Alguns documentos inéditos para a biografia do gramático Manuel Dias de Sousa (1753-1827)

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Alguns documentos inéditos para a biografia do gramático Manuel Dias de Sousa (1753-1827)

Rolf Kemmler Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro [email protected]

Abstract Based on hitherto unpublished documents from two important Portuguese public arquives, this article offers a new insight on some biographical information concerning the Portuguese grammarian Manuel Dias de Sousa (1753-1827). Keywords: Historiography of Linguistics, Grammar, biography. Resumo Baseado em informações até agora inéditas de dois importantes arquivos públicos portugueses, este artigo oferece informações biográficas anteriormente desconhecidas sobre o gramático português Manuel Dias de Sousa (1753-1827). Palavras-chave: Historiografia linguística, gramática, biografia.

1. Introdução Nos estudos existentes na historiografia linguística até agora realizados, já foi devidamente estabelecida a pertença gramaticográfico-ideológica do gramático Manuel Dias de Sousa dentro da tradição metalinguística de língua portuguesa. Com efeito, o autor da Gramatica Portugueza ordenada segundo a doutrina dos mais celebres Gramaticos conhecidos, assim nacionaes como estrangeiros (1804) foi um dos primeiros gramáticos portugueses a aproveitar de forma explícita os ensinamentos dos linguistas e gramaticógrafos franceses Nicolas Beauzée (1717-1789) e Antoine Court de Gébelin (?-1784). Ao passo que a gramática portuguesa como monumento metalinguístico já foi objeto de estudos das grandes monografias de Barbara Schäfer-Prieß (2000) e Maria Helena Pessoa Santos (2010, tese de doutoramento defendida em 2005), bem como do trabalho académico recente de Esteves (2007), sendo ainda objeto de referências noutras publicações historiográfico-linguísticas, o mesmo não se aplica à biografia do gramático, pois verifica-se continuarem desconhecidos aspetos cruciais da sua biografia. Para preencher estas lacunas biográficas, pretendemos a seguir apresentar alguns elementos encontrados nos arquivos distritais de Braga e de Coimbra, principiando, porém, com uma análise do status quo em matéria biobibliográfica.

_______________________________________________ Revista de Letras, II, n.º 10 (2011), 75-90.

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2. Manuel Dias de Sousa no Diccionario Bibliographico Portuguez Dentro dos 23 volumes do Diccionario Bibliographico Portuguez do bibliógrafo Inocêncio Francisco da Silva (1810-1876), encontrámos duas entradas referentes ao gramático Manuel Dias de Sousa, nomeadamente no volume V e no volume XVI.1 Na primeira entrada deparamos com as seguintes informações biobibliográficas: P. MANUEL DIAS DE SOUSA, Presbytero secular, Bacharel em Canones pela Universidade de Coimbra, e Prior na egreja de Villa-nova de Monsarros, sita mesma diocese, collado a 6 de Maio de 1794. - N. na freguezia de Sancta Maria do Souto de Sobradello, no arcebispado de Braga, provavelmente pelos annos de 1755 a 1760, e vivia ainda em 1822, pois foi n'esse anno eleito Deputado ás Côrtes ordinarias. Ignoro comtudo se n'ellas tomou assento, bem como a data precisa do seu obito, e mais circumstancias pessoaes: sendo para as descobrir inuteis as minhas diligencias, e as que a meu rogo emprehendeu em Coimbra o reverendo prior Manuel da Cruz, com a sua costumada solicitude. - E. 456) Nova eschola de meninos, na qual se propõe um methodo facil para ensinar a ler, escrever e contar, com uma breve direcção para a educação dos meninos. Ordenada para descanso dos mestres, e utilidade dos discipulos. Coimbra, na Reg. Offic. da Univ. 1784. 4.º de VIII-210 pag.: acompanhada de 13 estampas, ou traslados de letras, em cujo caracter o auctor pretendeu imitar em parte o do nosso famoso Andrade. É rara esta obra, ao menos em Lisboa, onde não vi d'ella até agora mais que dous ou tres exemplares. 457) Grammatica portugueza, ordenada segundo a doutrina dos mais celebres grammaticos conhecidos, assim nacionaes como estrangeiros. Coimbra, na Imp. da Univ. 1804. 8.º de XIX-282 pag. 458) Historia da creação do mundo, na qual pela ordem dos seis dias da creação se dá uma breve noticia dos elementos, da terra e seus mineraes, das plantas e animaes, e ultimamente do homem nos seus diversos estados; tudo adornado com as estampas possiveis. Coimbra, na Imp. da Univ. 1804. 8.º de 396 pag., e mais VIII de indice, e uma com as erratas. As estampas são intercaladas no texto. - Reimpressa em Lisboa, na Imp. Reg. 1825. 8.º Á custa dos livreiros Martin & Irmão. D'esta reimpressão se tiraram mil e quinhentos exemplares. 459) Extractos do Foral de Villa-noua de Monsarros. Lisboa, na Imp. Reg. 1815. Uma e meia folhas de impressão (Silva 1860, V: 409).

Neste trecho biográfico, Inocêncio informa que Sousa terá nascido na freguesia Santa Maria do Sobradelo, no arcebispado de Braga, documentando não ter certeza no atinente às datas de vida – informações essas que precisaremos no próximo capítulo. Informa-se ainda que Sousa era bacharel formado em direito canónico pela Universidade de Coimbra, exercendo o cargo de prior da igreja de Vila Nova de Monsarros. Esta localidade, que então era a cabeça do concelho do mesmo nome até 1835, pertencendo à comarca de Coimbra, constitui desde 4 de julho de 1837 uma das quinze freguesias do concelho de Anadia, no distrito de Aveiro.2 1

Tal como os volumes X (1883) até XXII (1923), o décimo sexto volume foi publicado por Pedro Wenceslau de Brito Aranha (1833-1914), o testamenteiro de Inocêncio. 2 Para a evolução histórica do concelho de Anadia e a integração administrativa de Vila Nova de Monsarros, cf. o trabalho de Teixeira (2011: 5).

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Na relação das obras de Manuel Dias de Sousa são referidas as duas obras didáticas Nova eschola de meninos (1784), a Gramatica Portugueza (1804), bem como uma Historia da creação do mundo, segundo a Sagrada Escriptura e a melhor doutrina dos sabios (1804).3 Ao aproveitar um artigo publicado no jornal O Conimbricense de 1885, Brito Aranha consegue não somente fornecer informações sobre a atividade de Sousa como deputado nas cortes, mas também sobre o falecimento, conforme se vê na reprodução do assento de óbito de 21 de outubro de 1827: MANUEL DIAS DE SOUSA (v. Dicc., tomo V, pag. 409). No Conimbricense, n.º 3:945, de 13 de junho de 1885, ampliando-se a resumida nota biographica que vinha no Diccionario, acrescentam-se varias noticias, das quaes recopilâmos algumas: Em 13 de agosto de 1821 foi o prior Manuel Dias de Sousa eleito juiz de facto por Coimbra, então cabeça do concelho de jurados. Em 1822 eleito deputado em eleição directa, para as cartas ordinarias d'esse anno, pela divisão de Aveiro; e ao mesmo tempo eleito substituto pela divisão de Coimbra, obtendo o primeiro logar por 3:384 votos. Tomou assento em côrtes, como deputado por Aveiro, e prestou juramento em 20 de novembro de 1822. Foi Manuel Dias de Sousa um dos sessenta e um deputados liberaes que no dia 2 de junho de 1823 honrosamente protestaram, por occasião da reacção absolutista de Villa Franca, contra «qualquer alteração ou modificação» que se fizesse na constituição do anno de 1822. Indo a Coimbra tratar de seus negocios, falleceu no dia 21 de fevereiro de 1827, na antiga rua de Coruche (hoje rua do Visconde da Luz), em casa do seu particular amigo Manuel José Martins, avô paterno do benemerito redactor do Conimbricense. O prior da antiga freguezia de S. Thiago, doutor em theologia, José Joaquim de Almeida, lavrou do seu obito o seguinte assento: «Aos 21 de fevereiro de 1827 falleceu, com todos os sacramentos, na rua do Coruche, em casa de Manuel José Martins de quem era hospede, o reverendo Manuel Dias de Sousa, prior de Villa Nova de Monsarros. Está sepultado n'esta egreja, em uma das sepulturas do cruzeiro. De que fiz este assento. Era ut supra.= Prior, José Joaquim de Almeida.», O illustrado prior Manuel Dias de Sousa foi estrenuo defensor do povo da sua freguezia de Monsarros, contra as exigencias de fóros por parte do cabido da sé cathedral de Coimbra, não só nos tribunaes, mas em varias e energicas publicações que fez a esse respeito. Façam-se as seguintes alterações: A Historia da creação do mundo (n.º 458), na edição de 1825 tem 400 pag. Ha nova edição. Lisboa; na typ. Rollandiana, 1827. 8.º de XII-368 pag. Com estampas, mais toscas que as antigas. A Melhor edição é a de 1825. O Extracto do foral de Villa Nova de Monsarros (n.º 459) faz parte de uma collecção de documentos publicados, e em parte escriptos por Dias de Sousa d'este modo: 2136) Manifesto das contendas do cabido da sé de Coimbra com o prior e moradores do couto de Villa Nova de Monsarros, dado á luz publica pelo procurador do concelho do

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Ainda não tivemos acesso a esta obra, cujo título evidencia a mesma intenção didática que está subjacente às outras obras do gramático. No catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal (WWWBNP s.d.), consta a existência de um exemplar da primeira edição (Coimbra: Na Real Imprensa da Universidade, 1804, cota H.G. 529 P.), da segunda edição (Lisboa: Na Impressão Régia, 1825, cotas H.G. 530 P. e R. 35373 P.), bem como ainda de outra edição (Lisboa: Na Typ. Rollandiana, 1857, cotas H.G. 4079 P. e R. 25387 P.).

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Rolf Kemmler mesmo couto para se juntar á sentença que sobre ellas se proferiu no juizo da corôa do Porto, e se imprimiu no anno antecedente de 1814. Lisboa, na impressão Regia, 1815. 4.º de 87 pag. - É opusculo interessante e com sobeja erudição juridica. 2137) Sentença proferida no juizo da coroa do Porto, etc. Ibidem, 1814. 4.º. 2138) Sentença civel proferida no juizo dos feitos da coróa da casa da Supplicação sobre as contendas da camara de Monsarros com o cabido de Coimbra. Ibidem, na imp. Regia, 1815. 4.º de 10 pag. 2139) Extracto do foral que o sr. rei D. Manuel deu ao couto de Villa-Nova de Monsarros, etc. (Não tem logar, nem anno de impressão). 4.º de 10 pag. 2140) Monsarraida theologico-juridica, dada á luz por um amigo da verdade e da justiça. Lisboa, na typ. Rollandiana. Anno 1823. 8.º de 100 pag. e mais 2 de indice e errata. No Conimbricense, n.º 3:947, de 20 de junho de 1885, dá o sr. Joaquim Martins de Carvalho uma noticia da obra acima Monsarraida declarando que lhe tinham offerecido um exemplar, e depois de o descrever, acrescenta o seguinte que, por ser em extremo interessante e apropriado ao intuito do Diccionario, transcrevo na integra: «No fim vem uma curiosa noticia das differentes publicações que o padre Manuel Dias de Sousa tinha preparado para a impressão, destinadas á educação do povo, e posteriores aquellas que havia imprimido até ao anno de 1804. «São Manuscriptos licenciados desde 12 de setembro de 1805, os quaes constam: - 1.º Principios de leitura portugueza, ou alphabeto e syllabario portuguez com os primeiros ensaios de leitura e methodo pratico de ensinar a ler, ordenado segundo a grammatica da mesma lingua. - 2.º Principios de arithmetica, com as taboadas competentes, para uso da mocidade portugueza. - 3.º Compendio da historia sagrada do Antigo e Novo Testamento, ordenado para servir aos meninos de exercicio de leitura, e juntamente de introducção ao estudo da doutrina christã. - 4.º Compendio da moral celeste extraido dos livros Sapienciaes do Antigo Testamento, para servir aos meninos de exercicio de leitura, e juntamento de lhes inspirar as regras sublimes, que dictou a divina sabedoria, para a direcção dos costumes. «Seguem-se os Manuscriptos concluidos, mas ainda por licenciar. «Constam de uma obra importantissima, e fructo de grande trabalho, com o titulo de Breviario da Biblia Sagrada, no qual se conservam, quanto é possivel as proprias palavras da Sagrada Escriptura, e se lhe ajuntam as illustrações dos sagrados expositores, competentes ao commum dos fieis. Acompanhado de observações sobre os factos da historia mais interessantes á instrucção da edificação dos mesmos fieis. Ordenado para facilitar aos fieis portuguezes de ambos os sexos e de todos os estados o celestial alimento da palavra de Deus, por meio da lição das sagradas escripturas. «Estavam escriptos cinco volumes, tendo o 1.º 681 paginas de folio, o 2.º 648, o 3.º 773, o 4.º 812, e o 5.º 730. «Contava elle que na impressão se reduziriam ao formato de 8.º chamado francez. «Tencionava ainda escrever um 6.º volume, em que pretendia incluir as historias particulares de Job, de Tobias, de Judith e de Esther, com as competentes notas e observações; e os livros Sapienciaes e os Psalmos só acompanhados de notas litteraes. «Pretendia mais do Novo Testamento coordenar os quatro evangelistas chronologicamente, e fazer-lhes meditações proporcionadas aos simples fieis, a favor de quem unicamente trabalhava. Os livros doutrinaes do Novo Testamento pretendia produzil-os como os temos, e as notas que lhes conviessem. Tambem pretendia concluir esta obra com a harmonia dos dois Testamentos; e no fim de tudo o index alphabetico das materias e talvez tábuas chronologicas e geographicas. «Obstou, porem, á impressão d'estes trabalhos a falta de meios e o fallecimento do seu illustrado auctor (Silva 1893, XVI: 171-172).

Para além de atualizar as informações sobre duas das obras mencionadas em Silva (1860, V: 409), o bibliógrafo acrescenta cinco obras relacionadas com as

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lides jurídicas que Sousa mantinha com o Cabido da Sé de Coimbra ao longo de mais de uma década. Dentro destas obras de natureza jurídico-documental, é de destacar a Monsarraida theologico-juridica que não somente contém vários documentos atribuídos ao próprio Manuel Dias de Sousa como pároco de Vila Nova de Monsarros, como também conta com uma listagem anexa, que informa sobre as obras manuscritas redigidas pelo próprio autor. Ao ser intitulado apenas como «Relaçaõ» (Sousa 1823: 97), torna-se evidente que este capítulo interessantíssimo de conteúdos bibliográficos deveria ter como título «Relação dos Livros trabalhados para instrucçaõ dos Fieis», uma vez que é assim referido no índice que se encontra no fim da obra (Sousa 1823: [I]). Coerentemente à intenção educadora do gramático, as quatro obras mencionadas na rubrica «Dos Manuscritos licenciados desde 12 de Setembro de 1805» (Sousa 1823: 97) são de natureza marcadamente didática, não constando, porém, que alguma vez tenham sido publicadas. O mesmo pode afirmar-se sobre o Breviario da Biblia Sagrada em cinco volumes, cujo conteúdo é apresentado de forma exaustiva pelo autor (Sousa 1823: 98-99). 3. Manuel Dias de Sousa nos registos paroquiais Acabámos de ver que Inocêncio julga que Manuel Dias de Sousa terá nascido entre 1755 e 1760 na freguesia que identifica como Santa Maria do Souto de Sobradelo, tendo falecido em Coimbra no dia 21 de fevereiro de 1827. Com base nestas referências, conseguimos localizar o assento de batismo do gramático: Manoel filho legittimo de Pedro Dias de Souza e sua molher Costodia Gonçalves do lugar de Carreira desta freguezia de santa Maria de souto de sobradello naceo aos vinte e sinco dias do mes de Mayo do anno de mil e sete sentos e sincoenta e tres foi baptizado solenemente aos vinte e oito do mesmo mes por mim Manoel Francisco Moreyra Parocho desta freguezia Avos paternos Antonio Dias de Souza e de sua molher Maria Esteves do lugar de Carreyra Maternos Domingos Gonçalves e de sua molher Catherina Francisca foraõ o Reverendo Costodio Dias de Souza Padrinhos digo o Reverendo Costodio Dias de Souza vigario da Parochial Jgreja de Saõ vicente de Filgueiras Madrinha Damazia Dias ambos Tios do baptizado Testemunhas o Padre Domingos Rodriguez e Pedro Monteyro do lugar de Carreira todos desta freguezia que todos aqui asignamos hoje era ut supra O vigario Manoel Francisco Moreyra O Vigario Custodio Dias de Sousa O Padre Domingos Rodriguez Pedro mont tejro (1753, maio 28)

Verifica-se, portanto, que Manuel Dias de Sousa nasceu na aldeia rural conhecida como ‘lugar da Carreira’ da então freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo (hoje Sobradelo da Goma, no concelho de Póvoa de Lanhoso) no dia 25 de maio de 1753, tendo sido batizado na igreja paroquial de Santa Maria de Sobradelo três dias após o nascimento. No batismo, celebrado pelo vigário Manuel Francisco Moreira, intervieram o pai, Pedro Dias de Sousa, e a mãe,

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Custódia Gonçalves, bem como os padrinhos, Custódio Dias de Sousa4 e Damásia Dias (cujo apelido leva a crer serem tios do lado paterno), como ainda o Padre Domingos Rodrigues e Pedro Monteiro, que serviram como testemunhas oriundas da aldeia do batizando. Para além disso, ficamos a saber que são avós paternos António Dias de Sousa e Maria Esteves e avós maternos Domingos Gonçalves e Catarina Francisca. Destas informações resulta o seguinte:

No que respeita ao assento de óbito, observa-se que o documento original pertencente aos registos de óbito da freguesia de São Tiago de Coimbra corresponde ao texto integralmente por Silva (1893, XVI: 171). Com efeito, lavrou-se o referido assento no dia exato referido por Inocêncio, ficando, contudo, evidentes algumas divergências na transcrição: Aos vinte e hum de Fevereiro de mil oito centos e vinte sete faleceo Com todos os sacramentos na rua do Coruche em Caza de Manoel Joze Martins de quem era hospede o reverendo Manoel Dias de Souza Prior de Villa Nova de Monçaros esta sepultado nesta Jgreja em huã das sepulturas do cruzeiro de que fiz este assento era ut supra O Prior Joze Joaquim de Almeida (1827, fevereiro 21)5

A consulta dos documentos permite-nos, portanto, constatar que as datas de vida relativas a Manuel Dias de Sousa devem ser corrigidas no sentido de o gramático ter nascido no dia 25 de maio de 1753. Considerando que Sousa faleceu no dia 21 de fevereiro de 1827 pode constatar-se, enfim, que faleceu com 73 anos de idade.

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O assento de batismo menciona que este tio paterno era pároco da ‘Jgreja de Saõ vicente de Filgueiras’, ou seja, da igreja de São Vicente de Sousa, no concelho de Felgueiras. 5 Na margem esquerda, o assento tem as anotações «Reverendo Manoel dias» e «21 de Fevereiro / 1827 / 1200». Uma vez que semelhantes entradas (com valores diferentes) se encontram à margem de muitos dos outros assentos de óbito daquela paróquia, parece-nos que o valor escrito por baixo da data possa estar relacionado com despesas do enterro.

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4. O processo de inquirição de genere de Manuel Dias de Sousa Dentro do vasto universo dos processos de inquirição de genere et moribus (documentação esta com que era verificada a probidade moral e a pureza étnica dos que pretendiam ordens sacras ou empregos na Universidade ou na justiça) que se encontram nos arquivos distritais portugueses, merece-nos especial atenção o processo de habilitação de genere por fraternidade, relativo ao próprio Manuel Dias de Sousa, que se conserva no Arquivo Distrital de Braga. Dentro de uma capa moderna, este processo consta de oito folhas, das quais quatro apresentam texto nos lados retro e verso). Segundo a nomenclatura atual do arquivo, trata-se do processo 16910, pertencente à pasta 734, e apresenta a seguinte data «Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jezuz Cristo de mil setecentos Setenta e tres annos aos dezasete dias do mes de Marco deste anno nesta cidade de Braga» (1773, março 17: fol. 1 r). Por tratar-se de uma justificação de fraternidade, a capa moderna remete para o processo número 32564, relativo ao irmão do justificante, chamado Custódio Dias de Sousa. A seguir, reproduziremos os elementos constantes do processo,6 com a exceção da capa contemporânea (1773, março 17: fol. 1 r) e a folha das contas do processo:7 Remetida ao Nosso Reverendissimo Provizor Braga 17 de Fevereiro de 1773. [rubrica ilegível]

Reverendissimo Senhor

Dis Manoel Dias de Souza Bacharel formado nos sagrados Canones, natural da freguezia de Santa Maria de Souto de Sobradello vezita de Monte Longo deste Arcebispado Primás, que sendo admitido a Ordens por Vossa Alteza Real necessita de se mostrar habelitado in genere, e como o supplicante tem hum irmaõ chamado Custodio Dias de Souza, o qual he legitimo irmaõ supplicante e se acha ja habelitado por Vossa Real Alteza portanto Venham as inquericonies [assinatura:] Brochado Pede a Vossa Real Alteza lhe faça a merce admittir o supplicante a justificar a fraternidade do dicto seu irmaõ Auctor justifique [assinatura:] Brochado Espera Receber Merce (1773, março 17: fol. 2 r)

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Respeitaremos a grafia do texto manuscrito, desdobrando as abreviaturas, cujo texto se apresente em letras itálicas. 7 Neste última folha, datada de 18 de março de 1773, ficamos a saber que os vários atos administrativos relacionados com o processo de habilitação de genere de Manuel Dias de Sousa somaram num total de 444 réis, o que para todos os efeitos se deve julgar um preço bastante modesto.

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Neste requerimento não datado, dirigido ao Arcebispo de Braga, Manuel Dias de Sousa declara-se como bacharel em direito canónico, natural da freguesia de Santa Maria de Sobradelo, na área de visitação de Montelongo.8 Através do requerimento, o jovem religioso solicita que seja habilitado in genere por ser irmão do já habilitado Custódio Dias de Sousa, de maneira que possa receber as ordens menores. No próprio requerimento encontram-se ainda os despachos do Arcebispo (que permanece no anonimato mas assina com rubrica a seguir ao despacho «Remetida ao Nosso Reverendissimo Provizor» datado de 17 de fevereiro de 1773, bem como os dois despachos não datados relacionados do doutor José Maria Pinto Brochado, Cónego e Vigário Geral, Provisor da Sé de Braga. Segue-se no processo o segundo requerimento, no qual o jovem justificante fornece informações adicionais sobre a sua ascendência, nomeadamente sobre os pais e os avós: Remetida ao Nosso Reverendissimo Provizor, com Avizo Braga 26 de Fevereiro de 1773. [rubrica ilegível]

Serenissimo Senhor

Dis Manoel Dias de Souza Bacharel formado em Canones pela Vniuersidade de Coimbra filho legitimo de Pedro Dias de Souza, e de Custodia Gonçalvez da freguezia de Souto de Sobradelo desta Comarca e Arcebispado, que elle supplicante alcançou o avizo junto para poder requerer a Vossa Alteza Real a merce de o ordenar e por que tem os requezitos necessarios para haver de ser admetido a Ordens menores. Juiz Provizor [assinatura:] Brochado Pede a Vossa Alteza Real lhe faça a merce admetir o supplicante a Ordens menores por cuja merce rogará a Deos pela vida e Saude de Vossa Alteza Real Avós Paternos Antonio Dias de Souza Maria Esteves Maternos Domingos Gonçalves e Catarina Francisca todos da freguezia de Sobradelo desta [texto cortado ilegível] Espera Receber Merce (1773, março 17: fol. 3 r)

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Com efeito, a pertença administrativa secular e eclesiástica é explicada da seguinte maneira pelo ‘encomendado Antonio José Ferreira Gomes’ no ‘Inquérito paroquial de 1842’: «[...] era esta freguesia até o ano de 1834 sujeita imediata ao juiz de fora de Guimarães, (termo), corregedor, e provedor, sujeita militarmente ao coronel das extintas milícias da Vila da Barca, e eclesiasticamente ao reverendo vigário geral provisor e prelado de Braga, pertencendo então esta freguesia à visita da segunda parte de Montelongo, e comarca de Braga».

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Neste segundo requerimento confirmam-se os nomes dos antecedentes do gramático, tal como haviam sido referidos no assento de batismo. Segue-se o documento-chave de todo o processo, isto é, a inquirição das testemunhas que estavam em condições de pronunciar-se sobre o justificante (1773, março 17: fol. 4 r-5 v): Inquiriçam de Fraternidade a favor de Manoel Diaz de Souza da freguezia de Sobradello Aos dezacete diaz do mez de Março de mil sette centoz septenta e trez annos nesta cidade de Braga, e na Rua de Maxeminos della e cazaz da morada do Muito Reverendo Senhor Dezembargador Provizor Joseph Maria Pinto Brochado. Ahi por elle foraõ perguntadas as testemunhas seguintes aprecentadaz pello Justificante ce por nomez cognomes moradas oficios, e costumez se segvem de que para constar estendi este termo Eu Luiz Monteyro de Queyrós a ezcrevy. Joaõ Diaz de Souza Estudante filho de Simaõ Dias do logar de Carreira freguezia de Santa Maria de Souto de Sobradelo testemunha a quem elle Reuerendo Senhor Decembargador Provizor deo ivramento doz Santos evangelhos em que poz sua mão direita de que dou fe e prometeu dicer verdade e que seria de idade de trinta e seis annos pouco mais ou menos, e aoz costumez dice ser parente do Justificante em terceiro grao de consanguinidade. E perguntado pello contiudo na petiçaõ do Justificante o Bacharel Manuel dias de Souza dice que por ser da mesma freguezia sabe que elle he filho legitimo de Pedro Diaz de Souza, e de Costodia Gonçalues natural da mesma freguezia, e Jrmaõ inteiro de Costodio Diaz de Souza clerigo in minoribus, que Recebeo com o Serenissimo Senhor Dom Gaspar, e por filho legitimo, e de legitimo matrimonio sam ambos tidos, e Reputados sem fama nem Rumor em contrario; e al naõ dice a asignou com elle senhor dezembargador Provizor depois de lido o seu testemunho que dice estava na uerdade E eu Luiz Monteyro de Queirós o ezcrevy. [assinatura:] Brochado [assinatura:] Joaõ Dias de Souza O Capitam Joaõ fernandes Guimarais morador da Rua do Souto desta cidade testemunha iurada aoz Santos evangelhos em que poz sua maõ direita de que dou fe, e prometeu dicer uerdade, e que seria de idade de trinta e quatro annos pouco mais ou menoz, e aos costumez dice nada. E perguntado pello contiudo na petiçam do Justificante dice que por ser natural da freguezia donde he o Justificante conhece a este muito bem, e a seos Pays Pedro Diaz de Souza, e Costodia Gonçalues, e Jrmaõ inteiro de Costodio Diaz de Souza clerigo in minoribus, que Recebeo com o Serenissimo Senhor Dom Gaspar, e como tal, he tido, e Reputado de todos sem fama nem Rumor em contrario o que sabe pello ver, e al naõ dice a asignou com elle senhor dezembargador Provizor depois de lido seu testemunho que dice estava na uerdade E eu Luiz Monteyro de Queirós o ezcrevy. [assinatura:] Brochado [assinatura:] Joaõ Fernandez de oliueira Guimarãez Manoel Francisco de Carvalho Estudante clerigo in minoribus da freguezia de Souto de sobradello testemunha iurada aoz Santos evangelhos em que poz sua maõ direita de que dou fe, e prometeu dicer uerdade, e que seria de idade de quarenta e seis annos pouco mais ou menos, e aos costumes dice nada. E perguntado pello contiudo na petição do Justificante dice que por ser da mesma freguezia o conhece muito bem, e a seos Pays, e a seu Jrmaõ Costodio Diaz de Souza clerigo in minoribus, que Recebeo e foy admetido a isso pello serenissimo Senhor Dom Gaspar, e por seu Jrmaõ inteiro legitimo e de legitimo matrimonio, e filho dos mesmoz Pays he o Justificante tido, e Reputado de todos sem fama nem Rumor em contrario como elle testemunha vé, e al naõ dice a asignou com elle Senhor

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Rolf Kemmler decembargador Provizor depoiz de lido seu testemunho que dice estava na uerdade E eu Luiz Monteyro de Queirós o ezcrevy. [assinatura:] Brochado [assinatura:] Manuel Francisco de Carvalho

Nesta inquirição de testemunhas, que em tudo segue as fórmulas habituais neste tipo de documentação, intervêm o já referido provedor José Maria Pinto Brochado, o escrivão Luís Monteiro de Queiroz e as testemunhas João Dias de Sousa (que deve ser o primo do justificante), João Fernandes de Oliveira Guimarães e Manuel Francisco de Carvalho. Depois da devida identificação de cada testemunha, estas testemunham unanimemente conhecer não só o requerente do processo mas também o seu ambiente familiar, nomeadamente a admissão do irmão Custódio Dias de Sousa a ordens menores. Para completar o processo, segue-se o requerimento ao escrivão dos ‘livros findos’ da Câmara Eclesiástica da Arquidiocese de Braga, solicitando que o seu assento de batismo fosse extraído dos livros de batismo. Com efeito, o conteúdo do assento encontra-se reproduzido no mesmo requerimento, vindo acompanhado pelas explicações processuais necessárias do escrivão Luís da Maia: Dis Manoel Dias de Souza Bacharel formado nos sagrados Canones, filho legittimo de Pedro Dias de Souza e de sua molher Custodia Gonçalvez natural do lugar de Carreira freguezia de Santa Maria de Souto de Sobradello vezita de Monte Longo deste Arcebispado Primás que para certos requerimentos necessita, que o Escrivaõ do Livros findo{s} ou outro que em seu poder o Livro dos Baptizados, lhe passe por certidaõ o theor do assento do seu Baptismo, razaõ por que Juiz Provizor [assinatura:] Brochado Pede a Vossa Merce seja servido mandar que o dito Escrivaõ lha passe em modo que faça fé jurou naõ ser pera cazo crime Espera Receber Merce Em comprimento do Despacho supra do Muito Reverendo Senhor Joez jozeph Maria pinto Brochado Conego na Santa See desta dicta cidade de Braga Joez provizor e vigairo geral neste vispado fez sua Altêza Real o serenissimo Senhor Dom Gaspar Arcebispo e Senhor de Braga primas das Hespanhas &c. Certefico Eu Luis da Maya escrivaõ dos Livros findos nesta mesma por o mesmo serenissimo senhor que em meu poder se achaõ os Livros Findos da freguezia de Santa Maria do Soutto de Sobradello E em huũ delles nos asentos dos Batizados a folhas Cento e doze verço se acha hũ asentto do theor seguinte. Manoel filho Legitimo de pedro Dias9 e de sua mulher Custodia Gonsalves do lugar de Carrejra desta freguezia de santa maria de soutto de sobradello naceo aos vinte e sinco dias do mes de majo do anno de mil e

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Falta «de Souza».

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sete centos e sincoenta e tres foi Batizado10 solenemente aos vinte e oitto do mesmo11 por min Manoel Francisco Morejra parocho desta freguezia Avos paternos Antonio Dias de souza e de sua mulher Maria Esteves do lugar de Carrejra Maternos Domingos Gonsalves e12 sua mulher Catherina Francisca; foraõ o Reverendo Custodio Dias de Souza padrinhos digo o Reverendo Costodio Dias de souza vigario da parochial jgreja de Sam Vicente de Filguejras Madrinha Damazia Dias ambos Tios do Batizado testemunhas o padre Domingos Rodrigues e pedro Montejro do lugar de Carrejra todos desta freguezia que todos aqui asinamos13 era vt supra // o Vigario Manoel Francisco Morejra // o Vigario Custodio Dias de Souza // o padre Domingoz Rodrigues // Pedro Montejro E naõ se Continha mais no ditto asentto, ao qual me reporto e por Verdade e fee della me asino hoje de Feverejro dezasete de mil e sete centtos e settenta e tres annos [assinatura] Luiz da Maya desta 120 reis (1773, março 17: fols. 6 r-7 r)

A reprodução do assento de batismo (em que marcámos as alterações em negritos) é bastante fiel. No entanto, observa-se para além da omissão das palavras ‘de Souza’, ‘mes’, e ‘de’, que o escrivão bracarense optou sobretudo por soluções gráficas diferentes. Encontramos ainda entre as alterações mais notáveis um uso ligeiramente divergente de maiúsculas, a grafia com em ‘soutto’ e ‘oitto’ (em vez de ‘souto’ e ‘oito’), a grafia dos ditongos decrescentes [aj], [ej] como em ‘majo’, ‘Carrejra’, ‘Filguejras’ (em vez de ‘Mayo’, ‘Carreira’, ‘Filgueiras’), bem como a omissão das letras mudas em ‘Batizado’, ‘asinamos’ (em vez de ‘baptizado’, ‘asignamos’). O despacho final do processo, exarado pelo já referido juiz provisor José Maria Pinto Brochado, encontra-se no verso do último documento e reza o seguinte: Vista ao Muito Reverendo Senhor Doutor Provizor aos 13 de Março de 1773 Com a Jnquiriçaõ do Jrmaõ appença Vistos estes autos de habilitaçam de genere por Justificaçam de Fraternidade pelos quaes se mostra que o Justificante Manuel Dias de Souza he filho legitimo de Pedro Dias de Souza, e de Custodia Gonsalves, e nepto pela parte paterna de Antonio Dias de Souza, e de Maria Esteves, e pela materna de Domingos Gonçalvez todos da freguezia de Santa Maria de Souto de Sobradello, e de Caterina Francisca da freguezia de de Santiago de Guilhofrei, e como tal Jrmaõ inteiro de Custodio Dias de Souza habilitado de Genere por esta jurisdiçam como se mostra da Jnquiriçam appensa, e que por si, e pelos ditos seus Pays, e Avos Paternos e maternos he o dito Justificante Legitimo inteiro christaõ velho sem fama, raçam ou nota em contrario de alguã naçaõ infecta das reprovadas em direito contra nossa Santa fe catholica, e como tal o julgo e habilito assim para ser promovido a ordens, como para todas as mais 10

Falta de «baptizado». Falta «mes». 12 Falta «de». 13 Falta de «assignamos»; falta «hoje». 11

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Rolf Kemmler honras, e dignidades e coizas pelo que a pureza doz sangue, e habilitaçam de genere, e se lhe passe Sentença querendoa e pague os autos Braga 18 de Março de 1773. [assinatura] Joseph Maria Pinto Brochado Pede Licença (1773, março 17: fol. 7 v)

Com este texto, o desembargador bracarense reconhece formalmente a limpeza de sangue de Manuel Dias de Sousa como irmão do já habilitado Custódio Dias de Sousa e como descendente dos pais e avós mencionados, removendo assim este obstáculo formal para que o gramático pudesse tomar ordens menores. Para além do despacho de natureza jurídica, este texto fornecenos uma informação nova, nomeadamente a referência à naturalidade da avó materna Catarina Francisca: constata-se que ao contrário do resto da família seria natural da freguesia de Santiago de Guilhofrei (hoje Guilhofrei, no concelho de Vieira do Minho). Com a finalidade de reunir as informações mais essenciais sobre todas as pessoas de que consta que foram intervenientes na elaboração da inquirição de genere relativa a Manuel Dias de Sousa, ou que foram mencionadas explicitamente no âmbito do documento, juntamos um quadro sinóptico em anexo. 5. Conclusão Devido às dúvidas manifestadas por Inocêncio Francisco da Silva no Diccionario Bibliographico Portuguez, resolvemos empreender uma pequena investigação para obter dados fidedignos relativos ao nascimento e às origens familiares do gramático Manuel Dias de Sousa. As nossas investigações arquivísticas permitiram-nos, por um lado, confirmar a localização física e o conteúdo do assento de óbito, lavrado pelo pároco da freguesia de São Tiago de Coimbra no dia 21 de fevereiro de 1827, tal como fora citado por Silva (1893, XVI: 171). Por outro lado, foi-nos possível localizar o assento de batismo do gramático de 28 de maio de 1753. Ao contrário de suposições inexatas de fontes de natureza secundária, este documento autêntico testemunha que Sousa nasceu no lugar da Carreira da então freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo (hoje Sobradelo de Goma, Póvoa de Lanhoso) no dia 25 de maio de 1753. Tanto o assento de batismo, até agora desconhecido, como o igualmente inédito processo de habilitação de genere, documento conservado no Arquivo Distrital de Braga que se destinava a estabelecer a pureza de sangue para receber as ordens menores, fornecem-nos elementos adicionais sobre a família do gramático, nomeadamente sobre o irmão Custódio Dias de Sousa (igualmente habilitado de genere), bem como os pais e os avós. É natural que o processo do irmão Custódio possa fornecer informações adicionais sobre a família que não constam do processo do irmão mais novo. A existência dos documentos localizados e apresentados no presente artigo leva-nos a concluir que devem existir outros documentos que poderão fornecer

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informações adicionais sobre a vida do gramático, sobretudo no Arquivo da Universidade de Coimbra, que nos parece ser a fonte mais provável para alguns tipos de documentação. Assim, o percurso de Sousa como estudante no curso de Cânones deveria ser documentado nos livros de matrículas da Universidade de Coimbra (nos quais os estudantes tinham que assinar com alguma regularidade), tal como acontece com os assentos relativos às provas do bacharelato. Considerando ainda que no Arquivo Distrital de Braga somente se conserva o processo de habilitação de genere, julgamos possível que o processo de ordenação na sua inteireza se possa conservar em Coimbra. Semelhantemente, a atividade de Sousa como pároco de Vila Nova de Monsarros, a atividade política como deputado nas cortes e as peripécias na luta daquela vila contra as exigências fiscais do Cabido da Sé de Coimbra indiciam que possam existir outros documentos inéditos que algum dia permitam que alguém venha a escrever uma biografia multifacetada que faça jus às atividades e ao grande leque de interesses do gramático Manuel Dias de Sousa. Como resultado mais imediato do presente artigo, concluímos, por fim, que não cabe qualquer dúvida de que deverão ser alteradas todas as referências ao tempo de vida de Manuel Dias de Sousa (1753-1827) no sentido de ser retificado o ano de nascimento na tradição biobibliográfica e na historiografia da linguística portuguesa.

Referências bibliográficas 1753, maio 28 – Sobradelo de Goma, Assento de batismo de Manuel, filho de Pedro Dias de Sousa e de Custódia Gonçalves, nascido aos 25 de maio de 1753. Arquivo Distrital de Braga, Registos Paroquiais, Concelho de Póvoa de Lanhoso, Freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo, Registo de batismos, livro misto n.º 6, (1736-1760), fols. 112 v - 113 r. 1773, março 17 – Braga, Justificação de fraternidade a favor de Manuel Dias de Sousa da freguesia de Santa Maria de Souto de Sobradelo com seu irmão Custódio Dias de Sousa. Arquivo Distrital de Braga, Inquirição de Génere, Pasta n.º 734, Processo n.º 16910. 1827, fevereiro 21 – Coimbra, Assento de óbito do Reverendo Manuel Dias de Sousa. Arquivo da Universidade de Coimbra, Registos Paroquiais, Concelho de Coimbra, Freguesia de São Tiago, Registo de óbitos, livro n. º 5 (1810-1851), fol. 70 r. ADB (2011) = Arquivo Distrital de Braga (2011): «Inventário das Visitas e Devassas». Introdução, inventário e índices de Maria da Assunção Jácome de Vasconcelos, segunda edição Nuno Macieira (informatização de dados) e Ana Sandra Meneses (revisão e adaptação). Braga: Arquivo Distrital de Braga. Em: http://www.adb.uminho.pt/uploads/Invent%C3%A1rio%20das%20Visitas%20e% 20Devassas.pdf (última consulta: DATA).

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Bandeira, Miguel Sopas de Melo (1993): «A cidade reconstituída a partir do Mappa das Ruas de Braga e dos índices dos Prazos das Casas do Cabido». Revista da Faculdade de Letras do Porto: Geografia 9 (I.ª Série), 101-223. Esteves, Duarte da Silva (2007): «As Ideias linguísticas de Manoel Dias de Souza». Dissertação de Mestrado em Ensino da Língua e Literatura Portuguesas. Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Godinho, Carlos Alberto da Graça (2009): «A Sé de Coimbra em conflito (1758 – 1780) Meios Cónegos e Tercenários em oposição aos Capitulares». Dissertação de Mestrado em História Moderna. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em: http://hdl.handle.net/10316/13481 (última consulta: 11 de outubro de 2012). Gomes, António José Ferreira (1998): «Santa Maria de Souto de Sobradelo: Guimarães – Inquérito paroquial de 1842». Revista de Guimarães 108, 555-569. Em: http://www.csarmento.uminho.pt/ docs/ndat/rg/RG108_068.pdf (última consulta: 11 de outubro de 2012). Oliveira, Eduardo Alberto Pires de (2011): «André Soares e o rococó do Minho». Tese de Doutoramento em História da Arte, 3 volumes. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Em: http://hdl.handle.net/10216/62456 (última consulta: 11 de outubro de 2012). Santos, Maria Helena Pessoa (2010): As Ideias linguísticas Portuguesas na Centúria de Oitocentos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian; Fundação para a Ciência e a Tecnologia; Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas). Schäfer-Prieß, Barbara (2000): Die portugiesische Grammatikschreibung von 1540 bis 1822: Entstehungsbedingungen und Kategorisierungsverfahren vor dem Hintergrund der lateinischen, spanischen und französischen Tradition. Tübingen: Max Niemeyer Verlag (Beihefte zur Zeitschrift für Romanische Philologie; Band 300). Silva, Inocêncio Francisco da (1862, VI): Diccionario Bibliographico Portuguez: Estudos de Innocencio Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil, Tomo Sexto. Lisboa: Na Imprensa Nacional, 1862. Contém ainda O Diccionario Bibliographico Portuguez julgado pela Imprensa contemporanea nacional e estrangeira (Segunda Serie). Lisboa: Imprensa Nacional, 1861. Obra reeditada em reprodução fac-similada, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, s. d. Silva, Inocêncio Francisco da (1893, XVI): Diccionario Bibliographico Portuguez: Estudos de Innocencio Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil, Continuados e ampliados por Brito Aranha, em virtude de contrato celebrado com o governo portuguez, Tomo Decimo Sexto (Nono do supplemento). Lisboa: Na Imprensa Nacional, 1893. Obra reeditada em reprodução fac-similada, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, s. d. Sousa, Manuel Dias de (1784): NOVA ESCOLA / DE / MENINOS / Na qual se propôem hum methodo facil para en- / sinar a lêr, escrever, e contar, com huma / breve direcçaõ para a educaçaõ dos Meninos / ORDENADA / Para descanço dos mestres e utilidade dos Disci- / pulos, / E DEDICADA / A / MARIA / SANTISSIMA / Com o Soberano, e devotissimo titulo / DA / CONCEIÇAÕ / POR /

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MANOEL DIAS DE SOUZA, / Presbitero Secular, Bacharel formado em Canones, natu- / ral do Arcebispado de Braga, e Beneficiado na C[trecho ilegível] Coimbra . // COIMBRA: / NA REAL OFFICINA DA UNIVERSIDADE. / M. DCC. LXXXIV. / Com licença da Real Mesa Censoria. Sousa, Manuel Dias de (1804): GRAMATICA / PORTUGUEZA / ORDENADA / Segundo a doutrina dos mais celebres Gramaticos co- / nhecidos, assim nacionaes como estrangeiros, / PARA / Facilitar á mocidade Portugueza o estudo de lêr e / escrevêr a sua propria Lingua, e a inteligencia / das outras em que se quizer instruir / POR / MANOEL DIAS DE SOUZA, / Presbitero Secular, formado em Canones, e Prior / na Paroquial Igreja de Vilanova de Monsarros, / do Bispado de Coimbra. // COIMBRA: / NA REAL IMPRENSA DA UNIVERSIDADE, / ANNO DE 1804. / Com licença da Meza do Desembargo do Paço. / Vende-se na Loja de Antonio Barneoud Administrador da Officina. Sousa, Manuel Dias de (1823): MONSARRAIDA / THEOLOGICO-JURIDICA / DADA A' LUZ PUBLICA / POR HUM / AMIGO DA VERDADE E DA JUSTIÇA. / A calumnias ninguem emudeça; mas res- / pondendo naõ respire em sua Justificaçaõ es- / pirito de vingança, ou desforra; porem jus- / tifique-se para naõ assinar á mentira hum pas- / saporte franco; e para que as injurias de que / nos taxarem, se naõ apossem daqueles que / delas se naõ tiverem capacitado. / S. Joaõ Chrysostomo. // LISBOA, / NA TYPOGRAPHIA ROLLANDIANA. / ANNO DE 1823. Teixeira, Márcia Margarida Gonçalves (2011): «Política cultural em rede: municípios de Anadia, Mealhada e Cantanhede». Dissertação de mestrado em Gestão e Programação do Património Cultural. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Em: http://hdl.handle.net/10316/20490 (última consulta: 11 de outubro de 2012). WWWBNP (s. d.) = «Catálogo da BNP». Em: http://catalogo.bnportugal.pt (última consulta: 11 de outubro de 2012).

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Anexo: Pessoas intervenientes e referidas na inquirição de genere NOME

NATURALIDADE

RESIDÊNCIA

IDADE

Manuel Dias de Sousa lugar da Carreira, [20 anos] (1753-1827) freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo Custódio Dias de freguesia de Santa Sousa Maria do Souto de Sobradelo Pedro Dias de Sousa freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo Custódia Gonçalves freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo António Dias de freguesia de Santa Maria do Souto de Sousa Sobradelo Maria Esteves freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo Domingos Gonçalves freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo freguesia de Santa Catarina Francisca freguesia de Santiago de Guilhofrei14 Maria do Souto de Sobradelo D. Gaspar de [Lisboa] Bragança (1716-1789) Dr. José Maria Pinto Brochado

Braga, Rua de Maximinos15

Luís Monteiro de Queiroz Luís da Maia

João Dias de Sousa

lugar da Carreira, freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo

36 anos

João Fernandes de Oliveira Guimarães

freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo freguesia de Santa Maria do Souto de Sobradelo

34 anos

Manuel Francisco de Carvalho

Rua do Souto, Braga

46 anos

OBSERVAÇÃO

justificante, identificase como bacharel em Cânones irmão do justificante, clérigo in minoribus pai do justificante mãe do justificante avô paterno do justificante avó paterna do justificante avô materno do justificante avó materna do justificante Arcebispo (de Braga) Primaz das Espanhas [desde 1758] Cónego da Sé de Braga, desembargador, juiz provisor e vigário-geral do Arcebispado de Braga escrivão escrivaõ dos Livros Findos da Câmara Eclesiástica de Braga estudante, testemunha, parente (primo) do justificante capitão

estudante, clérigo in minoribus

14 Tendo antigamente sido a cabeça do concelho de Vila Boa de Roda, Guilhofrei chegou a ser integrado no concelho de Póvoa de Lanhoso e pertence hoje ao concelho de Vieira do Minho. 15 Localizada na freguesia da Sé de Braga, trata-se hoje da Rua Dom Paio Mendes (entre a Rua de Dom Gualdim Pais e a Rua da Violinha), ficando mesmo em frente da Sé. Veja-se a identificação em Bandeira (1993: 222).

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