Agenda 21: uma proposta de discussão para o construbusiness brasileiro

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ANTAC - Encontro Nacional e I Encontro Latino Americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis. Canela, 24 a 27 de abril de 2001

AGENDA 21: UMA PROPOSTA DE DISCUSSÃO PARA O CONSTRUBUSINESS BRASILEIRO Vanderley M. John, Eng. Civil, Dr. Professor Associado do Depto.de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP Tel.: +55 (11) 3818 5794; Fax.: +55 (11) 3818 5429; e-mail: [email protected].

Vanessa Gomes da Silva, Arquiteta, MSc. to.

Professora do Dep de Arquitetura e Construção e Coordenadora do Centro de Pesquisa em Construção e Meio Ambiente (C+E£) da Faculdade de Engenharia Civil da UNICAMP Av. Albert Einstein 951, Cid. Univ. Zeferino Vaz, Campinas - SP, cp. 6021, 13083-970 Tel.: +55 (19) 3788 2399; Fax: +55 (19) 3788 2411; e-mail: [email protected].

Vahan Agopyan, Eng. Civil, Dr. to.

Professor Titular do Dep de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP Tel.: +55 (11) 38185550; Fax.: +55 (11) 3818 5714; e-mail: [email protected]

RESUMO A Agenda 21 on Sustainable Construction publicada pelo CIB em 1999 detalha os conceitos, aspectos e desafios para a indústria da construção atingir um patamar mais sustentável. No entanto, esta discussão aplica-se essencialmente para os países desenvolvidos. As diferenças ambientais, econômicas e sócio-culturais destes com os países em desenvolvimento naturalmente delineiam outras prioridades, objetivos e desafios, que interferem na compreensão e na implementação de estratégias de desenvolvimento e construção sustentáveis. Esta é uma contribuição para a discussão de uma Agenda 21 adaptada ao macrocomplexo da indústria da construção civil (construbusiness) nacional. A importância econômica e os impactos ambientais associados ao construbusiness são descritos como base para a discussão da agenda ambiental proposta. Sintetiza-se aspectos fundamentais como melhoria da qualidade e durabilidade das construções; redução de resíduos de construção e aumento no uso de reciclados; uso racional de água e energia; melhoria da qualidade do ar interno; e habitação, infra-estrutura e serviços sanitários. Os principais condicionantes e elementos facilitadores que a realidade nacional apresenta para a implementação desta agenda ambiental são brevemente discutidos.

ABSTRACT CIB Agenda 21 on Sustainable Construction published in 1999 gave a detailed overview of the concepts, issues and challenges to attain sustainable development and sustainable construction. However, the major contributions for such discussion came from developed countries and therefore it is essentially applicable to their construction industries. In development countries, however, different economic, social and cultural realities delineate priorities, targets and challenges also different. Such issues impact significantly on the understanding and implementation of sustainable development and sustainable construction agenda. This paper is a contribution for this discussion and presents a proposal of an Agenda 21 adapted to Brazilian construbusiness. After the description of the economic importance and environmental impacts of construbusiness, the proposed environmental agenda is discussed. Aspects like improvement of construction quality and durability; reduction of construction wastage and increase of usage of recycled wastes as building materials; rational use of water and

energy; improvement of indoor air quality; and housing, infrastructure and sanitation issues are synthesised. The desirable institutional framework is outlined. PALAVRAS-CHAVE Construção civil, impactos ambientais; Agenda 21, construbusiness, desenvolvimento sustentável

INTRODUÇÃO Certamente a construção de uma sociedade realmente sustentável passa por uma radical transformação nos padrões de consumo e processos de produção. O conceito cultural de desenvolvimento, bem estar etc. deverão ser radicalmente transformado. Isto vai requerer soluções baseadas em outros paradigmas que não os que embasaram a sociedade industrial. Novas formas de morar, tecnologias de construção radicalmente novas, etc. serão necessárias e o seu desenvolvimento precisa ser iniciado já. No entanto, esta será tarefa para uma ou mais gerações e, neste interim, é necessário que a atual estrutura produtiva seja transformada gradualmente. Este artigo discute sustentabilidade da construção civil deste último ponto de vista. Construbusines é um termo criado pela indústria da construção brasileira para auxiliar a sua organização política. O conceito corresponde ao macrocomplexo da construção civil, que inclui a indústria de construção em si e todos os segmentos industriais indiretamente ligados a suas atividades, formando um dos setores de maior expressão em qualquer economia. Na União Européia, o chamado construbusiness responde por cerca de 11% do PIB. No Brasil, esta parcela é ligeiramente maior, estando acima de 14% (JOHN, 2000). Este dado – que flutua em funcão de aspectos sócio-econômicos - é provavelmente em países em desenvolvimento, ainda em construção e demandando por obras volumosas de infra-estrutura. Assim como o seu impacto econômico, o impacto ambiental do construbusiness é bastante expressivo e infelizmente não pode ser reduzido na mesma proporção dos avanços tecnológicos experimentados pelo setor. Os números variam de país a país mas, situando rapidamente o problema, a indústria da construção e seus produtos consome aproximadamente 40% da energia e dos recursos naturais e gera 40% dos resíduos produzidos por todo o conjunto de atividades humanas (SJÖSTRÖM, 2000), mas podem atingir até 75%, como no caso dos EUA (JOHN, 2000). A importância econômica e no consumo de matérias primas implica,necessáriamente em um maior impacto ambiental. A massa de resíduos gerados de construção e demolição é igual ou superior a massa de lixo urbano, com valores muito variáveis entre países mas com valores típicos em torno de 400 kg/hab.ano (JOHN, 2000), provavelmente mesmo em países como o Brasil (PINTO, 1999). Se somarmos os resíduos gerados na produção dos materiais este valor sobe significativamente. Cerca de 6% do CO2 gerado no Brasil é oriundo da descarbonatação do calcario durante a produção de cimento. A este valor é necessário somar a parcela devido a queima de combustíveis fósseis. A média mundial da geração pelo cimento é de 3% (JOHN, 2000), mas este valor é significativamente menor em países desenvolvidos. A operação de edifícios consome cerca de 18% do consumo total de energia do Brasil (WRI, 2001), mas cerca de 50% da energia elétrica e esta participação esta crescendo (LAMBERTS;WESTPHAL, 2000). Assim, o construbusiness é também um importante gerador de poluição, fica patente que não há desenvolvimento sustentável sem construção sustentável. Consequentemente, qualquer sociedade que procure atingir um desenvolvimento mais sustentável precisa necessariamente passar pelo estabelecimento de políticas ambientais específicas para a construção civil. Em 1999, o CIB publicou pioneiramente a Agenda 21 on Sustainable Construction (CIB,1999), recentemente traduzida para o português brasileiro pelo Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da USP. Este relatório detalha os conceitos, aspectos e desafios apresentados pelo chamado desenvolvimento sustentável para a construção civil. O papel da construção sustentável foi precisamente posicionado e, neste panorama, foram apontados alguns desafios para a indústria da construção. No entanto, a maior parte das contribuições para esta publicação veio de países desenvolvidos de forma que muitos dos aspectos, desafios e soluções delineados eram próprios apenas para países desenvolvidos. De certa forma, a visão do primeiro mundo domina a discussão de desenvolvimento sustentável a nível internacional.

No entanto, as diferenças em relação aos países em desenvolvimento transcendem os óbvios aspectos econômicos. O impacto ambiental de sociedades como a Brasileira é diferente porque a estrutura industrial e de consumo é diferente. O impacto ambiental dos paises em desenvolvimento é menor que o dos países industrializados em aspectos ambientalmente importantes como a geração per capita de CO 2 (Figura 1). A geração deste gás na América Latina e Caribe é 6 vezes inferior a dos EUA e Canada. Desenvolvimento sustentável também implica em equidade social e este item certamente é muito mais importante em países como o Brasil, marcados por concentração de renda. A construção de infraestrutura e habitações para a população é uma demanda social fundamental na Agenda 21 de qualquer pais em desenvolvimento. Em alguns aspectos a construção desta infraestrutura tem implicações ligadas a poluição: segundo o BID na America Latina apenas de 5 a 10% do esgoto é tratado (FOSTER, 1996) implicando em poluição das reservas aquáticas. Em paises desenvolvidos, este problema já foi erradicado a muitos anos. Na América Latina, por exemplo, estima-se que a 16 e 24% das rodovias estão para ser pavimentadas (CEPAL, 2000 e BANCO MUNDIAL, 2000). Em países em desenvolvimento boa parte das habitações são autoconstruídas, e deverão existir soluções específicas para que este tipo de construção seja mais sustentável. Como resultado, a realidade sócio-cultural é normalmente radicalmente diferente em países em desenvolvimento e as prioridades e objetivos e, consequentemente, o significado da Agenda 21 e sua de estratégias implementação deverão ser diferentes, inclusive para a construção.

CO2 (ton per capita)

6 5 Canada + EUA 4 Alemanha

3 2

Mundo 1 0 1950

A. Latina + Caribe 1960

1970

1980

1990

2000

Ano Figura 1 – Geração de CO2 per capita por diferentes regiões A conferência Sustainable Building 2000, realizada em outubro na Holanda, marcou também pelo início da integração de países em desenvolvimento a uma pesquisa de interesse global, mas até então exclusivamente conduzida por países desenvolvidos, movidos por uma pressão ambiental muito elevada. Um dos principais resultados da plenária de encerramento desta conferência foi conclamar um acompanhamento pró-ativo do International Council for Research and Innovation in Building and Construction (CIB) no sentido de estimular iniciativas e intervenções para a construção sustentável nos países em desenvolvimento. Cerca de um mês depois, no CIB Symposium on Construction and the Environment, realizado em São Paulo, o CIB Programme Committee anunciou oficialmente o apoio ao desenvolvimento de uma Agenda 21 para a construção sustentável nos países em desenvolvimento, cujos trabalhos já estão em andamento. Os objetivos deste documento podem ser sumarizados em: (a) identificar os desafios-chave em países em desenvolvimento; (b) identificar as maiores barreiras; (c) orientar investimentos internacionais em P&D em países em desenvolvimento; e (d) estimular discussão sobre construção sustentável nos países em desenvolvimento. PROPOSTA DE AGENDA 21 PARA A CONSTRUÇÃO BRASILEIRA A próxima seção é uma contribuição à discussão de uma agenda ambiental adaptada ao caso brasileiro, em que são consideradas as particularidades e demandas nacionais em termos econômicos, sociais e ambientais.

Este trabalho mantém a estrutura da Agenda 21 proposta pelo CIB, organizada em três grandes blocos: (1) gerenciamento e organização; (2) aspectos de edifícios e produtos de construção; e (3) consumo de recursos. Esta classificação não é absoluta, pois muitos itens aparecerecem em mais de um grupo e em outros items relevantes, como redução da poluiçãoe a agenda social. Qualidade ambiental de edifícios, processos e produtos de construção Em linhas gerais, este bloco inclui aspectos de: Qualidade do ar interno A qualidade do ar interno esta se tornando cada vez mais relevante especialmente devido a (1) tendência a aumentar a estanqueidade do envelope das edificações em favor conservação de energia, mas que restringe a renovação do ar e a eliminação de componentes volatilizados ao longo da ocupação do edifício; e (2) utilização de materiais e substâncias que causem prejuízo à saúde dos ocupantes, como asbestos, chumbo etc. Em 1998, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 3253 (28/08/1998), que exige procedimentos específicos para manutenção e higiene de sistemas de condicionamento artificial de grandes edifícios (TROTTA;PRADO, 2000). O aumento no uso de ar-condicionado em residências – que tende a continuar crescendo - relatado por LAMBERTS;WESTPHAL (2000) deverá atrair atenção para este campo em muito pouco tempo. De toda forma, a pesquisa nesta área no Brasil é incipiente. Avaliação ambiental de edifícios e de produtos para construção com base em seu ciclo de vida A Análise do Ciclo de Vida (ACV) é uma ferramenta fundamental para medir o impacto ambiental de medidas que visem reduzir a quantidade de recursos naturais incorporada à produção de bens e materiais; introdução de esquemas de certificação e rotulagem; identificação de oportunidades para reciclagem e redução de cargas ambientais nos processos. Uma das ferramentas mais importantes desenvolvidas para aumentar a qualidade ambiental (sustentabilidade) das atividades de construção são as metodologias de avaliação do desempenho ambiental de edifícios. As avaliações ambientais de edifícios procuram identificar os níveis de (1) utilização de recursos naturais; (2) geração de poluição e emissões; (3) qualidade do ambiente interno; (4) comprometimento ambiental dos agentes (projetistas, executores e empreendedores) e qualidade do monitoramento da operação do edifício; e (5) contexto de inserção (SILVA; JOHN; AGOPYAN, 2000). Ao ampliar o número – e o refinamento - de parâmetros considerados, estes métodos passaram a também contribuir para o próprio entendimento do conceito de qualidade ambiental de edifícios. A classificação de desempenho atrelada aos sistemas de certificação é, provavelmente, um dos métodos mais eficientes para elevar o nível de desempenho ambiental tanto do estoque construído quanto de novas edificações (NRC/CANMET, 1998). Os esquemas de avaliação ambiental podem sustentar a incorporação de requisitos globais de desempenho em normas de edificações, com resultados muito positivos na redução de impactos de novas construções. As auditorias ambientais, por outro lado, aplicam-se ao estoque construído e os resultados das avaliações podem ser explorados para identificar os componentes mais críticos no desempenho dos edifícios existentes e avaliar o impacto potencial das diferentes alternativas de renovação disponíveis. No longo prazo, os resultados destas avaliações certamente exercerão um impacto importante sobre a forma com que os edifícios são projetados e produzidos (SILVA, 2000). O Brasil formalizou em 2000 a sua integração ao projeto Green Building Challenge, um consórcio internacional não vinculado a qualquer esquema de certificação ambiental, reunido para desenvolver uma metodologia genérica de avaliação que comporte modificações para adaptar-se a necessidades locais. A estratégia para implementação de avaliação de desempenho ambiental de edifícios no Brasil centra-se na formação de uma rede nacional de pesquisa (Programa Nacional de Avaliação de Impactos Ambientais de Edifícios - BRAiE), congregando membros da academia, representantes governamentais e do setor produtivo. Inicialmente, os esforços serão concentrados em (1) identificação de itens da agenda ambiental regional/local que deverão sobrepor-se ao corpo genérico de parâmetros de avaliação; e (2) definição de um desempenho de referência para o estabelecimento de metas compatíveis com a realidade brasileira (SILVA;SILVA;JOHN;AGOPYAN; 2000).

Seleção de materiais ambientalmente saudáveis Itens como compostos orgânicos voláteis são importantes tanto na saúde dos ocupantes dos edifícios como dos trabalhadores. Algumas indústrias fornecedoras de materiais utilizam em seus processos materiais perigosos que poderiam ser substituídos. O banimento de produtos perigosos, como amianto e chumbo certamente devem fazer parte de uma agenda. Poluição em canteiro e indústrias Os canteiros de obras geram poeira e ruído e processos de construção limpa certamente serão necessários. As industrias fornecedoras como cimenteira, aço, cerâmica, produtores de concreto pre-misturado também possuem seus impactos ambientais específicos que precisam de programas adequados. Redução do consumo de recursos naturais Redução de desperdício e gestão de resíduos Números nacionais sobre desperdício na construção civil foram obtidos com a recente conclusão de um projeto colaborativo financiado pela FINEP, em que 17 universidades conduziram levantamentos em 80 obras de 52 empresas de construção (AGOPYAN et al., 1998). Foram mensurados, resíduos diretos (entulho) e indiretos, entendidos como aqueles desnecessariamente incorporados aos serviços. Invariavelmente, os valores medidos foram superiores às estimativas normalmente divulgadas pelas empresas e revelaram boas oportunidades de reduzir a parcela de resíduos pela alteação de procedimentos de projeto e gerenciamento. Reciclagem de RCD e aumento no uso de reciclados como materiais de construção A reciclagem eficiente de resíduos pode reduzir substancialmente o impacto ambiental das atividades de construção. A incorporação de reciclados na produção de materiais de construção ajuda a reduzir o consumo de recursos naturais; o volume de necessário de aterros; e pode resultar em materiais mais duráveis (JOHN;ZORDAN, 2000). No entanto, caso não seja desenvolvida de acordo com critérios técnicos adequados, ela pode apresenta riscos de contaminação ambiental e de saúde singificativos. Na verdade, alguns setores industriais brasileiros já incorporam regularmente teores consideráveis de reciclados em suas linhas de produção sem que os benefícios desta contribuição ambiental sejam adequadamente divulgados (JOHN et al., 2000). Os exemplos mais notáveis são a indústria cimenteira, em que quase a totalidade do cimento produzido é composto com escória de alto forno e cinza volante; e siderúrgica, que utiliza resíduos de aço (sucata) e fornos de arco elétrico para a produção de barras de aço para reforço de concreto, por exemplo. Com uma política de incentivo à P&D, esta postura pode ser adotada por outros segmentos industriais, com resultados ambientais extremamente positivos no curto e médio prazos. O maior desafio que se apresenta para a construção civil é certamente a organização e intensificação da reciclagem de RCD. Poucas cidades possuem esquemas de reciclagem, sempre controlados pelas prefeituras. Boa parte do RCD gerado segue para aterros ilegais e sem controle, que acabam consumindo verbas das administrações municipais para desobstruir as redes públicas e tentar evitar inundações em áreas urbanas (PINTO, 1999). É necessária a implementação de uma estratégia global de reciclagem planejada para incluir intervenções em dois momentos do processo de produção de edifícios. Primeiro, para aumentar a produtividade e controle da qualidade do projeto e da execução dos serviços, visando a minimização dos RCD aos níveis mínimos e inerentes às tarefas. Segundo, para aquela parcela inevitável de resíduos gerados, desenvolver e incluir esquemas de separação e coleta de RCD no planejamento dos canteiros, a serem complementados por metodologia de caracterização e posterior reintegração destes resíduos ao processo construtivo. Uso racional de água A incapacidade de fornecimento adequado de água já é percebida nas grandes cidades brasileiras. Os racionamentos tornaram-se freqüentes, causados por um conjunto de fatores que incluem concentração populacional, vazamentos na rede de distribuição e excessos de consumo devido a limitações tecnológicas e de educação dos usuários (JOHN et al., 2000).

Nesse campo, há dois programas em andamento no Brasil que merecem destaque: o Programa para Uso Racional de Água (PURA), implementado no estado de São Paulo; e o Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água (PNCDA). Estes dois programas desenvolvem campanhas educativas; atividades de medição e gerenciamento do uso de água em edifícios; e P&D de metodologias, tecnologias e equipamentos de baixo consumo, muitos deles já disponíveis no mercado para utilização imediata. Apesar do avanço considerável nos últimos anos e pela demonstração de eficiência funcional e econômica destes dispositivos, os níveis de utilização ainda são tímidos e resta uma série de outras tecnologias e equipamentos correntemente utilizados no exterior que ainda não estão disponíveis para uso no país. Uso racional de energia e aumento da eficiência energética do setor; demanda por tecnologias de conservação de energia; O Brasil foi apontado em uma pesquisa recente como um dos 13 países no mundo que não possuem regulamentações do desempenho energético de edificações (JANDA;BUSCH, 1994). Como resultado, mais e mais edifícios vão sendo construídos e utilizados de forma pouco racional e os problemas decorrentes das tentativas de melhoria de conforto diante de envelopes energeticamente ineficientes levam à utilização de equipamentos para condicionamento também pouco eficientes e que contribuem expressivamente para o consumo energético da edificação. LAMBERTS;WESTPHAL (2000) apontam uma série de pontos a serem contemplados por uma política séria de melhoria da eficiência energética do estoque construído e de novos edifícios. As únicas iniciativas nacionais de relevo são (1) o Programa de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL), que entre outras ações, instituiu um selo de conformidade de consumo de energia orientado a eletrodomésticos e sistemas de coleta de energia solar; e (2) a discussão da norma ABNT contendo princípios e recomendações sobre arquitetura bioclimática, visando minimizar as deficiências de projeto; (3) o programa de energia limpa do MCT, que esta promovendo o uso de energia solar para o aquecimento de água em habitações. Aumento da durabilidade e planejamento da manutenção Aumentar a vida útil do ambiente construído é certamente um dos principais desafios para aumentar a sustentabilidade da indústria da construção (SJÖSTRÖM, 2000). O conceito de vida útil compreende não apenas aumentar a durabilidade da construção em termos físicos, mas também a sua durabilidade funcional, que requer flexibilidade e capacidade de acompanhar a evolução das necessidades dos usuários. A última revisão da norma brasileira sobre projeto e execução de estruturas de concreto armado (NBR 6118) traz avanços importantes, mas, até o momento, a discussão sobre durabilidade ainda está restrita ao campo das estruturas. É imprescindível que esta linha de pensamento seja também estendida a outros aspectos da indústria de construção. A declaração da vida útil de componentes de construção é outra necessidade para permitir a avaliação do impacto ambiental de soluções técnicas e para permitir o planejamento da vida útil, que compreende o planejamento de atividades de manutenção já na etapa de projeto. Esta metodologia é apresentada na norma ISO 15686-1 (SJÖSTRÖM, 2000). O conhecimento da vida útil dos componentes é uma informação-chave também para aplicar a metodologia de custo global (life-cycle cost) na seleção das tecnologias mais competitivas em cada situação específica. A recente aprovação, no âmbito do Programa HABITARE, de um projeto para implantar uma rede de três estações de envelhecimento natural é certamente um bom início. A manutenção raramente é alvo da devida atenção durante o planejamento dos empreendimentos, sejam eles públicos ou privados. Algumas tecnologias de uso consolidado em nossa cultura construtiva exigem intervenções freqüentes e custosas e, apesar da disponibilização de manuais de usuários ser hoje uma prática usual, na maioria deles faltam informações detalhadas sobre manutenção. Melhoria da qualidade da construção Construção de má qualidade é desperdício de recursos. Assim, a melhoria da qualidade precisa ser integrar a Agenda 21 da Construção. No entanto, é conveniente que o conceito de qualidade seja ampliado para além dos aspectos técnicos, incorporando a dimensão humana. O PBQP-Habitat é certamente um modelo consolidado no Brasil e precisa ser incentivado e aperfeiçoado.

Gerenciamento e organização de processos Para a viabilização dos itens ambientais da Agenda 21 para a Construção Civil, será necessária uma radical transformação organizacional/gerencial no setor. Alguns aspectos a serem considerados sob este ponto de vista são: S

Definição de padrões e melhoria da qualidade ambiental das construções – projeto, processo e produto;

S

Processo de projeto - intensificação do caráter multidisciplinar do projeto, que deve ser necessariamente integrado para aumentar a eficiência global do processo; importância de adoção de princípios de projeto ambientalmente responsável; ênfase na formação profissional;

S

Re-engenharia do processo construtivo, com maior coordenação e integração entre parceiros, atualização e desenvolvimento de novos conceitos em decorrência da penetração de novas tecnologias; melhor gerenciamento do processo construtivo através da implementação de gerenciamento da qualidade total; identificação e fortalecimento de oportunidades de reciclagem de resíduos de construção e demolição (RCD)/emprego de reciclados na construção etc;

S

Capacitação de recursos humanos e melhoria da segurança no ambiente de trabalho;

S

Desenvolvimento de normalização orientada à qualidade ambiental de edifícios e produtos para construção;

S

Educação/informação e conscientização pública.

Os aspectos de organização e gerenciamento do setor assumem proporção crítica devido à complexidade resultante do grande número de agentes envolvidos nas atividades da indústria da construção, desde o planejamento e projeto até a operação e a eventual demolição do edifício ao final do ciclo de vida. Acrescentar a dimensão ambiental à etapa de projeto requer a integração entre as diversas disciplinas envolvidas e o desenvolvimento de ferramentas avançadas de suporte à tomada de decisões, visando sempre a otimização e a retroalimentação do processo. É oportuno lembrar que não há uma ação ambiental possível sem um programda sistêmico e consolidado de qualidade, pois problemas de execução são, em última análise, uma forma cara de desperdiçar recursos. A implementação de Programas Setoriais da Qualidade (PSQ), iniciada nos anos 90 por alguns setores industriais, e os esforços para melhoria da qualidade ora conduzidos pelo construbusiness estão no caminho certo e devem ser intensificados. A adoção de um sistema eficiente de normalização sustenta o desenvolvimento de um sistema de gerenciamento ambiental consistente. Se a carência de normalização de desempenho funcional de edificações é amplamente reconhecida, regulamentações orientadas ao desempenho ambiental estão desatualizadas, como as de projeto de ar-condicionado e iluminação, estão desatualizadas ou são virtualmente inexistentes. Os edifícios projetados e construídos sem este balizamento acabam tornando-se responsáveis por cerca de 50% da energia elétrica consumida no país (MME, 1999). A experiência internacional demonstra que o desenvolvimento de regulamentações - mandatórias ou voluntárias - de eficiência energética de edificações, esquemas de certificação/incentivo e rotulagem ambiental têm papel fundamental no salto de desempenho ambiental do estoque construído e de novas edificações. Analogamente, o estabelecimento de referências de desempenho ambiental global de edifícios acrescenta outras considerações ambientais além da eficiência energética. Agenda social: Deficit habitacional, de infraestrutura e serviços sanitários Afora o plano ambiental, o princípio do desenvolvimento sustentável apoia-se na igualdade econômica e social. A transposição deste conceito para o campo da construção sustentável inclui, portanto, a melhoria de qualidade de vida para toda a população. O Brasil tem ainda um grande caminho a percorrer para superar seus problemas de habitação, infratestrutura e serviços sanitários. Particularmente nas grandes cidades, o sistema de transporte público é ineficiente e encoraja a utilização de automóveis; deficiências em coleta e tratamento de esgoto resultam na contaminação de cursos d’água; boa parte das ruas não é pavimentada e parcela crescente da população urbana vive em favelas, não raro em áreas de proteção ambiental.

O cumprimento de metas sociais depende em grande medida de vontade política, mas também de uma maior aproximação do setor de construção aos agentes sociais interessados. Esta busca de soluções inovadoras introduz problemas técnicos relacionados ao desenvolvimento de alternativas tecnológicas que aliem baixo custo a baixo impacto ambiental. NECESSIDADE DA INTERAÇÃO INSTITUCIONAL Diversas companhias e associações industriais já possuem agendas ambientais próprias e apresentam produtos environmental friendly em seus catálogos disponíveis para utilização imediata no país. É importante observar que, como o impacto ambiental de uma construção é função do impacto ambiental de cada um de seus componentes, o efeito de qualquer medida ambiental de um determinado agente é multiplicada quando a sua ação é coordenada com ações de outros agentes. O estabelecimento de redes de trabalho sinérgicas, a partir de interesses ambientais e econômicos comuns, torna-se, portanto, uma estratégia das mais eficientes para, entre outros: S

Transferência de conhecimento para profissionais do mercado da construção que, de outra maneira, permaneceria retido nas esferas acadêmica e industrial. Engenheiros e arquitetos têm papel fundamental na seleção e adoção de tecnologias, materiais e produtos menos agressivos ao meio ambiente (SILVA; JOHN; AGOPYAN, 2000). Sendo capazes de atraí-los e envolvê-los, estas redes podem também estimular a penetração destas tecnologias e produtos no mercado.

S

Desenvolvimento de soluções abrangentes para edifícios e outros produtos de construção, fortalecer o seu apelo mercadológico e facilitar o acesso e a compreensão do consumidor final, que poderá mais facilmente perceber, dentre as soluções disponíveis para construir, comprar ou reformar, aquelas com menor impacto ambiental.

S

Auxiliar no desenvolvimento de metodologias de avaliação ambiental de edifícios e de instrumentos que possam ser utilizados desde as etapas iniciais de projeto (SILVA; JOHN; AGOPYAN, 2000) que, ao demonstrar os benefícios ambientais de diferentes soluções propostas, funcionam simultaneamente como ferramentas de informação e de marketing.

Nos últimos anos, a unidade do Construbusiness brasileiro vem-se fortalecendo, estimulada principalmente pelo Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP-Habitat), que agrega representantes de diferentes associações industriais e sintetiza a busca coletiva de soluções dos problemas e melhoria progressiva da qualidade global das construções. No âmbito do PBQP-Habitat, tópicos ambientais ou relacionados à qualidade são tratados em nível equivalente. Algumas associações industriais inclusive já adotaram metas de qualidade com reflexos ambientais evidentes, como aquelas relacionadas à redução gradual do consumo de água em sanitários. Parece possível, portanto, promover uma releitura nacional da Agenda 21 para a construção dentro desta mesma estrutura, partindo, inicialmente, do estabelecimento de uma Agenda global para o setor. A seguir seria necessário costurar Planos Setoriais Ambientais (em semelhança aos PSQs) para os diferentes setores do processo, com metas e ações ambientais específicas. É fundamental que a indústria de materiais, componentes e equipamentos de construção seja engajada neste esforço, pois somente através dela é que a sustentabilidade das habitações auto-construídas poderá ser atingida. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Agenda 21 on Sustainable Construction publicada pelo CIB (1999) detalhava os conceitos, aspectos e desafios apresentados pelo chamado desenvolvimento sustentável. No entanto, esta discussão aplica-se essencialmente para a indústria da construção de países desenvolvidos. As diferenças econômicas e sócioculturais em países em desenvolvimento naturalmente delineiam prioridades, objetivos e desafios diferentes, que interferem na compreensão e na implementação de estratégias de desenvolvimento e construção sustentáveis. Um novo documento, agora endereçado especificamente às condições de países com economia em transição começa a ser desenvolvido em trabalho congregando países da América Latina, Ásia e África. Isto evidencia que as agendas ambientais devem ser propostas com base nas peculiaridades de cada país. A versão brasileira da Agenda 21 deverá incluir aspectos técnicos relacionados às cargas ambientais dos produtos de construção, mas necessariamente contemplar aspectos culturais, organizacionais, institucionais e econômicos.

O mercado brasileiro já conta com produtos que ajudam a proteger o meio ambiente, sejam eles para reduzir o consumo de recursos naturais, promover uso racional de água e energia ou melhorar a durabilidade. No entanto, é também notável a carência de soluções globais. A implementação de redes sinérgicas integrando as esferas industrial, profissional e acadêmica poderá promover uma abordagem mais abrangente do problema, resultando no oferecimento de soluções também abrangentes e de métodos e instrumentos eficientes para sua avaliação. Como resultado global, o mercado para tecnologias e produtos environmental friendly é ampliado e aquecido. Neste sentido, a estrutura já consolidada pelo PBQP-Habitat e suas representações locais pode também desempenhar um papel importante no desenvolvimento de uma Agenda 21 efetivamente adaptada ao caso nacional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BANCO MUNDIAL Source: World Development Indicators database. July 2000 2. CEPAL Statistical Yearbook 1999. Organização das Nações Unidas : Santiago de Chile, 2000. 3. FOSTER, Vivien Policy Issues for the Water and Sanitation Sectors. Inter-American Development Bank, Washington, D.C. August 1996 (No. IFM96-101) 24p. 4. INTERNATIONAL COUNCIL FOR RESEARCH AND INNOVATION IN BUILDING AND CONSTRUCTION (CIB). Agenda 21 on Sustainable Construction. CIB Report Publication 237. Rotterdam, CIB, 1999. 5. JANDA, K.B.; BUSCH, J.F. World-wide status of energy standards for buildings. Energy, n.1, v.19. London, Pergamon, pp. 27-44, 1994. 6. JOHN, V.M. Reciclagem de resíduos na construção: Uma contribuição a metodologia de pesquisa e desenvolvimento. Escola Politécnica, USP, 2000. (Tese de Livre Docência) 7. JOHN, V.M.; ZORDAN, S.E. Research & development methodology for recycling residues as building materials – a proposal. In: Waste Materials in Construction 2000. Proceedings. Leeds, Pergamon, 2000, v.1, p. 513-524. 8. LAMBERTS, R.; WESTPHAL, F. Energy efficiency in Buildings in Brazil. In: Construction and Environment: from theory into practice. Proceedings. São Paulo, CIB/PCC.USP/November 23-24, 2000. (publicado em CD-Rom) 9. MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA - MME. Balanço energético nacional. 1999. 10. NATIONAL RESOURCES CANADA-NRC/CANMET ENERGY TECHNOLOGY CENTRE (Ed.). Green Building Challenge'98: an international conference on the Performance Assessment of Buildings. Proceedings. Vancouver, NRC/CANMET, 1998. 11. PINTO, T.P. Recycling in construction sites: environmental responsibility. In: Construction and Environment: from theory into practice. Proceedings. São Paulo, CIB/PCC.USP/November 23-24, 2000. (publicado em CD-Rom) 12. SILVA, V. G. Avaliação do desempenho ambiental de edifícios. Revista Qualidade na Construção, n. 25, p.14-22, agosto 2000. 13. SILVA, V.G.; SILVA, M.G.; JOHN, V.M; AGOPYAN, V. Perspectives for development of environmental assessment of buildings in Brazil. In: Sustainable Buildings 2000/GRC2000 Section. Proceedings. Maastricht, NOVEM/CIB/GBC, October 22-25, 2000. (a ser publicado em CD-Rom) 14. SILVA, V.G.; SILVA, M.G.; JOHN, V.M; AGOPYAN, V. The role of architectural decision-making process in environmentally responsible buildings. In: Construction and Environment: from theory into practice. Proceedings. São Paulo, CIB/PCC.USP/November 23-24, 2000. (publicado em CDRom) 15. TROTTA, A.C.;PRADO, R.T.A. Qualidade do ar interior. PCC.USP, 2000. 35 pp. (Texto Técnico PCC 23) 16. WORLD RESOURCES INSTITUTE (WRI). World Resources 2000-2001 - People and Ecosystems: The Fraying Web of Life. Washington DC, 2001.

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