AGAMBEN: Três Ensaios Urgentes para os Nossos Dias

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AGAMBEN: TRÊS ENSAIOS URGENTES PARA OS NOSSOS DIAS1

Davi Galhardo Oliveira Filho2

Os textos reunidos na obra de Giorgio Agamben cujo título é O que é o contemporâneo? e outros ensaios convergem em reflexões acerca do tempo, mas, são ainda fruto de uma tentativa revolucionária – vale ressaltar que em um sentido diferente daquele traçado pela tradição do termo, pois como observa o filósofo: ―as questões terminológicas são importantes na filosofia‖ (AGAMBEN. 2009, p. 27) – e que aponta para questões como: de que forma suplantar os mecanismos gestionais produtivos que capturam toda a humanidade e marcam com o estigma da catástrofe toda política atual? No sentido proposto, no primeiro ensaio O que é um dispositivo? encontramos Agamben buscando responder a tal questionamento a partir de uma reflexão de matriz Flacourtiana: ―A hipótese que pretendo propor-lhes é que a para lavra ―dispositivo‖ seja um termo técnico decisivo na estratégia do pensamento de foucault. (...) Embora nunca tenha elaborado uma definição, ele se aproxima de algo como uma definição numa entrevista de 1977‖ (Idem. p. 28) que pode ser resumida em três pontos: ―a. [Dispositivo] é um conjunto heterogêneo linguístico e não-linguístico, que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo título (...) b. O dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre numa relação de poder. c. Como tal, resulta do cruzamento de relações de poder e de relações de saber‖ (Ibidem. p. 29). Feito isto, o filósofo se ocupa de traçar a genealogia deste termo, chegando a Jean

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O presente texto foi elaborado para a disciplina de Filosofia da Cultura do Curso de Licenciatura Plena em Filosofia da Universidade Federal do Maranhão.

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Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID. E-mail: [email protected]

Hyppolite e consequentemente a G. W. F. Hegel e o seu termo ―positividade‖, com o qual este último pretende dar conta do elemento histórico no bojo de seu sistema, trata-se portanto de um termo aberto, e análogo aquele de Foucault. ―Deveria agora estar claro em que sentido propus como hipótese que o termo ―dispositivo‖ é um termo técnico essencial do pensamento de foucault (...) É um termo geral, que tem a mesma amplitude que, segundo Hyppolite, positividade tem para o jovem Hegel‖ e com isso, podemos observar onde se fundamenta a afirmação de Agamben de que: ―Os dispositivos são precisamente o que na estratégia foucaultiana toma o lugar dos universais‖ (Ibidem. p. 33). Agamben chama-nos a atenção para o fato do verbete dispositivo ser apresentado pelos dicionários franceses vulgares em sentidos diversos: a) um sentido jurídico estrito b) um significado tecnológico c) um significado militar. E assim, o filósofo conclui que ―todos os três significados estão, de algum modo, presentes no uso foucaultiano‖ (Ibidem. p. 34). Neste ponto é que Agabem pergunta-se sobre a origem do termo: ―(...) em qual estratégia de práxis ou de pensamento, em qual contexto histórico o termo moderno teve origem?‖ (Ibidem. p. 35). E dirige-se então para o terreno da história dos primórdios da Igreja, de onde extrai a tese de que ―(...)teólogos como Tertuliano, Hipólito, Irineu e muitos outros não encontraram melhor maneira do que se servirem do termo [grego] oikonomia‖ (Ibidem). p. 36) para justificar a gestão da trindade cristã. ―(...) a oikonomia torna-se assim o dispositivo mediante o qual o dogma trinitário e a ideia de um governo divino providencial do mundo foram introduzidos na fé cristã‖ (Ibidem. p. 37). Agamben pretende com isso demonstrar—em termos práticos—a importância deste termo para a cristandade. ―Pois bem: qual é a tradução deste fundamental termo grego nos escritos dos padres latinos? Dispositio‖ (Ibidem. p. 38). Claramente o termo inicialmente pensado em sentido Foucaultiano tem uma herança Teológica. Mas, ao propor o total abandono das pegadas de Foucault, o filósofo italiano desloca agora suas atenções acerca dos dispositivos para o seguinte contexto: ―(...) de um lado,

os seres viventes (...) e, de outro, os dispositivos em que estes são incessantemente capturados‖ (Ibidem. p. 40) entre estes dois, encontra-se o sujeito, o terceiro elemento desta relação. Ao desenfreado crescimento dos dispositivos na atualidade justapõem-se os processos de proliferação de subjetivação. Assim, ―não seria provavelmente errado definir a fase extrema do desenvolvimento capitalista que estamos vivendo como uma gigantesca acumulação e proliferação de dispositivos‖ (Ibidem. p. 42), cabe agora a pergunta: devemos procurar destruí-los ou bem utilizá-los? Neste ponto Agamben introduz uma categoria de sua autoria, mas que tem suas raízes no Direito e na Religião de Roma: profanação. ―A profanação é o contradispositivo que restitui ao uso comum aquilo que o sacrifício tinha separado e dividido‖ (Ibidem. p.45). E por isso assume um caráter de urgência rumo à luz do Ingovernável, que é o início, fim e meio de toda a política. No ensaio O que é o contemporâneo? As questões que dão partida na investigação são: de quem, e do que somos contemporâneos? E antes de tudo, o que significa ser contemporâneo? (Ibidem. p.57) o tempo onde foram realizados tais questionamentos são contemporâneos, e isto implica no fato de precisar sermos contemporâneos dos autores e textos abordados, segundo Agamben, que parte de uma primeira definição deixada por Nietzsche, que por sua vez entendia: ‖o contemporâneo é o intempestivo‖ (Ibidem. p. 58) assim, o filósofo italiano chega a seguinte consideração: ‖A contemporaneidade é, pois, uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, toma distância dele. Mais exatamente, é essa relação com o tempo que adere a este, por meio de uma defasagem e de um anacronismo." e continua afirmando que "Os que coincidem de um modo excessivamente absoluto com a época, que concordam perfeitamente com ela, não são contemporâneos, porque, justamente por essa razão, não conseguem vê-la, não podem manter seu olhar fixo nela." (Ibidem. p. 59). Mudando a rota de sua investigação, agora para o campo da poesia, o autor procura

examinar uma poesia de 1923, de Osip Mandelstam, chamada O século. Onde encontra não uma reflexão sobre o século, mas sim sobre o próprio poeta e sua época. Segundo o filósofo italiano, "O poeta, que devia pagar sua contemporaneidade com a vida, é quem deve manter o olhar fixo nos olhos de seu século-besta, soldar com seu sangue a coluna quebrada do tempo. O poeta – o contemporâneo – deve manter o olhar fixo em seu tempo." (Ibidem. p. 60). Diante disso, chegamos a questão de que uma imagem da contemporaneidade seria a das vértebras quebradas do seu século, que por sua vez é um empreendimento do indivíduo. Em suma: "O poeta – o contemporâneo – deve manter o olhar fixo em seu tempo." (Ibidem. p. 62) o que leva o autor a nos sugerir agora uma segunda definição sobre a contemporaneidade: "(…) contemporâneo é aquele que mantém o olhar fixo em seu tempo, para perceber não as suas luzes, mas sim o escuro."(Ibidem. Ibidem). Uma primeira evidencia deste tese, nos é fornecida a partir de uma neurofisiologia da visão. "Pode se chamar de contemporâneo só aquele que não se deixa cegar pelas luzes do século e que é capaz de distinguir nelas a parte da sombra, sua íntima obscuridade." (Ibidem. p. 63-64). Pelos motivos expostos é que Agamben acredita que os contemporâneos são raros. Um bom exemplo sobre a experiência do tempo, segundo o filósofo romano é a moda. O agora da moda é inapreensível, estar na moda é contraditório, por que esta é um eterno devir. "Ela pode, vale dizer, encontrar e, dessa maneira, reatualizar qualquer momento do passado (os anos 20, os anos 70, mas também a moda do império ou neoclássica). Pode, portanto, colocar em relação o que dividiu inexoravelmente, voltar a chamar, reevocar e revitalizar o que havia declarado como morto." (Ibidem. p. 67-68). Assim, ser contemporaneo implica poder voltar sempre que possível a um presente que jamais conhecemos. Isso nos leva a concluir que ser contemporâneo implica não apenas perceber o escuro do presente, apreender as luzes deste, mas também interpolar o tempo, poder transformá-lo e de relacioná-lo com os outros tempos, de ao estar inserido nele, poder fazer uma leitura da história, até então inédita.

Resta-nos agora analisar o ensaio cujo título é O amigo, que inicia com uma consideração eletrizante: "a amizade é tão intimamente ligada à própria definição da filosofia, que podemos dizer que sem ela a filosofia não seria realmente possível." (Ibidem. p. 79). Do ponto de vista do filósofo romano, quando um pensador moderno se põe a questão: o que é a filosofia? Não pode proceder, se não entre amigos. Por tais motivos é que Jacques Derrida, por um consciente mal-estar, escolheu como pano de fundo para um de seus livros um tema obscuro como este. De fato, o filósofo francês dedica-se a realizar uma crítica daquilo que entendeu como uma concepção falocêntrica da amizade que domina a tradição filosófica e política desde Aristóteles, quando este último escreveu na sua Ética a Nicômaco: o philoi, oudeis philos, ou seja, ó, amigos, não há amigos. Tal problema tem portanto uma origem de ordem Filológica. Diógenes Laércio em sua obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres não menciona a frase em questão, mas sim uma outra bastante parecida, os editores modernos fizeram a correção e adotaram-na, o que prevalece até os nossos dias. Uma simples visita a uma biblioteca foi suficiente para o que o filósofo romano pudesse constatar os fatos e comunicar a Derrida, que por sua vez ignorou totalmente tais fatos, procedendo de forma análoga a Nietzsche, que quando ainda era um jovem estudante de filologia, tinha começado um trabalho acerca das fontes de Diógenes Laércio, tal questão deveria certamente estar na ordem de suas investigações. "Mas a necessidade da amizade e, ao mesmo tempo, uma certa desconfiança em relação aos amigos era essencial à estratégia da filosofia nietzschiana. Daí o recurso à lição [que se tornou] tradicional, que já nos seus tempos não era mais corrente" (Ibidem. p. 82). É possível que tal fato se deva a necessidade que o termo amigo tem empreendido semanticamente, na história da filosofia. Ao contrário, o filósofo italiano crê que o amigo, pertença àquela classe de termos que os linguistas definem como não predicativos, em outros termos: a partir dos quais não é possível constituir uma classe de objetos, na qual inscrever os entes a que se atribui o predicado em questão. (Ibidem.

p. 83). A partir da obra de Aristóteles, o filósofo romano chega a constatação de que a amizade tem um estatuto ontológico, e simultaneamente político. O amigo é um outro si-mesmo, um héteros, em latim: um alter ego. Para Giorgio Agamben a amizade precisa de um comsentimento do puro fato de ser entre os viventes, é este partilhar sem objeto, esse comsentimento originário que engendra a política. Como a paralisia na política tornou-se o fundamento das democracias no último e extremo ponto de nossa evolução é a grande questão, que por hora manteremos em aberto.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinicius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009.

HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética. Vol. 1. Trad. Marco Aurélio Werle. 2. Ed. São Paulo: EdUSP, 2001.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Sampaio, São Paulo: Loyola, 1998.

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