Revista Memória LGBT – Ano 1 No 2 Janeiro / Março de 2014 ISSN 2318‑6275
REVISTA
Memória LGBT
www.memorialgbt.com
VISIBILIDADE TRANS NOS MUSEUS E ESPAÇOS DE MEMÓRIA
EXPOSIÇÃO
o i h o O i h a l O e a c l r e a c r M a M RRe enna atta a PPe erro on #M s s i s MC M s i a s M u a s u M # X u X M C X u ##M X uu saaD DooS Saam Muus mbba a #M MuussaaDDooFFuunnkk #
#NossasMusas
MUSEU TRAVESTI: UM ÍCONE DA MUSEOLOGIA LGBT Relatório revela: Cínia Gonçalves Transmulheresnegras Saira Bengell e a adoção legal do conta tudo sobre são as maiores víimas o Fórum Mundial nome feminino da transfobia no Brasil de Direitos Miguel Marques Humanos Beth Fernandes e a conv primeira Casa de Passagem Trans do Brasil
ersa sobre a página @HomensTransexuais
E MUITO MAIS...
Esta edição é dedicada especialmente à memória d@s 121 TRAVESTIS E TRANSEXUAIS ASSASSINAD@S EM 2013 NO BRASIL* 01‑NicoleBorges,20,airosemCuriiba/PR 02‑Fernanda,32,airosemViamão/RS 03‑CeciliaMarahouse,airosemFortaleza/CE 04‑Agatha,19,degoladaemCamapuã/MT 05‑TransnãoideniicadaassassinadaemJaboatão dosGuararapes‑Recife/PE 06‑Transnãoideniicada,18,emBoaVista/RO 07‑Bimba,17,encontradaemestadode decomposição,emCaxias/RS 08‑SilviaMoura,39,mortacompancadanacabeça emRecife/PE 09‑Layla,18,airosemSãoPaulo/SP 10‑LaFontaine,33,airosemBeloHorizonte/MG 11‑Marylu,29,airosemManaus/AM 12‑F.E.S,33,airosefacadasemCabreúva/SP 13‑L.O.P.,17,emCaxiasdoSul/RS 14‑Cris,30,perseguidaeexecutadaairosemNatal/RN 15‑MonicaLewinky,38,emCuriiba/PR 16‑Joelma,airosemAltos/PI 17‑EmillySallimeni,20,afacadasemGravataíPorto Alegre/RS 18‑Rafaela,emViamão‑PortoAlegre/RS 19‑Stephane,33,estranguladaemTaboãodaSerra/SP 20‑Xando,31,estranguladaemCuiabá/MT 21‑Paloma,24,airosemGoiânia/GO 22‑Loba,18,afacadasemIgarassú/PE 23‑Nardon,airosemAlegrete/RS 24‑Transnãoideniicada,carbonizadaemIpojuca‑ PortodeGalinhas/PE 25‑Transnãoideniicada,40,afacadasemMinaçu/GO 26‑Fernanda,36,afacadasemSãoJosédoRioPreto/SP 27‑Abelha,60,airosemPiracicaba/SP 28‑Barbara,38,estranguladaemPetrolina/PE 29‑TransnãoideniicadaairosemSantoAndré/SP 30‑Transnãoideniicada,atesouradaemJoão Pessoa/PB 31‑Transnãoideniicada,airosemGravataí/RS 32‑DdéboraMori,44,afacadasemPoçosdeCaldas/MG 33‑Soraia,21,airosemArapiraca/AL 34‑DaSilva,17,airosemJoãoPessoa/PB
35‑DeSouzaFeitosa,26,mortaporespancamentoem Colniza/MT 36‑DeCabralNeto,35,afacadasemTeresina/PI 37‑Marcela,33,mortaporespancamentoem Betim/MG 38‑Transnãoideniicada,airosemContagem/MG 39‑Luciana,38,mortaporgolpesnacabeçaemPorto Alegre/RS 40‑EduardaFisher,35,airosemIgarassú–Recife/PE 41‑Transnãoideniicada,afacadasemSãoPaulo/SP 42‑FabiaMachado,36,mortaporapedrejamentoem Maricá/RJ 43‑Rihana,24,afacadasemBlumenau/SC 44 ‑ LomantoAntunes,28,airosemPrado/BA 45‑Transnãoideniicada,13,porestrangulamento emMacaíba/RN 46‑Nascimento,20,airosemBeloHorizonte/MG 47‑Cauã,25,airosemNatal/RN 48‑Guinha,airosemItabuna/BA 49‑Francielle,35,emRondonópolis/MT 50‑Dani,35,CampoLimpo/SP 51‑Ellen,15,poromissãodesocorroapósaplicação desiliconeindustrialemRibeirãoPreto/SP 52‑TransnãoideniicadaemSãoGonçalo/RJ 53‑NatháliaSotero,airosemCuriiba/PR 54‑Transnãoideniicada,apauladasemCaxiasdoSul/RS 55‑Shanayne,29,emnovaFloresta/PB 56‑J.R.F.S.,38,airosemFortaleza/CE 57‑E.T.S.,33,airosemPortoRealdoColégio/AL 58‑SavanaVogue,30,emTeresina/PI 59‑RST,21,airosemMagé/RJ 60‑Thalia,31,afacadasemGuarulhos/SP 61‑Valéria,30,apauladasemConceiçãodoLagoAçu/MA 62‑Patricia,25,airosemCuriiba/PR 63‑APJ,39,airosemResende/RJ 64‑Transnãoideniicada,ocorpofoiencontrado dentrodeumsaconoRioTrapicheiro‑Maracanã/RJ 65‑Transnãoideniicada,mortaporapedrejamento emTeóiloOtoni/MG 66‑Michelle,22,airosemCanindé/CE
2 | MEMÓRIA LGBT
67‑MarcellyTavares,30,porestrangulamentoem Dourados/MT 68‑Luneida,37,afacadasemGovernadorValadares/MG 69‑W.P.R.,42,mortaporapedrejamentoemBelo Horizonte/MG 70‑RaíssaSilva,assassinadaemRecife/PE 71‑FernandaLima,22,afacadasemBeloHorizonte/MG 72‑Katlyn,24,afacadasemPortoVelho/RO 73‑GabriellyMonelly,21,suicidou‑sepornãosuportar atransfobiasofridanodiaadia(consideramosquea transfobiaamatou) 74‑Tidéia,26,airosemNovaSerrana/MG 75‑Mayara,23,emPortoVelho/RO 76‑Transnãoideniicada,18,airosemGoiânia/GO 77‑Soraia,29,afacadasemCorumbá/MT 78‑O.Alves,suicídioemMossoró/RN(avisouqueia sesuicidar) 79‑MelanieFisch,19,airosemJoãoPessoa/PB 80‑Felícia,airosemRiodeJaneiro/RJ 81‑MicheleSantos,22,naParnaíba/PI 82‑M.Fernandes,22,airosemMaringá/PR 83‑M.dosSantos,22,airosemBrejinho‑LuísCorreia/PI 8 4‑HPS,16,airosemMaringá/PR 85‑Transnãoideniicada,airosemPiracicaba/SP 86‑Transnãoideniicada,30,emSãoPaulo/SP 87‑Brunet,22,apauladasemMarituba/PA 88‑Natascha,27,airosemVarzéaGrande/MT 89‑Transnãoideniicada,22,RiodeJaneiro/RJ 90‑S.S.,27,airosemPalhoça/SC 91‑M.A.M.,35,afacadasemItapeva/MG 92‑R.M.,14,estranguladaemIbiporã/PR 93‑W.M.deSouza,32,afacadasemManaus/AM 94‑Transnãoideniicada,airosemParnamirim/RN 95‑G.D.G.,32,airosemGoiânia/GO
96‑Joana,31,afacadasemBomConselho/PE 97‑Sarita,36,airosemNatal/RN 98‑LadyButerly,35,afacadasemPortoSeguro/BA 99‑Sarita,36,airosemNatal/RN 100‑Karina,airosemSapé/PE 101‑Transnãoideniicada,mortaapauladasem Manaus/AM 102‑Rebeca,25,airosemPatu/RN 103‑AgathaMelo,airosemSãoPaulo/SP 104‑Thays,27,airosemBauru/SP 105‑GabrielySpanic,26,emSãoPaulo/SP 106‑Pamela,29,afacadasemItaúna/MG 107‑D.S.S.,25,afacadasemFortaleza/CE 108‑Transnãoideniicada,21,assassinadaapauladas epedradasemPiracicaba/SP 109‑Larissa,assassinadaemJoãoPessoa/PB 110‑Patricia,amordaçadaemortacompancadana cabeçaemMacaé/RJ 111‑Transnãoideniicada,emPortoVelho/RO 112‑Transnãoideniicada,emPortoVelho/RO 113‑Transnãoideniicada,mortaapauladasem Anápolis‑Goiânia/GO 114‑TravesiassassinadaairosnoMaranhão 115‑Luciana,assassinadaafacadasemUruguaiana/RS 116‑Transnãoideniicada,assassinadaemPorto Velho/RO 117 ‑ Trans,25,assassinadaairosemCuriiba/PR 118‑Transnãoideniicada,airosemAnápolis‑ Goiânia/GO 119‑Transnãoideniicada,assassinadaemPorto Velho/RO 120‑Fernandalima,assassinadaemBeloHorizonte/MG 121‑Homemtrans,assassinadopelaesposaapós descobrirqueeleeratransemEmbudasArtes/SP
*DadosdisponibilizadospelaRedtrans brasil via Transrevolução atravésdesua presidentaIndianara Siqueira.
3 | MEMÓRIA LGBT
Proteção e Acolhimento no Projeto Casulo................................................... 06 Ode a Giuseppe Campuzano...................................................................................08 2013: Ano do Fórum Mundial dos Direitos Humanos................................. 11 Safira Bengell e a conquista de adotar legalmente o nome feminino ................................................................14 Transmulheres negras .............................................................................................16 Homens Transexuais..................................................................................................20 Adoção de Nome Social em Universidades é tema de monografia na UFG .....................................................................................................23 Exposição #nossasmusas ......................................................................................24 Mc XuXu #MusaDoFunk.............................................................................................25 Renata Peron #MusaDoSampa.............................................................................29 Marcela Ohio #MusaMiss .......................................................................................34 Rede LGBT de Memória e Museologia Social ................................................38 Das luzes do Lampião da esquina – Nossas memórias e histórias .. 40 Homofobia agora é crime em Pernambuco................................................... 42 Web Série Positivos....................................................................................................45 Perdão a cientista homossexual Alan Turing vem com seis décadas de atraso ............................................................................................47 Museu da Diversidade abre exposição Moda & Diversidade...............48 Algumas notas etnogáficas sobre o mercado e visibilização gay em Valparaíso – Chile .......................................................................................................51 O ser ou não ser da Transexualidade: Uma análise do contéudo em bloggers de transexuais..........................................................................................55 Coligay, torcida formada por homossexuais, tem história contada em livro ..........................................................................................................59 Torcidas LGBT’s Brasileiras....................................................................................62 10 de Janeiro aniversário de Clóvis Bornay ..................................................65
4 | MEMÓRIA LGBT
Expediente Revista Memória LGBT – Ano 1 No 2 – Janeiro / Março de 2014 ISSN 2318‑6275 www.memorialgbt.com
[email protected] Editor:TonyBoita Redação:AlineInforsato,JeanBapista eTonyBoita Capa e Diagramação:AlineInforsato Website:CássioDouradoeEldonLuis Revisão:JeanBapista Corpo Editorial:AnnaLuisaSantos deOliveira,DanielleAgosinho, JeanBapista,JuliaMouraGodinho, TonyBoita,TreyceEllenGoulart Colaboradorxs desta edição XuxuVierah,RenataPeron, MarcelaOhio,BethFernandes,Saira Bengell,AlmerindoCardosoSimões Junior,AnnaLuisaSantos deOliveira,RodrigoAzócar, KarinaBorba,IndianaraAlvesSiqueira, MiguelMarques,MárioMagalhães, SandroKá,DanielSena,AlineInforsato, TonyBoita,JeanBapista, CíniaGonçalves,TreyceEllenGoulart Agradecimentos XuxuVierah,RenataPeron, MarcelaOhio,AlmerindoCardoso SimõesJunior,RodrigoAzócar, KarinaBorba,IndianaraAlvesSiqueira, MiguelMarques,SairaBengell, MárioMagalhães,JoãoPauloPeixoto, WelingtonSilva,GabrielAcosta Insaurriaga,ManuelinaMariaDuarte Cândido,CamiloBraz SandroKá,DanielSena,JeanBapista, CíniaGonçalves,TreyceEllenGoulart, AlineInforsato,CássioDourado, EldonLuisMuseudaDiversidade, SomosPontodeCulturaLGBT, PáginaHomensTransexuais, aosmembrosdaRedeLGBTde MemóriaeMuseologiaSocial, SériePosiivos. Seja um colaborador também! Qualquer pessoa poderá pesquisar, estudar e comunicar o mateiral da Revista Memória LGBT desde que autorizado pela mesma. Entre em contato:
[email protected]
Editorial Tony Boita
Iniciamos2014efelizmentenãofuiassassinadocomooutrosintegrantes dacomunidadeLGBT.Sobreviveremumpaísqueconcentra44%daviolên‑ ciamundialaoslgbt’s,violênciaroineiraeapoiadaporumEstadoconser‑ vadoredominadoporigrejasquesenegamacriminalizarahomofobia,é vivercomsorte.Separanósgaysessaviolência,boicote,ódioebrutalidade seconiguraemumdesaiocoidiano,oquenãodizerdosdesaiosdiários dacomunidadetrans?Desprovidosdedireitos,àmargemeaindasendo tradadoscomodoentes,sãoos“T”alinhadefrente,ainfantaria,deuma batalhaemqueseguimosperdendo. FoiaparirdestaspreocupaçõesqueotemadestaediçãoéaVisibilidade Trans,lembradasomentenodia29dejaneirodecadaano.Adatafoicria‑ daem2004quandorepresentantesdaAssociaçãoNacionaldeTravesise Transexuais(ANTRA)ocuparamoCongressoNacionalparalançaracampa‑ nhanacionaldoMinistériodaSaúde“TravesieRespeito”.Mesmosendo essaumaaçãopioneira,marcodahistóriaLGBTnoBrasil,aaçãosegueain‑ dasendoignoradapeloscanaispúblicos.Eporissodedicaremosnãosóestá ediçãomastodoonossotrabalhoàcomunidadetransesuasmemórias. Enesteespaçodeclarotodoomeurespeitoeagradecimentoatod@s transquecolaboraramnestaedição.Vocêssãoguerreir@s! NestaediçãoaRevistaMemóriaLGBTdesconstróiatradiçãoereconstrói novosmitos,atualizando‑os.Inspiradospelose travesirdeAndréCampu‑ zano,fundadordoMuseuTravesi,noPeru,quenosdeixouemnovembro de2013eporissonãopodeestarconoscoparaorganizaramatériaco‑ memoraivaaosdezanosdoMuseu,propomosumaOdeemsuahome‑ nagem,releindosobreseulegadoeinterrogandoosmoivosquefazem comqueoBrasilnãopossuainiciaivasmuseológicassemelhantes. Nestaedição,iniciaremosociclodedebatesarespeitodamemóriatrans. Paratal,trazemosumaseçãoespecialtratandodeexposições,fesivais,di‑ casdecinemaelivros,bemcomoarigoseentrevistasqueversamsobrea relaçãodaspessoastranscomamemórianacional.BethFernandes,Cínia Gonçalves,SairaBengell,TreyceGoulartsãoalgunsdospesquisadorese militantesquetrazemimportantesanálisessobreonão‑lugardapoplação transnoBrasiil.Emseguida,apresentamosaExposiçãoemRevistaNossas Musas,desinadaapensarqueodebatemuseológiconãonecessitainiciar noOlimpogrego,mas,sim,aparirdepersonalidadescomoMcXuxu,Re‑ nataPeroneMarceleOhio,musascontemporâneasquehojesalvaguardam amemóriaeaartedapopulaçãoLGBT.Alémdisso,arevistatraznovasse‑ çõesetextos,entevistas,análisessobreauniversidadebrasileira,história dastorcidasdefutebolLGBTeatémesmonoíciasinternacionais.Tenha umaóimaleitura! TonyBoita ARevistaMemóriaLGBT,coordenadaporTonyBoita,éumarevistabimestralvinculadaaopro‑ jetoPatrimônio Cultural LGBT e museus: mapeamento e potencialidades de memórias negligencia‑ das,comcoordenaçãodeTonyBoitaeJeanBapista.
Proibida Comercialização Todos os direitos reservados a Tony Willian Boita
5 | MEMÓRIA LGBT
Proteção e acolhimento no Projeto Casulo BethFernandes *
Odebateemtornodaquestãodoatendimento e o acolhimento tem sido um elemento de suma importância para entendermos a exploração se‑ xualeotráicodepessoas.OPROJETOCASULOfoi pensadonaperspecivadeatendereprotegerpes‑ soastravesisetransexuaisquechamaremosaqui depessoas“TRANS”;aideiainicialfoiumaCasade Passagemparaasvíimasdetráicodepessoaseda exploraçãosexualedeacolhidaàspessoasemsi‑ tuaçãodemigraçãoLGBT.Poisnuncatemosnoicias deadolescentesejovensexpulsosdecasaporsua cor ou por serem usuários de drogas, mas é alar‑ manteonúmerodeadolescentesexpulsosdecasa ousemtetoporseremhomossexuais,e,sobretudo porseremtravesiseoutransexuais.Elogoquees‑ tãonasruas,aspoucasCasasdePassagemouAbri‑ gosexistentesnãodãocontadeabsorveremessa população.Assimpermanecemnasruasepassam a seralvo fácil para “cafeinagem” e a exploração sexual ecomercial. Aconstrução deumaCasade Passagemparaessapopulaçãocomoacolhedorano períododeserefazercomopessoasenãocomoví‑ imaévistapormuitoseporalgunsdomovimento social como um “gueto esigmaizante”. Contudo, infelizmente,nãoexistemabrigosparaessapopu‑ lação. O PROJETO CASULO visa a autonomia das víimasebuscapossibilitaravisibilidadedesteser comocidadãopensandoemdireitossexuaisedirei‑
especial
Nasce a primeira casa de passagem para pessoas Trans no
BethFernandes,fundadoradacasadepassagemparatrans
6 | MEMÓRIA LGBT
toshumanos.Aresponsabilidadedoprojetodiante daculpabilidadedocrimeémínima,mas,diantedo serhumano,enorme.Poisprecisaviabilizaracons‑ truçãodenovasreferências,queauxiliemnacondu‑ çãoharmônicadoviver.Tambémauxiliaessaspes‑ soas a vivenciarem suas dores, culpas e fantasias, aimdemelhorconviveremcomsuacondiçãode pessoas“TRANS”emnossasociedade.OPROJETO CASULOéumaaçãopoliicaidealizadapeloaivis‑ moemilitânciadalutaLGBT.
*BethFernandes(RobertaFernandesdeSouza)é psicóloga,especialistaemAdministraçãoEducacio‑ nal,PlanejamentoEducacionalePsicologiaClínica; mestreemSaúdeMental–UNICAMP;presidenta daASTRAL‑GOIASedoPROJETOCASULO.
especial
Referências FERNANDES, Beth. Da relação das travesis e transexuaiscomoHIV/AIDS.RevistadoVIICon‑ gressodaSBDST/AIDS.Goiânia,2008. ______. Da relação das travesis e transexuais com o tráico de pessoas. Revista eletrônica do SimpósioVozesePlurais,2009.
_____. As deiciências dos serviços de acolhi‑ mento:relatodeatendimentodemulhervíima detráicointerno.Goiânia.RevistaCaminhosdo NúcleodeEnfrentamentoaoTráicodePessoas emGoiás,ano1,abril/junhode2011. _____.Asvulnerabilidadesdastravesisetran‑ sexuaiscomoHIV/AIDS:relatodeumgrupoem Goiânia,Curiiba.RevistadoVIIICongressodaSo‑ ciedadeBrasileiradeDST,IVCongressoBrasileiro deAIDSeICongressoALAC/IUSTILainoAmérica, maiode2011.
7 | MEMÓRIA LGBT
especial
Ode a Giuseppe Campuzano Jean BapistaeTonyBoita
Ao completar 10 anos, o Museu Travesi, no Peru, perde seu fundador, Giuseppe Campuzano, mas nos deixa um ícone da museologia LGBT
Não queremos falar da dor que nos provoca a morte de Giuseppe Campuzano, fundador do MuseuTravesi(Peru).Queremosnostravesirde Campuzano,usarmaquiagemincaica,mantode plumasdaavessagradaseperucadelongosios negros para pensar a imensa contribuição que deixanãosóparaseupaísdeorigem,maspara todosnós,proissionaisdemuseusinteressados nademocraizaçãodamemórianoBrasil. Há dez anos, Campuzano criou uma vivência musealquesetornouummarconamuseologia LGBT:El Museu Travesipossuíanocorpodopró‑ prio diretor pilares de seu acervo e na história do Peru os fundamentos da natureza trans dos museus.“OMuseuTravesidoPerunascedane‑ cessidadedeumahistóriaprópria”,dizGiuseppe no site do Museu, “ensaiando uma arqueologia dasmaquiagenseumailosoiadoscorpospara propor uma elaboração de metáforas mais pro‑ duivas que qualquer catalogação excludente”. Navanguardadodebate,Campuzanotraveste‑se em Virgem Maria, em deusas incaicas, em vir‑ gens desinadas a sacriícios ritualísicos de an‑ igos povos indígenas. Na metáfora, denuncia o racismoeatransfobiacatólica,estatal,peruana, laino‑americana,onão‑lugardecadaumdenós LGBT.Eofezrespondendotodabrutalidadecom umaexposiçãoexemplar,comcoresvivas,comi‑
gurinosextraordinários,compesquisasantropo‑ lógicasecomdiscursosdeunião/pazqueencon‑ travamseuprópriocorpoemperformancesque nãopodemseresquecidas. Embora a transfobia tenha determinado a ex‑ clusãodopensamentotransdaproduçãomuseo‑ lógica,Campuzanodemonstrouqueacapacidade detransicionarestanaessênciadamuseologia. Nos museus, transicionamos patrimônio, reen‑ contramossuasidenidadesemespaçoscontem‑ porâneos e travesimos os objetos com novos senidos,senidoscontemporâneos.OMuseu,é defato,umespaçotravesi. Das musas gregas (em verdade, dos musos travesidos no teatro anigo), acompanhamos a transformação constante dos museus. Hoje pretendemserinclusivos,combaterdiscrimina‑ ções,defenderodireitoàmemória.Nocontex‑ to laino‑americano e no Brasil que mais mata LGBT no mundo, essa nova performance dos museuséemergencial.Contudo,odireitoàme‑ móriasetornouumgrandechavãonamuseolo‑ gia,aomenosnoqueserefereaosLGBTeem especialaosTdalongasigla.NoBrasil,aideiade umMuseuTransouLGBTdemoraapegar:seja pelaforçadafobiaaosLGBTquedominaaspolí‑ icasculturais,sejapelolugardomuseunoBra‑ sil,intencionalmenteexcludente,queteimaem coquetéiseescandalososbanquetesdomaisdo mesmoaoinvésdesedemocraizar. No âmbito geral dos museus, impera o racio‑ cínio excludente: “não tenho nada contra”, nos disse certo diretor de um museu manido por fundos públicos, “mas esta não é a missão do meumuseu”.Assimtemsido:osmuseusdearte,
8 | MEMÓRIA LGBT
medicina, história, tecnologia ou até mesmo os comunitáriosprotegem‑seemsuasmissõesque, evidentemente, não incluem a questão LGBT justamente por terem sido construídas em con‑ textos fóbicos aos mesmos. Perde‑se, com isso, a possibilidade de discuir com a sociedade os resultadosdeumahistóriaviolentaeasalternai‑ vasdepazquesepoderiamconstruir. Silênciosnosmuseus,silênciosnaacademia.A faltadepolíicasdecombateàfobiaaosLGBTnas universidades, a incapacidade das Ifes em pos‑ suir um programa de acesso (onde o nome so‑ cial fosse uilizado desde o início dos processos seleivos)epermanênciaLGBT,aausênciadeli‑ nhasdepesquisaoupublicaçõessobreotema,a negaivadeorientaçãoconstanteaosestudantes interessadosempesquisarotema(adesculpare‑ correnteéaausênciadeprodução),entreoutros fatores,evidenciamaconivênciaacadêmicacom ahomo,lesboetransfobia.Eventosdamuseolo‑ giatratandoespeciicamentedotema?Nenhum atéomomento,éclaro. Dissotudo,longasdúvidas:oquepodemosair‑ marsobreacomunidademuseológicabrasileiraa parirdofatodosmaisde3milmuseusdoBrasil nãoabordaremaquestãoLGBT?Oquefazcom que nem mesmo exposições temporárias, com curadoriatransporexemplo,possamsermonta‑ das?EporquenãoumaPrimaveranosMuseus LGBTpromovidapeloIbram?Porquepareceser absolutamente impossível pensar que o Brasil
possaterumaexperiênciacomoadoMuseuTra‑ vesi no Peru? Será a comunidade museológica brasileirahomo,lesboetransfóbica? Novidades recentes, entretanto, temos para contaraparirde2013.OMuseudaDiversidade emSãoPaulo,ummuseusub‑waynaestaçãoda República, dedicou sua primeira exposição, O T da questão, para população trans. Foi a primei‑ raexposiçãoemummuseumanidoporfundos públicos a adotar este tema, ao menos que te‑ mosnoícia.Logoemseguida,essemesmomu‑ seumontouaexposiçãoCrisálidas,compostapor fotograias de Madalena Schwartz feitas com a população trans dos anos de 1970. Já o Museu das Bandeiras (Muban) promoveu a I Semana do Babado,dedicadaadiscuirahomo,lesboe transfobiaemGoiás:rodasdeconversas,espetá‑ culosdedivastranseumaexposiçãocomfotos de membros da comunidade LGBT de todo país izerampartedaextensaprogramação.Nafacha‑ dadoMuban,umaimensabandeiraarco‑írisfoi erguidapelaprimeiravezemummuseudoInsi‑ tutoBrasileirodeMuseus(Ibram‑Minc).Tantono Museu da Diversidade quanto no Muban, avan‑ ços democraizantes: a população LGBT percor‑ rendo os espaços museais, representando‑se e vendo‑serepresentar.Paralelamente,oabsurdo dasegregação:protestosdesetoresconservado‑ resqueinsistememairmarqueolugardosLGBT nãoénosmuseus. Obviamente,nascidosemummundoquediz nãoserparanós,encontramosalternaivascria‑ ivasparaessasbarreiras–trata‑sedacapacida‑ dedeserecriarqueopensamentotranspossi‑
9 | MEMÓRIA LGBT
bilita.Nessesenido,temosfeitonossaparte. AcriaçãodaRedeLGBTdeMemóriaeMuseo‑ logia Social e a presente revista são algumas das ações que tem feito difrença em amplos setores. Na universidade, tocamos em fren‑ te um programa de Extensão chamado Comuf (Comunidades+Universidades Federais), onde um de seus projetos é desinado a acolher o membrocomunitárioeoacadêmicoLGBT,pos‑ sibilitandoseuacessoepermanênciaaoEnsino Superiorpormeiodaformaçãodoextensionista‑ ‑pesquisadorLGBT:nãoqueremosicarfalando emnomedosT;queremos,sim,formarmuseó‑ logxstrans!
Tambémoferecemosummini‑cursoparacur‑ sos de museologia, museus, escolas e movi‑ mentossociaissobreahistóriaememóriaLGBT –atéomomento,nenhummuseuouuniversi‑ dade solicitou tal serviço ao contrário dos de‑ maissetores.Masboralátrabalhar,semdesa‑ nimar. Masevocê,proissionaldemuseus‑patrimônio‑ ‑memória,oquetemfeito?Sugiroquecomece setravesindoparaexperimentarnapeleobri‑ lho de outras almas, como a de Campuzano, e comissoencontrarcaminhosquerecriemamu‑ seologiabrasileira,transicionando‑a,defato,em umamuseologiaefeivamentedemocraizadora.
especial
Conheça o site do Museu Travesi, com fotos, vídeos e textos: htp://hemi.nyu.edu/hemi/es/campuzano‑presentacion
10 | MEMÓRIA LGBT
2013 – Ano do Fórum Mundial de Direitos Humanos CíniaGonçalves
CíniaGonçalves(segundadaesquerdaparaadireita),comintegrantesdoProgramadeExtensãoComunidades (Proext),noFórumMundialdeDireitosHumanos
O ano de 2013 foi marcante nalutapelosdireitosLGBT.Fa‑ tos importantes como a posse da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Mino‑ rias por um fundamentalista religioso na Câmara dos De‑ putados desencadearam uma publicização da mobilização em todo o país de apoiadores e aivistas do movimento so‑ cialLGBT,entreoutrossetores
que despertaram ao constatar odiscursodeódiolivreesolto nasinstânciasgovernamentais. Ofatoserviucomoumdivisor deáguaseivemosváriaspes‑ soasqueseseniramnaobriga‑ çãodeassumiremumdosdois lados: contra ou a favor dos direitos LGBT. A parir daí os assuntosrelacionadosaLGBT’s remeiamemalgummomento àMarcoFelicianoesuasdecla‑
11 | MEMÓRIA LGBT
raçõeshomofóbicas,racistase machistas. O Fórum Mundial de Direi‑ tos Humanos não poderia ser diferente. Onde estava o en‑ tão presidente da CDHM que não compareceu ao Fórum? Sua ausência e sua justifica‑ tiva demonstraram o quanto Marco Feliciano não nos re‑ presenta. Não representa Di‑ reitosHumanos,muitomenos
alguma minoria. A sua incan‑ sável tentativa de opressão aos direitos, principalmente de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros deu visibilida‑ de e voz a outros inimigos de nossacausaenosalertoupara quaissãoaspedrasemnosso caminho. Tais forças reunidas fizeram com que, nesse ano, as políticas referentes aos di‑ reitos sexuais, reprodutivos, de segurança e acesso aos direitos jurídicos para nossa comunidade retrocedessem drasticamente. Com exceção ao reconhecimento do casa‑ mento entre pessoas do mes‑ mo sexo, não obtivemos ou‑ trasconquistassignificativas. Nesse senido, os momentos de organização, encontros e mobilizações tornaram‑se mais relevantes. O Fórum oportuni‑ zou comparilhar informações, aricular novas ideias, encon‑ trarcommilitantesdediversas partes do país e do mundo, e estreitarrelaçõesvisandoapro‑
moção dos direitos humanos. Dentre as várias aividades do Fórum,asrelacionadasàideni‑ dadedegêneroiveramgrande destaque.Foipossívelobservar queaDefensoriaPúblicadeal‑ gunsestadosestãocomprome‑ idascomaquestãodorespeito à idenidade de gênero. Medi‑ das que evitam o constrangi‑ mento e garantem a dignidade de pessoas transexuais, traves‑ isetransgênerospodeserum começoparaproporcionaruma vidasocialmaistranquila.Essas açõesvãodesdeapossibilidade de uilizar o banheiro corres‑ pondente ao gênero ao qual pertence,atéaregulamentação dousodonomesocialinclusive com a confecção de documen‑ tos de ideniicação para pes‑ soas trans em alguns estados (RioGrandedoSulePará),bem como o tratamento correto de pessoas trans por funcionários e burocracia pública no acesso aos serviços de saúde, educa‑ çãoesegurança.
12 | MEMÓRIA LGBT
Poroutrolado,aprópriaor‑ ganização do Fórum foi negli‑ gentecomaspessoastransna organizaçãodoacampamento. Os locais para banho não dis‑ punhamdeportaouqualquer estrutura que tornasse o box dochuveiroreservado.Haviam divisóriasenileiradas,umaem frenteàoutra.Sendoassimas pessoastomavambanhoumas defrenteparaoutras,semne‑ nhumaprivacidade.Oquecau‑ sou muito desconforto para pessoastransqueoptarampor icar no acampamento, como foi meu caso. Na maioria das vezes a relação que uma pes‑ soa trans tem com seu corpo nãoéumadasmelhores,pois não reconhece aquele como sendo seu corpo legíimo, de acordo com seu gênero. Se existe esse conlito interno, imaginem quando outras pes‑ soas desconhecidas podem observar o corpo da pessoa trans durante o banho? Para evitar esse constrangimento
exisiam apenas duas alterna‑ ivas:aguardarohorárioonde houvesse menor número de pessoastomandobanhooui‑ car sem tomar banho. Assim, é incoerente que em um am‑ biente no qual discuimos es‑ tratégiasepolíicasamplasde promoçãodedireitosecolei‑ vos,nãotenhahavidoatenção para os detalhes e nossas ne‑ cessidadesespeciicas. Para a nossa sorte, temos bem próximos um exemplo a serseguido.AnossavizinhaAr‑ geninamostrouquerespeitaa diversidadecomumadaspolíi‑ cas mais avançadas no mundo, senão a mais avançada para as pessoas LGBT. Lá a idenidade de gênero é respeitada, inclu‑ sive de estrangeirxs! Lá o ca‑ minhoparaascirurgiasderea‑ dequação é mais simples. Até mesmo menores de idade são aptos a fazerem a cirurgia com autorizaçãodafamília.Mas,in‑ felizmente,aquinoBrasilanos‑ sa caminhada é longa. Outros fatores importantes que vão alémdauilizaçãodebanheiros, nome social e ao respeito for‑ malemlocaispúblicos,aqui,são discuidosdeformamaislenta, burocráicaecontaminadaspor preceitos religiosos em um es‑ tado laico. Um desses fatores é a adequação ísica da pessoa transaogênerooqualpertence. Ésabidoquepessoastranssão –dentreosLGBT’s‑asquemais sofrem preconceito, pois sua condição é visível. Se por um lado um homem homossexual
nãoprecisaexporpublicamente sua orientação sexual, por ou‑ tro, a pessoa trans não pode e nãodeveesconderseugênero. Evidentemente,issocausaqua‑ drosgravesdedepressãoe,em alguns casos, até suicídio. Par‑ indo desse raciocínio, torna‑se óbvioocaminhoquesedevese‑ guir para prover uma vida sau‑ dáveleplenaparanós,pessoas trans: adequar nossa aparência aogêneroaoqualpertencemos. Paricipei de uma aividade au‑ togesionada onde esteve pre‑ sentehomensemulherestrans além de proissionais atuantes no setor jurídico e social. No debateetrocadeexperiências/ impressões, abordou‑se a ne‑ cessidade de as cirurgias para pessoas trans – como as de redesignação sexual, mastec‑ tomia, histerectomia, dentre outras – serem reestruturadas assuasformasdeacesso.Hoje
13 | MEMÓRIA LGBT
a burocracia para a realização dessesprocedimentospeloSUS éomaiorretentordafelicidade de milhares de pessoas trans e é contra a excessiva burocrai‑ zaçãoepatologizaçãodenossas idenidades que temos lutado hátantosanosenquantomovi‑ mento de pessoas trans. Tanto tempodelutaededicaçãotem que resultar em algo posiivo. Enquanto essa conquista não é alcançada,éimprescindívelque acomunidadetransseuna,tro‑ que informações e busque por meios jurídicos, se for preciso, a garania de nossa dignidade. Cada conquista, individual ou coleiva,devesercomparilhada parasertomadacomoexemplo decaminhosquepodemserse‑ guidos.Precisamosestarjuntxs, reunidxs,trabalhandoemrede. Comojádizasabedoriapopular, “auniãofazaforça”,eatrocade informaçãonosempodera.
Safira Bengell Foi no Cabaret Casa Nova (Lapa, RJ), consideradapelaRevistaMemóriaLGBT o primeiro Patrimônio Material LGBT doBrasil,quenadécadade1970,por moivos de sobrevivência, a paraibana Saira Bengell iniciou suas aividades comoatriz.Contandocomumatrajetó‑ ria fundamental para a memória LGBT no Brasil, Bengell tornou‑se a primeira transformista a uilizar o nome femini‑ noemseusdocumentossemnecessitar realizaracirurgiadetransgenitalização. Segundo ela, sua trajetória pela “arte foi o argumento que pesou nesta deci‑ sãodeJusiça”.Comosepercebe,ame‑ móriaaliadaàarte,sãoimportantesins‑ trumentosparaaconquistadeDireitos dapopulaçãoLGBT.Coniraaentrevista com Saira e conheça um pouco mais dessahistória.
“coninuem este trabalho serio e importante para que a sociedade veja que somos pessoas iguais na diferença. O sol nasceu para todos e sombra para quem merece. Abraceijos.” Saira Bengell
Saira Bengell é a primeira transformista a uilizar o nome feminino em seus documentos sem realizar a cirurgia de transgenitalização
14 | MEMÓRIA LGBT
Qual sua trajetória de vida? NasciemTeresinaecomeceicomocolunista social. Devido ao preconceito tive que sair de casamuitocedoeirparaoRiodeJaneiro,úni‑ colugarparaondeaspessoasimigravampara serem livres. Em seguida fui para São Paulo, Santosedeláformeiumgrupocommulheres, cantor@setransformistas.ViajamospeloBra‑ sil.DepoisembarqueirumoaEuropaparame lapidareaprendermais.
Achoqueasociedadeciviléquedevesemo‑ bilizar para fazer este trabalho. Além ocupar e se empoderar do que é nosso também. Recen‑ tementefuiconvidadapelaAcademiaPiauiense deLetras.Creioqueestánahoradenósfalarmos sobrenósmesmos.
Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) você gostaria de expor em um museu? A nossa. Creio também que é importante pesquisarmos sobre quem fez história de verdade e registra‑ Quais são seus principais trabalhos como arista? mos isso. Qual memória você jamais gostaria de esque‑ Achoquetertidoaoportunidadedeabriruma casadeshowsnaEuropa,aAmericanDisaster‑ cer? A nossa! Especialmente durante o regime ‑Milão, e poder mostrar a el@s nossa arte foi civilmilitar. gratificante. Fui convidada a fazer cinema, Qual o recado que você deixa para a Revista atuarnaTVitalianaeconquisteimuitorespeito Memória LGBT? pelopúblicoeuropeu.Foiimportanteparaque Queconinuemestetrabalhosérioeimportan‑ valorizassecadavezmaisminhacarreira.Fizo calendáriodeDragscomSérgioCaminataofo‑ teparaqueasociedadevejaquesomospessoas tógrafodaGiorgioArmanieposteriormentefiz iguais na diferença. O sol nasceu para todos e livrodefotos.Trabalheicomatoresitalianose sombraparaquemmerece.Abraceijos! mostreiquenãosomossomentesexo.Issofoi gratificante!Edepoisderetornarfuiapresen‑ tadoradetelevisãoaquideTeresina.
Na museologia, existe hoje a ideia de que os museus no Brasil estão incluindo grupos discri‑ minados. Embora já tenha nascido museus de comunidades indígenas, quilombolas ou outras periféricas, temos procurado noícias sobre os museus que se preocupam com a memória da comunidade LGBT. Você tem alguma noícia de algum museu assim? Não.Achoimportante,masoBrasilaindaéum país que não valoriza sua memória, passado e histórias. Temos um projeto jundo à Secretaria deDireitosHumanosdaPresidênciadaRepubli‑ ca (SDH) há quase dois anos e nunca eles nos chamaramparainiciarestetrabalho.
APróximaediçãoda Revista Memória LGBT TerácomoTema: Patrimônio Cultural LGBT: Memória, História, Oralidade, Espaços, Idenidade, Resistência e Socialização
Nos museus estão representados memórias e histórias da sociedade brasileira. De que forma os museus brasileiros poderiam se aproximar da questão LGBT? 15 | MEMÓRIA LGBT
FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 20 DE FEVEREIRO DE 2014 ENVIE SUA CONTRIBUIÇÃO
[email protected]
Transmulheres
negras TreyceEllenGoulart
Ignorado pela imprensa e Estado, Relatório da GlobalRights demonstra que transfobia e racismo andam juntos em projeto nacional de extermínio da população negra brasileira
16 | MEMÓRIA LGBT
cultar(emuito)nossoacessoainformaçõesque dizemrespeitoànossacomunidadeenossosdi‑ reitos.Porisso,aequipedaRevistaempreendeu esforços na tradução do conteúdo do texto em termosgeraisdescritosnestacoluna.Boaleitura! O Relatório examina as violações contra os direitos humanos da população trans negra do Brasil,sobaluzdetratadoseconvençõesinter‑ nacionais que o Brasil assinou ou raiicou. Es‑ sesacordosincluemaDeclaraçãoUniversaldos DireitosHumanos,oConvêniointernacionalde DireitosCivisePolíicos,oConvêniopelaElimi‑ naçãodetodasasFormasdeDiscriminaçãoRa‑ cial, a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres e a ConvençãoAmericanapelosDireitosHumanos. Éimportantesabermosquecadaumadasinsi‑ tuiçõesenvolvidasnacriaçãodestesdocumen‑ tostemdesenvolvidoaçõesindividuaisparaim‑ plementar medidas de proteção às populações LGBTI,mulheresenegros/asincluindorecomen‑ daçõesespecíicasdirigidasaoBrasil. Entretanto,apesardaconínuademandapública dediversosmembrosdasociedadebrasileiraeco‑ munidadeinternacional,oRelatóriodenunciaque ogovernobrasileirotemtomadomedidasmínimas
16 | MEMÓRIA LGBT
AfroLGBT
Sucessivosestudostemcomprovadooquepara muitos já é óbvio: a maioria dos jovens mortos emsituaçãoviolentanoBrasil,sãonegros;asmu‑ lheresnegras,noSistemaÚnicodeSaúde,mor‑ rem mais; taxas de desemprego e de restrições à educação, também aingem mais aos negros. Faltava,entretanto,sabermossobreastransmu‑ lheres negras, grupo do qual pesava a ausência deumestudodefôlegoparamaisumavezcom‑ provar o óbvio. Os resultados desta urgente in‑ vesigaçãoforamreunidoseem2013,foilançado pelaGlobalRights.orgoRelatórioAnualdaSituaa‑ çãodasTransmulheresNegrasnoBrasil.Deacor‑ do com o documento, conigura‑se no primeiro estudoaprofundadonestaárea.Nessesenido,é sublinhadaalutadestegrupodeindivíduosque está profundamente marginalizado de diversos contextoseconômicos,culturaisepolíicoseque muitasvezespermanecevíimadaviolência,abu‑ sosexualehomicídio.Alémdisso,aimdeprover informação e recomendações de apoio ao esta‑ dodapopulaçãotransafrobrasileira,orelatório destaca as experiências individuais destas mu‑ lheres.Oarquivoestádisponíveleminglêspara downloadesuacópia,reproduçãoedistribuição gratuitasãopermiidas.Entretanto,sabemosque abarreiradalinguagemaindaexisteepodedii‑
paraoavançoouproteçãodosdireitosdacomu‑ nidade LGBTI. De fato ica exposta a constatação dequeoEstadonãotemempreendidoaçõessui‑ cientesparaatenderàsnecessidadesdapopulação trans, nem tem se compromeido a desenvolver medidas especíicas para responder às demandas denegrxsLGBTI.Atéomomentonenhumamedida foipropostaparasuperaradiscriminaçãoeviolên‑ ciacontraapopulaçãonegratrans. A fim de expor/problematizar as violações mais frequentes enfrentadas pelas transmu‑ lheresnegrasnoBrasil,norelatórioconstamas seguintesdiscussões: a) Transfobia e Discriminação Racial: estudos temsepronunciadosobreafrequênciacomque os crimes de ódio são comeidos contra trans‑ mulheres negras. Embora transmulheres negras representemaproximadamente10%dototalda populaçãoLGBTInoBrasil(FRANKEL,2012),elas compõemdesproporcionalmente50,5%dos300 assassinatos de pessoas LGBTI registrados no relatóriofeitoem2012pelaSecretariadeDirei‑ tosHumanosdaPresidênciadaRepública,p.55, 2012.Orelatóriorecolheudadosregistradospela mídiaereclamaçõesdirigidasàslinhasdecomu‑ nicação administradas pela SDHPR, a Secretaria Federal de Mulheres e ao Ministério da Saúde, considerandoviolaçõesdedireitoshumanosco‑ meidoscontrapessoasLGBTI.Amaiordiiculda‑ deemcoletardadoséadequeatualmenteosre‑ gistrosdeviolênciaehomicídioscontrapessoas transdissociamaquestãoracialdaidenidadee expressão de gênero. Este cenário faz com que existaumescopolimitadodefontesqueprove‑ nham dados precisos sobre a violência contra a populaçãoLGBTI. b)Violência Policial e Impunidade: conforme nos informa o relatório transmulheres negras brasileiras, no Norte e Nordeste, onde níveis de violência racial são mais elevados (CEBELA, FLACSO,SEPPIR/PR,p.14,2012),reportamaltos níveisdeviolênciapolicial.Aivistastransprove
ramdadosdeapoionosquaisdenunciamque policiais visam excessivamente transmulheres por posse de drogas, roubo e outras infrações menores. Além de coerção policial frequente para jusiicar acusações criminais e detenções arbitráriassãofrequentesastentaivasdeassas‑ sinatosporpartedepoliciais.Essescasosocor‑ remcomfrequênciaemrespostaàdenunciapor parte de uma pessoa trans de um assassinato comeidoporpoliciais,e/ouquandoumpolicial se nega a pagar pelos serviços sexuais presta‑ dosaelesportransmulheres(REDLACTRANS,p. 14,2012).Finalmente,aivistasdenunciamque transmulheresnegrassofremmaisataquespoli‑ ciaisdoqueoutrastransmulheres,oquemuitas vezesasobrigaaevitarsereuniremempúblico etambémasimpededepraicaraprosituição (umdospoucosmeiosexistentesdeobteralgu‑ maestabilidadeinanceira). c)Acesso limitado à educação:conformepes‑ quisa da Dra. Berenice Bento, pesquisadora da discriminaçãocontratransmulheresnoBrasil,é esimadoque90%dastransmulheressãoanal‑ fabetasfuncionaisdevidoàexclusãosocialnas escolas(CONEXÃOFUTURA,2012).Deformasi‑ milar,umestudodaFaculdadeLainoAmerica‑ nadeCênciasSociais(FLACSO),em2012desco‑ briuqueumaporcentagemde26,7%reunindo pretosepardossãoanalfabetos,enquantoque 51,1% são analfabetos funcionais (FUNDAÇÃO CAROLINA, p. 34, 2012). Até então, nenhuma insituiçãotemdesenvolvidodescobertasespe‑ cíicassobreosníveisdeescolaridadedetrans‑ mulheresnegras.Apesardesermuitodifundida adiscriminaçãoeaviolênciacontratransmulhe‑ resnegrasnasescolas,ogovernobrasileironão empreendeu nenhum esforço para enfrentar a discriminação contra pessoas LGBTI que fre‑ quentamasinsituiçõesdeensino.Notadamen‑ te,umestudoconduzidopeloIBGEapurouque apenas8,7%dosmunicípiospossueminiciaivas educacionaisdirecionadasaosestudantesLGB‑ TI.Alémdisso,oestudodescobriuqueapenas
17 | MEMÓRIA LGBT
1,8%dosmunicípiospossuiprogramaseduca‑ cionaisdirecionadoàreduçãodaviolênciacon‑ traestudantesLGBTI. d) Acesso limitado ao Mercado de Traba‑ lho: oRelatórioGlobaldaUNAIDSde2012esi‑ maque44%daspessoastransnomundotodo trabalham como proissionais do sexo devido ao “acesso inadequado à informação, serviços e oportunidades econômicas (UNAIDS, p. 76, 2012)” Um relatório de 2012 sobre os direitos humanos de pessoas trans na América Laina airmou que proissionais do sexo trans estão sujeitas aos mais frequentes e severos abusos contraosdireitoshumanoscontrapessoastrans incluindo violência, instabilidade econômica, abuso sexual, DSTs, uso de drogas e álcool e acessolimitadoàserviçosdesaúdemental.(RE‑ DLACTRANS,p25,2012). Uma vez que existem oportunidades limita‑ das de emprego para transmulheres no Brasil, algunsmunicípios,incluindoRiodeJaneiro(Se‑ cretaria Municipal de Direitos Humanos, 2012) e Salvador (COUTINHO, 2013) tem desenvolvi‑ do programas de aperfeiçoamento proissional paratransmulheres.Todavia,osprogramastem alcancelocalegeralmenteapenasprovemníveis básicos ou habilidades administraivas e opor‑ tunidades. Um estudo realizado pelo IBGE, em 2012,descobriuqueapenas1%dosmunicípios do Brasil atualmente permite às pessoas trans o direito legal de mudar seu nome nos docu‑ mentosdeidenidadeantesdesesubmeterem acirurgiadereadequaçãodegêneroouexames psiquiátricos(WERNECK&PITA,2012).Issoéum entrave para xs trans candidatxs a empregos nos quais, em geral, é requerida a apresenta‑ çãodedocumentosdeidenidadequeapresen‑ tamnomesquesãocontráriosàsuaidenidade e expressão de gênero. Esse processo além de insitucionalizaroesigmacontrapessoastrans tambémresultam,muitasvezes,emdemissões nãojusiicadas eemrecusasàcontratação de candidatxstransqualiicadxs.
e) Acesso Inadequado à Saúde: transmu‑ lheres negras sofrem com crescentes riscos à saúde, acesso desigual serviços de saúde físi‑ caemental,ediscriminaçãobaseadaemraça e gênero no Serviço Único de Saúde. Como mencionado anteriormente, o trabalho como profissional do sexo é causa que compromete asaudadementalesexualdemuitastransmu‑ lheres negras. O Relatório Global da UNAIDS estima que 68% das pessoas trans no mun‑ do todo estão infectadas com HIV, atribuindo tal valor à violência baseada em gênero, alto desemprego e discriminação (UNAIDS, p. 76, 2012).Umadenúnciaadicionalfeitapelogrupo Criola,umaorganizaçãobrasileiraemproldos direitos das mulheres, aponta o racismo insti‑ tucional e a insensibilidade cultural existente no sistema público de saúde como a principal causaparaadesigualdadedetratamentopara commulheresnegras(CRIOLA,p.5,2010). AdespeitodepolíticasdoMinistériodaSaú‑ dequevisamorespeitoàautodesignaçãopor parte de pessoas trans, há reclamações sobre frequentes expressões e atitudes transfóbicas porpartedosprofissionaisdesaúde,oquefaz com que as transmulheres negras adiem ou evitem procurar serviços médicos adequados. Devido a esta situação, pessoas trans que de‑ sejeminiciartratamentoshormonais,cirurgias reconstrutivas ou outros procedimentos de transiçãodegênero,muitasvezesofazemsem supervisãomédica. f) Ausência de legislações protetivas: ACons‑ tituiçãoproíbeadiscriminaçãoracialeprotege os direitos culturais e religiosos das minorias, garantido às transmulheres negras proteções importantes. Entretanto, a despeito destes avanços, o Brasil não possui nenhuma legisla‑ çãofederalqueprotejaosdireitosdaspessoas LGBTI.Especificamentenenhumaleiquereco‑ nheça e proteja a identidade e expressão de gênero. Este vácuo legal permite vasto abuso, impunidade,violência,discriminaçãoeexten
18 | MEMÓRIA LGBT
sosobstáculoslegaisemédicosparaastrans‑ mulheresnegrasecomunidadeLGBTIemgeral. ORelatóriochamaaatençãoparaoProjetode Lei 5002/2013. O PL procura estabelecer uma leimaisabrangentearespeitodaidentidadede gênero e foi encaminhada para a Câmara dos Deputadosemfevereirode2013(CMARADOS DEPUTADOS, 2013). A medida garantiria reco‑ nhecimento e proteção à identidade e à ex‑ pressão de gênero, permitindo aos indivíduos mudarlegalmenteseusnomesemtodososre‑ gistrosedocumentosdeidentidadesemaexi‑ gênciadeavaliaçõesmédicasepsiquiátricase garantiriaacessolivreaintervençõescirúrgicas peloSUSsemaexigênciadeaprovaçãojudicial ou avaliações psiquiátricas (WYLLYS&KOKAY, pp.1‑4,2013)EstePLaindaaguardaaprovação pelaComissãodaCâmaraenãotemdatapre‑ vistaparavotação. ORelatóriosobreaSituaçãodeTransmulhe‑ resnoBrasildemonstraqueadiscriminaçãoe violência contra transmulheres negras se alo‑ ca nas interseções profundamente enraizadas entreracismoetransfobia.Elassemanifestam em formas particularmente brutais, represen‑ tadospelosfluxosquaseconstantesdeviolên‑ cia,humilhaçãoeexclusãoaosquaistransmu‑ lheresnegrassãoconstantementesubmetidas. Osatosdeviolênciacometidoscontraestapo‑ pulaçãosãoparticularmentecruéis,muitasve‑ zesenvolvendooabusopsicológicoeaviolên‑ cia sexual, freqüentemente manifestados em espaçospúblicosondesãoexibidosaopúblico emgeral. A pesquisa foi desenvolvida em um período de8meses,dejulhode2012amarçode2013, efoidesenvolvidamediantefontesqualitaivas. As fontes incluiram relatórios, arigos, e docu‑ mentos sobre a situação dxs LGBTI e pessoas negrasnoBrasilalémdequatroentrevistasde‑ senvolvidaspessoalmentecomliderançastrans negrxs de diversas regiões do Brasil, incluindo Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e Belém/PA.
Também cinco entrevistas adicionais conduzi‑ dascomfuncionáriosdogovernofederal,pes‑ quisadoresepessoasnegrasaivistasLGBTInão auto‑ideniicadascomotrans.Outrasobserva‑ çõesforamcoletadasna11ªReuniãoOrdinária doConselhoNacionaldeCombateàDiscrimina‑ çãoePromoçãodosDireitosdeLésbicas,Gays, Bissexuais,TravesiseTransexuais,ocorridaem Brasília, em setembro de 2012, e no 1º Semi‑ nário de Negras e Negros LGBT, ocorrida em Salvador/BAemoutubrode2012.Informações tambémforamobidasemreuniõesdegrupos deapoioeeventosculturaisperinentesàsco‑ munidadesnegraetrans. Segundo os organizadores do relatório, seu intuito é que os resultados apresentados pos‑ samservirparaqualificarosesforçosdetodos osindivíduosquetrabalhamparaempreender os direitos dos negros e as pessoas LGBTI no Brasil,eparaincentivarumcompromissomais profundoempromoveredefenderosdireitos dastransmulheresnegras.Especificamente,es‑ peramos oaumentodacolaboração entrene‑ gros/as, mulheres e grupos LGBTI, bem como uma resposta mais engajada por parte do go‑ verno na promoção dos direitos das transmu‑ lheresnegras.
19 | MEMÓRIA LGBT
Homens Transexuais
AnnaLuísaSantosdeOliveira
A página Homens Transexuais foi criada em 18 demaiode2013naredesocialfacebookenarede social ask.fm,comointuitodetrocarinformações acercadoprocessodetransexualidademasculina, seucriadorMiguelMarquesdeSalvador–BAcon‑ seguiumaisqueisso.Alémdatrocadeinformações apáginasetornouumespaçodediscussõesacerca datransexualidade,seuprocessoemilitânciapelo espaçoTransexualnoBrasil.Comalcancenacional, jásuperaasseismilcuridaseaRevistaMemória
moivopeloqualcrieiacomunidadeéafaltadein‑ formaçãosobreotema,emrelaçãoaprocedimen‑ tosmédicos,sobreaquemprocurar,comoiniciara transição, como reiicar os documentos, quais os efeitoshormonaiseetc.Muitoshomenstransque‑ remcomeçaroprocessoenãosabemcomo,oque foiomeucasoesópudecomeçarminhatransição quandoconhecioprimeirohomemtransoperado do Brasil, operado ainda na época da ditadura, o JoãoW.Nery,foielequemmeorientousobrecomo
LGBT entrou nesse espaço cibernéico e teve um começaresoumuitogratoaele.Porsabercomo bate‑papolegalcomMiguel.Conira: édiícilobterinformaçõessobretudo,resolviaju‑ dar aos outros que passam pela mesma situação Como surgiu a ideia de criar a página Homens quepassoatravésdacomunidade.Nãosabiamui‑ Transexuais? tobemseiadarcerto,masascoisasparecemestar Miguel Marques:Aideia surgiu aparirdo mo‑ andandobemnosenidodedisseminaçãodeinfor‑ mento em que conheci a realidade dos homens mações.Euseiquenãoéfácil,entãotentofazero transexuaisemgeral,asdiiculdadesqueenfrenta‑ possívelparacontribuircomosoutros. moseanecessidadedesermosvistos.Percebique precisávamossermosvistosparaconsequentemen‑ Como vem sendo o diálogo com o facebook? te conseguirmos alcançar nossos objeivos, que Alguma publicação já foi removida pelo site de seriamesses:Odireitodesermososhomensque relacionamento? sempre fomos independentemente do corpo em Miguel Marques:Jáforamremovidaspublicações qualnascemos,odireitodeterosmesmosdireitos deimagensgenitais,quetenteipublicarparaqueas quequalqueroutrohomem,odiretodeviver.Outro pessoaspudessemveralgunsresultadospóscirur‑ 20 | MEMÓRIA LGBT
MEMÓRIA LGBT | 20
Crendeuspadi
giaeresultadosapenascomahormonização.Masé lhertranspodeserlésbica,bissexualouheterosse‑ entendívelquetenhamremovido,éapolíicadeles. xual.Aparirdesseexemplopercebe‑seadiferença Porisso,amaioriadasvezesaspessoasmepedem entreIdenidadedegêneroxOrientaçãosexual. parapassaressesconteúdosviachat. Com relação a conjuntura atual da transexua‑ A página costuma receber muitas perguntas so‑ lidade no Brasil, e o fato de ainda estar na clas‑ bre a transexualidade, e acaba se tornando um siicação internacional de doenças, o que você espaço de esclarecimento de dúvidas e de discus‑ tem a dizer? Miguel Marques:NaverdadeéoCID10F64.0 sões, como é o processo de respostas e de acom‑ Meu pensamento em relação a isso é de que é panhamento dessas pessoas? Miguel Marques:Bom,asperguntasquemefa‑ um absurdo nos considerarem doentes mentais. zem são basicamente as mesmas perguntas que Quemnosintroduziunissoéquemdeveriatratar‑ vocêestámefazendo,erespondodamesmamanei‑ ‑se,sinceramente.SoubequeirãonosirardoCID, mas não sei para quando isso raqueestouterespondendoago‑ está previsto. Acredito que ra. Respondo muitas dúvidas temquehaverumacompa‑ sobreascirurgiasgenitais,a nhamento psicológico por funcionalidade,osmétodos, umtempo,atéporqueexistem quais proissionais posso indicar pessoasqueestãoemconlitocom em seus estados para acompanha‑ asuaidenidadeepodemconsiderar ‑se mento,comodarentradanareiicaçãode transexual, quando podem não ser e o pro‑ documentoseetc. cessodemudançaéirreversível.Nomáximoum Lembra qual foi a primeira postagem que fez, relatório psicológico dizendo que a pessoa está aptaàtransição,reiicaçãodedocumentosetudo e como foi a recepividade do público? Miguel Marques:Nãomelembromaisqualfoia mais (justamente para comprovar que não é o primeira postagem, mas lembro‑me que desde o casodeumapessoaconfusacomsuaidenidade, inicioarecepividadedopúblicofoibemposiiva, enãoparacomprovarquesomosdoentesmentais vez e outra aparecem aquelas mentes ignorantes e precisamos disso) O que deve haver é alguma (oqueénormaldentrodasociedadeignoranteem resoluçãoquenosgarantaacompanhamentopelo quevivemos).Muitasdessasmentesforamtrans‑ sus, que seja um direito nosso, logo que é uma formadascomainformação,eoutrasconinuaram necessidadeatransiçãoenãoumadoençapsico‑ fechadas.Nãoadiantafalarparaquemnãoquerou‑ lógica.Assimcomoasmulheresgrávidasquetem vir,masfaçoaminhaparteemuitasmentesjáse direitosespeciais,precisamdeacompanhamento enãosãodoentes.Éumacomparaçãoaonosso transformaramposiivamenteeicofelizporisso. caso, não somos doentes, porém precisamos de Quais as diferenças entre transexualidade e cuidadosmédicoseintervençõescirurgiasparaa integridadedanossasaúdeísicaemental. outras formas de vivência de sexualidade? Miguel Marques:Transexualidadenãotemligação comorientaçãosexual.Transexualidadedizrespei‑ E aí gostou? Então curta a página toaidenidadedegênero,ouseja,amaneiracomo homens transexuais no facebook e vocêsesente,amaneiracomooseucérebroiden‑ acompanhe as discussões no ask.Fm, iica o seu gênero: Masculino, feminino, os dois, acesse: ounenhumdosdois.Orientaçãosexualdizrespei‑ toaoquevocêgosta:Homem,mulher,osdois,ou nenhumdosdois.Umexemplo:Umhomemtrans www.facebook.com/HomensTransOicial podesergay,bissexual,ouheterossexual.Umamu‑ www.ask.fm/HomensTransgeneros 21 | MEMÓRIA LGBT
APróximaediçãoda
Revista Memória LGBT TerácomoTema: Patrimônio Cultural LGBT: Memória, História, Oralidade, Espaços, Idenidade, Resistência e Socialização
FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 20 DE FEVEREIRO DE 2014 ENVIE SUA CONTRIBUIÇÃO
[email protected]
22 | MEMÓRIA LGBT
Adoção de Nome Social em Universidades é tema de monografia na UFG sa14universidadesfederaisqueincluíramonome social em suas políicas insitucionais,tanto para estudantes, quanto para servidores, tornando‑se umimportantedocumentoparaamemóriaLGBT dopaíseferramentaparaainsitucionalizaçãodo nome social em Ifes que ainda não adotaram o procedimento.Acandidatafoiaprovadacomnota 10erecebeumimensoparabénsdaRevistaMe‑ móriaLGBT.
RESUMO:Estamonograiapretende,pormeiodeumexercícioan‑ tropológico,mediantefontesdocumentais,invesigareinterpretar aslegislaçõesvigentesnoqueserefereanomesocial,nasUniver‑ sidades Federais do Brasil. Trata‑se do nome pelo qual travesis e transexuaissereconhecemnoseucoidiano.Sujeitosestesquesão marcados pela diferença, marginalizados pela sociedade. Esta pro‑ posta busca compreender como os discursos normaivos sobre o queéfemininoemasculinoinluenciamnavidadessesindivíduos. Tem como intuito evidenciar que as possibilidades de acesso, de travesisetransexuais,aessasinsituiçõesdeensinosãominimiza‑ daspornãoexecutaremtalmedida.Aabordagemmetodológicada pesquisaserádescriiva,porexporeesmiuçaralegislaçãosobreo tema e analisá‑la com a inalidade de corroborar a inquesionável importância de assegurar direitos, implementando o Nome Social, respeitandoaidenidadedegênero.
23 | MEMÓRIA LGBT
aconteceu
FoidefendidaamonograiadeMarianaMesquita Capela,initulada Notas antropológicas em torno da regulamentação do uso do nome social para travesis e transexuais em universidades federais brasileiras. Com orientação do Camilo Braz, do‑ centedaFaculdadedeCiênciasSociaisdaUniver‑ sidadeFederaldeGoiás(UFG),adefesatevecomo banca Jean Bapista, docente do bacharelado de Museologiadamesmainsituição.Oestudoanali‑
Exposição #NossasMusas Como musas travesidas, incitamos a interpretação e desautorizamos a autoridade. GIUSEPPE CAMPUZANO – El Museo Travesi
TonyBoita
Basicamente, todo o debate em museologia inicia pela se‑ guintenarraiva:naGréciaan‑ iga exisiam nove musas que inspiravam ciências e artes. Filhas de Zeus e Mnemósine (memória), nasceram Calíope (poesia épica), Clio (história), Euterpe (música), Melpômene (tragédia),Talia(comédia),Urâ‑ nia(astronomia),Érato(poesia amorosa),Terpsícore(dança)e Polímnia (hinos). Costuma‑se dizerqueasilhasdamemória reuniam‑senotemplodasmu‑ sas, compreendido hoje como espaço de salvaguarda e co‑ municação da memória, como museus e espaços de vocação museológica. Oquenãosecontacomodevi‑ dorespeitonosdebatesmuseo‑ lógicos é que quando interpre‑
tadasnoteatroanigo,asbelas musas eram representadas por homens. Sim, as Musas eram travesidaseestavampresentes emrituais,tragédias,comédias, danças, músicas e poesias do mundoanigo. Já faz algum tempo que as Musas travesidas foram ex‑ pulsasdesuacasa(museu).De fato,osmuseuspassaramapre‑ ferir representações excluden‑ tesquejogaramomundotrans parafora. NaAméricaLainanãofoidir‑ ferente:aindaqueose travesir fosse um fenômeno que antes mesmo da colônia já se fazia presente, seguiu‑se a expulsão atéosdiasatuais. Contudo, a luta trans em di‑ versossetoresculturaistemde monstrado que as musas se‑
Exposição 24 | MEMÓRIA LGBT
guemai,hojeemperformances trans,sobrevivendoatantoses‑ forçosdedetraçãoeopressão. Resta saber quando elas po‑ derãovoltarparacasa,nãosó para contar suas memórias, mas para inspirar, trabalhar e reconstruir os museus do Bra‑ sil sem homofobia. Ainal elas sempreexisiramesemelaste‑ riamossóoesquecimento. Nessesenido,aRevistaMe‑ mória LGBT pretenciosamente atualiza o mito: apresenta‑se aseguirumamusealização em revista de nossas musas con‑ tamporâneas, contando com Rodas de Memória Virtuais e conteúdosquerevelamqueas musasdehojenãoofendemàs ancestraiseoferecemaosmu‑ seusnovasalternaivasairma‑ ivas.Aproveiteaexposição!
Mc XuXu #MusaDoFunk manda um beijo para a Revista Memória LGBT
Exposição
“Meusamoresmuito obrigadopelamorale totalcarinho;ameiessa entrevistacomaRevista Memoria LGBTeaprendi muito,queroparabenizar peloóimotrabalho.Como diriaEinstein,émaisfácil desintegrarumátomodo queopreconceito,mas aindachegamoslá.” Mc Xuxu
25 | MEMÓRIA LGBT
Trans e Funkeira MC Xuxu vem fazendo sucesso com seus hits que combatam o ódio, o preconceito e a intolerância contra a comunidade LGBT. Suas músicas são dançantes, trazem amor, paz e muito humor.
A musa trans do funk nasceu depois de uma curta temporada que passou no Rio de Janeiro, ideniicou‑secomfunkcariocaeresolveuvoltar acantarmasmudandode“hiphopera”paraMc. Éelamesmoquecompõeseushits.Semprecom letras inspiradas em seu coidiano, acrescendo mensagensdeamor,paz,humoredeenfrenta‑ mento a qualquer forma de preconceito e ódio paraacomunidadeLGBT.SeuapelidoXuxuvem deinfânciaefoidadoporsuamadrinha.Amusa trans do funk conta que “nos meus primeiros anosnaescolaeunãogostavaporqueoapelido ajudavanobullying,masacabeimeacostuman‑ do.Eunãoconseguiairardacabeçadaspessoas, atéosprofessoresmechamavamassim”.Atual‑ mente a funkeira vem fazendo o maior sucesso comohitUm Beijoquelevaumamensagemde pazastravesiseatodosquesãodobem.
#CURIOSIDADES Os principais parceiros de trabalho de MC Xuxú são: Dançarinos: Wally, Rodrigo, Vick, Matheus, Mário e Jhonatan DJs: DJ Nono e DJ Poty ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑ Quem coreografou a música Um Beijo foi Wagner Vaccari ‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑‑ Segundo o Arigo 5 da LEI Nº 5543, DE 22 DE SETEMBRO DE 2009 que diz “ Os aristas do funk são agentes da cultura popular, e como tal, devem ter seus direitos respeitados”, Mc Xuxu no Rio de Janeiro seria a primeira Agente de Cultura Popular Trans do Brasil.
26 | MEMÓRIA LGBT
Roda de Memória Nos museus estão representadas memórias e histórias da sociedade brasileira. De que forma os museus brasileiros poderiam aproximar‑se da questão LGBT? Nãoseráfácil,jálisobreoMuseudeSãoFran‑ ciscoeBerlim,sãoasúnicasinspiraçõesquete‑ mos,entãotemosque“meteracara”praconse‑ guirnossoespaçoaquinoBrasiltambém.
ocorre o reconhecimento oficial de um saber‑ ‑fazer como patrimônio, também se reconhe‑ cem os mestres de cultura responsáveis pela difusão do saber‑fazer, ou seja, aqueles que transmitem para sua comunidade como levar adiante o patrimônio. Ao ver seu vídeo en‑ sinando os passos de dança, o pajubá e até mesmo dicas de xuca, não pude deixar de pen‑ sar: MC Xuxu é uma Mestre de Cultura não só Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) do funk, mas da comunidade LGBT como um você gostaria de expor em um museu? todo! O que pensa disso? Anopassadonossacidadeperdeuumaarista Nossa,euicomuitofelizemsaberquepensam maravilhosa,FernandaMuller.Elaabriumuitas assimdemim.Aindasouum“peidinho”namúsi‑ portas para nós, memórias, histórias e objetos ca,masfaçooquegosto,cantonossarealidadee quedavamvaloràhistóriadeumatravesiguer‑ tenhomuitooqueaprenderainda. reiraeamada.Umahomengemassimseriaboa para retribuir momentos em que ela meteu as Não havendo noícias, a que você acha que se caraspornós. deve a ausência da história e memória LGBT em museus? Qual memória você jamais gostaria de esquecer? Comoeujádisse,osistemaingenãonosver, AhistóriadoCazuza,achomuitoparecidacom issoajudatudoaicarmaisdiícilparanós. aminha. Como é ser trans no mundo do funk? A LEI 4124/2008, de autoria do deputado Ser trans no mundo FUNK é como ser trans Chico Alencar, aprovada em 2013 pela assem‑ cantandoqualqueroutroritmo,aspessoasain‑ bleia legislativa do RJ, reconhece o funk como daestãoseacostumandocomtravesietranse‑ patrimônio cultural do estado. Toda vez que xuaisnamídia.
27 | MEMÓRIA LGBT
A música “Deixa em Of” é imediatamente compreendida como um pedido de paz da co‑ munidade LGBT, releindo o anseio histórico que temos de viver nossas vidas longe da ho‑ mofobia. Na sua opinião, está muito distante o dia em que de fato os homofóbicos nos deixa‑ rão em paz? Eunãodeixodeacreditar;vamoslutaratéque essediachegue. Em uma resposta anterior você disse que exis‑ tem outras trans que cantam funk e outros rit‑ mos. Quem são? Onde estão? ConheçoaGarotaXdoRiodeJaneiroelacanta funk,LuluMonamourdeGoiâniacantarapeRe‑ nataPeron,samba.Conhecielasemminhacami‑ nhada,eameiotrabalhodetodas. Como você descreveria suas músicas? Eutenhomúsicasquefalamdeamor,preconceito, traiçãoeatéde“chuca”haha,icadiícilmastudo queproponhonoimdascontaséoamor!
Dicas “Um Beijo para as Travesis” htp://zip.net/byl0bX Aprenda a dançar a música #1beijo htp://zip.net/bpl0hy “Deixa em Of, assim eu vou viver em paz” htp://zip.net/bql0kd “Ah eu iz a chuca” htp://zip.net/bclZCL “Hoje sou Mc, sou travesi sou ilha de Deus” htp://zip.net/brlZ2J “Sou magrela, sou pintosa, mas não me con‑ funda com a pantera cor de rosa” htp://zip.net/bslZXs “É o bonde da Marechal quando elas chegam as recalcadas passam mal” htp://zip.net/btlZWG
Você compõe as músicas? Sim,euamoescrever,quandopintaaidéiate‑ nhoquelogopegarumpapelelápispraescrever eocelularpraguardaramelodia. Qual a inspiração para as músicas “Um Beijo”, “Deixa em Of” e “Pantera cor de rosa”?UmBei‑ jo:Euqueriaalgoquegrudassenamentedaspes‑ soas,levandoumamensagemdepazastravesis, ulimamente tenho lindo muita noicia ruim de assassinatos,maustratosetc..,daíresolvidaresse “beijo”.Deixaemofiznamesmoépocaque“Pan‑ tera cor de rosa”, eu gosto de misturar “humor” comcoisaséria,achoqueissochamaatençãodas pessoas,minhasinspiraçõesvemdoqueeuvivono dia a dia.
28 | MEMÓRIA LGBT
Renata Peron #MusaDoSamba Canta e Conta suas Memórias e Trajetórias
exposição
“...comfée muitotrabalho vocêpode chegarem qualquerlugar, eacreditando emseussonhos tudoépossível” Renata Peron
29 | MEMÓRIA LGBT
Ela é uma arista transexual com uma das melhores vozes do Brasil. Em 2011 consagrou‑se com o DVD Peron Conta e Canta Noel Rosa. Recentemente lançou seu novo trabalho Eu sou Guerreira
Renata Peron nasceu a parir daideiadeRenataserreconhe‑ cida como uma mulher transe‑ xual arista. Ela canta e inter‑ pretadesdeosdezesseteanose tornou‑seaprimeiratransacan‑ tarMPBeSamba.NasceunaPa‑ raiba,masviveuemJuazeiro,na Bahia, até os vinte e sete anos. Hoje, residindo em São Paulo, RenatajácontacomcincoCD’se umDVD,todosindependentes.
Trabalhos de Renata Peron: CD – Uma Viagem Pela Música (2008) CD – Renata Peron Salada Mista (2009) CD – Peron é Festa (2010) CD – Renata Peron Canta Noel Rosa (2011) DVD – Peron Canta e Conta Noel Rosa 2011 CD – Eu sou Guerreira (2013)
Renata Peron faz shows nos bares da Vieira de Carvalho, Vermont, Habias Copus, So da Pop, Princesinha da Viei‑ ra, Bar Quem, Buteco do Kae e aos domingos faz show gra‑ tuitamente na praça da Repú‑ blica como militante. Suas canções Favoritas são O Que é, o Que é? de Gonzagui‑ nha, Ser estranho, de Jessé, e Não deixe o samba morrer, de EdsonConceiçãoeAloísio,com regravaçãodeAlcione. A Motivação para a grava‑ ção do DVD Peron Canta e Conta Noel Rosa foi provar para os preconceituosos de plantão que uma trans pode fazer coisas maravilhosas se derem espaço. A música não escolhe sexo e sim talento se você tem, tem!
30 | MEMÓRIA LGBT
Roda de Memória Na sua opinião, está muito distante o dia em que de fato os homofóbicos nos deixarão em paz? Acreditoqueemumpaíslaicoénecessáriopu‑ niropreconceitodaspessoasatravésdeleisque nosproteja.Masnoslivrarmosdospreconceitos vaidemorarmuito,vejoosnegroshámaisde100 anos livres e ainda segregados.
Meu querido, somos um país sem memórias nãosónoquedizrespeitoàcomunidade LGBT, masemtodosossenidos.Vejaahistóriadopovo negro.Entãopraosnossosgovernantesahistó‑ riadacomunidadeLGBTnãoénadacomparada asoutras.Cabeanóscobrarmosmaisemaisde quemcolocamosnopoderparanosrepresentar, daiquemsabeumdia...
Na museologia, existe hoje a ideia de que os museus no Brasil estão incluindo grupos discri‑ minados. Embora já tenha nascido museus de comunidades indígenas, quilombolas ou outras periféricas, temos procurado noícias sobre os museus que se preocupam com a memória da comunidade LGBT. Você tem alguma noícia de algum museu assim? Bem ainda muito ímido temos um em são paulonaEstaçãodaRepública,jáéumcomeço, nãomesmo?
Nos museus estão representados memórias e histórias da sociedade brasileira. De que forma os museus brasileiros poderiam se aproximar da questão LGBT? Querido,tádiícil!Naverdadeasociedadegos‑ taria de esconder o que somos. Exemplos não nos faltam, tratando‑se das questões da sexua‑ lidade,nãoédeinteressedasescolas,poisesta‑ riamdebatendoosexo.Ainalninguemfazsexo sozinho! Outro fator muito preocupante, é que querem vender uma imagem do país para fora. Masoqueelesvendemnãoexisteaqui,oeste‑ rióipo ocidental. E por isso não quremmostrar nosso povo com somos, índios, negros, pardos, brancos,azuis,rosas...
A que você acha que se deve essa ausência da história e memória LGBT em museus?
Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) você gostaria de expor em um museu? MeusCDseigurinos. Qual memória você jamais gostaria de esquecer? Dequandoabriosolhosemevideseios.Para vocêpodenãosertãoimportante,masparamim élembrançamaisforte.
31 | MEMÓRIA LGBT
Você é a primeira trans cantando MPB‑Samba? emocionou. Isso sempre ocorre? Porquê? Sim, mas em outro gênero tem também a Ta‑ Sim,porqueoqueeucantoéamaispuraver‑ lentosíssima Mariana Munhóz que faz um som dade e isso toca aos corações de bons ouvin‑ pop\eletrônico. tes da musica, é como te falei anteriormente omeutalentotendeacombateropreconceito Quantos CD’s e Dvd’s você tem gravados? daspessoas,eissofalosemsoberba,éapenas QuatroCDseumDVD,todosindependentespois umfato. nonossopaísopreconceitoaindaémuitogrande. O que te moiva a cantar? Como é ser trans na MPB/samba? Mostrar para a nossa sociedade que a música Muito diícil! Mas não desisto do meu sonho não escolhe sexo e sim pessoas, e se eu tenho souumaguerreira.Osambanãodeuentradapra umdomquefoidadoporDeus,querofazê‑loda mim,mastenhomuitotalentoecalooprecon‑ melhormaneiraqueeupoder,issomemoivaa ceitodeles,quandomevemmejulgam,quando fazermaisemelhor. meouvemmeaplaudem. Como você descreveria suas músicas? Estava ontem com uma amiga e apresentei Minha musica é para quem tem bom gosto e você cantando Edit Piaf. Assim como eu ela se nãoselimitaapenasaoenlatadosnorteamerica‑
32 | MEMÓRIA LGBT
nos.Sevocêjáestaabertoaissoseráumpasso paracurirumaboamúsica.
Dicas:
Onde achamos seus CDS? Infelizmente não consigo produtora ou grava‑ doraparaquepossavendermeusshowecden‑ tãosópeloenahoradoshowoupeloface.
“Uma pessoa que nasce negra, o pai não manda embora por ela ser negra. Ela sofre os preconcei‑ tos na rua, vem para casa e tem o apoio da famí‑ lia. Porque a família não vai admiir que alguem rompa o direito daquele ser. Conosco é diferente, Pq decidiu cantar MPB/Samba? a gente, apanha na rua e se chegar em casa e apa‑ Porque sou brasileira!O mundo da música é nhou, apanha de novo! Primeiro por que é gay, muito louco. Mas a música que te pega e não segundo por ser afeminado, terceiro por que vai vocêaela,entende? virar trans.” Em diferentes entrevistas você airma que quer ser uma trans reconhecida por ser cantora e não vista como um produto sexual. Comente. Issoéumadascoisasquemaismedeixatriste. O próprio meio LGBT, que deveria ser diferente comigo, não me apoiam, não me dão espaço e poucosreconhecemmeutrabalho.OsGays,nem todoséclaro,temapéssimamaniadequererem quenós,transetravesis,tenhamosquedepen‑ derdelesenuncapermitemaocontrário.Ares‑ peitodotemaprodutosexualcomparilhoaidéia que uma trans que não viva de programa.Para mimnãoétãodiícilenfrentaratodos,eacredito quenemtodastemaforçaqueeutenhodenão quererviverdeprosituição,maisasociedadeé cruelsemprenoscolocacomosegregadaseisso eu,comomilitante,jamaisvoaceitar.
“Não existe uma empresa ou uma insituição que contrate travesis e transexuais para traba‑ lhar digninamente. Com salário digno, plano de saúde, todos os direitos que ela tem. Ainda exis‑ te uma má vontade, inclusive do nosso próprio movimento, em aceitar e assumir isso como um papel de bandeira” htp://zip.net/bjlZJs Teaser DVD Peron Canta e Conta Noel Rosa htp://zip.net/byl0dD Renata Canta Piaf htp://zip.net/bslZYf “Descaracterizar a idéia que travesi e tran‑
Conte para nós como era cantar na orla de Jua‑ sexual só trabalha voltada para as questões de zeiro na Bahia? prosituição. Eu quero que a sociedade nos veja Olhaquesaudadesmedeuagora...kkkkkk.Bem IGUAL” umacidadepequenaondematavatravesicomo semataporco,compauladanacabeça,euinha htp://zip.net/brlZ3q queserinteligenteparanãomorrer.Busqueire‑ fugionoteatro(CentrodeCulturaJoãoGilberto). Renata Peron Canta Codinome Beija Flor Entãometornei¨bobadacorte¨crieiumadrag queen chamada Persona Queem, uma persona‑ htp://zip.net/bnlZBq gemqueeupoderiaviverminhatransexualidade, dediameninoedenoitemulheraindaquelúdica Renata Peron Canta na Pça. da República – SP masmulher.
htp://zip.net/btlZXn
33 | MEMÓRIA LGBT
Marcela Ohio #MusaMiss a primeira Miss International Queen brasileir@
exposição
“ParabénsaTod@sda Revistapelaqualidade doqueéapresentadoe peloregistroeresgate danossamemória, desejovidalonga aestaimportante ferramentacultural LGBTeagradeçoa oportunidadeeo espaço”
34 | MEMÓRIA LGBT
Com apenas dezoito anos, Marcela Ohio venceu o concurso Miss Internaional Queen 2013, o maior concurso de beleza trans do mundo.
Marcelo Ohio,aTransexualmaisbeladomun‑ do,nasceuemGuaraçai(SP),maslogofoimorar em Andradina (SP), onde cresceu e iniciou sua carreirademodeloapósserconvidadaparaum desile.Destepontoemdiante,nuncamaispa‑ rou.Primeirovieramasfotos,depoiseditoriaise capasderevistas.Posteriormentefoigarotapro‑
pagandadeumamarcadecosméicoserecebeu convite para trabalhar em São Paulo. Em 2012 paricipoudoMiss T Brasilefoicoroadacomoa maisbelatransexualbrasileira.Noanoseguinte desbancaoutrasvinteeumabelascandidatase seconsagra como amaisbelatransdomundo no Miss Internaional Queen‑2013.
#Curiosidade O seus principais parceiros de trabalho são Felipe Avilla, seu namorado, e sua coordenado‑ ra, Majorie Marqui.
#Curiosidade Marcela Ohio tem apenas 18 anos e é a pri‑ meira miss t Brasil 2012 e a primeira brasi‑ leira Miss Internacional Queen 2013 .
#Curiosidade O concurso Miss Internacional Queen ocorre anualmente na ci‑ dade de Pattaya, na Tailândia, desde 2004. Tem como objeti‑ vo promover os direitos tran‑ sexuais entre a comunidade internacional. Em sua déci‑ ma edição, o concurso contou com vinte e cinco participantes de dezessete países.
#Curiosidade O Brasil estava sendo representado por duas modelos Marcela Ohio e Roberta Holanda.
35 | MEMÓRIA LGBT
Roda de Memória Na sua opinião, esta muito distante o dia em que de fato os homofóbicos nos deixarão em paz? Infelizmenteacreditoqueaindaháumcami‑ nhodistanteatéofimdahomofobia,poisfato‑ resculturaissósãomodificadosemlongopra‑ zo, se observarmos a violência contra mulher que mesmo com legislação específica ainda ocorre em larga escala e com frequência. Por isso acredito que ainda vai demorar um pou‑ quinhoparaficarmosemPaz,masficofelizem saberquenoBrasilexistaummovimentoLGBT tãoatuanteecomprometidoquevemajudan‑ doamodificarestequadro.Eusóvouestarem Paz no dia em que minhas irmãs Travestis e Transexuaisnãoforemviolentadaseassassina‑ dascotidianamente. Na museologia, existe hoje a ideia de que os museus no Brasil estão incluindo grupos discri‑ minados. Embora já tenha nascido museus de comunidades indígenas, quilombolas ou outras periféricas, temos procurado noícias sobre os museus que se preocupam com a memória da comunidade LGBT. Você tem alguma noícia de algum museu assim? Na verdade não tenho conhecimento de ne‑ nhum,emboraacreditequesejadesumaimpor‑ tânciaresgatarahistóriaeosmarcosdanossaco‑ munidade.EmvisitaaoRJouviemumareunião noProgramaRiosemHomofobiaqueelesinham a ideia de criar um lá. Na Astra Rio (associação responsávelpeloconcursoquemerevelou)tem um CEDOC bem grande com vários momentos históricos das Trans do Brasil em diferentes dé‑ cadas.OpróprioMissTBrasiléareediçãodeum projetoquecomeçouem1974.
Infelizmente a ausência de representação da imagemdesigniicaivapartedopovobrasileiro, principalmentedaspopulaçõesmaisvulneráveis ainda é um grave problema, na questão LGBT acredito que a criação de um Museu especíico natemáicapossaserumprimeiropasso. Qual (Quais) memória(s), história(s) e objeto(s) você gostaria de expor em um museu? AchoomomentoemquefuicoroadaMissIn‑ ternaionalQueen2013,poisnaquelemomento eu carregava no coração a responsabilidade de proporcionaraminhacomunidadeummomento emquenossaimagemfossevalorizadaerespei‑ tada dentro da nossa idenidade de gênero. Foi mágicoeextremamenteemocionantepoderver atorcidadetantasTransBrasileirasemdiversas partesdomundoedepoisobservarosenimento deresgatedaautoesimacoleivanacomunida‑ deaocomemoraravitória.
#Dicas Making of Miss Internacional Queen 2013 htp://zip.net/bglZYg
A que você acha que se deve essa ausência da história e memória LGBT em museus?
36 | MEMÓRIA LGBT
“O mundo precisa de mais amor” htp://zip.net/byl0dM “Homenagem de uma fã” htp://zip.net/bklZT6 Miss T Brasil htp://zip.net/byl0dX
Dia 29 de Janeiro Visibilidade Trans Mas não esqueça que el@s estão em todososlugarese365diasporano!
“Me deram um nome e me alienaram de mim” Clarice Lispector
37 | MEMÓRIA LGBT
A Rede LGBT de Memória e Museologia Social comemorou no úlimo dia 22 de novembro um ano de ações e aividades em prol da memória da comunidade LGBT. Criada em 2013 durante o V Fórum Nacional de Museus na cidade de Petrópolis‑RJ, a iniciaiva tem como objeivo de mapear, ideniicar, registrar, salvaguardar, fomentar, promover, comunicar a memória e a história da comunidade LGBT.
CARTADEFUNDAÇÃODAREDELGBTDEMEMÓRIAEMUSEOLOGIASOCIAL A Rede LGBT de Memória e Museologia Social nasce no 5º Fórum Nacional de Museus em Petrópolis–RiodeJaneiro,22denovembrode2012,embuscadereconhecimentoedasalva‑ guardadamemóriaelutadacomunidadeLGBT. Comrepresentaçõesregionaiseestaduais,ocoleivoreportaaopontodememóriaLGBTcomo centralnacional.Aredepossuicomointuitoageraçãodepolíicas,programas,encontros,espaço nofórumnacionaldemuseuseinclusãodatemáicaepráicasLGBTnosmuseusbrasileiros. NósdaRedeNacionalLGBTdeMuseologiaSocialestamosembuscade: 1.UmprogramaespecíicodentrodoIBRAMenfaizandoaspolíicaspúblicasvoltadasparaas açõesmuseológicasdegênero–políicasdeesímulo–comoeditais/premiações; 2.Espaços,principalmentenosmuseustradicionais,paraaexploraraçãodeacervosjáexistentes nosmuseusbrasileiros,propondoumtrabalhovoltadoparaaperspecivadegênero; 3.ProblemaizaçãonointeriordosmuseusaparirdaperspecivaLGBT,tendoemvistaque,em suamaiorparte,osmuseustrabalhamaquestãodegêneropelopontodaheteronormaividade; 4.Queospontosdememória,pontosdecultura,insituiçõesculturais,museuscomunitários, ecomuseusemuseustradicionaisseariculem,aomenosumasemanaaoano,paradivulgare enfaizaromovimentoLGBTeasquestõesdegêneronasinsituiçõesbrasileiras. Junte‑seanós!
38 | MEMÓRIA LGBT
AdrianoPaulinodeAlmeida ArnaldoSilvaSantanaJr. AnaLuizaOliveira ClaudiaFeijó Dino Alves GeanineEscobar GirleneChagasBurlhões IsabelaMarques JanaínaMiranda JeanBapista MarceloCunha MariaAbadiaT.Jesus MariaCarolinaSá NadielePires RicardoAyres SoniaMariadeAguiar TiagoKallado TonyBoita VitorUrresi VivianeRodrigues WellingtonPedrodaSilva
Principais Ações: Boleim da Rede LGBT de Memória e Museologia Social – Com duas edições indepen‑ dentes,passouacomporaRe‑ vista Memória LGBT desde sua primeiraedição. Semana do Babado – Reali‑ zada em Parceria com o Mu‑ seudasBandeirasnaCidadede Goiás–Goiás. Paricipação em Eventos–Par‑ icipação no Encontro Nacional dos Estudantes de Museolo‑
gia,nacidadedeCachoeira,BA; Paricipação do III MusCon – Museologia e Contemporea‑ nidade realizado em Recife; Paricipação II Fesival Anual de Múliplas Sexualidades da UFRB,emCachoeira,BA. Blog e Redes Sociais – Cria‑ ção do Blog (redeLGBTmemo(‑ riamuseologia.blogspot.com.br) e da fanpage com mais de 300 curidas (www.facebook.com/ groups/redeLGBTmemoria)
39 | MEMÓRIA LGBT
Esimulo para a criação de re‑ des LGBT’s estaduais de memó‑ ria e museologia social – Para 2014 a proposta é esimular a criaçãoderedesLGBT’semto‑ dos os estados do Brasil. Entre emcontatoconosco. Criação de uma equipe na‑ cional de trabalho:Comrepre‑ sentação de todas as regiões doBrasil.HojeaRedeLGBTde Memória e Museologia Social possui52membros.
Das luzes do Lampião da esquina – Nossas memórias e histórias Prof.Ms.AlmerindoCardosoSimõesJunior[1]
O período do im da ditadura no Brasil marca uma época muito paricular de nossa história. Alémdaaberturapolíica,apresenta‑seapossibi‑ lidadedenovosdiscursos,emespecialdegrupos consideradosminoritáriosoumarginais.Buscan‑ do maior visibilidade, vários destes grupos ve‑ riamnamídiaummeiodepropagarsuasideiase
dica de leitura
apresentarnovasposturasidenitárias,diferentes daquelas forjadas pela ideologia dominante de então.Aefervescênciapolíicaesocialdaépoca propiciavaomomentoexatoparao(re)surgimen‑ todesenidosevozesconsideradosesquecidos, discursosescondidosqueclamavamporemergir. Váriosperiódicosaparecemnesseperíodocomo forma de resistência ao regime militar e como instrumentocapazdeconferirvisibilidadeàscha‑ madasminorias.Vinculadoàesquerda,esteipo dejornal,muitasvezesdeiragemirregularepro‑ duçãoquaseartesanal,inseriaemseudiscursoas vozesdegruposidoscomominoritáriosoumar‑ ginais.Aparirdosanos60,emespecial,surgem osjornaisvoltadosparaacomunidadehomosse‑ xual,paricularmenteamasculina. Eminsde1977,umgrupodejornalistas,inte‑ lectuaisearistassereúnenacasadopintorDarcy PenteadoemSãoPaulo.Opontoembrionáriodes‑ seencontroteriasidoaentrevistaqueJoãoAntô‑ nioMascarenhas,naépocacolunistadoPasquim, havia feito com Winston Leyland, editor do Gay Sunshine,publicaçãoamericanadirigidaahomos‑ sexuais.NãosóMascarenhascomooutrosjorna‑ listas icam tão empolgados que decidem lançar uma publicação que relacionasse o homossexual eseucontextosocial,quediscuisseosmaisdiver‑ sostemasefossevendidonasbancasdetodoo país.SurgeassimOlampiãodaesquina,primeiro jornalhomossexualdecirculaçãonacional. Ojornalfoiumdosmaioresíconesdomovimento homossexualdoimdaditaduranoBrasil.Vendido
40 | MEMÓRIA LGBT
nasbancasde1978a1981,suas37ediçõesderam vezevozainúmeraspessoasqueescreviammen‑ salmenteaseuseditores.Releirsobresuascartas écontemplarnãosóummovimentoderesistência contra a ditadura militar, mas também o proces‑ sodeairmaçãohomossexual,acompanhandoas múliplasconstruçõesidenitáriaspelasquaiseste grupopassounesteperíodo,cujasconsequências nosafetamaindahoje.Oreconhecimentodojor‑ nal enquanto lugar de memória e construtor de idenidades LGBT legiimou o lampião da esqui‑ nanaqualidadedeprodutordeumdiscursoque deveriaseranalisadocomorepresentaivodoho‑ mossexualbrasileironoperíododetransiçãoentre asdécadasde70e80doséculoXX. Assumir e orgulhar‑se de sua homossexuali‑ dade,sairdosguetos,transitarcomoqualquer outro cidadão, ter livre arbítrio para escolher lugaresdelazere,acimadetudo,exprimirsua sexualidadesãotemasconstantesemLampião. Aanálisedascartasdosleitores,constituintes da seção cartas na mesa, evidencia três mo‑ mentos bem nítidos na trajetória do jornal: 1978 apresenta um discurso positivo de afir‑ maçãodeidentidades.Em1979,oorgulhode serhomossexualéassociadoaoideáriodeser este também um cidadão político. As cartas doanode1980privilegiamdiscursosligadosa
movimentosdeconscientizaçãohomossexuale ao surgimento dos primeiros grupos organiza‑ dos.OúltimonúmerodeLampiãosaiemjulho de 1981. Divergências ideológicas entre seus editores,alémdeaumentodoscustosdepro‑ dução,quedanasvendaseasprópriasmudan‑ çaspolíticas doBrasil fazemcomqueojornal paredecircular,deixandoumespaçoatéhoje nãopreenchidopornenhumaoutrapublicação veiculadaparaopúblicoLGBT.
[1]GraduadoemLetrasPortuguês/Inglês.Pós– GraduadoemLinguísicaTextual(UFRJ)eGênero eSexualidade(UERJ).MestreemMemóriaSocial (UNIRIO).ÉprofessordaSEEDUC‑RJedoIPETEC/ UCP.Éautorde“...Ehaviaumlampiãonaesqui‑ na”–Memórias,idenidadesediscursoshomos‑ sexuaisnoBrasildoimdaditadura(1978‑1980), publicadopelaMulifoco,alémdearigospubli‑ cadosemperiódicoselivros. Contato:
[email protected] 41 | MEMÓRIA LGBT
Homofobia agora é crime em Pernambuco Atualmente o Brasil possui 13 estados que já criminalizam a homofobia, mas foi Pernambuco o primeiro a ideniicar em seus boleins de ocorrência policial manifestações e agressões homofóbicas.
Foi publicada no Diário Ofi‑ cialdoEstadodePernambuco de 27 de novembro o Decre‑ to nº 39.542, de 25 de junho 2013, que regulamenta a Lei nº 12.876, de 15 de setem‑ brode2005,dispondosobrea violênciacontrahomossexuais em Pernambuco. A partir de então, casos de violências e discriminações contra Lésbi‑ cas,Gays,Bissexuais,Travestis e Transexuais
–LGBT,especialmenteasmo‑ tivadas por homofobia, serão consideradoscrime. A portaria foi assinada de forma conjunta entre a Se‑ cretaria de Desenvolvimen‑ to Social e Direitos Humanos (SEDSDH), Secretaria de De‑ fesa Social (SDS) e Secretaria de Assessoria do Governador. Com a derrubada do Projeto de Lei Complemen‑ tar (PLC) – 122 que ti‑
42 | MEMÓRIA LGBT
pificaria o crime de homofo‑ bia, a ação pernambucana é exemplarepioneira. "Fico feliz ao ver efeivada maisumainiciaivadoGoverno doEstadoquevisaorespeitoà vida, à pluralidade e à diversi‑ dade,mostrandoqueépossível combaterqualqueripodepre‑ conceitoegaranirasegurança de todos os pernambucanos”, ressaltou a Secretária de De‑ senvolvimentoSocialeDireitos Humanos,LauraGomes.
Fonte:IBGE
43 | MEMÓRIA LGBT
Tal resolução surge devido a necessidade de disciplinar, conjuntamente, o conceito de homofobia a ser aplicado na sistemaização e mensuração de dados oiciais de crimes ou violações de direitos da popu‑ lação LGBT. Afora a constante situação de vulnerabilidade vi‑ venciadapelosegmento. Aindadeacordocomasecre‑ táriaLauraGomes,orespeitoas diferençaséumdospilarespara areduçãodaviolência. “Esseéumcompromissode vida que tenho, compromis‑ so não só como agente públi‑ ca, mas principalmente como uma cidadã que acredita na igualdadeeentendequeavio‑ lência só se reduz quando se
respeita as diferenças", com‑ pletou. Ficoudefinidonoâmbitodas políticas públicas estaduais destas Secretarias, a homo‑ fobia como violência pratica‑ da em virtude da orientação afetivo‑sexuale/ouidentidade degênerodapopulaçãoLGBT. Pode ser direta, causada pelo ódio, ou indireta, quando há contexto favorável ao seu co‑ metimentoouimpunidade. Para o Centro Estadual de CombateàHomofobia–CECH, programavinculadoàSecreta‑ ria Executiva de Justiça e Di‑ reitos Humanos – SEJUDH / SEDSDH, responsável pela co‑ letadedadosereflexõesacer‑ cadosnúmerosdehomicídios
motivada pelo preconceito e discriminação tem características próprias que merecem atenção especial dos profissionais e gestores de segurança pública ”
Fonte: htp://www.pe.gov.br/
44 | MEMÓRIA LGBT
WebSérie Positivos
“ A violência contra LGBT
LGBTquesubsidiaramaporta‑ ria assinada, essa nova medi‑ dairácontribuirparaumame‑ lhorcompreensãodosagentes públicosdesegurançaparaos casos de violência contra ho‑ moxessuais. “A violência contra LGBT mo‑ ivada pelo preconceito e dis‑ criminação tem caracterísicas próprias que merecem aten‑ ção especial dos proissionais e gestores de segurança públi‑ ca”, airmou o coordenador do CECH,RhemoGuedes. Rhemo disse ainda que o trabalho com profissionais da segurança pública se deu ao longode2013atravésdasSe‑ manas de Direitos Humanos, onde as atividades eram rea‑ lizadas nos batalhões da PM que representavam cada re‑ giãodoEstado. “Visitamos 12 municípios com ações in loco e indire‑ tamente outros 40, o que totalizou 288 profissionais alcançados. Mata‑se por ser homossexualeaindacomre‑ quintes de crueldade. As po‑ lícias militar e civil precisam estar preparadas para previ‑ nir e reparar os casos de ho‑ mofobia em Pernambuco”, completou.
WebSérie Positivos
Fenômeno na internet, série “Posiivos” estreia segunda temporada e lança campanha de apoio social ao soroposiivo
Produzidadeformaindependenteesemrecur‑ sos, a primeira temporada da web série “Posii‑ vos”aingiumaisde800milacessosemseus10 episódioslançadosdeformagratuitanainternet, desdeseulançamentoemoutubrodoanopassa‑ do.Aproduçãoquetemcomoprincipaltemaoví‑ rusHIVeaAIDS,sepassanoRiodeJaneiroetem temáicagay.Naprimeiralevadeepisódiosmos‑ trouarelaçãodequatroamigossoroposiivosque dividiam um apartamento e as alições causadas peladoença. Devido a repercussão do público, o projeto ga‑ nhoufôlegoeestreiasuasegundatemporadanes‑ ta quinta‑feira, 16 de janeiro com o lançamento doprimeiroepisódio.Natrama,alémdemostrar comoestãoospersonagensdafaseanterior,novas históriasserãocontadasediversostemasrelacio‑ nados ao assunto abordados dentro do universo do enredo. Entreosdestaques,avidadetrêsadolescentes
queantesdos18anosseveemasvoltascomas consequênciasdeseusatosdecorrentesdaliber‑ dadesexualquesempreiveram.Aparirdoresul‑ tadododiagnósicosuashistóriasseentrelaçame seformaumtriângulosurpreendente.Asdiicul‑ dadesenfrentadasporumtravesiparafazerotra‑ tamento,arelaçãodeduasmulheresemqueuma delaséportadoradovíruseasituaçãodeummo‑ radorderuaquenãotemconhecimentodoperigo daAIDS,sãoalgunsdostemasdestatemporada, queconinuaapostandonamisturadedramaeco‑ médiaembaladoscombonitashistóriasdeamor. CAMPANHA “ADOTE UM POSITIVO” Parindodeumdosmomentosdahistória,em queospersonagensBernardo(PedroQuevedo)e Caique (Tainã Freitas) criam um projeto em prol de soroposiivos na trama, a ideia também será uilizada fora da icção. A fonte de inspiração da duplaéGuilherme(HugoCarvalho),namoradode BernadoeAlice(ManoelaDenardin),melhorami‑
45 | MEMÓRIA LGBT
gadeCaiqueequesecontaminouvíimadeum estupro. Os dois resolvem criar uma rede social implícita incenivando as pessoas a “adotarem” um soroposiivo para cuidar, no senido de zelar peloseubem‑estarequebraropreconceitoque aspessoastemcomoassunto. PRODUÇÃO Sempatrocínio,asegundapartedasériefoiim‑ pulsionadapelacriaçãodoNeoCanal,umaemisso‑ ravirtualcriadaporDanielSena(RoteiristaeDire‑ tor)eVictorGrimoni,quereúneváriasprodutoras queapostamnosegmentoindependente,dando suporteeapoiocomequipamentosetécnica.Em breve,opúblicoteráacessoaumportalqueexibi‑ ráumaprogramaçãodiáriacomsériesproduzidas “Posiivos – Segunda Temporada” conta com comesteformato.Outrosdoisprodutosvoltados paraopúblicoLGBTjáestãoencaminhados:“OAr‑ umatrilhasonoraformadaporcançõesdearis‑ márioGêmeo”e“RG–ARevolução”quedevem tas independentes e terá exibição semanal com previsão de 14 episódios sempre nas noites de serrodadasemFlorianópoliseSãoPaulo. quinta‑feira. Paramaisinformaçõesésóacessarositeoicial: www.serieposiivos.com Emanexoseguealgumasfotoseumlinkcomví‑ deocomclipedecenasdasegundatemporada. Clipedivulgaçãodasegundatemporada: htp://www.youtube.com/watch?v=Yel‑f3YePkA PaginadoFacebook: htps://www.facebook.com/serieposiivos Estudantes de cinema também fazem parte da equipe deformavoluntaria,encabeçada pelo di‑ retordefotograiaMateusCabral.Osatorestam‑ bém não recebem remuneração e as gravações são feitas em apartamentos cedido por pessoas queacreditamnoprojeto.
46 | MEMÓRIA LGBT
Matemáico britânico se tornou herói da Segunda Guerra ao decifrar Código Enigma dos nazistas. Condenado por “indecência” na década de 1950, ele foi agora perdoado pela rainha.
Na contramão da aparente onda internacional de retro‑ cesso na tolerância à homos‑ sexualidade, o governo do Reino Unido anunciou uma medida de peso simbólico: o matemático e criptoanalista Alan Turing (1912‑1954) rece‑ beu postumamente o perdão darainhaElizabeth2a, 61 anos após ter sido condenado por “indecência”. O cientista nascido em Lon‑ dres conta entre os heróis da Segunda Guerra Mundial por ter decifrado o Código Enig‑
ma,utilizadopelos nazistas em suas comunicações.Em declaração publi‑ cada nesta terça‑ ‑feira (24/12), o ministro britânico da Justiça, Chris Grayling, informou que o decreto real tem efeito imedia‑ to. Ele acrescentou que o perdão é um tributoa“umhomem excepcional, com uma mentebrilhante”.
47 | MEMÓRIA LGBT
Fonte:www.opovo.com.br
Perdão a cientista homossexual Alan Turing vem com seis décadas de atraso
Museu da Diversidade abre exposição Moda & Diversidade Promovida pela Secretaria de Estado da Cultura, com apoio da São Paulo Fashion Week, mostra uiliza editoriais de moda para exibir diversidade sexual e étnica
48 | MEMÓRIA LGBT
acontece
O Museu da Diversidade, equipamento da Secretaria de Estado da Cultura, transformou editoriaisdemodadarevistaffwMAG!naex‑ posiçãoinéditaModa&Diversidade,emcartaz a partir do dia 29 de novembro (sexta‑feira). Maisde34imagenssimbolizamquestõesetni‑ corraciaiseadiversidadesexualemumaunião entre moda e arte, que ficará aberta à popu‑ lação no Museu da Diversidade, no mezanino da estação República do Metrô. A entrada é gratuita. SobacuradoriadePauloBorges,umdoscria‑ dores da São Paulo Fashion Week, Moda & Di‑ versidadeexploratemasuniversaiscomooamor, representadopelasrelaçõesentrecasais–hete‑ rossexuais e homossexuais –, e a transexualida‑ de, retratada pela modelo internacional Lea T, ilha do ex‑jogador de futebol Toninho Cerezo. Nesteúlimo,asimagenscelebramainclusãode transexuaisnomundodamoda,abrindoaspos‑ sibilidadesparaosegmento. Atemáticaetnicorracialtambéméabordada com destaque na exposição, através das foto‑ grafias de um editorial nomeado “Liberdade”. Nele, modelos negros e negras, indígenas e orientais exibem a diversidade estética dos brasileiros, ressaltando a beleza de diferentes povoseetnias.
SERVIÇO: MuseudaDiversidade Exposição:Moda&Diversidade Quando:de29denovembrode2013a abrilde2014 Onde:EstaçãoRepúblicadoMetrô–Piso Mezanino,loja518 Funcionamento:deterçaadomingo, das10hàs20h Maisinformaçõesàimprensa: SecretariadeEstadodaCultura NatáliaInzinna–
[email protected] (11)2627‑8162
Sobre o Museu da Diversidade O Centro de Cultura, Memória e Estudos da Diversidade Sexual, conhecido como Museu da Diversidade, foi inaugurado pelo Governo do Estado de São Paulo em junho de 2012. O espaçofoicriadocomoobjetivodegarantira preservaçãodopatrimônioculturaldacomuni‑ dadeLGBTbrasileira,pormeiodacoleta,orga‑ nizaçãoedivulgaçãodereferênciasmateriaise imateriais ligadas aomovimento.OMuseu da DiversidadeémantidopelaSecretariadeEsta‑ dodaCultura,pormeiodaAssessoriadeCultu‑ raparaGêneroseEtnias.
49 | MEMÓRIA LGBT
Fiqueligadona Revista
Memória LGBT
acesse:
www.memorialgbt.com Curta no Facebook www.facebook.com/revistamemorialgbt Curta no Twiter www.twiter/memorialgbt Curta no Google +: htp://zip.net/bwl72N E‑mail
[email protected]
50 | MEMÓRIA LGBT
RodrigoAzócar As seguintes linhas reletem o resultado dealgumasanotações dotrabalhodecampodesenvol‑ vido na cidade chilena de Val‑ paraíso, realizado nos meses de julhoadezembrode2012,ede janeiroamaiode2013.Foiuma experiênciaetnográicaqueper‑ miiu gerar um diálogo entre os dados e a teoria (GUBER; 2005) em um processo de contraste e
dinâmica interacional. O obje‑ ivo geral da pesquisa é coletar elementos empíricos que deem contadacompreensãodossigni‑ icados que ortogam os sujeitos na boate Pagano em relação a construção dos espaços de visi‑ bilidadegayemValparaíso,Chile. AdiscotecaPaganoéumesta‑ belecimento icónico na cidade, localizada no bairro Puerto. Foi
51 | MEMÓRIA LGBT
parte de um processo de valori‑ zaçãoeapropriaçãodeumazona comcaracterísicasdeespoliação urbana(KOWARICK;2009)daci‑ dade por parte de grupos que, segundo a Becker (2008), pode‑ ríamosdenominarOutsiderspor seusatributosdeexclusãosocial, como por exemplo, o quesio‑ namento a sua vesimenta, sua orientaçãosexual,entreoutros.
Internacional
Algumas notas etnogáficas sobre o mercado e visibilização gay em Valparaíso – Chile
Osurgimentodeespaçosdediversãoorientados apessoaslésbicas,gays,bissexuais,transexuaise intersexuais (LGBTI) na cidade de Valparaíso faz partedeumprocessomaiorcomcaracterísicas de abertura, vinculado aos acontecimentos so‑ cioculturaisvividosnoChilenosúlimosquaren‑ taanos.ComoexplicaCamiloBraz(2012),estes espaçosdepromoçãodeumadiversidadesexual permiteocontatocomcertosestereóiposden‑ trodaculturagay. Camilo Braz dialoga com os mais importantes autoresbrasileirossobreatemáicagay,emseu textoÁmeialuz…umaetnograiaemclubesde sexomasculinos.Fazendoumarelexãopormeio deumainvesigaçãoalongoprazo,emclubesda cidadedeSãoPaulo,comoqualenfrentadiver‑ sas concepções de masculinidade dentro deste contexto.Ondeexisteumaespaçodealternação entre homens. É muito interessante a relexão quetomaNéstorPerlongheraoreferir‑seanoção de Gueto Gay uilizada no Brasil e a concepção queEduardoMagnaniuiliza,deManchasouCir‑ cuitos,pararelataraaglomeraçãodecomércios queatendeaumpúblicogay.Estaideiarepresen‑ taclaramenteoqueacontecenobairroPuertode Valparaíso,tambémconhecidocomobairroChi‑ no,devidoaoseucaráterdeserperigoso,porser excluídoesegregadodorestodacidade,masque temmudadovagorosamente,setornandoumlu‑ gardediversão,desinadoprincipalmenteaum público composto pelos excluídos. É assim que a discoteca Pagano, desde o ano 2000, passou promover uma abertura ao mercado, e voltado suaatençãoaumpúblicoalternaivo,composto porpessoas(LGBTI)comotambémparaaqueles
gruposurbanosdeixadosàmargem,comoPunks, Góicos,entreoutros. O recorte espaço‑temporal da pesquisa tem comocentroobairroPorto,espaçofundamen‑ taldacidadeepróximoasinstaçõesportuárias foi adiquirindo fama de bairro de lazer, entre‑ tenimento, diversidade e tolerância. Mesmas caracterísicas de hoje da espaço a lugares de diversão para a comunidade mais diversiicada da cidade, espaço de habitação para jovens e familias de proissionais das casas de reabilita‑ ção e de convervação patrimonial, impulsiona‑ do principalmente pela caracterísica de Patri‑ mônio Cultural da Humanidade, com o qual a UNESCO reconhece Valparaíso desde o ano de 2003equeconservaatéhoje. OséculoXXmarcouopontodedecadenciada cidade.Ascriseseconómicas,astrocasdepro‑ dução,aimigraçãodepessoasqueliberaramo empreendimentodacidadeeainauguraçãodo CanaldoPanamácomonovarotadeentreoPa‑ cíico e o Atlânico, izeram sucumbir a cidade
52 | MEMÓRIA LGBT
a um abismo de dacadência, pobreza e esquecimento. São precisamente estes adjeivos que hoje dão um valor patri‑ monial incalculavél a cidade, e que se representa e em sua arquitetura, seus costumes e históriasocial. Hoje a cidade vive um pro‑ cesso de revitalização de seu patrimonio, releida em polí‑ icasquebuscampreservaros vesigíos desse pasado, como tambémempotencializaraci‑ dade como um polo turísico (um conjunto como o de Viña del Mar, la cidade conhecida como capital turísica do país) ecultural. Exploraropotencialcultural dacidade,foiobjetivoprimor‑ dialdasúltimaspolíticasurba‑ nas,habitacionaiseturísticas. Hoje a cidade e sede do Con‑ selho Nacional da Cultural e das Artes e centro de expres‑ são de diversas manifesta‑ ções imateriais que resgatam as tradições da cidade, com novas expressoes de são im‑ pressas num caratér artístico ecultural. Hágrandepresençadejovens estudantes (existem mais de noventa
Universidades de Centros de Educação Superior), com aiva eamplaofertadelazer,suapai‑ sagemurbanacaracterizauma cidade que valoriza sua carac‑ terísica de diversidade. Estas caracterísicas sócio‑históricas tem permiido que a cidade acolhaosmaisdiversosgrupos sociais, comparilhando espa‑ ços e traços da ciudades, os mesmoquesãoposteriormen‑ teideniicadospelospróprios habitantes. Um destes espaços, o Bairro Porto.Históricocentrodelazer edediversãonoturna,lugarde encontró para marinheiros de todo mundo, mercantes que atracam no porto cercado dos mais diversos grupos under‑ groundpresentesnasociedade, commaioroumenorvisibilida‑ denocenárioformal. Precisamente em seus pros‑ íbulos, em seus bares, e seus hotéis, em companhia de de‑ liquentes, ladrões, prositutas ondesevemforjandoaideni‑ dadedolugarcomoespaçode tolerânciaediversidade. Neste bairro ica a Discote‑ ca Pagano, que está há duas décadas como espaço para aqueles “alter‑ naivos” que não i‑ nham lugar na
53 | MEMÓRIA LGBT
oferta paricular e tradicional em outras zonas da cidade. Um espaço de reuniao prote‑ gida dos olhares acusadores, repressores e quesionadores, que com o pasar dos anos foi adiquirindoostatusde“lenda urbana”pelashistóricasquese tem em torno de suas perfor‑ mances rotulantes encarnadas pelas chamaivas mulheres de grandessapatos,trajesmuico‑ loridosevistosasplumas. Pagano foi se converten‑ do no centro de lazer gay da zona, ainda se contar com outros espaços de diversao tipificaods para este público específico, eles foram per‑ diendo protagonismo dian‑ te da reunião dos diferentes grupossociaisemumpeque‑ no e escuro logal da esquina deruasClaveyBlanco. Eis aquí onde há um olhar antropológico que se desen‑ volve essecial no resgate des‑ tas histórias que vão configu‑ rando consigo um acervo de granderelevanciaparaconfor‑ macãodeumaidentidadegay localenacional.Nesteespaço deaberturaetoleranciaonde existem historias das pessoas e das comunidades do entor‑ noeadiversidade,integração erespeito,comotambémexis‑ teahomofobia,afaltaderes‑ peitoeoódio. O contexto do surgimento da discoteca Pagano no Bair‑ ro Puerto de Valparaíso deve seranalisadoemconjuntoaos acontecimentos que antece‑
MEMÓRIA LGBT | 53
deram, permiindo descrever o Chile como um país conser‑ vador e altamente homo fóbi‑ co. Segundo a Oscar Contardo (2011) o retorno a democra‑ cia é o momento que o país começa uma lenta caminhada deaberturaaostemassexuais (ROBLES; 2008), obrigando a sociedadeareconhecerepro‑ mover pequenos espaços de visibilização de pessoas, cata‑ logadascomodiversas: No Chile, as idéias tradicio‑ nalmente associadas com a homossexualidade não foram refutados publicamente e de formaconsistente,masaparir dos anos noventa. Até então, era parte do senso comum di‑ zer que os homossexuais são perturbados mentais, mesmo emcírculosacadêmicos. (CONTARDO,2011.p.23.Tra‑ duçãolibre.)
Justamente na manifestação deste dilema que se manifes‑ ta a importância do mercado como facilitador de um pro‑ cesso de visibilização em uma sociedade marcada por este‑ reóipos com pessoas (LGBTI) efazpartedeumdiálogoque permeiaotemaarespeitodas convenções de género (BRAZ, 2012),colocandoemtensãoas possibilidadesdeintegraçãona sociedadechilena. O surgimento do mercado paragaysnacidadedeValpa‑ raiso,deacordocomocontex‑ to histórico e social, permitiu dar espaços de visibilidade para um grupo historicamen‑ te excluído e invisívei. Esse mercado está dividido entre as respostas às necessidades de sociabilidade gay eo cons‑ tante questionamento sobre a possível construção de gue‑ tos (FRANÇA, SIMÕES; 2005), a formação de um circuito ou mancha (MAGNANI, 2008) onde é preciso considerar as questõesdepoder,estilo,con‑ sumoemarcadoressociaisda diferença, especialmente da classe. Referencias. BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do des‑ vio.RiodeJaneiro:Zahar,2008. BRAZ, Camilo. À meia luz... uma etnograia em clubes de sexo masculinos. Goiânia: Edi‑ toraUFG,2012. CONTARDO, Oscar. Raro. Una
54 | MEMÓRIA LGBT
historia gay de Chile. Saniago: Planeta,2011. FRANÇA,IsadoraLins;SIMÕES, Júlio.Doguetoaomercado.In: GREEN, James; TRINDADE, Ro‑ naldo(Org.).Homossexualismo emSãoPauloeoutrosescritos. SãoPaulo:Ed.Unesp,2006. GUBER,Rosana.Elsalvajeme‑ tropolitano.Reconstruccióndel conocimiento social en el tra‑ bajodecampo.1areimpresión. BuenosAires:Paidós,2005. KOWARICK,Lúcio.Escritosur‑ banos.SãoPaulo:Ediciones34, 2000. MAGNANI, José Guilherme Cantor.Quandoocampoéaci‑ dade: fazendo antropologia na metrópole. In: MAGNANI, José Guilherme Cantor; TORRES, Li‑ lian de Lucca. Na metrópole: textos de antropologia urbana. SãoPaulo:Edusp/Fapesp,2008. ROBLES,VíctorHugo.Bandera hueca.Historiadelmovimiento homosexualenChile.Saniago: EditorialARCIS,2008
O ser ou não ser da Transexualidade Uma análise do contéudo em bloggers de transexuais Introdução O que é ser transexual ? Ser da existência, da idenididade, da predicação do veritaivo. O su‑ jeito transexual é aquele que existe, que é. Ao pensaratransexualidadedevemosreleirsobre o ser. Transexuais vivem “seu ser” sendo cons‑ tanstementequesionadosecolocadosempau‑ ta,suasverdadessempreconfrontadasporiltros sociais.Assimadvémoconlitovivênciadopores‑ tes:deve‑sedeixardeserparaaceitaçãooudeve abraçarsuaessênciaesóser? O preconceito contra transgêneros é uma rea‑ lidade no Brasil, sendo visível em vários contex‑ tos. O indivíduo trans. é víima de discriminação porpartedosheterossexuaisassimcomodosho‑ mossexuais.Sãotratadoscomoseresdesprezíveis e como transgressores das normas, o que acaba sendocontraditórioemumpaísondeocorpotra‑ vesidoécultuadonocarnavaleemdiversoseven‑ tos, passando a falsa ideia de aceitação, que, na práica,nãoexiste,eopreconceitoaindaégrande (PROCHNO,NASCIMENTOeROMERA,2009). Pormeiodestanecessidadefoirealizadaestapes‑ quisacomaintençãodeesclarecerconceitoseve‑ riicaraautoimagemdetransexuais.Assimaparir de relatos em blogs on line na internet, testemu‑ nhosedadosforamextraídasaimdeexempliicare levantarmaterialquemostrassemarealidadeatual destes, os bloggers foram escolhidos por ser este umespaçolivreparacirculaçãodeinformações,vis‑ toporalgunscomosuporteparaumdiáriopessoal. Neste trabalho, será analisado o fenômeno transexualsobaóicadeFernandoLuizCardoso
(2005), ou seja, a parir do fenômeno cultural. Deve‑semanteresteenfoqueporque,atualmen‑ te, não existe solidez nas categorias epistemo‑ lógicasdedeiniçãoedescriçãodegêneros,por exisiremdiversasabordagensmulidisciplinares queimpossibilitamumconceitorígidoefechado. BereniceBento(2006)apontaque,namoder‑ nidade,deve‑sepensaremrelaçõesdegêneroe corpo,aparirdeprocessosquepermitamuma visão histórica desituída de conteúdo políico. Por meiodateoriapelaqual ogênero não está inscritosobreocorpodeformapassiva,pode‑se analisa‑loporumavisãoheteronormaivasocial, que é condicionada pelas insituições médicas, linguísicas,domésicaseescolares,exisindopa‑ drões corpóreos e comportamentais para cada sexo,eestesseriamnarradoscomonaturais.An‑ tesdonascimento,ocorpojáestáinscritoemum conjunto de estruturas determinadas, o corpo, então,ésocialmenteconstruído.Osujeitotran‑ sexualrevela,então,umainteriorizaçãoassumida enquanto verdade que lhe provoca sofrimento, gerandoconlitosque,paraele,sãoinexplicáveis, poisogênerosigniicaráocorpo,revertendo,as‑ sim,ospilaresquesustentamanoçãodegênero. Otransexualseriaentãoum“Transgênero”,este conceito abrange um grupo diverso de pessoas quenãoseideniicam,demaneiraseemgrausdi‑ ferentes,comoscomportamentose/oupapéisso‑ ciaisdogênerodeseunascimento(JESUS,2012). ParindoaindadaideiadeCardoso(2005),épossí‑ velsepararosiposdetransgêneros,seguindode‑ inições e comportamentos adotados pelos mes‑
55 | MEMÓRIA LGBT
artigos
KarinaBorba
mos.Aidenidadedegêneropodesermasculina, femininaouambígua,sendomanifestadadetrês formasdisintas,que,emboradiicilmentepermi‑ tam uma deinição concreta e deiniiva, podem serpercebidasemfenômenosdisintos. Otransexualnãoseclassiicacomotalsomente peloatodese(trans)vesir,poiséumfenômeno relacionado à subjeividade do indivíduo, ligado aos senimentos e desejos de ser isicamente pertencente ao gênero com o qual se ideniica psicologicamente,depertenceraooutrosexo,o quepermiteumadiferenciaçãoentreostranse‑ xuaisoperadoseosnão‑operados.Estacategoria émenosfrequenteemtermosdeprevalênciado queadetranvesismo,poisnelaoindivíduoestá mais preocupado em saisfazer sua idenidade, seusprocessosdeideniicação,logo,oparceiro sexualnãoéumaprioridade.(CARDOSO,2005). Apesquisafoirealizadaem10bloggersaivos nainternet,naqualosautoresfossemdeclarada‑ mente transexuais. Os pesquisadores preenche‑ ramumroteirodeperguntasaparirdosrelatos epostagemexistentesnosbloggers,estestrechos foramuilizadosparailustrarosresultados.Todos osnomesadotadosnestetextosãoicíciospara preservaroanonimatodosparicipantes. Análise e discussão de dados O peril dos paricipantes foram, 8 mulheres trans, e 2 homens trans, variando a faixa étaria entre 19 a 42 anos, sendo cinco paricipantes maisjovensde19a23anos,ecincoparicipantes maisvelhosde34a42anos. Primeiro ponto observado foi em relação a orientaçãosexual,eoresultadofoi:8heterosse‑ xuais,1homossexual,1bissexual.Mostrandoas‑ simqueexisteumadiversidadedeorientaçãose‑ xual entre os bloggers/blogueiros, não havendo ligaçãoentreideniicaçãodegêneroeaorienta‑ çãoafeivo‑sexualdosindivíduos. Isto é esperado por Sílvério da Costa Oliveira (2001),queairmaque,nofenômenotransexual, o indivíduo pode apresentar orientação sexual hetero,homo,biouassexual.Nãosedeve,contu‑ do,submeterànormaheterossexualofenômeno 56 | MEMÓRIA LGBT
transexual,tendoemvistaasváriaspossibilidades deorientaçõessexuaisporpartedossujeitos.Ge‑ raldRamsey(1998)trazessaparicularidade,de‑ monstrandoque,nosensocomum,existeaideia deque,apósacirurgiadereadequaçãosexual,a pessoa transexual passará a se ideniicar com a orientação heterossexual, mas, embora isso seja muitocomum,nãoéregraemtodososcasos. Estavariedadepodeserexempliicadapelore‑ latodetrêsmulherestransexuaisanalisadasem seusbloggers,Verônica,PaulaeSara. “meperguntam,“comovc(SIC),podegostarde mulher,senãopodefazersexocomela?”.Eu,em minhadiminutaignorância(risos)seiqueasmulhe‑ resnãoqueremsósexo(comooshomens,quan‑ dodizem“euteamo”),massimcarinho,carícias, cuidado, toque, senimento. Contudo não sei até quepontoos“ditoscujos”podemsersubsituídos por“acessórios”eatéquepontoelessaisfazemas mulheres.Lógicoqueéinsubsituívelparaalgumas, talvezamaioria,masacreditoqueexistamasque preiramosenimentoeocuidadoà“simplessen‑ sação”(Verônica,42anos,homossexual). “Nãotenhoissodesóhomemousómulher,cada umtemsuabelezaeseutoque,homemsãomais ríspidosefortes,mulheresmaciasesuaves,seen‑ ganaquempensaquesóhomemtemfantasiase‑ xual,quandomeprosituíainhaclientesdeambos os sexos, e assim consegui despertar que eu sou umamulhertransexualquegostatantodehomem quantodemulher”(Paula,19anos,bissexual). “Nãosoubissexual,nãosoulésbica,enãotenho ódiodehomens.SouumasimplesmulherTranse‑ xual,heterossexualqueteveazarcomoshomens queconheceu”(Sara,40anos,heterossexual). Umadiferençarelevantefoiemrelaçãoàinfân‑ ciadehomensemulherestransexuais.Osrelatos das mulheres transexuais encontrados por esta pesquisa,emrelaçãoàinfânciadelas,sãosobre seuspaisbrigandoemfunçãodesuafeminilidade e incenivando comportamentos com brinque‑ dosmasculinos.Jánoshomenstransexuais,não era dada tamanha importância à masculinidade apresentada,oquesevêclaramentenosdepoi‑ mentosdePedroeCamila.
56 | MEMÓRIA LGBT
“Eupegavaumacanetaepintavaacarapradi‑ zerqueerabarba(eusonhavaqueumdiaeute‑ riabarba).Depoisensaboavaepassavaoestojo delâminadebarbeardomeupai(semalâmina, poisminhamãevia,sabiaoqueeufazia,achava boniinhoqueeugostariadesercomomeupai,e iravaalâminaantes),eeuingiaqueestavame barbeando”(Pedro,34anos,homemtrans). “Eu costumava me vesir de mulher, com as roupasdaminhamãe,quandoelanãoestavaem casa. Ela me pegou algumas vezes e disse que iria cortar meu membro fora se eu não parasse demevesirdemulher.Aiéqueeuesperavaela todososdiasvesidodemulher(risos)”(Camila, 37anos,mulhertrans). Sandra Palma Saleiro (2012) demonstra que, em pesquisas com homens trans, é comum os pais não se importarem com comportamentos masculinos e até mesmo os incenivarem, ape‑ sardissonãosemanterposteriormente,pois,na adolescência,elespassamacobrarumapostura maisfemininadeseusilhos.Mas,quandosetra‑ tademulherestrans,ospaisrepudiamocompor‑ tamentofemininodesdeainfância. Dadoencontradoerelacionadoénívelescolar emercadodetrabalho. Dentreosparicipantes,8estãoemempregosde baixarenda,informaisoudesempregados.Somen‑ teumparicipanteégraduadoeatuanaproissão dedenistaeoutroqueestacursandoagraduação. ValeressaltaraindaqueVerônica,graduadaem odontologia,seassumiuapósanosexercendoa proissão,e,mesmoassim,sevêobrigadaaado‑ tarvesimentasmasculinasparatrabalharenão perderseusclientes. “Não é simples, trabalhando a semana inteira dehomenzinhoatéasexta.Aíchegaosábadoe vc(SIC)fala“Beleza,hojeeamanhãsouaVerô‑ nica”.ÉFODAterquereprimiraVickydurantea semana,aomesmotempoqueéFODAviverase‑ mana como homenzinho socialmente aceitável. Invariavelmenteéumalutainterna,domasculi‑ no querendo prevalecer, lutando para não mor‑ rer,sendoqueofemininojádominouasituação. Sósepodeterpaciênciaeaguardar.Aguardaros
hormôniosredistribuíremagordura,alterarema estrutura cerebral, esperar o cabelo crescer, os peiinhos(rs)eetc.(SIC)”. Opreconceitorelatadoemambientesestudan‑ isseriaumadasmoivaçõesparaostransexuais abandonaremosestudosmaiscedo.Muitasve‑ zes,elesairmamqueocomportamentodepro‑ issionaiseestudantesearidicularizaçãosofrida devidoaonomecivilsãomoivosqueoslevaram aabandonarprecocementeaescola. Muitos preferem abandonar os estudos para evitar constrangimentos. Isso faz com que seja necessário que o transexual vença dois obstá‑ culos para se inserir no mercado: concluir os estudos, se qualiicando dentro do meio que o oprime,econvivercomaduplaideniicaçãoaté conseguirnajusiçaodireitoàmudançadeseus documentos(SILVA,2011). “O índice de evasão escolar entre travesis e transexuais éalíssimo. Nomomento,nãotenho dados,masnãoénemumpoucodiícildeacre‑ ditar.Sevocêforgordo,jáémoivopraseralvo depiadas,imaginemsendoumtransexual.Éuma questão bem complexa, pois não é só ‘não ir à escola’,hádiversos outrosfatosquesurgemdaí: transexuaisicamaindamaismarginalizados,pois nãotêmacessoaempregosquerequeremmaior qualiicação, muitos recorrem à prosituição, é maisdiícilalcançarumpadrãodevidadignoede‑ sejado”(Márcio,22anos,nasegundagraduação, semcompletaraanterior). Umdadopreocupanteencontradofoiarecor‑ rênciadereferênciasàviolência,sejaelaísicaou verbal;desejoseatossuicidas;eàmuilaçãodo próprioórgãogenital.Todosparicipantesairma‑ ram já ter sofrido algum ipo de vioência e em seis dos blogs analisados trazem referências a atoscontraaprópriavida. Ideiasdedesejossuicidaseaitudesextremis‑ tasestãomaispresentesnosdiscursosdostran‑ sexuais mais jovens; os mais velhos relembram casosdequandopossuíamodesejoeeramtam‑ bémmaisnovos. “Euvivoetenhovergonhadomeucorpomas‑ culino24sob24horas.Devoeachoextremamen‑
57 | MEMÓRIA LGBT
te conveniente escrever nesta ‘história de vida’, queporvoltadosmeus20anoseutenteisuicídio commedicamentosesmagados(...)eunãocon‑ seguisuicidar‑meporqueminhamãeapareceue nãodeixou‑mecometeraqueleato”(Dayane,23 anos,mulhertrans). “Com11anos,maisoumenos,pegueiumfacão quemeupaiinhaeiqueisegurandoelenaaltu‑ radospeitos,pensandoemamputá‑los.Sónão izissoporqueiqueipensandonosmeuspaisme vendonochãocomsangueespalhadopelasala” (Pedro,34anos,homemtrans).
damedicina,esim,queovejamcomoumserin‑ dividual, com sua subjeividade, e como ser so‑ cial,comdireitosedeveres.Ficaevidentecomoo preconceitoefaltadeinformaçãoaingueavida dosujeitotrans,assiménecessárioaimplemen‑ taçãocadadiamaisdepolíicaspúblicasquevi‑ sem proporcionar condições igualitárias, huma‑ nas,edequalidadedevidaaessapopulação. Seogêneroéumviraser,seufuturopassaa dependertantodosocial,clínicocomotambém daspossibilidadesdasubjeividadedosujeito,o serounãoserdotransexualmostraqueportrás deumaúnicaquestão,quedeveriaserdeiden‑ Considerações inais iicação de gênero, está na verdade uma gama Aoinaldapesquisa,foiproximoaproximarum gigantescadefatorespolíicosesociais,quepre‑ poucodaexperiênciatransexual,everiicaraim‑ cisamcomeçaraseremquesionados. portanciadeestudosvoltadosaestepúblico,ea necessidadedepolíicaspúblicas,quegarantam Bibliograia melhorescondiçõesdevida,ondepossamviver BENTO,Berenice.CorposePróteses:doslimitesdiscursivos avidasemseremvíimasdiariasdepreconceito. dodimorismo.VIISeminárioInternacionalFazendoGênero, Atualmente é muito discuido sobre a patologi‑ Florianópolis, 2006. Disponível em . CARDOSO,FelipeLuiz.Inversõesdopapeldegênero:“drag apósumdiagnósicoconirmadoporumpsiquia‑ tra,seteriaacessoaprogramasdesaúde:detrata‑ queens”, travesismo e transexualismo. Psicologia Relexão mentohormonalecirúrgicopelaRedepúblicade Criíca.PortoAlegre,v.18,n.3,pp.421‑430,Dec.2005. JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre a população Saúde.Istonoslevaapensaremvariosnovosfato‑ resparapesquisa,comooprópriodiagnósicoéum transgênero: conceitos e termos. Brasília, 2012. Disponível em: ; rotúlaumapessoaaumapatologiasemconsiderar OLIVEIRA,SilvériodaCosta.Opsicólogoclínicoeoproblema historias de vida, questões pessoais e subjeivas, datransexualidade.RevistaSEFLU.RiodeJaneiro,ano1,n.2, Sendoassimseproproepensarqueacondiçãode dez.2001.Disponívelem:. transgêneronãoéligadaanenhumaincapacidade PROCHNO,CaioCésarSousaCamargo.;NASCIMENTO,Ma‑ mental,sendoamaioriacapazdeexercerautono‑ riaJosédeCastro.;ROMERA,MariaLúciaCasilho.Bodybuil‑ miasobreseucorpoetomadadedecisões,sendo ding,travesismoefeminilidade.EstudoPsicológico.Campi‑ estesdireitosdevendoserresguardadospelapró‑ nas,v.26,n.2,pp.237‑245,jun.,2009. priasociedadequeosdiscrimina. RAMSEY, Gerald. Transexuais, perguntas e respostas. São O transexual deve ser visto como alguém que Paulo:SUMMUS,1998. passaporumaexperiênciatransexual,porqueo SALEIRO,SandraPalma.Transexualidadeeogênero:ideni‑ indivíduoémuitomaisdoquesuaidenidadede dadede(in)visibilidadesdehomensemulheres.VIICongresso gênero: transexualidade não é a pessoa. Quem PortuguêsdeSociologia.Porto,2012.Disponívelem: trabalha, serelaciona, pode sermembro deco‑ SILVA, Soia Vilela de Moraes. Transexualidade e discrimi‑ munidadesreligiosase/ousociais,comotodoser naçãonomercadodetrabalho.IIISeminárioNacionaldeGê‑ social,eénecessárioqueosproissionaisdepsi‑ neroePráicasCulturais.JoãoPessoa,2011.Disponívelem. 58 | MEMÓRIA LGBT
Coligay, torcida formada por homossexuais, tem história contada em livro
Matéria Publicada por Mário Magalhães 05/12/2013 10:48 htp://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/ @mariomagalhaes_
de98,naFrança,eaomenosumaeleiçãoparago‑ vernadordoRioGrandedoSul. Olivroserálançadoemmarço.Naentrevista aoblog,oLéofalasobreseutrabalhoeasaga daColigay.
O que foi a Coligay? Como a torcida foi recebi‑ da em seu tempo? AColigayfoiumatorcidaorganizadadoGrêmio formada por homossexuais. Mais precisamente, porfrequentadoresdaboategayColiseu,dePor‑ to Alegre. Foi a primeira torcida desse ipo que realmente vingou. Dois anos depois, Clóvis Bor‑ nay,queironicamenteeravascaíno,fundouaFla‑ gay,quenãochegouavingar.AColigayexisiude 1977a1983,emplenaditaduramilitar. Até hoje, torcedores rivais do Grêmio usam a igura da Coligay como moivo de lauta, e, na época,aprópriatorcidaorganizadagremistaEu‑ rico Lara, que era oicial do Grêmio, a rejeitou. A direção do clube, porém, na medida em que percebeuojeitoqueamoçadatorcida,atéespa‑ çoísiconoOlímpicolhescedeuparaguardaras bandeiraseinstrumentosdepercussão.Equejei‑ toeraesse?Elestorciamotempotodo,indepen‑ dentementedeoimeestarounãojogandobem, enãoseenvolviamcomviolência.Osjogadores daépocadizemqueelesosincenivavammuito. Por que a Coligay acabou? Basicamente,porqueseuidealizadorelíder,o VolmarSantos,voltouparaPassoFundo,suaci‑ dade,em1983.OVolmar,gerenteedepoispro‑ prietáriodaColiseu,eraaalmadaColigay.
59 | MEMÓRIA LGBT
memória LGBT e esportes
Vemaíumgrandeacertodecontascomahis‑ tóriadofuteboledalutacontraaintolerânciano Brasil: já estão nas mãos da Editora Libretos os originais do livro que reconsitui a trajetória da Coligay,torcidagremistapioneiradosanos1970, formadaporhomossexuais. Aindanãoestábaidoomartelo,contaojorna‑ listaLéoGerchmann,autordaobra,masépossí‑ velqueítuloesubítulosejam“Coligay–OGrê‑ mio,tricoloredetodasascores”. AColigaynasceuemPortoAlegre,duranteadi‑ tadura,nogovernododitadorgaúchoErnestoGei‑ sel,cujoantecessorhaviasidooutroditadorgaú‑ cho, Emílio Garrastazu Médici. Seus integrantes foramdeumaaudáciaépica,queagoraserácon‑ tadapelogremistaLéoGerchmann,umdosjorna‑ listas mais talentosos com quem eu ive a opor‑ tunidadedetrabalhar. Cobrimos jun‑ tos a Copa
Por que você fez um livro sobre a Coligay? Em primeiro lugar, porque sou gremista, e achoqueoGrêmiotemnessahistóriaumapági‑ namuitoediicante.Comotorcedor,éumahis‑ tória que me orgulha. Mas ressalvo: não é um livro somente para gremistas, é um livro para todos,mesmoparaquemnemgostadefutebol outorceparaoutroclube,independentemente, também, de preferências sexuais. Como costu‑ mamosdizernasreuniõesdepautasdosjornais, éumabaitahistória.
terminou com a hegemonia do Internacional, à épocaoctacampeãogaúcho(naépoca,osítulos regionaisinhambemmaisimportância),contan‑ docomjogadorescomoFalcãoeValdomiro. SempreiveaopiniãodequeesseimedoIn‑ ternacionaleodoFlamengodoiníciodosanos 80 foram os melhores que vi jogar, talvez riva‑ lizando com a academia palmeirense de 1972, que mal peguei, porque era ainda muito guri. Hoje,relaivizoumpoucoessavisão,opróprio Grêmioformougrandesimes,queidealizeime‑ nosporqueaidadejáeraoutra.AColigayicou, então,comafamadepéquente.Mashámui‑ tos episódios interessantes dessa época diícil, emquepessoaseramtorturadasnosporõesda ditadura,eumgrupodegaysseaventurounas arquibancadas.
Hoje há mais tolerância para a existência de torcidas como a Coligay ou o futebol coninua sendo um meio muito preconceituoso? Apesar da truculência das atuais organizadas, hojeaspessoasicammaisàvontadeparaassu‑ mirsuaspreferênciassexuais.Asprópriasmulhe‑ Há lautas homofóbicas? res,quandoiamaoestádio,40anosatrás,eram Claro,masnãosãoessasasreaçõesqueme xingadas.Sim,issoacontecia!Eramchamadasde interessam. Elas, aliás, até justificam a impor‑ tância de uma obra assim. Também porque sou um entusiasta da diversidade e da evolu‑ ção dos costumes. Para mim, esse é um tema muitocaro,provavelmenteporserjudeu,neto desobreviventesdohorrornazistaeportrazer essesentimentomuitoenraizado.Meupaiera conselheiro gremista, e cresci frequentando o Estádio Olímpico. Acho que a Coligay foi um grupo transgressor que contribuiu muito para essaevolução.Levouaosestádiosumjeitodi‑ ferente de torcer, mais comprometido com o timeemaisvibrante. Quais as passagens mais marcantes da torcida? Forammuitas.Elessurgiramemabrilde1977, quandooGrêmioformavaumgrandeime(Cor‑ bo; Eurico, Ancheta, Oberdan e Ladinho; Vitor Hugo, Tadeu e Iúra; Tarciso, André e Éder), que 60 | MEMÓRIA LGBT
com quem falei continuam acompanhando o Grêmiodeperto.OVolmarSantosécolunista socialeagitadorculturalemPassoFundo,ou‑ tro é cabeleireiro. Todos frequentam a Arena quando possível. O Volmar chega a viajar de PassoFundoaPortoAlegrenoseucarro,mais de300quilômetros,epassaranoitenumhotel sóparairajogosdoGrêmio. Para um gremista, como você, qual a principal lembrança da Coligay? Quandoelessurgiram,eutinhaentre12e13 anos. No Olímpico,euassistia ao jogo das ca‑ deiras,eelesficavamlonge.MasemGre‑Nais que ocorriam no Beira‑Rio, o espaço reserva‑ doaostorcedoresdoGrêmio,osvisitantes,era omesmo.Tchê,eradivertidíssimo.Euemeus colegas dávamos risada com o humor dos ca‑ ras,querealmentenãoparavamdeincentivar o time e de dançar, com uma charanga muito barulhentaeritmada. putas,vadiasetc.Sãocoisas,hoje,inconcebíveis, inimagináveis. Espero que quando nossos ilhos crescerem eles olhem para trás e pensem, “Pô, porqueoscarasnãopodiamsecasar,levaravida como querem, se não prejudicam os outros?’’ Meparecemeiobásico. Tenho dois ilhos (um menino de 11 anos e umameninadeseis)epercebonelesqueseni‑ mentoscomoahomofobiaeoutrospreconcei‑ tos icarão como uma triste e incompreensível história,aexemplodaescravidão,oHolocausto edeoutrasbarbáries.Ahomofobiaaindaéacei‑ tasocialmente,oquefazdelaumgrandetemaa serabordadoe,evidentemente,repudiadopor todosnósquerespeitamosasdiferenças,quais‑ querquesejamelas. O que fazem hoje os principais integrantes da Coligay? Ainda acompanham o Grêmio onde o Grêmio esiver? É triste, mas em meio a tudo isso houve a aids. A maioria deles morreu. Os integrantes 61 | MEMÓRIA LGBT
MEMÓRIA LGBT | 61
Torcidas LGBT’s Brasileiras Históric@s: do rubro‑negro – FLAGAY (1979) com amigos e simpaizantesdacausa. Raposões Independentes – Cruzeiro Nestemesmoperíodo,nosanos1970,foifundada aRaposõesIndependentes,torcidagaydoCruzeiro.
Nov@s:
memória LGBT e esportes
Coligay –GrêmioFutebolPortoAlegrense Fundadaem1977portorcedoresgremistasfre‑ quentadoresdaboateLGBTColiseu,emPortoAle‑ gre,aColigayestreounoEstádioOlímpicoem9de abrildaqueleano,numaparidadotricolorgaúcho contraoSantaCruz,doRecife,peloBrasileirão.
Flagay – Flamengo Clóvis Bornay (1916‑2005), um dos mitos do carnavalcarioca,reidosbailesdefantasiaecria‑ Gaivotas Fiéis – Corinthians – www.facebook. dordoBailedeGaladeCarnavaldoTheatroMu‑ nicipaldoRiodeJaneiro,criouaorganizadagay com/TorcidaGaivotas 62 | MEMÓRIA LGBT
Queerlorado–Internacional–www.facebook. com/pages/QUEERlorado/164289153730713
Galo Queer – Atléico‑MG – /www.facebook. com/pages/Galo‑Queer/260183954118767
Cruzeiro Maria – Cruzeiro – www.facebook. com/torcidacruzeiromaria
Bambi Tricolor – São Paulo – www.facebook. com/BambiTricolor
Corinthians Livre – Corinthians – www.facei‑ book.com/CorinthiansLivre
Palmeiras Livre–Palmeiras–/www.facebook. com/PalmeirasLivre
63 | MEMÓRIA LGBT
Flamengo Livre – Flamengo – www.facebook. com/FlamengoLivre Timbu Queer –Náuico–www.facebook.com/ pages/Timbu‑Queer/475626619174216
Vitória Livre –Vitória www.facebook.com/ecvitorialivre
64 | MEMÓRIA LGBT
10 de Janeiro aniversário de Clóvis Bornay
TonyBoita
Comofalardemuseus,demu‑ seologia,docarnavaledofutebol semfalardeClóvisBornay? Nascidoem10dejaneirode 1916emNovaFriburgonoRio de Janeiro (RJ), Clóvis Bornay eramuseólogoetrabalhouno Museu da Cidade (RJ), Museu Histórico Nacional (MHN‑RJ) eposteriormentefoichefeda
divisão artística e literária do MHN. Escreveu, publicou vá‑ riostextos,nosAnaisdoMHN. Mas foi em 1936/37 que ins‑ pirado nos luxuosos carnavais deVenezarealizouoprimeiro baile da gala do Teatro Muni‑ cipal do Rio de Janeiro, onde conquista o primeiro lugar comaFantasiaPrincipeHindu. 65 | MEMÓRIA LGBT
Inicialmente foi reconhecido como mestre de fantasia que recebeuotítulo hors concours (concorrentedehonra,nãosu‑ jeito à premiação). Posterior‑ mente, começou a trabalhar comocarnavalescodasescolas de samba; Salgueiro,Unidos de Lucas, Portela, Mocidade Independente de Padre Mi‑ gueleUnidosdaTijuca.Como enredo“LendaseMistériosda Amazônia”naPortelaem1970 queelevenceseuúnicotítulo como carnavalesco. Clóvis foi responsável por introduzir, a criatividade, a história, o luxo e a figura de destaque nos carrosalegóricos.Eletambém criouamaiortorcidaLGBTdo mundo com cerca de 40 mil torcedores, a FLA‑GAY. Fale‑ ceuem09deoutubrode2005 com 89 anos, indo com ele suas memórias, registrando‑ ‑se como o primeiro museó‑ logo que se travestia. Talvez porissoqueumadasmaiores instituições de memória do Brasil, o Museu Histórico Na‑ cional,parecetê‑loesquecido, assimcomoocarnaval,ofute‑ bol e os museólog@s. Faltam dois anos para comemorar‑ mos seu centenário. Que tal nosprepararmos?
APróximaediçãoda
Revista Memória LGBT TerácomoTema: Patrimônio Cultural LGBT: Memória, História, Oralidade, Espaços, Idenidade, Resistência e Socialização
FECHAMENTO DA EDIÇÃO: 20 DE FEVEREIRO DE 2014 ENVIE SUA CONTRIBUIÇÃO
[email protected]