Alletsator: Ritos da eternidade
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Alletsator: Ritos da eternidade de Gabriel Rosa Vos apresento Alletsator, a “ópera quântica”: game eletrônico de Pedro Barbosa e Luís Carlos Petry; obra participante da XVº Bienal de Cerveira (2009). Cabe introduzir às falas que também o introduzem: Indecifráveis amigos: Sois os únicos sobreviventes diante da loucura. Os livros todos cantam em coro a morte térmica do universo, tendes nuvens de electrões à volta do cabelo. As cadeiras vão adormecervos o traseiro. Sois o retrato do espectador pósmoderno que assiste parado à grande festa das imagens: envolto numa poalha de sinais. Por favor, desliguem os vossos telemóveis, bips e relógios com sinal sonoro. Não é permitido registar imagens, sons ou qualquer outro tipo de informação desta viagem final. As notícias do milénio vão ficar para trás. Preparemse para a Grande Viagem: a nave XPTO levarvosá até um novo planeta. Na Terra que deixais desfraldase já o anúncio: “Planeta alugase!” Queiram pois acomodarse, prezados sobreviventes: isolemse bem das coisas reais que gritam lá fora. Arquivem estas palavras convexas. Abandonemse ao universo dos sinais. Tentem ser felizes... Até já! Sob insondáveis segredos de realidades distantes o universo deste game se constrói, e não trai seu valor de obra de arte, pois parece guardar segredos inimagináveis, que mortais já se destroiram ao tentar explicar (a fonte da força de uma obra prima). Observemos no trecho citado anteriormente: “ISOLEMSE BEM DAS COISAS REAIS QUE GRITAM LÁ FORA”. E dessa forma, momentos posteriores, quando a XPTO pousa no planeta, “isolados das coisas reais” nos vemos. Pousamos em uma dimensão dominada ou percebida através dos olhos da loucura, ou olhos submersos pelos espectros do sono1: câmera feita sobre imagens panorâmicas, de modo que distorce a realidade visível ao movimentarse, juntamente surgem seres de pedra e andróides com posturas de oráculos e clementes, astros flutuantes a curtas distâncias, cellos gigantescos, 1
A despeito disto defino créditos ao surrealismo, e mais especificamente à um pensamento de André Breton, que idealiza um mundo construído através do sonho e da realidade, sensação impressa em nossas consciências com Alletsator: “Acredito na resolução futura destes dois estados, tão contraditórios na aparência, o sonho e a realidade, numa espécie de realidade absoluta, de surrealidade, se assim se pode dizer. Parto à sua conquista, certo de não conseguílo, mas bem despreocupado com minha morte, vou suputar um pouco os prazeres de tal posse.” (BRETON, Manifesto do surrealismo, 1924)
relíquias de pedras e cristais, muitos anunciando a ruína, donde se cria medo e curiosidade, pois se projeta tanto no presente e, de certa forma, também no passado e futuro. Transportanos para uma dimensão onde o tempo é parado e eterno2, pois que, então, somos “ALUMIADOS PELAS LANTEJOULAS DO INFINITO”3. Alcançamos uma realidade alucinada, onde os aspectos do racional são destroídos no momento onde passa a existir uma “eternidade estagnada” (contradição que desafia a lógica). Nos vemos atravessados constantemente por um sentimento de agonia e angústia, por um futuro que só se vislumbra, um passado que parece distante e um presente que carrega tudo isto. E como já foi dito, de fato somos “OS ÚNICOS SOBREVIVENTES DIANTE DA LOUCURA”. Nada parece mais lógico, nada parece mais totalmente real ou consciente. A subjetividade de ritos proclamados performaticamente nos atravessam e enlouquecem. Do sonho e da loucura, logo, se extrai algo de comum, de onde estes tem sua verdadeira origem: o inconsciente4. Afundados em estado inconsciente da mente, acentuase toda uma força subjetiva, aquilo que se está oculto, velado, que oferece força à arte. Diante de todo aquele estado de tensão, onde as vozes, em clemência, repetem palavras “em oração”, nos pesa a atmosfera onde é nos posta uma série de dissonâncias sonoras. O ar se torna pesado e grosso: parece apertar, tentando passar em nosso peito. E então, depois de determinado
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Inclusive a mecânica do jogo reforça a ideia de eternidade, pois não se tem um objetivo ou final para este. Outro aspecto que reforça isto é a projeção da palavra “MIF” (no início do jogo, quando se está pousando no Planeta) que vai rodando no espaço até se tornar a palavra “FIM”, ou seja, se têm o fim e o contrário deste (início) em uma mesma palavra, desta forma, o infinito pertence à unidade. 3 Frase constantemente repetida nesta “ópera quântica”. E vale ressaltar que se destaca o momento de ópera pois se têm ações performáticas de extremo valor e condizência com todo o teor místico e metafísico da “peça”. Coros são proferidos em ritmo de oração clemente, que poderia se aproximar da estética das orações cristãs, que se assemelha também no fato de existirem ainda alguns seres que se ajoelham ao “pregar”, ato de grande potência performática ritualística. 4 Uma ferramenta a qual é usada pelos surrealistas (e dadaístas) para se aproximar da inconsciente é o método do automatismo, ou “escrita automática”: “Freud parte do sintoma neurótico e chega ao sonho e à descrição do aparelho psíquico. Breton parte dessa aproximação paranóica da realidade para pensar que a relação do homem com a realidade se funda na enunciação. Neste percurso, que reúne loucura e poesia, uma noção se impõe ao pensamento de Breton: a de automatismo.” (SANTOS, 2002). No caso de Alletsator podese pensar a escrita automática pois o texto é produzido através de um gerador de texto chamado “sintex”, criado por Pedro Barbosa. “Numa definição breve, este programa baseiase na geração automática de um texto constituído por uma linguagem de marcação (uso de etiquetas) em que o resultado final consiste na selecção aleatória de etiquetas definidas num texto matriz. O sentido do texto é aqui assente em algoritmos informáticos que exploram um campo possível de significados. É a utilização do computador como "máquina semiótica", onde a informação que entra (input) é diferente da informação que sai (output).” ( http://www.educ.fc.ul.pt/hyper/resources/eduartemimesis.htm )
tempo, o som cessa e tudo paira em elevação. Chegase a um silêncio de pura eternidade, um vazio preenchedor. Referências: BRETON , André. Manifesto do Surrealismo. Culturabrasil.org, 1924. Disponível em: Acesso em: Fevereiro, 2015. SANTOS , Lúcia G. dos. A experiência surrealista da linguagem: Breton e a psicanálise, Rio de Janeiro:
Ágora,
2002.
Disponível
em:
Acesso em: Fevereiro, 2015. BARBOSA , Pedro. Alletsator XPTO – Kosmos.2001: libreto de ópera sobre texto eletrónico sintetizado
em
computador.
Porto:
Edições
UFP,
2001.
Disponível
em:
Acesso em: Fevereiro, 2015. DUARTE , Eunice Gonçalves. Metamorfoses da mimesis: A dramaturgia na era tecnológica. Disponível em: Acesso em: Fevereiro, 2015.
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