Álvaro de Campos e a Modernidade Líquida

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Álvaro de Campos e a Modernidade Líquida

José Vieira Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Nós não somos do seculo d’inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d’inventar outra vez as palavras que já foram inventadas. José de Almada-Negreiros, A invenção do dia claro

Álvaro de Campos, um dos mais importantes heterónimos pessoanos, senão o mais complexo de uma galáxia povoada por uma demografia imaginária, teve um papel preponderante no processo de mudança estético-literária que se deu em Portugal nos inícios do século XX. Engenheiro naval e poeta, Campos surge na arrojada revista Orpheu com um longo poema intitulado “Ode triunfal”, onde a apologia da máquina, das fábricas, das sensações e do Movimento estonteiam os leitores e os críticos literários. É com o lançamento de Orpheu que podemos falar de Modernismo em Portugal. O grande mentor desta revista que só teve dois números, ficando o terceiro no prelo, foi, sem dúvida, Fernando Pessoa, mas não nos podemos esquecer de nomes sonantes e figuras importantes do nosso Modernismo, como é o caso do seu amigo, íntimo e de correspondência, Mário de Sá-Carneiro, ou de José de Almada Negreiros. Na verdade, os críticos da época vociferaram contra Orpheu. Na Capital, por exemplo, podemos encontrar a seguinte opinião: O que se conclui da literatura dos chamados poemas subscritos por Mário de Sá-Carneiro (…), Álvaro de Campos e outros é que eles pertencem a uma categoria de indivíduos que a ciência definiu e classificou dentro dos manicómios, mas que podem sem maior perigo andar fora deles (…) a «linguagem de malhas perdidas, fragmentária, desconchavada, cheia de lacunas correspondentes a palavras, frases ou pensamentos inteiros que não tiveram tempo de fixar-se (…) tudo isso que assinala a arte do paranóico literato (…) Correntemente, eis o que se verifica na obra dos jovens do Orpheu, alguns dos quais talvez tenham ideias,

mas tão singulares que só confirmam o seu desvio vesânico. (Júdice, 1986, pp. 61-62). Ainda que apelidada de “literatura de manicómio”, os poemas e textos apresentados em Orpheu terão repercussões que ultrapassariam a própria vida dos seus autores, reais e fingidos, sendo que ainda hoje são de importância não só para quem estuda e investiga, mas também para todos aqueles que se aventuram pelo mundo da escrita. O Modernismo, nascido nas Américas e nas Europas pensantes, torna-se num grande movimento artístico que influenciará a literatura, o bailado, a música, e pintura e a escultura, entre outras manifestações artísticas. Não é de admirar, portanto, que os poetas de Orpheu seguissem na esteira dos grandes modernistas europeus. Em Portugal, os modernistas demonstram essa vontade de quererem ser europeus e internacionais, o que revela não só o caráter vanguardista do movimento, mas também a sua dupla meta: por um lado, “tratava-se do desejo de universalidade que impunha a superação das limitadas fronteiras portuguesas e, simultaneamente, de uma vontade de ruptura com a literatura do passado” (Reis, 2006, p. 170), o que, por conseguinte, explica o fascínio e o deslumbramento para com o futuro e para com tudo aquilo que fosse novidade. Afinal, “O Modernismo português incluía em si o projecto de uma estética aberta, essencialmente expansiva, ecléctica e disponível a tudo quanto se mostrava diferente, estranho, exótico” (Idem: ibidem). Daí o fervor pela absoluta originalidade e, ao mesmo tempo, pela universalidade e pelo seu carácter transnacionalista, o cosmopolita. Este pensamento refletir-se-á nos escritos do próprio Pessoa: O que quer Orpheu? Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço. A nossa época é aquela em que todos os países, mais materialmente do que nunca, e pela primeira vez intelectualmente, existem todos dentro de cada um, em que a Ásia, a América, a África e a Oceânia são a Europa, e existem todos na Europa. Basta qualquer cais europeu – mesmo aquele cais de Alcântara – para ter ali toda a terra em comprimido. E se chamo a isto europeu, e não americano, por exemplo, é que a Europa, e não a América, a fons et origo deste tipo civilizacional, a região civilizada que dá o tipo e a direcção a todo o mundo. Por isso a verdadeira arte moderna tem de ser maximamente desnacionalizada – acumular dentro de si todas as partes do mundo. Só assim será tipicamente moderna. Que a nossa arte seja uma onde a dolência e o misticismo asiático, o primitivismo africano, o cosmopolitismo das Américas, o exotismo ultra da Oceânia e o maquinismo decadente da Europa se fundam, se cruzem, se interseccionem. E, feita esta fusão

espontaneamente, resultará uma arte-todas-as-artes, uma inspiração espontaneamente complexa (Pessoa, 1972, pp. 113114). De facto, o cosmopolitismo e o constante desejo de rutura com o passado ao mesmo tempo que se faz a apologia do novo, do original e do autêntico, acaba por ser uma linha de reflexão que já tinha sido pensada pelos românticos, no que diz respeito à questão da originalidade. Não é de estranhar, portanto, que os homens de Orpheu se considerassem revolucionários (…) a sua revolta era dirigida quer contra a cultura mais retrógrada quer contra o cansado positivismo de uma burguesia bem intencionada mas principiante e terrivelmente retardatária que, esteticamente, não vai além das formas do Naturalismo de Zola. A revolta de Orpheu sabia a Europa: importava e divulgava na foz do Tejo todos os ismos que estavam na berra nas margens do Sena (o dadaísmo, o futurismo, o cubismo, o orfismo, o simultaneísmo) e fabricava alguns em Portugal (Tabucchi, 1983, p. 17). O cosmopolitismo será, sem dúvida, de extrema importância para os modernistas. É com as grandes avenidas Haussmannianas rasgadas, com a institucionalização sociopolítica do capitalismo e da sociedade industrializada, com o avanço da ciência e com a descoberta de novas teorias como a da relatividade, dos primeiros passos ou voos da aviação, dos grandes paquetes transatlânticos, da propagação do telefone e dos combustíveis a diesel e da sensação de que o mundo se torna mais pequeno e é possível estar em todos os lugares, que o Modernismo surge nas grandes capitais europeias e americanas. Pessoa irá também refletir sobre o cosmopolitismo e o internacionalismo: A arte (…) a literatura (…) ao mesmo tempo que interpreta uma época, reage contra ela (…) Assim, a arte (e sobretudo a literatura) expressão intelectual de sociedades, tem o fim de ao mesmo tempo exprimir as suas tendências ocultas e de as contrariar, ordenando-as (…). (…) Ora a vida contemporânea define-se por dois grandes fenómenos (…) o internacionalismo e o predomínio da ciência (…). (…) O internacionalismo (…) deriva da extensão do comércio, da multiplicação das indústrias, da facilidade excessiva de comunicações, do aumento de conhecimentos inter-linguísticos, de todas as interacções resultantes que radicam a vida cosmopolita como característica da nossa época. (…) a escola literária que queira representar a nossa época, tem de ser aquela que procure realizar o ideal de todos os tempos, de ser a síntese viva das épocas todas (…) A arte

moderna deve portanto buscar exprimir ao mesmo tempo o universal e o pessoal, o abstracto e o concreto (Pessoa, 1999, pp. 222-224). Esse cosmopolitismo e essa nova poética será pensada por Wagner, por exemplo, e por Charles Baudelaire, que tem plena noção da importância da cidade para a criação literária. Aliás, nas palavras de Eduardo Lourenço acerca do poeta do absinto podemos ver que para Baudelaire, a modernidade é Paris, monstro fascinante e ambíguo, já adivinhado por Balzac e Victor Hugo e à espera de ser clinicamente desventrado por Zola. Assim existia já uma certa prosa de Paris e uma certa poesia, mas antes de Baudelaire não se havia visto com soberana acuidade que Paris era nova prosa e mais aquém ou além, envolvendo-a, poética nova (Lourenço, 2003, pp. 167-168). Essa “poética nova” só é possível se tivermos em linha de conta dois aspetos que serão fundamentais para o sujeito moderno, líquido, múltiplo e fragmentado: em primeiro lugar, a perda da unidade do sujeito que, de acordo com as palavras de Stuart Hall, o sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo – contínuo ou “idêntico” a ele – ao longo da existência do indivíduo (…). O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não-resolvidas. (…) Este processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (…) O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente (Hall, 1997, pp. 11-13). É, pois, com o advento do Romantismo e consequente valorização da subjetividade e sensibilidade exacerbada que se dá a fratura do sujeito. Esta fratura levará o sujeito romântico a refugiar-se em locais remotos, daí a valorização das grandes paisagens e da natureza.

Em segundo lugar, temos de ter em conta a perda da auréola do poeta que, afastado das cidades e vivendo isolado, acaba por ter que voltar às grandes metrópoles, pois é nelas que se canta a vida nova, a vida moderna. Ser poeta na modernidade é ser anónimo e cantar as desgraças da cidade, desde a inveja das velhinhas que observam as moças, aos candeeiros a gás, ao absinto, à prostituição e à criminalidade. É Baudelaire o percursor deste novo sujeito poético. As suas obras As Flores do Mal de 1857 e O Spleen de Paris, já póstuma, de 1869, são o reflexo deste poeta que se torna num deambulador, isto é, num flâneur, um passeante das ruas das grandes cidades. Se no poema “Albatroz”, Baudelaire nos fala do “viajante alado/outrora tão belo e agora cómico e feio (…) Assim como o poeta. Equivalente do rei aéreo/ Paira sobre o bravio rindo-se não sendo alvo/ Mas se exilado em terra no meio dos tristes/ Suas asas de gigante fazem dele um pobre” (Baudelaire, 2011, pp. 35 e 37), dando a entender que o poeta deixou de ser aquela figura mítica que se refugiava na sua turris ebúrnea, é no poema “Perda de Auréola” da obra O Spleen de Paris que o poeta desce da sua solidão e do seu isolamento. Assim, o poeta mortaliza-se, humaniza-se. Eia! Quê! Tu aqui, meu caro? Tu, num lugar reles! Tu, o bebedor de quintas-essências! Tu, o saboreador da ambrósia! Na verdade, há nisto qualquer coisa que me surpreende. – Meu caro, conheces o meu pavor dos cavalos e das viaturas. Há pouco, ao atravessar o boulevard a toda a pressa, e ao saltar na lama através desse caos movimentado onde a morte avança a galope de todos os lados ao mesmo tempo, a minha auréola, num movimento brusco, caiu-me da cabeça no lodo do macadame. Não tive coragem para a apanhar. Julguei menos desagradável perder as minhas insígnias do que partir os ossos. E depois, disse comigo mesmo, há males que vêm por bem. Agora posso passear incógnito, fazer más acções, e entregar-me à crápula, como os simples mortais. E eisme aqui, semelhante a ti, como vês! (Baudelaire, 1991, p.131). É essa humanização, a constante deambulação e a noção que o sujeito não é uno nem harmonioso que dão origem ao sujeito moderno, múltiplo, líquido e viajado. Ora, de que forma se torna possível percebermos que Álvaro de Campos é fruto e produto de todo este longo caminhar que tem início nos idos de Oitocentos? É através dos seus poemas que nos apercebemos que o engenheiro naval se insere no quadro dos sujeitos que têm como objetivo não permanecerem fixos, ainda que

pareçam querer, por vezes, demonstrar o contrário, andando em busca de algo que os faça acalmar a angústia interior, o gouffre. O sujeito passa, então, a ser um “Homo fractilis” e um “Homo erraticus”, para usarmos aqui dois conceitos de Michel Maffesoli. Para o sociólogo francês, é Pessoa o inventor do “Homo Fractilis”, tendo em conta que o “jogo heteronímico traduz uma busca do Eu” (Shin, 2014, p. 36. Tradução nossa). Esta ideia de fratura, de fragmento só é possível tendo em conta a questão que o mundo moderno é um mundo fluido, daí que “a fluidez da água seja emblemática do carácter liquefeito da nossa época (e da de Pessoa) desencantada: a perda da auréola do mundo moderno deve-se à perda da solidez” (Idem, p. 17. Tradução nossa), do sujeito. A fluidez em Campos pode ser vista en abyme, visto que este se torna, não só no heterónimo por excelência, mas também no sujeito modelo da modernidade. Logo na profissão que lhe é atribuída estamos perante um sujeito da novidade e do progresso tecnológico, de um sujeito moderno e cosmopolita, com uma constante sede do novo. A profissão de engenheiro naval é como que fruto de todo o progresso a que a sociedade do início do século XX presenciou, acreditando que através da ciência, o homem iria dominar o mundo e a natureza. Este movimento e o constante desejo das sensações está bem presente em poemas da sua fase sensacionista, como é o caso da “Ode triunfal” em que nos deparamos com um sujeito poético sedento das máquinas: “E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso/ de expressão de todas as minhas sensações, / com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!” (Lopes, 2013, 81). Mas se é fácil encontrarmos essa ânsia das sensações também não se torna difícil darmos conta do sujeito em constante movimento, em constante desejo de viagem, pois sabemos que o sujeito moderno, que passou a ser o deambulador, o turista e o vagabundo, deixou de procurar a sua identidade num só lugar, dado que o mundo, as cidades, são agora o seu habitat. A busca da identidade torna-se portanto, como que contraproducente, visto que a estratégia da vida moderna surge animada “pelo horror à ligação e à fixação” (Bauman, 2007, 97). Surge, pois, a imagem daquele sujeito que Com as malas feitas e tudo a bordo/ E nada mais a esperar da terra que deixamos, /Já com trajes moles característicos dos viajantes, debruçados da amurada/ Digamos adeus com um levantar da alegria ao que fica, / Adeus às feições, e aos pensamentos domésticos, e às lareiras, e aos irmãos/ E enquanto se abre o

espaço entre o navio lento e o cais/ Gozemos uma grande esperança indefinida e arrepiada,/ Uma trémula sensação de futuro (Lopes, op.cit., 238). Mas sendo Álvaro de Campos o sujeito, exemplar, da modernidade, e ao mesmo tempo o expoente máximo da heteronímia, não é somente na sua fase, momento sensacionista que o encontramos sob a imagem do turista, do vagabundo e do flâneur. Logo naquela suposta fase simbolista-decadentista que Pessoa cria para o senhor engenheiro, encontramos indícios de alguém que parece ter como vocação não só o mundo, mas também a constante mudança. Além do poema “Opiário” ter sido escrito a bordo de um navio que atravessava o canal do Suez, é o próprio Campos, jovem e amante de ópio - e não esqueçamos aqui o imaginário que advém do ópio, tão propício a viagens outras – que nos diz: “Sou desgraçado por meu morgadio./ Os ciganos roubaram minha Sorte./ Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte/ Um lugar que me abrigue do meu frio. (…) Não posso estar em parte alguma. A minha/ Pátria é onde não estou.” (Idem, pp. 59 e 62). Já na sua fase intimista, de um Campos metafísico e aposentado, encontramos o engenheiro naval não só na sua incessante busca de uma infância perdida, de um passado mítico e místico que já não existe mais, mas que continua a fazer parte desse projeto que é a busca de uma identidade. No entanto, essa busca da identidade termina na desilusão e na angústia, dando azo a uma certa nostalgia. Ora, vários são os poemas onde se denotam estas características, contudo, é a nota final do poema “Pecado Original” que acaba por ser o cais de embarque para compreendermos o seu autor: “Mundo, 7 de Dezembro de 1933” (Idem, p. 484). Eis o vagabundo da modernidade: um sujeito que “não se sabe para onde irá a seguir, porque ele próprio não sabe ou isso não o preocupa muito. A vagabundagem não tem itinerário fixo de antemão. (…) Onde quer que vá, o vagabundo é sempre um estranho, (…) traz consigo o cheiro de outros lugares. (Bauman, op. cit., p. 100). Na verdade, “por ter sido um dilacerado, peregrino através de todas as crenças, de todas as filosofias, de todas culturas, sem em nenhuma conseguir lançar a funda raiz duma certeza” (Lopes, 1990, p. 16, Álvaro de Campos acaba por se apresentar, também como um judeu errante “dentro de si próprio, sem poiso nem pátria” (Idem, p. 19). A sua pátria perdida é a sua infância e todo o ambiente familiar presente no poema “Notas sobre Tavira”

De repente avanço seguro, resolutamente./ Passou toda a minha hesitação/ Esta vila da minha infância é afinal uma cidade estrangeira./ (Estou à vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada) / Sou forasteiro, tourist, transeunte./ É claro: é isso que sou./ Até em mim, meu Deus, até em mim. (Lopes, 2013, pp. 452-453). Ainda que não partilhe com Caim o pequeno sinal negro na fronte, Álvaro de Campos partilha o mesmo destino de errância, de partidas e de chegadas. É este o novo tipo de herói. “O herói da modernidade assente na estética do maldito” (Rouart, 1988, p. 115, tradução nossa). (questão que surge no Romantismo com Byron e outros românticos, imagem do poeta maldito, refugiado, isolado) E se o sujeito da modernidade se reflete perfeitamente em Álvaro de Campos é porque este também é o heterónimo por excelência, visto que a fluidez é em si uma constante. Para além de ser um vagabundo, um flâneur, para usarmos aqui a expressão baudelairiana, Álvaro de Campos é o sujeito da obra de arte do futuro preconizada por Wagner, ainda que vestido do avesso. Temos de ter em atenção que o próprio Campos é um heterónimo que sofre mutações, evoluções, que se vai metamorfoseando com o passar do tempo. O Campos de 1913, onde a rima e a musicalidade tão ao gosto simbolista está presente, não é o Campos sensacionista que canta euforicamente as máquinas e o Progresso. O Campos metafísico, aposentado, não é mais o engenheiro que entra e se sente triunfal nas fábricas e nas gares e nos cais e nas varandas dos hotéis cosmopolitas, sem fôlego de tanto ânsia pelo Progresso. O que todos eles têm em comum é a viagem, o movimento, a errância, a fluidez. O que todos eles têm em comum é o seu estar à parte na vida. Só assim percebemos o porquê de no poema “Tabacaria”, o engenheiro naval dizer-nos que O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.(…) Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, Ainda que não more nela; Serei sempre o que não nasceu para isso; Serei sempre só o que tinha qualidades (Pessoa, op. cit., p. 136). Anónimo, múltiplo e fragmentado, eis como Álvaro de Campos é filho da modernidade líquida.

Bibliografia

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