Algumas notas etnográficas sobre o mercado e visibilizacao gay em Valparaíso, Chile.

September 9, 2017 | Autor: Rodrigo Azócar | Categoria: Gender and Sexuality
Share Embed


Descrição do Produto

Revista Memória LGBT – Ano 1 No 2 Janeiro / Março de 2014 ISSN 2318‑6275

REVISTA

Memória LGBT

www.memorialgbt.com

VISIBILIDADE TRANS NOS MUSEUS E ESPAÇOS DE MEMÓRIA

EXPOSIÇÃO

o i h o O i h a l O e a c l r e a c r M a M RRe enna atta a PPe erro on #M s s i s MC M s i a s M u a s u M # X u X M C X u ##M X uu saaD DooS Saam Muus mbba a #M MuussaaDDooFFuunnkk #

#NossasMusas

MUSEU TRAVESTI: UM ÍCONE DA MUSEOLOGIA LGBT Relatório revela: Cínia Gonçalves Transmulheresnegras Saira Bengell e a adoção legal do conta tudo sobre são as maiores víimas o Fórum Mundial nome feminino da transfobia no Brasil de Direitos Miguel Marques Humanos Beth Fernandes e a conv primeira Casa de Passagem Trans do Brasil

ersa sobre a página @HomensTransexuais

E MUITO MAIS...

Esta edição é dedicada especialmente à memória d@s 121 TRAVESTIS E TRANSEXUAIS ASSASSINAD@S EM 2013 NO BRASIL* 01­­‑­Nicole­Borges,­20,­a­iros­em­Curiiba/PR 02­­‑­Fernanda,­32,­a­iros­em­Viamão/RS 03­­‑­Cecilia­Marahouse,­a­iros­em­Fortaleza/CE 04­­‑Agatha,­19,­degolada­em­Camapuã/MT 05­­‑­Trans­não­ideniicada­assassinada­em­Jaboatão­ dos­Guararapes­­‑­Recife/PE 06­­‑­Trans­não­ideniicada,­18,­em­Boa­Vista/RO 07­­‑­Bimba,­17,­encontrada­em­estado­de­ decomposição,­em­Caxias­/RS 08­­‑­Silvia­Moura,­39,­morta­com­pancada­na­cabeça­ em­Recife/PE 09­­‑Layla,­18,­a­iros­em­São­Paulo/SP 10­­‑­La­Fontaine,­33,­a­iros­em­Belo­Horizonte/MG 11­­‑­Marylu,­29,­a­iros­em­Manaus/AM 12­­‑­F.E.S,­33,­a­iros­e­facadas­em­Cabreúva/SP 13­­‑­L.O.P.,­17,­em­Caxias­do­Sul/RS 14­­‑­Cris,­30,­perseguida­e­executada­a­iros­em­Natal/RN 15­­‑­Monica­Lewinky,­38,­em­Curiiba/PR 16­­‑­Joelma,­a­iros­em­Altos/PI 17­­‑­Emilly­Sallimeni,­20,­a­facadas­em­Gravataí­Porto­ Alegre/RS 18­­‑­Rafaela,­em­Viamão­­‑­Porto­Alegre/RS 19­­‑­Stephane,­33,­estrangulada­em­Taboão­da­Serra/SP 20­­‑­Xando,­31,­estrangulada­em­Cuiabá/MT 21­­‑­Paloma,­24,­a­iros­em­Goiânia/GO 22­­‑­Loba,­18,­a­facadas­em­Igarassú/PE 23­­‑­Nardon,­a­iros­em­Alegrete/RS 24­­‑­Trans­não­ideniicada,­carbonizada­em­Ipojuca­­‑­ Porto­de­Galinhas/PE 25­­‑­Trans­não­ideniicada,­40,­a­facadas­em­Minaçu/GO 26­­‑­Fernanda,­36,­a­facadas­em­São­José­do­Rio­Preto/SP 27­­‑­Abelha,­60,­a­iros­em­Piracicaba/SP 28­­‑­Barbara,­38,­estrangulada­em­Petrolina/PE 29­­‑­Trans­não­ideniicada­a­iros­em­Santo­André/SP 30­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­tesourada­em­João­ Pessoa/PB 31­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­iros­em­Gravataí/RS 32­­‑­Ddébora­Mori,­44,­a­facadas­em­Poços­de­Caldas/MG 33­­‑­Soraia,­21,­a­iros­em­Arapiraca/AL 34­­‑­Da­Silva,­17,­a­iros­em­João­Pessoa/PB

35­­‑­De­Souza­Feitosa,­26,­morta­por­espancamento­em­ Colniza/MT 36­­‑­De­Cabral­Neto,­35,­a­facadas­em­Teresina/PI 37­­‑­Marcela,­33,­morta­por­espancamento­em­ Betim/MG 38­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­iros­em­Contagem/MG 39­­‑­Luciana,­38,­morta­por­golpes­na­cabeça­em­Porto­ Alegre/RS 40­­‑­Eduarda­Fisher,­35,­a­iros­em­Igarassú­­–­Recife/PE 41­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­facadas­em­São­Paulo/SP 42­­‑­Fabia­Machado,­36,­morta­por­apedrejamento­em­ Maricá/RJ 43­­‑­Rihana,­24,­a­facadas­em­Blumenau/SC 44 ‑ Lomanto­Antunes,­28,­a­iros­em­Prado/BA 45­­‑­Trans­não­ideniicada,­13,­por­estrangulamento­ em­Macaíba/RN 46­­‑­Nascimento,­20,­a­iros­em­Belo­Horizonte/MG 47­­‑­Cauã,­25,­a­iros­em­Natal/RN 48­­‑­Guinha,­a­iros­em­Itabuna/BA 49­­‑­Francielle,­35,­em­Rondonópolis/MT 50­­‑­Dani,­35,­Campo­Limpo/SP 51­­‑­Ellen,­15,­por­omissão­de­socorro­após­aplicação­ de­silicone­industrial­em­Ribeirão­Preto/SP 52­­‑­Trans­não­ideniicada­em­São­Gonçalo/RJ 53­­‑­Nathália­Sotero,­a­iros­em­Curiiba/PR 54­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­pauladas­em­Caxias­do­Sul/RS 55­­‑­Shanayne,­29,­em­nova­Floresta/PB 56­­‑­J.R.F.S.,­38,­a­iros­em­Fortaleza/CE 57­­‑­E.T.S.,­33,­a­iros­em­Porto­Real­do­Colégio/AL 58­­‑­Savana­Vogue,­30,­em­Teresina/PI 59­­‑­RST,­21,­a­iros­em­Magé/RJ 60­­‑­Thalia,­31,­a­facadas­em­Guarulhos/SP 61­­‑­Valéria,­30,­a­pauladas­em­Conceição­do­Lago­Açu/MA 62­­‑­Patricia,­25,­a­iros­em­Curiiba/PR 63­­‑­APJ,­39,­a­iros­em­Resende/RJ 64­­‑­Trans­não­ideniicada,­o­corpo­foi­encontrado­ dentro­de­um­saco­no­Rio­Trapicheiro­­‑­Maracanã/RJ 65­­‑­Trans­não­ideniicada,­morta­por­apedrejamento­ em­Teóilo­Otoni/MG 66­­‑­Michelle,­22,­a­iros­em­Canindé/CE

2 | MEMÓRIA LGBT

67­­‑­Marcelly­Tavares,­30,­por­estrangulamento­em­ Dourados/MT 68­­‑­Luneida,­37,­a­facadas­em­Governador­Valadares/MG 69­­‑­W.P.R.,­42,­morta­por­apedrejamento­em­Belo­ Horizonte/MG 70­­‑­Raíssa­Silva,­assassinada­em­Recife/PE 71­­‑­Fernanda­Lima,­22,­a­facadas­em­Belo­Horizonte/MG 72­­‑­Katlyn,­24,­a­facadas­em­Porto­Velho/RO 73­­‑­Gabrielly­Monelly,­21,­suicidou­‑se­por­não­suportar­ a­transfobia­sofrida­no­dia­a­dia­(consideramos­que­a­ transfobia­a­matou) 74­­‑­Tidéia,­26,­a­iros­em­Nova­Serrana/MG 75­­‑­Mayara,­23,­em­Porto­Velho/RO 76­­‑­Trans­não­ideniicada,18,­a­iros­em­Goiânia/GO 77­­‑­Soraia,­29,­a­facadas­em­Corumbá/MT 78­­‑­O.­Alves,­suicídio­em­Mossoró/RN­(avisou­que­ia­ se­suicidar) 79­­‑­Melanie­Fisch,­19,­a­iros­em­João­Pessoa/PB 80­­‑­Felícia,­a­iros­em­Rio­de­Janeiro/RJ 81­­‑­Michele­Santos,­22,­na­Parnaíba/PI 82­­‑­M.­Fernandes,­22,­a­iros­em­Maringá/PR 83­­‑­M.­dos­Santos,­22,­a­iros­em­Brejinho­­‑­Luís­Correia/PI 8 ­ 4­­‑­HPS,­16,­a­iros­em­Maringá/PR 85­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­iros­em­Piracicaba/SP 86­­‑­Trans­não­ideniicada,­30,­em­São­Paulo/SP 87­­‑­Brunet,­22,­a­pauladas­em­Marituba/PA 88­­‑­Natascha,­27,­a­iros­em­Varzéa­Grande/MT 89­­‑­Trans­não­ideniicada,­22,­Rio­de­Janeiro/RJ 90­­‑­S.S.,­27,­a­iros­em­Palhoça/SC 91­­‑­M.A.M.,­35,­a­facadas­em­Itapeva/MG 92­­‑­R.M.,­14,­estrangulada­em­Ibiporã/PR 93­­‑­W.M.­de­Souza,­32,­a­facadas­em­Manaus/AM 94­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­iros­em­Parnamirim/RN 95­­‑­G.D.G.,­32,­a­iros­em­Goiânia/GO

96­­‑­Joana,­31,­a­facadas­em­Bom­Conselho/PE 97­­‑­Sarita,­36,­a­iros­em­Natal/RN 98­­‑­Lady­Buterly,­35,­a­facadas­em­Porto­Seguro/BA 99­­‑­Sarita­,­36,­a­iros­em­Natal/RN 100­­‑­Karina,­a­iros­em­Sapé/PE 101­­‑­Trans­não­ideniicada,­morta­a­pauladas­em­ Manaus/AM 102­­‑­Rebeca,­25,­a­iros­em­Patu/RN 103­­‑­Agatha­Melo,­a­iros­em­São­Paulo/SP 104­­‑­Thays,­27,­a­iros­em­Bauru/SP 105­­‑­Gabriely­Spanic,­26,­em­São­Paulo/SP 106­­‑­Pamela,­29,­a­facadas­em­Itaúna/MG 107­­‑­D.S.S.,­25,­a­facadas­em­Fortaleza/CE 108­­‑­Trans­não­ideniicada,­21,­assassinada­a­pauladas­ e­pedradas­em­Piracicaba/SP 109­­‑­Larissa,­assassinada­em­João­Pessoa/PB 110­­‑­Patricia,­amordaçada­e­morta­com­pancada­na­ cabeça­em­Macaé/RJ 111­­‑­Trans­não­ideniicada,­em­Porto­Velho/RO 112­­‑­Trans­não­ideniicada,­em­Porto­Velho/RO 113­­‑­Trans­não­ideniicada,­morta­a­pauladas­em­ Anápolis­­‑­Goiânia/GO 114­­‑­Travesi­assassinada­a­iros­no­Maranhão 115­­‑­Luciana,­assassinada­a­facadas­em­Uruguaiana/RS 116­­‑­Trans­não­ideniicada,­assassinada­em­Porto­ Velho/RO 117 ‑ Trans,­25,­assassinada­a­iros­em­Curiiba/PR 118­­‑­Trans­não­ideniicada,­a­iros­em­Anápolis­­‑­ Goiânia/GO 119­­‑­Trans­não­ideniicada,­assassinada­em­Porto­ Velho/RO 120­­‑­Fernanda­lima,­assassinada­em­Belo­Horizonte/MG 121­­‑­Homem­trans,­assassinado­pela­esposa­após­ descobrir­que­ele­era­trans­em­Embu­das­Artes/SP

*Dados­disponibilizados­pela­Redtrans brasil via Transrevolução através­de­sua­ presidenta­Indianara Siqueira.

3 | MEMÓRIA LGBT

Proteção e Acolhimento no Projeto Casulo................................................... 06 Ode a Giuseppe Campuzano...................................................................................08 2013: Ano do Fórum Mundial dos Direitos Humanos................................. 11 Safira Bengell e a conquista de adotar legalmente o nome feminino ................................................................14 Transmulheres negras .............................................................................................16 Homens Transexuais..................................................................................................20 Adoção de Nome Social em Universidades é tema de monografia na UFG .....................................................................................................23 Exposição #nossasmusas ......................................................................................24 Mc XuXu #MusaDoFunk.............................................................................................25 Renata Peron #MusaDoSampa.............................................................................29 Marcela Ohio #MusaMiss .......................................................................................34 Rede LGBT de Memória e Museologia Social ................................................38 Das luzes do Lampião da esquina – Nossas memórias e histórias .. 40 Homofobia agora é crime em Pernambuco................................................... 42 Web Série Positivos....................................................................................................45 Perdão a cientista homossexual Alan Turing vem com seis décadas de atraso ............................................................................................47 Museu da Diversidade abre exposição Moda & Diversidade...............48 Algumas notas etnogáficas sobre o mercado e visibilização gay em Valparaíso – Chile .......................................................................................................51 O ser ou não ser da Transexualidade: Uma análise do contéudo em bloggers de transexuais..........................................................................................55 Coligay, torcida formada por homossexuais, tem história contada em livro ..........................................................................................................59 Torcidas LGBT’s Brasileiras....................................................................................62 10 de Janeiro aniversário de Clóvis Bornay ..................................................65

4 | MEMÓRIA LGBT

Expediente Revista Memória LGBT – Ano 1 No 2 – Janeiro / Março de 2014 ISSN 2318‑6275 www.memorialgbt.com [email protected] Editor:­Tony­Boita Redação:­Aline­Inforsato,­Jean­Bapista­ e­Tony­Boita Capa e Diagramação:­Aline­Inforsato Website:­Cássio­Dourado­e­Eldon­Luis Revisão:­Jean­Bapista Corpo Editorial:­Anna­Luisa­Santos­ de­Oliveira,­Danielle­Agosinho,­ Jean­Bapista,­Julia­Moura­Godinho,­ Tony­Boita,­Treyce­Ellen­Goulart Colaboradorxs desta edição Xuxu­Vierah,­Renata­Peron,­ Marcela­Ohio,­Beth­Fernandes,­Saira­ Bengell,­Almerindo­Cardoso­Simões­ Junior,­Anna­Luisa­Santos de­Oliveira,­Rodrigo­Azócar,­ Karina­Borba,­Indianara­Alves­Siqueira,­ Miguel­Marques,­Mário­Magalhães,­ Sandro­Ká,­Daniel­Sena,­Aline­Inforsato,­ Tony­Boita,­Jean­Bapista,­ Cínia­Gonçalves,­Treyce­Ellen­Goulart Agradecimentos ­Xuxu­Vierah,­Renata­Peron,­ Marcela­Ohio,­Almerindo­Cardoso­ Simões­Junior,­Rodrigo­Azócar,­ Karina­Borba,­Indianara­Alves­Siqueira,­ Miguel­Marques,­Saira­Bengell,­ Mário­Magalhães,­João­Paulo­Peixoto,­ Welington­Silva,­Gabriel­Acosta­ Insaurriaga,­­Manuelina­Maria­Duarte­ Cândido,­Camilo­Braz Sandro­Ká,­Daniel­Sena,­Jean­Bapista,­ Cínia­Gonçalves,­Treyce­Ellen­Goulart,­ Aline­Inforsato,­Cássio­Dourado,­ Eldon­Luis­Museu­da­Diversidade,­ Somos­Ponto­de­Cultura­LGBT,­ Página­Homens­Transexuais,­ aos­membros­da­Rede­LGBT­de­ Memória­e­Museologia­Social,­ Série­Posiivos. Seja um colaborador também! Qualquer pessoa poderá pesquisar, estudar e comunicar o mateiral da Revista Memória LGBT desde que autorizado pela mesma. Entre em contato: [email protected]

Editorial Tony Boita

Iniciamos­2014­e­felizmente­não­fui­assassinado­como­outros­integrantes­ da­comunidade­LGBT.­Sobreviver­em­um­país­que­concentra­44%­da­violên‑ cia­mundial­aos­lgbt’s,­violência­roineira­e­apoiada­por­um­Estado­conser‑ vador­e­dominado­por­igrejas­que­se­negam­a­criminalizar­a­homofobia,­é­ viver­com­sorte.­Se­para­nós­gays­essa­violência,­boicote,­ódio­e­brutalidade­ se­conigura­em­um­desaio­coidiano,­o­que­não­dizer­dos­desaios­diários­ da­comunidade­trans?­Desprovidos­de­direitos,­à­margem­e­ainda­sendo­ tradados­como­doentes,­são­os­“T”­a­linha­de­frente,­a­infantaria,­de­uma­ batalha­em­que­seguimos­perdendo. Foi­a­parir­destas­preocupações­que­o­tema­desta­edição­é­a­Visibilidade­ Trans,­lembrada­somente­no­dia­29­de­janeiro­de­cada­ano.­A­data­foi­cria‑ da­em­2004­quando­representantes­da­Associação­Nacional­de­Travesis­e­ Transexuais­(ANTRA)­ocuparam­o­Congresso­Nacional­para­lançar­a­campa‑ nha­nacional­do­Ministério­da­Saúde­“­Travesi­e­Respeito”.­Mesmo­sendo­ essa­uma­ação­pioneira,­marco­da­história­LGBT­no­Brasil,­a­ação­segue­ain‑ da­sendo­ignorada­pelos­canais­públicos.­E­por­isso­dedicaremos­não­só­está­ edição­mas­todo­o­nosso­trabalho­à­comunidade­trans­e­suas­memórias.­ E­neste­espaço­declaro­todo­o­meu­respeito­e­agradecimento­a­tod@s­ trans­que­colaboraram­nesta­edição.­Vocês­são­guerreir@s! Nesta­edição­a­Revista­Memória­LGBT­desconstrói­a­tradição­e­reconstrói­ novos­mitos,­atualizando­‑os.­Inspirados­pelo­se travesir­de­André­Campu‑ zano,­fundador­do­Museu­Travesi,­no­Peru,­que­nos­deixou­em­novembro­ de­2013­e­por­isso­não­pode­estar­conosco­para­organizar­a­matéria­co‑ memoraiva­aos­dez­anos­do­Museu,­propomos­uma­Ode­em­sua­home‑ nagem,­releindo­sobre­seu­legado­e­interrogando­os­moivos­que­fazem­ com­que­o­Brasil­não­possua­iniciaivas­museológicas­semelhantes. Nesta­edição,­iniciaremos­o­ciclo­de­debates­a­respeito­da­memória­trans.­ Para­tal,­trazemos­uma­seção­especial­tratando­de­exposições,­fesivais,­di‑ cas­de­cinema­e­livros,­bem­como­arigos­e­entrevistas­que­versam­sobre­a­ relação­das­pessoas­trans­com­a­memória­nacional.­Beth­Fernandes,­Cínia­ Gonçalves,­Saira­Bengell,­Treyce­Goulart­são­alguns­dos­pesquisadores­e­ militantes­que­trazem­importantes­análises­sobre­o­não‑lugar­da­poplação­ trans­no­Brasiil.­Em­seguida,­apresentamos­a­Exposição­em­Revista­Nossas­ Musas,­desinada­a­pensar­que­o­debate­museológico­não­necessita­iniciar­ no­Olimpo­grego,­mas,­sim,­a­parir­de­personalidades­como­Mc­Xuxu,­Re‑ nata­Peron­e­Marcele­Ohio,­musas­contemporâneas­que­hoje­salvaguardam­ a­memória­e­a­arte­da­população­LGBT.­Além­disso,­a­revista­traz­novas­se‑ ções­e­textos,­entevistas,­análises­sobre­a­universidade­brasileira,­história­ das­torcidas­de­futebol­LGBT­e­até­mesmo­noícias­internacionais.­Tenha­ uma­óima­leitura! ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­ ­­­­­­­­­­­­­­­Tony­Boita A­Revista­Memória­LGBT,­coordenada­por­Tony­Boita,­é­uma­revista­bimestral­vinculada­ao­pro‑ jeto­Patrimônio Cultural LGBT e museus: mapeamento e potencialidades de memórias negligencia‑ das,­com­coordenação­de­Tony­Boita­e­Jean­Bapista.

Proibida Comercialização Todos os direitos reservados a Tony Willian Boita

5 | MEMÓRIA LGBT

Proteção e acolhimento no Projeto Casulo Beth­Fernandes *

O­debate­em­torno­da­questão­do­atendimento­ e­ o­ acolhimento­ tem­ sido­ um­ elemento­ de­ suma­ importância­ para­ entendermos­ a­ exploração­ se‑ xual­e­o­tráico­de­pessoas.­O­PROJETO­CASULO­foi­ pensado­na­perspeciva­de­atender­e­proteger­pes‑ soas­travesis­e­transexuais­que­chamaremos­aqui­ de­pessoas­“TRANS”;­a­ideia­inicial­foi­uma­Casa­de­ Passagem­para­as­víimas­de­tráico­de­pessoas­e­da­ exploração­sexual­e­de­acolhida­às­pessoas­em­si‑ tuação­de­migração­LGBT.­Pois­nunca­temos­noicias­ de­adolescentes­e­jovens­expulsos­de­casa­por­sua­ cor­ ou­ por­ serem­ usuários­ de­ drogas,­ mas­ é­ alar‑ mante­o­número­de­adolescentes­expulsos­de­casa­ ou­sem­teto­por­serem­homossexuais,­e,­sobretudo­ por­serem­travesis­e­ou­transexuais.­E­logo­que­es‑ tão­nas­ruas,­as­poucas­Casas­de­Passagem­ou­Abri‑ gos­existentes­não­dão­conta­de­absorverem­essa­ população.­Assim­permanecem­nas­ruas­e­passam­ a­ ser­alvo­ fácil­ para­ “cafeinagem”­ e­ a­ exploração­ sexual­ e­comercial.­ A­construção­ de­uma­Casa­de­ Passagem­para­essa­população­como­acolhedora­no­ período­de­se­refazer­como­pessoas­e­não­como­ví‑ ima­é­vista­por­muitos­e­por­alguns­do­movimento­ social­ como­ um­ “gueto­ esigmaizante”.­ Contudo,­ infelizmente,­não­existem­abrigos­para­essa­popu‑ lação.­ O­ PROJETO­ CASULO­ visa­ a­ autonomia­ das­ víimas­e­busca­possibilitar­a­visibilidade­deste­ser­ como­cidadão­pensando­em­direitos­sexuais­e­direi‑

especial

Nasce a primeira casa de passagem para pessoas Trans no

Beth­Fernandes,­fundadora­da­casa­de­passagem­para­trans

6 | MEMÓRIA LGBT

tos­humanos.­A­responsabilidade­do­projeto­diante­ da­culpabilidade­do­crime­é­mínima,­mas,­diante­do­ ser­humano,­enorme.­Pois­precisa­viabilizar­a­cons‑ trução­de­novas­referências,­que­auxiliem­na­condu‑ ção­harmônica­do­viver.­Também­auxilia­essas­pes‑ soas­ a­ vivenciarem­ suas­ dores,­ culpas­ e­ fantasias,­ a­im­de­melhor­conviverem­com­sua­condição­de­ pessoas­“TRANS”­em­nossa­sociedade.­O­PROJETO­ CASULO­é­uma­ação­poliica­idealizada­pelo­aivis‑ mo­e­militância­da­luta­LGBT.

*Beth­Fernandes­(Roberta­Fernandes­de­Souza)­é­ psicóloga,­especialista­em­Administração­Educacio‑ nal,­Planejamento­Educacional­e­Psicologia­Clínica;­ mestre­em­Saúde­Mental­–­UNICAMP;­presidenta­ da­ASTRAL­‑GOIAS­e­do­PROJETO­CASULO.

especial

Referências FERNANDES,­ Beth.­ Da­ relação­ das­ travesis­ e­ transexuais­com­o­HIV/AIDS.­Revista­do­VII­Con‑ gresso­da­SBDST/AIDS.­Goiânia,­2008. ______.­ Da­ relação­ das­ travesis­ e­ transexuais­ com­ o­ tráico­ de­ pessoas.­ Revista­ eletrônica­ do­ Simpósio­Vozes­e­Plurais,­2009.

_____.­ As­ deiciências­ dos­ serviços­ de­ acolhi‑ mento:­relato­de­atendimento­de­mulher­víima­ de­tráico­interno.­Goiânia.­Revista­Caminhos­do­ Núcleo­de­Enfrentamento­ao­Tráico­de­Pessoas­ em­Goiás,­ano­1,­abril/junho­de­2011. _____.­As­vulnerabilidades­das­travesis­e­tran‑ sexuais­com­o­HIV/AIDS:­relato­de­um­grupo­em­ Goiânia,­Curiiba.­Revista­do­VIII­Congresso­da­So‑ ciedade­Brasileira­de­DST,­IV­Congresso­Brasileiro­ de­AIDS­e­I­Congresso­ALAC/IUSTI­Laino­América,­ maio­de­2011.

7 | MEMÓRIA LGBT

especial

Ode a Giuseppe Campuzano Jean Bapista­e­Tony­Boita

Ao completar 10 anos, o Museu Travesi, no Peru, perde seu fundador, Giuseppe Campuzano, mas nos deixa um ícone da museologia LGBT

Não­ queremos­ falar­ da­ dor­ que­ nos­ provoca­ a­ morte­ de­ Giuseppe­ Campuzano,­ fundador­ do­ Museu­Travesi­(Peru).­Queremos­nos­travesir­de­ Campuzano,­usar­maquiagem­incaica,­manto­de­ plumas­da­aves­sagradas­e­peruca­de­longos­ios­ negros­ para­ pensar­ a­ imensa­ contribuição­ que­ deixa­não­só­para­seu­país­de­origem,­mas­para­ todos­nós,­proissionais­de­museus­interessados­ na­democraização­da­memória­no­Brasil. Há­ dez­ anos,­ Campuzano­ criou­ uma­ vivência­ museal­que­se­tornou­um­marco­na­museologia­ LGBT:­El Museu Travesi­possuía­no­corpo­do­pró‑ prio­ diretor­ pilares­ de­ seu­ acervo­ e­ na­ história­ do­ Peru­ os­ fundamentos­ da­ natureza­ trans­ dos­ museus.­“O­Museu­Travesi­do­Peru­nasce­da­ne‑ cessidade­de­uma­história­própria”,­diz­Giuseppe­ no site­ do­ Museu,­ “ensaiando­ uma­ arqueologia­ das­maquiagens­e­uma­ilosoia­dos­corpos­para­ propor­ uma­ elaboração­ de­ metáforas­ mais­ pro‑ duivas­ que­ qualquer­ catalogação­ excludente”.­ Na­vanguarda­do­debate,­Campuzano­traveste­‑se­ em­ Virgem­ Maria,­ em­ deusas­ incaicas,­ em­ vir‑ gens­ desinadas­ a­ sacriícios­ ritualísicos­ de­ an‑ igos­ povos­ indígenas.­ Na­ metáfora,­ denuncia­ o­ racismo­e­a­transfobia­católica,­estatal,­peruana,­ laino­‑americana,­o­não­‑lugar­de­cada­um­de­nós­ LGBT.­E­o­fez­respondendo­toda­brutalidade­com­ uma­exposição­exemplar,­com­cores­vivas,­com­i‑

gurinos­extraordinários,­com­pesquisas­antropo‑ lógicas­e­com­discursos­de­união/paz­que­encon‑ travam­seu­próprio­corpo­em­performances­que­ não­podem­ser­esquecidas. Embora­ a­ transfobia­ tenha­ determinado­ a­ ex‑ clusão­do­pensamento­trans­da­produção­museo‑ lógica,­Campuzano­demonstrou­que­a­capacidade­ de­transicionar­esta­na­essência­da­museologia.­ Nos­ museus,­ transicionamos­ patrimônio,­ reen‑ contramos­suas­idenidades­em­espaços­contem‑ porâneos­ e­ travesimos­ os­ objetos­ com­ novos­ senidos,­senidos­contemporâneos.­O­Museu,­é­ de­fato,­um­espaço­travesi. Das­ musas­ gregas­ (em­ verdade,­ dos­ musos­ travesidos­ no­ teatro­ anigo),­ acompanhamos­ a­ transformação­ constante­ dos­ museus.­ Hoje­ pretendem­ser­inclusivos,­combater­discrimina‑ ções,­defender­o­direito­à­memória.­No­contex‑ to­ laino­‑americano­ e­ no­ Brasil­ que­ mais­ mata­ LGBT­ no­ mundo,­ essa­ nova­ performance­ dos­ museus­é­emergencial.­Contudo,­o­direito­à­me‑ mória­se­tornou­um­grande­chavão­na­museolo‑ gia,­ao­menos­no­que­se­refere­aos­LGBT­e­em­ especial­aos­T­da­longa­sigla.­No­Brasil,­a­ideia­de­ um­Museu­Trans­ou­LGBT­demora­a­pegar:­seja­ pela­força­da­fobia­aos­LGBT­que­domina­as­polí‑ icas­culturais,­seja­pelo­lugar­do­museu­no­Bra‑ sil,­intencionalmente­excludente,­que­teima­em­ coquetéis­e­escandalosos­banquetes­do­mais­do­ mesmo­ao­invés­de­se­democraizar. No­ âmbito­ geral­ dos­ museus,­ impera­ o­ racio‑ cínio­ excludente:­ “não­ tenho­ nada­ contra”,­ nos­ disse­ certo­ diretor­ de­ um­ museu­ manido­ por­ fundos­ públicos,­ “mas­ esta­ não­ é­ a­ missão­ do­ meu­museu”.­Assim­tem­sido:­os­museus­de­arte,­

8 | MEMÓRIA LGBT

medicina,­ história,­ tecnologia­ ou­ até­ mesmo­ os­ comunitários­protegem­‑se­em­suas­missões­que,­ evidentemente,­ não­ incluem­ a­ questão­ LGBT­ justamente­ por­ terem­ sido­ construídas­ em­ con‑ textos­ fóbicos­ aos­ mesmos.­ Perde­‑se,­ com­ isso,­ a­ possibilidade­ de­ discuir­ com­ a­ sociedade­ os­ resultados­de­uma­história­violenta­e­as­alternai‑ vas­de­paz­que­se­poderiam­construir. Silêncios­nos­museus,­silêncios­na­academia.­A­ falta­de­políicas­de­combate­à­fobia­aos­LGBT­nas­ universidades,­ a­ incapacidade­ das­ Ifes­ em­ pos‑ suir­ um­ programa­ de­ acesso­ (onde­ o­ nome­ so‑ cial­ fosse­ uilizado­ desde­ o­ início­ dos­ processos­ seleivos)­e­permanência­LGBT,­a­ausência­de­li‑ nhas­de­pesquisa­ou­publicações­sobre­o­tema,­a­ negaiva­de­orientação­constante­aos­estudantes­ interessados­em­pesquisar­o­tema­(a­desculpa­re‑ corrente­é­a­ausência­de­produção),­entre­outros­ fatores,­evidenciam­a­conivência­acadêmica­com­ a­homo,­lesbo­e­transfobia.­Eventos­da­museolo‑ gia­tratando­especiicamente­do­tema?­Nenhum­ até­o­momento,­é­claro. Disso­tudo,­longas­dúvidas:­o­que­podemos­air‑ mar­sobre­a­comunidade­museológica­brasileira­a­ parir­do­fato­dos­mais­de­3­mil­museus­do­Brasil­ não­abordarem­a­questão­LGBT?­O­que­faz­com­ que­ nem­ mesmo­ exposições­ temporárias,­ com­ curadoria­trans­por­exemplo,­possam­ser­monta‑ das?­E­por­que­não­uma­Primavera­nos­Museus­ LGBT­promovida­pelo­Ibram?­Por­que­parece­ser­ absolutamente­ impossível­ pensar­ que­ o­ Brasil­

possa­ter­uma­experiência­como­a­do­Museu­Tra‑ vesi­ no­ Peru?­ Será­ a­ comunidade­ museológica­ brasileira­homo,­lesbo­e­transfóbica? Novidades­ recentes,­ entretanto,­ temos­ para­ contar­a­parir­de­2013.­O­Museu­da­Diversidade­ em­São­Paulo,­um­museu­sub‑way­na­estação­da­ República,­ dedicou­ sua­ primeira­ exposição, O T da questão,­ para­ população­ trans.­ Foi­ a­ primei‑ ra­exposição­em­um­museu­manido­por­fundos­ públicos­ a­ adotar­ este­ tema,­ ao­ menos­ que­ te‑ mos­noícia.­Logo­em­seguida,­esse­mesmo­mu‑ seu­montou­a­exposição­Crisálidas,­composta­por­ fotograias­ de­ Madalena­ Schwartz­ feitas­ com­ a­ população­ trans­ dos­ anos­ de­ 1970.­ Já­ o­ Museu­ das­ Bandeiras­ (Muban)­ promoveu­ a­ I Semana do Babado,­dedicada­a­discuir­a­homo,­lesbo­e­ transfobia­em­Goiás:­rodas­de­conversas,­espetá‑ culos­de­divas­trans­e­uma­exposição­com­fotos­ de­ membros­ da­ comunidade­ LGBT­ de­ todo­ país­ izeram­parte­da­extensa­programação.­Na­facha‑ da­do­Muban,­uma­imensa­bandeira­arco­‑íris­foi­ erguida­pela­primeira­vez­em­um­museu­do­Insi‑ tuto­Brasileiro­de­Museus­(Ibram­‑Minc).­Tanto­no­ Museu­ da­ Diversidade­ quanto­ no­ Muban,­ avan‑ ços­ democraizantes:­ a­ população­ LGBT­ percor‑ rendo­ os­ espaços­ museais,­ representando­‑se­ e­ vendo­‑se­representar.­Paralelamente,­o­absurdo­ da­segregação:­protestos­de­setores­conservado‑ res­que­insistem­em­airmar­que­o­lugar­dos­LGBT­ não­é­nos­museus. Obviamente,­nascidos­em­um­mundo­que­diz­ não­ser­para­nós,­encontramos­alternaivas­cria‑ ivas­para­essas­barreiras­–­trata­‑se­da­capacida‑ de­de­se­recriar­que­o­pensamento­trans­possi‑

9 | MEMÓRIA LGBT

bilita.­Nesse­senido,­temos­feito­nossa­parte.­ A­criação­da­Rede­LGBT­de­Memória­e­Museo‑ logia­ Social­ e­ a­ presente­ revista­ são­ algumas­ das­ ações­ que­ tem­ feito­ difrença­ em­ amplos­ setores.­ Na­ universidade,­ tocamos­ em­ fren‑ te­ um­ programa­ de­ Extensão­ chamado­ Comuf­ (Comunidades+Universidades­ Federais),­ onde­ um­ de­ seus­ projetos­ é­ desinado­ a­ acolher­ o­ membro­comunitário­e­o­acadêmico­LGBT,­pos‑ sibilitando­seu­acesso­e­permanência­ao­Ensino­ Superior­por­meio­da­formação­do­extensionista‑ ‑pesquisador­LGBT:­não­queremos­icar­falando­ em­nome­dos­T;­queremos,­sim,­formar­museó‑ logxs­trans!­

Também­oferecemos­um­mini­‑curso­para­cur‑ sos­ de­ museologia,­ museus,­ escolas­ e­ movi‑ mentos­sociais­sobre­a­história­e­memória­LGBT­ –­até­o­momento,­nenhum­museu­ou­universi‑ dade­ solicitou­ tal­ serviço­ ao­ contrário­ dos­ de‑ mais­setores.­Mas­bora­lá­trabalhar,­sem­desa‑ nimar. ­Mas­e­você,­proissional­de­museus­‑patrimônio‑ ‑memória,­o­que­tem­feito?­Sugiro­que­comece­ se­travesindo­para­experimentar­na­pele­o­bri‑ lho­ de­ outras­ almas,­ como­ a­ de­ Campuzano,­ e­ com­isso­encontrar­caminhos­que­recriem­a­mu‑ seologia­brasileira,­transicionando­‑a,­de­fato,­em­ uma­museologia­efeivamente­democraizadora.­

especial

Conheça o site do Museu Travesi, com fotos, vídeos e textos: htp://hemi.nyu.edu/hemi/es/campuzano‑presentacion

10 | MEMÓRIA LGBT

2013 – Ano do Fórum Mundial de Direitos Humanos Cínia­Gonçalves

Cínia­Gonçalves­(segunda­da­esquerda­para­a­direita),­com­integrantes­do­Programa­de­Extensão­Comunidades­ (Proext),­no­Fórum­Mundial­de­Direitos­Humanos

O­ ano­ de­ 2013­ foi­ marcante­ na­luta­pelos­direitos­LGBT.­Fa‑ tos­ importantes­ como­ a­ posse­ da­ presidência­ da­ Comissão­ de­ Direitos­ Humanos­ e­ Mino‑ rias­ por­ um­ fundamentalista­ religioso­ na­ Câmara­ dos­ De‑ putados­ desencadearam­ uma­ publicização­ da­ mobilização­ em­ todo­ o­ país­ de­ apoiadores­ e­ aivistas­ do­ movimento­ so‑ cial­LGBT,­entre­outros­setores­

que­ despertaram­ ao­ constatar­ o­discurso­de­ódio­livre­e­solto­ nas­instâncias­governamentais.­ O­fato­serviu­como­um­divisor­ de­águas­e­ivemos­várias­pes‑ soas­que­se­seniram­na­obriga‑ ção­de­assumirem­um­dos­dois­ lados:­ contra­ ou­ a­ favor­ dos­ direitos­ LGBT.­ A­ parir­ daí­ os­ assuntos­relacionados­a­LGBT’s­ remeiam­em­algum­momento­ à­Marco­Feliciano­e­suas­decla‑

11 | MEMÓRIA LGBT

rações­homofóbicas,­racistas­e­ machistas. O­ Fórum­ Mundial­ de­ Direi‑ tos­ Humanos­ não­ poderia­ ser­ diferente.­ Onde­ estava­ o­ en‑ tão­ presidente­ da­ CDHM­ que­ não­ compareceu­ ao­ Fórum?­ Sua­ ausência­ e­ sua­ justifica‑ tiva­ demonstraram­ o­ quanto­ Marco­ Feliciano­ não­ nos­ re‑ presenta.­ Não­ representa­ Di‑ reitos­Humanos,­muito­menos­

alguma­ minoria.­ A­ sua­ incan‑ sável­ tentativa­ de­ opressão­ aos­ direitos,­ principalmente­ de­ lésbicas,­ gays,­ bissexuais­ e­ transgêneros­ deu­ visibilida‑ de­ e­ voz­ a­ outros­ inimigos­ de­ nossa­causa­e­nos­alertou­para­ quais­são­as­pedras­em­nosso­ caminho.­ Tais­ forças­ reunidas­ fizeram­ com­ que,­ nesse­ ano,­ as­ políticas­ referentes­ aos­ di‑ reitos­ sexuais,­ reprodutivos,­ de­ segurança­ e­ acesso­ aos­ direitos­ jurídicos­ para­ nossa­ comunidade­ retrocedessem­ drasticamente.­ Com­ exceção­ ao­ reconhecimento­ do­ casa‑ mento­ entre­ pessoas­ do­ mes‑ mo­ sexo,­ não­ obtivemos­ ou‑ tras­conquistas­significativas. Nesse­ senido,­ os­ momentos­ de­ organização,­ encontros­ e­ mobilizações­ tornaram­‑se­ mais­ relevantes.­ O­ Fórum­ oportuni‑ zou­ comparilhar­ informações,­ aricular­ novas­ ideias,­ encon‑ trar­com­militantes­de­diversas­ partes­ do­ país­ e­ do­ mundo,­ e­ estreitar­relações­visando­a­pro‑

moção­ dos­ direitos­ humanos.­ Dentre­ as­ várias­ aividades­ do­ Fórum,­as­relacionadas­à­ideni‑ dade­de­gênero­iveram­grande­ destaque.­Foi­possível­observar­ que­a­Defensoria­Pública­de­al‑ guns­estados­estão­comprome‑ idas­com­a­questão­do­respeito­ à­ idenidade­ de­ gênero.­ Medi‑ das­ que­ evitam­ o­ constrangi‑ mento­ e­ garantem­ a­ dignidade­ de­ pessoas­ transexuais,­ traves‑ is­e­transgêneros­pode­ser­um­ começo­para­proporcionar­uma­ vida­social­mais­tranquila.­Essas­ ações­vão­desde­a­possibilidade­ de­ uilizar­ o­ banheiro­ corres‑ pondente­ ao­ gênero­ ao­ qual­ pertence,­até­a­regulamentação­ do­uso­do­nome­social­inclusive­ com­ a­ confecção­ de­ documen‑ tos­ de­ ideniicação­ para­ pes‑ soas­ trans­ em­ alguns­ estados­ (Rio­Grande­do­Sul­e­Pará),­bem­ como­ o­ tratamento­ correto­ de­ pessoas­ trans­ por­ funcionários­ e­ burocracia­ pública­ no­ acesso­ aos­ serviços­ de­ saúde,­ educa‑ ção­e­segurança.

12 | MEMÓRIA LGBT

Por­outro­lado,­a­própria­or‑ ganização­ do­ Fórum­ foi­ negli‑ gente­com­as­pessoas­trans­na­ organização­do­acampamento.­ Os­ locais­ para­ banho­ não­ dis‑ punham­de­porta­ou­qualquer­ estrutura­ que­ tornasse­ o­ box­ do­chuveiro­reservado.­Haviam­ divisórias­enileiradas,­uma­em­ frente­à­outra.­Sendo­assim­as­ pessoas­tomavam­banho­umas­ de­frente­para­outras,­sem­ne‑ nhuma­privacidade.­O­que­cau‑ sou­ muito­ desconforto­ para­ pessoas­trans­que­optaram­por­ icar­ no­ acampamento,­ como­ foi­ meu­ caso.­ Na­ maioria­ das­ vezes­ a­ relação­ que­ uma­ pes‑ soa­ trans­ tem­ com­ seu­ corpo­ não­é­uma­das­melhores,­pois­ não­ reconhece­ aquele­ como­ sendo­ seu­ corpo­ legíimo,­ de­ acordo­ com­ seu­ gênero.­ Se­ existe­ esse­ conlito­ interno,­ imaginem­ quando­ outras­ pes‑ soas­ desconhecidas­ podem­ observar­ o­ corpo­ da­ pessoa­ trans­ durante­ o­ banho?­ Para­ evitar­ esse­ constrangimento­

exisiam­ apenas­ duas­ alterna‑ ivas:­aguardar­o­horário­onde­ houvesse­ menor­ número­ de­ pessoas­tomando­banho­ou­i‑ car­ sem­ tomar­ banho.­ Assim,­ é­ incoerente­ que­ em­ um­ am‑ biente­ no­ qual­ discuimos­ es‑ tratégias­e­políicas­amplas­de­ promoção­de­direitos­e­colei‑ vos,­não­tenha­havido­atenção­ para­ os­ detalhes­ e­ nossas­ ne‑ cessidades­especiicas.­ Para­ a­ nossa­ sorte,­ temos­ bem­ próximos­ um­ exemplo­ a­ ser­seguido.­A­nossa­vizinha­Ar‑ genina­mostrou­que­respeita­a­ diversidade­com­uma­das­políi‑ cas­ mais­ avançadas­ no­ mundo,­ senão­ a­ mais­ avançada­ para­ as­ pessoas­ LGBT.­ Lá­ a­ idenidade­ de­ gênero­ é­ respeitada,­ inclu‑ sive­ de­ estrangeirxs!­ Lá­ o­ ca‑ minho­para­as­cirurgias­de­rea‑ dequação­ é­ mais­ simples.­ Até­ mesmo­ menores­ de­ idade­ são­ aptos­ a­ fazerem­ a­ cirurgia­ com­ autorização­da­família.­Mas,­in‑ felizmente,­aqui­no­Brasil­a­nos‑ sa­ caminhada­ é­ longa.­ Outros­ fatores­ importantes­ que­ vão­ além­da­uilização­de­banheiros,­ nome­ social­ e­ ao­ respeito­ for‑ mal­em­locais­públicos,­aqui,­são­ discuidos­de­forma­mais­lenta,­ burocráica­e­contaminadas­por­ preceitos­ religiosos­ em­ um­ es‑ tado­ laico.­ Um­ desses­ fatores­ é­ a­ adequação­ ísica­ da­ pessoa­ trans­ao­gênero­o­qual­pertence.­ É­sabido­que­pessoas­trans­são­ –­dentre­os­LGBT’s­‑­as­que­mais­ sofrem­ preconceito,­ pois­ sua­ condição­ é­ visível.­ Se­ por­ um­ lado­ um­ homem­ homossexual­

não­precisa­expor­publicamente­ sua­ orientação­ sexual,­ por­ ou‑ tro,­ a­ pessoa­ trans­ não­ pode­ e­ não­deve­esconder­seu­gênero.­ Evidentemente,­isso­causa­qua‑ dros­graves­de­depressão­e,­em­ alguns­ casos,­ até­ suicídio.­ Par‑ indo­ desse­ raciocínio,­ torna­‑se­ óbvio­o­caminho­que­se­deve­se‑ guir­ para­ prover­ uma­ vida­ sau‑ dável­e­plena­para­nós,­pessoas­ trans:­ adequar­ nossa­ aparência­ ao­gênero­ao­qual­pertencemos.­ Paricipei­ de­ uma­ aividade­ au‑ togesionada­ onde­ esteve­ pre‑ sente­homens­e­mulheres­trans­ além­ de­ proissionais­ atuantes­ no­ setor­ jurídico­ e­ social.­ No­ debate­e­troca­de­experiências/ impressões,­ abordou­‑se­ a­ ne‑ cessidade­ de­ as­ cirurgias­ para­ pessoas­ trans­ –­ como­ as­ de­ redesignação­ sexual,­ mastec‑ tomia,­ histerectomia,­ dentre­ outras­ –­ serem­ reestruturadas­ as­suas­formas­de­acesso.­Hoje­

13 | MEMÓRIA LGBT

a­ burocracia­ para­ a­ realização­ desses­procedimentos­pelo­SUS­ é­o­maior­retentor­da­felicidade­ de­ milhares­ de­ pessoas­ trans­ e­ é­ contra­ a­ excessiva­ burocrai‑ zação­e­patologização­de­nossas­ idenidades­ que­ temos­ lutado­ há­tantos­anos­enquanto­movi‑ mento­ de­ pessoas­ trans.­ Tanto­ tempo­de­luta­e­dedicação­tem­ que­ resultar­ em­ algo­ posiivo.­ Enquanto­ essa­ conquista­ não­ é­ alcançada,­é­imprescindível­que­ a­comunidade­trans­se­una,­tro‑ que­ informações­ e­ busque­ por­ meios­ jurídicos,­ se­ for­ preciso,­ a­ garania­ de­ nossa­ dignidade.­ Cada­ conquista,­ individual­ ou­ coleiva,­deve­ser­comparilhada­ para­ser­tomada­como­exemplo­ de­caminhos­que­podem­ser­se‑ guidos.­Precisamos­estar­juntxs,­ reunidxs,­trabalhando­em­rede.­ Como­já­diz­a­sabedoria­popular,­ “a­união­faz­a­força”,­e­a­troca­de­ informação­nos­empodera.

Safira Bengell Foi­ no­ Cabaret­ Casa­ Nova­ (Lapa,­ RJ),­ considerada­pela­Revista­Memória­LGBT­ o­ primeiro­ Patrimônio­ Material­ LGBT­ do­Brasil,­que­na­década­de­1970,­­por­ moivos­ de­ sobrevivência,­ a­ paraibana­ Saira­ Bengell­ iniciou­ suas­ aividades­ como­atriz.­Contando­com­uma­trajetó‑ ria­ ­ fundamental­ para­ a­ memória­ LGBT­ no­ Brasil,­ Bengell­ tornou­‑se­ a­ primeira­­ transformista­ a­ uilizar­ o­ nome­ femini‑ no­em­seus­documentos­sem­necessitar­ realizar­a­cirurgia­de­transgenitalização.­ Segundo­ ela,­ sua­ trajetória­ ­ pela­ “arte­ foi­ o­ argumento­ que­ pesou­ nesta­ deci‑ são­de­Jusiça”.­­Como­se­percebe,­a­me‑ mória­aliada­à­arte,­são­importantes­ins‑ trumentos­para­a­conquista­de­Direitos­ da­população­LGBT.­Conira­a­entrevista­ com­ Saira­ e­ conheça­ um­ pouco­ mais­ dessa­história.

“coninuem este trabalho serio e importante para que a sociedade veja que somos pessoas iguais na diferença. O sol nasceu para todos e sombra para quem merece. Abraceijos.” Saira Bengell

Saira Bengell é a primeira transformista a uilizar o nome feminino em seus documentos sem realizar a cirurgia de transgenitalização

14 | MEMÓRIA LGBT

Qual sua trajetória de vida? Nasci­em­Teresina­e­comecei­como­colunista­ social.­ Devido­ ao­ preconceito­ tive­ que­ sair­ de­ casa­muito­cedo­e­ir­para­o­Rio­de­Janeiro,­úni‑ co­lugar­para­onde­as­pessoas­imigravam­para­ serem­ livres.­ Em­ seguida­ fui­ para­ São­ Paulo,­ Santos­e­de­lá­formei­um­grupo­com­mulheres,­ cantor@s­e­transformistas.­Viajamos­pelo­Bra‑ sil.­Depois­embarquei­rumo­a­Europa­para­me­ lapidar­e­aprender­mais.

Acho­que­a­sociedade­civil­é­que­deve­se­mo‑ bilizar­ para­ fazer­ este­ trabalho.­ Além­ ocupar­ ­ e­ se­ empoderar­­ do­ que­ é­ nosso­ também.­ Recen‑ temente­fui­convidada­pela­Academia­Piauiense­ de­Letras.­Creio­que­está­na­hora­de­nós­falarmos­ sobre­nós­mesmos.

Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) você gostaria de expor em um museu? A nossa. Creio também que é importante pesquisarmos sobre quem fez história de verdade e registra‑ Quais são seus principais trabalhos como arista? mos isso. Qual­ memória­ você­ jamais­ gostaria­ de­ esque‑ Acho­que­ter­tido­a­oportunidade­de­abrir­uma­ casa­de­shows­na­Europa,­a­American­Disaster‑ cer?­ A­ nossa!­ Especialmente­ durante­ o­ regime­ ‑Milão,­ e­ poder­ mostrar­ a­ el@s­ nossa­ arte­ foi­ civil­militar.­ gratificante.­ Fui­ convidada­ a­ fazer­ cinema,­ Qual o recado que você deixa para a Revista atuar­na­TV­italiana­e­conquistei­muito­respeito­ Memória LGBT? pelo­público­europeu.­Foi­importante­para­que­ Que­coninuem­este­trabalho­sério­e­importan‑ valorizasse­cada­vez­mais­minha­carreira.­Fiz­o­ calendário­de­Drags­com­Sérgio­Caminata­o­fo‑ te­para­que­a­sociedade­veja­que­somos­pessoas­ tógrafo­da­Giorgio­Armani­e­posteriormente­fiz­ iguais­ na­ diferença.­ O­ sol­ nasceu­ para­ todos­ e­ livro­de­fotos.­Trabalhei­com­atores­italianos­e­ sombra­para­quem­merece.­Abraceijos! mostrei­que­não­somos­somente­sexo.­Isso­foi­ gratificante!­E­depois­de­retornar­fui­apresen‑ tadora­de­televisão­aqui­de­Teresina.

Na museologia, existe hoje a ideia de que os museus no Brasil estão incluindo grupos discri‑ minados. Embora já tenha nascido museus de comunidades indígenas, quilombolas ou outras periféricas, temos procurado noícias sobre os museus que se preocupam com a memória da comunidade LGBT. Você tem alguma noícia de algum museu assim? Não.­Acho­importante,­mas­o­Brasil­ainda­é­um­ país­ que­ não­ valoriza­ sua­ memória,­ passado­ e­ histórias.­ Temos­ um­ projeto­ jundo­ à­ Secretaria­ de­Direitos­Humanos­da­Presidência­da­Republi‑ ca­ (SDH)­ há­ quase­ dois­ anos­ e­ nunca­ eles­ nos­ chamaram­para­iniciar­este­trabalho.­

A­Próxima­edição­da­ Revista Memória LGBT Terá­como­Tema: Patrimônio Cultural LGBT: Memória, História, Oralidade, Espaços, Idenidade, Resistência e Socialização

Nos museus estão representados memórias e histórias da sociedade brasileira. De que forma os museus brasileiros poderiam se aproximar da questão LGBT? 15 | MEMÓRIA LGBT

FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 20 DE FEVEREIRO DE 2014 ENVIE SUA CONTRIBUIÇÃO

[email protected]

Transmulheres

negras Treyce­Ellen­Goulart

Ignorado pela imprensa e Estado, Relatório da GlobalRights demonstra que transfobia e racismo andam juntos em projeto nacional de extermínio da população negra brasileira

16 | MEMÓRIA LGBT

cultar­(e­muito)­nosso­acesso­a­informações­que­ dizem­respeito­à­nossa­comunidade­e­nossos­di‑ reitos.­Por­isso,­a­equipe­da­Revista­empreendeu­ esforços­ na­ tradução­ do­ conteúdo­ do­ texto­ em­ termos­gerais­descritos­nesta­coluna.­Boa­leitura! O­ Relatório­ examina­ as­ violações­ contra­ os­ direitos­ humanos­ da­ população­ trans­ negra­ do­ Brasil,­sob­a­luz­de­tratados­e­convenções­inter‑ nacionais­ que­ o­ Brasil­ assinou­ ou­ raiicou.­ Es‑ ses­acordos­incluem­a­Declaração­Universal­dos­ Direitos­Humanos,­o­Convênio­internacional­de­ Direitos­Civis­e­Políicos,­o­Convênio­pela­Elimi‑ nação­de­todas­as­Formas­de­Discriminação­Ra‑ cial,­ a­ Convenção­ pela­ Eliminação­ de­ Todas­ as­ Formas­ de­ Discriminação­ Contra­ Mulheres­ e­ a­ Convenção­Americana­pelos­Direitos­Humanos.­ É­importante­sabermos­que­cada­uma­das­insi‑ tuições­envolvidas­na­criação­destes­documen‑ tos­tem­desenvolvido­ações­individuais­para­im‑ plementar­ medidas­ de­ proteção­ às­ populações­ LGBTI,­mulheres­e­negros/as­incluindo­recomen‑ dações­especíicas­dirigidas­ao­Brasil. Entretanto,­apesar­da­conínua­demanda­pública­ de­diversos­membros­da­sociedade­brasileira­e­co‑ munidade­internacional,­o­Relatório­denuncia­que­ o­governo­brasileiro­tem­tomado­medidas­mínimas­

16 | MEMÓRIA LGBT

AfroLGBT

­Sucessivos­estudos­tem­comprovado­o­que­para­ muitos­ já­ é­ óbvio:­ a­ maioria­ dos­ jovens­ mortos­ em­situação­violenta­no­Brasil,­são­negros;­as­mu‑ lheres­negras,­no­Sistema­Único­de­Saúde,­mor‑ rem­ mais;­ taxas­ de­ desemprego­ e­ de­ restrições­ à­ educação,­ também­ aingem­ mais­ aos­ negros.­ Faltava,­entretanto,­sabermos­sobre­as­transmu‑ lheres­ negras,­ grupo­ do­ qual­ pesava­ a­ ausência­ de­um­estudo­de­fôlego­para­mais­uma­vez­com‑ provar­ o­ óbvio.­ Os­ resultados­ desta­ urgente­ in‑ vesigação­foram­reunidos­e­em­2013,­foi­lançado­ pela­GlobalRights.org­o­Relatório­Anual­da­Situaa‑ ção­das­Transmulheres­Negras­no­Brasil.­De­acor‑ do­ com­ o­ documento,­ conigura­‑se­ no­ primeiro­ estudo­aprofundado­nesta­área.­Nesse­senido,­é­ sublinhada­a­luta­deste­grupo­de­indivíduos­que­ está­ profundamente­ marginalizado­ de­ diversos­ contextos­econômicos,­culturais­e­políicos­e­que­ muitas­vezes­permanece­víima­da­violência,­abu‑ so­sexual­e­homicídio.­Além­disso,­a­im­de­prover­ informação­ e­ recomendações­ de­ apoio­ ao­ esta‑ do­da­população­trans­afro­brasileira,­o­relatório­ destaca­ as­ experiências­ individuais­ destas­ mu‑ lheres.­O­arquivo­está­disponível­em­inglês­para­ download­e­sua­cópia,­reprodução­e­distribuição­ gratuita­são­permiidas.­Entretanto,­sabemos­que­ a­barreira­da­linguagem­ainda­existe­e­pode­dii‑

para­o­avanço­ou­proteção­dos­direitos­da­comu‑ nidade­ LGBTI.­ De­ fato­ ica­ exposta­ a­ constatação­ de­que­o­Estado­não­tem­empreendido­ações­sui‑ cientes­para­atender­às­necessidades­da­população­ trans,­ nem­ tem­ se­ compromeido­ a­ desenvolver­ medidas­ especíicas­ para­ responder­ às­ demandas­ de­negrxs­LGBTI.­Até­o­momento­nenhuma­medida­ foi­proposta­para­superar­a­discriminação­e­violên‑ cia­contra­a­população­negra­trans. A­ fim­ de­ expor/problematizar­ as­ violações­ mais­ frequentes­ enfrentadas­ pelas­ transmu‑ lheres­negras­no­Brasil,­no­relatório­constam­as­ seguintes­discussões: a)­ Transfobia e Discriminação Racial:­ estudos­ tem­se­pronunciado­sobre­a­frequência­com­que­ os­ crimes­ de­ ódio­ são­ comeidos­ contra­ trans‑ mulheres­ negras.­ Embora­ transmulheres­ negras­ representem­aproximadamente­10%­do­total­da­ população­LGBTI­no­Brasil­(FRANKEL,­2012),­elas­ compõem­desproporcionalmente­50,5%­dos­300­ assassinatos­ de­ pessoas­ LGBTI­ registrados­ no­ relatório­feito­em­2012­pela­Secretaria­de­Direi‑ tos­Humanos­da­Presidência­da­República,­p.­55,­ 2012.­O­relatório­recolheu­dados­registrados­pela­ mídia­e­reclamações­dirigidas­às­linhas­de­comu‑ nicação­ administradas­ pela­ SDHPR,­ a­ Secretaria­ Federal­ de­ Mulheres­ e­ ao­ Ministério­ da­ Saúde,­ considerando­violações­de­direitos­humanos­co‑ meidos­contra­pessoas­LGBTI.­A­maior­diiculda‑ de­em­coletar­dados­é­a­de­que­atualmente­os­re‑ gistros­de­violência­e­homicídios­contra­pessoas­ trans­dissociam­a­questão­racial­da­idenidade­e­ expressão­ de­ gênero.­ Este­ cenário­ faz­ com­ que­ exista­um­escopo­limitado­de­fontes­que­prove‑ nham­ dados­ precisos­ sobre­ a­ violência­ contra­ a­ população­LGBTI. b)­Violência Policial e Impunidade: conforme­ nos­ informa­ o­ relatório­ transmulheres­ negras­ brasileiras,­ no­ Norte­ e­ Nordeste,­ onde­ níveis­ de­ violência­ racial­ são­ mais­ elevados­ (CEBELA,­ FLACSO,­SEPPIR/PR,­p.­14,­2012),­reportam­altos­ níveis­de­violência­policial.­Aivistas­trans­prove

ram­dados­de­apoio­nos­quais­denunciam­que­ policiais­ visam­ excessivamente­ transmulheres­ por­ posse­ de­ drogas,­ roubo­ e­ outras­ infrações­ menores.­ Além­ de­ coerção­ policial­ frequente­ para­ jusiicar­ acusações­ criminais­ e­ detenções­ arbitrárias­são­frequentes­as­tentaivas­de­assas‑ sinatos­por­parte­de­policiais.­Esses­casos­ocor‑ rem­com­frequência­em­resposta­à­denuncia­por­ parte­ de­ uma­ pessoa­ trans­ de­ um­ assassinato­ comeido­por­policiais,­e/ou­quando­um­policial­ se­ nega­ a­ pagar­ pelos­ serviços­ sexuais­ presta‑ dos­a­eles­por­transmulheres­(REDLACTRANS,­p.­ 14,­2012).­Finalmente,­aivistas­denunciam­que­ transmulheres­negras­sofrem­mais­ataques­poli‑ ciais­do­que­outras­transmulheres,­o­que­muitas­ vezes­as­obriga­a­evitar­se­reunirem­em­público­ e­também­as­impede­de­praicar­a­prosituição­ (um­dos­poucos­meios­existentes­de­obter­algu‑ ma­estabilidade­inanceira). c)­Acesso limitado à educação:­conforme­pes‑ quisa­ da­ Dra.­ Berenice­ Bento,­ pesquisadora­ da­ discriminação­contra­transmulheres­no­Brasil,­é­ esimado­que­90%­das­transmulheres­são­anal‑ fabetas­funcionais­devido­à­exclusão­social­nas­ escolas­(CONEXÃO­FUTURA,­2012).­De­forma­si‑ milar,­um­estudo­da­Faculdade­Laino­America‑ na­de­Cências­Sociais­(FLACSO),­em­2012­desco‑ briu­que­uma­porcentagem­de­26,­7%­reunindo­ pretos­e­pardos­são­analfabetos,­enquanto­que­ 51,1%­ são­ analfabetos­ funcionais­ (FUNDAÇÃO­ CAROLINA,­ p.­ 34,­ 2012).­ Até­ então,­ nenhuma­ insituição­tem­desenvolvido­descobertas­espe‑ cíicas­sobre­os­níveis­de­escolaridade­de­trans‑ mulheres­negras.­Apesar­de­ser­muito­difundida­ a­discriminação­e­a­violência­contra­transmulhe‑ res­negras­nas­escolas,­o­governo­brasileiro­não­ empreendeu­ nenhum­ esforço­ para­ enfrentar­ a­ discriminação­ contra­ pessoas­ LGBTI­ que­ fre‑ quentam­as­insituições­de­ensino.­Notadamen‑ te,­um­estudo­conduzido­pelo­IBGE­apurou­que­ apenas­8,7%­dos­municípios­possuem­iniciaivas­ educacionais­direcionadas­aos­estudantes­LGB‑ TI.­Além­disso,­o­estudo­descobriu­que­apenas­

17 | MEMÓRIA LGBT

1,8%­dos­municípios­possui­programas­educa‑ cionais­direcionado­à­redução­da­violência­con‑ tra­estudantes­LGBTI. ­ d)­ Acesso limitado ao Mercado de Traba‑ lho: o­Relatório­Global­da­UNAIDS­de­2012­esi‑ ma­que­44%­das­pessoas­trans­no­mundo­todo­ trabalham­ como­ proissionais­ do­ sexo­ devido­ ao­ “acesso­ inadequado­ à­ informação,­ serviços­ e­ oportunidades­ econômicas­ (UNAIDS,­ p.­ 76,­ 2012)”­ Um­ relatório­ de­ 2012­ sobre­ os­ direitos­ humanos­ de­ pessoas­ trans­ na­ América­ Laina­ airmou­ que­ proissionais­ do­ sexo­ trans­ estão­ sujeitas­ aos­ mais­ frequentes­ e­ severos­ abusos­ contra­os­direitos­humanos­contra­pessoas­trans­ incluindo­ violência,­ instabilidade­ econômica,­ abuso­ sexual,­ DSTs,­ uso­ de­ drogas­ e­ álcool­ e­ acesso­limitado­à­serviços­de­saúde­mental.­(RE‑ DLACTRANS,­p­25,­2012). Uma­ vez­ que­ existem­ oportunidades­ limita‑ das­ de­ emprego­ para­ transmulheres­ no­ Brasil,­ alguns­municípios,­incluindo­Rio­de­Janeiro­(Se‑ cretaria­ Municipal­ de­ Direitos­ Humanos,­ 2012)­ e­ Salvador­ (COUTINHO,­ 2013)­ tem­ desenvolvi‑ do­ programas­ de­ aperfeiçoamento­ proissional­ para­transmulheres.­Todavia,­os­programas­tem­ alcance­local­e­geralmente­apenas­provem­níveis­ básicos­ ou­ habilidades­ administraivas­ e­ opor‑ tunidades.­ Um­ estudo­ realizado­ pelo­ IBGE,­ em­ 2012,­descobriu­que­apenas­1%­dos­municípios­ do­ Brasil­ atualmente­ permite­ às­ pessoas­ trans­ o­ direito­ legal­ de­ mudar­ seu­ nome­ nos­ docu‑ mentos­de­idenidade­antes­de­se­submeterem­ a­cirurgia­de­readequação­de­gênero­ou­exames­ psiquiátricos­(WERNECK&PITA,­2012).­Isso­é­um­ entrave­ para­ xs­ trans­ candidatxs­ a­ empregos­ nos­ quais,­ em­ geral,­ é­ requerida­ a­ apresenta‑ ção­de­documentos­de­idenidade­que­apresen‑ tam­nomes­que­são­contrários­à­sua­idenidade­ e­ expressão­ de­ gênero.­ Esse­ processo­ além­ de­ insitucionalizar­o­esigma­contra­pessoas­trans­ também­resultam,­muitas­vezes,­em­demissões­ não­jusiicadas­ e­em­recusas­à­contratação­ de­ candidatxs­trans­qualiicadxs.

­ e)­ Acesso Inadequado à Saúde:­ transmu‑ lheres­ negras­ sofrem­ com­ crescentes­ riscos­ à­ saúde,­ acesso­ desigual­ serviços­ de­ saúde­ físi‑ ca­e­mental,­e­discriminação­baseada­em­raça­ e­ gênero­ no­ Serviço­ Único­ de­ Saúde.­ Como­ mencionado­ anteriormente,­ o­ trabalho­ como­ profissional­ do­ sexo­ é­ causa­ que­ compromete­ a­saudade­mental­e­sexual­de­muitas­transmu‑ lheres­ negras.­ O­ Relatório­ Global­ da­ UNAIDS­ estima­ que­ 68%­ das­ pessoas­ trans­ no­ mun‑ do­ todo­ estão­ infectadas­ com­ HIV,­ atribuindo­ tal­ valor­ à­ violência­ baseada­ em­ gênero,­ alto­ desemprego­ e­ discriminação­ (UNAIDS,­ p.­ 76,­ 2012).­Uma­denúncia­adicional­feita­pelo­grupo­ Criola,­uma­organização­brasileira­em­prol­dos­ direitos­ das­ mulheres,­ aponta­ o­ racismo­ insti‑ tucional­ e­ a­ insensibilidade­ cultural­ existente­ no­ sistema­ público­ de­ saúde­ como­ a­ principal­ causa­para­a­desigualdade­de­tratamento­para­ com­mulheres­negras­(CRIOLA,­p.­5,­2010). ­A­despeito­de­políticas­do­Ministério­da­Saú‑ de­que­visam­o­respeito­à­autodesignação­por­ parte­ de­ pessoas­ trans,­ há­ reclamações­ sobre­ frequentes­ expressões­ e­ atitudes­ transfóbicas­ por­parte­dos­profissionais­de­saúde,­o­que­faz­ com­ que­ as­ transmulheres­ negras­ adiem­ ou­ evitem­ procurar­ serviços­ médicos­ adequados.­ Devido­ a­ esta­ situação,­ pessoas­ trans­ que­ de‑ sejem­iniciar­tratamentos­hormonais,­cirurgias­ reconstrutivas­ ou­ outros­ procedimentos­ de­ transição­de­gênero,­muitas­vezes­o­fazem­sem­ supervisão­médica. f) Ausência de legislações protetivas: A­Cons‑ tituição­proíbe­a­discriminação­racial­e­protege­ os­ direitos­ culturais­ e­ religiosos­ das­ minorias,­ garantido­ às­ transmulheres­ negras­ proteções­ importantes.­ Entretanto,­ a­ despeito­ destes­ avanços,­ o­ Brasil­ não­ possui­ nenhuma­ legisla‑ ção­federal­que­proteja­os­direitos­das­pessoas­ LGBTI.­Especificamente­nenhuma­lei­que­reco‑ nheça­ e­ proteja­ a­ identidade­ e­ expressão­ de­ gênero.­ Este­ vácuo­ legal­ permite­ vasto­ abuso,­ impunidade,­violência,­discriminação­e­exten

18 | MEMÓRIA LGBT

sos­obstáculos­legais­e­médicos­para­as­trans‑ mulheres­negras­e­comunidade­LGBTI­em­geral.­ O­Relatório­chama­a­atenção­para­o­Projeto­de­ Lei­ 5002/2013.­ O­ PL­ procura­ estabelecer­ uma­ lei­mais­abrangente­a­respeito­da­identidade­de­ gênero­ e­ foi­ encaminhada­ para­ a­ Câmara­ dos­ Deputados­em­fevereiro­de­2013­(C­MARA­DOS­ DEPUTADOS,­ 2013).­ A­ medida­ garantiria­ reco‑ nhecimento­ e­ proteção­ à­ identidade­ e­ à­ ex‑ pressão­ de­ gênero,­ permitindo­ aos­ indivíduos­ mudar­legalmente­seus­nomes­em­todos­os­re‑ gistros­e­documentos­de­identidade­sem­a­exi‑ gência­de­avaliações­médicas­e­psiquiátricas­e­ garantiria­acesso­livre­a­intervenções­cirúrgicas­ pelo­SUS­sem­a­exigência­de­aprovação­judicial­ ou­ avaliações­ psiquiátricas­ (WYLLYS&KOKAY,­ pp.­1­‑4,­2013)­Este­PL­ainda­aguarda­aprovação­ pela­Comissão­da­Câmara­e­não­tem­data­pre‑ vista­para­votação. O­Relatório­sobre­a­Situação­de­Transmulhe‑ res­no­Brasil­demonstra­que­a­discriminação­e­ violência­ contra­ transmulheres­ negras­ se­ alo‑ ca­ nas­ interseções­ profundamente­ enraizadas­ entre­racismo­e­transfobia.­Elas­se­manifestam­ em­ formas­ particularmente­ brutais,­ represen‑ tados­pelos­fluxos­quase­constantes­de­violên‑ cia,­humilhação­e­exclusão­aos­quais­transmu‑ lheres­negras­são­constantemente­submetidas.­ Os­atos­de­violência­cometidos­contra­esta­po‑ pulação­são­particularmente­cruéis,­muitas­ve‑ zes­envolvendo­o­abuso­psicológico­e­a­violên‑ cia­ sexual,­ freqüentemente­ manifestados­ em­ espaços­públicos­onde­são­exibidos­ao­público­ em­geral. A­ pesquisa­ foi­ desenvolvida­ em­ um­ período­ de­8­meses,­de­julho­de­2012­a­março­de­2013,­ e­foi­desenvolvida­mediante­fontes­qualitaivas.­ As­ fontes­ incluiram­ relatórios,­ arigos,­ e­ docu‑ mentos­ sobre­ a­ situação­ dxs­ LGBTI­ e­ pessoas­ negras­no­Brasil­além­de­quatro­entrevistas­de‑ senvolvidas­pessoalmente­com­lideranças­trans­ negrxs­ de­ diversas­ regiões­ do­ Brasil,­ incluindo­ Rio­ de­ Janeiro/RJ,­ Salvador/BA­ e­ Belém/PA.­

Também­ cinco­ entrevistas­ adicionais­ conduzi‑ das­com­funcionários­do­governo­federal,­pes‑ quisadores­e­pessoas­negras­aivistas­LGBTI­não­ auto­‑ideniicadas­como­trans.­Outras­observa‑ ções­foram­coletadas­na­11ª­Reunião­Ordinária­ do­Conselho­Nacional­de­Combate­à­Discrimina‑ ção­e­Promoção­dos­Direitos­de­Lésbicas,­Gays,­ Bissexuais,­Travesis­e­Transexuais,­ocorrida­em­ Brasília,­ em­ setembro­ de­ 2012,­ e­ no­ 1º­ Semi‑ nário­ de­ Negras­ e­ Negros­ LGBT,­ ocorrida­ em­ Salvador/BA­em­outubro­de­2012.­Informações­ também­foram­obidas­em­reuniões­de­grupos­ de­apoio­e­eventos­culturais­perinentes­às­co‑ munidades­negra­e­trans. Segundo­ os­ organizadores­ do­ relatório,­ seu­ intuito­ é­ que­ os­ resultados­ apresentados­ pos‑ sam­servir­para­qualificar­os­esforços­de­todos­ os­indivíduos­que­trabalham­para­empreender­ os­ direitos­ dos­ negros­ e­ as­ pessoas­ LGBTI­ no­ Brasil,­e­para­incentivar­um­compromisso­mais­ profundo­em­promover­e­defender­os­direitos­ das­transmulheres­negras.­Especificamente,­es‑ peramos­ o­aumento­da­colaboração­ entre­ne‑ gros/as,­ mulheres­ e­ grupos­ LGBTI,­ bem­ como­ uma­ resposta­ mais­ engajada­ por­ parte­ do­ go‑ verno­ na­ promoção­ dos­ direitos­ das­ transmu‑ lheres­negras.

19 | MEMÓRIA LGBT

Homens Transexuais

Anna­Luísa­Santos­de­Oliveira

A­ página­ Homens­ Transexuais­ foi­ criada­ em­ 18­ de­maio­de­2013­na­rede­social­facebook­e­na­rede­ social ask.fm,­com­o­intuito­de­trocar­informações­ acerca­do­processo­de­transexualidade­masculina,­ seu­criador­Miguel­Marques­de­Salvador­–­BA­con‑ seguiu­mais­que­isso.­Além­da­troca­de­informações­ a­página­se­tornou­um­espaço­de­discussões­acerca­ da­transexualidade,­seu­processo­e­militância­pelo­ espaço­Transexual­no­Brasil.­Com­alcance­nacional,­ já­supera­as­seis­mil­curidas­e­a­Revista­Memória­

moivo­pelo­qual­criei­a­comunidade­é­a­falta­de­in‑ formação­sobre­o­tema,­em­relação­a­procedimen‑ tos­médicos,­sobre­a­quem­procurar,­como­iniciar­a­ transição,­ como­ reiicar­ os­ documentos,­ quais­ os­ efeitos­hormonais­e­etc.­Muitos­homens­trans­que‑ rem­começar­o­processo­e­não­sabem­como,­o­que­ foi­o­meu­caso­e­só­pude­começar­minha­transição­ quando­conheci­o­primeiro­homem­trans­operado­ do­ Brasil,­ operado­ ainda­ na­ época­ da­ ditadura,­ o­ João­W.­Nery,­foi­ele­quem­me­orientou­sobre­como­

LGBT­ entrou­ nesse­ espaço­ cibernéico­ e­ teve­ um­ começar­e­sou­muito­grato­a­ele.­Por­saber­como­ bate­‑papo­legal­com­Miguel.­Conira: é­diícil­obter­informações­sobre­tudo,­resolvi­aju‑ dar­ aos­ outros­ que­ passam­ pela­ mesma­ situação­ Como surgiu a ideia de criar a página Homens que­passo­através­da­comunidade.­Não­sabia­mui‑ Transexuais? to­bem­se­ia­dar­certo,­mas­as­coisas­parecem­estar­ Miguel Marques:­A­ideia­ surgiu­ a­parir­do­ mo‑ andando­bem­no­senido­de­disseminação­de­infor‑ mento­ em­ que­ conheci­ a­ realidade­ dos­ homens­ mações.­Eu­sei­que­não­é­fácil,­então­tento­fazer­o­ transexuais­em­geral,­as­diiculdades­que­enfrenta‑ possível­para­contribuir­com­os­outros. mos­e­a­necessidade­de­sermos­vistos.­Percebi­que­ precisávamos­sermos­vistos­para­consequentemen‑ Como vem sendo o diálogo com o facebook? te­ conseguirmos­ alcançar­ nossos­ objeivos,­ que­ Alguma publicação já foi removida pelo site de seriam­esses:­O­direito­de­sermos­os­homens­que­ relacionamento? sempre­ fomos­ independentemente­ do­ corpo­ em­ Miguel Marques:­Já­foram­removidas­publicações­ qual­nascemos,­o­direito­de­ter­os­mesmos­direitos­ de­imagens­genitais,­que­tentei­publicar­para­que­as­ que­qualquer­outro­homem,­o­direto­de­viver.­Outro­ pessoas­pudessem­ver­alguns­resultados­pós­cirur‑ 20 | MEMÓRIA LGBT

MEMÓRIA LGBT | 20

Crendeuspadi

gia­e­resultados­apenas­com­a­hormonização.­Mas­é­ lher­trans­pode­ser­lésbica,­bissexual­ou­heterosse‑ entendível­que­tenham­removido,­é­a­políica­deles.­ xual.­A­parir­desse­exemplo­percebe­‑se­a­diferença­ Por­isso,­a­maioria­das­vezes­as­pessoas­me­pedem­ entre­Idenidade­de­gênero­x­Orientação­sexual. para­passar­esses­conteúdos­via­chat. Com relação a conjuntura atual da transexua‑ A página costuma receber muitas perguntas so‑ lidade no Brasil, e o fato de ainda estar na clas‑ bre a transexualidade, e acaba se tornando um siicação internacional de doenças, o que você espaço de esclarecimento de dúvidas e de discus‑ tem a dizer? Miguel Marques:­Na­verdade­é­o­CID­10­F64.0­ sões, como é o processo de respostas e de acom‑ Meu­ pensamento­ em­ relação­ a­ isso­ é­ de­ que­ é­ panhamento dessas pessoas? Miguel Marques:­Bom,­as­perguntas­que­me­fa‑ um­ absurdo­ nos­ considerarem­ doentes­ mentais.­ zem­ são­ basicamente­ as­ mesmas­ perguntas­ que­ Quem­nos­introduziu­nisso­é­quem­deveria­tratar‑ você­está­me­fazendo,­e­respondo­da­mesma­manei‑ ‑se,­sinceramente.­Soube­que­irão­nos­irar­do­CID,­ mas­ não­ sei­ para­ quando­ isso­ ra­que­estou­te­respondendo­ago‑ está­ previsto.­ Acredito­ que­ ra.­ Respondo­ muitas­ dúvidas­ tem­que­haver­um­acompa‑ sobre­as­cirurgias­genitais,­a­ nhamento­ psicológico­ por­ funcionalidade,­os­métodos,­ um­tempo,­até­porque­existem­ quais­ proissionais­ posso­ indicar­ pessoas­que­estão­em­conlito­com­ em­ seus­ estados­ para­ acompanha‑ a­sua­idenidade­e­podem­considerar­ ‑se­ mento,­como­dar­entrada­na­reiicação­de­ transexual,­ quando­ podem­ não­ ser­ e­ o­ pro‑ documentos­e­etc. cesso­de­mudança­é­irreversível.­No­máximo­um­ Lembra qual foi a primeira postagem que fez, relatório­ psicológico­ dizendo­ que­ a­ pessoa­ está­ apta­à­transição,­reiicação­de­documentos­e­tudo­ e como foi a recepividade do público? Miguel Marques:­Não­me­lembro­mais­qual­foi­a­ mais­ (justamente­ para­ comprovar­ que­ não­ é­ o­ primeira­ postagem,­ mas­ lembro­‑me­ que­ desde­ o­ caso­de­uma­pessoa­confusa­com­sua­idenidade,­ inicio­a­recepividade­do­público­foi­bem­posiiva,­ e­não­para­comprovar­que­somos­doentes­mentais­ vez­ e­ outra­ aparecem­ aquelas­ mentes­ ignorantes­ e­ precisamos­ disso)­ O­ que­ deve­ haver­ é­ alguma­ (o­que­é­normal­dentro­da­sociedade­ignorante­em­ resolução­que­nos­garanta­acompanhamento­pelo­ que­vivemos).­Muitas­dessas­mentes­foram­trans‑ sus,­ que­ seja­ um­ direito­ nosso,­ logo­ que­ é­ uma­ formadas­com­a­informação,­e­outras­coninuaram­ necessidade­a­transição­e­não­uma­doença­psico‑ fechadas.­Não­adianta­falar­para­quem­não­quer­ou‑ lógica.­Assim­como­as­mulheres­grávidas­que­tem­ vir,­mas­faço­a­minha­parte­e­muitas­mentes­já­se­ direitos­especiais,­precisam­de­acompanhamento­ e­não­são­doentes.­É­uma­comparação­ao­nosso­ transformaram­posiivamente­e­ico­feliz­por­isso. caso,­ não­ somos­ doentes,­ porém­ precisamos­ de­ Quais as diferenças entre transexualidade e cuidados­médicos­e­intervenções­cirurgias­para­a­ integridade­da­nossa­saúde­ísica­e­mental. outras formas de vivência de sexualidade? Miguel Marques:­Transexualidade­não­tem­ligação­ com­orientação­sexual.­Transexualidade­diz­respei‑ E aí gostou? Então curta a página to­a­idenidade­de­gênero,­ou­seja,­a­maneira­como­ homens transexuais no facebook e você­se­sente,­a­maneira­como­o­seu­cérebro­iden‑ acompanhe as discussões no ask.Fm, iica­ o­ seu­ gênero:­ Masculino,­ feminino,­ os­ dois,­ acesse: ou­nenhum­dos­dois.­Orientação­sexual­diz­respei‑ to­ao­que­você­gosta:­Homem,­mulher,­os­dois,­ou­ nenhum­dos­dois.­Um­exemplo:­Um­homem­trans­ www.facebook.com/HomensTransOicial pode­ser­gay,­bissexual,­ou­heterossexual.­Uma­mu‑ www.ask.fm/HomensTransgeneros 21 | MEMÓRIA LGBT

A­Próxima­edição­da

Revista Memória LGBT Terá­como­Tema: Patrimônio Cultural LGBT: Memória, História, Oralidade, Espaços, Idenidade, Resistência e Socialização

FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 20 DE FEVEREIRO DE 2014 ENVIE SUA CONTRIBUIÇÃO [email protected]

22 | MEMÓRIA LGBT

Adoção de Nome Social em Universidades é tema de monografia na UFG sa­14­universidades­federais­que­incluíram­o­nome­ social­ em­ suas­ políicas­ insitucionais,­tanto­ para­ estudantes,­ quanto­ para­ servidores,­ tornando­‑se­ um­importante­documento­para­a­memória­LGBT­ do­país­e­ferramenta­para­a­insitucionalização­do­ nome­ social­ em­ Ifes­ que­ ainda­ não­ adotaram­ o­ procedimento.­A­candidata­foi­aprovada­com­nota­ 10­e­recebe­um­imenso­parabéns­da­Revista­Me‑ mória­LGBT.

RESUMO:­Esta­monograia­pretende,­por­meio­de­um­exercício­an‑ tropológico,­mediante­fontes­documentais,­invesigar­e­interpretar­ as­legislações­vigentes­no­que­se­refere­a­nome­social,­nas­Univer‑ sidades­ Federais­ do­ Brasil.­ Trata­‑se­ do­ nome­ pelo­ qual­ travesis­ e­ transexuais­se­reconhecem­no­seu­coidiano.­Sujeitos­estes­que­são­ marcados­ pela­ diferença,­ marginalizados­ pela­ sociedade.­ Esta­ pro‑ posta­ busca­ compreender­ como­ os­ discursos­ normaivos­ sobre­ o­ que­é­feminino­e­masculino­inluenciam­na­vida­desses­indivíduos.­ Tem­ como­ intuito­ evidenciar­ que­ as­ possibilidades­ de­ acesso,­ de­ travesis­e­transexuais,­a­essas­insituições­de­ensino­são­minimiza‑ das­por­não­executarem­tal­medida.­A­abordagem­metodológica­da­ pesquisa­será­descriiva,­por­expor­e­esmiuçar­a­legislação­sobre­o­ tema­ e­ analisá­‑la­ com­ a­ inalidade­ de­ corroborar­ a­ inquesionável­ importância­ de­ assegurar­ direitos,­ implementando­ o­ Nome­ Social,­ respeitando­a­idenidade­de­gênero.

23 | MEMÓRIA LGBT

aconteceu

Foi­defendida­a­monograia­de­Mariana­Mesquita­ Capela,­initulada Notas antropológicas em torno da regulamentação do uso do nome social para travesis e transexuais em universidades federais brasileiras.­ Com­ orientação­ do­ Camilo­ Braz,­ do‑ cente­da­Faculdade­de­Ciências­Sociais­da­Univer‑ sidade­Federal­de­Goiás­(UFG),­a­defesa­teve­como­ banca­ Jean­ Bapista,­ docente­ do­ bacharelado­ de­ Museologia­da­mesma­insituição.­O­estudo­anali‑

Exposição #NossasMusas Como musas travesidas, incitamos a interpretação e desautorizamos a autoridade. GIUSEPPE CAMPUZANO – El Museo Travesi

Tony­Boita

Basicamente,­ todo­ o­ debate­ em­ museologia­ inicia­ pela­ se‑ guinte­narraiva:­na­Grécia­an‑ iga­ exisiam­ nove­ musas­ que­ inspiravam­ ciências­ e­ artes.­ Filhas­ de­ Zeus­ e­ Mnemósine­ (memória),­ nasceram­ Calíope­ (poesia­ épica),­ Clio­ (história),­ Euterpe­ (música),­ Melpômene­ (tragédia),­Talia­(comédia),­Urâ‑ nia­(astronomia),­Érato­(poesia­ amorosa),­Terpsícore­(dança)­e­ Polímnia­ (hinos).­ Costuma­‑se­ dizer­que­as­ilhas­da­memória­ reunia­m‑se­no­templo­das­mu‑ sas,­ compreendido­ hoje­ como­ espaço­ de­ salvaguarda­ e­ co‑ municação­ da­ memória,­ como­ museus­ e­ espaços­ de­ vocação­ museológica. O­que­não­se­conta­com­o­devi‑ do­respeito­nos­debates­museo‑ lógicos­ é­ que­ quando­ interpre‑

tadas­no­teatro­anigo,­as­belas­ musas­ eram­ representadas­ por­ homens.­ Sim,­ as­ Musas­ eram­ travesidas­e­estavam­presentes­ em­rituais,­tragédias,­comédias,­ danças,­ músicas­ e­ poesias­ do­ mundo­anigo. Já­ faz­ algum­ tempo­ que­ as­ Musas­ travesidas­ foram­ ex‑ pulsas­de­sua­casa­(museu).­De­ fato,­os­museus­passaram­a­pre‑ ferir­ representações­ excluden‑ tes­que­jogaram­o­mundo­trans­ para­fora. Na­América­Laina­não­foi­dir‑ ferente:­ainda­que­o­se travesir fosse­ um­ fenômeno­ que­ antes­ mesmo­ da­ colônia­ já­ se­ fazia­ presente,­ seguiu­‑se­ a­ expulsão­ até­os­dias­atuais.­ Contudo,­ a­ luta­ trans­ em­ di‑ versos­setores­culturais­tem­de­ monstrado­ que­ as­ musas­ se‑

Exposição 24 | MEMÓRIA LGBT

guem­ai,­hoje­em­performances­ trans,­sobrevivendo­a­tantos­es‑ forços­de­detração­e­opressão. Resta­ saber­ quando­ elas­ po‑ derão­voltar­para­casa,­não­só­ para­ contar­ suas­ memórias,­ mas­ para­ inspirar,­ trabalhar­ e­ reconstruir­ os­ museus­ do­ Bra‑ sil­ sem­ homofobia.­ Ainal­ elas­ sempre­exisiram­e­sem­elas­te‑ riamos­só­o­esquecimento. Nesse­senido,­a­Revista­Me‑ mória­ LGBT­ pretenciosamente­ atualiza­ o­ mito:­ apresenta­‑se­ a­seguir­uma­musealização em revista­ de­ nossas­ musas­ con‑ tamporâneas,­ contando­ com­ Rodas­ de­ Memória­ Virtuais­ e­ conteúdos­que­revelam­que­as­ musas­de­hoje­não­ofendem­às­ ancestrais­e­oferecem­aos­mu‑ seus­novas­alternaivas­airma‑ ivas.­Aproveite­a­exposição!

Mc XuXu #MusaDoFunk manda um beijo para a Revista Memória LGBT

Exposição

“Meus­amores­muito­ obrigado­pela­moral­e­ total­carinho;­amei­essa­ entrevista­com­a­Revista Memoria LGBT­e­aprendi­ muito,­quero­parabenizar­ pelo­óimo­trabalho.­Como­ diria­Einstein,­é­mais­fácil­ desintegrar­um­átomo­do­ que­o­preconceito,­mas­ ainda­chegamos­lá.”­ Mc Xuxu

25 | MEMÓRIA LGBT

Trans e Funkeira MC Xuxu vem fazendo sucesso com seus hits que combatam o ódio, o preconceito e a intolerância contra a comunidade LGBT. Suas músicas são dançantes, trazem amor, paz e muito humor.

A­ musa­ trans do­ funk­ nasceu­ depois­ de­ uma­ curta­ temporada­ que­ passou­ no­ Rio­ de­ Janeiro,­ ideniicou­‑se­com­funk­carioca­e­resolveu­voltar­ a­cantar­mas­mudando­de­“hip­hopera”­para­Mc.­ É­ela­mesmo­que­compõe­seus­hits.­Sempre­com­ letras­ inspiradas­ em­ seu­ coidiano,­ acrescendo­ mensagens­de­amor,­paz,­humor­e­de­enfrenta‑ mento­ a­ qualquer­ forma­ de­ preconceito­ e­ ódio­ para­a­comunidade­LGBT.­Seu­apelido­Xuxu­vem­ de­infância­e­foi­dado­por­sua­madrinha.­A­musa­ trans­ do­ funk­ conta­ que­ “nos­ meus­ primeiros­ anos­na­escola­eu­não­gostava­por­que­o­apelido­ ajudava­no­bullying,­mas­acabei­me­acostuman‑ do.­Eu­não­conseguia­irar­da­cabeça­das­pessoas,­ até­os­professores­me­chamavam­assim”.­Atual‑ mente­ a­ funkeira­ vem­ fazendo­ o­ maior­ sucesso­ com­o­hit­Um Beijo­que­leva­uma­mensagem­de­ paz­as­travesis­e­a­todos­que­são­do­bem.­

#CURIOSIDADES Os principais parceiros de trabalho de MC Xuxú são: Dançarinos: Wally, Rodrigo, Vick, Matheus, Mário e Jhonatan DJs: DJ Nono e DJ Poty ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑ Quem coreografou a música Um Beijo foi Wagner Vaccari ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑ Segundo o Arigo 5 da LEI Nº 5543, DE 22 DE SETEMBRO DE 2009 que diz “ Os aristas do funk são agentes da cultura popular, e como tal, devem ter seus direitos respeitados”, Mc Xuxu no Rio de Janeiro seria a primeira Agente de Cultura Popular Trans do Brasil.

26 | MEMÓRIA LGBT

Roda de Memória Nos museus estão representadas memórias e histórias da sociedade brasileira. De que forma os museus brasileiros poderiam aproximar‑se da questão LGBT? Não­será­fácil,­já­li­sobre­o­Museu­de­São­Fran‑ cisco­e­Berlim,­são­as­únicas­inspirações­que­te‑ mos,­então­temos­que­“meter­a­cara”­pra­conse‑ guir­nosso­espaço­aqui­no­Brasil­também.

ocorre o reconhecimento oficial de um saber‑ ‑fazer como patrimônio, também se reconhe‑ cem os mestres de cultura responsáveis pela difusão do saber‑fazer, ou seja, aqueles que transmitem para sua comunidade como levar adiante o patrimônio. Ao ver seu vídeo en‑ sinando os passos de dança, o pajubá e até mesmo dicas de xuca, não pude deixar de pen‑ sar: MC Xuxu é uma Mestre de Cultura não só Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) do funk, mas da comunidade LGBT como um você gostaria de expor em um museu? todo! O que pensa disso? Ano­passado­nossa­cidade­perdeu­uma­arista­ Nossa,­eu­ico­muito­feliz­em­saber­que­pensam­ maravilhosa,­Fernanda­Muller.­Ela­abriu­muitas­ assim­de­mim.­Ainda­sou­um­“peidinho”­na­músi‑ portas­ para­ nós,­ memórias,­ histórias­ e­ objetos­ ca,­mas­faço­o­que­gosto,­canto­nossa­realidade­e­ que­davam­valor­à­história­de­uma­travesi­guer‑ tenho­muito­o­que­aprender­ainda.­ reira­e­amada.­Uma­homengem­assim­seria­boa­ para­ retribuir­ momentos­ em­ que­ ela­ meteu­ as­ Não havendo noícias, a que você acha que se caras­por­nós. deve a ausência da história e memória LGBT em museus? Qual memória você jamais gostaria de esquecer? Como­eu­já­disse,­o­sistema­inge­não­nos­ver,­ A­história­do­Cazuza,­acho­muito­parecida­com­ isso­ajuda­tudo­a­icar­mais­diícil­para­nós. a­minha. Como é ser trans no mundo do funk? A LEI 4124/2008, de autoria do deputado Ser­ trans­ no­ mundo­ FUNK­ é­ como­ ser­ trans­ Chico Alencar, aprovada em 2013 pela assem‑ cantando­qualquer­outro­ritmo,­as­pessoas­ain‑ bleia legislativa do RJ, reconhece o funk como da­estão­se­acostumando­com­travesi­e­transe‑ patrimônio cultural do estado. Toda vez que xuais­na­mídia.

27 | MEMÓRIA LGBT

A música “Deixa em Of” é imediatamente compreendida como um pedido de paz da co‑ munidade LGBT, releindo o anseio histórico que temos de viver nossas vidas longe da ho‑ mofobia. Na sua opinião, está muito distante o dia em que de fato os homofóbicos nos deixa‑ rão em paz? Eu­não­deixo­de­acreditar;­vamos­lutar­até­que­ esse­dia­chegue. Em uma resposta anterior você disse que exis‑ tem outras trans que cantam funk e outros rit‑ mos. Quem são? Onde estão? Conheço­a­Garota­X­do­Rio­de­Janeiro­ela­canta­ funk,­Lulu­Monamour­de­Goiânia­canta­rap­e­Re‑ nata­Peron,­samba.­Conheci­elas­em­minha­cami‑ nhada,­e­amei­o­trabalho­de­todas. Como você descreveria suas músicas? Eu­tenho­músicas­que­falam­de­amor,­preconceito,­ traição­e­até­de­“chuca”­haha,­ica­diícil­mas­tudo­ que­proponho­no­im­das­contas­é­o­amor!

Dicas “Um Beijo para as Travesis” htp://zip.net/byl0bX Aprenda a dançar a música #1beijo htp://zip.net/bpl0hy “Deixa em Of, assim eu vou viver em paz” htp://zip.net/bql0kd “Ah eu iz a chuca” htp://zip.net/bclZCL “Hoje sou Mc, sou travesi sou ilha de Deus” htp://zip.net/brlZ2J “Sou magrela, sou pintosa, mas não me con‑ funda com a pantera cor de rosa” htp://zip.net/bslZXs “É o bonde da Marechal quando elas chegam as recalcadas passam mal” htp://zip.net/btlZWG

Você compõe as músicas? Sim,­eu­amo­escrever,­quando­pinta­a­idéia­te‑ nho­que­logo­pegar­um­papel­e­lápis­pra­escrever­ e­o­celular­pra­guardar­a­melodia. Qual a inspiração para as músicas “Um Beijo”, “Deixa em Of” e “Pantera cor de rosa”?­Um­Bei‑ jo:­Eu­queria­algo­que­grudasse­na­mente­das­pes‑ soas,­levando­uma­mensagem­de­paz­as­travesis,­ ulimamente­ tenho­ lindo­ muita­ noicia­ ruim­ de­ assassinatos,maus­tratos­etc..,­daí­resolvi­dar­esse­ “beijo”.­Deixa­em­of­iz­na­mesmo­época­que­“Pan‑ tera­ cor­ de­ rosa”,­ eu­ gosto­ de­ misturar­ “humor”­ com­coisa­séria,­acho­que­isso­chama­atenção­das­ pessoas,­minhas­inspirações­vem­do­que­eu­vivo­no­ dia a dia.

28 | MEMÓRIA LGBT

Renata Peron #MusaDoSamba Canta e Conta suas Memórias e Trajetórias

exposição

“...com­fé­e­ muito­trabalho­ você­pode­ chegar­em­ qualquer­lugar,­ e­acreditando­ em­seus­sonhos­ tudo­é­possível”­ Renata Peron

29 | MEMÓRIA LGBT

Ela é uma arista transexual com uma das melhores vozes do Brasil. Em 2011 consagrou‑se com o DVD Peron Conta e Canta Noel Rosa. Recentemente lançou seu novo trabalho Eu sou Guerreira

Renata­ Peron­ nasceu­ a­ parir­ da­ideia­de­Renata­ser­reconhe‑ cida­ como­ uma­ mulher­ transe‑ xual­ arista.­ Ela­ canta­ e­ inter‑ preta­desde­os­dezessete­anos­e­ tornou­‑se­a­primeira­trans­a­can‑ tar­MPB­e­Samba.­Nasceu­na­Pa‑ raiba,­mas­viveu­em­Juazeiro,na­ Bahia,­ até­ os­ vinte­ e­ sete­ anos.­ Hoje,­ residindo­ em­ São­ Paulo,­ Renata­já­conta­com­cinco­CD’s­e­ um­DVD,­todos­independentes.

Trabalhos de Renata Peron: CD – Uma Viagem Pela Música (2008) CD – Renata Peron Salada Mista (2009) CD – Peron é Festa (2010) CD – Renata Peron Canta Noel Rosa (2011) DVD – Peron Canta e Conta Noel Rosa 2011 CD – Eu sou Guerreira (2013)

Renata Peron faz shows nos bares da Vieira de Carvalho, Vermont, Habias Copus, So da Pop, Princesinha da Viei‑ ra, Bar Quem, Buteco do Kae e aos domingos faz show gra‑ tuitamente na praça da Repú‑ blica como militante. Suas­ canções­ Favoritas­ são O Que é, o Que é?­ de­ Gonzagui‑ nha,­ Ser estranho, de­ Jessé,­ e­ Não deixe o samba morrer, de Edson­Conceição­e­Aloísio,­com­ regravação­de­Alcione. A Motivação para a grava‑ ção do DVD Peron Canta e Conta Noel Rosa foi provar para os preconceituosos de plantão que uma trans pode fazer coisas maravilhosas se derem espaço. A música não escolhe sexo e sim talento se você tem, tem!

30 | MEMÓRIA LGBT

Roda de Memória Na sua opinião, está muito distante o dia em que de fato os homofóbicos nos deixarão em paz?­ Acredito­que­em­um­país­laico­é­necessário­pu‑ nir­o­preconceito­das­pessoas­através­de­leis­que­ nos­proteja.­Mas­nos­livrarmos­dos­preconceitos­ vai­demorar­muito,­vejo­os­negros­há­mais­de­100­ anos livres e ainda segregados.

Meu­ querido,­ somos­ um­ país­ sem­ memórias­ não­só­no­que­diz­respeito­à­comunidade­ LGBT,­ mas­em­todos­os­senidos.­Veja­a­história­do­povo­ negro.­Então­pra­os­nossos­governantes­a­histó‑ ria­da­comunidade­LGBT­não­é­nada­comparada­ as­outras.­Cabe­a­nós­cobrarmos­mais­e­mais­de­ quem­colocamos­no­poder­para­nos­representar,­ dai­quem­sabe­um­dia...

Na museologia, existe hoje a ideia de que os museus no Brasil estão incluindo grupos discri‑ minados. Embora já tenha nascido museus de comunidades indígenas, quilombolas ou outras periféricas, temos procurado noícias sobre os museus que se preocupam com a memória da comunidade LGBT. Você tem alguma noícia de algum museu assim? Bem­ ainda­ muito­ ímido­ temos­ um­ em­ são­ paulo­na­Estação­da­República,­já­é­um­começo,­ não­mesmo­?

Nos museus estão representados memórias e histórias da sociedade brasileira. De que forma os museus brasileiros poderiam se aproximar da questão LGBT? Querido,­tá­diícil!­Na­verdade­a­sociedade­gos‑ taria­ de­ esconder­ o­ que­ somos.­ Exemplos­ não­ nos­ faltam,­ tratando­‑se­ das­ questões­ da­ sexua‑ lidade,­não­é­de­interesse­das­escolas,­pois­esta‑ riam­debatendo­o­sexo.­Ainal­ninguem­faz­sexo­ sozinho!­ Outro­ fator­ muito­ preocupante,­ é­ que­ querem­ vender­ uma­ imagem­ do­ país­ para­ fora.­ Mas­o­que­eles­vendem­não­existe­aqui,­o­este‑ rióipo­ ocidental.­ E­ por­ isso­ não­ qurem­mostrar­ nosso­ povo­ com­ somos,­ índios,­ negros,­ pardos,­ brancos,­azuis,­rosas...

A que você acha que se deve essa ausência da história e memória LGBT em museus?

Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) você gostaria de expor em um museu? Meus­CDs­e­igurinos. Qual memória você jamais gostaria de esquecer? De­quando­abri­os­olhos­e­me­vi­de­seios.­Para­ você­pode­não­ser­tão­importante,­mas­para­mim­ é­lembrança­mais­forte.

31 | MEMÓRIA LGBT

Você é a primeira trans cantando MPB‑Samba? emocionou. Isso sempre ocorre? Porquê? Sim,­ mas­ em­ outro­ gênero­ tem­ também­ a­ Ta‑ Sim,­porque­o­que­eu­canto­é­a­mais­pura­ver‑ lentosíssima­ Mariana­ Munhóz­ que­ faz­ um­ som­ dade­ e­ isso­ toca­ aos­ corações­ de­ bons­ ouvin‑ pop\­eletrônico. tes­ da­ musica,­ é­ como­ te­ falei­ anteriormente­ o­meu­talento­tende­a­combater­o­preconceito­ Quantos CD’s e Dvd’s você tem gravados? das­pessoas,­e­isso­falo­sem­soberba,­é­apenas­ Quatro­CDs­e­um­DVD,­todos­independentes­pois­ um­fato. no­nosso­país­o­preconceito­ainda­é­muito­grande. O que te moiva a cantar? Como é ser trans na MPB/samba? Mostrar­ para­ a­ nossa­ sociedade­ que­ a­ música­ Muito­ diícil!­ Mas­ não­ desisto­ do­ meu­ sonho­ não­ escolhe­ sexo­ e­ sim­ pessoas,­ e­ se­ eu­ tenho­ sou­uma­guerreira.­O­samba­não­deu­entrada­pra­ um­dom­que­foi­dado­por­Deus,­quero­fazê­‑lo­da­ mim,­mas­tenho­muito­talento­e­calo­o­precon‑ melhor­maneira­que­eu­poder,­isso­me­moiva­a­ ceito­deles,­quando­me­vem­me­julgam,­quando­ fazer­mais­e­melhor. me­ouvem­me­aplaudem. Como você descreveria suas músicas? Estava ontem com uma amiga e apresentei Minha­ musica­ é­ para­ quem­ tem­ bom­ gosto­ e­ você cantando Edit Piaf. Assim como eu ela se não­se­limita­apenas­ao­enlatados­norte­america‑

32 | MEMÓRIA LGBT

nos.­Se­você­já­esta­aberto­a­isso­será­um­passo­ para­curir­uma­boa­música.

Dicas:

Onde achamos seus CDS? Infelizmente­ não­ consigo­ produtora­ ou­ grava‑ dora­para­que­possa­vender­meus­show­e­cd­en‑ tão­só­pelo­e­na­hora­do­show­ou­pelo­face.

“Uma pessoa que nasce negra, o pai não manda embora por ela ser negra. Ela sofre os preconcei‑ tos na rua, vem para casa e tem o apoio da famí‑ lia. Porque a família não vai admiir que alguem rompa o direito daquele ser. Conosco é diferente, Pq decidiu cantar MPB/Samba? a gente, apanha na rua e se chegar em casa e apa‑ Porque­ sou­ brasileira!O­ mundo­ da­ música­ é­ nhou, apanha de novo! Primeiro por que é gay, muito­ louco.­ Mas­ a­ música­ que­ te­ pega­ e­ não­ segundo por ser afeminado, terceiro por que vai você­a­ela,­entende? virar trans.” Em diferentes entrevistas você airma que quer ser uma trans reconhecida por ser cantora e não vista como um produto sexual. Comente. Isso­é­uma­das­coisas­que­mais­me­deixa­triste.­ O­ próprio­ meio­ LGBT,­ que­ deveria­ ser­ diferente­ comigo,­ não­ me­ apoiam,­ não­ me­ dão­ espaço­ e­ poucos­reconhecem­meu­trabalho.­Os­Gays,­nem­ todos­é­claro,­tem­a­péssima­mania­de­quererem­ que­nós,­trans­e­travesis,­tenhamos­que­depen‑ der­deles­e­nunca­permitem­a­o­contrário.­A­res‑ peito­do­tema­produto­sexual­comparilho­a­idéia­ que­ uma­ trans­ que­ não­ viva­ de­ programa.Para mim­não­é­tão­diícil­enfrentar­a­todos,­e­acredito­ que­nem­todas­tem­a­força­que­eu­tenho­de­não­ querer­viver­de­prosituição,­mais­a­sociedade­é­ cruel­sempre­nos­coloca­como­segregadas­e­isso­ eu,­como­militante,­jamais­vo­aceitar.

“Não existe uma empresa ou uma insituição que contrate travesis e transexuais para traba‑ lhar digninamente. Com salário digno, plano de saúde, todos os direitos que ela tem. Ainda exis‑ te uma má vontade, inclusive do nosso próprio movimento, em aceitar e assumir isso como um papel de bandeira” htp://zip.net/bjlZJs Teaser DVD Peron Canta e Conta Noel Rosa htp://zip.net/byl0dD Renata Canta Piaf htp://zip.net/bslZYf “Descaracterizar a idéia que travesi e tran‑

Conte para nós como era cantar na orla de Jua‑ sexual só trabalha voltada para as questões de zeiro na Bahia? prosituição. Eu quero que a sociedade nos veja Olha­que­saudades­me­deu­agora...­kkkkkk.­Bem­ IGUAL” uma­cidade­pequena­onde­matava­travesi­como­ se­mata­porco,­com­paulada­na­cabeça,­eu­inha­ htp://zip.net/brlZ3q que­ser­inteligente­para­não­morrer.­Busquei­re‑ fugio­no­teatro­(Centro­de­Cultura­João­Gilberto).­ Renata Peron Canta Codinome Beija Flor Então­me­tornei­¨­boba­da­corte¨­criei­uma­drag­ queen­ chamada­ Persona­ Queem,­ uma­ persona‑ htp://zip.net/bnlZBq gem­que­eu­poderia­viver­minha­transexualidade,­ de­dia­menino­e­de­noite­mulher­ainda­que­lúdica­ Renata Peron Canta na Pça. da República – SP mas­mulher.

htp://zip.net/btlZXn

33 | MEMÓRIA LGBT

Marcela Ohio #MusaMiss a primeira Miss International Queen brasileir@

exposição

“Parabéns­a­Tod@s­da­ Revista­pela­qualidade­ do­que­é­apresentado­e­ pelo­registro­e­resgate­ da­nossa­memória,­ desejo­vida­longa­ a­esta­importante­ ferramenta­cultural­ LGBT­e­agradeço­a­ oportunidade­e­o­ espaço”­

34 | MEMÓRIA LGBT

Com apenas dezoito anos, Marcela Ohio venceu o concurso Miss Internaional Queen 2013, o maior concurso de beleza trans do mundo.

Marcelo Ohio,­a­Transexual­mais­bela­do­mun‑ do,­nasceu­em­Guaraçai­(SP),­mas­logo­foi­morar­ em­ Andradina­ (SP),­ onde­ cresceu­ e­ iniciou­ sua­ carreira­de­modelo­após­ser­convidada­para­um­ desile.­Deste­ponto­em­diante,­nunca­mais­pa‑ rou.­Primeiro­vieram­as­fotos,­depois­editoriais­e­ capas­de­revistas.­Posteriormente­foi­garota­pro‑

paganda­de­uma­marca­de­cosméicos­e­recebeu­ convite­ para­ trabalhar­ em­ São­ Paulo.­ Em­ 2012­ paricipou­do­Miss T Brasil­e­foi­coroada­como­a­ mais­bela­transexual­brasileira.­No­ano­seguinte­ desbanca­outras­vinte­e­uma­belas­candidatas­e­ se­consagra­ como­ a­mais­bela­trans­do­mundo­ no Miss Internaional Queen‑2013.

#Curiosidade O seus principais parceiros de trabalho são Felipe Avilla, seu namorado, e sua coordenado‑ ra, Majorie Marqui.

#Curiosidade Marcela Ohio tem apenas 18 anos e é a pri‑ meira miss t Brasil 2012 e a primeira brasi‑ leira Miss Internacional Queen 2013 .

#Curiosidade O concurso Miss Internacional Queen ocorre anualmente na ci‑ dade de Pattaya, na Tailândia, desde 2004. Tem como objeti‑ vo promover os direitos tran‑ sexuais entre a comunidade internacional. Em sua déci‑ ma edição, o concurso contou com vinte e cinco participantes de dezessete países.

#Curiosidade O Brasil estava sendo representado por duas modelos Marcela Ohio e Roberta Holanda.

35 | MEMÓRIA LGBT

Roda de Memória Na sua opinião, esta muito distante o dia em que de fato os homofóbicos nos deixarão em paz? Infelizmente­acredito­que­ainda­há­um­cami‑ nho­distante­até­o­fim­da­homofobia,­pois­fato‑ res­culturais­só­são­modificados­em­longo­pra‑ zo,­ se­ observarmos­ a­ violência­ contra­ mulher­ que­ mesmo­ com­ legislação­ específica­ ainda­ ocorre­ em­ larga­ escala­ e­ com­ frequência.­ Por­ isso­ acredito­ que­ ainda­ vai­ demorar­ um­ pou‑ quinho­para­ficarmos­em­Paz,­mas­fico­feliz­em­ saber­que­no­Brasil­exista­um­movimento­LGBT­ tão­atuante­e­comprometido­que­vem­ajudan‑ do­a­modificar­este­quadro.­Eu­só­vou­estar­em­ Paz­ no­ dia­ em­ que­ minhas­ irmãs­ Travestis­ e­ Transexuais­não­forem­violentadas­e­assassina‑ das­cotidianamente. Na museologia, existe hoje a ideia de que os museus no Brasil estão incluindo grupos discri‑ minados. Embora já tenha nascido museus de comunidades indígenas, quilombolas ou outras periféricas, temos procurado noícias sobre os museus que se preocupam com a memória da comunidade LGBT. Você tem alguma noícia de algum museu assim? Na­ verdade­ não­ tenho­ conhecimento­ de­ ne‑ nhum,­embora­acredite­que­seja­de­suma­impor‑ tância­resgatar­a­história­e­os­marcos­da­nossa­co‑ munidade.­Em­visita­ao­RJ­ouvi­em­uma­reunião­ no­Programa­Rio­sem­Homofobia­que­eles­inham­ a­ ideia­ de­ criar­ um­ lá.­ Na­ Astra­ Rio­ (associação­ responsável­pelo­concurso­que­me­revelou)­tem­ um­ CEDOC­ bem­ grande­ com­ vários­ momentos­ históricos­ das­ Trans­ do­ Brasil­ em­ diferentes­ dé‑ cadas.­O­próprio­Miss­T­Brasil­é­a­reedição­de­um­ projeto­que­começou­em­1974.

Infelizmente­ a­ ausência­ de­ representação­ da­ imagem­de­signiicaiva­parte­do­povo­brasileiro,­ principalmente­das­populações­mais­vulneráveis­ ainda­ é­ um­ grave­ problema,­ na­ questão­ LGBT­ acredito­ que­ a­ criação­ de­ um­ Museu­ especíico­ na­temáica­possa­ser­um­primeiro­passo. Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) você gostaria de expor em um museu? Acho­o­momento­em­que­fui­coroada­Miss­In‑ ternaional­Queen­2013,­pois­naquele­momento­ eu­ carregava­ no­ coração­ a­ responsabilidade­ de­ proporcionar­a­minha­comunidade­um­momento­ em­que­nossa­imagem­fosse­valorizada­e­respei‑ tada­ dentro­ da­ nossa­ idenidade­ de­ gênero.­ Foi­ mágico­e­extremamente­emocionante­poder­ver­ a­torcida­de­tantas­Trans­Brasileiras­em­diversas­ partes­do­mundo­e­depois­observar­o­senimento­ de­resgate­da­auto­esima­coleiva­na­comunida‑ de­ao­comemorar­a­vitória.

#Dicas Making of Miss Internacional Queen 2013 htp://zip.net/bglZYg

A que você acha que se deve essa ausência da história e memória LGBT em museus?

36 | MEMÓRIA LGBT

“O mundo precisa de mais amor” htp://zip.net/byl0dM “Homenagem de uma fã” htp://zip.net/bklZT6 Miss T Brasil htp://zip.net/byl0dX

Dia 29 de Janeiro Visibilidade Trans Mas­ não­ esqueça­ que­ el@s­ estão­ em­ todos­os­lugares­e­365­dias­por­ano!

“Me deram um nome e me alienaram de mim” Clarice Lispector

37 | MEMÓRIA LGBT

A Rede LGBT de Memória e Museologia Social comemorou no úlimo dia 22 de novembro um ano de ações e aividades em prol da memória da comunidade LGBT. Criada em 2013 durante o V Fórum Nacional de Museus na cidade de Petrópolis‑RJ, a iniciaiva tem como objeivo de mapear, ideniicar, registrar, salvaguardar, fomentar, promover, comunicar a memória e a história da comunidade LGBT.

CARTA­DE­FUNDAÇÃO­DA­REDE­LGBT­DE­MEMÓRIA­E­MUSEOLOGIA­SOCIAL A­ Rede­ LGBT­ de­ Memória­ e­ Museologia­ Social­ nasce­ no­ 5º­ Fórum­ Nacional­ de­ Museus­ em­ Petrópolis­–­Rio­de­Janeiro,­22­de­novembro­de­2012,­em­busca­de­reconhecimento­e­da­salva‑ guarda­da­memória­e­luta­da­comunidade­LGBT. Com­representações­regionais­e­estaduais,­o­coleivo­reporta­ao­ponto­de­memória­LGBT­como­ central­nacional.­A­rede­possui­como­intuito­a­geração­de­políicas,­programas,­encontros,­espaço­ no­fórum­nacional­de­museus­e­inclusão­da­temáica­e­práicas­LGBT­nos­museus­brasileiros. Nós­da­Rede­Nacional­LGBT­de­Museologia­Social­estamos­em­busca­de: 1.­Um­programa­especíico­dentro­do­IBRAM­enfaizando­as­políicas­públicas­voltadas­para­as­ ações­museológicas­de­gênero­–­políicas­de­esímulo­–­como­editais/premiações; 2.­Espaços,­principalmente­nos­museus­tradicionais,­para­a­exploraração­de­acervos­já­existentes­ nos­museus­brasileiros,­propondo­um­trabalho­voltado­para­a­perspeciva­de­gênero; 3.­Problemaização­no­interior­dos­museus­a­parir­da­perspeciva­LGBT,­tendo­em­vista­que,­em­ sua­maior­parte,­os­museus­trabalham­a­questão­de­gênero­pelo­ponto­da­heteronormaividade; 4.­Que­os­pontos­de­memória,­pontos­de­cultura,­insituições­culturais,­museus­comunitários,­ ecomuseus­e­museus­tradicionais­se­ariculem,­ao­menos­uma­semana­ao­ano,­para­divulgar­e­ enfaizar­o­movimento­LGBT­e­as­questões­de­gênero­nas­insituições­brasileiras. Junte­‑se­a­nós!

38 | MEMÓRIA LGBT

Adriano­Paulino­de­Almeida­ Arnaldo­Silva­Santana­Jr.­ Ana­Luiza­Oliveira­ Claudia­Feijó­ Dino Alves Geanine­Escobar­ Girlene­Chagas­Burlhões­ Isabela­Marques­ Janaína­Miranda­­ Jean­Bapista­ Marcelo­Cunha­ Maria­Abadia­T.­Jesus­ Maria­Carolina­Sá­ Nadiele­Pires­ Ricardo­Ayres­ Sonia­Maria­de­Aguiar­ Tiago­Kallado­ Tony­Boita­ Vitor­Urresi­ Viviane­Rodrigues­ Wellington­Pedro­da­Silva

Principais Ações: Boleim da Rede LGBT de Memória e Museologia Social –­ Com­ duas­ edições­ indepen‑ dentes,­passou­a­compor­a­Re‑ vista­ Memória­ LGBT­ desde­ sua­ primeira­edição. Semana do Babado­ –­ Reali‑ zada­ em­ Parceria­ com­ o­ Mu‑ seu­das­Bandeiras­na­Cidade­de­ Goiás­–­Goiás.­ Paricipação em Eventos­–­Par‑ icipação­ no­ Encontro­ Nacional­ dos­ Estudantes­ de­ Museolo‑

gia,­na­cidade­de­Cachoeira,­BA;­ Paricipação­ do­ III­ MusCon­ –­ Museologia­ e­ Contemporea‑ nidade­ realizado­ em­ Recife;­ Paricipação­ II­ Fesival­ Anual­ de­ Múliplas­ Sexualidades­ da­ UFRB,­em­Cachoeira,­BA. Blog e Redes Sociais –­ Cria‑ ção­ do­ Blog­ (redeLGBTmemo(‑ riamuseologia.blogspot.com.br)­ e­ da­ fanpage­ com­ mais­ de­ 300­ curidas­ (www.facebook.com/ groups/redeLGBTmemoria­)

39 | MEMÓRIA LGBT

Esimulo para a criação de re‑ des LGBT’s estaduais de memó‑ ria e museologia social­ –­ Para­ 2014­ a­ proposta­ é­ esimular­ a­ criação­de­redes­LGBT’s­em­to‑ dos­ os­ estados­ do­ Brasil.­ Entre­ em­contato­conosco.­ Criação de uma equipe na‑ cional de trabalho:­Com­repre‑ sentação­ de­ todas­ as­ regiões­ do­Brasil.­Hoje­a­Rede­LGBT­de­ Memória­ e­ Museologia­ Social­ possui­52­membros.

Das luzes do Lampião da esquina – Nossas memórias e histórias Prof.­Ms.­Almerindo­Cardoso­Simões­Junior[1]

O­ período­ do­ im­ da­ ditadura­ no­ Brasil­ marca­ uma­ época­ muito­ paricular­ de­ nossa­ história.­ Além­da­abertura­políica,­apresenta­‑se­a­possibi‑ lidade­de­novos­discursos,­em­especial­de­grupos­ considerados­minoritários­ou­marginais.­Buscan‑ do­ maior­ visibilidade,­ vários­ destes­ grupos­ ve‑ riam­na­mídia­um­meio­de­propagar­suas­ideias­e­

dica de leitura

apresentar­novas­posturas­idenitárias,­diferentes­ daquelas­ forjadas­ pela­ ideologia­ dominante­ de­ então.­A­efervescência­políica­e­social­da­época­ propiciava­o­momento­exato­para­o­(re)surgimen‑ to­de­senidos­e­vozes­considerados­esquecidos,­ discursos­escondidos­que­clamavam­por­emergir.­ Vários­periódicos­aparecem­nesse­período­como­ forma­ de­ resistência­ ao­ regime­ militar­ e­ como­ instrumento­capaz­de­conferir­visibilidade­às­cha‑ madas­minorias.­Vinculado­à­esquerda,­este­ipo­ de­jornal,­muitas­vezes­de­iragem­irregular­e­pro‑ dução­quase­artesanal,­inseria­em­seu­discurso­as­ vozes­de­grupos­idos­como­minoritários­ou­mar‑ ginais.­A­parir­dos­anos­60,­em­especial,­surgem­ os­jornais­voltados­para­a­comunidade­homosse‑ xual,­paricularmente­a­masculina. Em­ins­de­1977,­um­grupo­de­jornalistas,­inte‑ lectuais­e­aristas­se­reúne­na­casa­do­pintor­Darcy­ Penteado­em­São­Paulo.­O­ponto­embrionário­des‑ se­encontro­teria­sido­a­entrevista­que­João­Antô‑ nio­Mascarenhas,­na­época­colunista­do­Pasquim,­ havia­ feito­ com­ Winston­ Leyland,­ editor­ do­ Gay­ Sunshine,­publicação­americana­dirigida­a­homos‑ sexuais.­Não­só­Mascarenhas­como­outros­jorna‑ listas­ icam­ tão­ empolgados­ que­ decidem­ lançar­ uma­ publicação­ que­ relacionasse­ o­ homossexual­ e­seu­contexto­social,­que­discuisse­os­mais­diver‑ sos­temas­e­fosse­vendido­nas­bancas­de­todo­o­ país.­Surge­assim­O­lampião­da­esquina,­primeiro­ jornal­homossexual­de­circulação­nacional. O­jornal­foi­um­dos­maiores­ícones­do­movimento­ homossexual­do­im­da­ditadura­no­Brasil.­Vendido­

40 | MEMÓRIA LGBT

nas­bancas­de­1978­a­1981,­suas­37­edições­deram­ vez­e­voz­a­inúmeras­pessoas­que­escreviam­men‑ salmente­a­seus­editores.­Releir­sobre­suas­cartas­ é­contemplar­não­só­um­movimento­de­resistência­ contra­ a­ ditadura­ militar,­ mas­ também­ o­ proces‑ so­de­airmação­homossexual,­acompanhando­as­ múliplas­construções­idenitárias­pelas­quais­este­ grupo­passou­neste­período,­cujas­consequências­ nos­afetam­ainda­hoje.­O­reconhecimento­do­jor‑ nal­ enquanto­ lugar­ de­ memória­ e­ construtor­ de­ idenidades­ LGBT­ legiimou­ o­ lampião­ da­ esqui‑ na­na­qualidade­de­produtor­de­um­discurso­que­ deveria­ser­analisado­como­representaivo­do­ho‑ mossexual­brasileiro­no­período­de­transição­entre­ as­décadas­de­70­e­80­do­século­XX. Assumir­ e­ orgulhar­‑se­ de­ sua­ homossexuali‑ dade,­sair­dos­guetos,­transitar­como­qualquer­ outro­ cidadão,­ ter­ livre­ arbítrio­ para­ escolher­ lugares­de­lazer­e,­acima­de­tudo,­exprimir­sua­ sexualidade­são­temas­constantes­em­Lampião.­ A­análise­das­cartas­dos­leitores,­constituintes­ da­ seção­ cartas­ na­ mesa,­ evidencia­ três­ mo‑ mentos­ bem­ nítidos­ na­ trajetória­ do­ jornal:­ 1978­ apresenta­ um­ discurso­ positivo­ de­ afir‑ mação­de­identidades.­Em­1979,­o­orgulho­de­ ser­homossexual­é­associado­ao­ideário­de­ser­ este­ também­ um­ cidadão­ político.­ As­ cartas­ do­ano­de­1980­privilegiam­discursos­ligados­a­

movimentos­de­conscientização­homossexual­e­ ao­ surgimento­ dos­ primeiros­ grupos­ organiza‑ dos.­O­último­número­de­Lampião­sai­em­julho­ de­ 1981.­ Divergências­ ideológicas­ entre­ seus­ editores,­além­de­aumento­dos­custos­de­pro‑ dução,­queda­nas­vendas­e­as­próprias­mudan‑ ças­políticas­ do­Brasil­ fazem­com­que­o­jornal­ pare­de­circular,­deixando­um­espaço­até­hoje­ não­preenchido­por­nenhuma­outra­publicação­ veiculada­para­o­público­LGBT.

[1]­Graduado­em­Letras­Português/Inglês.­Pós– Graduado­em­Linguísica­Textual­(UFRJ)­e­Gênero­ e­Sexualidade­(UERJ).­Mestre­em­Memória­Social­ (UNIRIO).­É­professor­da­SEEDUC­‑RJ­e­do­IPETEC/ UCP.­É­autor­de­“...­E­havia­um­lampião­na­esqui‑ na”­–­Memórias,­idenidades­e­discursos­homos‑ sexuais­no­Brasil­do­im­da­ditadura­(1978­‑1980),­ publicado­pela­Mulifoco,­além­de­arigos­publi‑ cados­em­periódicos­e­livros.­ Contato:­[email protected] 41 | MEMÓRIA LGBT

Homofobia agora é crime em Pernambuco Atualmente o Brasil possui 13 estados que já criminalizam a homofobia, mas foi Pernambuco o primeiro a ideniicar em seus boleins de ocorrência policial manifestações e agressões homofóbicas.

Foi­ publicada­ no­ Diário­ Ofi‑ cial­do­Estado­de­Pernambuco­ de­ 27­ de­ novembro­ o­ Decre‑ to­ nº­ 39.542,­ de­ 25­ de­ junho­ 2013,­ que­ regulamenta­ a­ Lei­ nº­ 12.876,­ de­ 15­ de­ setem‑ bro­de­2005,­dispondo­sobre­a­ violência­contra­homossexuais­ em­ Pernambuco.­ A­ partir­ de­ então,­ casos­ de­ violências­ e­ discriminações­ contra­ Lésbi‑ cas,­Gays,­Bissexuais,­Travestis­ e­ Transexuais­

–­LGBT,­especialmente­as­mo‑ tivadas­ por­ homofobia,­ serão­ considerados­crime. A­ portaria­ foi­ assinada­ de­ forma­ conjunta­ entre­ a­ Se‑ cretaria­ de­ Desenvolvimen‑ to­ Social­ e­ Direitos­ Humanos­ (SEDSDH),­ Secretaria­ de­ De‑ fesa­ Social­ (SDS)­ e­ Secretaria­ de Assessoria do Governador. Com­ a­ derrubada­ do­ Projeto­ de­ Lei­ Complemen‑ tar­ (PLC)­ –­ 122­ que­ ti‑

42 | MEMÓRIA LGBT

pificaria­ o­ crime­ de­ homofo‑ bia,­ a­ ação­ pernambucana­ é­ exemplar­e­pioneira. "Fico­ feliz­ ao­ ver­ efeivada­ mais­uma­iniciaiva­do­Governo­ do­Estado­que­visa­o­respeito­à­ vida,­ à­ pluralidade­ e­ à­ diversi‑ dade,­mostrando­que­é­possível­ combater­qualquer­ipo­de­pre‑ conceito­e­garanir­a­segurança­ de­ todos­ os­ pernambucanos”,­ ressaltou­ a­ Secretária­ de­ De‑ senvolvimento­Social­e­Direitos­ Humanos,­Laura­Gomes.

Fonte:­IBGE

43 | MEMÓRIA LGBT

Tal­ resolução­ surge­ devido­ a­ necessidade­ de­ disciplinar,­ conjuntamente,­ o­ conceito­ de­ homofobia­ a­ ser­ aplicado­ na­ sistemaização­ e­ mensuração­ de­ dados­ oiciais­ de­ crimes­ ou­ violações­ de­ direitos­ da­ popu‑ lação­ LGBT.­ Afora­ a­ constante­ situação­ de­ vulnerabilidade­ vi‑ venciada­pelo­segmento. Ainda­de­acordo­com­a­secre‑ tária­Laura­Gomes,­o­respeito­as­ diferenças­é­um­dos­pilares­para­ a­redução­da­violência.­ “Esse­é­um­compromisso­de­ vida­ que­ tenho,­ compromis‑ so­ não­ só­ como­ agente­ públi‑ ca,­ mas­ principalmente­ como­ uma­ cidadã­ que­ acredita­ na­ igualdade­e­entende­que­a­vio‑ lência­ só­ se­ reduz­ quando­ se­

respeita­ as­ diferenças",­ com‑ pletou. Ficou­definido­no­âmbito­das­ políticas­ públicas­ estaduais­ destas­ Secretarias,­ a­ homo‑ fobia­ como­ violência­ pratica‑ da­ em­ virtude­ da­ orientação­ afetivo­‑sexual­e/ou­identidade­ de­gênero­da­população­LGBT.­ Pode­ ser­ direta,­ causada­ pelo­ ódio,­ ou­ indireta,­ quando­ há­ contexto­ favorável­ ao­ seu­ co‑ metimento­ou­impunidade. Para­ o­ Centro­ Estadual­ de­ Combate­à­Homofobia­–­CECH,­ programa­vinculado­à­Secreta‑ ria­ Executiva­ de­ Justiça­ e­ Di‑ reitos­ Humanos­ –­ SEJUDH­ /­ SEDSDH,­ responsável­ pela­ co‑ leta­de­dados­e­reflexões­acer‑ ca­dos­números­de­homicídios­

motivada pelo preconceito e discriminação tem características próprias que merecem atenção especial dos profissionais e gestores de segurança pública ”

Fonte: htp://www.pe.gov.br/

44 | MEMÓRIA LGBT

WebSérie Positivos

“ A violência contra LGBT

LGBT­que­subsidiaram­a­porta‑ ria­ assinada,­ essa­ nova­ medi‑ da­irá­contribuir­para­uma­me‑ lhor­compreensão­dos­agentes­ públicos­de­segurança­para­os­ casos­ de­ violência­ contra­ ho‑ moxessuais. “A­ violência­ contra­ LGBT­ mo‑ ivada­ pelo­ preconceito­ e­ dis‑ criminação­ tem­ caracterísicas­ próprias­ que­ merecem­ aten‑ ção­ especial­ dos­ proissionais­ e­ gestores­ de­ segurança­ públi‑ ca”,­ airmou­ o­ coordenador­ do­ CECH,­Rhemo­Guedes. Rhemo­ disse­ ainda­ que­ o­ trabalho­ com­ profissionais­ da­ segurança­ pública­ se­ deu­ ao­ longo­de­2013­através­das­Se‑ manas­ de­ Direitos­ Humanos,­ onde­ as­ atividades­ eram­ rea‑ lizadas­ nos­ batalhões­ da­ PM­ que­ representavam­ cada­ re‑ gião­do­Estado. “Visitamos­ 12­ municípios­ com­ ações­ in­ loco­ e­ indire‑ tamente­ outros­ 40,­ o­ que­ totalizou­ 288­ profissionais­ alcançados.­ Mata­‑se­ por­ ser­ homossexual­e­ainda­com­re‑ quintes­ de­ crueldade.­ As­ po‑ lícias­ militar­ e­ civil­ precisam­ estar­ preparadas­ para­ previ‑ nir­ e­ reparar­ os­ casos­ de­ ho‑ mofobia­ em­ Pernambuco”,­ completou.

WebSérie Positivos

Fenômeno na internet, série “Posiivos” estreia segunda temporada e lança campanha de apoio social ao soroposiivo

Produzida­de­forma­independente­e­sem­recur‑ sos,­ a­ primeira­ temporada­ da­ web­ série­ “Posii‑ vos”­aingiu­mais­de­800­mil­acessos­em­seus­10­ episódios­lançados­de­forma­gratuita­na­internet,­ desde­seu­lançamento­em­outubro­do­ano­passa‑ do.­A­produção­que­tem­como­principal­tema­o­ví‑ rus­HIV­e­a­AIDS,­se­passa­no­Rio­de­Janeiro­e­tem­ temáica­gay.­Na­primeira­leva­de­episódios­mos‑ trou­a­relação­de­quatro­amigos­soroposiivos­que­ dividiam­ um­ apartamento­ e­ as­ alições­ causadas­ pela­doença.­ Devido­ a­ repercussão­ do­ público,­ o­ projeto­ ga‑ nhou­fôlego­e­estreia­sua­segunda­temporada­nes‑ ta­ quinta­‑feira,­ 16­ de­ janeiro­ com­ o­ lançamento­ do­primeiro­episódio.­Na­trama,­além­de­mostrar­ como­estão­os­personagens­da­fase­anterior,­novas­ histórias­serão­contadas­e­diversos­temas­relacio‑ nados­ ao­ assunto­ abordados­ dentro­ do­ universo­ do enredo. Entre­os­destaques,­a­vida­de­três­adolescentes­

que­antes­dos­18­anos­se­veem­as­voltas­com­as­ consequências­de­seus­atos­decorrentes­da­liber‑ dade­sexual­que­sempre­iveram.­A­parir­do­resul‑ tado­do­diagnósico­suas­histórias­se­entrelaçam­e­ se­forma­um­triângulo­surpreendente.­As­diicul‑ dades­enfrentadas­por­um­travesi­para­fazer­o­tra‑ tamento,­a­relação­de­duas­mulheres­em­que­uma­ delas­é­portadora­do­vírus­e­a­situação­de­um­mo‑ rador­de­rua­que­não­tem­conhecimento­do­perigo­ da­AIDS,­são­alguns­dos­temas­desta­temporada,­ que­coninua­apostando­na­mistura­de­drama­e­co‑ média­embalados­com­bonitas­histórias­de­amor.­ CAMPANHA “ADOTE UM POSITIVO” Parindo­de­um­dos­momentos­da­história,­em­ que­os­personagens­Bernardo­(Pedro­Quevedo)­e­ Caique­ (Tainã­ Freitas)­ criam­ um­ projeto­ em­ prol­ de­ soroposiivos­ na­ trama,­ a­ ideia­ também­ será­ uilizada­ fora­ da­ icção.­ A­ fonte­ de­ inspiração­ da­ dupla­é­Guilherme­(Hugo­Carvalho),­namorado­de­ Bernado­e­Alice­(Manoela­Denardin),­melhor­ami‑

45 | MEMÓRIA LGBT

ga­de­Caique­e­que­se­contaminou­víima­de­um­ estupro.­ Os­ dois­ resolvem­ criar­ uma­ rede­ social­ implícita­ incenivando­ as­ pessoas­ a­ “adotarem”­ um­ soroposiivo­ para­ cuidar,­ no­ senido­ de­ zelar­ pelo­seu­bem­‑estar­e­quebrar­o­preconceito­que­ as­pessoas­tem­com­o­assunto.­ PRODUÇÃO Sem­patrocínio,­a­segunda­parte­da­série­foi­im‑ pulsionada­pela­criação­do­NeoCanal,­uma­emisso‑ ra­virtual­criada­por­Daniel­Sena­(Roteirista­e­Dire‑ tor)­e­Victor­Grimoni,­que­reúne­várias­produtoras­ que­apostam­no­segmento­independente,­dando­ suporte­e­apoio­com­equipamentos­e­técnica.­Em­ breve,­o­público­terá­acesso­a­um­portal­que­exibi‑ rá­uma­programação­diária­com­séries­produzidas­ “Posiivos­ –­ Segunda­ Temporada”­ conta­ com­ com­este­formato.­Outros­dois­produtos­voltados­ para­o­público­LGBT­já­estão­encaminhados:­“O­Ar‑ uma­trilha­sonora­formada­por­canções­de­aris‑ mário­Gêmeo”­e­“RG­–­A­Revolução”­que­devem­ tas­ independentes­ e­ terá­ exibição­ semanal­ com­ previsão­ de­ 14­ episódios­ sempre­ nas­ noites­ de­ ser­rodadas­em­Florianópolis­e­São­Paulo.­ quinta­‑feira.­ Para­mais­informações­é­só­acessar­o­site­oicial:­ www.serieposiivos.com­ Em­anexo­segue­algumas­fotos­e­um­link­com­ví‑ deo­com­clipe­de­cenas­da­segunda­temporada.­ Clipe­divulgação­da­segunda­temporada: htp://www.youtube.com/watch?v=Yel­‑f3YePkA Pagina­do­Facebook: htps://www.facebook.com/serieposiivos Estudantes­ de­ cinema­ também­ fazem­ parte­ da­ equipe­ de­forma­voluntaria,­encabeçada­ pelo­ di‑ retor­de­fotograia­Mateus­Cabral.­Os­atores­tam‑ bém­ não­ recebem­ remuneração­ e­ as­ gravações­ são­ feitas­ em­ apartamentos­ cedido­ por­ pessoas­ que­acreditam­no­projeto.­

46 | MEMÓRIA LGBT

Matemáico britânico se tornou herói da Segunda Guerra ao decifrar Código Enigma dos nazistas. Condenado por “indecência” na década de 1950, ele foi agora perdoado pela rainha.

Na­ contramão­ da­ aparente­ onda­ internacional­ de­ retro‑ cesso­ na­ tolerância­ à­ homos‑ sexualidade,­ o­ governo­ do­ Reino­ Unido­ anunciou­ uma­ medida­ de­ peso­ simbólico:­ o­ matemático­ e­ criptoanalista­ Alan­ Turing­ (1912­‑1954)­ rece‑ beu­ postumamente­ o­ perdão­ da­rainha­Elizabeth­2a, 61 anos após­ ter­ sido­ condenado­ por­ “indecência”. O­ cientista­ nascido­ em­ Lon‑ dres­ conta­ entre­ os­ heróis­ da­ Segunda­ Guerra­ Mundial­ por­ ter­ decifrado­ o­ Código­ Enig‑

ma,­utilizado­pelos­ nazistas­ em­ suas­ comunicações.­Em­ declaração­ publi‑ cada­ nesta­ terça‑ ‑feira­ (24/12),­ o­ ministro­ britânico­ da­ Justiça,­ Chris­ Grayling,­ informou­ que­ o­ decreto­ real­ tem­ efeito­ imedia‑ to.­ Ele­ acrescentou­ que­ o­ perdão­ é­ um­ tributo­a­“um­homem­ excepcional,­ com­ uma­ mente­brilhante”.

47 | MEMÓRIA LGBT

Fonte:www.opovo.com.br

Perdão a cientista homossexual Alan Turing vem com seis décadas de atraso

Museu da Diversidade abre exposição Moda & Diversidade Promovida pela Secretaria de Estado da Cultura, com apoio da São Paulo Fashion Week, mostra uiliza editoriais de moda para exibir diversidade sexual e étnica

48 | MEMÓRIA LGBT

acontece

O­ Museu­ da­ Diversidade,­ equipamento­ da­ Secretaria­ de­ Estado­ da­ Cultura,­ transformou­ editoriais­de­moda­da­revista­ffwMAG!­na­ex‑ posição­inédita­Moda­&­Diversidade,­em­cartaz­ a­ partir­ do­ dia­ 29­ de­ novembro­ (sexta­‑feira).­ Mais­de­34­imagens­simbolizam­questões­etni‑ corraciais­e­a­diversidade­sexual­em­uma­união­ entre­ moda­ e­ arte,­ que­ ficará­ aberta­ à­ popu‑ lação­ no­ Museu­ da­ Diversidade,­ no­ mezanino­ da­ estação­ República­ do­ Metrô.­ A­ entrada­ é­ gratuita. Sob­a­curadoria­de­Paulo­Borges,­um­dos­cria‑ dores­ da­ São­ Paulo­ Fashion­ Week,­ Moda­ &­ Di‑ versidade­explora­temas­universais­como­o­amor,­ representado­pelas­relações­entre­casais­–­hete‑ rossexuais­ e­ homossexuais­ –,­ e­ a­ transexualida‑ de,­ retratada­ pela­ modelo­ internacional­ Lea­ T,­ ilha­ do­ ex­‑jogador­ de­ futebol­ Toninho­ Cerezo.­ Neste­úlimo,­as­imagens­celebram­a­inclusão­de­ transexuais­no­mundo­da­moda,­abrindo­as­pos‑ sibilidades­para­o­segmento. A­temática­etnicorracial­também­é­abordada­ com­ destaque­ na­ exposição,­ através­ das­ foto‑ grafias­ de­ um­ editorial­ nomeado­ “Liberdade”.­ Nele,­ modelos­ negros­ e­ negras,­ indígenas­ e­ orientais­ exibem­ a­ diversidade­ estética­ dos­ brasileiros,­ ressaltando­ a­ beleza­ de­ diferentes­ povos­e­etnias.­

SERVIÇO: Museu­da­Diversidade Exposição:­Moda­&­Diversidade Quando:­de­29­de­novembro­de­2013­a­ abril­de­2014 Onde:­Estação­República­do­Metrô­–­Piso­ Mezanino,­loja­518 Funcionamento:­de­terça­a­domingo, das­10h­às­20h Mais­informações­à­imprensa: Secretaria­de­Estado­da­Cultura Natália­Inzinna­–­[email protected] (11)­2627­‑8162

Sobre o Museu da Diversidade O­ Centro­ de­ Cultura,­ Memória­ e­ Estudos­ da­ Diversidade­ Sexual,­ conhecido­ como­ Museu­ da­ Diversidade,­ foi­ inaugurado­ pelo­ Governo­ do­ Estado­ de­ São­ Paulo­ em­ junho­ de­ 2012.­ O­ espaço­foi­criado­com­o­objetivo­de­garantir­a­ preservação­do­patrimônio­cultural­da­comuni‑ dade­LGBT­brasileira,­por­meio­da­coleta,­orga‑ nização­e­divulgação­de­referências­materiais­e­ imateriais­ ligadas­ ao­movimento.­O­Museu­ da­ Diversidade­é­mantido­pela­Secretaria­de­Esta‑ do­da­Cultura,­por­meio­da­Assessoria­de­Cultu‑ ra­para­Gêneros­e­Etnias.

49 | MEMÓRIA LGBT

Fique­ligado­na­ Revista

Memória LGBT

acesse:

www.memorialgbt.com Curta no Facebook www.facebook.com/revistamemorialgbt Curta no Twiter www.twiter/memorialgbt Curta no Google +: htp://zip.net/bwl72N E‑mail [email protected]

50 | MEMÓRIA LGBT

Rodrigo­Azócar As­ seguintes­ linhas­ reletem­ o­ resultado­ de­algumas­anotações­ do­trabalho­de­campo­desenvol‑ vido­ na­ cidade­ chilena­ de­ Val‑ paraíso,­ realizado­ nos­ meses­ de­ julho­a­dezembro­de­2012,­e­de­ janeiro­a­maio­de­2013.­Foi­uma­ experiência­etnográica­que­per‑ miiu­ gerar­ um­ diálogo­ entre­ os­ dados­ e­ a­ teoria­ (GUBER;­ 2005)­ em­ um­ processo­ de­ contraste­ e­

dinâmica­ interacional.­ O­ obje‑ ivo­ geral­ da­ pesquisa­ é­ coletar­ elementos­ empíricos­ que­ deem­ conta­da­compreensão­dos­signi‑ icados­ que­ ortogam­ os­ sujeitos­ na­ boate­ Pagano­ em­ relação­ a­ construção­ dos­ espaços­ de­ visi‑ bilidade­gay­em­Valparaíso,­Chile.­ A­discoteca­Pagano­é­um­esta‑ belecimento­ icónico­ na­ cidade,­ localizada­ no­ bairro­ Puerto.­ Foi­

51 | MEMÓRIA LGBT

parte­ de­ um­ processo­ de­ valori‑ zação­e­apropriação­de­uma­zona­ com­caracterísicas­de­espoliação­ urbana­(KOWARICK;­2009)­da­ci‑ dade­ por­ parte­ de­ grupos­ que,­ segundo­ a­ Becker­ (2008),­ pode‑ ríamos­denominar­Outsiders­por­ seus­atributos­de­exclusão­social,­ como­ por­ exemplo,­ o­ quesio‑ namento­ a­ sua­ vesimenta,­ sua­ orientação­sexual,­entre­outros.

Internacional

Algumas notas etnogáficas sobre o mercado e visibilização gay em Valparaíso – Chile

O­surgimento­de­espaços­de­diversão­orientados­ a­pessoas­lésbicas,­gays,­bissexuais,­transexuais­e­ intersexuais­ (LGBTI)­ na­ cidade­ de­ Valparaíso­ faz­ parte­de­um­processo­maior­com­caracterísicas­ de­ abertura,­ vinculado­ aos­ acontecimentos­ so‑ cioculturais­vividos­no­Chile­nos­úlimos­quaren‑ ta­anos.­Como­explica­Camilo­Braz­(2012),­estes­ espaços­de­promoção­de­uma­diversidade­sexual­ permite­o­contato­com­certos­estereóipos­den‑ tro­da­cultura­gay.­ Camilo­ Braz­ dialoga­ com­ os­ mais­ importantes­ autores­brasileiros­sobre­a­temáica­gay,­em­seu­ texto­Á­meia­luz…­uma­etnograia­em­clubes­de­ sexo­masculinos.­Fazendo­uma­relexão­por­meio­ de­uma­invesigação­a­longo­prazo,­em­clubes­da­ cidade­de­São­Paulo,­com­o­qual­enfrenta­diver‑ sas­ concepções­ de­ masculinidade­ dentro­ deste­ contexto.­Onde­existe­uma­espaço­de­alternação­ entre­ homens.­ É­ muito­ interessante­ a­ relexão­ que­toma­Néstor­Perlongher­ao­referir­‑se­a­noção­ de­ Gueto­ Gay­ uilizada­ no­ Brasil­ e­ a­ concepção­ que­Eduardo­Magnani­uiliza,­de­Manchas­ou­Cir‑ cuitos,­para­relatar­a­aglomeração­de­comércios­ que­atende­a­um­público­gay.­Esta­ideia­represen‑ ta­claramente­o­que­acontece­no­bairro­Puerto­de­ Valparaíso,­também­conhecido­como­bairro­Chi‑ no,­devido­ao­seu­caráter­de­ser­perigoso,­por­ser­ excluído­e­segregado­do­resto­da­cidade,­mas­que­ tem­mudado­vagorosamente,­se­tornando­um­lu‑ gar­de­diversão,­desinado­principalmente­a­um­ público­ composto­ pelos­ excluídos.­ É­ assim­ que­ a­ discoteca­ Pagano,­ desde­ o­ ano­ 2000,­ passou­ promover­ uma­ abertura­ ao­ mercado,­ e­ voltado­ sua­atenção­a­um­público­alternaivo,­composto­ por­pessoas­(LGBTI)­como­também­para­aqueles­

grupos­urbanos­deixados­à­margem,­como­Punks,­ Góicos,­entre­outros. O­ recorte­ espaço­‑temporal­ da­ pesquisa­ tem­ como­centro­o­bairro­Porto,­espaço­fundamen‑ tal­da­cidade­e­próximo­as­instações­portuárias­ foi­ adiquirindo­ fama­ de­ bairro­ de­ lazer,­ entre‑ tenimento,­ diversidade­ e­ tolerância.­ Mesmas­ caracterísicas­ de­ hoje­ da­ espaço­ a­ lugares­ de­ diversão­ para­ a­ comunidade­ mais­ diversiicada­ da­ cidade,­ espaço­ de­ habitação­ para­ jovens­ e­ familias­ de­ proissionais­ das­ casas­ de­ reabilita‑ ção­ e­ de­ convervação­ patrimonial,­ impulsiona‑ do­ principalmente­ pela­ caracterísica­ de­ Patri‑ mônio­ Cultural­ da­ Humanidade,­ com­ o­ qual­ a­ UNESCO­ reconhece­ Valparaíso­ desde­ o­ ano­ de­ 2003­e­que­conserva­até­hoje.­ O­século­XX­marcou­o­ponto­de­decadencia­da­ cidade.­As­crises­económicas,­as­trocas­de­pro‑ dução,­a­imigração­de­pessoas­que­liberaram­o­ empreendimento­da­cidade­e­a­inauguração­do­ Canal­do­Panamá­como­nova­rota­de­entre­o­Pa‑ cíico­ e­ o­ Atlânico,­ izeram­ sucumbir­ a­ cidade­

52 | MEMÓRIA LGBT

a­ um­ abismo­ de­ dacadência,­ pobreza­ e­ esquecimento.­ São­ precisamente­ estes­ adjeivos­ que­ hoje­ dão­ um­ valor­ patri‑ monial­ incalculavél­ a­ cidade,­ e­ que­ se­ representa­ e­ em­ sua­ arquitetura,­ seus­ costumes­ e­ história­social. Hoje­ a­ cidade­ vive­ um­ pro‑ cesso­ de­ revitalização­ de­ seu­ patrimonio,­ releida­ em­ polí‑ icas­que­buscam­preservar­os­ vesigíos­ desse­ pasado,­ como­ também­em­potencializar­a­ci‑ dade­ como­ um­ polo­ turísico­ (um­ conjunto­ como­ o­ de­ Viña­ del­ Mar,­ la­ cidade­ conhecida­ como­ capital­ turísica­ do­ país)­ e­cultural.­ Explorar­o­potencial­cultural­ da­cidade,­foi­objetivo­primor‑ dial­das­últimas­políticas­urba‑ nas,­habitacionais­e­turísticas.­ Hoje­ a­ cidade­ e­ sede­ do­ Con‑ selho­ Nacional­ da­ Cultural­ e­ das­ Artes­ e­ centro­ de­ expres‑ são­ de­ diversas­ manifesta‑ ções­ imateriais­ que­ resgatam­ as­ tradições­ da­ cidade,­ com­ novas­ expressoes­ de­ são­ im‑ pressas­ num­ caratér­ artístico­ e­cultural.­ Há­grande­presença­de­jovens­ estudantes­ (existem­ mais­ de­ noventa­

Universidades­ de­ Centros­ de­ Educação­ Superior),­ com­ aiva­ e­ampla­oferta­de­lazer,­sua­pai‑ sagem­urbana­caracteriza­uma­ cidade­ que­ valoriza­ sua­ carac‑ terísica­ de­ diversidade.­ Estas­ caracterísicas­ sócio­‑históricas­ tem­ permiido­ que­ a­ cidade­ acolha­os­mais­diversos­grupos­ sociais,­ comparilhando­ espa‑ ços­ e­ traços­ da­ ciudades,­ os­ mesmo­que­são­posteriormen‑ te­ideniicados­pelos­próprios­ habitantes.­ Um­ destes­ espaços,­ o­ Bairro­ Porto.­Histórico­centro­de­lazer­ e­de­diversão­noturna,­lugar­de­ encontró­ para­ marinheiros­ de­ todo­ mundo,­ mercantes­ que­ atracam­ no­ porto­ cercado­ dos­ mais­ diversos­ grupos­ under‑ ground­presentes­na­sociedade,­ com­maior­ou­menor­visibilida‑ de­no­cenário­formal.­ Precisamente­ em­ seus­ pros‑ íbulos,­ em­ seus­ bares,­ e­ seus­ hotéis,­ em­ companhia­ de­ de‑ liquentes,­ ladrões,­ prositutas­ onde­se­vem­forjando­a­ideni‑ dade­do­lugar­como­espaço­de­ tolerância­e­diversidade.­ Neste­ bairro­ ica­ a­ Discote‑ ca­ Pagano,­ que­ está­ há­ duas­ décadas­ como­ espaço­ para­ aqueles­ “alter‑ naivos”­ que­ não­ i‑ nham­ lugar­ na­

53 | MEMÓRIA LGBT

oferta­ paricular­ e­ tradicional­ em­ outras­ zonas­ da­ cidade.­ Um­ espaço­ de­ reuniao­ prote‑ gida­ dos­ olhares­ acusadores,­ repressores­ e­ quesionadores,­ que­ com­ o­ pasar­ dos­ anos­ foi­ adiquirindo­o­status­de­“lenda­ urbana”­pelas­históricas­que­se­ tem­ em­ torno­ de­ suas­ perfor‑ mances­ rotulantes­ encarnadas­ pelas­ chamaivas­ mulheres­ de­ grandes­sapatos,­trajes­muico‑ loridos­e­vistosas­plumas.­ Pagano­ foi­ se­ converten‑ do­ no­ centro­ de­ lazer­ gay­ da­ zona,­ ainda­ se­ contar­ com­ outros­ espaços­ de­ diversao­ tipificaods­ para­ este­ público­ específico,­ eles­ foram­ per‑ diendo­ protagonismo­ dian‑ te­ da­ reunião­ dos­ diferentes­ grupos­sociais­em­um­peque‑ no­ e­ escuro­ logal­ da­ esquina­ de­ruas­Clave­y­Blanco. Eis­ aquí­ onde­ há­ um­ olhar­ antropológico­ que­ se­ desen‑ volve­ essecial­ no­ resgate­ des‑ tas­ histórias­ que­ vão­ configu‑ rando­ consigo­ um­ acervo­ de­ grande­relevancia­para­confor‑ macão­de­uma­identidade­gay­ local­e­nacional.­Neste­espaço­ de­abertura­e­tolerancia­onde­ existem­ historias­ das­ pessoas­ e­ das­ comunidades­ do­ entor‑ no­e­a­diversidade,­integração­ e­respeito,­como­também­exis‑ te­a­homofobia,­a­falta­de­res‑ peito­e­o­ódio.­ O­ contexto­ do­ surgimento­ da­ discoteca­ Pagano­ no­ Bair‑ ro­ Puerto­ de­ Valparaíso­ deve­ ser­analisado­em­conjunto­aos­ acontecimentos­ que­ antece‑

MEMÓRIA LGBT | 53

deram,­ permiindo­ descrever­ o­ Chile­ como­ um­ país­ conser‑ vador­ e­ altamente­ homo­ fóbi‑ co.­ Segundo­ a­ Oscar­ Contardo­ (2011)­ o­ retorno­ a­ democra‑ cia­ é­ o­ momento­ que­ o­ país­ começa­ uma­ lenta­ caminhada­ de­abertura­aos­temas­sexuais­ (ROBLES;­ 2008),­ obrigando­ a­ sociedade­a­reconhecer­e­pro‑ mover­ pequenos­ espaços­ de­ visibilização­ de­ pessoas,­ cata‑ logadas­como­diversas: No­ Chile,­ as­ idéias­ tradicio‑ nalmente­ associadas­ com­ a­ homossexualidade­ não­ foram­ refutados­ publicamente­ e­ de­ forma­consistente,­mas­a­parir­ dos­ anos­ noventa.­ Até­ então,­ era­ parte­ do­ senso­ comum­ di‑ zer­ que­ os­ homossexuais­ são­ perturbados­ mentais,­ mesmo­ em­círculos­acadêmicos. (CONTARDO,­2011.­p.­23.­Tra‑ dução­libre.)

Justamente­ na­ manifestação­ deste­ dilema­ que­ se­ manifes‑ ta­ a­ importância­ do­ mercado­ como­ facilitador­ de­ um­ pro‑ cesso­ de­ visibilização­ em­ uma­ sociedade­ marcada­ por­ este‑ reóipos­ com­ pessoas­ (LGBTI)­ e­faz­parte­de­um­diálogo­que­ permeia­o­tema­a­respeito­das­ convenções­ de­ género­ (BRAZ,­ 2012),­colocando­em­tensão­as­ possibilidades­de­integração­na­ sociedade­chilena. O­ surgimento­ do­ mercado­ para­gays­na­cidade­de­Valpa‑ raiso,­de­acordo­com­o­contex‑ to­ histórico­ e­ social,­ permitiu­ dar­ espaços­ de­ visibilidade­ para­ um­ grupo­ historicamen‑ te­ excluído­ e­ invisívei.­ Esse­ mercado­ está­ dividido­ entre­ as­ respostas­ às­ necessidades­ de­ sociabilidade­ gay­ eo­ cons‑ tante­ questionamento­ sobre­ a­ possível­ construção­ de­ gue‑ tos­ (FRANÇA,­ SIMÕES;­ 2005),­ a­ formação­ de­ um­ circuito­ ou­ mancha­ (MAGNANI,­ 2008)­ onde­ é­ preciso­ considerar­ as­ questões­de­poder,­estilo,­con‑ sumo­e­marcadores­sociais­da­ diferença,­ especialmente­ da­ classe. Referencias. BECKER,­ Howard.­ Outsiders:­ estudos­ de­ sociologia­ do­ des‑ vio.­Rio­de­Janeiro:­Zahar,­2008. BRAZ,­ Camilo.­ À­ meia­ luz...­ uma­ etnograia­ em­ clubes­ de­ sexo­ masculinos.­ Goiânia:­ Edi‑ tora­UFG,­2012. CONTARDO,­ Oscar.­ Raro.­ Una­

54 | MEMÓRIA LGBT

historia­ gay­ de­ Chile.­ Saniago:­ Planeta,­2011. FRANÇA,­Isadora­Lins;­SIMÕES,­ Júlio.­Do­gueto­ao­mercado.­In:­ GREEN,­ James;­ TRINDADE,­ Ro‑ naldo­(Org.).­Homossexualismo­ em­São­Paulo­e­outros­escritos.­ São­Paulo:­Ed.­Unesp,­2006. GUBER,­Rosana.­El­salvaje­me‑ tropolitano.­Reconstrucción­del­ conocimiento­ social­ en­ el­ tra‑ bajo­de­campo.­1a­reimpresión.­ Buenos­Aires:­Paidós,­2005. KOWARICK,­Lúcio.­Escritos­ur‑ banos.­São­Paulo:­Ediciones­34,­ 2000. MAGNANI,­ José­ Guilherme­ Cantor.­Quando­o­campo­é­a­ci‑ dade:­ fazendo­ antropologia­ na­ metrópole.­ In:­ MAGNANI,­ José­ Guilherme­ Cantor;­ TORRES,­ Li‑ lian­ de­ Lucca.­ Na­ metrópole:­ textos­ de­ antropologia­ urbana.­ São­Paulo:­Edusp/Fapesp,­2008. ROBLES,­Víctor­Hugo.­Bandera­ hueca.­Historia­del­movimiento­ homosexual­en­Chile.­Saniago:­ Editorial­ARCIS,­2008

O ser ou não ser da Transexualidade Uma análise do contéudo em bloggers de transexuais Introdução O­ que­ é­ ser­ transexual­ ?­ Ser­ da­ existência,­ da­ idenididade,­ da­ predicação­ do­ veritaivo.­ O­ su‑ jeito­ transexual­ é­ aquele­ que­ existe,­ que­ é.­ Ao­ pensar­a­transexualidade­devemos­releir­sobre­ o­ ser.­ Transexuais­ vivem­ “seu­ ser”­ sendo­ cons‑ tanstemente­quesionados­e­colocados­em­pau‑ ta,­suas­verdades­sempre­confrontadas­por­iltros­ sociais.­Assim­advém­o­conlito­vivênciado­por­es‑ tes:­deve­‑se­deixar­de­ser­para­aceitação­ou­deve­ abraçar­sua­essência­e­só­ser?­ O­ preconceito­ contra­ transgêneros­ é­ uma­ rea‑ lidade­ no­ Brasil,­ sendo­ visível­ em­ vários­ contex‑ tos.­ O­ indivíduo­ trans.­ é­ víima­ de­ discriminação­ por­parte­dos­heterossexuais­assim­como­dos­ho‑ mossexuais.­São­tratados­como­seres­desprezíveis­ e­ como­ transgressores­ das­ normas,­ o­ que­ acaba­ sendo­contraditório­em­um­país­onde­o­corpo­tra‑ vesido­é­cultuado­no­carnaval­e­em­diversos­even‑ tos,­ passando­ a­ falsa­ ideia­ de­ aceitação,­ que,­ na­ práica,­não­existe,­e­o­preconceito­ainda­é­grande­ (PROCHNO,NASCIMENTO­e­ROMERA,­2009). Por­meio­desta­necessidade­foi­realizada­esta­pes‑ quisa­com­a­intenção­de­esclarecer­conceitos­e­ve‑ riicar­a­autoimagem­de­transexuais.­Assim­a­parir­ de­ relatos­ em­ blogs­ on­ line­ na­ internet,­ testemu‑ nhos­e­dados­foram­extraídas­aim­de­exempliicar­e­ levantar­material­que­mostrassem­a­realidade­atual­ destes,­ os­ bloggers­ foram­ escolhidos­ por­ ser­ este­ um­espaço­livre­para­circulação­de­informações,­vis‑ to­por­alguns­como­suporte­para­um­diário­pessoal.­ Neste­ trabalho,­ será­ analisado­ o­ fenômeno­ transexual­sob­a­óica­de­Fernando­Luiz­Cardoso­

(2005),­ ou­ seja,­ a­ parir­ do­ fenômeno­ cultural.­ Deve­‑se­manter­este­enfoque­porque,­atualmen‑ te,­ não­ existe­ solidez­ nas­ categorias­ epistemo‑ lógicas­de­deinição­e­descrição­de­gêneros,­por­ exisirem­diversas­abordagens­mulidisciplinares­ que­impossibilitam­um­conceito­rígido­e­fechado.­ Berenice­Bento­(2006)­aponta­que,­na­moder‑ nidade,­deve­‑se­pensar­em­relações­de­gênero­e­ corpo,­a­parir­de­processos­que­permitam­uma­ visão­ histórica­ desituída­ de­ conteúdo­ políico.­ Por­ meio­da­teoria­pela­qual­ o­gênero­ não­ está­ inscrito­sobre­o­corpo­de­forma­passiva,­pode­‑se­ analisa­‑lo­por­uma­visão­heteronormaiva­social,­ que­ é­ condicionada­ pelas­ insituições­ médicas,­ linguísicas,­domésicas­e­escolares,­exisindo­pa‑ drões­ corpóreos­ e­ comportamentais­ para­ cada­ sexo,­e­estes­seriam­narrados­como­naturais.­An‑ tes­do­nascimento,­o­corpo­já­está­inscrito­em­um­ conjunto­ de­ estruturas­ determinadas,­ o­ corpo,­ então,­é­socialmente­construído.­O­sujeito­tran‑ sexual­revela,­então,­uma­interiorização­assumida­ enquanto­ verdade­ que­ lhe­ provoca­ sofrimento,­ gerando­conlitos­que,­para­ele,­são­inexplicáveis,­ pois­o­gênero­signiicará­o­corpo,­revertendo,­as‑ sim,­os­pilares­que­sustentam­a­noção­de­gênero. O­transexual­seria­então­um­“Transgênero”,­este­ conceito­ abrange­ um­ grupo­ diverso­ de­ pessoas­ que­não­se­ideniicam,­de­maneiras­e­em­graus­di‑ ferentes,­com­os­comportamentos­e/ou­papéis­so‑ ciais­do­gênero­de­seu­nascimento­(JESUS,­2012).­ Parindo­ainda­da­ideia­de­Cardoso­(2005),­é­possí‑ vel­separar­os­ipos­de­transgêneros,­seguindo­de‑ inições­ e­ comportamentos­ adotados­ pelos­ mes‑

55 | MEMÓRIA LGBT

artigos

Karina­Borba

mos.­A­idenidade­de­gênero­pode­ser­masculina,­ feminina­ou­ambígua,­sendo­manifestada­de­três­ formas­disintas,­que,­embora­diicilmente­permi‑ tam­ uma­ deinição­ concreta­ e­ deiniiva,­ podem­ ser­percebidas­em­fenômenos­disintos.­ O­transexual­não­se­classiica­como­tal­somente­ pelo­ato­de­se­(trans)vesir,­pois­é­um­fenômeno­ relacionado­ à­ subjeividade­ do­ indivíduo,­ ligado­ aos­ senimentos­ e­ desejos­ de­ ser­ isicamente­ pertencente­ ao­ gênero­ com­ o­ qual­ se­ ideniica­ psicologicamente,­de­pertencer­ao­outro­sexo,­o­ que­permite­uma­diferenciação­entre­os­transe‑ xuais­operados­e­os­não­‑operados.­Esta­categoria­ é­menos­frequente­em­termos­de­prevalência­do­ que­a­de­tranvesismo,­pois­nela­o­indivíduo­está­ mais­ preocupado­ em­ saisfazer­ sua­ idenidade,­ seus­processos­de­ideniicação,­logo,­o­parceiro­ sexual­não­é­uma­prioridade.­(CARDOSO,­2005). A­pesquisa­foi­realizada­em­10­bloggers­aivos­ na­internet,­na­qual­os­autores­fossem­declarada‑ mente­ transexuais.­ Os­ pesquisadores­ preenche‑ ram­um­roteiro­de­perguntas­a­parir­dos­relatos­ e­postagem­existentes­nos­bloggers,­estes­trechos­ foram­uilizados­para­ilustrar­os­resultados.­Todos­ os­nomes­adotados­neste­texto­são­icícios­para­ preservar­o­anonimato­dos­paricipantes.­ Análise e discussão de dados O­ peril­ dos­ paricipantes­ foram,­ 8­ mulheres­ trans,­ e­ 2­ homens­ trans,­ variando­ a­ faixa­ étaria­ entre­ 19­ a­ 42­ anos,­ sendo­ cinco­ paricipantes­ mais­jovens­de­19­a­23­anos,­e­cinco­paricipantes­ mais­velhos­de­34­a­42­anos.­ Primeiro­ ponto­ observado­ foi­ em­ relação­ a­ orientação­sexual,­e­o­resultado­foi:­8­heterosse‑ xuais,­1­homossexual,­1­bissexual.­Mostrando­as‑ sim­que­existe­uma­diversidade­de­orientação­se‑ xual­ entre­ os­ bloggers/blogueiros,­ não­ havendo­ ligação­entre­ideniicação­de­gênero­e­a­orienta‑ ção­afeivo­‑sexual­dos­indivíduos. ­ Isto­ é­ esperado­ por­ Sílvério­ da­ Costa­ Oliveira­ (2001),­que­airma­que,­no­fenômeno­transexual,­ o­ indivíduo­ pode­ apresentar­ orientação­ sexual­ hetero,­homo,­bi­ou­assexual.­Não­se­deve,­contu‑ do,­submeter­à­norma­heterossexual­o­fenômeno­ 56 | MEMÓRIA LGBT

transexual,­tendo­em­vista­as­várias­possibilidades­ de­orientações­sexuais­por­parte­dos­sujeitos.­Ge‑ rald­Ramsey­(1998)­traz­essa­paricularidade,­de‑ monstrando­que,­no­senso­comum,­existe­a­ideia­ de­que,­após­a­cirurgia­de­readequação­sexual,­a­ pessoa­ transexual­ passará­ a­ se­ ideniicar­ com­ a­ orientação­ heterossexual,­ mas,­ embora­ isso­ seja­ muito­comum,­não­é­regra­em­todos­os­casos. Esta­variedade­pode­ser­exempliicada­pelo­re‑ lato­de­três­mulheres­transexuais­analisadas­em­ seus­bloggers,­Verônica,­Paula­e­Sara. “me­perguntam,­“como­vc­(SIC),­pode­gostar­de­ mulher,­se­não­pode­fazer­sexo­com­ela?”.­Eu,­em­ minha­diminuta­ignorância­(risos)­sei­que­as­mulhe‑ res­não­querem­só­sexo­(como­os­homens,­quan‑ do­dizem­“eu­te­amo”),­mas­sim­carinho,­carícias,­ cuidado,­ toque,­ senimento.­ Contudo­ não­ sei­ até­ que­ponto­os­“ditos­cujos”­podem­ser­subsituídos­ por­“acessórios”­e­até­que­ponto­eles­saisfazem­as­ mulheres.­Lógico­que­é­insubsituível­para­algumas,­ talvez­a­maioria,­mas­acredito­que­existam­as­que­ preiram­o­senimento­e­o­cuidado­à­“simples­sen‑ sação”­(Verônica,­42­anos,­homossexual). “Não­tenho­isso­de­só­homem­ou­só­mulher,­cada­ um­tem­sua­beleza­e­seu­toque,­homem­são­mais­ ríspidos­e­fortes,­mulheres­macias­e­suaves,­se­en‑ gana­quem­pensa­que­só­homem­tem­fantasia­se‑ xual,­quando­me­prosituía­inha­clientes­de­ambos­ os­ sexos,­ e­ assim­ consegui­ despertar­ que­ eu­ sou­ uma­mulher­transexual­que­gosta­tanto­de­homem­ quanto­de­mulher”­(Paula,­19­anos,­bissexual). “Não­sou­bissexual,­não­sou­lésbica,­e­não­tenho­ ódio­de­homens.­Sou­uma­simples­mulher­Transe‑ xual,­heterossexual­que­teve­azar­com­os­homens­ que­conheceu”­(Sara,­40­anos,­heterossexual). Uma­diferença­relevante­foi­em­relação­à­infân‑ cia­de­homens­e­mulheres­transexuais.­Os­relatos­ das­ mulheres­ transexuais­ encontrados­ por­ esta­ pesquisa,­em­relação­à­infância­delas,­são­sobre­ seus­pais­brigando­em­função­de­sua­feminilidade­ e­ incenivando­ comportamentos­ com­ brinque‑ dos­masculinos.­Já­nos­homens­transexuais,­não­ era­ dada­ tamanha­ importância­ à­ masculinidade­ apresentada,­o­que­se­vê­claramente­nos­depoi‑ mentos­de­Pedro­e­Camila.

56 | MEMÓRIA LGBT

“Eu­pegava­uma­caneta­e­pintava­a­cara­pra­di‑ zer­que­era­barba­(eu­sonhava­que­um­dia­eu­te‑ ria­barba).­Depois­ensaboava­e­passava­o­estojo­ de­lâmina­de­barbear­do­meu­pai­(sem­a­lâmina,­ pois­minha­mãe­via,­sabia­o­que­eu­fazia,­achava­ boniinho­que­eu­gostaria­de­ser­como­meu­pai,­e­ irava­a­lâmina­antes),­e­eu­ingia­que­estava­me­ barbeando”­(Pedro,­34­anos,­homem­trans). “Eu­ costumava­ me­ vesir­ de­ mulher,­ com­ as­ roupas­da­minha­mãe,­quando­ela­não­estava­em­ casa.­ Ela­ me­ pegou­ algumas­ vezes­ e­ disse­ que­ iria­ cortar­ meu­ membro­ fora­ se­ eu­ não­ parasse­ de­me­vesir­de­mulher.­Ai­é­que­eu­esperava­ela­ todos­os­dias­vesido­de­mulher­(risos)”­(Camila,­ 37­anos,­mulher­trans). Sandra­ Palma­ Saleiro­ (2012)­ demonstra­ que,­ em­ pesquisas­ com­ homens­ trans,­ é­ comum­ os­ pais­ não­ se­ importarem­ com­ comportamentos­ masculinos­ e­ até­ mesmo­ os­ incenivarem,­ ape‑ sar­disso­não­se­manter­posteriormente,­pois,­na­ adolescência,­eles­passam­a­cobrar­uma­postura­ mais­feminina­de­seus­ilhos.­Mas,­quando­se­tra‑ ta­de­mulheres­trans,­os­pais­repudiam­o­compor‑ tamento­feminino­desde­a­infância. Dado­encontrado­e­relacionado­é­nível­escolar­ e­mercado­de­trabalho.­ Dentre­os­paricipantes,­8­estão­em­empregos­de­ baixa­renda,­informais­ou­desempregados.­Somen‑ te­um­paricipante­é­graduado­e­atua­na­proissão­ de­denista­e­outro­que­esta­cursando­a­graduação.­ Vale­ressaltar­ainda­que­Verônica,­graduada­em­ odontologia,­se­assumiu­após­anos­exercendo­a­ proissão,­e,­mesmo­assim,­se­vê­obrigada­a­ado‑ tar­vesimentas­masculinas­para­trabalhar­e­não­ perder­seus­clientes.­ “Não­ é­ simples,­ trabalhando­ a­ semana­ inteira­ de­homenzinho­até­a­sexta.­Aí­chega­o­sábado­e­ vc­(SIC)­fala­“Beleza,­hoje­e­amanhã­sou­a­Verô‑ nica”.­É­FODA­ter­que­reprimir­a­Vicky­durante­a­ semana,­ao­mesmo­tempo­que­é­FODA­viver­a­se‑ mana­ como­ homenzinho­ socialmente­ aceitável.­ Invariavelmente­é­uma­luta­interna,­do­masculi‑ no­ querendo­ prevalecer,­ lutando­ para­ não­ mor‑ rer,­sendo­que­o­feminino­já­dominou­a­situação.­ Só­se­pode­ter­paciência­e­aguardar.­Aguardar­os­

hormônios­redistribuírem­a­gordura,­alterarem­a­ estrutura­ cerebral,­ esperar­ o­ cabelo­ crescer,­ os­ peiinhos­(rs)­e­etc.­(SIC)”. O­preconceito­relatado­em­ambientes­estudan‑ is­seria­uma­das­moivações­para­os­transexuais­ abandonarem­os­estudos­mais­cedo.­Muitas­ve‑ zes,­eles­airmam­que­o­comportamento­de­pro‑ issionais­e­estudantes­e­a­ridicularização­sofrida­ devido­ao­nome­civil­são­moivos­que­os­levaram­ a­abandonar­precocemente­a­escola. Muitos­ preferem­ abandonar­ os­ estudos­ para­ evitar­ constrangimentos.­ Isso­ faz­ com­ que­ seja­ necessário­ que­ o­ transexual­ vença­ dois­ obstá‑ culos­ para­ se­ inserir­ no­ mercado:­ concluir­ os­ estudos,­ se­ qualiicando­ dentro­ do­ meio­ que­ o­ oprime,­e­conviver­com­a­dupla­ideniicação­até­ conseguir­na­jusiça­o­direito­à­mudança­de­seus­ documentos­(SILVA,­2011). “O­ índice­ de­ evasão­ escolar­ entre­ travesis­ e­ transexuais­ é­alíssimo.­ No­momento,­não­tenho­ dados,­mas­não­é­nem­um­pouco­diícil­de­acre‑ ditar.­Se­você­for­gordo,­já­é­moivo­pra­ser­alvo­ de­piadas,­imaginem­sendo­um­transexual.­É­uma­ questão­ bem­ complexa,­ pois­ não­ é­ só­ ‘não­ ir­ à­ escola’,­há­diversos­ outros­fatos­que­surgem­daí:­ transexuais­icam­ainda­mais­marginalizados,­pois­ não­têm­acesso­a­empregos­que­requerem­maior­ qualiicação,­ muitos­ recorrem­ à­ prosituição,­ é­ mais­diícil­alcançar­um­padrão­de­vida­digno­e­de‑ sejado”­(Márcio,­22­anos,­na­segunda­graduação,­ sem­completar­a­anterior). Um­dado­preocupante­encontrado­foi­a­recor‑ rência­de­referências­à­violência,­seja­ela­ísica­ou­ verbal;­desejos­e­atos­suicidas;­e­à­muilação­do­ próprio­órgão­genital.­Todos­paricipantes­airma‑ ram­ já­ ter­ sofrido­ algum­ ipo­ de­ vioência­ e­ em­ seis­ dos­ blogs­ analisados­ trazem­ referências­ a­ atos­contra­a­própria­vida. Ideias­de­desejos­suicidas­e­aitudes­extremis‑ tas­estão­mais­presentes­nos­discursos­dos­tran‑ sexuais­ mais­ jovens;­ os­ mais­ velhos­ relembram­ casos­de­quando­possuíam­o­desejo­e­eram­tam‑ bém­mais­novos.­ “Eu­vivo­e­tenho­vergonha­do­meu­corpo­mas‑ culino­24­sob­24­horas.­Devo­e­acho­extremamen‑

57 | MEMÓRIA LGBT

te­ conveniente­ escrever­ nesta­ ‘história­ de­ vida’,­ que­por­volta­dos­meus­20­anos­eu­tentei­suicídio­ com­medicamentos­esmagados­(...)­eu­não­con‑ segui­suicidar­‑me­porque­minha­mãe­apareceu­e­ não­deixou­‑me­cometer­aquele­ato”­(Dayane,­23­ anos,­mulher­trans). “Com­11­anos,­mais­ou­menos,­peguei­um­facão­ que­meu­pai­inha­e­iquei­segurando­ele­na­altu‑ ra­dos­peitos,­pensando­em­amputá­‑los.­Só­não­ iz­isso­porque­iquei­pensando­nos­meus­pais­me­ vendo­no­chão­com­sangue­espalhado­pela­sala”­ (Pedro,­34­anos,­homem­trans).

da­medicina,­e­sim,­que­o­vejam­como­um­ser­in‑ dividual,­ com­ sua­ subjeividade,­ e­ como­ ser­ so‑ cial,­com­direitos­e­deveres.­Fica­evidente­como­o­ preconceito­e­falta­de­informação­aingue­a­vida­ do­sujeito­trans,­assim­é­necessário­a­implemen‑ tação­cada­dia­mais­de­políicas­públicas­que­vi‑ sem­ proporcionar­ condições­ igualitárias,­ huma‑ nas,­e­de­qualidade­de­vida­a­essa­população.­ Se­o­gênero­é­um­vir­a­ser,­seu­futuro­passa­a­ depender­tanto­do­social,­clínico­como­também­ das­possibilidades­da­subjeividade­do­sujeito,­o­ ser­ou­não­ser­do­transexual­mostra­que­por­trás­ de­uma­única­questão,­que­deveria­ser­de­iden‑ Considerações inais iicação­ de­ gênero,­ está­ na­ verdade­ uma­ gama­ Ao­inal­da­pesquisa,­foi­proximo­aproximar­um­ gigantesca­de­fatores­políicos­e­sociais,­que­pre‑ pouco­da­experiência­transexual,­e­veriicar­a­im‑ cisam­começar­a­serem­quesionados.­ portancia­de­estudos­voltados­a­este­público,­e­a­ necessidade­de­políicas­públicas,­que­garantam­ Bibliograia melhores­condições­de­vida,­onde­possam­viver­ BENTO,­Berenice.­Corpos­e­Próteses:­dos­limites­discursivos­ a­vida­sem­serem­víimas­diarias­de­preconceito.­ do­dimorismo.­VII­Seminário­Internacional­Fazendo­Gênero,­ Atualmente­ é­ muito­ discuido­ sobre­ a­ patologi‑ Florianópolis,­ 2006.­ Disponível­ em­ . CARDOSO,­Felipe­Luiz.­Inversões­do­papel­de­gênero:­“drag­ após­um­diagnósico­conirmado­por­um­psiquia‑ tra,­se­teria­acesso­a­programas­de­saúde:­de­trata‑ queens”,­ travesismo­ e­ transexualismo.­ Psicologia­ Relexão­ mento­hormonal­e­cirúrgico­pela­Rede­pública­de­ Criíca.­Porto­Alegre,­v.­18,­n.­3,­pp.­421­‑430,­Dec.­2005. JESUS,­ Jaqueline­ Gomes.­ Orientações­ sobre­ a­ população­ Saúde.­Isto­nos­leva­a­pensar­em­varios­novos­fato‑ res­para­pesquisa,­como­o­próprio­diagnósico­é­um­ transgênero:­ conceitos­ e­ termos.­ Brasília,­ 2012.­ Disponível­ em:­ ; rotúla­uma­pessoa­a­uma­patologia­sem­considerar­ OLIVEIRA,­Silvério­da­Costa.­O­psicólogo­clínico­e­o­problema­ historias­ de­ vida,­ questões­ pessoais­ e­ subjeivas,­ da­transexualidade.­Revista­SEFLU.­Rio­de­Janeiro,­ano­1,­n.­2,­ Sendo­assim­se­proproe­pensar­que­a­condição­de­ dez.­2001.­Disponível­em:­. transgênero­não­é­ligada­a­nenhuma­incapacidade­ PROCHNO,­Caio­César­Sousa­Camargo.;­NASCIMENTO,­Ma‑ mental,­sendo­a­maioria­capaz­de­exercer­autono‑ ria­José­de­Castro.;­ROMERA,Maria­Lúcia­Casilho.­Body­buil‑ mia­sobre­seu­corpo­e­tomada­de­decisões,­sendo­ ding,­travesismo­e­feminilidade.­Estudo­Psicológico.­Campi‑ estes­direitos­devendo­ser­resguardados­pela­pró‑ nas,­v.26,­n.2,­pp.­237­‑245,­jun.,­2009. pria­sociedade­que­os­discrimina.­ RAMSEY,­ Gerald.­ Transexuais,­ perguntas­ e­ respostas.­ São­ O­ transexual­ deve­ ser­ visto­ como­ alguém­ que­ Paulo:­SUMMUS,­1998. passa­por­uma­experiência­transexual,­porque­o­ SALEIRO,­Sandra­Palma.­Transexualidade­e­o­gênero:­ideni‑ indivíduo­é­muito­mais­do­que­sua­idenidade­de­ dade­de­(in)visibilidades­de­homens­e­mulheres.­VII­Congresso­ gênero:­ transexualidade­ não­ é­ a­ pessoa.­ Quem­ Português­de­Sociologia.­Porto,­2012.­Disponível­em: trabalha,­ se­relaciona,­ pode­ ser­membro­ de­co‑ SILVA,­ Soia­ Vilela­ de­ Moraes.­ Transexualidade­ e­ discrimi‑ munidades­religiosas­e/ou­sociais,­como­todo­ser­ nação­no­mercado­de­trabalho.­III­Seminário­Nacional­de­Gê‑ social,­e­é­necessário­que­os­proissionais­de­psi‑ nero­e­Práicas­Culturais.­João­Pessoa,­2011.­Disponível­em. 58 | MEMÓRIA LGBT

Coligay, torcida formada por homossexuais, tem história contada em livro

Matéria Publicada por Mário Magalhães 05/12/2013 10:48 htp://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/ @mariomagalhaes_

de­98,­na­França,­e­ao­menos­uma­eleição­para­go‑ vernador­do­Rio­Grande­do­Sul. O­livro­será­lançado­em­março.­Na­entrevista­ ao­blog,­o­Léo­fala­sobre­seu­trabalho­e­a­saga­ da­Coligay.

O que foi a Coligay? Como a torcida foi recebi‑ da em seu tempo? A­Coligay­foi­uma­torcida­organizada­do­Grêmio­ formada­ por­ homossexuais.­ Mais­ precisamente,­ por­frequentadores­da­boate­gay­Coliseu,­de­Por‑ to­ Alegre.­ Foi­ a­ primeira­ torcida­ desse­ ipo­ que­ realmente­ vingou.­ Dois­ anos­ depois,­ Clóvis­ Bor‑ nay,­que­ironicamente­era­vascaíno,­fundou­a­Fla‑ gay,­que­não­chegou­a­vingar.­A­Coligay­exisiu­de­ 1977­a­1983,­em­plena­ditadura­militar. Até­ hoje,­ torcedores­ rivais­ do­ Grêmio­ usam­ a­ igura­ da­ Coligay­ como­ moivo­ de­ lauta,­ e,­ na­ época,­a­própria­torcida­organizada­gremista­Eu‑ rico­ Lara,­ que­ era­ oicial­ do­ Grêmio,­ a­ rejeitou.­ A­ direção­ do­ clube,­ porém,­ na­ medida­ em­ que­ percebeu­o­jeito­que­a­moçada­torcida,­até­espa‑ ço­ísico­no­Olímpico­lhes­cedeu­para­guardar­as­ bandeiras­e­instrumentos­de­percussão.­E­que­jei‑ to­era­esse?­Eles­torciam­o­tempo­todo,­indepen‑ dentemente­de­o­ime­estar­ou­não­jogando­bem,­ e­não­se­envolviam­com­violência.­Os­jogadores­ da­época­dizem­que­eles­os­incenivavam­muito. Por que a Coligay acabou? Basicamente,­porque­seu­idealizador­e­líder,­o­ Volmar­Santos,­voltou­para­Passo­Fundo,­sua­ci‑ dade,­em­1983.­O­Volmar,­gerente­e­depois­pro‑ prietário­da­Coliseu,­era­a­alma­da­Coligay.

59 | MEMÓRIA LGBT

memória LGBT e esportes

Vem­aí­um­grande­acerto­de­contas­com­a­his‑ tória­do­futebol­e­da­luta­contra­a­intolerância­no­ Brasil:­ já­ estão­ nas­ mãos­ da­ Editora­ Libretos­ os­ originais­ do­ livro­ que­ reconsitui­ a­ trajetória­ da­ Coligay,­torcida­gremista­pioneira­dos­anos­1970,­ formada­por­homossexuais. Ainda­não­está­baido­o­martelo,­conta­o­jorna‑ lista­Léo­Gerchmann,­autor­da­obra,­mas­é­possí‑ vel­que­ítulo­e­subítulo­sejam­“Coligay­–­O­Grê‑ mio,­tricolor­e­de­todas­as­cores”. A­Coligay­nasceu­em­Porto­Alegre,­durante­a­di‑ tadura,­no­governo­do­ditador­gaúcho­Ernesto­Gei‑ sel,­cujo­antecessor­havia­sido­outro­ditador­gaú‑ cho,­ Emílio­ Garrastazu­ Médici.­ Seus­ integrantes­ foram­de­uma­audácia­épica,­que­agora­será­con‑ tada­pelo­gremista­Léo­Gerchmann,­um­dos­jorna‑ listas­ mais­ talentosos­ com­ quem­ eu­ ive­ a­ opor‑ tunidade­de­trabalhar.­ Cobrimos­ jun‑ tos­ a­ Copa­

Por que você fez um livro sobre a Coligay? Em­ primeiro­ lugar,­ porque­ sou­ gremista,­ e­ acho­que­o­Grêmio­tem­nessa­história­uma­pági‑ na­muito­ediicante.­Como­torcedor,­é­uma­his‑ tória­ que­ me­ orgulha.­ Mas­ ressalvo:­ não­ é­ um­ livro­ somente­ para­ gremistas,­ é­ um­ livro­ para­ todos,­mesmo­para­quem­nem­gosta­de­futebol­ ou­torce­para­outro­clube,­independentemente,­ também,­ de­ preferências­ sexuais.­ Como­ costu‑ mamos­dizer­nas­reuniões­de­pautas­dos­jornais,­ é­uma­baita­história.

terminou­ com­ a­ hegemonia­ do­ Internacional,­ à­ época­octacampeão­gaúcho­(na­época,­os­ítulos­ regionais­inham­bem­mais­importância),­contan‑ do­com­jogadores­como­Falcão­e­Valdomiro. Sempre­ive­a­opinião­de­que­esse­ime­do­In‑ ternacional­e­o­do­Flamengo­do­início­dos­anos­ 80­ foram­ os­ melhores­ que­ vi­ jogar,­ talvez­ riva‑ lizando­ com­ a­ academia­ palmeirense­ de­ 1972,­ que­ mal­ peguei,­ porque­ era­ ainda­ muito­ guri.­ Hoje,­relaivizo­um­pouco­essa­visão,­o­próprio­ Grêmio­formou­grandes­imes,­que­idealizei­me‑ nos­porque­a­idade­já­era­outra.­A­Coligay­icou,­ então,­com­a­fama­de­pé­quente.­Mas­há­mui‑ tos­ episódios­ interessantes­ dessa­ época­ diícil,­ em­que­pessoas­eram­torturadas­nos­porões­da­ ditadura,­e­um­grupo­de­gays­se­aventurou­nas­ arquibancadas.

Hoje há mais tolerância para a existência de torcidas como a Coligay ou o futebol coninua sendo um meio muito preconceituoso? Apesar­ da­ truculência­ das­ atuais­ organizadas,­ hoje­as­pessoas­icam­mais­à­vontade­para­assu‑ mir­suas­preferências­sexuais.­As­próprias­mulhe‑ Há lautas homofóbicas? res,­quando­iam­ao­estádio,­40­anos­atrás,­eram­ Claro,­mas­não­são­essas­as­reações­que­me­ xingadas.­Sim,­isso­acontecia!­Eram­chamadas­de­ interessam.­ Elas,­ aliás,­ até­ justificam­ a­ impor‑ tância­ de­ uma­ obra­ assim.­ Também­ porque­ sou­ um­ entusiasta­ da­ diversidade­ e­ da­ evolu‑ ção­ dos­ costumes.­ Para­ mim,­ esse­ é­ um­ tema­ muito­caro,­provavelmente­por­ser­judeu,­neto­ de­sobreviventes­do­horror­nazista­e­por­trazer­ esse­sentimento­muito­enraizado.­Meu­pai­era­ conselheiro­ gremista,­ e­ cresci­ frequentando­ o­ Estádio­ Olímpico.­ Acho­ que­ a­ Coligay­ foi­ um­ grupo­ transgressor­ que­ contribuiu­ muito­ para­ essa­evolução.­Levou­aos­estádios­um­jeito­di‑ ferente­ de­ torcer,­ mais­ comprometido­ com­ o­ time­e­mais­vibrante. Quais as passagens mais marcantes da torcida? Foram­muitas.­Eles­surgiram­em­abril­de­1977,­ quando­o­Grêmio­formava­um­grande­ime­(Cor‑ bo;­ Eurico,­ Ancheta,­ Oberdan­ e­ Ladinho;­ Vitor­ Hugo,­ Tadeu­ e­ Iúra;­ Tarciso,­ André­ e­ Éder),­ que­ 60 | MEMÓRIA LGBT

com­ quem­ falei­ continuam­ acompanhando­ o­ Grêmio­de­perto.­O­Volmar­Santos­é­colunista­ social­e­agitador­cultural­em­Passo­Fundo,­ou‑ tro­ é­ cabeleireiro.­ Todos­ frequentam­ a­ Arena­ quando­ possível.­ O­ Volmar­ chega­ a­ viajar­ de­ Passo­Fundo­a­Porto­Alegre­no­seu­carro,­mais­ de­300­quilômetros,­e­passar­a­noite­num­hotel­ só­para­ir­a­jogos­do­Grêmio. Para um gremista, como você, qual a principal lembrança da Coligay? Quando­eles­surgiram,­eu­tinha­entre­12­e­13­ anos.­ No­ Olímpico,­eu­assistia­ ao­ jogo­ das­ ca‑ deiras,­e­eles­ficavam­longe.­Mas­em­Gre­‑Nais­ que­ ocorriam­ no­ Beira­‑Rio,­ o­ espaço­ reserva‑ do­aos­torcedores­do­Grêmio,­os­visitantes,­era­ o­mesmo.­Tchê,­era­divertidíssimo.­Eu­e­meus­ colegas­ dávamos­ risada­ com­ o­ humor­ dos­ ca‑ ras,­que­realmente­não­paravam­de­incentivar­ o­ time­ e­ de­ dançar,­ com­ uma­ charanga­ muito­ barulhenta­e­ritmada. putas,­vadias­etc.­São­coisas,­hoje,­inconcebíveis,­ inimagináveis.­ Espero­ que­ quando­ nossos­ ilhos­ crescerem­ eles­ olhem­ para­ trás­ e­ pensem,­ “Pô,­ por­que­os­caras­não­podiam­se­casar,­levar­a­vida­ como­ querem,­ se­ não­ prejudicam­ os­ outros?’’­ Me­parece­meio­básico. Tenho­ dois­ ilhos­ (um­ menino­ de­ 11­ anos­ e­ uma­menina­de­seis)­e­percebo­neles­que­seni‑ mentos­como­a­homofobia­e­outros­preconcei‑ tos­ icarão­ como­ uma­ triste­ e­ incompreensível­ história,­a­exemplo­da­escravidão,­o­Holocausto­ e­de­outras­barbáries.­A­homofobia­ainda­é­acei‑ ta­socialmente,­o­que­faz­dela­um­grande­tema­a­ ser­abordado­e,­evidentemente,­repudiado­por­ todos­nós­que­respeitamos­as­diferenças,­quais‑ quer­que­sejam­elas. O que fazem hoje os principais integrantes da Coligay? Ainda acompanham o Grêmio onde o Grêmio esiver? É­ triste,­ mas­ em­ meio­ a­ tudo­ isso­ houve­ a­ aids.­ A­ maioria­ deles­ morreu.­ Os­ integrantes­ 61 | MEMÓRIA LGBT

MEMÓRIA LGBT | 61

Torcidas LGBT’s Brasileiras Históric@s: do­ rubro­‑negro­ –­ FLAGAY­ (1979)­ com­ amigos­ e­ simpaizantes­da­causa. Raposões Independentes – Cruzeiro Neste­mesmo­período,­nos­anos­1970,­foi­fundada­ a­Raposões­Independentes,­torcida­gay­do­Cruzeiro.

Nov@s:

memória LGBT e esportes

Coligay –­Grêmio­Futebol­PortoAlegrense Fundada­em­1977­por­torcedores­gremistas­fre‑ quentadores­da­boate­LGBT­Coliseu,­em­Porto­Ale‑ gre,­a­Coligay­estreou­no­Estádio­Olímpico­em­9­de­ abril­daquele­ano,­numa­parida­do­tricolor­gaúcho­ contra­o­Santa­Cruz,­do­Recife,­pelo­Brasileirão.

Flagay – Flamengo Clóvis­ Bornay­ (1916­‑2005),­ um­ dos­ mitos­ do­ carnaval­carioca,­rei­dos­bailes­de­fantasia­e­cria‑ Gaivotas Fiéis – Corinthians – www.facebook. dor­do­Baile­de­Gala­de­Carnaval­do­Theatro­Mu‑ nicipal­do­Rio­de­Janeiro,­criou­a­organizada­gay­ com/TorcidaGaivotas 62 | MEMÓRIA LGBT

Queerlorado­–­Internacional­–­www.facebook. com/pages/QUEERlorado/164289153730713

Galo Queer­ –­ Atléico­‑MG­ –­ /www.facebook. com/pages/Galo­‑Queer/260183954118767

Cruzeiro Maria­ –­ Cruzeiro­ –­ www.facebook. com/torcidacruzeiromaria

Bambi Tricolor –­ São­ Paulo­ –­ www.facebook. com/BambiTricolor

Corinthians Livre –­ Corinthians­ –­ www.facei‑ book.com/CorinthiansLivre

Palmeiras Livre­–­Palmeiras­–­/www.facebook. com/PalmeirasLivre

63 | MEMÓRIA LGBT

Flamengo Livre –­ Flamengo­ –­ www.facebook. com/FlamengoLivre Timbu Queer –­Náuico­–­www.facebook.com/ pages/Timbu­‑Queer/475626619174216

Vitória Livre –­Vitória www.facebook.com/ecvitorialivre

64 | MEMÓRIA LGBT

10 de Janeiro aniversário de Clóvis Bornay

Tony­Boita

Como­falar­de­museus,­de­mu‑ seologia,­do­carnaval­e­do­futebol­ sem­falar­de­Clóvis­Bornay? Nascido­em­10­de­janeiro­de­ 1916­em­Nova­Friburgo­no­Rio­ de­ Janeiro­ (RJ),­ Clóvis­ Bornay­ era­museólogo­e­trabalhou­no­ Museu­ da­ Cidade­ (RJ),­ Museu­ Histórico­ Nacional­ (MHN­‑RJ)­ e­posteriormente­foi­chefe­da­

divisão­ artística­ e­ literária­ do­ MHN.­ Escreveu,­ publicou­ vá‑ rios­textos,­nos­Anais­do­MHN.­ Mas­ foi­ em­ 1936/37­ que­ ins‑ pirado­ nos­ luxuosos­ carnavais­ de­Veneza­realizou­o­primeiro­ baile­ da­ gala­ do­ Teatro­ Muni‑ cipal­ do­ Rio­ de­ Janeiro,­ onde­ conquista­ o­ primeiro­ lugar­ com­a­Fantasia­Principe­Hindu.­ 65 | MEMÓRIA LGBT

Inicialmente­ foi­ reconhecido­ como­ mestre­ de­ fantasia­ que­ recebeu­o­título hors concours (concorrente­de­honra,­não­su‑ jeito­ à­ premiação).­ Posterior‑ mente,­ começou­ a­ trabalhar­ como­carnavalesco­das­escolas­ de­ samba;­ Salgueiro,Unidos­ de­ Lucas,­ Portela,­ Mocidade­ Independente­ de­ Padre­ Mi‑ guel­e­Unidos­da­Tijuca.­Com­o­ enredo­“Lendas­e­Mistérios­da­ Amazônia”­na­Portela­em­1970­ que­ele­vence­seu­único­título­ como­ carnavalesco.­ Clóvis­ foi­ responsável­ por­ introduzir,­ a­ criatividade,­ a­ história,­ o­ luxo­ e­ a­ figura­ de­ destaque­ nos­ carros­alegóricos.­Ele­também­ criou­a­maior­torcida­LGBT­do­ mundo­ com­ cerca­ de­ 40­ mil­ torcedores,­ a­ FLA­‑GAY.­ Fale‑ ceu­em­09­de­outubro­de­2005­ com­ 89­ anos,­ indo­ com­ ele­ suas­ memórias,­ registrando‑ ‑se­ como­ o­ primeiro­ museó‑ logo­ que­ se­ travestia­.­ Talvez­ por­isso­que­uma­das­maiores­ instituições­ de­ memória­ do­ Brasil,­ o­ Museu­ Histórico­ Na‑ cional,­parece­tê­‑lo­esquecido,­ assim­como­o­carnaval,­o­fute‑ bol­ e­ os­ museólog@s.­ Faltam­ dois­ anos­ para­ comemorar‑ mos­ seu­ centenário.­ Que­ tal­ nos­prepararmos?

A­Próxima­edição­da

Revista Memória LGBT Terá­como­Tema: Patrimônio Cultural LGBT: Memória, História, Oralidade, Espaços, Idenidade, Resistência e Socialização

FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 20 DE FEVEREIRO DE 2014 ENVIE SUA CONTRIBUIÇÃO [email protected]

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.