América Latina: as Repúblicas que ainda não deram certo

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Márcio Gandolfo Tótoli
UNIVERSIDADE DE FRANCA

América Latina: as Repúblicas que ainda não deram certo

O poder de influência do principal país da América do Norte, os Estados Unidos, no ano de 2015, tanto econômico quanto bélico, faz mover forças e paixões contra e ao seu favor. Por sua vez, a América Latina – e nesta análise inclua-se o Brasil – tomou decisões diferentes em seu desenvolvimento desde a colonização até os países independentes, o que deram a ela um caráter diverso da potência do Norte. De diferentes mentalidades, há sempre que se buscar as razões pelas quais os Estados Unidos "deram tão certo" enquanto os outros países, tanto da América Central como do Sul, estão sempre lutando para encontrar seu lugar no restrito rol dos países mais desenvolvidos. Max Weber, em sua obra "A ética protestante e o espírito do capitalismo" fez um ensaio – com alguns itens especulativos – sobre a associação entre a ética protestante do "Chamado" e a forma pelo qual possui uma afinidade eletiva com a forma em que funciona o capitalismo. A intenção deste trabalho, porém, é de buscar outras razões para o mesmo efeito, sem desconsiderar a análise já feita por Weber.
Inúmeros aspectos podem ser escrutinizados para se tentar encontrar essas razões na diferença nos desenvolvimentos dos Estados Unidos e dos países da América Latina. Esse índice de desenvolvimento, entretanto, não é uma ideia abstrata, mas foi retirado a partir de informações baseadas em números providos pelas Nações Unidas em seu site oficial, no qual oferece um relatório com os números do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) desde 1980 até 2013, última data de medição. De acordo com o índice, os Estados Unidos se encontram na 5ª posição em 2013, enquanto ou primeiro país da América latina a fazer parte da lista, por ordem, é o Chile, que ocupa a 41ª posição. O Brasil, neste relatório, ocupa a 79ª posição atrás de países como Argentina, Cuba e Venezuela.
Um fato a ser observado é a diferença entre os Estados Unidos e Canadá do resto das Américas com relação aos seus regimes: o autoritarismo esteve quase sempre presente na história latino-americana. Assim, a dicotomia autoritarismo-liberdade se encontra no centro desta análise. Partindo-se desse princípio, pode-se traçar o desenvolvimento paralelo entre os Estados Unidos e Canadá e o resto dos países da América Latina desde suas épocas de colonização e de como estas possuíram caráter diferente. Essa diferença seria uma questão de competência: Portugal e Espanha foram mais competentes em seus papeis de metrópoles, enquanto a Inglaterra, mais "frouxa", não o foi; neste mesmo aspecto pode-se analisar a diferença entre o anglicanismo e suas vertentes nos Estados Unidos e a mão também forte da Igreja Católica como força criadora e mantenedora da moral nos seus respectivos territórios. É necessário, porém, discorrer sobre o que é o real significado de liberdade para o estadunidense.
O colono já possuía em si o espírito aventureiro e de liberdade. Levado ao Novo Mundo por motivos parecidos – alguns eram da camada inferior da gentry em busca de um novo e próspero começo, outros partiram buscando por uma maior liberdade religiosa, outros simplesmente pelo dinheiro e oportunidades financeiras e até prisioneiros – todos compartilhavam esse sentimento de liberdade, que foi reafirmada, no plano espiritual, pelo Grande Despertamento. Tendo seu início na Irlanda e, assim, alcançando a Colônia, o Despertamento pregava, dentre outras coisas, principalmente a capacidade de mudar suas vidas com o livre-arbítrio – uma força democratizante – e também a igualdade espiritual, na qual incluía mulheres, negros e os pobres. Além disso, foi uma força antiautoritária comandada por padres não ortodoxos e pessoas sem vínculo com nenhuma Igreja em particular, uma vez que o Grande Despertamento permitia uma análise dos escritos da Bíblia e a sua interpretação individual. O resultado foi uma mistura sentimentos individualistas e de fortalecimento pessoal, uma forma de independência individual. Com isso, pode-se perceber que o estadunidense, antes de sê-lo, já possuía em seu âmago a aversão ao autoritarismo e a preza pela liberdade individual acima de todas as coisas, como demonstra a leitura de uma carta anônima do século XVIII pela professora Doutora Joanne Freeman da Universidade de Yale nos Estados Unidos, que indagava o que significava as riquezas, a saúde, ou mesmo a vida, se não há liberdade. Na América espanhola e no Brasil, a concepção de liberdade possuiu caráter diferente.
José Murilo de Carvalho e Charles A. Hale pontuaram em suas análises como a liberdade através do Liberalismo e das tentativas de formação das nações através de símbolos e ícones. Como foi pontuado por Freeman, a diferença econômica entre as classes era existente na colônia britânica, porém bem menor que a observada na América Latina. Ainda, como explicou Hale, o Liberalismo na América Latina tomou uma forma diferente daquela clássica, a partir da assimilação de elementos positivistas. Como resultado, o que houve na América Latina foi a estratificação social somada a um abismo econômico, resultado do caráter predatório do Liberalismo nas mãos das oligarquias. Desta forma, pode-se entender a constante busca pelo líder messiânico, carismático do latino-americano.
Os líderes carismáticos foram comuns na América Latina nos séculos XIX e XX. Vários foram os exemplos: Getúlio Vargas no Brasil, Porfírio Diaz no México, Juan Perón na Argentina; a populismo encontrou solo fértil nos países da América Latina – solo esse não encontrado na Rússia e Estados Unidos, locais da sua gênese. Ainda, no contexto da Guerra Fria, várias foram as ditaduras de direita que se implantaram para combater as ameaças comunistas, com a ajuda dos Estados Unidos, além da ditadura socialista de Fidel Castro em Cuba como sua antagonista. Gustave Le Bon, sociólogo e psicólogo social francês com viés cientificista afirmou que ser o senso de dever anglo-saxão e seu impulso e relação intrínseca com o conceito de liberdade resultado de sua "alma racial", enquanto o latino-americano busca pela igualdade e possui uma grande dependência do Estado. Mesmo que não se possa concordar com o parâmetro racial usado por Le Bon, a mentalidade do latino-americano tem a tendência a buscar pela igualdade – e não pela diversidade individual, resultado da liberdade – e também de se identificar com governos autoritários, como visto nos diversos governos populistas que, em um aspecto geral, baseavam-se na figura do governante.
Um dos resultados das diferentes mentalidades entre estadunidenses e latino-americanos foi que, enquanto os primeiros já possuíam participação política e liberdade para discussão de ideias, os governos autoritários dos segundos – populistas ou não – contribuíram para a falta de participação popular no processo democrático. Como disse Marco Túlio Cícero em sua obra Da República,
Mas quando o povo sabe [...] manter suas prerrogativas, não é possível encontrar mais glória, prosperidade e liberdade, porque então permanece árbitro das leis, dos juízes, da paz, da guerra, dos tratados, da vida e da fortuna de todos e de cada um; então, e só então, é a coisa pública do povo.
As palavras de Cícero, em tempos de República romana, já advertiam para a importância da instrução e liberdade para a pluralidade de ideias, fazendo, com isso, que o povo faça realmente parte do processo político e social de seu Estado ou nação. Desta forma, um dos maiores danos causados pelos governos autoritários na América Latina foi justamente a ausência do povo na res-pública; por muito tempo não havia nem mesmo o direito de voto para a maioria da população e, mesmo nos dias de hoje com a abertura democrática, são em grande maioria meros coadjuvantes no processo eleitoral.
Levando-se em consideração a análise de Weber, os Estados Unidos são mais adaptados ao capitalismo devido a sua mentalidade, e já possuem vasta experiência neste processo eleitoral, uma vez que pode-se datar esta participação desde meados do século XVIII. A América Latina, por outro lado, ainda é uma jovem em estado de aprendizado. Ainda é comum na América Latina a prática da Estadania, termo usado por José Murilo de Carvalho para explicar a exacerbada dependência do Estado do brasileiro. Talvez o desabafo de Alberto Torres, ainda nesta mesma obra, delineie de forma bastante crua a mentalidade democrática jovem do brasileiro da República Velha, quando diz que "Este Estado não é uma nacionalidade; este país não é uma sociedade, esta gente não é um povo. Nossos homens não são cidadãos.". Some-se a isso o catolicismo – base religiosa da América Latina, em contraponto com o protestantismo dos Estados Unidos –, que enxerga de forma diferente do protestantismo o acumulo de capital, e considerando-se que vivemos em um mundo basicamente capitalista, a mentalidade do estadunidense é, assim, melhor adaptada ao sistema social e econômico global que aquela do latino-americano. Dizer que a América Latina não deu certo pode ser um tanto duro e apressado; pensar que ela ainda está em fase de desenvolvimento social e econômico ajuda a pintar um horizonte mais otimista no qual ela não deu certo ainda, e ainda apenas.
Referências bibliográficas:

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CÍCERO, Marco Túlio. Da República. Tradução de Amador Cisneiros. Rio de Janeiro: Ediouro, [19--].

HALE, Charles A.. Ideias políticas e sociais na América Latina. In: História da América Latina. Org. Leslie Bethel. São Paulo: USP, 2001, vol. IV.

HIST-116 – The American Revolution. Lecture 2: Being a British Colonist. Disponível em http://oyc.yale.edu/transcript/262/hist-116. Acessado em: 28/10/2015.

United Nations Development Programme. Human Development Reports. Disponível em: http://hdr.undp.org/en/content/human-development-index-hdi-table. Acessado em 25/10/2015.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2012.


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CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007; HALE, Charles A.. Ideias políticas e sociais na América Latina. In: História da América Latina. Org. Leslie Bethel. São Paulo: USP, 2001, vol. IV, pp. 331-414.
HIST-116 – The American Revolution. Lecture 2: Being a British Colonist. Disponível em http://oyc.yale.edu/transcript/262/hist-116. Acessado em: 12/08/2014.
HALE, Charles A.. Ideias políticas e sociais na América Latina. In: História da América Latina. Org. Leslie Bethel. São Paulo: USP, 2001, vol. IV, pp. 348-361.
Ibidem, p. 366.
CÍCERO, Marco Túlio. Da República. Tradução de Amador Cisneiros. Rio de Janeiro: Ediouro, [19--].
p. 43.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2012.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Pp. 17-35.
Ibidem, p. 33.


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