Alberto Caeiro e o cantar a Natureza

June 6, 2017 | Autor: Jonatas Ferreira | Categoria: Fernando Pessoa, Portuguese Literature, Poesía, Poesia, Poemas, Natureza, Alberto Caeiro, Natureza, Alberto Caeiro
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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Faculdade de Letras Disciplina: Poesia Portuguesa (LEV343) Professor(a): Tatiana Massuno Estudante: Jônatas Ferreira de Lima Souza (DRE: 115044769)

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3. Analise o poema abaixo, levando em consideração os trechos que se seguem (partes de uma pretensa entrevista de Caeiro): “Não pretendo ser mais do que o maior poeta do mundo. Fiz a maior descoberta que vale a pena fazer e ao pé da qual todas as outras descobertas são entretenimentos de crianças.” (CAEIRO/PESSOA, 2005, p. 180). “Sou mesmo o primeiro poeta a lembrar de que a Natureza existe. Os outros poetas têm cantado a Natureza subordinando-a a eles, como se eles fossem Deus; eu canto a Natureza subordinando-me a ela, porque nada me indica que sou superior a ela, visto que ela me inclui, que eu nasço dela e que (...)” (CAEIRO/PESSOA, 2005, p. 180).

A espantosa realidade das cousas É a minha descoberta de todos os dias. Cada cousa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo. Tenho escrito bastantes poemas. Hei de escrever muitos mais. naturalmente. Cada poema meu diz isto, E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto. Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada. Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes oiço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido. Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo, Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar; Porque o penso sem pensamentos Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista, E eu admirei-me, porque não julgava Que se me pudesse chamar qualquer cousa. Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade. (Alberto Caeiro)

Um dos principais objetivos do heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, chamado de “o mestre”, foi mostrar que o homem não é superior ao meio, nesse caso, à Natureza, mas o homem é meramente parte dela. Sendo parte dela, o homem não deve buscar mediações para senti-la, mas utilizar seus sentidos, sendo esses, suficientes para perceber a Natureza em seu estado primordial. Caeiro remete aos cinco sentidos conhecidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. Caeiro era um homem do campo, que pretendeu viver inserido na Natureza, pois, caso se afastasse, seria necessário pensar sobre ela e aqui, incidiu a sua principal crítica aos poetas anteriores: é a distância que o homem pretende se colocar da Natureza, que faz com que ele se ponha como seu mediador, constantemente pensando sobre ela e nunca se tratando dela, a Natureza, puramente. Essa atitude de Caeiro, é considerada não-cristã, pois para ele as coisas só existem se forem sentidas. Se a Natureza pode ser sentida, então ela, para Caeiro, existe de fato e não precisa de mediador para existir. Ou seja, a Natureza está lá, mesmo que o poeta, em específico, não exista. Partindo desse ponto, a divindade só existe, para Caeiro, se puder ser sentida. Sentir pelo pensamento não é uma opção, mas sim, sentir pelos cinco sentidos. A divindade precisa se manifestar na Natureza, deve ser ela mesma, para ser considerada algo real pelo poeta. Assim, tudo que pode ser sentido, existe. Essa existência não precisa do homem e de suas opiniões para fazer sentido: não precisa dizer que algo é feio ou belo, isso não é importante. A Natureza, segundo Caeiro, é o elemento original para o poeta e assim, não precisa ser pensada, pois o pensamento, essa ideia sobre algo, afasta-o do que considera mais importante que é a realidade possibilitada pelo sentir. Tais elementos podemos observar no poema acima. Vamos aos trechos:

A espantosa realidade das cousas É a minha descoberta de todos os dias.

Cada cousa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo.

Podemos notar a sua preocupação com a realidade das coisas. Cada coisa existe e é outra a cada momento, jamais, a mesma. Todos os dias para o poeta, é um dia diferente, pois, a Natureza é uma constante descoberta para ele. O poeta não tem pretensões de pensar acerca do que vê, mas deixar que elas se mostrem para ele e o surpreenda, já que “cada cousa é o que é”. Esse sentir basta ao poeta, não é necessário mais nada além de perceber o real, isto é, é real porque existe, e existe porque pode ser percebida pelos sentidos. Essa é a satisfação do poeta, que associa “existir” com “ser completo”.

E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

O poeta, parte intrínseca dessa Natureza, e não o seu senhor, é como ela, sendo o poema, seu fruto, outro a cada vez que é sentido. Os poemas são diferentes pois proporcionam novos sentidos ao leitor. Para o poeta, se pode ser sentido, então existe e é diferente para cada sentido. Cada vez que o sentido é acionado, há algo novo para se perceber, se sentir: ver é sentir, ouvir é sentir, etc.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada. Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Caeiro busca o real. Como vimos o real, para ele, é o que pode ser sentido pelos sentidos. Se é real, existe e se existe está completo, ou seja, o poeta não precisa interferir com suas pretensas ideias, com suas elucubrações, não precisa recorrer à metáfora para que a Natureza faça sentido. O ver, como mostra o poeta, é satisfatório. Ver como ela é, sem pensar sobre isso, sem opinar sobre isso. O poeta entende que a Natureza em si já é o ideal de existência, pois ela aparentemente não pensa, não busca racionalizar nada. O poeta deve imitar esse comportamento, não pensando, não comparando, deixando a Natureza ser ela mesma.

Outras vezes oiço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido. Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo, Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar; Porque o penso sem pensamentos Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

O poeta dá uma extrema importância ao elemento natural. Deixar a Natureza ser como é, percebendo-a pelos sentidos e certamente inferiorizando o artificial, mediado, pensado, idealizado. Defende ser seu pensamento puro, original, já que é sentido, abstraído levando em conta as coisas como são, sem mediação; podemos dizer que a mediação necessária ao pensamento é a manifestação da linguagem utilizada para expor esses, que não deixam também de ser, os ideais de Caeiro. Caeiro sabe que as palavras são um recurso necessário devido a sua limitação como homem, para que, dessa forma, possa dizer, possa expressar o seu pensamento sentido, seu pensamento sem pensar.

Uma vez chamaram-me poeta materialista, E eu admirei-me, porque não julgava Que se me pudesse chamar qualquer cousa. Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

O poeta está indignado com duas questões: ele é algo? Ele é poeta? Por que chamaram-no de poeta materialista? O materialismo exige um pensamento, exige relacionar coisas com outras, pensamentos com ideias, etc. Materialista, aqui, no sentido de crer apenas no que vê? Segundo entendemos, o valor que Caeiro pretende aos seus poemas não está no fato de ser poeta, mas de em seus versos, estarem contidos, por mais que mediados pela linguagem escrita, o valor da Natureza em sua realidade, pois seu pensar é o seu sentir, de fato, o cheiro das flores, o barulho de uma cachoeira, o espinho de uma rosa, o sabor de um fruto, o ver uma pedra. Ele não almeja ser o autor de seus versos, sua vontade não pretende aparecer, Caeiro quer que o leitor sinta como ele sente o que já está completo e não necessita de interferências externas, que o leitor perceba o valor da Natureza por si própria, como ela se apresenta naturalmente aos cinco sentidos. Eis, por tanto, o motivo de Caeiro afirmar ser “o primeiro poeta a lembrar de que a Natureza existe”. Assim, em seus versos, podemos perceber certa naturalização do sentido. Esse sentido, pretende mostrar superficialidade, isto é, que seja imediato, sem segundos

sentidos, um primeiro sentido claro e literal, sem a necessidade de se usar qualquer elemento pensado pela razão subjetiva do homem, como mediador, ao sentido objetivo dos versos, estes, limitados pelos sentidos e apresentados pela linguagem do poeta.

REFERÊNCIAS

CHRIST, Isabelle. Alberto Caeiro: ver para pensar sem pen(s)ar. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2016.

MENEGUSSO, Gustavo. Estilo de Mestre: objetividade e culto à natureza nos poemas do heterônimo Alberto Caeiro, de Fernando Pessoa. Darandina Revisteletrônica – Programa de Pós-Graduação

em

Letras

(UFJF),

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Disponível

em:

. Acesso em: 14 fev. 2016.

MORETTO, Alex. A poética da natureza em O pastor amoroso, de Alberto Caeiro. Disponível

em:

. Acesso em: 14 fev. 2016.

SOUZA, Daniel. Alberto Caeiro: linguagem e experiência perceptiva. Integração, a. XIV, n. 55, p. 345-354, out./nov./dez. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2016.

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