Alletsator: Ritos da eternidade

July 28, 2017 | Autor: Gabriel Rosa | Categoria: Game Theory, Philosophy, Metaphysics, Game studies, Surrealism, Video Games, Surrealismo, Video Games, Surrealismo
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Alletsator: Ritos da eternidade  de Gabriel Rosa  Vos  apresento  Alletsator,  a  “ópera  quântica”:  game  eletrônico  de  Pedro  Barbosa  e  Luís  Carlos  Petry;  obra  participante  da  XVº  Bienal  de  Cerveira  (2009).  Cabe introduzir às falas que também  o introduzem:  Indecifráveis amigos:    Sois os únicos sobreviventes diante da loucura.  Os livros todos cantam em coro a morte térmica do universo, tendes nuvens de electrões à  volta do cabelo. As cadeiras vão adormecer­vos o traseiro. Sois o retrato do espectador  pós­moderno que assiste parado à grande festa das imagens: envolto numa poalha de  sinais. Por favor, desliguem os vossos telemóveis, bips e relógios com sinal sonoro. Não  é permitido registar imagens, sons ou qualquer outro tipo de informação desta viagem  final. As notícias do milénio vão ficar para trás. Preparem­se para a Grande Viagem: a  nave XPTO levar­vos­á até um novo planeta. Na Terra que deixais desfralda­se já o  anúncio: “Planeta aluga­se!” Queiram pois acomodar­se, prezados sobreviventes:  isolem­se bem das coisas reais que gritam lá fora.  Arquivem estas palavras convexas. Abandonem­se ao universo dos sinais.  Tentem ser felizes... Até já!  Sob  insondáveis  segredos  de  realidades  distantes  o  universo  deste  game  se  constrói,  e  não  trai  seu  valor  de  obra  de  arte,  pois  parece  guardar  segredos  inimagináveis,  que  mortais  já  se  destroiram  ao  tentar  explicar  (a  fonte  da força de uma obra prima). Observemos no trecho citado   anteriormente:  “ISOLEM­SE  BEM  DAS  COISAS  REAIS  QUE  GRITAM  LÁ  FORA”.  E dessa  forma,  momentos  posteriores,  quando  a  XPTO  pousa  no  planeta,  “isolados das coisas reais” nos  vemos.  Pousamos  em  uma  dimensão  dominada  ou  percebida  através  dos  olhos  da  loucura,  ou  olhos  submersos  pelos  espectros  do  sono1:  câmera  feita  sobre  imagens  panorâmicas,  de  modo  que  distorce  a  realidade  visível ao movimentar­se, juntamente surgem seres de  pedra e andróides  com  posturas  de  oráculos  e  clementes,  astros  flutuantes  a  curtas  distâncias,  cellos  gigantescos,  1

 ​ A  despeito  disto  defino  créditos  ao  surrealismo,   e  mais  especificamente   à  um  pensamento  de  André  Breton,  que  idealiza  um  mundo  construído  através  do  sonho  e  da  realidade,  sensação  impressa  em  nossas  consciências  com  Alletsator:  “Acredito  na  resolução  futura  destes  dois  estados,  tão  contraditórios  na  aparência,  o  sonho  e  a  realidade,   numa  espécie  de  realidade  absoluta,   de  surrealidade,  se  assim  se  pode  dizer.  Parto  à  sua  conquista,  certo  de  não  conseguí­lo,  mas  bem  despreocupado  com  minha  morte,  vou  suputar  um  pouco  os  prazeres  de  tal posse.” (BRETON,  Manifesto do surrealismo, 1924) 

relíquias  de  pedras  e  cristais,  muitos  anunciando  a  ruína,  donde  se cria medo e curiosidade, pois  se  projeta  tanto  no  presente  e,  de  certa  forma,  também  no  passado  e futuro. Transporta­nos para  uma  dimensão  onde  o  tempo  é  parado  e  eterno2, pois que, então, somos “ALUMIADOS PELAS  LANTEJOULAS  DO  INFINITO”3.  Alcançamos  uma  realidade  alucinada,  onde  os  aspectos  do  racional  são  destroídos  no  momento  onde  passa  a  existir  uma  “eternidade  estagnada”  (contradição  que  desafia  a  lógica).  Nos  vemos  atravessados  constantemente  por  um  sentimento  de  agonia  e  angústia,  por   um  futuro  que  só  se  vislumbra,  um  passado  que  parece  distante  e   um  presente  que  carrega  tudo  isto.  E  como  já  foi  dito,  de  fato  somos  “OS  ÚNICOS  SOBREVIVENTES  DIANTE  DA  LOUCURA”.  Nada  parece  mais  lógico,  nada  parece   mais  totalmente  real   ou   consciente.  A  subjetividade  de  ritos  proclamados  performaticamente  nos  atravessam  e  enlouquecem. Do sonho e da loucura, logo,  se extrai algo de comum, de onde estes  tem  sua  verdadeira  origem:  o  inconsciente4.  Afundados  em  estado  inconsciente  da  mente,  acentua­se toda uma força subjetiva, aquilo que se está oculto, velado, que oferece força à arte.    Diante  de  todo  aquele  estado  de  tensão,  onde  as  vozes,  em  clemência,  repetem  palavras  “em  oração”,  nos  pesa  a  atmosfera  onde  é  nos  posta  uma  série de dissonâncias  sonoras. O ar se torna  pesado  e  grosso:  parece  apertar,  tentando  passar  em nosso peito. E então, depois de determinado 

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 ​ Inclusive  a  mecânica  do  jogo   reforça  a  ideia  de  eternidade,  pois  não  se  tem  um  objetivo  ou  final  para  este.  Outro  aspecto  que  reforça  isto  é  a projeção da palavra “MIF” (no início do jogo, quando se está pousando no Planeta) que  vai  rodando   no   espaço  até  se  tornar  a  palavra  “FIM”,  ou  seja,  se  têm  o  fim  e  o  contrário  deste  (início)  em  uma  mesma   palavra, desta forma, o infinito pertence à unidade.  3  ​ Frase  constantemente repetida nesta  “ópera quântica”. E vale ressaltar que se destaca o  momento de ópera pois se têm  ações  performáticas  de   extremo  valor  e  condizência  com  todo  o  teor  místico  e  metafísico  da  “peça”.  Coros  são  proferidos  em  ritmo  de  oração  clemente,   que  poderia  se  aproximar  da  estética  das  orações  cristãs,  que  se  assemelha  também  no  fato  de  existirem  ainda  alguns  seres  que   se  ajoelham  ao  “pregar”,  ato  de  grande  potência  performática  ritualística.    4  ​ Uma  ferramenta   a  qual  é  usada  pelos   surrealistas  (e  dadaístas)  para  se  aproximar  da  inconsciente  é  o  método  do  automatismo,  ou  “escrita  automática”:  “Freud  parte  do  sintoma  neurótico  e chega  ao  sonho  e  à  descrição  do aparelho  psíquico.  Breton  parte  dessa  aproximação  paranóica  da  realidade  para pensar que a relação do homem com a realidade   se  funda  na  enunciação.  Neste  percurso,  que  reúne  loucura e  poesia,  uma  noção  se impõe ao pensamento de Breton: a  de  automatismo.”  (SANTOS,  2002). No caso de Alletsator pode­se pensar a escrita automática pois o texto é produzido  através  de  um  gerador  de  texto  chamado  “sintex”,  criado  por  Pedro  Barbosa.  “Numa  definição  breve,  este programa  baseia­se na  geração  automática  de um  texto  constituído  por  uma  linguagem  de  marcação (uso de etiquetas) em que o  resultado  final  consiste  na selecção  aleatória  de  etiquetas definidas  num texto matriz. O sentido do texto é aqui assente  em  algoritmos  informáticos  que  exploram  um  campo  possível  de  significados.  É  a  utilização   do   computador  como  "máquina  semiótica",  onde  a  informação  que  entra  (input)  é   diferente  da  informação  que  sai  (output).”  (​ http://www.educ.fc.ul.pt/hyper/resources/eduarte­mimesis.htm​ )  

tempo,  o  som  cessa  e  tudo  paira  em  elevação.  Chega­se  a  um  silêncio  de  pura  eternidade,  um  vazio preenchedor.     Referências:  BRETON​ ,  André.  Manifesto  do  Surrealismo.  Culturabrasil.org,  1924.  Disponível  em:   Acesso em: Fevereiro, 2015.  SANTOS​ ,  Lúcia  G.  dos.  A  experiência   surrealista  da  linguagem:  Breton  e  a  psicanálise,  Rio de   Janeiro: 

Ágora, 

2002. 

Disponível 

em: 

  Acesso  em: Fevereiro, 2015.  BARBOSA​ ,  Pedro.  Alletsator  XPTO  –  Kosmos.2001:  libreto  de  ópera  sobre   texto   eletrónico  sintetizado 

em 

computador. 

Porto: 

Edições 

UFP, 

2001. 

Disponível 

em: 

 Acesso em: Fevereiro, 2015.  DUARTE​ , Eunice Gonçalves. Metamorfoses da mimesis: A dramaturgia na era tecnológica.  Disponível em:  Acesso em:  Fevereiro, 2015.   

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