raça dos rapineiros brancos movia a seu talante as chusmas inferiores de pele cobreada. Realizavase nas terras de S. Paulo a aliança do gavião e da narceja, a que tão simbólica e poeticamente aludia o ancião Batuireté ao neto Poti, nas páginas da linda Iracema. 207 Ou, diretamente:

Seria necessário o amálgama de suas qualidades (os portugueses) às dos filhos do Brasil para que se encetasse a verdadeira obra do bandeirismo. 208 A verdadeira expansão é mestiça e, assim sendo, dependia

do

cruzamento

euro-americano.

Esse

amálgama

produziu um resultado estupendo superior às duas matrizes originais, pois reuniu as melhores virtudes de ambas:

206Ibid., p. 65. 207Ibid., p. 71. No romance, o maior chefe dos pitiguares, Batuireté, não mais comanda sua nação. Velho, retirou-se para a serra deixando Jatobá com o tacape. Poti, filho de Jatobá, vai com o amigo Martim e Iracema ao encontro do avô. Assim se dá a cena narrada por José de Alencar: “Batuireté estava sentado sobre uma das lapas da cascata; o sol ardente caía sobre sua cabeça, nua de cabelos e cheia de rugas como o jenipapo. Assim dorme o jaburu na borda do lago. — Poti é chegado à cabana do grande Maranguab, pai de Jatobá, e trouxe seu irmão branco para ver o maior guerreiro das nações. O velho soabriu as pesadas pálpebras, e passou do neto ao estrangeiro um olhar baço. Depois o peito arquejou e os lábios murmuraram: -– Tupã quis que estes olhos vissem antes de se apagarem, o gavião branco junto da narceja.” Em nota, José de Alencar informa que Batuireté, ao associar o neto à narceja e Martim ao gavião branco, profetiza a destruição dos índios pelos conquistadores brancos. Há de se destacar, além da profunda e sincera amizade que unia Martim e Poti, que Iracema está no local, que ela é esposa do português e trará no ventre o símbolo maior da aliança aludida por Taunay, o primeiro brasileiro: o mestiço Moacir. O São Paulo de Taunay reproduz a idealização romântica do Ceará de Alencar. Logo após proferir o vaticínio Batuireté morre. ALENCAR, J. de. Iracema. São Paulo : Ática, 1992. p. 58-60. 208Ibid., p. 56. Por “filhos do Brasil” é justo depreender o fruto da mestiçagem do índio com o português e com o espanhol.

117

Encontrava-se a famosa cruza euro-americana reforçadora da capacidade mental do vermelho e da musculatura do branco. Criavam-se os primeiros destes mateiros incomparáveis cujas proezas SaintHilaire comparou à dos titãs. 209

4.3 Os temas estruturadores da memória

Os

bandeirantes

por

vezes

eram

chamados

de

rapineiros ou mateiros mas freqüentemente eram exaltados como deuses. Por isso a mitologia cumpriu um papel importante nessa construção historiográfica. A ligação promovida por Taunay entre a história e a memória, no entanto, já tinha longa estrada percorrida.

Filha de Urano e Gaia, Mnemósine, a personificação da memória, é uma deusa titã 210 . Ademais, filhas de Zeus e Mnemósine são as Musas, entre elas Clio, que responde pela história 211 . Lá na Grécia antiga, cujo legado nunca é excessivo remarcar, nascia a história da memória 212 . 209TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 15-16. 210GRIMAL, P. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand, 1992. p. 316. 211HESÍODO. Teogonia: origens dos deuses. São Paulo : Roswitha Kempf Editores, 1986. p. 130. 212Evidentemente há diferenças entre a acepção grega antiga do termo memória e o seu uso contemporâneo. Marcel Detienne informa que: “As pesquisas de J.-P. Vernant permitem afirmar que a memória divinizada dos gregos não responde, de modo algum, aos mesmos fins que a nossa; ela não visa, em absoluto, reconstruir o passado segundo uma perspectiva temporal (Taunay). A memória sacralizada é, em primeiro lugar, um privilégio de alguns grupos de homens organizados em confrarias: assim sendo, ela se diferencia radicalmente do poder de se recordar que possuem os outros indivíduos. Nesses meios de poetas inspirados, a Memória é uma onisciência de caráter advinhatório; define-se como um saber mântico, pela fórmula: “o que é, o que será, o que foi”. Através de sua memória, o poeta tem acesso direto, mediante uma visão pessoal, dos acontecimentos que evoca; tem o privilégio de entrar em contato com o outro mundo. Sua memória permite-lhe “decifrar o invisível”. A memória não é somente o

118

Com grande pendor para a mitologia e para tudo o que é clássico, Taunay, sempre que pôde, buscou enquadrar a trajetória dos paulistas nestes quadros. Em titãs transformaramse os bandeirantes na historiografia como titã fora a memória na sua gênese. Mas heróis também poderiam ser e comparáveis a Hércules seus feitos foram:

Mamaluco de prodigiosa energia, intrépido, era sobremodo propenso arrebatar pela cólera. 213

hercúleo e a deixar-se

A mitologia sugere um conjunto, um sistema, uma ordenação, uma hierarquia, um sentido, enfim, faz parte ou institui

uma

civilizatória, eventos

tradição.

Outrossim,

principalmente

narrados

fora

do

a

ela

confere

greco-romana,

tempo,

distantes

importância e

da

coloca

os

realidade,

configurando uma temporalidade cíclica e contínua ao promover a união entre o passado, o presente e o futuro. Para realizar esta tarefa de instituir uma tradição, que por ser empreendida especialmente nas suas obras históricas ganha o nome memória, Taunay idealiza e mitifica historiograficamente.

Uma vez que a produção historiográfica de Taunay relativa às Bandeiras expressa características do historicismo suporte material da palavra cantada, a função psicológica que sustenta a técnica de formular; é também, e sobretudo, a potência religiosa que confere ao verbo poético seu estatuto de palavra mágico-religiosa. Com efeito, a palavra cantada, pronunciada por um poeta dotado de um dom de vidência, é uma palavra eficaz; ela institui, por virtude própria, um mundo simbólico-religioso que é o próprio real.” DETIENNE, M. Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 19--. p. 17. Apesar da distância e das distinções, as palavras bandeira e bandeirante, assim como as delas derivadas possuem essa capacidade, fornecida pela historiografia, de remeter o interlocutor a uma determinada realidade simbólica. 213TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 180. No final do primeiro capítulo destacamos a associação entre João Ramalho e Rômulo.

119

romântico-erudito, de acordo com o que estabelecemos no primeiro capítulo, é justo aprofundarmos a sua perspectiva romântica 214 . Dessa maneira, o que objetivamos agora é indicar os elementos de extração romântica que desempenham um denso papel na tarefa de construção da memória bandeirante.

Ao longo destas páginas, destacamos o amor que Taunay

mantinha

pelo

passado,

amor

nostálgico,

ideal,

conduzindo-o à sua revivificação integral 215 , por nós chamada de presentificação; apontamos o processo de mitificação de determinados personagens e, agora, a valorização da natureza também mitificada 216 .

Resta-nos aprofundar a questão. Sem dúvida, no discurso historiográfico de Taunay não há unidade de ação. As descrições, os acontecimentos e os argumentos são dispostos aleatoriamente, por isso Boxer o acusou de difuso. Entretanto, há um fim a ser cumprido: louvar a tradição. Como efetivá-lo 214Afrânio Coutinho enumera os seguintes aspectos que caracterizam o espírito romântico: individualismo e subjetivismo, ilogismo, senso do mistério, escapismo, reformismo, sonho, fé, culto da natureza, retorno ao passado, pitoresco e exagero. COUTINHO, A. O Movimento Romântico. In: A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro : Editorial Sul Americana, 1956. v. 1, t. 2, p. 568-569. A obra historiográfica de Taunay evidentemente não expressa o individualismo, o subjetivismo ou o ilogismo. Quanto à questão indianista, nosso autor desvia a idealização na direção do mestiço: o paulista. 215Esta revivificação se assemelha muito, na intenção e não na execução, com a “apreensão total do passado” em Michelet. Cf. BOURDÉ, G., MARTIN, H. Les Écoles Historiques. Paris : Seuil, 1990. p. 159180. LIMA, L. C. De que são feitos os tijolos da história? In: O Controle do Imaginário: Razão e Imaginação nos Tempos Modernos. Rio de Janeiro : Forense, 1989. p. 176-177. Ou, também guardadas as devidas proporções, com a história vivificada que Goethe experimentara ao ler Herder. Cf. CASSIRER, E. El Problema del Conocimiento en la Filosofía y en la Ciencia Modernas: de la muerte de Hegel a nuestros días (1832-1932). México : Fondo de Cultura Económica, 1986. v. IV. p. 267. 216Apesar de ter assistido à fermentação modernista da década de 1920 que, de maneira geral, tratou com ironia o Romantismo, Taunay a ela manteve-se alheio. Cf. CAMPOS, P. M. Esboço da Historiografia Brasileira nos Séculos XIX e XX. In: GLÉNISSON, J. Iniciação aos Estudos Históricos. São Paulo : Difel, 1979. p. 286.

120

num discurso historiográfico? A sua resposta é simples: através do documento. Seguindo a lógica interna do documento o seu texto se confunde com o próprio passado, é difícil saber quando é o historiador e quando é o documento, principalmente quando aspas são abertas e assim permanecem até o início de uma nova citação.

O documento não só comanda a lógica interna do discurso como a seleção dos assuntos. Na maior parte das vezes os capítulos são distribuídos pelo tipo de documento trabalhado. Parece que a medida em que vai descobrindo novos documentos ele vai abrindo novos capítulos que têm como único elo de ligação

o

seu

objetivo

primordial.

Capítulos

começam

e

terminam sem um sentido específico. Por isso a repetição intensa, desnecessária e pouco objetiva, por isso a quantidade imensa de capítulos, por isso, afinal, o tamanho descomunal dos seus trabalhos.

Contudo,



algo

mais.

Se

Taunay

apenas

se

limitasse a este tipo peculiar de discurso histórico ele não atingiria o seu intento. Assim, a obra por inteiro, além de orientar-se pelos documentos, possui três temas estruturantes. São eles: o tema da cidade, o tema do sertão e o bandeirante.

O primeiro é o lugar da civilização, o segundo o lugar da natureza e o terceiro o lugar do mito. Ao longo de toda a obra acerca das Bandeiras esses temas surgem conduzindo as descrições, os acontecimentos e os argumentos numa única direção: a construção da memória. A obra é difusa apenas na

121

aparência, o seu significado estava cuidadosamente camuflado pelo discurso da cientificidade da História.

Chamamos os temas referidos de estruturantes por representarem o cimento, a ligadura, o entrelaçamento dos fatos narrados. Sem a atuação destes temas o entendimento do texto não se daria e a meta não seria atingida. Todavia poderíamos considerá-los, ao invés de estruturantes, condutores: temas condutores ou, simplesmente, motivos condutores 217 .

A última formulação nos parece bastante adequada. Primeiro ela se origina da leitura das Atas da Câmara da Vila de S. Paulo por conta da intensa recorrência do termo sertão. Tudo era o sertão, a tudo ele remediava, todos a ele se dirigiam, de corpo e alma. Notada a sua importância, Alcântara Machado poeticamente

adota

a

expressão

para

melhor

explorar

o

significado daquelas repetições:

Porque o sertão é bem o centro solar do mundo colonial. Gravitam-lhe em torno, escravizados à sua influência e vivendo de sua luz e de seu calor, todos os interesses e aspirações. Sem ele não se concebe a vida: por os moradores não poderem viver sem o sertão, proclamam-no os oficiais da Câmara numa vereação de mil e seiscentos e quarenta anos. 218

217Motivo condutor é a melhor tradução para a palavra alemã leitmotiv. Intimamente ligada aos aspectos românticos da obra operística de Wilhelm Richard Wagner (1813-1883), a associação do termo com os temas não é nossa: “O sertão... De espaço a espaço, com a teimosia de um estribilho obsidente, com a insistência tirânica de um leitmotiv, a palavra aparece e reaparece nos inventários paulistanos dos dois primeiros séculos, a denunciar que para o sertão está voltada constantemente a alma coletiva, como a agulha imantada para o pólo magnético.” MACHADO, A. Op. cit., p. 231. 218Ibid., p. 52.

122

Segundo, ao explorar essas repetições por intermédio da expressão motivo condutor, o autor explicita a constituição de um tema fundamental para a inteligibilidade do Brasil colonial. De fato, antecipamos páginas atrás, que o tema fora sugerido a Taunay por Capistrano, contudo, o seu próprio pai já escrevera a respeito. O mais famoso de seus livros, Inocência, apresenta ao leitor logo no capítulo inicial (após duas epígrafes, uma

de

Goethe

e

outra

de

Rousseau)

o

cenário

dos

acontecimentos: a natureza; e o seu protagonista: o sertanejo 219 . Nesse momento, Capistrano e o Visconde se unem ao sugerirem uma temática, em outras palavras e por fim, a história e o romantismo permitem que a memória seja construída.

Em virtude destes argumentos preferimos tomar a palavra leitmotiv para dar a real dimensão da construção historiográfica de Taunay sobre as Bandeiras, quanto mais não tivesse ela uma ligação tão íntima com o romantismo - certo que na música: Denominam-se assim (leitmotiv) motivos musicais característicos de personagens, de situações dramáticas, de sentimentos e de objetos. Suas transformações não obedecem a leis musicais mas 219Antonio Candido destacou a fina sensibilidade, a esmerada cultura do Visconde nas artes plásticas e na música. Exprimindo-se acerca do mesmo capítulo: “Predominava nele, todavia, a sensibilidade musical. Compôs com facilidade e elegância, escreveu com acerto sobre assuntos de música; e mesmo nas descrições do sertão percebemos que também o ouvido elaborava as impressões da paisagem. No primeiro capítulo de Inocência (“O Sertão e o Sertanejo”), a paisagem e a vida daqueles ermos são apresentados a partir de alguns temas fundamentais, compostos em seguida num ritmo que se diria musical. Daí o tom de ouverture dessa página, aliás admirável na sua inspiração telúrica, uma das melhores da literatura romântica, onde se performam certos movimentos d'“A Terra” e d'“Homem”, n'Os Sertões, de Euclides da Cunha”. CANDIDO, A. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos. Belo Horizonte : Itatiaia, 1993. v. 2, p.275-276. Essa educação refinada, sensível, musical, emigrada da França e perpetuada nos descendentes brasileiros, sem dúvida alguma foi transmitida ao filho historiador. Um panorama histórico-cultural dos primeiros membros da família no Brasil é encontrado em: TAUNAY, A. d'E. A Missão Artística de 1816. Brasília : UnB, 1983.

123

sim aos acontecimentos dramáticos. Às vezes seu conteúdo emocional corresponde aos significados; outras vezes, funcionam mais por associação. Na Tetralogia, por exemplo, a análise das partituras revela motivos correspondentes à espada, ao ouro do Reno, ao farfalhar da folhagem, à nostalgia, enfim, muitas dezenas de motivos que são variados, combinados, antecipando a entrada de personagens, traduzindo sentimentos ocultos, preparando cenas, etc. Há uma forte doze de racionalismo na elaboração desse sistema. 220 Duas passagens tornam especial a definição acima reproduzida. Uma, ao afirmar que a técnica do leitmotiv não obedece senão aos acontecimentos; a outra, ao concluir que há intenção, “racionalidade”, na elaboração do sistema. Por isso a tetralogia O Anel do Nibelungo é citada. Composta por um “prólogo” (O Ouro do Reno) e três “jornadas” (A Walkíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses) e escrita (música e libretos) num grande intervalo de tempo (1848-1853) o sucesso da narrativa da lenda dos nibelungos deve-se, em grande parte, à habilidosa concatenação de seus elementos no sentido da obra de arte universal (Gesamtkunstwerk) 221 .

220KIEFER, B. O Romantismo na Música. In: GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo : Perspectiva, 1985. p. 228-229. 221HAUSER, A. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo : Mestre Jou, 1982. t. 2. p. 982. Uma afirmação conclusiva sobre a obra de Wagner: “Sua arte é, pela música, o cume e a consumação do Romantismo que nunca conseguira realizar-se completamente em palavras. O Romantismo estava destinado a terminar em música; e Wagner, o músico, estava destinado a consumar o Romantismo.” CARPEAUX, O. M. A Literatura Alemã. São Paulo : Nova Alexandria, 1994. p. 179. O leitmotiv mais conhecido e executado é a cavalgada das Walkírias, no entanto, o mais importante para o conjunto da obra é o tema da redenção pelo amor que aparece pela primeira vez no terceiro ato da Walkíria e retorna ao final do Crepúsculo dos Deuses, coroando a Tetralogia. Enfim, não podemos deixar de notar que o herói Siegfried morre traiçoeiramente durante o êxtase em que recobrava a memória perdida ao ingerir uma poção do esquecimento, oferecida por aqueles que cobiçavam o seu anel de ouro. Aqui observamos o esquecimento atrelado à morte enquanto a lembrança representa uma possibilidade de sobrevida.

124

Por analogia, a Alemanha buscava no mito nórdico dos nibelungos a origem do povo e a emoção que conduziria à formação do Estado-Nação 222 , São Paulo, pelo Brasil, construía os mitos que formaram o Estado e a Nação, ainda na colônia, para que pudesse desfrutar de uma tradição. O historiador combinou os acontecimentos deliberadamente, articulou os temas, repetindo-os à exaustão, sempre concluindo com a mitificação

do

bandeirante.

A

memória

bandeirante

é

materialização historiográfica desse impulso e Taunay o seu maior realizador.

Do tema da cidade já tratamos no primeiro capítulo, voltar a ele seria desnecessário. Acrescentaríamos, somente, que os habitantes da vila de São Paulo já experimentavam o sentimento nacional brasileiro e esta, como um microcosmo, era a própria nação em versão rudimentar. Assim Taunay se expressa:

É o sentimento confuso do brasileirismo desperta no fundo destes homens rudíssimos. 223 E,

citando

Oliveira

Martins

para

que

assumir

inteiramente a conclusão deste:

Sem exagerar demasiado o valor desta expressão, pode dizer-se que, pelos fins do século XVI, a região de S. Paulo apresentava os rudimentos de uma

222Nesse momento pensamos no sentido mais completo da palavra mito: “ao mesmo tempo ficção, sistema de explicação e mensagem mobilizadora”. GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo : Companhia das Letras, 1987. p. 98. 223TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 31.

125

nação: ao passo que a Bahia e as dependências do norte eram uma fazenda de Portugal na América. 224 O tema do sertão já abordamos neste capítulo, restanos complementar a análise. Este termo fartamente utilizado na documentação de época possui, com certeza, uma definição estrita. Serafim Leite, baseando-se nos padres jesuítas, assim postula:

O sertão, como entendiam os primeiros padres, era qualquer lugar distante da costa não ainda povoado pelos portugueses. Noção concreta, ligada ao povoamento não ao solo, e que portanto mudava sucessivamente de balizas a caminho do Oeste, e ainda hoje se denominam sertões vastas zonas subdesenvolvidas do interior do Brasil. Para efeito da conversão do gentio, aplicava-se aos arredores da Bahia em 1550; e, a meia dúzia de léguas da cidade do Salvador, já era “sertão”; de igual modo, ao fundar a aldeia de piratininga, a carta de 1553, em que Nóbrega dá notícia do fato, data-a “deste sertão adentro”, donde continuou viagem para sertão mais distante. 225 O contraste desta definição com a descrição de Taunay por nós reproduzida anteriormente é significativo. Por esta não há como nos sensibilizar, emocionar ou encantar. Aqui o sertão não é o lugar das batalhas, das vitórias, das ações intrépidas, da luta pelo “território brasileiro”, é simplesmente onde se dá a catequese, pois aí o índio se refugiou.

No seu discurso historiográfico o sertão reproduz para o paulista o que o mar ignoto representou para o navegador 224OLIVEIRA MARTINS, G. Apud. TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 31. 225LEITE, S., S. I. Breve História da Companhia de Jesus no Brasil (1549-1760). Braga : Apostolado da Imprensa, 1993. p. 93.

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português. É o desconhecido, o reduto do mistério, o desafio, o cenário das aventuras, o local das riquezas disseminadas, ele personifica uma realidade, uma entidade (o autor grafa, na maior parte das vezes, a palavra com “s” maiúsculo), é o obstáculo a ser superado na demanda da glória eterna, transformando aquele que o desbrava, desvenda, ataca e conquista num herói.

O sertão, mesmo quando não contempla as façanhas do bandeirante, enobrece-se, transforma-se no cemitério dos heróis desconhecidos. Simboliza o lugar onde o esquecimento sobrepuja a lembrança:

E muitos foram sempre esperados e jamais reaparecidos. Tem-se como que a impressão de que muitas viúvas e muitos órfãos viveriam com os olhos fixos à fímbria das serras e à barra dos horizontes como essas viúvas e esses órfãos de marujos e pescadores que a cada passo esperam ver surgir da extrema linha, divisora das águas e dos céus, os barcos em que partiram os arrimos de sua vida dura e pobre. Irresistível impulso arrasta aquela população toda, tão intenso, que até às crianças contagia. 226 Mais ainda, o sertão aflora no paulista uma vocação intrínseca, intima-o a embrenhar-se no seu seio, é o “caminho que convida ao movimento”. Reunindo conclusões de diversos autores, subscreve Taunay:

O ilhamento dos primeiros povoadores do planalto piratiningano, isolado do Universo pela enorme muralha da Paranapiacaba, quando para Oeste a derrama das terras e o curso dos rios lhes apontava terras infindáveis e acessíveis levou-os à vida 226TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 89-90.

127

aventurosa dos bosques que para eles tinham todos os perigos e o fascínio do incógnito, expende Joaquim da Silveira Santos. A vocação destes pioneiros, segundo a feliz observação de Sérgio Buarque de Holanda, estaria no caminho que convidava ao movimento e não na sedentarização da grande propriedade rural. E observa Nelson Werneck Sodré que a geografia local de Piratininga era tácito convite: “O Tietê corria para os sertões”. Secunda-o Cassiano Ricardo em exata e sintética fórmula: “o planalto empurrou o paulista para o interior”. Foi o seu rio Tietê, “que fez sertanista e bandeirante”. 227 A frase final citada de Cassiano Ricardo é definitiva: o bandeirante constituiu-se a partir do sertão. Ele para lá é levado desde a infância em função de um incitamento coletivo duradouro 228 :

É a primeira jornada como que a prova de habilitação do pequeno pagem medieval aspirante e escudeiro. O prosseguimento por essa via penosa constitui os assentamentos habilitadores da promoção. É ela que vai armar os membros futuros da ordem dos cavaleiros do Sertão. 229 O bandeirante como cavaleiro medieval! A passagem completa a idealização do passado colonial, o bandeirante dispunha inclusive de armadura, o gibão de armas (figura 8):

227TAUNAY, A. d'E. Relatos Monçoeiros. São Paulo : Martins, 1953. p. 14. 228“Esta impulsão coletiva perduraria quadri-secularmente impelindo os paulistas à perquisição do ouro e ao grande rush da plantação do café que prossegue intenso.” TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 5, p. 90. 229Ibid., p. 91. O grifo é nosso.

128

Figura 8 - Milicianos índios de Mogi das Cruzes combatendo Botocudos, de Jean Baptiste Debret.

129

Dessa famosa armadura americana que os paulistas fizeram perlustrar por milhares de quilômetros dos trilhos florestais do continente nenhum exemplar subsiste das antigas eras do bandeirantismo. Nenhuma dessas peças escapou à destruição para figurar em lugar do mais extraordinário destaque no conjunto das coleções dos nossos museus 230 históricos. Revela-se, portanto, mais um elemento de extração romântica

no

retorno

ao

medievo.

Como

o

Brasil

não

experimentou tal período da história européia, nada mais lógico do que encontrá-lo na fase colonial:

Muitos devem ter sido na nossa idade medieval os levantes de índios ocasionadores de mortes dos brancos. 231 Por fim, dignificando a luta que eclodiu entre os Pires e os Camargos no século XVII, lê-se:

Curiosa esta feição paulistana, esta luta pelas armas de dois partidos que transplantaram ao Brasil costumes de antanho, hábitos da Itália medieval, como foram as lutas encarniçadas dos Capuletos e Montechi, de Verona, imortalizadas pelo idílio shakespeareano de Romeu e Julieta. 232 Parte integrante do sertão, que o auxilia a constituílo em tema, o rio Tietê erigi-se como entidade máxima, divina e atemporal. A imagem do rio fortalece o efeito de motivo 230Ibid., p. 94-95. O grifo é nosso. Taunay informa ainda, que o “único documento iconográfico até hoje descoberto sobre a indumentária dos bandeirantes apresentando visos de autenticidade” é a litogravura de Debret por nós aqui reproduzida. TAUNAY, A. d'E. Iconografia Paulista Vetustíssima. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1949. t. 13, p. 45. 231TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1931. t. 4, p. 111. O grifo é nosso.

130

condutor, afinal ele possui correntes, quedas d'água, leito e movimento; liga a “civilização” à “selva ignota e misteriosa cheia de espanto e terror” 233 e institui, até mesmo, uma única duração entre o passado e o presente:

Serviçal obrigado das entradas e das bandeiras, com a lança do seu alveo, outrora enristada para Oeste, contra o domínio do castelhano, continua a divindade fluvial a servir à grandeza de S. Paulo, nesta nova arrancada que o café veio provocar dando-lhe inconfundível proeminência entre as forças brasileiras do progresso e da civilização. O característico secular da tradição paulista é o da continuidade dos esforços. 234 A importância do Tietê para a expansão vicentina foi relativizada por Sérgio Buarque de Holanda. Posicionando-se numa perspectiva exclusivamente histórica, logo, exumada da memória, ele conclui que os numerosos caminhos terrestres trilhados

pelos

índios

e

adotados

pelos

bandeirantes

desempenharam um papel muito mais significativo do que os rios. O valor destes estava “menos em servirem das vias de comunicação do que de meios de orientação”. 235

A sacralização do Tietê integrada à do sertão obedece à motivação perene pela memória, importando, na realidade, o conteúdo simbólico atribuído à natureza. Assim sendo, retomando o papel das ânforas no Museu Paulista, discursa Taunay: 232TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 3, p. 338. O grifo é nosso. 233TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 19--. p. 84. 234TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 97. 235HOLANDA, S. B. de. Índios e Mamelucos na Expansão Paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. XIII, 1949. p. 193.

131

Ao padrão nacional evocador da glória das bandeiras virá trazer a presença da ânfora de água do Tietê a nota do mais poderoso e poético simbolismo. 236

4.4 A mitificação do bandeirante

Se o tema da cidade representa o marco original da trajetória dos paulistas e o tema do sertão expõe o pano de fundo das suas ações, o tema do bandeirante é a linha de chegada, o ponto final e culminante da narrativa de Taunay. Toda a obra relativa às bandeiras expressa a mitificação do bandeirante ao passo que o conjunto articulado dos temas que a estruturam edificam a memória através da historiografia.

Por isso a história das bandeiras é um veículo de memória, ela porta uma mensagem “integrada, ditatorial e inconsciente

dela

mesma,

organizadora

e

toda

poderosa,

espontaneamente atualizadora, uma memória sem passado que reconduz eternamente a herança, remetendo o antigamente dos ancestrais ao tempo indiferenciado dos heróis, das origens e do mito” 237 .

No Taunay da expansão vicentina, os ancestrais são João

Ramalho

e

Tibiriçá;

o

lugar

original,

em

ordem

decrescente, é a colônia, a capitania de São Vicente e São Paulo; os heróis são, especialmente, Antônio Raposo Tavares e Fernão 236TAUNAY, A. d'E. Índios! Ouro!..., p. 101.

132

Dias

Pais;

e

ambivalente 238 ,

o

mito,

o

próprio

indiferenciado

no

bandeirante

tempo

para

indistinto, acomodar-se

simbolicamente tanto à tradição passada quanto ao cotidiano contemporâneo dos seus leitores.

No curso de uma longa digressão genealógica, o próprio Taunay se insere na tradição como descendente dos “ilustres” ancestrais:

Deste casal proviria Maria de Assunção Moraes (...) mulher do sargento mor português Lourenço Corrêa Sardinha (...) Da terceira filha do casal Escolástica Maria de Jesus Ribeiro (...) mulher do sargento mor português José Leite Ribeiro (...) é terneto o autor desta História Geral das Bandeiras Paulistas que assim se encontra na linhagem dos primeiros povoadores do Brasil como décimo terceiro neto de João Ramalho e de Antônio Rodrigues e décimo quarto de Tibiriçá e Pequerobí. 239 Filho

da

Europa

e

da

América

o

historiador

experimenta no corpo e na alma a trajetória mestiça do Brasil, buscando as suas origens como forma de valorizá-la. Realizada em São Paulo, a busca histórica efetiva-se como apologia historiográfica de uma coletividade específica, a paulista.

Todos os homens partidos de São Paulo que se embrenharam no sertão em busca do ouro, das pedras preciosas ou

do

escravo

genericamente,

vermelho de

foram

sertanistas

qualificados ou

por

Taunay,

bandeirantes.

Na

237NORA, P. Entre Mémoire et Histoire: La problematique des lieux. In: NORA, P. (Dir.). Les Lieux de Mémoire I: La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XVIII. 238Cf. GIRARDET, R. Op. cit. p. 9-24. 239TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 9, p. 203-204.

133

impossibilidade de exaltar todos da mesma maneira, diante da contingência de descobrir documentos diferentes na quantidade e na qualidade para cada um deles e por causa do resultado das suas ações, o historiador estabeleceu uma hierarquia dentro do panteão bandeirante para constituir o tema do mito.

As duas figuras mais altas receberam a glória de pontificarem, como estátuas da autoria de Luiz Brizzolara, o hall de entrada do Museu Paulista. Ademais, tanto Antônio Raposo Tavares como Fernão Dias Pais simbolizam para Taunay os

dois

grandes

“ciclos”

do

bandeirantismo:

o

primeiro

representa o ciclo da caça ao índio e devassa do sertão e o segundo, o ciclo do ouro e das pedras preciosas. Segue a descrição dos objetos cuidadosamente posicionados no peristilo, na pena do idealizador: Está Antônio Raposo Tavares magnificamente caracterizado num gesto de devassador de terras, com o braço alçado ao nível dos olhos, como quem explora o horizonte. Fernão Dias, não menos expressivamente, examina um mineral. Em quatro grandes painéis, da autoria de J. Wasth Rodrigues, e em lugares marcados pela arquitetura do peristilo, vêem-se os retratos de Dom João III, Martim Afonso de Souza, João Ramalho e Tibiriçá. Relembram os vultos essenciais do quinhentismo paulista: o Rei povoador e seu grande delegado americano na colonização inicial, os patriarcas europeu e americano dos mais velhos troncos vicentinos. Nos dois últimos painéis figura simbolicamente o mesmo e pequenino mamaluco, ao lado de seu pai luso e do seu avô brasílico. 240

240TAUNAY, A. d'E. Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. São Paulo : Imprensa Oficial do Estado, 1937. p. 57.

134

Outros bandeirantes encontram-se representados na “escadaria monumental” do Museu, ali reunidos mediante sugestivo critério:

Sobre os pedestais, figuram, pois, seis bandeirantes célebres, como a montar guarda ao fundador da nacionalidade brasileira (D. Pedro I). Aproveitando o fato de que são seis estas estátuas, cada uma delas simboliza uma das unidades da Federação que se destacaram do território de São Paulo. Assim, rememoram as seguintes figuras capitais e simbólicas do bandeirantismo: Manoel da Borba Gato (Minas Gerais); Pascoal Moreira Cabral Leme (Mato Grosso); Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (Goiás); Manuel Preto (Paraná); Francisco Dias Velho (Santa Catarina); e Francisco de Brito Peixoto (Rio Grande do Sul). 241

4.4.1 Antônio Raposo Tavares

Se há um primeiro lugar nesta epopéia, Cabe a Antônio Raposo esse lugar, Que entre os vultos da heróica Paulicéia Se destaca, brilhante e singular: Bem merece, de fato, uma odisséia Esse glorioso lutador sem par, Que, espalmando em S. Paulo as asas grandes, Vai pousar no pináculo dos Andes! 242 A base histórica utilizada para erigir a mitificação acerca

de

Antônio

Raposo

Tavares

envolve

a

invasão

e

destruição das missões jesuíticas do Guairá em 1628, com o óbvio apresamento dos guarani; o “socorro paulista” por ele 241Ibid. p. 60. As estátuas foram executadas por Amadeu Zani, Nicolau Rollo e H. van Emelen.

135

encabeçado ao nordeste invadido pelos holandeses; e o “périplo portentoso” pela América do Sul 243 .

O seu discurso historiográfico posiciona o “magno sertanista” como representante da coletividade paulista (tema da cidade) no processo de expansão para o oeste ocupado pelo espanhol:

Esta arrancada poderosa em que toma parte a população inteira de S. Paulo, tendo à sua testa os representantes do poder municipal, enceta-se em agosto de 1629, e é sobretudo determinada pela ação de um homem que encerrava em si um prodigioso estuar de energias: Antônio Raposo Tavares. 244 O

bandeirante

reúne

em

si

os

anseios

da

coletividade, as energias propulsoras, a inspiração da ação, a organização da jornada, mas, para ser herói, necessita ocupar o posto

de

líder.

documentação

Contudo,

jesuítica

sabemos

coeva,

por

conhecida

e

intermédio

da

publicada

por

Taunay, que o líder da expedição foi Manuel Preto, este sim, e não Tavares, desfrutava do posto de mestre de campo:

242CEPELLOS, B. Os Bandeirantes. Rio de Janeiro : Garnier, 1911. p. 29. 243Alfredo Ellis Júnior, o companheiro mais incisivo de Taunay na mitificação do bandeirante, após afirmar ser Tavares “o rei do bandeirismo” e enaltecer Washington Luís, sintetiza: “Raposo Tavares, o destruidor do Guairá, conquistador do Itatim, avassalador do Tape, como chefe dos paulistas companheiros de Luiz Barbalho, na celebérrima retirada, e o autor do maior ciclo de devassamento de terras americanas, dominando os Andes do Perú e da Nova Granada, e navegando as águas plácidas do “Rio Mar”.” ELLIS JÚNIOR, A. O Bandeirismo Paulista e o Recuo do Meridiano. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1934. p. 212. 244TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 5.

136

Por mestre de Campo de todas estas Companhias foi Manuel Preto autor de todas estas malocas, como em seu lugar se dirá. 245 Manuel Preto grande fomentador, Autor e Cabeça de todas estas entradas, e malocas, que durante toda sua vida tem feito, levando outros muitos Portugueses, e tupis em sua companhia para trazer índios a força de armas, e agora ultimamente tem dito, que quer morrer nelas. 246 Não importa, num ato magnânimo Tavares cede o lugar, desde sempre seu, ao companheiro mais idoso. Quanta consideração!

É ele o inspirador do movimento, muito embora a sua mocidade. A sua recente aclimação entre os paulistas leva-o a deixar a chefia da grande entrada a um sertanista idoso coberto do maior prestígio, o velho Manuel Preto. 247 Sem qualquer sombra de dúvida estamos diante de uma suposição, não há documentos que nos informem sobre este gesto tão digno... A única explicação possível é que Taunay força a interpretação da juventude de um e da velhice do outro para sanar algo incompreensível para ele: por que o seu herói não assumiu por inteiro a responsabilidade da missão? Mas, enfim, Tavares com sua “formidável personalidade” e pela relevância dos seus resultados, pode ser incluído entre “os nossos maiores”:

245Relación de los agravios que hicieron los portugueses de San Pablo saqueando las aldeas que los religiosos de la Compañía de Jesús tenían en la misión de Guairá y campos del Iguazú. Santos 10 de octubre de 1629. Anais do Museu Paulista, São Paulo, 1922, t. 1, segunda parte, p. 248. 246Ibid., p. 263. 247TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 5.

137

Mas ele é o organizador, o responsável pelo fato que vai tornar para sempre portugueses os territórios dos nossos atuais estados do Paraná e de S. Catarina e encetar uma era de rechaço dos espanhóis do Rio Grande do Sul e da parte meridional de Mato Grosso. 248 Da sua ação resultam, portanto, a vitória sobre o espanhol, a aquisição da mão-de-obra necessária à sobrevivência da colônia e a conquista do território:

Foi a empresa cruel, crudelíssima mesmo, ninguém o pôde negar. Teve porém as mais notáveis conseqüências para o futuro do Brasil. Não fora a ação de Antônio Raposo Tavares e a fronteira do Brasil seria hoje o Paranapanema com o Paraguai ou a Argentina pouco importa. E Mato Grosso também não nos pertenceria, hispanisado pelas reduções dos Itatins. 249 Este

derradeiro

resultado

é

o

determinante

na

mitificação de Tavares, dele advém o simbolismo do “périplo” e do “socorro”, afinal o objetivo da História Geral não foi outro senão “reverenciar a obra destes construtores épicos do Brasil central e meridional” 250 , por isso Tavares é o maior de todos, porque lutou intensamente contra o jesuíta e o espanhol, porque percorreu como ninguém a extensão de uma terra desde sempre brasileira e porque combateu o invasor holandês.

Tamanha é a sua convicção que ele considera a expansão vicentina fruto de um plano lógico dos paulistas:

248Ibid., p. 5. 249Ibid., p. 95. 250TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 1, p. 15.

138

Completada a obra de expulsão dos espanhóis do Guairá, com a queda de Vila Rica e a evacuação de Cidade Real prosseguem os paulistas no seu plano de agressão sistematizada e tão lógico que parece obedecer ao desenvolvimento de uma ação estratégica maduramente pensada e determinada em todos os seus pormenores. 251 Vencido o grande inimigo, o espanhol e o jesuíta; vencido o grande desafio natural, o sertão e o índio; e confirmada a supremacia da civilização, através da “edilidade paulistana”; configura-se o ápice da narrativa na revelação do mito:

Chegamos com a nossa narrativa a um ponto culminante da história do bandeirantismo. É aqui que se desenha a formidável personalidade de um sertanista cujo nome já por vezes tem figurado em nossas páginas: Antônio Raposo Tavares, verdadeiro homeríada pelo vulto das prodigiosas ações. Fato curioso! É uma entidade de inconfundível destaque e no entanto, até 1905, viveu a sua memória envolta em profunda nebulosidade! 252

251TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 193. Jaime Cortesão, como já sublinhamos, também imagina a expansão vicentina decorrente de um plano, português, é claro. “Para enaltecer seu esforço e bravura, alguns historiadores brasileiros chamam a Raposo Tavares - homeríada. Seja-nos lícito fazer um reparo. Dos heróis de Homero decorreram os horrores no Mediterrâneo, mar interior cuja maior extensão não ultrapassa quatro mil e quinhentos quilômetros; e cujos perigos não excediam o canto das sereias e o agitado mar entre Cila e Caríbedes, no doméstico estreito de Messina. Se temos de comparar aqueles bandeirantes a grandes navegantes há que recorrer então aos descobridores, que afrontam os cabos das Tormentas, que dividem os Oceanos. Como Vasco da Gama no Índico, ou Fernão de Magalhães no Pacífico, Raposo Tavares mediu a sua grandeza pelos dois maiores padrões da Natureza no seu gênero: os Andes e o Amazonas. Por mais a despropósito que se tenha usado e abusado das palavras, acreditamos que a Raposo Tavares e aos seus companheiros cabe, sim, por justo título e direito, o qualificativo mais épico, mais nobre, mais humano e mais brasileiro de Lusíadas.” CORTESÃO, J. A Maior Bandeira do Maior Bandeirante. Revista de História, São Paulo, n. 45, 1961. p. 27. Disputa-se aqui a mitologia mais adequada. 252Ibid., p. 69. O grifo é nosso.

139

Se para a expedição ao Guairá a documentação é farta, em função dos arquivos espanhóis, o mesmo não se dá para o “socorro” e para o “périplo”. O que temos são modestas referências ao nome de Tavares associadas aos locais por onde teria passado ou às expedições por ele comandadas, até mesmo o confronto para a confirmação é difícil, quanto mais porque diversos Antônio Raposo existiram. No entanto, como a sua busca objetiva dissipar a neblina para em seguida mitificar, apenas simples registros são suficientes.

A autoridade no assunto, Washington Luís, em artigo destinado

a

solucionar

todas

as

controvérsias

envolvendo

Tavares, a certa altura, sobre o “socorro”, expende: “Vamos, pois, narrar a história desse socorro, conforme pudermos” 253 . E realmente só assim poderia se expressar.

Encarregado pelo rei de Espanha da recuperação de Pernambuco, Dom Fernando de Mascarenhas, o Conde da Torre, determinou que o capitão-mor e governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides reunisse toda a gente capaz de atuar numa guerra e que

para efeito da dita leva possa perdoar todos os crimes que lhe parecer dos moradores do sertão da capitania de S. Vicente e S. Paulo e quaisquer outros principalmente no crime das entradas do sertão. 254 Ora, disto todos sabemos e damos fé. Prepostos de Salvador de Sá ficaram incumbidos da tarefa e as comprovações 253LUÍS, W. Antônio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX, 1905. p. 492.

140

surgem nas Atas da Câmara de S. Paulo, inclusive o nome de Tavares ao lado de outros. Este é o ponto, Tavares reuniu os homens mas não só ele, muitos mais assim fizeram porque demandavam o perdão do “crime das entradas do sertão” e não porque lutariam pela reintegração do território à metrópole e muito menos ainda porque ele futuramente formaria uma grande nação. Todavia, estas últimas conclusões são postas de lado, esquecidas; releva-se a participação mitigando-se a motivação e a derrota final frente aos holandeses.

Como a sustentação documental é fraca, a saída para enaltecer o bandeirante eleito veio, sem surpresa, daquele que no século XVIII perseguiu o mesmo objetivo: Pedro Taques

255

.

E, como Washington Luís, assim procedeu Taunay ao incorporar a tradição à historiografia:

Em 1639-40 Antônio Raposo leva ao norte um socorro de tropas paulistas, para a recuperação de Pernambuco, então em poder dos holandeses; e, em 1641, é em S. Paulo, um dos promotores da aclamação de D. João IV. 256 O

“socorro”

não

era

socorro,

as

tropas

não

constituíram um “exército paulista”, mas integraram-se às demais, a recuperação não se deu (em outras palavras, o paciente “socorrido” morreu), Antônio Raposo Tavares não foi o único chefe a conduzir os sertanistas 257 e, por fim, é pouco 254Ibid., p. 524. 255Ibid., p. 494. 256TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 2, p. 70. 257Carvalho Franco afirma categoricamente que: “Não existe desse modo referência oficial de que Antônio Raposo Tavares tivesse tomado parte no terço do mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra, como assevera Pedro Taques, e, conseqüentemente, figurando na célebre retirada desse cabo de guerra.”

141

provável que Tavares tenha participado da aclamação porque, como lembra Washington Luís, “parece que Azevedo Marques (em quem Taunay se baseia) se equivocou quanto a esse fato e a essa data”. 258

No que tange ao episódio do “périplo”, como já dissemos, a situação não é diferente. Após ter empreendido a destruição das missões no Guairá e no Itatim, Antônio Raposo Tavares ausenta-se de São Paulo por quatro anos - a hipótese de Ellis Júnior é o intervalo 1648-1652. Se, ausentou-se porque perdeu o rumo na perseguição dos índios em fuga ou porque partiu em busca de metais e pedras preciosas, consideramos irrelevante para o nosso intento. Inclusive se cruzou ou não os Andes passando por Quito, mais uma vez a querela documental é secundária.

Não

resta

a

menor

dúvida

que

os

desafios

enfrentados pelos bandeirantes em geral foram imensos, agora julgar que eles foram vencidos em nome de um glorioso destino brasileiro é muito diferente. O que importa é a interpretação promovida por Taunay da documentação específica. Já em 1905 Washington Luís impunha restrições aos exageros de alguns, entre eles Saint-Hilaire e Azevedo Marques, e lembrava ser preciso contextualizar as referências ao “grande reino do Peru” nos documentos referentes ao “périplo” 259 : FRANCO, F. de A. C. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1940. p. 81. Se confrontarmos esta citação com a de Ellis Júnior na nota número 79 perceberemos que o último também seguiu Taques. 258LUÍS, W. Op. cit. p. 494-495. 259O autor refere-se, principalmente, à narrativa de Bernardo Pereira de Berredo: “Entrou a nova sucessão de 1651, e no princípio dela chegaram à fortaleza de Santo Antônio do Curupá cinqüenta e nove homens da capitania de São Paulo, com mais algum gentio, governado tudo pelo Mestre-de-Campo Antônio Raposo (...) Perdeu-se esta tropa nos sertões de São Paulo; e não atinando com o rumo para se recolher à capitania, vagou alguns meses por diferentes alturas, até que chegando ao grande reino do

142

O reino do Peru, divisão administrativa dessas índias, na América, compreendia território em que se acham os Estados de Mato Grosso, Amazonas, parte dos do Pará e de Goiás. A província de Quito, subdivisão do Peru, corria no alto Amazonas. Navegar o alto Paraguai, o Madeira, entrar a essas partes era, de acordo com a linha de marcação (Tordesilhas), penetrar em territórios do grande reino do Peru, das índias Espanholas. 260 Em suma, para W. Luís, Tavares cruzou a região peruana e passou por “Quito” sem vencer os Andes. Taunay sanciona

as

conclusões

do

seu

incentivador

oficial

transcrevendo, como de hábito, quase na íntegra, o artigo citado sem contradizê-lo. Entretanto, passados cerca de trinta anos, ele dispõe de novos documentos “comprovadores” e do apoio dos seus contemporâneos.

Na documentação impressa do Registro Geral da Câmara de S. Paulo, Ellis Júnior encontra um registro de patente

afirmando

que

Tavares

fez

uma

viagem

de

descobrimento de minas que durou quatro anos 261 . Entre as cartas do padre Antônio Vieira publicadas por João Lúcio de Azevedo há uma em que, do Maranhão, informa ao Provincial da “grande perseguição que padecem os índios pela cobiça dos portugueses em os cativarem” e, em especial, do descaminho de

Peru, não só se viu acometida de muitos índios de cavalos, mas de bastante número de castelhanos, assistidos também de alguns missionários da Província de Quito”. BERREDO, B. P. de. Anais Históricos do Estado do Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e tudo mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi descoberto até o de 1718. Rio de Janeiro : Tipo Editor, 198-. p. 235. 260LUÍS, W. Op. cit. p. 496-497. 261ELLIS JÚNIOR, Op. cit., p. 215.

143

Tavares pela Amazônia 262 . Vieira condena evidentemente a ação desses

homens,

mas,

como

menciona

uma

“jornada

do

descobrimento de Quito”, explana o encontro de castelhanos e recolhe notícias dos percalços sofridos, Taunay considera o relato “documento de capital importância” 263 . O último dos novos documentos foi divulgado por Paulo Prado, origina-se do Conselho Ultramarino (1674) e diz respeito ao conflito entre os Pires e os Camargos. A certa altura registra:

Desta vila (São Paulo) saiu o Mestre de Campo Antônio Raposo, em descobrimento dos sertões, empenhando-se de tal modo, que vindo a parar em Quito daí pelo rio das Amazonas, veio sair ao Maranhão, em cuja viagem passaram grandes trabalhos, e gastaram mais de três anos. 264 Através deste material, que confirma a “veracidade do

périplo

raposiano”,

Taunay

pôde

revalidar

a

mística

bandeirante na direção de Tavares. Nele sintetizou a obra “descomunal” de construção do território nacional com fortes cores: Não era Antônio Raposo Tavares homem para viver na obscuridade... Desapareceu exausto, prematuramente, pela prodigiosa consumpção de forças exigida pela sua tarefa descomunal. Deixava porém a mais veemente das instigações a que o imitasse a gente de sua grei... E assim, sob o impulso dos temíveis homens vestidos de couro, seus êmulos e sucessores e cujo lema é: o Brasil sempre a Oeste!, recuam espavoridos os leões de Castela, recua o meridiano tordesilhano e 262AZEVEDO, J. L. de (Org.). Cartas do Padre António Vieira. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1925. t. 1, p. 408. 263TAUNAY, A. d’E. História Geral..., t. 3, p. 301. 264Ibid., p. 303.

144

milhões de quilômetros quadrados se adquirem para o nosso patrimônio nacional. Os exemplos de Antônio Raposo Tavares sobremodo frutificam. Cada vez mais audazes precipitam-se as bandeiras paulistas para o âmago do Continente. 265 Os

documentos

trabalhados

por

Taunay

não

permitem interpretar que os bandeirantes e seus herdeiros tinham como lema absoluto a expansão do território. Na realidade eles objetivavam descobrir riquezas e escravizar o índio, por isso enfrentavam os espanhóis (donos da prata peruana), combatiam os jesuítas (aglutinadores da mão-de-obra vermelha) e desprezavam solenemente o meridiano demarcador nunca demarcado. Mais ainda, se julgarmos que Tavares “devassou” a extensão máxima possível mesmo assim ele apenas a percorreu, errou a terra sem um plano pré-concebido, não tomou posse e não assegurou a sua ocupação perene. O próprio Taunay, paradoxalmente, reconhece:

O ciclo da devassa das terras e da preia pouco de si deixou na obra da definitiva configuração brasileira pelo balizamento de fronteiras por intermédio da implantação de postos avançados permanentes. Era de esperar que assim fosse, pois a natureza das suas operações implicava a prática do nomadismo. Realmente de todo o século XVII que subsiste em matéria de sedimentação povoadora do bandeirantismo? Talvez nem meia dúzia de atalaias do sertão. 266 Da narrativa da destruição dos redutos jesuíticos, do “socorro” a Pernambuco e do “imenso périplo” resultou, de fato, menos a conquista e ocupação do território do que a construção 265Ibid., p. 303. As reticências são do próprio Taunay. 266TAUNAY, A. d'E. História das Bandeiras..., t. 2, p. 317.

145

de um poderoso “exemplo”. Este, vigora no passado e frutifica no presente, o mito do bandeirante integra uma memória erigida para nobilitar as realizações de uma coletividade que não mais avança sobre o continente, mas que se impõe política e economicamente aos demais estados da federação. Eis o porquê da contradição: o Taunay historiador, discípulo de Capistrano, vez por outra emerge diante do seu duplo, o construtor de memória.

4.4.2 Fernão Dias Pais

Morre! tu viverás nas estradas que abriste! Teu nome rolará no largo choro triste Da água do Guaicuí... Morre, Conquistador! Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares Subires, e, nutrindo numa árvore, cantares Numa ramada verde entre um ninho e uma flor! 267 A base histórica utilizada para erigir a mitificação acerca de Fernão Dias Pais prende-se, essencialmente à chamada expedição esmeraldina (1674). Em função do grande volume documental disponível, comparativamente ao que se tem sobre Tavares, a exposição recobriu-se de detalhes e permitiu que Taunay escrevesse um livro inteiro a respeito do símbolo do segundo “ciclo” da expansão vicentina. Os seus esforços para justificar a escravização do índio - “imperativo econômico”, “crime foi do tempo!” - ou esquecê-la, foram facilitados pelo brilho

da

perspectiva

da

descoberta

de

metais

e

pedras

preciosas: se Tavares claramente saía de São Paulo para 267BILAC, O. O Caçador de Esmeraldas: episódio da epopéia sertanista no XVIIIo século. In: Poesias. Belo Horizonte : Itatiaia, 1985. p. 170.

146

submeter outros seres humanos, Fernão Dias partia numa “jornada pesquisadora de minerais”.

Taunay faz de Fernão Dias um bandeirante afeito à imagem do pesquisador e não do escravizador, quanto mais que à época de sua grande “bandeira esmeraldina” o sertanista encontrava-se nobremente “aposentado”:

Passaram-se os anos. Continuou Fernão Dias Pais em S. Paulo em sua grande fazenda do Capão em Pinheiros, na sua vida de grande landlord, quiçá nostálgico do sertão. 268 Todavia, quando necessitava escravizar, fazia-o com métodos “civilizados”: Vários anos permaneceu Fernão Dias nas regiões do sul, refere Pedro Taques, antes de trazer para S. Paulo os dóceis rebanhos de escravos vermelhos, a quem conseguira impor a sujeição por meio de processos de cordura e persuasão, a acreditarmos no que nos refere o seu biógrafo. Processos estes bem diversos dos meios geralmente empregados pelos sertanistas em relação aos homens inferiores da selva. Embora exagerados pela tradição oral ou a benevolência do linhagista, revelam, em todo caso, na alma do futuro governador das esmeraldas, sentimentos humanitários que não eram os comuns do seu tempo.” 269 Fazendeiro de grandes posses, “opulento”, na casa dos sessenta anos, a sua jornada impressionava antes mesmo de 268TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 64. A “diferença” é destacada por Mafalda Zemella: “As bandeiras apresadoras, de caráter belicoso, descendo o íncola para o litoral, destruindo as tribos mais rebeldes, deixaram o sertão aberto e limpo para as pacíficas bandeiras pesquisadoras de metal.” ZEMELLA, M. P. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo : HUCITEC; EDUSP, 1990. p. 35. O grifo é nosso.

147

acontecer. Subscrevendo um contemporâneo, Taunay vê o prenúncio de algo significativo:

Em princípios de agosto de 1672, a 8, escreve Ellis (...): “Já se faziam sentir em São Paulo os pródromos da grandiosa expedição de Fernão Dias a mais memorável da época”. 270 O prenúncio concretiza-se e a nostalgia finda quando o bandeirante aceita o desafio proposto pelas autoridades. Em carta enviada a Fernão Dias (20 de outubro de 1671), o governador geral Visconde de Barbacena incita-o “a que realizasse uma grande jornada de penetração nos sertões centrais a busca de esmeraldas e prata” 271 . Uma segunda correspondência foi remetida pelo governador (19 de fevereiro de 1672) na expectativa de já estar o bandeirante a caminho ou de volta. Indignado, Taunay reage contra a pressa do burocrata colonial: “Quanto açodamento! e quanta ignorância!” 272

Afinal, quem é o governador para cobrar algo de um herói? Caberia ao sertanista a organização e o custeio da expedição recebendo em troca o ressarcimento, títulos e mercês caso obtivesse sucesso. Escolhido dentre muitos outros homens do

sertão,

tratado

com

respeito

e

consideração

pelos

governantes, partiu fielmente Fernão Dias.

269TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4, 1931. p. 109-110. O grifo é nosso. 270TAUNAY, A. d'E. História Geral..., t. 6, p. 78. 271Ibid., p. 69. 272Ibid., p. 71.

148

No

percurso

o

bandeirante

enfrentou

sérias

dificuldades: a falta de armas e provisões, a morte de parentes e companheiros, as “asperezas do sertão”, a doença do seu próprio corpo, as deserções e a traição tentada pelo filho bastardo. Seguindo Pedro Taques, o historiador expõe minuciosamente todos esses desafios capazes de constituir um líder sem igual, pois só um verdadeiro herói poderia superá-los:

Exausto de recursos, vendo o desânimo absoluto em torno de si, era pelo prestígio da disciplina terrível e a constância inquebrantável ante a diversidade, que o grande sertanista mantinha a sua bandeira na sujeição. 273 Desgastado no sertão e sem nada descobrir, o bandeirante determina à esposa que tudo vendesse para que o montante arrecadado fosse investido na jornada, uma vez que das

autoridades

régias

nada

esperava 274 .

Isolado,

mas

determinado e leal, como poderia sua expedição obter resultado negativo? Mas assim sucedeu:

Eram turmalinas, por assim dizer, desvaliosas, e não as cobiçadas esmeraldas o que o grande sertanista descobrira; a ignorância induziu-o pelo aspecto das pedras a um engano providencial que lhe encheu os últimos dias de glória e esperanças. 275 O simplesmente

bandeirante morreu

nada

ignorante

descobriu no

e

sertão.

não

retornou,

Entretanto

o

historiador não se dá por rogado, ele mesmo não digere o fracasso e precisa expandir a sua emoção pelo herói morto 273Ibid., p. 104. 274Ibid., p. 106. 275Ibid., p. 107.

149

(1681). Ato contínuo, Taunay imagina como Fernão Dias receberia

um

aviso

de

Dom

Rodrigo

de

Castel

Blanco

felicitando-o pelo achado, mas recomendando a análise das pedras antes de noticiarem ao rei:

Como acolheria Fernão Dias Pais a proposta da demora de seu comunicado oficial da descoberta? Suspeitoso, com certeza, muito embora viessem os acontecimentos posteriores demonstrar que a prudência recomendada por D. Rodrigo era essencial. As famosas pedras verdes que julgava esmeraldas não passavam de modestas turmalinas. Mas a carta de D. Rodrigo já lhe não chegaria às mãos... Tinha Fernão Dias Pais atingido a meta dos seus esforços! Estavam, a seu ver, descobertas as lavras “férteis” de esmeraldas onde a terra restituiria ao cêntuplo os esforços imensos feitos para o seu desbravamento! Imagine-se a enorme alegria que deve ter invadido a alma do ousado septuagenário, que via coroada de tanta felicidade a sua magna empresa. E avalie-se o entusiasmo dos últimos companheiros que o seguiam através do impérvio sertão! Tivera razão o grande bandeirante! Havia pedrarias, havia esmeraldas no bojo daquelas penedias alcantiladas, ele as pressentira e afinal viera a descobri-las! Agora o que se precisava fazer era levar o fato ao conhecimento dos altos funcionários da colônia. Determinara Deus ao Descobridor o termo da sua carreira. 276 Apresentamos, de novo, um momento em que Taunay elucubra. Inconformado por não poder narrar fidedignamente o sucesso que ele próprio havia programado para o “caçador de esmeraldas”, emocionado com a circunstância do chamamento de Deus - só Ele poderia convocar o Herói -, e necessitando 276TAUNAY, A. d'E. A Grande Vida..., p. 165-166.

150

contornar a derrota do bandeirante perante o leitor, sua única saída é inventar uma cena na qual o herói abandona vitorioso o campo de batalha. Todos os recursos são válidos para não macular o mito, uma vez chegado o ponto culminante da narrativa ele tinha que dar-se plenamente, a qualquer preço. Vemos, uma vez mais, a memória desalojar a história. 277

Com

efeito,

se

não

descobriu

nem

ouro

nem

esmeraldas, a expedição de Fernão Dias clareou o horizonte das minas, sendo esta a sua única característica vitoriosa. Primeiro, porque conduzia três outros bandeirantes que desfrutariam, em breve e com sucesso, dos conhecimentos adquiridos na viagem (Matias Cardoso de Almeida, Manuel de Borba Gato e Garcia Rodrigues Pais - filho de Fernão); segundo, porque ao longo dos seus sete anos de duração foram disseminados vários pequenos roçados que povoaram o interior; e, por fim, estes roçados permitiram o deslocamento inicial da população, alimentando-a, quando

da

efetiva

descoberta.

Este

balanço

positivo,

compartilhado por Taunay e por Basílio de Magalhães 278 , mais tarde foi endossado por Mafalda Zemella:

O ano de 1674 é o momento culminante da bandeira pesquisadora. Foi quando entrou para o sertão a bandeira de Fernão Dias Pais, bandeira essa que abriu largamente as portas da região aurífera, facilitando o caminho para as minas, pontilhando-o de roças. 279

277Invertemos uma passagem de Nora ao dizer que “a história desaloja, ela torna sempre prosaico”. NORA, P. Op. cit., p. XIX. 278MAGALHÃES, B. de. A Expansão Geográfica do Brasil Colonial. Rio de Janeiro : Epasa, 1944. p. 133135. 279ZEMELLA, M. P. Op. cit., p. 38.

151

De

fato,

se

o

papel

desempenhado

por

estas

“fazendolas” foi tão determinante não temos como julgar. O que sem dúvida alguma podemos afirmar é a sua sobrevalorização, aqui ocorre uma mudança significativa na constituição do mito do bandeirante. Ele deixa de ser um desbravador ou escravizador e veste a indumentária do povoador e civilizador. No primeiro “ciclo” ocorreu a luta pela conquista do território, despovoouse, e Antônio Raposo Tavares foi escolhido como símbolo; agora,

no

segundo

“ciclo”,

assiste-se

ao

movimento

complementar daquele plano imaginado por Taunay, repovoa-se a terra, e Fernão Dias é o seu símbolo máximo.

Da civilizador,

o

destruição bandeirante

à

construção, mitificado

de

desbravador

adapta-se

aos

a

mais

diferentes contextos, no passado ou no presente. Consciente dessa poderosa simbologia, Taunay tudo fez para fortalecê-la e legitimá-la

na

historiografia,

memória bandeirante.

terminando

por

construir

a

5 . CONSIDERAÇÕES FINAIS

153

Affonso d'E. Taunay reuniu ao longo da vida, em sua obra, um conjunto de experiências passadas e contemporâneas que desejava perpetuar no futuro. Ele pretendeu concretizar essa meta por intermédio de um saber científico: a história. Filho de uma família originária da França, com o pai nobilitado pelo Império, casado numa importante família de São Paulo, diretor de museu anos seguidos até a aposentadoria; disso resulta um historiador que produz a partir de um universo elitista e oficial. Entretanto, se seu discurso historiográfico expressa em parte essa ligação, ele não é um ideólogo das classes dirigentes. No limite, a sua obra fornece os meios - símbolos, por exemplo disponíveis a todo o tipo de manipulação. É o passado que mais o interessa, lá está a vida idealizada; o presente é significativo na medida em que o desperta para determinados temas e que constitui-se na possibilidade de transmiti-los.

Em nossa análise do seu trabalho historiográfico obtivemos as seguintes conclusões básicas:

— A vinculação ao historicismo romântico-erudito permitiu-lhe acreditar numa realidade histórica dada, existente antes mesmo da intervenção do historiador. Isto posto, bastava ao pesquisador do passado debruçar-se intensamente sobre os documentos e fazê-los “falar”. Quando assim procedia, aquela realidade se apresentava viva, total, pulsante, presentificada. Esta é a base da construção historiográfica da memória bandeirante: a crença numa verdade histórica absoluta capaz de ser celebrada eternamente.

154

— A construção do tema das Bandeiras por Taunay dependeu também da interseção de contribuições de Capistrano de Abreu e Washington Luís - contemporâneos - e de Pedro Taques, Frei Gaspar e Auguste de Saint-Hilaire. De Capistrano obteve o saber histórico, dos demais retomou a tradição construída no século XVIII, e, com todos nele reunidos, edificou a memória bandeirante.

— A produção historiográfica de Taunay relativa à expansão vicentina é um veículo (lugar) de memória porque as palavras, os títulos, os temas e a interpretação são estruturados e articulados para conduzirem uma mensagem simbólica que extrapola a configuração científica da realidade histórica.

Assim construiu, o engenheiro Taunay, o edifício historiográfico da memória bandeirante.

6 . FONTES

156

6.1 Obras de Affonso d'Escragnolle Taunay

* 1909

Léxico de Termos Técnicos e Científicos, São Paulo : Separata do Anuário da Escola Politécnica de São Paulo, 154 p.

* 1910

Crônica do Tempo dos Felipes. Tours : Arrault, 368 p.

* 1911

A Missão Artística de 1816. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 74. p. 3-202. ([3. ed.], Brasília : UnB, 1983. 332 p. il.)

Extrato das Viagens de François Pyrard, de Laval, relativo à estada deste navegante no Brasil, em 1610. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XIII, p. 341-357.

* 1913

Discurso de Posse pelo Dr. Affonso d'Escragnolle Taunay. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVII, p. 89-91. (2. ed., São Paulo, 1943).

157

Discurso

Proferido

d'Escragnolle novembro

de

pelo

Taunay 1912.

Orador na

Oficial

Dr.

Affonso

Sessão Aniversaria a 1º de

Revista

do

Instituto

Histórico

e

Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVII, p. 449-465. (2. ed., São Paulo, 1943).

* 1914

Os Princípios Gerais da Moderna Crítica Histórica. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v.XVI, p. 323-344.

Discurso

Proferido

pelo

Orador

Oficial

Dr.

Affonso

d'Escragnolle Taunay na Sessão Magna de 1º de novembro de 1913. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XVIII, p. 549-568. (2. ed., São Paulo, 1942).

Léxico de Lacunas: subsídios para os dicionários da língua portugueza. Tours : E. Arrault, 1914. 223 p. (Separata do tomo XVI da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo).

* 1915

Pedro Taques. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XIX, p. 235-261. (Também no livro de Pedro Taques: História da Capitania de São Vicente. São Paulo : Melhoramentos, [1928]. 176 p. p. 353).

158

* 1916

Frei Gaspar da Madre de Deus. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 77, 2ª parte, 1916. p. 419-495. (Também na: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XX, 1918. p. 127173; reproduzido, com alterações, na terceira edição do livro de Frei Gaspar: Memórias para a História da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos anos em que se descobriu o Brasil. 3. ed. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. 383 p. p. 9-75).

* 1918

Inéditos de Frei Gaspar da Madre de Deus e Documentos sobre o Historiador. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XX, p. 187-248.

Inéditos de Pedro Taques e Documentos Inéditos Referentes ao Autor da “Nobiliarquia”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XX, p. 745-790.

A Lenda de Amador Bueno; O Livro Terceiro das “Memórias para a Capitania de São Vicente”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XX, p. 175-186. (Também na terceira edição do livro de Frei Gaspar: Memórias para a História da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos anos em que se descobriu o Brasil. 3. ed. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. 383 p. p. 76-89).

159

* 1919

Na Era das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 84, p. 383-531. (2. ed. [rev. aum.] São Paulo : Melhoramentos, 1922. 195 p. il.)

* 1920

A Glória das Monções. São Paulo : Casa Editora O Livro, 42 p. (Reeditado no livro: Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, [1926]. 106 p. il. p. 83-101).

S.

Paulo

nos

Primeiros

Anos

(1554-1601):

Ensaio

de

Reconstituição Social. Tours : E. Arrault & Cia., 216 p.

* 1921

S. Paulo no Século XVI: História da Vila Piratiningana. Tours : E. Arrault & Cia., 292 p.

* 1922

Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas: Séculos XVIXVII-XVIII. 2 p. il.

Pedro Taques e seu tempo: estudo de uma personalidade e de uma época. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 1, p. 1286.

160

Sobre El Rei Nosso Senhor: aspectos da vida setecentista brasileira, sobretudo em S. Paulo. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 1, primeira parte, p. 290-416.

Um Grande Bandeirante: Bartolomeu Paes de Abreu (16741738). Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 1, primeira parte, p. 417-528.

* 1923

Piratininga: Aspectos Sociais de S. Paulo Seiscentista. São Paulo : Tip. Ideal; Heitor L. Canton, 173 p.

* 1924

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, t. 1, 370 p.

Non Ducor, Duco: Notícias de S. Paulo, 1565-1820. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 186 p.

* 1925

André João Antonil (Padre João Antonio Andreoni, S. J.). Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 2, primeira parte, p.63114.

161

Frei Gaspar da Madre de Deus (1715-1800). Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 2, primeira parte, p. 115-199.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; Heitor L. Canton, t. 2, 379 p.

* 1926

História Seiscentista da Vila de S. Paulo (1600-1653). São Paulo : Typ. Ideal; Heitor L. Canton, 281 p. il. t. 1.

Índios! Ouro! Pedras!. São Paulo : Melhoramentos, 106 p. il.

Reparos ao novo dicionário de Cândido de Figueiredo. Tours : Arrault, 111 p.

* 1927

Antigos Aspectos Paulistas. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, primeira parte, p. 319-371.

O Caminho entre S. Paulo e o Rio de Janeiro na Era Colonial. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, primeira parte, p.195-243.

Os Despojos de Fernão Dias Paes: A Efígie do Governador das Esmeraldas. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, primeira parte, p. 271-282.

162

Instrução Setecentista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t.3, primeira parte, p. 283-293.

J. Capistrano de Abreu: In Memorian. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 3, primeira parte, p. XIII-XVIII.

História Antiga da Abadia de S. Paulo (1598-1772). São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, 267 p. il.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, t. 3, 366 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo (1653-1660). São Paulo : Typ. Ideal, t. 2, 287 p. il.

A terminologia zoológica e científica em geral e a deficiência dos grandes dicionários portugueses. São Paulo, Revista do Museu Paulista, t. 15, segunda parte, p. 275-384.

* 1928

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 4, 401 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo. São Paulo : Typ. Ideal; Heitor L. Canton, t. 3, 306 p.

163

A

insuficiência

e

deficiência

dos

grandes

dicionários

portugueses. Tours : Arrault, 159 p.

* 1929

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 5, 366 p.

História Seiscentista da Vila de S. Paulo: escrita à vista da avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, e estrangeiros. São Paulo: Typ. Ideal; Heitor L. Canton, t. 4, 385 p.

* 1930

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal, t. 6, 372 p.

* 1931

A Grande Vida de Fernão Dias Paes. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4, p. 1-200.

Terra Bandeirante. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 4, p.325-425.

* 1932

164

Inópia

científica

e

vocabular

dos

grandes

dicionários

portugueses. São Paulo, Revista do Museu Paulista, t. 17.

* 1933

Visitantes do Brasil Colonial (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 241 p. (2. ed. 1938.).

* 1936

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Typ. Ideal; H. L. Canton, t. 7, 377 p.

* 1937

Guia da Seção Histórica do Museu Paulista. São Paulo : Imprensa Oficial do Estado, 122 p. il.

* 1939

Posse do Dr. Afonso de Escragnolle Taunay na Presidência Honorária do Instituto: Discurso do Dr. Afonso de Taunay. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. XXXVII, p. 9-14.

* 1941

165

Ensaios da História Paulistana. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 10, primeira parte, p. 1-223.

Subsídios para a história do tráfico africano no Brasil. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 10, terceira parte, p. 1-311.

* 1943

Amador Bueno e outros ensaios. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 11, primeira parte, p. 1-217.

* 1945

Comemoração do Cinqüentenário da Solene Instituição do Museu Paulista no Palácio do Ipiranga. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 12, quarta parte, p. 1-51.

* 1946

O Bandeirismo e os Primeiros Caminhos do Brasil. In: TAUNAY, A. d' E., CORRÊA FILHO, V., ELLIS JUNIOR, A. et al. Curso de Bandeirologia. São Paulo : Dep. Estadual de Informações, 1946. 146 p. il. p. 5-28.

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 8, 545+32 p.

* 1948

166

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 9, 676 p.

* 1949

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 10, 262+396 p.

Iconografia Paulista Vetustíssima. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 13, p. 29-45.

José Ferraz de Almeida Júnior. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t. 13, p. 151-168.

Jubileu do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (18941944): Discurso do Sr. Afonso de E. Taunay. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v.XLIV, segunda parte, p. 147-162.

* 1950

História Geral das Bandeiras Paulistas: escrita à vista de avultada documentação inédita dos arquivos brasileiros, espanhóis e portugueses. São Paulo : Museu Paulista, t. 11, 313+219 p.

167

* 1951

História das Bandeiras Paulistas. São Paulo : Melhoramentos, 365 p. il. (2. ed. São Paulo, 1961. 3 v.).

* 1953

João Ramalho e Santo André da Borda do Campo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 322 p. il.

Relatos Monçoeiros: Introdução, Coletânea e Notas de Afonso de E. Taunay. São Paulo, Martins, 273 p. il.

Relatos Sertanistas: Coletânea, Introdução e Notas de Afonso de E. Taunay. São Paulo, Martins, 234 p. il. (ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1981.).

* 1954

História da Cidade de São Paulo. São Paulo : Melhoramentos, 272 p. il.

6.2 Correspondência entre Capistrano de Abreu e Affonso d'E. Taunay

* RODRIGUES, José Honório (Org.). Correspondência de Capistrano de Abreu. Prefácio por José Honório Rodrigues. Rio de Janeiro : INL, 1954. v. 1. 446 p. il.

168

6.3

Documentos

Publicados

por

Affonso

d'E.

Taunay

Relacionados ao Bandeirismo

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentação Brasileira Seiscentista:

Documentação

Paulista

de

Procedência

Baiana. São Paulo, t. 3, p. 233-318.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos Bandeirantes do Arquivo Geral das Índias de Sevilha. São Paulo, 1931. t. 5, parte segunda, p. 5-320.

* ANAIS DO MUSEU PAULISTA. Documentos Paulistas do Arquivo Geral das Índias de Sevilha. São Paulo, 1923. t. 1, segunda parte, p. 139-442.

*

ANAIS

DO

MUSEU

PAULISTA.

Documentos

sobre

o

Bandeirantismo do Arquivo Geral das Índias em Sevilha. São Paulo, 1925. t. 2, segunda parte, p. 5-334.

6.4 Obras Editadas ou Reeditadas por Affonso d'E. Taunay

* ANTONIL, André João (João Antonio Andreoni, S.J.). Cultura e Opulência do Brasil. Com um estudo bio-bibliográfico por Affonso d'E. Taunay. [5. ed.]. São Paulo : Melhoramentos, 1923. 280p. il.

* LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. História da Capitania de São Vicente. Com um escorço biográfico do autor por

169

Affonso d'E. Taunay. São Paulo : Melhoramentos, [1928]. 176 p.

* ____. Informação sobre as Minas de São Paulo : A Expulsão dos Jesuítas do Colégio de São Paulo. Com um estudo sobre a obra do autor por Affonso d'E. Taunay. São Paulo : Melhoramentos, [1929]. 215 p.

*

____.

Nobiliarquia

Paulistana

Histórica

e

Genealógica.

Biografia do autor e estudo crítico de sua obra por Affonso d'E. Taunay. 5. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. 3 v. (1. ed. Rio de Janeiro : Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. XXXIIXXXV, 1869-).

* MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a História da Capitania de S. Vicente hoje chamada de São Paulo e Notícias dos anos em que se descobriu o Brasil. Com um estudo biográfico do autor e notas por Affonso d'E. Taunay. 3. ed. São Paulo : Weiszflog Irmãos, 1920. 383 p. (1. ed. Lisboa : Academia Real de Ciências, 1797).

* MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos históricos,

geográficos,

biográficos,

estatísticos

e

noticiosos da Província de São Paulo. Prefácio por Affonso d'E. Taunay. 5. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1980. 2 v. (1. ed. Rio de Janeiro : Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1879).

170

6.5 Crônicas, Correspondências e Narrativas Diversas

*

ANCHIETA,

José

de.

Cartas:

informações,

fragmentos

históricos e sermões. Edição fac-similar da 1. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1988. 258 p.

* AZPILCUETA NAVARRO, et al. Cartas Avulsas. Edição facsimilar da 1. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1988. 529 p.

* BERREDO, B. P. de. Anais Históricos do Estado do Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e tudo mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi descoberto até o de 1718. 4. ed. Rio de Janeiro : Tipo Editor, 198-. 390 p. il.

* CABEZA DE VACA, Alvar Núñes. Naufrágios. Edição, Introdução e Notas de Trinidad Barreta. Madrid : Alianza, 1985. 181 p. il.

* LEITE, SERAFIM, S.I. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo : Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. 3 v. il.

* ____. Novas Cartas Jesuíticas: de Nóbrega a Vieira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940. 344 p.

* NÓBREGA, Manoel da. Cartas do Brasil. Edição fac-similar da 1. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1988. 258 p.

171

* SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à Província de São Paulo. Tradução, prefácio e notas por Rubens Borba de Moraes. São Paulo : Martins; EDUSP, 1972. 357 p. il.

* SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil: 1500-1627. Revisão de Capistrano de Abreu, Rodolfo Garcia e Frei Venâncio Wílleke, OFM. 7. ed. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1982. 437 p.

* SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Edição acrescida de alguns comentários por Francisco Adolfo de Varnhagen. 5. ed. São Paulo : Companhia Editora Nacional; Brasília : INL, 1987. 389 p.

* VASCONCELOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus. Introdução de Serafim Leite. 3. ed. Petrópolis : Vozes; Brasília : INL, 1977. 2 v.

*

VIEIRA,

António.

Cartas

do

Padre

António

Vieira.

Coordenadas e anotadas por J. Lúcio d'Azevedo. Coimbra : Imprensa da Universidade, 1925-1928. 3 v.

172

7 . BIBLIOGRAFIA

173

7.1 Obras de Referência e Instrumentos de Trabalho



BURGUIÈRE,

André

(Org.).

Dicionário

das

Ciências

Históricas. Tradução por Henrique de Araújo Mesquita. Rio de Janeiro : Imago, 1993. 773 p. Tradução de: Dictionnaire des Sciences Historiques.



ELLIS,

Myriam,

HORCH,

Rosemarie

Erika.

Affonso

d'Escragnolle Taunay no Centenário de seu Nascimento: 11 de julho de 1876, 20 de março de 1958. São Paulo : Conselho Estadual de Cultura, 1977. 208 p.

— FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 14. reimp. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 19--.

— FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil: séculos XVI-XVIIXVIII. Belo Horizonte : Itatiaia; São Paulo : EDUSP, 1989. 443 p.

— GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Tradução por Victor Jabouille. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand, 1992. 554 p. il.

— LE GOFF, J., CHARTIER, R., REVEL, J. (Dir.). A Nova História. Tradução por Maria Helena Arinto e Rosa Esteves. Coimbra : Almedina, 1990. 590 p. il. Tradução de: La Nouvelle Histoire.

174

— MATOS, Odilon Nogueira de. Afonso de Taunay Historiador de São Paulo e do Brasil: Perfil Biográfico e Ensaio Bibliográfico. São Paulo : USP, 1977. 267 p. il.



MORAES,

R.

B.

de,

BERRIEN,

W.

(Dir.).

Manual

Bibliográfico de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Gráfica Editora Souza, 1949. 895 p.



SILVA,

Antonio

de

Moraes.

Diccionario

da

Lingua

Portuguesa. Edição fac-similar da 2. ed. Direcção de Laudelino Freire. Rio de Janeiro : Litho-Typographia Fluminense, 1922. 2 v.

— SILVA, M. C. da, BRAYNER, S. Normas Técnicas de Editoração: teses, monografias, artigos e papers. 2. ed. Rio de Janeiro : Editora da UFRJ, 1993. 75 p.

— VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das Palavras, Termos e Frases. Edição crítica baseada nos manuscritos e originais de Viterbo por Mário Fiúza. Porto : Liv. Civilização, 1966. 2 v.

— 70 Anos da Academia Paulista de Letras. São Paulo : Academia Paulista de Letras, 1979. 248 p. il.

7.2 Artigos e Partes de Monografias

— BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: Enciclopédia Einaudi:

Anthropos-Homem.

Tradução

por

Manuel

175

Villaverde Cabral. [Lisboa] : Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985. p. 296-332.

— BILAC, Olavo. O Caçador de Esmeraldas: Episódio da Epopéia Sertanista no XVIIº Século. In: Poesias. Belo Horizonte : Itatiaia, 1985. p. 163-171.

— BORGES, Jorge Luis. O Tempo. In: Cinco Visões Pessoais. 2. ed. Tradução por Maria Rosinda Ramos da Silva. Brasília : Edunb, 1987. p. 41-49. Traduzido de: Borges Oral.

— CAMPOS, Pedro Moacir. Esboço da Historiografia Brasileira nos Séculos XIX e XX. In: GLÉNISSON, Jean. Iniciação aos Estudos Históricos. 3. ed. São Paulo : Difel, 1979. p. 250-293.

— CANABRAVA, Alice Piffer. João António Andreoni e sua Obra. In: Cultura e Opulência do Brasil. [8. ed.] São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1967. p. 9-112.

— CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 11, 1991. p. 173-191.

— CORDEIRO, José Pedro Leite. Afonso de Taunay e a História das Bandeiras. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 248, 1961. p. 198-213.

— ENDERS, Armelle. Les Lieux de Mémoire: dez anos depois. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, 1993. p. 132-137.

176

— FINLEY, Moses I. Mito, memória e história. In: O Uso e Abuso da História. Tradução por Marylene Pinto Michael. São Paulo : Martins Fontes, 1989. p. 3-27. Tradução de: The Use and Abuse of History.

— FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: Microfísica do Poder. 7. ed. Organização, introdução e tradução por Roberto Machado. Rio de Janeiro : Graal, 1988. p. 15-37.

— FOUCAULT, Michel. Sobre a Arqueologia das Ciências. In: FOUCAULT, M., LIMA, L. C., MENDONÇA, A. S. et al. Estruturalismo e Teoria da Linguagem. Petrópolis : Vozes, 1972. p. 12-52.

— FRANCO, Francisco de Assis Carvalho. Dom Francisco de Souza e o Início do Impulso Bandeirante. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v.XXIX, 1932. p. 245-258.

— ____. Os Companheiros de D. Francisco de Sousa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, t. 105, v. 159, 1929. p. 95-136.

— FREIRE, Gilberto. A Propósito de Paulistas. In: Problemas Brasileiros de Antropologia. 3. ed. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1962. p. 40-83.

177

— HOLANDA, Sérgio Buarque de. Índios e Mamelucos na Expansão Paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, t.XIII, 1949. p. 175-290.



LACOMBE,

Américo

Jacobina.

A

Construção

da

Historiografia Brasileira: O IHGB e a Obra de Varnhagen. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 370, 1991, p. 245-264.



LE

GOFF,

Jacques.

Documento/Monumento.

In:

Enciclopédia Einaudi: Memória-História. Tradução por Suzana Ferreira Borges. [Lisboa] : Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1984. v. 1. p. 95-106.



____.

História.

In:

Enciclopédia

Einaudi:

Memória-

História. Tradução por Bernardo Leitão e Irene Ferreira. [Lisboa] : Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1984. v. 1. p. 158-259.



____.

Memória.

In:

Enciclopédia

Einaudi:

Memória-

História. Tradução por Bernardo Leitão e Irene Ferreira. [Lisboa] : Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1984. v. 1. p. 11-50.

— ____. Préface. In: L'Imaginaire Médiéval: Essais. Paris : Gallimard, 1985. 352 p. p. I-XXI.

— LEONZO, Nanci. As Companhias de Ordenanças na Capitania de São Paulo: da origem ao governo do Morgado de Mateus.

178

São Paulo, Coleção Museu Paulista. Série de História, n. 6, 1977.

— LUÍS, Washington. Antonio Raposo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. IX, 1905. p. 485-533.

— ____. Contribuição para a História da Capitania de São Paulo: Governo de Rodrigo César de Menezes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. VIII, 1904. p. 22-137.

— MARTINIÈRE, Guy. A Implantação das Estruturas de Portugal na América (1620-1750). Tradução por Franco de Sousa. In: SERRÃO, J., OLIVEIRA MARQUES, A. H. de (Dir.). Nova História da Expansão Portuguesa: O Império Luso-Brasileiro (1620-1750). Lisboa : Editorial Estampa, 1991. v. VII, p. 91-261.



MATOS,

Odilon

Nogueira

de.

Prefácio

e

Notas.

In:

TAUNAY, Affonso d'Escragnolle. Notícias de São Paulo (1565-1820). 2. ed. Campinas : Pontifícia Universidade Católica, 1980. 233p.

— MESGRAVIS, Laima. Os Aspectos Estamentais da Estrutura Social do Brasil Colônia. Estudos Econômicos, São Paulo, n.13, 1983. p. 799-811.

179

— MONTEIRO, John Manuel. Colonização e Despovoamento: São Paulo e Maranhão no Século XVII. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 15, n. 86, 1992. p. 13-18.

— ____. Tupis, Tapuias e a História de São Paulo: revisitando a velha questão gauianá. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 34, 1992. p. 125-135.

— OLIVEIRA JUNIOR, Paulo Cavalcante de. Bandeirantes, Índios e União Ibérica: propondo uma outra abordagem. Revista da Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 1993. p. 6-10.



POLLAK,

Michael.

Memória,

esquecimento,

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Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989. p. 315.

— ____. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 200-215.

— QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginário. Revista USP, São Paulo, n.13, 1992. p. 78-87.



RODRIGUES,

José

Honório.

Washington

Luís

e

o

Bandeirismo. O Jornal, Rio de Janeiro, 11 dez. 1952, 1ª Seção, p. 4.

180

— SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. A Invenção do Brasil: um problema nacional? Separata da Revista de História, São Paulo, n. 118, 1985. p. 3-12.

— ____. Da casa senhorial à vila operária: patrimônio cultural e memória

coletiva.

Revista

Tempo

Brasileiro,

Rio

de

Janeiro, n. 87, 1986. p. 127-139.

— ____. Memória, história, nação: propondo questões. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 5-13.

— SILVA, José Luiz Werneck da. Repensando os museus históricos como casas da memória: a proposta do Museu da República, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro (19831986). Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 122-126.

— VESENTINI, Carlos Alberto. A instauração da temporalidade e a (re)fundação na história: 1937 e 1930. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 87, 1986. p. 104-121.

— WEHLING, Arno. Capistrano de Abreu: a fase cientificista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.311, 1976. p. 43-91.

— ____. Capistrano de Abreu e Silvio Romero: Um Paralelo Cientificista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 370, 1991. p. 265-274.

181

— ____. Em torno de Ranke: a questão da objetividade histórica. Revista de História, São Paulo, n. 93, 1973. p. 177-200.

— ____. Fundamentos e virtualidades da epistemologia da história: algumas questões. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, 1992. p. 147-169.

— ____. Historicismo e Concepção de História nas Origens do I.H.G.B. In: Origens do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: idéias filosóficas e sociais e estruturas de poder no Segundo Reinado. Rio de Janeiro : Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1989. p. 43-58.

7.3 Livros

7.3.1 De Caráter Teórico, Metodológico e Historiográfico

— ABUD, Katia Maria. O Sangue Intimorato e as Nobilíssimas Tradições

(a

construção

de

um

símbolo

paulista:

o

bandeirante). São Paulo : Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 1985. 242 p. il.

— ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Tradução por Mauro W. Barbosa de Almeida. 2. ed. São Paulo : Perspectiva, 1979. 348 p. Tradução de: Between Past and Future.

182

— ARIÈS, Philippe. O Tempo da História. Tradução por Roberto Leal Ferreira. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1989. 265 p. Tradução de: Le temps de l'histoire.

— BLOCH, Marc. Introdução à História. Tradução por Maria Manuel Miguel e Rui Grácio. 2. ed. [S.l.] : Publicações Europa-América, 1974. 179 p. Tradução de: Apologie pour l'histoire ou Métier d'historien.

— BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. 2. ed. São Paulo : T. A. Queiroz; EDUSP, 1987. 402 p. il.

— BOURDÉ, Guy, MARTIN, Hervé. Les Écoles Historiques. Paris : Seuil, 1990. 413 p.

— BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. Tradução por J. Guinsburg e Tereza Cristina Silveira da Motta. São Paulo :

Perspectiva,

1978.

294p.

Tradução

de:

Écrits

sur

l'Histoire.

— BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales (1929-1989). Tradução por Nilo Odália. 2. ed. São Paulo : UNESP, 1992. 154 p. Tradução de: The French Historical Revolution: The Annales School 19291989.

— CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosófica: ensaio sobre o homem. Tradução por Vicente Felix de Queiroz. 2. ed. São Paulo : Mestre Jou, 1977. 378 p. Tradução de: An Essay on Man.

183

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