Afonso Lopes Vieira: a literatura e o processo de nacionalização do povo português

September 27, 2017 | Autor: Fernando Magalhães | Categoria: Cultural Studies, Anthropology, Historic House Museum, Museology
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Sin Frontera: Sin-ismos 1 Primavera 2012 Magalhães

Afonso Lopes Vieira: a literatura e o processo de nacionalização do povo português

Dedico este artigo ao poeta Afonso Lopes Vieira, cuja escrita e casa-museu continuam a encher de magia a localidade de São Pedro de Moel mas também à minha colega e amiga Cristina Nobre, que me desvendou uma grande personalidade da vida, da cultura e da história portuguesa.

Introdução A história da humanidade muito deve aos líderes comunitários que sabiamente souberam conduzir os destinos da civilização, tornando-a cada vez mais apta a elaborações culturais e simbólicas complexas. Todas as grandes civilizações da história tiveram ao leme do seu comando grandes líderes. Entre estes, os escritores, ao colocarem a sensibilidade e sabedoria ao serviço do progresso e da afirmação das suas comunidades, tornaram-se líderes distintos das massas. Afonso Lopes Vieira foi um dos escritores que desde finais do século XIX, até meados da centúria seguinte, soube ler os sinais de tempos difíceis para a comunidade nacional portuguesa. A sua obra constituiu um documento social que visou uma ação interventiva num momento em que Portugal vivia uma grave crise económica, social e cultural. Este período coincidiu com o despontar da consciência nacional. Da galeria dos mais famosos líderes responsáveis pela nacionalização do povo português fazem parte antropólogos como José Leite de Vasconcelos, historiadores como Alexandre Herculano, o introdutor do romance histórico em Portugal, ou poetas e escritores como Afonso Lopes Vieira ou Fernando Pessoa, entre outros.

University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 2 Primavera 2012 Magalhães Afonso Lopes Vieira faleceu em 1946 mas a sua memória perdurou até aos nossos dias, fruto do reconhecimento da comunidade atribuído à sua ação, em prol da região que o viu nascer e da nação que o viu morrer. A memória de Afonso Lopes Vieira permanece viva na poesia mas também na sua casa, transformada em museu, assim como em todos os objetos que inseridos nela conviveram com o poeta durante a sua vida. A partir deste artigo pretendo, numa primeira parte, evidenciar a ação de Afonso Lopes Vieira no contexto nacional da primeira metade do século XX. Neste sentido, divido o texto numa primeira parte denominada Afonso Lopes Vieira: entre o decadentismo e a Renascença Portuguesa onde situarei a obra e a ação do poeta no contexto da crítica social literária que está na origem dos movimentos do decadentismo e da Renascença Portuguesa. Numa segunda parte, a análise centrar-se-á na memória viva do poeta, a sua casa – museu. Em A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira ou a imortalização do poeta e da sua obra, analisarei a transformação da casa em museu como tributo da região e da nação à obra e ao génio do poeta.. As casas-museu são à semelhança dos seus ilustres ex-habitantes, monumentos à nação e sobretudo memoriais aos seus líderes. Em A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira: lugar de memória, a minha análise focar-seá na metamorfose de um local antes de acesso privado em público. A musealização da casa confluiu na sua edificação em lugar de memória e literário do poeta e da sua obra. Por fim, em A região da Estremadura em Afonso Lopes Vieira, irei fazer uma breve pesquisa acerca da questão provincial em Portugal enquanto única divisão regional existente no país até 1956. A província da Estremadura, berço de Lopes Vieira, é cantada pelo poeta na sua poesia, o que o transforma num dos grandes autores da região. A incursão pela província é feita pelo autor numa ótica de inter-relação com a comunidade nacional, situando nela a génese de grandes feitos nacionais como as descobertas. University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 3 Primavera 2012 Magalhães

Afonso Lopes Vieira: entre o decadentismo e a Renascença Portuguesa O poeta foi contemporâneo de Fernando Pessoa, nasceu na cidade portuguesa de Leiria, em 1878, falecendo em 1946. A sua vida repartiu-se por três localidades: Lisboa, local para onde foi viver com a família e onde passava frequentemente o inverno; São Pedro de Moel, aldeia costeira do concelho da Marinha Grande, situado a cerca de 120 km norte de Lisboa; e Coimbra, onde se formou em direito na sua famosa universidade. A casa-museu localiza-se em São Pedro de Moel, tendo constituído o local de habitação predileto do poeta durante o verão. Como refere Cristina Nobre (2010) na Casa: “sobretudo na varanda, Lopes Vieira sonhou, ideou, escreveu, corrigiu, voltou a escrever, discutiu com os amigos, leu pela primeira vez os seus poemas recém-orquestrados ao hóspede ocasional, planeou novas acções culturais, entusiasmou-se com tertúlias, esqueceu-se de si, vislumbrou ilhas utópicas dos seus sonhos de portugalidade” (Nobre 6). O quadro literário português de finais do século XIX, tempo de juventude do poeta Afonso Lopes Vieira, inspirava-se no movimento intelectual designado decadentismo. Esta corrente de pensamento foi levada à sua máxima expressão por Charles Boudelaire, tendo ainda como ilustres representantes Théophile Goutier, Joris Karl Huysmans e Oscar Wilde. Rafael

Santana

Gomes,

em

Ressonâncias

decadentistas

no

modernismo

português,evidencia a originalidade do decadentismo na convicção,muito avançada para a época, da fragmentação identitária do eu e da defesa do valor da arte per si: “rompendo com a conceção burguesa de um fazer artístico obrigatoriamente voltado para o social”. A preocupação máxima da estética finissecular que caracteriza a literatura decadentista residia University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 4 Primavera 2012 Magalhães na: “produção de obras extremamente refinadas, porque somente essas seriam capazes de dar algum sentido à vida” (Gomes 3). Afonso Lopes Vieira começa por escrever sob a influência do decadentismo, sendo no entanto original na forma como vai beber à tradição lírica e cultural portuguesa (Oliveira). Citando Seabra Pereira, Marco António Oliveira refere que Lopes Vieira começa por: “prolongar facetas do Decadentismo na versão menos contaminada pelos influxos exteriores das letras franco-belgas, exprime crescentemente a germinação da vertente neogarrettiana do neo-romantismo lusitanista em dissidência complementar do Decadentismo e, de ambos os modos, oferece, (…) um dos melhores documentos da correlação da poesia epocal com as condições culturais e sócio-políticas do nosso agónico fim de século” (Oliveira 42). Cristina Nobre, uma das principais investigadoras da obra de Afonso Lopes Vieira, sintetiza o posicionamento do poeta num período: Caracterizado por uma amálgama de diversos fazeres poéticos e culturais que ora parecem degaldiar-se, ora se revelam ramos de uma mesma procura: a da eterna poesia nova. Assim se compreende a utilidade do conceito de esteticismo finissecular, capaz de abranger as características decadentistas e simbolistas, pondo em destaque a estética neste período de transição em que a poética de Afonso Lopes Vieira se posiciona (Nobre, 2).

Em 2005, a investigadora havia já referido que Afonso Lopes Vieira é visto como o: “paladino de uma atitude humana que equipara os valores morais aos valores estéticos, numa confusão deliberada entre vida e literatura, um pouco a da figura do poeta inspirado que a estética romântica delineou com êxito e o fim de século consagrou ainda em algumas figuras como as de Oscar Wilde e os estetas da arte pela arte” (Nobre 38). O poeta nasceu e viveu numa época e num país que experimentavam grandes desafios nos campos social e cultural. O ultimato inglês de 1890, em que o império britânico exigia a retirada imediata das forças militares portuguesas estacionadas entre os territórios de Angola University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 5 Primavera 2012 Magalhães e de Moçambique, sob pena de uma declaração de guerra, despoletou reacções de índole nacional, movimentando toda a sociedade portuguesa, desde os meios intelectuais aos populares. Outros fatores como as crises económicas, políticas e sociais que assolavam Portugal em finais do século XIX e inícios do século XX, constituíram agentes que configuraram um quadro de forte dinâmica intelectual, pugnando-se o patriotismo, a apreciação dos valores nacionais e a educação democrática como bases para Portugal ultrapassar o atavismo reinante (Ribeiro). Esta dinâmica foi transversal às artes com a pintura de José Malhôa, ou as caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro que procuravam retratar as paisagens de um Portugal finissecular em decadência, onde a pobreza e a emigração caracterizavam a vida social (Magalhães). Também a literatura constituiu um terreno profícuo à crítica do estado em que se encontrava o país. Perante este panorama, Afonso Lopes Vieira soube retratar Portugal, a sua sociedade e a cultura sem se manter exclusivamente inspirado nas correntes saudosistas que, sonhando com o regresso do

passado grandioso, defendiam um lusitanismo puro e uma raça

portuguesa virada para dentro. Estas discussões no seio da elite literária portuguesa da cidade do Porto, viriam a caracterizar as primeiras reflexões que conduziram à inauguração do movimento cultural Renascença Portuguesa, em 1911. Citando Marco Oliveira, pode referir-se que as:“primícias simbolistas decadentes de Lopes Vieira, […] irão confluir, nos alvores do século XX, num projeto de “reescrita de Portugal”, de matriz lusitanista, através do qual se pretende reatar a tradição cultural genuinamente portuguesa”(Oliveira 42). Cristina Nobre, observou no posicionamento de Afonso Lopes Vieira uma vertente combativa do poeta: “contra uma eventual descaracterização da tradição e da literatura portuguesas, que o escritor considerava existir nas primeiras décadas do século XX, em Portugal (Nobre 144). University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 6 Primavera 2012 Magalhães O poeta assume-se como a voz do povo: “procurando no mais fundo de si as raízes de uma cultura popular, emprestando a sua voz até que se dilua no seio de uma voz colectiva, popular e patriótica” (Nobre, 42). Acrescenta a investigadora que, fazendo parte de toda uma geração: “nacionalista, neogarretista ou saudosista, [Afonso Lopes Vieira] vai procurar ancorar a sua produção literária a um passado venerado como repertório indispensável para que o presente e o futuro ganhem sentido, encontrando na figura do Poeta o sublime instrumento dessa reescrita”(Nobre 144). O nacionalismo, o neogarrettismo e o saudosismo, quadros intelectuais que marcaram a juventude de Lopes Vieira encontram-se associados. São três faces de um movimento que confluiu, de um ponto de vista antropológico, no processo literário de nacionalização do povo português. O maior mentor do neogarretismo foi Alberto de Oliveira que: “com a sua exaltação inflamada dos valores e símbolos nacionais, não podia deixar de reconhecer no esteio sebastianista1um poderoso argumento nacionalista” (Oliveira 45). Os principais defensores do neogarretismo inspiram-se no: “apelo de Garret a uma revolução literária […] pretensamente alcançada através de uma presença autêntica, nunca perdida nem desnacionalizada, a das “nossas primitivas fontes poéticas, os romances em verso e as legendas em prosa, as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e as superstições antigas” (Nobre 275). Por seu lado, o saudosismo, proposto por Teixeira de Pascoaes nas primeiras reuniões que acabaram por originar o movimento Renascença Portuguesa: “procede ao aprofundamento místico, metafísico e gnoseológico do conceito de saudade, convertendo-o em pedra angular da sua teoria da História e do seu ideário estético e em mito conformador do inconsciente colectivo” (Oliveira 46). O saudosismo era para Teixeira de Pascoaes: “o

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Sin Frontera: Sin-ismos 7 Primavera 2012 Magalhães culto da alma pátrea ou da saudade erigida em Pessoa, divina e orientadora da nossa actividade literária, artística, religiosa, filosófica e mesmo social” (Pascoaes 134). Afonso Lopes Vieira era um homem cosmopolita, viajou por países como Espanha, França, Itália, Bélgica, norte de África e Brasil. Defendendo a voz do povo, elemento essencial dos nacionalismos, o poeta, nacionalista e patriota, fora influenciado pelas viagens que efectuou. A sua colaboração no movimento Renascença Portuguesa, assim como os ideais por si comungados, defendendo a voz do povo e estando sempre ao lado do povo, confluem na defesa dos valores da pátria e da nação. A originalidade de Afonso Lopes Vieira manifesta-se na preocupação do poeta em afirmar o lugar de Portugal na Europa através da defesa incondicional de um programa literário e cívico de reanimação da portugalidade (Oliveira 42). Por outro lado, nas suas viagens, Lopes Vieira terá comungado de outros movimentos intelectuais internacionais, seus contemporâneos, que pugnavam pela defesa das particularidades regionais e nacionais. Tanto na Europa como na América, várias correntes de pensamento dos campos literário, artístico, etnográfico e outros, defenderam o regresso á terra bem como às origens em contraposição á massificação, á excessiva industrialização e ao cansaço provocados pela sociedade moderna, na primeira metade do século XIX (Leal; Magalhães). A literatura, tal como outros campos do saber que defendem a arte popular enquanto expressão mais genuína da região ou da nação, advoga o povo e o seu saber como o elemento básico das comunidades do início do século XX (Torgal 1088). Citando Orvar Löfgren, o antropólogo João Leal defende que: a importância atribuída à arte popular não é especificamente portuguesa e nada tem de provinciano: em toda a Europa, no mesmo período, era esse o espírito do tempo; à direita e à esquerda. As artes populares eram vistas – a par de elementos mais prosaicos como a bandeira e o hino ou de elementos mais sofisticados como mitos de origem ou ideias de um passado University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 8 Primavera 2012 Magalhães comum – como um dos aspectos fundamentais do kit “faça você mesmo” que, segundo Orvar Lofgren (1989) é requerido pelas identidades nacionais modernas.(Leal, 473)

Como veremos, este estado de espírito influenciou também Afonso Lopes Vieira, que não só escreveu Portugal, como usou objetos tradicionais portugueses na decoração das suas habitações. Em particular, na sua amada residência de São Pedro de Moel, é ainda hoje possível observar um espólio pontuado pela mais refinada arte popular nacional. É neste contexto que surge o Movimento cultural Renascença Portuguesa, ao qual Afonso Lopes Vieira esteve ligado. As primeiras reuniões que estiveram na origem deste movimento tiveram em Teixeira de Pascoaes e Raul Proença, dois dos seus principais arautos, e realizaram-se no Porto. De acordo com Américo Monteiro (1997) estes encontros inspiravam-se num determinado saudosismo, defendendo o lusitanismo puro e ausente de contaminações estrangeiras, em que se evocava em termos laudatórios a raça portuguesa. Numa segunda fase, as reuniões realizam-se em Lisboa, tendo como um dos seus mentores António Sérgio. Esta reunião representa uma certa mudança de perspectiva. Não deixando de defender o progresso moral da nação e os valores nacionalistas, pretendia-se que o movimento constituísse uma plataforma de intervenção cívica, inserindo Portugal na modernidade do mundo ocidental, de modo a acompanhá-lo na dinâmica económica, social e cultural (Monteiro 1997). Neste sentido, António Sérgio referiu que: (...) fundámos a Renascença na convicção, mais ou menos consciente, de que a Pátria demanda uma revolução construtiva; e de que a maneira mais eficaz de a tentar não são os processos vulgares da política, mas sim uma larga acção educadora, exercida pela fundação e manutenção de jardins-escolas e escolas-oficinas, universidades populares, revistas, conferências, discussões (…). Nessa irmandade espiritual que se propõe acordar um povo pela acção moral e educativa, contam-se actualmente homens de todas as classes sociais, e não só portugueses, mas brasileiros também. (Sérgio 21) University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

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Estavam lançadas as bases para a fundação do Movimento Renascença Portuguesa. Nasce em 1911 na cidade do Porto, e possui como face mais visível a publicação A Águia, seu órgão divulgador e emblemático. Este movimento irá marcar “o panorama cultural e literário português, balizado entre a implementação da República e o decénio de 30, com o encerramento da primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto” (Samuel). O impacto deste movimento e da sua revista na sociedade da época foi elevado, constituindo marcos decisivos nesse processo literário de nacionalização do povo português. Como refere Luís Reis Torgal : A revista Águia, do movimento da Renascença Portugesa, é veladora dessa tendência para a formação de uma cultura nacional e por ela passam nomes como Leonardo Coimbra, filósofo saudosista que se ligou à República, com a qual se viria a incompatibilizar no seu final, Jaime Cortesão, republicano que se tornará um intelectual da oposição ao regime que em 19321933 será fundado por Salazar e se intitulará “Estado Novo”, como nomes de tradicionalistas monárquicos, dos quais Afonso Lopes Vieira é um caso exemplar. Mas, entretanto já se formara uma plêiade de intelectuais de sentido regionalista e nacionalista, como, para além do citado Afonso Lopes Vieira, Augusto Gil, António Correia de Oliveira e Raul Lino […]. (Torgal 1088) Em resumo, Afonso Lopes Vieira fez parte de um grupo de intelectuais que, atentos às dificuldades experimentadas por Portugal na transição do século XIX para o século XX, utilizaram a pena e o papel para responder positivamente à crise vigente no país do seu tempo. Mais do que a escrita fechada em si, e ainda que o decadentismo marcante das primeiras fazes da vida literária do poeta defendesse a arte desligada do social, é bem visível não só na escrita como na atividade cultural e intelectual desempenhada pelos escritores da primeira metade do século XX, uma preocupação assinalável com os problemas atravessados pela nação portuguesa bem como na busca de uma resposta a essas questões. A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira ou a imortalização do poeta e da sua obra University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 10 Primavera 2012 Magalhães Cem anos passaram e a memória de tantos daqueles que construíram e afirmaram Portugal enquanto nação, permanece viva nos objetos que com eles conviveram e cuja matéria lhes proporcionou um período mais longo de vida. É neste contexto que nascem as casas-museu. Tal como os poetas de outrora e suas obras, as casas-museu têm servido de elementos identificativos e agregadores do grupo. Uma pesquisa efetuada por Linda Young sobre casasmuseu no Reino Unido, EUA e Austrália, levou-a a concluir que a musealização de casas de escritores obedece a agendas nacionais. De acordo com a investigadora, nas casas-museu: “(…) the values and myths of nation-states (and their microcosms of town or locality) are exhibited, and often exemplified in the personae of culture heroes” (Young 27). O referido processo de constituição das comunidades nacionais, a produção dos seus quadros referenciais de memória, assim como o procedimento de seleção e de classificação dos objectos a partir dos quais se fabricou a mentalidade nacional, teve por base discursos e ações desenvolvidas por líderes que assumiram os destinos do grupo, e cuja legitimidade reclamaram na academia, na democracia ou, ainda, na economia, entre outros (Bourdieu; Magalhães). As casas-museu de escritores, memorizando líderes comunitários, constituem um dos dispositivos de construção e de difusão da memória nacional. Como refere Linda Young (2011): (…) a house museum visit can well be understood as a ritual that reinforces national identity. It doesn’t demand uniformity of belief, but nonetheless produces a sense of community. Literature is especially powerful in expressing the idea of a shared national culture, thanks to the primacy of language as a national indicator. Furthermore, its products and its creators are widely, if vaguely, known by most speakers. (Young 27)

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Sin Frontera: Sin-ismos 11 Primavera 2012 Magalhães São Pedro de Moel, a Marinha Grande, a região de Leiria e Portugal, cujas glórias e grandezas tomaram corpo na vida e obra de Afonso Lopes Vieira, «podem olhar em frente com confiança e auto-estima» graças às raízes comunitárias lançadas pela poesia de Afonso Lopes Vieira. A Casa-Museu de São Pedro de Moel reúne a memória do poeta, os seus livros e toda uma panóplia de objetos que assumem a função de documento por deter implicitamente em seu formato e em seu objetivo de função prática, informações cruciais (tipo de técnica, de material, de época, o estilo, o contexto histórico, o valor material) (Ribeiro 2). O objeto -- documento presente na Casa-Museu Afonso Lopes Vieira relaciona--se metonimicamente com o autor. Foi parte dele, mas o percurso do tempo e consequente musealização da casa, conferiu interpretações simbólicas aos seus objetos, que resultam de um conjunto de visões que desde meados do século XX convergem no estudo, na divulgação e na conservação das relíquias do poeta (Magalhães). Assim, objetos de uso quotidiano transformaram-se em marcas da comunidade. Citando Cristina Nobre : Afonso Lopes Vieira encontrou na casa o instrumento criativo mais longevo e duradouro para fazer permanecer as suas idealizações artísticas. Em articulação com as várias fases da sua obra literária e em aproximação com os seus programas de acção cultural criativa, foi colando à casa, como poemas na pedra, sinais inequívocos das suas opções estéticas, marcando assim o sucesso de algumas obras ou assinalando os motivos da sua predilecção. A sua sensibilidade leva-o a rodear-se e a servir-se de todos os materiais que fossem portugueses, numa simbiose entre a «poiesis» e o seu entusiasmo com a decoração do lar. Assim, há todo um culto do artesanato português a par do aproveitamento de materiais da natureza envolvente, na decoração do interior da Casa, desde os ferros de Coimbra e as cerâmicas de Caldas da Rainha, até às chitas de Alcobaça e às flores, conchas e búzios da praia, destroços trazidos pelo mar, objectos transformados pela natureza em arte numa metamorfose sem fim […]. (DG 1922)(…) (Nobre 5).

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Sin Frontera: Sin-ismos 12 Primavera 2012 Magalhães O desígnio de transformar a antiga habitação de Afonso Lopes Vieira, espaço privado, em museu, espaço público, apesar de não ter sido um projeto pessoal do poeta, segue a mesma linha de pensamento que esteve na mente daqueles que foram pioneiros na abertura de casas de escritores ao público, em inícios do século XX. É por volta de 1919 que: “private societies, municipal government, and tour book writers had identified for the public and preserved as memorials the homes of writers, artists, statesmen, and scientists, their publications mapped London through literary and historic associations – including associations with events in fiction” (Zemgulys 57). Estes factos configuraram uma agregação e disposição dos objetos pela casa que pretendem ilustrar não só a sua visão cosmológica da comunidade, como o desejo de manter essa visão por parte de todos aqueles que no presente afirmam a comunidade. A doação da casa à câmara municipal da Marinha Grande: “(...) por vontade testamentária do proprietário (doação por sua morte ou morte da esposa) para nela ser instalada um Colónia Balnear infantil (…)” (Nobre 6) constituiu um primeiro passo na preservação do local. Por outro lado, a musealização de parte da habitação atribui um sentido ao conjunto da casa que passou a responder como património de todos os marinhenses e portugueses. Tal como a Casa-Museu de Gilberto Freyre, o conjunto arquitetónico outrora habitado por Afonso Lopes Vieira: “(...) além de ser o «ninho» de um escritor de renome, é um elemento sólido da nossa identidade cultural” (Ribeiro). A Casa-Museu Afonso Lopes Vieira: lugar de memória Pierre Nora (1986) e Mona Ozouf (1986) demonstraram a importância que o culto aos heróis fundadores e aos grandes homens desempenharam nos discursos que estiveram na origem da fundação de diversos tipos de comunidades modernas. A figura do grande homem e/ou do herói possui imagens sociais que os aproximam quer dos seres humanos, quer dos University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 13 Primavera 2012 Magalhães divinos. Os grandes homens são seres mortais, terrestres, incluindo-se nesta categoria figuras do Estado-Nação, escritores, pintores, cientistas, poetas e gente comum como pais de família exemplares. De acordo com os cânones da Revolução Francesa, os grandes homens destacaram-se das massas pelo contributo positivo que deram num campo da vida social. Os heróis constituem personagens posicionadas num campo de contacto entre o mundo dos homens e o dos Deuses. Fazem parte dos heróis, os santos, os reis, os guerreiros e as rainhas. Os heróis estabelecem a ponte entre o mundo visível e o invisível, reclamando a legitimidade em Deus para exercerem o poder político sobre os seus reinos (Bourdieu; Pomian; Kantorowicz 37), no caso dos reis, ou religioso, no caso dos santos (Ozouf). Como declarou Jaime I, rei inglês de inícios do século XVII: “Os Reis são com razão chamados Deuses, porque exercem sobre a terra um poder semelhante ao Poder Divino” (Kantorowicz). Na categoria dos grandes homens incluem-se personalidades portuguesas que se destacaram pela sua obra em prol da nação. Em São Pedro de Moel, Marinha Grande Portugal, a figura dos heróis fundadores conjuga-se em harmonia com a dos grandes homens: se o rei D. Dinis plantou o Pinhal de Leiria, Afonso Lopes Vieira transformou-o num ícone da sua região e da nação, ao declamá-lo nos seus versos. O pinhal é para Lopes Vieira a: Catedral verde e sussurante, aonde a luz se ameiga e esconde e onde ecoando a cantar se alonga e se prolonga a voz do mar, ditoso Lavrador que a seu contento por suas mãos semeou este jardim; ditoso o poeta que lançou ao vento esta canção sem fim… Ai flores, ai flores do Pinhal florido, que vedes no mar? Ai flores, ai flores do Pinhal florido Rei Dom Dinis, bom poeta e mau marido Lá vêm as velidas a bailar […]. (Vieira 75-76) University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 14 Primavera 2012 Magalhães

Afonso Lopes Vieira faz parte da categoria dos grandes homens portugueses. Pela obra desenvolvida foi imortalizado na transformação da sua casa à beira-mar plantada em museu. A casa-museu é um lugar literário e um lugar de memória. O mar e o pinhal, cantados por Afonso Lopes Vieira constituem alguns dos principais símbolos identificativos de Portugal e da sua região da Estremadura. O simbolismo que esses elementos alcançaram no repertório nacional materializou-se na sua apropriação nos discursos subjacentes á construção da comunidade nacional e às suas relações com as regiões que a compõem. A atribuição da acção heróica a Afonso Lopes Vieira encontra-se ligada à importância do pinhal na epopeia dos descobrimentos, metamorfoseando-o num grande poeta nacional. Nos séculos XV e XVI saiu do pinhal muita da madeira que serviu para construir as embarcações das descobertas. Foi com a madeira do Pinhal que se construíram as nossas caravelas, os mastros das nossas naus. Foi o solo da Marinha Grande, os seus areais dourados, que forneceram a seiva que alimentou esses gigantescos pinheiros, matéria-prima base da nossa frota dos Descobrimentos e Conquistas e de grande parte da obra do nosso escritor (Cardoso 46). No Guia de Portugal, Afonso Lopes Vieira caracteriza o Pinhal de Leiria como o: “mais vasto maciço vegetal do País (…). Decerto anterior a D. Dinis, que teria regularizado e intensificado as sementeiras, o pinhal de Leiria é também um padrão da história, intimamente ligado ao ciclo dos Descobrimentos nacionais, como havendo fornecido a madeira dos navios” (Vieira 648).

Ai flores, ai flores do Pinhal louvado, que vedes no mar? Ai flores, ai flores do Pinhal louvado, são as caravelas, teu corpo cortado, é lo verde pino no mar a boiar. University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 15 Primavera 2012 Magalhães Pinhal de heróicas árvores tão belas, foi do teu corpo e da tua alma também que nasceram as nossas caravelas ansiosas de todo o Além; foste tu que lhes deste a tua carne em flor e sobre os mares andaste navegando, rodeando a Terra e olhando os novos astros, oh gótico Pinhal navegador, em naus erguida levando tua alma em flor na ponta alta dos mastros!... […]. (Vieira 75-76) A inauguração da Casa-Museu Afonso Lopes Vieira, inserindo-se num tempo em que este tipo de estruturas se transformou num meio de imortalização de heróis e de grandes homens (Ozouf), constitui o maior tributo ao poeta. A sua memória consubstancia-se na casa e nos objectos que dela fazem parte, tais como os azulejos, os livros, e todos os elementos da casa que renascem como recordações da vida do poeta. A região da Estremadura em Afonso Lopes Vieira As províncias constituíram até ao século XIX as únicas regiões em que Portugal se dividia. Tiveram um papel fundamental na literatura portuguesa enquanto palco privilegiado da obra de muitos dos nossos poetas. A partir de 1835/6 cedem lugar aos distritos, num processo centralizador da reorganização administrativa do território português. Apesar de tudo, as províncias fazem ainda hoje parte do imaginário dos portugueses, enquanto representações culturais. De acordo com José Leite de Vasconcelos [1858-1941], etnógrafo contemporâneo de Afonso Lopes Vieira, as províncias já existiam antes da fundação do país mas é a partir do século

XVI

que

adquirem

significado,

mais

geográfico

e

cultural

do

que

político/administrativo. Nessa altura existiam seis províncias: Entre-Douro-e-Minho ou Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Entre-Tejo-e-Odiana (Guadiana) ou Alentejo, e University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 16 Primavera 2012 Magalhães (reino do) Algarve (Vasconcelos 19). No século XIX, o Minho é separado do Douro e a Beira dividida em Beira Alta e Beira Baixa. Aristides Amorim Girão, à semelhança do escritor e poeta Afonso Lopes Vieira, defendeu a regionalização de Portugal, na década de 30 do século passado, como resposta ao excessivo centralismo de Lisboa. Influenciado pela escola francesa, o autor advogou o conceito de “região natural” em detrimento da “região política”, propondo a divisão do país em 13 regiões naturais, “mais ou menos coincidentes com a nossa tradicional divisão em províncias” (Girão, 29). As bacias hidrográficas deveriam servir como elementos de unificação geográfica. Amorim Girão influenciou a redefinição do mapa regional saído dos códigos administrativos de 1936, com a divisão do país em 11 autarquias provinciais. Criou em 1958, em simultâneo, uma série de estereótipos associados a cada uma das províncias, (Girão). As novas províncias estavam estruturadas em dois órgãos: Conselho Provincial e Junta de Província. Estes possuíam funções limitadas, nomeadamente competências de fomento, coordenação económica, cultura e assistência (Pestana). Em 1959 as províncias são extintas pelo Decreto-Lei nº 42536 de 28 de Setembro. As Câmaras, Juntas de Freguesia e Juntas Distritais passam a substituir as Juntas Provinciais. Afonso Lopes Vieira foi um dos maiores defensores da manutenção e afirmação da província da Estremadura, na qual se situa São Pedro de Moel. O autor não procurava reagir à recémnascida província da Beira Litoral, com a consequente repartição do distrito de Leiria, que fazia parte na sua totalidade da anterior província estremenha. A poesia de Afonso Lopes Vieira, versa diversos lugares da Estremadura, que fazem parte do imaginário nacional, tais como Alcobaça e a Batalha. O poeta foi acompanhado por outras personalidades na defesa da unidade distrital conferida pela inclusão do distrito de Leiria na Estremadura. Américo Pinto, University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 17 Primavera 2012 Magalhães Eduardo Monteiro, António Guerra, Marino Ferreira e Rafael Calado, desempenhando funções de relevo no distrito leiriense, fizeram uma exposição ao Governo do Estado Novo, manifestando a sua discordância com o projecto de regionalização começado a delinear em 1936: O Distrito de Leiria […] sente com profunda mágoa que a antiquíssima Província da Estremadura, a que sempre teve a honra de pertencer, venha a ser desmembrada e ingloriamente sacrificada pela nova organização administrativa. Esta notabilíssima província, cujo nome ainda tem gloriosamente ligado à nossa história, em todas as suas páginas mais brilhantes e memoráveis, que […] resume toda a sonorosa epopeia das nossas conquistas e que foi teatro de tantas acções heróicas para a independência e defesa da Pátria, tem todo o direito de existência, porque pelo seu nobre exemplo de amor e patriotismo […] é bem o coração de Portugal! Se pudesse manter-se una e indivisível seria a melhor forma de lhe respeitar os seus altos privilégios de nobreza e os sagrados direitos que tão brilhantemente soube conquistar. […] O Distrito de Leiria nunca foi Beira. Tomar e Vila Nova de Ourém, Mafra e Torres Vedras, Alcobaça e Batalha não ficam precisamente no Ribatejo. (Pinto et. al 3-4) Afonso Lopes Vieira produziu ícones regionais e nacionais por intermédio dos seus poemas, como se pode verificar na sua grande obras, Onde a Terra se acaba e o Mar Começa, publicada em 1940. Nela, o autor afirma-se explicitamente estremenho, reflectindo esse sentimento de pertença nos poemas que a compõem. A Estremadura é o lugar: (...) onde a terra se acaba e o mar começa (…) com o Verde pino que em glória floresça, mosteiros, castelos, tanta pátria ali há! (Vieira 23). A ideia da província tem-se mantido forte nas representações mentais das elites regionais. Este facto está relacionado com a forma como Portugal, enquanto nação, tem sido imaginado desde o século XIX. A organização do Guia de Portugal, por parte de Raul Proença, em 1927, evidencia-o. Inspira uma estruturação regional portuguesa materializada University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 18 Primavera 2012 Magalhães em províncias e influencia, tal como os poetas, os historiadores ou os etnógrafos de finais dos séculos XIX e XX, os pensadores da província da Estremadura. O Guia de Portugal constitui uma publicação em quatro volumes e vários tomos, classificado e organizado de acordo com a divisão provincial. A publicação foi coordenada por Raúl Proença e por Sant’Anna Dionísio, constituindo uma das mais completas e detalhadas descrições das paisagens e das gentes de Portugal. Entre os colaboradores da obra, contam-se nomes como Afonso Lopes Vieira, António Sérgio, Aquilino Ribeiro, Brito Camacho, Carlos Selvagem, Francisco Keil do Amaral, Hernâni Cidade, Jaime Cortesão, João Barreira, Joaquim Vieira Natividade, José de Figueiredo, Laranjo Coelho, Lyster Franco, Matos Sequeira, Orlando Ribeiro, Raul Brandão, Raul Lino, Raul Proença, Reinaldo dos Santos, Rodrigues Miguéis, Sant’Anna Dionísio, Sarmento de Beires, Silva Teles, Teixeira de Pascoaes, entre outros. A Lopes Vieira coube descrever o caminho que liga a Marinha Grande a São Pedro de Moel, entrecortado pelo famoso Pinhal de Leiria, ao qual o poeta dedica uma atenção particular: Saindo da Marinha Grande, pelo S. da vila, encontra-se a estrada florestal (constr. em 1881), sempre bem conservada, que conduz a S. Pedro de Muel. À entrada da mata vê-se um dos seus postos fiscais (Guarda Nova). Os carris são do Decauville do serviço de exploração. É neste trajecto que pode ter-se uma intensa visão do Pinhal de Leiria (…). (Vieira 648) No Guia de Portugal o distrito de Leiria surge integrado na Estremadura e os seus monumentos constituem objectos que servem para materializar a ideia dessa província. Nesta obra, a Estremadura está dividida em 3 sub-regiões: a Estremadura Transtagana, à qual é atribuída uma série de características particulares, é a: “região que abrange a parte sul do distrito de Lisboa, entre o Tejo e o Sado, […]. População de tipo e falar alentejano, University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 19 Primavera 2012 Magalhães arrastado”.2 A Alta Estremadura, compreendendo duas regiões distintas: 1.) uma região de transição mas de carácter ainda predominantemente estremenho que, por Tomar, Pombal e Ansião, se estende até à Ribeira de Alge, afluente do Zêzere. Integra os concelhos do centro norte do distrito de Leiria, assim como Tomar. 2.) Outra região já caracteristicamente beirense, agrupando Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pêra e Pedrógão Grande, estende-se desde a Ribeira de Alge, até às margens do Zêzere. Existe uma zona de transição entre estas duas da qual fazem parte Ferreira do Zêzere, Alvaiázere e Cinco Vilas. Por fim a sub-região da Estremadura Litoral, constituída pela nesga marginal da Estremadura, cobre a parte ocidental dos distritos de Lisboa e Leiria até as praias do oceano. Na Estremadura Litoral foram incluídos os concelhos do centro e sul do distrito de Leiria, numa surpreendente união entre o centro e oeste leirienses. Conclusões Com este artigo o meu objetivo era percorrer, à luz da poesia e da pena de um poeta em particular, Afonso Lopes Vieira, cem anos de nacionalização do povo português. Lopes Vieira faz parte da restrita galeria dos grandes homens que, detentores do dom da sabedoria, a souberam utilizar e colocar ao serviço do grupo, para com ela construir a comunidade nacional. O poeta foi, com toda a propriedade, observador crítico da sociedade e da cultura do seu tempo, mentor e colaborador ativo dos meios intelectuais portugueses que observavam e intervinham cirurgicamente no quadro sociocultural português da época. Utilizaram para isso a escrita, invenção maior das grandes civilizações. Por isso, a memória de Lopes Vieira permanece viva na casa onde viveu uma boa parte da sua vida. Localizada em São Pedro de Moel, concelho da Marinha grande, Portugal, e atualmente transformada em museu, a CasaMuseu Afonso Lopes Vieira é um elemento central da beleza intrínseca do povoado, comungando e testemunhando juntamente com ele, o mar e a obra do autor. A Casa-Museu é University of Florida Department of Spanish and Portuguese Studies

Sin Frontera: Sin-ismos 20 Primavera 2012 Magalhães o abrigo da obra-testemunho da vida do poeta. É por isso a memória viva do poeta e o coração de tantas comunidades que ali confluem. Testemunha a obra do autor, que contribuiu para a afirmação da comunidade local, mas também atesta o seu labor em prol da construção da nação e da sua reivindicação de um lugar no mundo. A visita à casa é um desígnio para quem deseje entender o significado da obra poética para os projetos de construção da nação, ao longo dos últimos 200 anos. A viagem à CasaMuseu de São Pedro de Moel enriquece-se de sentido para todos aqueles que ambicionem perceber a construção das regiões portuguesas, bem como da história nacional. A partir dela contempla-se a fronteira atlântica, o mar das descobertas, que permitiu a um país pequeno em território mas de uma alma infinita, dar novos mundos ao mundo.

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Sin Frontera: Sin-ismos 21 Primavera 2012 Magalhães

Notas 1

Sobre o mito sebastianista em Portugal, na obra de Fernando Pessoa, veja-se Sebastianismo

e Quinto Império, editado por Jorge Uribe e Pedro Sepúlveda pela editora Ática, Lisboa, em 2012. 2

Veja-se o volume do Guia de Portugal correspondente à Estremadura, Alentejo e Algarve.

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