Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis
Almada Negreiros e o Templo de Oeiras
A obra em vitral de 1954 Dezembro 2014
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FIG. 1 -‐ Almada Negreiros, vitral de Oeiras, 1954 -‐ pormenor do cisne -‐ foto de Paulo Neto Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
“DE 1 A 65 N’adhérez jamais GEORGES BRACQUE Nasci d’asas Com asas Cortaram-‐me as guias De pé no chão Vieram os filhos Cortaram-‐me os pés Cresceram as asas Sei só voar Sem pé em terra Sem pé no ar Tenho pé no ar Filho d’asas Sabe voar” Almada Negreiros, Diário Ilustrado, Lisboa, 3 de janeiro de 1959, (quando o poeta tinha 65 anos de idade e após a realização do vitral de Oeiras com um cisne de belas asas)
“O número é imanente no universo”1, por conseguinte tanto o número conduz ao sensível , como o livre arbítrio do sensível “encontrara” o número. Almada Negreiros, Ver, p.246 1
Aristóteles, Metafísica Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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FIG. 2 -‐ Almada Negreiros, vitral de Oeiras, 1954 -‐ foto de Paulo Neto
Num ápice, à velocidade da luz o tempo passou pela mão de um luminoso artista! São sessenta anos de presença de Almada Negreiros no edifício da antiga biblioteca municipal, a casa do conhecimento, hoje integrado nos paços do Concelho de Oeiras numa presença serena e discreta que colaboradores e público partilham sem o ver mas conscientes de que ali está. Aquela fonte de luz suave afaga o espaço e conforta o transeunte indiferente nas suas preocupações burocráticas. Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
No ano passado comemoraram-‐se 120 anos do seu nascimento e neste ano de 2014 celebramos uma obra com 60 anos realizada quando o artista tinha a mesma idade, 60 anos. Almada surpreende sempre. Não temos conhecimento de outro município que na sua casa ostente obra de tão distinto artista. O vitral assinado por Almada de seu nome José Sobral de Almada Negreiros, datado de 1954, de proporções generosas ilumina de cor quente a escadaria de acesso ao salão nobre e 1º andar. O austero edifício foi em boa hora atingido pela obra do artista que, já consagrado à época, ali deixou uma criação baseada em estudos sobre a geometria, a estética e a filosofia que ocupavam há muito a sua mente complexa num registo enriquecedor do espaço público patrimonial do município. Almada nasceu na Roça da Saudade, freguesia da Trindade, em São Tomé e Príncipe em 7 de Abril de 1893. Filho do tenente António Lobo de Almada Negreiros administrador do concelho e de sua mulher Elvira Sobral rica proprietária local. A mãe morre quando José tinha apenas 3 anos de idade e isso vai marcar toda a sua vida. A presença materna será sempre indelével em Almada e isso descobriremos nesta visita. Almada é convidado a compor uma obra para Oeiras pelo neto do marquês de Pombal. Sente essa responsabilidade e obriga-‐se a conhecer profundamente a singular propriedade que no pós-‐terramoto de 1755 foi idealizada por Sebastião José de Carvalho construtor desse território único pensado em cada pormenor, tal como engendrara o novo centro administrativo de Lisboa. Rodeado dos melhores artistas o príncipe deixa um conjunto de marcas de qualidade onde sobressaem dois soberbos conjuntos arquitectónicos -‐ a baixa de Lisboa e a quinta e palácio de Oeiras, com o arrojo de um autêntico paço real. Os dois territórios são traçados a régua e esquadro, com linhas definidoras de sentidos, de segundos sentidos, de regras claras e aparentes, de hierarquias, numa geometria depurada. Nascem dois territórios eruditos dos mais belos de Portugal, arrisco a escrever, de toda a europa, complementares inequivocamente um do outro. Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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Em Oeiras o guardião desse espaço singular investido numa dupla condição de descendente do marquês de Pombal e presidente da Câmara sente que se aproxima o fim do longo mandato autárquico. Era tempo de deixar um singelo legado de homenagem e de respeito por tão omnipresente figura cujo primeiro título foi, sintomaticamente, o de Conde de Oeiras. O major do exército João de Saldanha Oliveira e Sousa pede a Almada Negreiros algo simbólico e contemporâneo que valorizasse o novo equipamento cultural a construir nas ruínas da antiga estufa de plantas concebidas pelo príncipe seu antepassado. Na obra enigmática o artista reinventou a simbologia do concelho como é exemplo a bandeira e o cisne do brasão de armas, apurando a forma das asas e a sua estrela de oito raios. Também o elemento vegetal aparentemente ornamental diretamente alusivo a espigas douradas dos campos férteis da região terá uma “ante-‐ leitura” que procuraremos descortinar. Conhecendo um pouco do espírito provocador de Almada esta sua obra poderá merecer diversas leituras e significados pelo que nunca nos devemos contentar com a primeira reação visual, quer dizer, sigamos Bracque «N’adhérez jamais». O ano de 1954 revelou-‐se de grande criação artística para Almada e no seu atelier (uma singela cabana de madeira de planta quadrada no meio de vegetação cerrada em Bicesse, Cascais, vendo-‐se a norte a serra de Sintra e o palácio da Pena) brotam o célebre óleo do seu companheiro e amigo Fernando Pessoa e os vitrais do Restelo e de Oeiras. O óleo destinava-‐se ao restaurante “irmãos unidos”, em Lisboa, frequentado por Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, o próprio Almada e outros colaboradores da revista “Orpheu”, da qual saíram apenas dois números e daí aparecer no canto da mesa o nº 2 da revista. É uma obra de grande fôlego que reforça o nome de Almada no panorama artístico português. O pintor dos olhos grandes executa dois vitrais com destinos e enquadramentos diversos, mas certamente com alguns pontos em comum; o vitral de Oeiras que aqui tratamos e o vitral Eros e Psique para a residência do seu amigo, o poeta José Manuel Fróis Ferrão, na rua de Alcolena no Restelo. Este exemplar está assinado mas não Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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datado, apesar de se saber ter sido executado em 1954 (vd. Cátia Mourão, Eros e Psique, AR 2004,p.10). É atualmente propriedade da Assembleia da República. Ambos os vitrais apresentam alguma relação cromática e formal (com o mesmo nº de painéis -‐ 5 -‐ do vão central e dimensões gerais). Poderão ter sido produzidos na mesma oficina. Também neste caso a fabricação é desconhecida, sendo possível que ambos fossem provenientes do atelier de Ricardo Leone na Rua da Escola Politécnica com quem Almada trabalhara noutras obras, como é o caso do também triplo vitral para a igreja de Nossa Senhora de Fátima em Lisboa em 1936. Contudo, ressalva-‐se que este conceituado vitralista conhecido pelo restauro dos vitrais do Mosteiro da Batalha, tinha por hábito assinar as suas obras, o que não é o caso nem do vitral de Oeiras, nem do Restelo.
FIG. 3– Almada Negreiros, Eros e Psique (1954). O vitral da rua de Alcolena no Restelo. Hoje encontra-‐se na Assembleia da República
O conjunto vitralístico de Oeiras encontra-‐se ao eixo da escadaria central que pontua o hall de entrada do edifício, sob o patamar intermédio que aí se desdobra em dois lanços de escada pelo lado esquerdo e direito em direção ao 1º andar onde se localizava a biblioteca municipal, hoje salão nobre. Ao centro a partir do teto em caixotão implanta-‐se um lustre que ilumina toda a sala onde se inscreve a escadaria, complementando a unidade conceptual do espaço. A escadaria é pontuada com quatro pilares pétreos coroados em flor-‐de-‐Lis, motivo aproveitado na composição complexa dos silhares de azulejos, também eles cheios de significado e em diálogo com a geometria oculta do vitral e do espaço. O novo edifício adjacente aos Paços do Concelho foi inaugurado a 26 de Março de 1955 destinando-‐se à primeira sede dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento e à nova Biblioteca Municipal de Oeiras. Foi construído de raiz no local Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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onde funcionavam as antigas estufas da Câmara, cujas robustas paredes exteriores se mantiveram. A sua construção terá levado cerca de cinco anos. Segundo notícia publicada no Diário de Lisboa dessa tarde, o projeto de arquitetura do edifício é da responsabilidade do arquiteto José Magalhães e teve como responsável pela estabilidade o engenheiro civil Kaúlza de Arriaga, que mais tarde se destacaria na carreira das armas como oficial general. Era presidente da Câmara o 3º marquês de Rio Maior, o major engenheiro João António de Saldanha Oliveira e Sousa descendente do marquês de Pombal. A inauguração contou com a presença do ministro do Interior Dr. Trigo de Negreiros.
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FIG. 4 – Em 26.3.1955 -‐ Inauguração do edifício vendo-‐se o ministro do Interior em primeiro plano e o presidente da Câmara a seu lado, ao fundo é perceptível a fachada do Palácio do Marquês de Pombal – Note-‐se o alinhamento quase milimétrico das janelas e o eixo da entrada. O vitral encontra-‐se na escadaria em frente a esta porta, no mesmo eixo. Foto in Jornal Correio da Linha, Jun.2009.
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A composição do vitral Almada pensou a composição do vitral em 3 vãos, como fizera para a “santíssima trindade” na igreja de Nª Sra. de Fátima em Lisboa. Tem como elemento central o brasão de armas do município de Oeiras sob fundo inspirado na sua bandeira -‐ branco e púrpura, ladeado com faixas verticais ondulantes em simetria com motivos vegetalistas evocativos do trigo onde dominam os amarelos e dourados que se encontram também no folhado das parras do escudo. Visível, quase ostensivo, coloca o 1+1=1 a sua regra fundamental. São os dois conjuntos simétricos de espigas de ouro que de alto-‐a-‐baixo suportam a composição, dignificando o elemento central. O artista adotou para base do vitral o fundo da bandeira do município, com uma inovação (diria mesmo subversão) na procura de maior dinamismo na composição. Sem mais alterou a base esquartelada e enfadonha de 4 retângulos em xadrez, num fundo gironado de 8 triângulos, igual ao de Lisboa, cujos símbolos e a ligação vicentina sempre sublimou2. Aproveitando as diagonais do vitral contornou uma dificuldade objetiva que o brasão, como elemento central, conduziria se não se concebesse uma solução tripla de vãos. Em simultâneo conseguiu dar a unidade geométrica não só de cada vão como do seu conjunto. Noutro ângulo de leitura Almada coloca na sua obra duas colunas de pedra e em sobreposição invoca a unidade das duas cruzes (a swástica e savástica) que na antiguidade clássica, estando enlaçadas numa única cruz simbolizam a harmonia do eterno retorno e do eterno devir, a inseparabilidade do sagrado e do sensível (Almada, Ver, p.132). O entrelaçamento das cruzes é um jogo secular que se inicia em Creta e chega a Lisboa que a adota na sua bandeira. Também a nossa portuguesa cruz de Cristo é esquematicamente o mesmo entrelaçado das duas cruzes (Almada, Ver, p.135). A regra da vexiolologia portuguesa aponta para que às vilas correspondem as bandeiras esquarteladas com coroa mural de 4 torres, como é o caso de Oeiras, enquanto às cidades, seguindo o exemplo de Lisboa, correspondem as bandeiras gironadas e coroas murais de 5 torres. 2
João Furtado Coelho,“A bandeira de Lisboa e as das demais …” in Almada dixit, p. 236-‐264. Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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Almada Negreiros sabia que Oeiras tinha o estatuto de vila, mas de forma intencional seguiu o exemplo da bandeira de Lisboa, a cidade de Ulisses, a cidade das 7 colinas pelo forte simbolismo associado ao entrelaçamento das cruzes. Em paralelo com o redesenho da bandeira o artista estava a apontar para a elevação de Oeiras à dignidade da cidade, deixando as 4 torres para que permanecesse alguma dúvida no ar. Sintomaticamente a Amadora que na altura estava integrada no concelho de Oeiras foi elevada a cidade após a sua separação de Oeiras em 1979. Premonitório Almada viu condições para a elevação do concelho de Oeiras a cidade, o que em parte se concretizou com a Amadora 25 anos depois.
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FIG.5 -‐ Brasão de armas original -‐ bandeira do município esquartelada de branco e de púrpura cardinalíssimo
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FIG.6 -‐ O Brasão recriado por Almada Negreiros, sob bandeira gironada de cidade foto Paulo Neto
O brasão como elemento central da obra encomendada foi objeto por parte de Almada de um trabalho de depuração com alteração de proporção, de composição com redesenho, simplificação de elementos e apuramento cromático e de traço. A Coroa mural de prata de quatro torres teve uma alteração na forma e cor das portas, desaparecendo propositadamente o Listel branco com a legenda " Vila de Oeiras " a letras negras. O cisne adquiriu outra elegância pelo apuramento e redesenho. Cortaram-‐me as guias. O toque do artista está bem visível aqui, nomeadamente, na forma das asas que agora se abrem de forma protetora, adquirindo volume pelo sombreado. Filho d’asas / Sabe voar” reconhece o artista que nasceu com asas para altos voos e que Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
evidentemente se enamorou pela luz e pureza simbólica da ave oeirense, que tanto pode ser Zeus transfigurado, como o cisne que guia o filho de Parsifal ou o fiel acompanhante de Apolo, mas onde Almada reconhece que a si mesmo, tal como no poema que irá escrever, lhe Cresceram as asas / Sei só voar /Sem pé em terra. As asas do cisne, ave que remete para os cavaleiros da Távola Redonda, são a ligação visível e invisível ao vitral Eros e Psique que anteriormente abordámos. Já vimos que o elemento alado é importante na reflexão almadiana, e se na psique elas estão desfalecidas, em Oeiras estão em posição de imponência e garbo. Querem ser vistas, são atrativas! Veremos mais à frente se não aparentam outra mensagem. Almada trabalha as patas do cisne dando-‐lhe mais volume e solidez de sustentação, orientando-‐as a régua e esquadro como que solidificando os alicerces do símbolo. Amplifica a estrela pombalina de oito pontas que decora o peito da ave, qual rosa dos ventos que indica a direção. Que direção será essa? Estará aqui o sinal? A direção única. A subtil para não dizer dissimulada axialidade presente nos traçados arquitectónicos de Pombal. Estes elementos são retocados, as dimensões aumentadas para melhoria da proporção e simultaneamente acentuação das leituras imanentes, esotéricas (interiorizadas) e exotéricas (exteriorizadas). A cor do cisne muda de cinza para branco. Também os bagos de uva recebem volume e brilho. O folhado das parras dos cachos de uva muda de forma, ficando com ouro mais vivo, sendo acantonados de forma diferente. O contra-‐chefe de cinco faixas ondadas da base é transformado em ondas mais suaves e de tonalidade diferente. O azul cobalto mate envolvendo o cisne é também transformado em azul de tom mais luminoso e natural sugestivo de Céu e de Lua. Relembrando a sabedoria superior dos pedreiros construtores de catedrais, obras maiores da capacidade humana, que na pedra que gravavam a sua sigla reservada aos iniciados, marca dissimulada mas identificadora, cunho de verdade. Também Almada Negreiros neste elemento central vai colocar duas cifras identificadoras da verdade da obra: o L dourado da pata do formoso cisne e a confirmação traduzida na mais fina linha ondulada do olho do cisne. Uma autêntica “marca de pedreiro” medieval.
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FIG. 7– o L de Almada na pata do cisne em rigorosa esquadria
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FIG. 8 – o olho do cisne a “marca de canteiro” de Almada Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
O cunho de artista ampliado com a leitura transcendente ou “invisível” do vitral, à semelhança do que o autor segue em todas as suas obras é valor significativo. É descoberta! Misterioso, Almada deixa sempre em cada registo, por mais despojado que pareça, pistas, sinais a diversos níveis sensoriais ao ritmo de uma mente inebriante. Almada não dá ponto sem nó!
O outro vitral Almada é um seguidor da escola pitagórica e nos seus princípios de uma ordem cósmica perfeita e harmoniosa onde, a partir do número, tudo se forma em quatro elementos fundamentais: Terra, Água, Ar e Fogo. Nada pode ser concebido sem o número, dizia Filolau e a simetria é a porta de entrada da Harmonia, acrescenta Almada (Ver, p.215). O esforço intelectual de leitura dos números permite a libertação da alma do indivíduo. O fascinante exercício de descoberta de princípios esotéricos baseados na representação numérica e numa geometria complexa que tudo suporta são ingredientes fundamentais da criação em Almada. Desde cedo a visão humana apontava a linha curva como de origem divina e a natureza com as formas circulares. Em contraponto a criação humana representada em linhas retas adquiria forma primordial na arquitetura. Almada entende que as duas gerações, divina e humana, têm uma relação directa com os números 2 e 3 respetivamente. O dois de uma simetria perfeita, do par, da obra divina, do Dionisismo e do Orfismo a que corresponde a filosofia acusmática. À geração do três, do ímpar, da obra do homem, dos matemáticos e dos homens da ciência, corresponde ao pitagorismo. Na geração par temos: Zeus 2, Apolo 4, Hermes 6 e Dionisos 8 (Almada,Ver, p.98, 270). Na geração impar, a de Prometeu, a humana Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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temos os números 3, 5, 7e o 9. A série dos números Par-‐Ímpar é o casamento do Céu e da Terra (Almada,Ver, p.216). A síntese Par-‐Ímpar é a perfeição e a análise o caminho para compreende-‐la. Os números são a síntese dada por Deus para a compreensão do universo. Dez são os dígitos de zero a nove e nenhum deles o dez. O dez é o primeiro da segunda dezena e o total dos números da primeira dezena. «O dez enquanto total dos números dígitos está presente e expresso em quantidade na série infinita dos números» (Almada,Ver, p. 179). Em síntese nestes dez números estão presentes um total (divisível e simples) e um todo, a série infinita dos números, o universo. É este o fascínio que alimenta o espírito do Homem permitindo-‐lhe abarcar o infinitamente grande ou pequeno e o exacto divisível e perfeito. Quando deste todo complexo e imprevisível o resumimos numa unidade, num símbolo, começa a poderosa síntese do universo. «Será possível esta cadência do dez representada nos números dígitos e tomada isoladamente de todas as outras dezenas formar por si a concepção conjunta do macrocosmos e do microcosmos? Foi possível. E foi o que Pitágoras encontrou ao pôr os números no monumento dórico, o templo seu antepassado.» (Almada,Ver, p.180) Almada concluiu que a síntese só é possível após a análise. E que essa capacidade de processar a síntese «é a forma do entendimento humano». No fundo a síntese é a natureza e por isso o fascínio que exerce no Homem. O sintetismo é uma prorrogativa da natureza humana desde o primeiro dia da criação. «O exacto e o perfeito encaminham-‐se um para o outro. Entre o exacto e o perfeito está o belo. O belo é o perfectível.(…) o belo desfaz o sistema e deixa nu o que foi vestido. O exacto veste e o belo despe. A nudez na natureza é o simples no belo. A natureza e o seu oposto que a “imita” só criam nus e simples. Na natureza todos os berços são individuais, tudo nasce nu e a sua Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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nudez é a única portadora da sua própria florescência. É o que pretende o belo com a sua criação do simples. Porém o belo não se fica apenas no estético, o qual é apenas uma quarta parte do belo, com as outras três: ético, lógico e religioso. “O belo achado da aritmética” (Ésquilo, Prometeu Acorrentado) não pode deixar de ter encontrado o número formado pelos quatro ângulos rectos no círculo perfeito: o bom, o verdadeiro, o formoso e o santo.» (Almada,Ver, p.181) Inventei para eles a mais bela ciência, a dos números; Formei o sistema do alfabeto e fixei a memória, a mãe das ciências, a alma da vida. (…) iniciei os mortais numa ciência difícil, dando-‐lhes a conhecer signos até então ignotos. E não é tudo: a prata e o ouro, quem se orgulhará de os ter descoberto, antes de mim? Ninguém, a menos que se trate de um impostor. Em suma: todas as artes e conhecimentos que os homens possuem são devidos a Prometeu. (Ésquilo, Prometeu Acorrentado) c. 525 AC-‐456 AC « Pelo ponto e pelo círculo dizemos o nascimento do lógos» (Almada,Ver, p.182)
FIG.9 –
«O raio do círculo vai do ponto ao infinito. Inscrevendo o quadrado no círculo, como o quadrado e o círculo conservam a mesma forma até ao infinito, são iguais no infinito e temos a razão primeira entre o finito e infinito, (…)» (Ver, p.182)
FIG.10 –
«Com as diagonais ou quatro rectos dividem a um tempo o círculo em quatro partes iguais». Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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FIG.11 –
«Com os diâmetros vertical e horizontal ficam igualmente a um tempo divididos, em quatro partes iguais, o quadrado e o círculo.»
FIG.12–
Este sintético desenho geométrico serve para Almada demonstrar que apesar do quadrado e do círculo serem divisíveis a sua justaposição torna-‐se indivisível, tal como o uno é indivisível. Assim a sua sobreposição faz que aquelas divisões em separado não tenham correspondência quando entendidas em conjunto. Almada considera-‐a a legítima ficção humana ou divina: a prévia justaposição do que é intangível. «O intangível é aqui representado pelo ponto e pelo círculo, diríamos o alfa e o ómega, abrangendo tudo o que lhe é intermédio. É a definição do sagrado. A sua representação é o círculo, símbolo do perfeito. O quadrado inscrito representa o domínio do sensível, faz parte do sagrado, do uno e não cobre o todo do círculo (perfeito). Contudo, o sagrado e o sensível são a mesma essência e ambos o mesmo movimento desde o ponto até ao círculo com o raio infinito.» (Almada,Ver, p.184) A mais simples demonstração geométrica é, no fundo, a projecção universal desde o princípio até ao fim. Do ponto primordial ao infinito. É a inseparabilidade do sagrado e do sensível. É no fundo reconhecer a essência de cada mas também a sua intrínseca ligação. O sensível é entendimento é reflexão é dúvida sobre o princípio e o fim, enquanto «o sagrado o percorre a todo o instante, (…) está a um tempo no princípio, no meio e no fim». «O círculo é a inseparabilidade do sagrado e do sensível; o quadrado o cognoscível; e o que o círculo excede o quadrado o que não é cognoscível».( Almada,Ver, p.184) Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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São estes os caminhos que levam ao domínio do belo. São estes os caminhos percorridos por Almada na sua obra . Almada crê na inseparabilidade do sagrado e do sensível à escala humana no profundo conhecimento dos 4 primeiros números ou o «sagrado quaternário de Pitágoras, a saber: 1. A origem da inseparabilidade do sagrado e do sensível no infinito mais distante de nós no passado, o princípio, o ponto. 2. O sagrado, inseparável do sensível, mas invariável no tempo, o círculo 3. O sensível, inseparável do sagrado, mas variável no tempo, o quadrado. 4. Os lados do quadrado separando no círculo o cognoscível do incognoscível, correspondendo cada lado aos valores da personalidade humana: lógico, ético, estético e religioso, estabelecendo o belo no círculo perfeito da inseparabilidade do sagrado e do sensível. O cognoscível é a aprendizagem, o andaime da obra: o homem. O incognoscível é onde 17
está a obra pronta: o homem livre. (Almada,Ver, p. 186). O sagrado quaternário está presente no cacho de uvas, mas com o pormenor de se encontrar invertido e por isso passar despercebido, quase oculto. Mas é neste trecho que que o autor dá o sinal do seu pensamento. Quase como uma segunda assinatura de convicção no exato e perfeito da sua obra. O verdadeiro, o bom, o formoso e o santo são-‐no de dois modos. Dessa forma nem o belo se limita ao estético, muito menos o sagrado se reduz ao religioso.
FIG. 13 -‐ o sagrado quaternário e o cacho de uvas de Almada – ilustração de Carlos Reis Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
Do Quaternário para atingir a simbiose perfeita do 7 falta aludir à Trindade. O vitral de Oeiras, como tríptico, alude à Trindade, curiosamente o local da sua própria origem em S. Tomé, VER para crer como o Santo. Para Almada, o príncipe, esta verdade está certa, mas «se dissermos, ao invés, “Crer para Ver” parte-‐se do princípio de que quem vai ver terá olhos e, por conseguinte, já os tinha de nascença; e se “crê para ver” é porque tem fé no que os olhos ainda verão, e este é o invisível»(Almada, Ver, p. 170). A forte evocação à sagrada trindade, a força invisível criadora do universo já tratada com exuberância na igreja de Nossa Senhora de Fátima em Lisboa, regressa agora a Oeiras com a exata proporção mas de forma menos “visível”. Ambos os painéis estão inseridos no retângulo de ouro, a proporção divina perfeita vinda dos antigos.
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FIG. 14 -‐ sobreposição do vitral de Oeiras a amarelo no vão da igreja de Nª Sra. de Fátima em Lisboa. Ilustração com fotomontagem de Carlos Reis sobre foto de Mário Novais. Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
19 FIG. 15 – sobreposição do vitral de Oeiras e o rectângulo de ouro. Este obtém-‐se partindo de um quadrado e da sua linha mediana de onde no ponto de interseção se traça uma diagonal. A medida da diagonal colocada sobre o lado do quadrado a partir do ponto de interseção resulta no nº de ouro e aí é possível traçar o retângulo áureo. Desenho de Carlos Reis sobre foto de Paulo Neto
A presença divina pressente-‐se nas diversas elipses que do centro da composição integrando a coroa mural, as asas do cisne, e os crescentes de prata que o envolvem, qual ovo protector quebrado e origem de tudo, invadindo as espigas. Estas linhas circulares numa aparência subtil mas na quantidade certa recriam os “círculos órficos” do “cubismo lírico” pintados pela ucraniana em fuga da guerra, Sonia Delaunay a amiga de Eduardo Viana, Almada e Amadeo de Sousa Cardoso, que deixa Vila do Conde onde foi feliz em 1917. A guerra ainda hoje massacra a sua terra de leste e a paz a encontram por aqui os seus filhos. Os círculos fluem por toda a parte. São a perfeição da obra divina. São os planetas e as estrelas, são 2 conjuntos de 17 espigas que culminam em foice na obra de Oeiras, debruando em simetria vertical o brasão, como acontece com as 17 colunas que envolvem Atena, a deusa da guerra, no Parténon e lhe suportam templo. Também duas colunas de pedra envolvem o brasão abrigando-‐o Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
como um templo. Esta díade assumida por Almada aponta para a dualidade presente na vida, na criação e na ordem, a complementaridade, o macho e fêmea, o Sol e a Lua presentes no templo fronteiro do palácio do Marquês de Pombal e Conde de Oeiras ali do outro lado da rua. O conjunto vitralístico é formado por 17 painéis, tal como as espigas. As 17 espigas de Almada associam-‐se claramente ao esquema apresentado na conferência “os Novos” no Chiado Terrasse, em 18 de Dezembro de 1921, em que procurava demonstrar que as diversas divisões da linha de tempo tinham sempre uma proximidade geométrica que demonstraria não estarmos tão longe desse marco A -‐ o nascimento de Jesus Cristo. O século XX de Almada tem 19 divisões até Jesus. Concluindo que a última divisão deste tempo «é a projecção das outras divisões e de cada uma delas, simultaneamente; é a síntese viva de todas as outras divisões. O aproveitamento total e científico de toda a espécie de economia. Esta expressão estabelece uma nova noção de trabalho com a qual a Humanidade fica separada em dois perfis distantes.(…) o que posso assegurar-‐vos através do meu gráfico é que entre
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“novos” e “velhos” não há lugar para ninguém. Entre “novos” e “velhos” é uma passagem por onde se vai tão heroicamente de “novos” para “velhos” como de “velhos” para “novos”. (…) O lugar de um homem é aí no centro do Universo. O centro do Universo é no espaço preenchido pelo corpo de um homem!» O corpo é o ponto no centro do universo – do nó, do infinito.
FIG . 16 – esquema apresentado no artigo “Novos, Diário de Lisboa, de 19 de Dezembro de 1921 Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
Colocando este esquema na vertical complementado com o seu simétrico veremos as espigas do vitral de Oeiras. Das 17 espigas de Oeiras duas estão apontadas em direção oposta, são como 2 séculos perdidos, ficando 15 espigas na direção certa na direção dos anos de 1500 e ao fim do renascimento, a Nuno Gonçalves, a Leonardo da Vinci. O número 17 pode também ter relação com a manifestação de Deus através de Nossa Senhora em Fátima (Fatum) no ano de 1917 que anunciou a alguém um segredo só mais tarde revelado que sabemos ter relação com a convulsão vivida na Rússia nessa época e hoje. O fatum da humanidade é o conhecimento que se revelará finalmente em Liberdade. O 17 remete para o ano da publicação do seu “Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX”, o ano em que se assume como pintor, onde se confessa um construtor (de catedrais pensamos nós) e não um revolucionário mas onde adverte “Eu não tenho culpa nenhuma de ser português, mas sinto a força para não ter, como vós outros, a cobardia de deixar apodrecer a pátria”. Estávamos em plena 1ª guerra mundial, num país racionado, iletrado e dilacerado, no texto a palavra “guerra” aparece dita e escrita 25 vezes e o artista/pensador no seu 25º ano de vida (2+5= 7). Provocador, agitador de consciências quer pela palavra seca mudar o desígnio, a direção do povo, terminando o seu discurso de forma rude para alguns, em transe quiçá: «Aproveitai sobretudo este momento único em que a guerra da Europa vos convida a entrardes prá Civilização. O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades». 1917 é o ano em que sai o único número da revista Portugal Futurista. Ano em que Almada, Amadeo de Sousa Cardoso e Santa Rita celebram um pacto “futurista”, «diante da tábua quinhentista de ECCE-‐HOMO no museu de Arte Antiga», para aprofundamento do estudo dos painéis de Nuno Gonçalves, mas que de forma inesperada é rompida pelos dois últimos, deixando surpreendido e desgostoso Almada Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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FIG . 17 – “Ecce Homo”. A investigação geométrica incessante de Almada em busca do cânone. Trabalho patente na exposição “Almada Negreiros – o que nunca ninguém soube que houve”, de 12.12.2014 a 27.03.2015 -‐ Museu da Eletricidade, fundação EDP, Lisboa. Note-‐se as afinidades geométricas e simbólicas com o vitral de Oeiras nas figuras 2 e 24, por exemplo.
que no ano seguinte e de forma dramática veria morrer aqueles dois amigos, numa sequência macabra, sendo obrigado a trilhar sozinho a sua obsessiva vontade a que nos anos 50 se dedica de forma mais intensa, com as decifrações dos enigmas dos painéis e a tentativa de descoberta da chave d´Os famosos painéis como duas elipses Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
em torno das duas figuras sagradas ao centro de cada, tendo em seu torno uma vastidão de figuras laico-‐históricas que nos surgem na tradição dos doadores que espreitam a cena ou figura sagrada em adoração (cf. Fernando Rosa Dias, A arte moderna portuguesa …p. 29 a 31). Não resisto a dar nota de um testemunho real de quem presenciou uma sessão ao vivo com o mestre pouco tempo depois de executado o vitral de Oeiras; «O Número de ouro! O Número de Ouro! Gritava lá à frente. Eu via-‐o por cima das cabeças da plateia que enchia a sala. O número de Ouro! O desafio enchia o salão, fazia ricochete nas paredes e nas telas e ribombava nas nossas caras atónitas. Era Almada Negreiros. O Mestre Almada no seu melhor a provocar os artistas, os estudantes, os homens de letras e outros amantes das artes que enchiam a Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA) na Rua Barata Salgueiro, em Lisboa, no recuado ano de 1956». O jovem Raimundo Narciso consegue sintetizar de forma clara o fervor que o artista punha na defesa das suas ideias. A conferência «girou em torno do NÚMERO! O número Mágico, o número Sagrado da Estética. O 7! O 9! o 13! A relação misteriosa entre altura e largura, o quadrado, o círculo, o triângulo, as proporções do objecto, segredo do Belo, do Divino, do Mistério. Almada acreditava ou ao menos levava-‐nos a crer que acreditava no segredo de uma relação mágica das proporções do objecto da arte consubstanciada num número secreto conhecido na antiguidade, entretanto perdido e que ele incessantemente buscava. Tinha a ver com a mística pitagórica dos números, com a ciência da proporção artística na civilização Grega e que os Beneditinos na baixa Idade Média nas suas escolas de arquitectos e mestres de obras nas terras do Sacro Império Germânico conservavam. Tinha a ver com a associação semi-‐secreta da Bauhütte, continuação daquelas escolas no tempo das cruzadas. Na SNBA eu ouvia Almada e pasmava» (blogue de Raimundo Narciso, memória do presente, post em 10.7.2004). Almada viveu uma preocupação contínua, quase obsessiva, pelas temáticas clássicas geométricas e do número associadas ao cânone, à harmonia, à ordem e ao belo. Tinha um fascínio pelo número 7. Essas temáticas estão presentes em todos os seus escritos e nas obras; a tapeçaria “O Número”, na sede do Tribunal de Contas e no painel em calcário “Começar” (1968) no hall da Fundação Gulbenkian em Lisboa. A Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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encomenda mais relevante que encheu Almada de satisfação pela liberdade que teve para a conceber e como obra derradeira de uma longa carreira. Aí “traçou” todo o seu “conhecimento”, garante numa entrevista à televisão. Em jeito desafiante chamou-‐lhe “Começar”, como se só nesse tempo estivesse em condições de plenitude de conhecimentos e sabedoria necessários à criação sublime. Para que não sobrassem dúvidas, os números 7 e 1.7 e 17 estão ostensivamente presentes na obra derradeira de Almada na Gulbenkian. Morreu em 1970 aos 77 anos de idade.
O Templo Oeirense
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FIG. 18 – Almada Negreiros, vitral de Oeiras num espaço arquitectónico de sublime composição onde o olhar converge para um misterioso ponto de fuga. Tão invisível como presente. O austero templo de paredes brancas. A casa dos degraus. foto Paulo Neto
Almada construiu em Oeiras o seu templo de conhecimento. Um templo austero. Da cor branca de todas as cores. Espaço carregado de sinais dispostos em harmonia, tem simbolicamente um altar de madeira, a forma das catedrais, a forma da arca sagrada, nele refletindo a lux em duas direções; a horizontal -‐ dos vidros dos homens e a vertical do céu de Deus. Na escadaria em Y, pré-‐anunciando o “Caminho” do Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
conhecimento e da virtude, colocou 12 degraus em cada um dos três lanços, mais um no seu início, com a simbologia do 12+1 para lhe dar a natureza UNA e divina.
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FIG. 19 – o reflexo do vitral de Almada Negreiros no antigo estandarte municipal com e cruz de Santo André onde se impõe o escudo real de D. José. Conhecido como o segundo brazão data de 1898. Pode ver-‐se o escudo dos condes de Oeiras ao centro logo abaixo do escudo real. Foto de Carlos Reis
Em reflexo místico deparamo-‐nos, frente a frente, com dois altares que se completam em permanência. Nos dois a cruz de Santo André em X, a visível e invisível, a cruz do virtuoso santo mártir que por humildade não quis que a sua cruz fosse igual à de Jesus. Em diálogo místico as armas antigas e as armas novas de Oeiras. As da monarquia e da república consolidando o tempo histórico. As quatro esferas armilares colocadas no altar mais alto, o escudo real de D. José e a bandeira com as duas listas cruzadas azuis de Dom Afonso Henriques, a primordial, da conquista de Lisboa feita com os monges cavaleiros da segunda cruzada que o ajudaram na tomada da cidade em Outubro de 1147 e do nascimento de Portugal em frente ao cisne. Em ambos permanecem a Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
caderna de crescentes de prata e a estrela de oito raios em ouro do escudo dos condes de Oeiras. No primeiro grande patamar forrou o chão com 52 quadrados de pedra, para que o 7 (5+2) estivesse presente e colocou as duas longas colunas de pedra simples em simetria ao eixo visual. Apoiando a escadaria, ao centro, que em simultâneo é princípio e fim, colocou quatro colunas de pedra coroadas com a flor-‐de-‐Lis da realeza divina e decorou tudo com o azulejo simétrico, da mesma flor, entrelaçado com a cruz orbicular, a cruz dos cavaleiros deste Templo. Do seu Templo. A cruz invisível do Templo está bem no centro do Todo, aparente, inserida nos quatro crescentes que envolvem o cisne mítico. A cruz orbicular ficando visível cobre o cisne branco que mais não é que o coração revelado e imaculado de Maria. A virgem venerada pelos pobres cavaleiros de Cristo. A pomba branca do sagrado Espirito Santo. 26
Fig. 20 -‐ A decoração em azulejo -‐ A cruz orbicular na caderna de crescentes de prata e a flor-‐de-‐Lis. foto Paulo Neto
Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
Fig. 21 -‐ A cruz orbicular sobre o cisne, a mesma de ECCE HOMO – ilustração de Carlos Reis
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Fig. 22 -‐ A cruz orbicular sobre o cisne e o coração revelado de Maria – ilustração de Carlos Reis Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
Mãe Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro, 1921
Mãe! Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue verdadeiro, encarnado! Eu ainda não fiz viagens E a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar. Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-‐me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-‐te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras. Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-‐cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exatamente para a nossa casa, como a mesa. Como a mesa. Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça! Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade! (...) A mãe sempre presente em Almada em contraponto a um pai ausente, sempre ausente, que depositou os filhos num colégio interno e partiu para não mais voltar. O pai vivo morreu, enquanto a mãe está ao seu lado desde a mais terna idade, desde a formação nuclear, desde o primeiro instante da sua viagem. A mãe ouve sempre as suas viagens. Viagens que elabora cuidadosamente. Para ver a mãe promete-‐lhe saber viajar e quando voltar subirá os degraus da escadaria mais nobre, onde ao fundo ela o espera. Contará cada degrau para saber de cor o caminho feliz para a mãe. Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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Estamos sem dúvida perante um poema feliz. Puro. Pueril. Dos mais felizes de Almada. O poema verdadeiro «Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!». Esta maravilhosa sensação que se exprime no prazer da criação. Quando cria Almada é feliz porque refresca a sua sede na casa da mãe. A casa dos degraus.
A Revelação
A obra aqui analisada é motivo de orgulho para Oeiras. À vila que Almada Negreiros considera a polis erigiu-‐lhe um templo. O austero vitral é em justaposição entrada e altar. Como qualquer obra do mestre é enigmática e intencionalmente geradora de leituras e sentimentos diversos. Mesmo que aparentemente se apresente simples como simples era a figura do criador, a reflexão de maior profundidade leva-‐ nos a descobrir caminhos fantásticos, visões e sonhos. Numa palavra poesia. 29
No vitral de Oeiras cada traço tem significado. O pouco é muito. O simples é grandioso. As espigas também simulam foices. «Aos que gritam a vida cala-‐os. Parece lei. Em Portugal, no nosso século, dois gritos de Poesia se ouviram: Mário de Sá Carneiro e Amadeo de Souza-‐Cardoso. Poesia das letras e Poesia das cores. Grito do verso que é arte precoce e grito das cores que é a arte não precoce. Ceifados ambos.» (Diário de Lisboa, 21.5.1949) Cinco anos depois, nos dois conjuntos vegetais simétricos do vitral de Oeiras, Almada evocará ainda os dois poetas geniais ceifados prematuramente, ou quiçá, Santa Rita e Pessoa? Só ele sabe. Na composição de Oeiras o arranjo vegetalista e a multiplicidade de linhas rectas aparentes que encerra, nomeadamente, as linhas diagonais que se pressentem na base, formando um V, como se fosse um facho de luz, conduzem a atenção para o brasão de Oeiras iluminando-‐o em sentido ascensional. Elevando-‐o. Tornando-‐o foco e ponto de fuga de quem ascende na escadaria do conhecimento. Aí, na ave sagrada Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
manifestada no cisne, O Criador que também é Zeus pai de Apolo virado para nós vê. E depois em escala microscópica estará uma revelação enigmática algures no sétimo triângulo da estrela. A ponta da estrela virada a sudoeste define a direcção única a do amor maternal.
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FIG. 23 -‐ A microscópica figura azul da confirmação a sudoeste – o Coração da Mãe é-‐nos revelado!
Num pequeno coração azul. O mesmo amor do coração branco que se esconde atrás da cruz dos monges cavaleiros das cruzadas -‐ o Sagrado Coração. O coração da Mãe. A mãe mítica, plena e permanente intrínseca em si, corpórea, pela construção mental do filho «Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-‐cego muito apertado!». A mãe presente e física que «Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!». A mãe vive na casa dos degraus. Um simples ponto azul. Um cérebro de menino que na geometria descobriu o refúgio sagrado da criação superior, o caminho, o afago maternal. O Génio. Que outros segredos estão escritos no espaço? Almada nunca dá . sem ∞ Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
O vitral de Oeiras de Almada Negreiros não é mais do que parte de um Todo espacial depurado e harmonioso como qualquer templo deve ser. Encerra mistérios e evoca a criação divina e humana, o sagrado e o sensível. Outras mensagens, estão ainda a caminho. Mas esta mensagem de amor simbolizada no microscópico ponto azul, só visível pelo filho -‐ tinha de ser revelada no ano de 2014 (2+0+1+4 = 7). E FOI. SETE. O número mágico da estrela do cisne, o número de ALMADA. FIM
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FIG. 24 – uma geometria oculta do vitral – ilustração de Carlos Reis Carlos Filipe Guerra da Anunciação Reis, Dez. 2014 -‐ Almada Negreiros e o Templo de Oeiras. A obra em vitral de 1954
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