Ainda há campinos

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Descrição do Produto

.tmagtnartos .,. I

de uma identidade Representações nas Artes Visuais Portuguesas

CATÁLOGO

edição

Leopoldo Soares Branco Marco Aurélio Pedro Loureiro Ricardo Caetano Vitor Cartaxo

produção gráfica

Câmara Municipal de Vi la Franca de Xira Pelouro da Cu ltura Departamento de Educação e Cu ltura Divisão de Cu ltura, Turi smo, Património e Museus I Museu Municipal Junho de 2013

cedência de obras e imagens

David Santos Fátima Pires ldalina Mesquita

coordenação geral

Assemb leia Distrital de Lisboa Museu Etnográfico de Vila Franca de Xira

tiragem

Soartes- Artes Gráficas, Lda.

revisão

David Santos

Câmara Municipal de Alcochete Museu Municipal

500 exemplares

organização e coordenação editorial

Câmara Municipal de Almeirim Museu Municipal

ISBN 978-989-8254-21-4

David Santos Fátima Pires lda li na Mesquita João Alves Rama lho

textos Maria da Lu z Ros inha Fátima Pires ldalina Mesquita João Alves Ramalho Paulo Maximino Carlos Roba lo Nuno Prates Susana Gonçalves David Santos

investigação e organização documental David Santos Fátima Pires ldalina Mesquita João Alves Rama lho

Câmara Municipal de Azambuja Museu Municipal Sebastião Mateus Arenque Câmara Municipal de Benavente Museu Municipal Câmara Municipal da Golegã Câmara Municipal de Mafra Museu Domingos Soares Branco Câmara Municipal de Sa lva terra de Magos Centro de Interpretação e Educação Ambiental do Cais da Vala Câmara Municipal de Santarém Serviço Municipal de Bibliotecas. Arquivo ePatrimónio Cultural

Museu Municipal Rua Serpa Pinto, 65 2600-263 Vila Franca de Xira www.museum unicipalvfx ira.pt Coordenadas: Latitude 38° 57' 11,64" N Longitude 8° 59' 18,10" W

Casa Museu Dr. Anastácio Gonça lves Casa dos Patudos Museu de Alpiarça Centro de Arte Moderna Fundação Calouste Gulbenkian Cinema teca Portuguesa Museu do Cinema Ciratecna Gabinete de Estudos e Projetas. Lda.

Fátima Pires ldalina Mesquita Mónica Alves

Direção-Geral do Património Cultural Arquivo de Documentação Fotográfica

Anabe la Fernandes Cél ia Silva

361393/13

Câmara Municipal do Ca rtaxo

catalogação

apoio administrativo

depósito legal

agradecimentos A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, o Museu Municipa l e os curadores da exposição ag radecem aos autores dos textos, aos emprestadores de obras, nos mais variados suportes e a todos os que de algum modo contribuíram para este projeto expos itivo.

Companhia das Lezíria s

Fernando Palha Francisco Palhota João Rama lho Leopoldo Soares Branco

design gráfico

Museu Bordalo Pinheiro

QuatroP- Comunicação e Imagem

Museu do Chiado Museu Nacional de Arte CQntemporânea

créditos fotográficos Arnaldo Soares Carlos Monteiro Carlos Tomé Constantino Agosti nho Estúdio Goes Helder Dias João Alves Ramalho José Pessoa Jú li o Miguel Rodrigues

patrocínio

FUNDAÇÃO

Rui Fernandes Tertú lia "Velha Guarda", Azambuja

O{lENTE

digitalização e tratamento de imagens Amél ia Gonçalves Fátima Pires Hélder Dias lda lina Mesquita João Alves Ramalho Mónica Alves

apoio

Companhia

das

Lezírias

3

5

O Campino. Uma memória revelada. Maria da Luz Rosinha Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Uma exposição: "O Campino. Imaginários de uma Identidade- Representações nas Artes Visuais Portuguesas" Fátima Pires I ldalina Mesquita I João Alves Ramalho Curadores

11

O Campino, uma personagem singular do Ribatejo. Fátima Pires I ldalina Mesquita Historiadora

19

e Historiadora de arte

O Campino nas artes visuais. Expressões da reprodução social. João Alves Ramalho Antropólogo

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A Figura do Campino: imaginários em dois tempos

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Ainda há Campinas

51

Paulo Maximino Antropólogo

Carlos Robalo Antropólogo

Representações de Campinas na Coleção de Arte da Casa dos Patudos- Museu de Alpiarça Nuno Prates Historiador

61

O Retrato do Campino. Da convenção ao inconformismo numa obra do pintor Henrique Medina (1901-1989) Susana Gonçalves Historiadora de arte

67

9 minutos e meio, 3 apontamentos e 1 intervalo de 44.159.400 minutos David Santos Historiador de arte

79 187

CATALOGAÇÃO FAC-SI MILES

Ainda há Campinas ..............

Centro em Rede de Investigação em AntropologiajlSCTE Instituto Universitário de Lisboa (Dep. de Antropologia) Fundação para a Ciência e a Tecnclogia A investigação que possibilitou o presente artigo foi subsidiada através de uma bolsa concedida pela Fundação para a

Ciência e a Tecnologia, no âmbito de um projeto de doutoramento.

Ca rl os Robalo Antropólogo· I Licenciatura em Antropologia pelo ISCTE/IUL I Pós-graduação em Patrimónios e Identidades Mest rado em Antropologia I Doutorando em Antropologia das Sociedades Complexas

Qu ando alguém ouve falar em Ribatejo é comum que, no seu pensamento, se desenhe imediatamente a figura equestre do campino, como um elemento de tal forma incrustado na lezíria, que é indissociável da paisagem. Sem nunca ter deixado de ser um empregado de uma casa agrícola, o campino veio a tomar-se uma imagem icónica e quase mitológica, através de sucessivas representações, efetuadas ao longo de muitas décadas. Para quem vive nas terras do aluvião tagano, não é surpreendente ouvir cascos a crepitar nas calçadas das vilas e aldeias, nem constatar a presença de campinas impecavelmente fardados, nos dias de festa. O que a maioria dos forasteiros não sabe é que essa presença não é uma reconstituição folclórica e que a campinagem ainda é uma profissão abraçada com devoção pelos seus oficiais e recordada com saudade pelos entretanto aposentados. A vitalidade das grandes casas agrícolas do Ribatejo e das suas manadas é mobilizada pelos campinas, que agora alternam as montadas com os tratares, participando nos diversos trabalhos do campo. Percorrendo os campos da borda-d'água, encontramos campinas bastante jovens, que nos falam com entusiasmo da sua profissão. Para quem veio do outro lado dos montes estudar a realidade do Ribatejo, inevitavelmente com alguns preconceitos, esta constatação não deixou de ser surpreendente. A observada confrontação de perspetivas sobre o campino conduznos a uma problemática essencial dos estudos etnológicos - o reconhecimento de como as sociedades se olham; para si mesmas e para as outras. E, ainda, como pensam que são olhadas e como desejam ser olhadas pelos outros. Entramos, pois, no campo das representações, 35

que são um processo simbólico de classificação, ou seja, de atribuição de uma identificação' aos fenómenos que, ao outorgar-lhes sentido, os valida e os dispõe na "teia simbólica"2 • Identificar significa também "tornar idêntico", tal como identidade é um sinónimo de "paridade", de "analogia". Ou seja, quando falamos em identidades estaremos, sobretudo, a conceber semelhanças e, não tanto, a estabelecer diferenças. Porém, a semelhança só faz sentido com a presunção da diferença - isto é, a identidade só se pode afirmar pela alteridade. Uma alteridade que, vista pelos outros, não é mais do que outra identidade, construída sob os mesmos pressupostos e com os mesmos utensílios. Enquanto categoria em incessante processo de reatualização, cruzada por discursos externos e reflexos, a identidade é um campo performativo de uma extrema instabilidade. Talvez por isso mesmo haja a intenção perene, por parte dos grupos, de a "agarrar", de a estabilizar. O eterno problema - e estimulante desafio - é que, também aqui, como dizia Lévi-Strauss, não são tanto as semelhanças que se assemelham, mas sim as diferenças. Olhar o mundo é, assim e também, analisar as representações que as sociedades fabricam e que são indispensáveis para a sua reprodução. Como as representações se podem expressar das mais diversas maneiras, algumas chaves importantes para a interpretação das realidades sociais estarão presentes nas aparentes insignificâncias do quotidiano, sejam práticas ou objetos. Como referiu3, o interesse dos etnólogos pelo que é pequeno, insignificante, quotidiano, contribui para desenvolver as aptidões analíticas especiais que geram outros conhecimentos e esclarecem contextos. Uma coisa aparentemente banal pode ter uma virtualidade heurística notável para a interpretação e para o entendimento de um contexto mais alargado. É esta perspicácia do olhar que se espera dos etnólogos e é também, provavelmente, aquilo que a pode distinguir mais meritoriamente de outras práticas de investigação das ciências sociais. A efemeridade é, afinal, uma categoria apriorística que os sujei~os atribuem às coisas, mas que não deve contaminar o olhar do etnólogo, para quem as mentiras, as omissões e os desperdícios podem consubstanciar os recursos essenciais para o entendimento de um contexto social. Para entendermos melhor como a imagem do campino atinge uma expressão simbólica ímpar, enquanto ícone do lugar, imbricado na paisagem, teremos de rever também as suas representações ao longo do tempo. Recorremos, então, às imagens fotográficas e, em particular, àquelas que foram produzidas localmente, precisamente como quadros sinópticos da região: os bilhetes-postais ilustrados. 36

Serge Moscovici, Social representations: explorations in social psychology. Gerard Duveen (ed.). New York: Poli ty Pressj Blackwell Publishers, 2000

Clifford Geertz, "Thick Description : Toward an lnterpretive Theory of Culture" . Em The 1nterpretation of Cultures: Selected Essays. New York: Basic Books,I973, PP· 3-30 Orvar Uifgren , "The Nationalization of Culture", Ethnologia Europaea, XIX, 19 89 , PP 5"24 Idem , "Le Retour des Objets? L'étude de la cultu re matérielle dans l'ethnologie suédoise", Ethnologie Française, XXV I (r) . Paris : Société d' Ethnologie Française. '996, PP· I40·I50

Peter Burke, Visto y No Visto: El uso de la imagen como documento histórico. Barcelona: Editorial Crítica. 2005

Os postais ilustrados possibilitam-nos o estudo, não só da fonte visual e do que ela representa, mas também da visualidade, dos olhares (de fotógrafos, editores, colecionadores, correspondentes) que neles e através deles se projetam, na época em que foram editados e na atualidatle. Em Portugal, os postais ilustrados produzidos por fototipia terão começado a circular entre r898 e 1900, editados por empresas do Porto que vieram a ser referências notáveis na história do postal, como foi o caso de Carlos Pereira Cardoso, Emílio Biel e Araújo & Sobrinho (Sousa & Jacob 1985:29). Os primeiros postais com imagens relativas à região que viria a ser a província ribatejana foram editados localmente, ainda no séc. XIX. Entre os pequenos editores locais, que reproduziam imagens do sítio, contam-se não só "comissões de iniciativa" , papelarias e tipografias, como ainda mercearias, lojas de ferragens, sapatarias, armazéns, lojas de panos e outros. Alguns particulares mais endinheirados produziram também os seus postais, ilustrando-se a si ejou à sua família e propriedades. A reprodução de imagens, na época, não era barata e um bilhete-postal era um presente apreciado. No decurso da História, Peter Burke4 identificou duas revoluções determinantes na produção de imagens: a primeira, nos séculos xv j XVI, com o advento da reprodução em série (xilografia, gravura, etc.); e a segunda, nos séculos XIxjxx, com a fotografia. O postal ilustrado, surgido na segunda metade do século XIX é, provavelmente, o produto mais veemente destas revoluções. Produzido em quantidades inauditas e concebido precisamente para percorrer o mundo, terá sido o maior difusor de imagens, em particular de vistas localizadas, até ao surgimento da televisão. Poucos acontecimentos na história da humanidade terão alterado tanto a forma de olharmos o mundo e de nos olharmos no mundo, como o advento da fotografia. Numa chapa de vidro era fixada a realidade, sem devaneios nem ornamentos de artista. Ou, pelo menos, era nisso que se acreditava, visto que - como bem sabemos - as composições fotográficas contêm também muito de escolha. Como dizia Lewis Hine (r874-I940), "Apesar de a fotografia não mentir, os mentirosos podem tirar fotografias." Nas palavras de Bourdieu (r96po8 apud Darbon 1998:99), a fotografia fixa somente um aspeto do real que "é, sempre e somente, o resultado de uma seleção arbitrária e, em decorrência, uma transcrição: entre todas as qualidades de um objeto, apenas são fixadas as qualidades visuais que se oferecem no instante e a partir de um ponto de vista único". Assim, as imagens reproduzidas 37

> ·Ar 2~

nos postais editados localmente revelam-nos , entre outros aspetos, os olhares dos seus editores, nomeadamente, a eleição dos quadros que consideravam representativos do lugar e que se deveriam apresentar, aos de fora, como a sua sinopse. Pretende-se que, através de uma ou de poucas imagens, o postal ilustrado seja capaz de representar o lugar. Os carateres que apresenta são como a voz do seu editor, dizendo "isto é a nossa terra; isto somos nós", o que também significa - "isto é aquilo que nós queremos que vejam emjde nós ". O postal é, desta forma, um elemento notável para a construção do lugar. Tendo em consideração a seleção dos carateres inseridos nos postais originários da lezíria ribatejana (decorrente da análise de cerca de 1200 postais dos concelhos banhados pelo Tejo, entre Vila Franca de Xira e a Chamusca) , podemos assinalar três períodos principais. O primeiro, desde a chegada do séc. xx até à década de 1930, apresenta-nos imagens do quotidiano, das feiras , das ruas das vilas , dos rios, das alvercas, dos rebanhos, de vistas do campo e também das cheias. As expressivas inundações cíclicas do Tejo eram exibidas como um marco característico da região, como um pormenor pitoresco e distintivo, sem o significado de calamidade, como era sentido pelo resto do país e apresentado dramaticamente pela imprensa nacional. Nessa época, editam-se muito mais postais com imagens das cheias do que com campinos, que são um motivo bastante raro. Esta circunstância alterar-se-á radicalmente no momento seguinte, com o desaparecimento do primeiro elemento e com a consagração do segundo. A ausência de património monumental em muitas localidades levou à monumentalização dos edifícios mais notáveis ou peculiares e também da paisagem, o que notavelmente se expressa nos postais ilustrados. Santarém, com a sua imensa riqueza patrimonial, começou por ser exceção. Mas, posteriormente, as suas referências monumentais reduziram-se significativamente e também a capital do distrito (e da fugaz província) deixou de apresentar, nos postais ilustrados , a sua dimensão cosmopolita, para se passar a identificar como a capital da ruralidade e da tauromaquia- rivalizando, neste aspeto, com Vila Franca de Xira. A esta perspetiva não estará alheia a conceção do país proposta pelo Secretariado de Propaganda Nacionais, que teremos oportunidade de aprofundar mais à frente. As primeiras imagens notáveis do Ribatejo são os clichés de Carlos Relvas (1838-1894), algum tempo depois reproduzidos em postais ilustrados. O seu olhar apresenta-nos figuras locais , animais e perspetivas da paisagem, dentro de uma perspetiva que se situa entre o neo-arca38

Conduzindo, Domingues Saraiva, [1950?]

O Secretariado de Pro paganda Nacional (S PN) era o organjsmo responsável pela propaganda, informação pública, comunicação social, turismo e ação cultu ral durante o regime do Estado Novo, foi dirigido pelo seu mentor, o jornali sta e escri tor António Ferro, até 1945. A parti r dessa data adotou a designação SNJ (Secretariado Nacional da In fo rmação, Cultura Popular e Turis mo) e, em 1968, foi h·ansformado na Secretaria de Estado da Informação e Turismo (S EIT) .

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dismo romântico e o naturalismo. A fotografia dava os seus primeiros passos e tinha sérias dificuldades em se afirmar como expressão artística. Naturalmente, a tendência dos primeiros fotógrafos foi a de se tornarem discípulos estéticos dos pintores. Não foi a pintura que se digladiou com a fotografia, mas a fotografia que pediu "emprestada" aos pintores a sua arte para se fazer respeitar, tornando-se pictorialista.

""'"" Num segundo momento, que coincide com a afirmação do Estado Novo e com a criação do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), a estereotipia dos carateres regionalistas afirma-se vigorosamente, com destaque para a afirmação icástica da figura do campino. Desapareceram dos escaparates os frequentes rebanhos e pastores que, com inspiração arcádica, ilustravam os postais mais antigos. A languidez dos gados, ruminando nos pastos e libando água dos esteiros sob o olhar dos pastores, parece ter sido esquecida para dar lugar ao fulgor másculo dos campinos, ao vigor enérgico dos cavalos e à fúria taurina, que assumem um papel emblemático na identificação da região. A instituição desta imagem essencializadora da região e da sua paisagem, acaba por alterar significativamente a escala do olhar dos próprios habitantes sobre o seu território. Nos postais mais antigos - quase exclusivamente de edições locais - havia maior diversidade de olhares sobre o local, embora com um quadro estético comum, com discursos construídos em torno dos mesmos interesses: a monumentalidade e as imagens bucólicas, com animais e pessoas junto da água, muito ao estilo da estética naturalista e romântica. Apesar de partilharem o mesmo quadro estético, os motivos singularizavam-se mais, de acordo com a paisagem de cada local específico e com o olhar próprio de cada editor. Entretanto, com a imposição do estereótipo do campino e dps touros, todo o Ribatejo passa a ser representado como uma paisagem unificada. A silhueta fardada do guardador de gado e a sua manada tornamse indispensáveis, tal como a extensão da lezíria verdejante- o Ribatejo é isso e nem pode ser outra coisa; por essa razão, se torna difícil encontrar postais mais atuais desprovidos desses carateres. As peculiaridades locais foram varridas para fora do quadro das representações. Obliteram-se as profundas diferenças paisagísticas da província, das extensas regiões montanhosas e das charnecas, onde jamais se apascentaram touros bravos ou cavalgaram campinos em farda colorida. 40

António F. G. Medeiros, À Moda

do Minho: um ensaio antropológico. Lis boa: Edições Coli bri, 2003

Apesar da suprema importância do olival, da notável extensão de vinha e dos célebres arrozais que mobilizavam ranchos migrantes de todo o país, são raríssimos os postais com imagens destas culturas. O próprio rio- para onde acorreram, ao longo de séculos, milhares de pescadorés litorâneos - é agora apresentado somente como um cenário. Não terá sido apenas a paisagem da Borda-d'Água que se tomou no epítome de toda uma província; foi também um determinado olhar sobre essa mesma paisagem, construído a partir da seleção de elementos endógenos, impondo uma ordenação de carateres propiciadora da sinédoque identitária do sítio. É a partir deste momento que se revela- através de corografias , artigos de jornais e outras intervenções públicas - a preocupação local com a correspondência ao retrato estereotipado, num processo a que chamaria de retroversão do olhar. Os ribatejanos rivalizam agora entre si, na exoração de cada uma das suas terras como o sítio onde os touros são mais bravos, os campinos mais valentes, a lezíria mais verde e, afinal, o Ribatejo mais ribatejano! Isto é, a identidade local passa a ser considerada tanto mais genuína quanto mais corresponder ao estereótipo determinado exteriormente. E assim prossegue a interminável gesta pela semelhança, com o objetivo de marcar a diferença. Tal como António Medeiros 6 assinala a propósito do Minho, existirá uma "sobreposição relativa entre as descrições estereotipadas" da região e os enunciados sobre a cultura da mesma região. Assim, os postais ilustrados, à medida que se eximem as pequenas edições locais, revelam-se como um "corpus de representações de uma identidade provincial", em resultado de "processos bem sucedidos de classificação erudita" (cf. Bourdieu 1989, apud Medeiros 2003:23). Os corógrafos locais, a campanha folclorista do SPN e outros discursos regionalistas terão atuado, não concertadamente mas dialogicamente, com admirável criatividade e imaginação sociológica, no sentido de construir uma identidade regional, em que as representações assumem um papel pedagógico fundamental. A alteração progressiva da forma como os autóctones olhavam para si mesmos e para a sua terra (e de como queriam ser olhados pelos outros), afeiçoando-se aos enunciados regionalistas impostos de fora, será também subsidiária deste processo didático e revela-se nas últimas edições locais de postais, que chegam até cerca de 1960. Só nos finais do século xx reaparecerão postais ilustrados produzidos localmente, mas agora por iniciativa do poder local, recorrendo todavia ao mesmo discurso e ao refinamento da estereotipia. 41

A imagem do campino como motivo dos postais do Ribatejo foi sendo cada vez mais preponderante, até se tornar o carater mais frequente, no meado do século. A década de 1930 terá sido determinante nesta modelação iconográfica e folclórica, com o concurso da ação mobilizadora das campanhas promovidas por António Ferro e pelo seu Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) . Fundando em 1933, o SPN vai, durante essa década e a seguinte, construir um novo olhar sobre o país, encenado a partir de carateres rústicos, recriando uma estética de exibição do "popular", no âmbito de uma "Campanha do Bom Gosto" e de um projeto mais amplo, denominado como "Política do Espírito". Como bem identificou Vera Marques Alves (2007), o propósito capital das políticas do SPNJSNI era o da construção da identidade nacional e da afirmação da nação, através da cultura popular. A preocupação com a fundamentação da nação recorrendo a esta chamada cultura popular ascende, pelo menos, ao período romântico oitocentista, subsequente aos movimentos liberais que atravessaram o Ocidente e à afirmação do conceito de Estado-Nação. Em Portugal, a empresa etnográfica de Garrett seria seguida pela corrente artística do naturalismo/realismo e pelos trabalhos de diversos eruditos (Leite de Vasconcelos, Teófilo Braga, Adolfo Coelho, Lixa Filgueiras, Alberto Pimentel, etc.), prolongando-se pelo primeiro quartel do séc. xx, pontuados também pela criação da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1875, e pelo Museu Etnográfico Português, em 1893A ação prática do SPN jSNI, dos seus ideólogos e dos seus artistas consistia na seleção, na adequação e na reformulação dos carateres 42

Vera Marques Alves,"«A poes ia dos simples» : arte popular c nação no Estado Novo". Etnográfica II (r), 2007, p. 67

ancestrais da ruralidade, tornando-os marcos da identidade e pilares da modernidade. Há, na ação do SPNfSNI, uma preocupação cenográfica fundamental, uma estratégia visualista, plástica, que formaliza os ditames totalitários. Todo o país se torna um palco, onde se desenrola um quadro cénico perene, devidamente coreografado e encenado por quem tem autoridade moral, cultural e artística para o fazer: os sábios do SPN f SNI. O povo das aldeias de Portugal, afastado da nociva influência urbana e convivendo de perto com a pureza impoluta da Natureza, na sua absoluta ingenuidade e inocência, era o recetáculo da genuinidade da nação. As suas expressões de "arte popular", depois de depuradas e afeiçoadas, seriam a matéria-prima com que António Ferro ergueria o seu propósito de "aportuguesar Portugal"?. A ideia de Portugal de António Ferro consubstanciava um contumaz propósito de exibição, que pretendia apresentar - à burguesia urbana e ao estrangeiro - um país lavado, arrumado, ordeiro e amorável, de traços modernistas fundados nos carateres tradicionais. A fardamenta multicolorida do serviçal das abastadas casas agrícolas ribatejanas (que, no séc. XIX, concorria com os librés da criadagem da aristocracia urbana) ajustava-se plenamente ao propósito cenográfico procurado pelos ideólogos do SPN fSNI. Aliás, tão garrido uniforme tinha sido inventado, precisamente, para ser pompeado em dias especiais, sendo o seu uso apenas autorizado e determinado pelo patrão do campino. Na seleção dos carateres populares, efetuado pelos técnicos do SPNfSNI, eram criteriosamente eliminadas as indumentárias "mais humildes e de menor efeito decorativo, recusando igual43

mente a exibição de qualquer elemento que revelasse a pobreza" 8 . A presença colorida dos campinos em paradas e outros eventos, representando a casa agrícola cujo ferro ostentavam na lapela, já vinha dos idos de oitocentos. Aquela cavalaria senhorial impressionava pelo seu porte, pelo aprumo, pelas longas varas a pino, e e:xibia o poder e a riqueza do fidalgo lavrador, que competia com os seus congéneres. Era um quadro tão perfeito, com uma expressão pictórica tão intensa e com uma singularidade tão excecional, que a figura do campino só poderia mesmo tornar-se num dos elementos mais acarinhados pelos planeadores da propaganda nacional. O SPNfSNI fabricou e propôs, com sucesso, um "retrato poetizado do povo português, desenvolvendo uma ação e um discurso com evidentes implicações políticas"9, apresentando a figura do "camponêsesteta" , uma visão "ternurenta e pacificada da nação" e um "modelo ideal de povo- avesso a lutas sociais, desinteressado dos assuntos políticos, mas também dos aspetos materiais da existência". O campino adequava-se inteiramente ao que se pretendia que fosse a imagem arquetípica do povo trabalhador de Portugal: "assalariado rural exemplar, honesto, crente, humilde, leal e abnegado; e também viril, corajoso, robusto, arguto e heroico" 10 • São precisamente estas características que irrompem da personagem interpretada pelo vilafranquense Barreto Poeira, no conhecido filme de 1946 "Um Homem do Ribatejo", 11 - o maioral Manuel, que arrisca a sua vida e a da sua família, enquanto vê destruída a sua casa abarracada, para salvar da cheia um feroz touro, tresmalhado da manada do patrão, que já tinha matado o seu pai e o seu irmão. Ao mesmo tempo que eram elevados a símbolos da região e da nação, os campinos não viviam mais desafogadamente do que a maioria dos trabalhadores rurais. Seriam, eventualmente, entre os assalariados, os menos pobres dos pobres, se não quisermos chamar miséria à pobreza. Estariam praticamente no topo da hierarquia la~oral da lezíria, contactavam mais de perto com os patrões, tinham responsabilidades importantes na propriedade e disfrutavam do privilégio de serem contratados anualmente (por alturas do dia de S. Miguel). Era entre os campinos que, frequentemente, se recrutavam os feitores e os abegões, que geriam as propriedades dos lavradores.O grau de especialização do seu mester e a sua indispensabilidade numa economia rural em que o gado era essencial, seriam o motivo para que os campinos usufruíssem de condições laborais não tão más como as dos restantes assalariados. Neste aspeto, os campinos só terão tido para44

•o

Ibidem: 73 Idem: 85 Anabela Moedas, Campinos - A alma do Ribatejo. Arruda dos

Vinhos: Himantopus, 2002 ,

p. 41

Alberto Machado Cardoso Santos, Argumento do Filme "Um Homem do Ribatejo". Manuscrito

policopiado, s.d.

lelo com outra classe profissional, entretanto extinta com o advento da maquinaria: os valadores, verdadeiros escultores da paisagem da campina e insubstituíveis na manutenção do regadio. As greves de valadores, nos primórdios do século passado, eram, para os proprietários, mais temidas do que as cheias. Sem a intervenção permanente e especializada destes homens, todo o cultivo de uma campanha poderia perder-se. Não faltam , na literatura regionalista da época, nas corografias locais e nos artigos dos jornais re gionais, páginas de enaltecimento à figura do campino, sobretudo exaradas pelos eruditos ribatejanos. A maioria pouco refere as difíceis condições de vida daqueles assalariados rurais e, quando esse assunto é aflorado, é apresentado não apenas com conformismo, mas com uma aparente convicção de que essa é a sua natural condição. Nalguns casos, chega-se mais longe e, atribuindo dotes de pitoresco à exibição da pobreza, lamenta-se que os campinos modernizem alguns dos seus costumes. É nestes trechos que podemos confirmar o formidável sucesso da ação do SPN/ SNI. O seu projeto de "portugalização" resultou em pleno e foi de tal forma assimilado, que ainda hoje vemos as elites das províncias digladiarem-se para encontrarem as formas mais eficazes de obedecer fielmente à gramática do "regionalismo nacionalista" que regula a genuinidade da "portugalidade". A obra neorrealista de Redol, inaugurada em 1939 com Gaibéus, era uma das notáveis exceções ao discurso dominante, apresentando um olhar crítico sobre os campos do Ribatejo e sobre as relações de trabalho. Entre muitas referências possíveis, destaca-se um excerto de "Olhos de Água", de 1954, sobre os campinos, com um retrato límpido da realidade observada, confrontando-a com a visão lendária (sublinhado nosso): "A fama da Lezíria e da Borda-d'Água vem-lhe das manadas de cavalos·e toiros e dos espetáculos de movimento e barbárie a que dão pretexto: a desmama e a enchocalhação, a ferra e a tenta, a apartação e a amansia, onde pontificam os campinas, pobres reis imaginários curtidos de perigos e fome, e cuja lenda todos os dias as crónicas refazem, e todos os dias a dura realidade esbarronda, acasalando-os com os dem ais servos da gleba. Distingue-os a garridice do traje de festa e a complexidade da hierarquia profissional, que passa do anojeiro ao roupeiro, deste ao eguariço e ao contramaioral e maioral, e lá ao cabo, passadas as tormentas duma vida que leva a morte na ponta da cinta vermelha, a divisa bem rara de maioral-real.

45

46

CAT.203

Campinas, Pedro Loureiro, 2011

Desmontado, em dia de trabalho, o campino é um vulgar homem da terra , só mais seco e de perna escanifrada, um tanto caneja pelo jeito de cavalgar. E uma certa arrogância pimpona no olhar e na maneira de dar a saudação. Mas em riba da montada e de pampilho ao ombro ou em riste, como se caminhasse para um torneio de lança, o campino transfigura-se. Nas manhãs de festa, quando o curro de toiros vai para a corrida, entre bravuras e algazarras, é vê-lo e admirá-lo a enquadrar os garbos dos últimos abencerragens da aristocracia rural."

"''""' António Ferro deixa de coordenar o SPN em 1945, quando este muda também a sua denominação para Secretariado Nacional de Informação (SNI). A década de 1950 marca, definitivamente, o ocaso do mundo rural, conforme existira durante muito tempo. O país inicia o processo de industrialização (que seria incrementado com a adesão à EFTA, em 1960), a população urbana aumenta, a emigração cresce significativamente e a motorização da lavoura reduz as necessidades de mão de obra agrícola. A RTP nasce em 1957 e, em 1959, são extintas as províncias. O Ribatejo, criado formalmente em 1936, foi a mais breve das províncias portuguesas. Apesar disso, a gesta regionalista do SPN fSNI, fundada na repartição provincial, teve tal veemência que, ainda hoje, é com a denominação da província que a maioria dos portugueses se identifica. Na entrada da década de 1960, os bilhetes-postais deixaram de ser editados por iniciativa local, perdendo assim a reprodução de algumas singularidades de cada lugar. Entretanto, nos postais coloridos de editores nacionais, a lezíria e o Ribatejo tornam-se sinónimos, sob a presença recorrente do campino. Logo de seguida, o turismo português dedicou-se a promover um novo produto - o Sol. Os carateres pitorescos do mundo rural seriam, eventualmente, um complemento para o turismo massificado, que se devia dirigir para a costa. As festa s vila-franquenses, cujo nome evoca a farda do campino - o Colete Encarnado -, gizadas por José Van-Zeller Pereira Palha (1895-1978) em 1932, vieram a atingir proporções épicas e tornaramse modelo entretanto reproduzic:lo p9r toda a Borda-d'Água. A par da Feira do Ribatejo e de um rol de eventos que se realizam desde 47

a Chamusca até à margem sul do Estuário do Tejo, estas festividades celebram a figura do campino e não têm perdido fulgor nem são tidas, localmente, como anacrónicas. Antes pelo contrário, quando a organização de alguma destas festas promove alguma alteração menos conservadora é, habitualmente, acusada, pelas pessoas da terra, de desrespeito à tradição. Após 1974, com a instituição das autarquias, os municípios encarregaram-se da cultura local e da organização dos grandes eventos. Num tempo em que a globalização ganha terreno, as autarquias têm recorrido amiudadamente à patrimonialização de elementos locais considerados característicos, atribuindo-lhes a potencialidade de servirem de referentes para a constituição de uma identidade local. Esta identificação vem retomar, de certa maneira, a preocupação que se evidenciava nos primeiros postais ilustrados, no princípio do séc. xx. A estratégia não difere significativamente, procurando-se resgatar marcos do passado, que se possam configurar como "tradição" - os slogans autárquicos que falam em "aliar a tradição e a modernidade" atravessam todo o território nacional e, na prática, reiteram aquele que foi o leitmotiv do SPNfSNI. Porém, todo o processo de determinação de carateres e de conteúdos efetuado outrora pelo SPNfSNI é inolvidável, foi amplamente propagado (também pela escola) e é, inevitavelmente, condicionador da perceção que as pessoas possuem hoje do meio. O Ribatejo foi oficialmente extinto em 1959 e, atualmente, os ribatejanos apenas podem almejar uma unidade simbólica, expressa através da patrimonialização dos carateres que consideram distintivos. Nem mesmo a sub-região da Lezíria possui uma instituição unívoca e a sua cartografia oficial excluiu Vila Franca de Xira. Como sabemos, nem o Ribatejo nem a Lezíria são idealmente concebíveis sem Vila Franca. Neste reordenamento formal e simbólico do território, o poder local não foi inocente. A autonomia concelhia, tomou proporções exageradas e as tensões intermunicipais - muitas vezes temperadas por diferenças partidárias - sobrepõem-se à cooperação, fomentando caricatas rivalidades ancestrais. As estremas das fregue sias são, em muitos lugares, mais vincadas e "amuralhadas " do que as fronteiras nacionais. Desta maneira, não é surpreendente que o Ribatejo se encontre cada vez mais confinado a uma expressão simbólica. E, apesar da presença preeminente do Tejo, o olhar local volta-se para aquele que foi eleito pelas razões que já vimos - como o seu símbolo mais imperecedouro: 48

o campino. A sua figura sintetiza o lugar e fornece, não apenas uma marca para o exterior, como também o propósito de identificação com as raízes locais , apesar de os seus atributos lendários sempre terem estado bastante aquém da realidade. Mas, como seria a campinagem sem lendás, sem histórias de encantar, sem mitos nem dramas? Se os homens fazem as lendas, também são as lendas que fazem os homens. Felizmente, ainda há campinos! BIBLIOGRAFIA

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